INTELLECTOR
Ano V
Volume V
Nº 10
Janeiro/Junho 2009
Rio de Janeiro
ISSN 1807-1260
www.revistaintellector.cenegri.org.br
Igual mas Diferente: a Política Externa Brasileira em Perspectiva
Histórica e seus Desafios no Novo Contexto Global*
Natalia Maciel**
Resumo
O artigo tem como objetivo mostrar através da análise histórica da política externa
brasileira que apesar das constantes mudanças globais e das resultantes mudanças de
estratégia da política externa brasileira, o princípio da autonomia e o objetivo da busca por
desenvolvimento econômico permanecem os mesmos. Para isso os paradigmas
tradicionais da política externa, assim como a atual estratégia de inserção internacional
pela ativa participação nas organizações internacionais, são descritos a fim de melhor
avaliar a ação internacional do Brasil em um sistema internacional em constante
transformação.
Palavras–Chave: Política Externa Brasileira, Mudanças Globais, Potências Emergentes,
Cooperação Sul-Sul, Diplomacia.
Abstract
The article aims to show through historical analysis of Brazilian foreign policy that in spite of
global change and resulting changes in Brazilian foreign policy strategy, the principle of
autonomy and the final objective of economic development remain the same. To do this the
traditional paradigms of foreign policy and the current strategy of international insertion by
active participation in international organizations are described in order to better assess the
international action of Brazil in an international system in constant transformation.
Key Words: Brazilian Foreign Policy, Global Change, Emerging Powers, South-South
Cooperation, Diplomacy.
*
Este trabalho é um esboço inicial de pesquisa a ser desenvolvida no Centro de Estudos em Geopolítica e Relações
Internacionais (CENEGRI). Para críticas e sugestões favor escrever para [email protected].
**
Natalia Maciel é bacharel em Relações Internacionais pela PUC-Rio, mestranda em Ciência Política pelo IUPERJ e
diretora do CENEGRI.
Recebido em 10/02/2009. Aprovado para Publicação em 02/03/2009
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Introdução
O
presente trabalho tem como objetivo principal mostrar a capacidade da política
externa brasileira de sofrer transformações a fim de alcançar seu objetivo final de
desenvolvimento econômico, que é fixado historicamente.
As constantes mudanças por que passa o sistema internacional obriga os países a
formularem as melhores estratégias a fim de tirarem melhor proveito dos incentivos
externos. Com o Brasil não é diferente; o artigo apresenta brevemente os principais
momentos da política externa brasileira, explicando seus principais paradigmas
(estratégias), o americanismo e o globalismo, culminando em sua crise na década de
1990. O fim da Guerra Fria, o advento da globalização e da liberalização econômica, entre
outros, obriga a política externa brasileira a reformular suas estratégias para que possa
continuar a busca pelo seu objetivo último, que permanece o mesmo.
Para solucionar o problema da crise de paradigmas, o artigo incorpora como a nova
estratégia da política externa brasileira o paradigma do institucionalismo pragmático, termo
cunhado pela professora Letícia Pinheiro. Assim, tanto o governo Fernando Henrique
Cardoso quanto a administração de Lula da Silva são estudados tendo em vista a
reestruturação do sistema internacional em dois momentos – o pós-guerra Fria e o pós-11
de setembro - à luz desse novo paradigma.
Desta forma, na próxima seção a política externa brasileira e seus paradigmas tradicionais
serão descritos em perspectiva histórica. Na terceira seção o trabalho de Letícia Pinheiro é
explorado a fim de entendermos o novo paradigma da política externa proposto por ela, o
institucionalismo pragmático. Na quarta e quinta seções a política externa dos governos
FHC e Lula são analisadas tendo em vista a perspectiva do institucionalismo pragmático,
as mudanças globais e os desafios por elas impostas.
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Os paradigmas tradicionais da Política Externa Brasileira e sua Crise
A política externa de um país pode ser entendida como a conjugação dos interesses e
idéias de seus representantes sobre sua inserção no sistema internacional, tendo por base
seus recursos de poder. Desta forma, no plano das idéias que orientaram a política externa
brasileira no último século destaca-se a busca pela autonomia.
Entende-se como autonomia a capacidade de um Estado para tomar decisões baseadas
em necessidades e objetivos próprios sem interferência nem constrangimentos externos.
Assim, o Brasil, ao longo da história de sua política exterior, buscou sua autonomia de
diversas formas: por meio da aproximação dos pólos de poder mundial, pela diversificação
das parcerias, ou ainda pela maior participação nas instituições internacionais. Conclui-se
que a política externa brasileira ao longo do século XX foi marcada pela busca de recursos
de poder que garantissem maior autonomia do país no plano internacional.
No plano dos interesses esse período foi marcado pela constante busca pelo
desenvolvimento econômico, que se apresenta ainda hoje como fator de continuidade da
política externa brasileira. Contudo, em momentos pertinentes, houve mudanças nos meios
para alcançar tal objetivo. Nesse sentido, é importante ressaltar que o objetivo de
desenvolvimento econômico sempre esteve associado ao princípio da autonomia. Pinheiro
esclarece que:
Passando de um modelo agrário-exportador, em que a venda de produtos primários
no mercado internacional se constituía na principal fonte de recursos da economia,
para um projeto de desenvolvimento de caráter industrializante com forte proteção do
Estado, até o período mais recente em que imperou a lógica do mercado, vê-se que
ao longo dos anos a satisfação dos interesses perseguiu estratégias econômicas
diferentes, mas sempre em busca do mesmo objetivo: o desenvolvimento (Pinheiro,
2000:8).
Cabe agora esclarecer quais foram os paradigmas que nortearam a política externa
brasileira no último século, tendo em vista que, apesar da continuidade vislumbrada nos
objetivos, as estratégias por muitas vezes tiveram que ser revisadas a fim de alcançá-los.
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Ao longo do século XX, da gestão do Barão do Rio Branco (1902-1921) até o início do
governo de Collor de Mello (1990), a política externa brasileira foi analisada por dois
paradigmas diplomáticos, que consistem em “teorias de ação diplomática formadas por um
conjunto de idéias que constitui a visão da natureza do sistema internacional por parte dos
formuladores de política de cada época” (Pinheiro, 2000:308).
O paradigma americanista concebia os Estados Unidos como eixo da política externa,
tendo em vista seu papel de potência global e hegemônica no hemisfério ocidental. Uma
maior aproximação com esse país elevaria os recursos de poder do Brasil, aumentado
assim sua capacidade de negociação. O paradigma globalista, por sua vez, constitui-se
como uma crítica nacionalista à alternativa anterior, e propunha a diversificação das
relações exteriores como condição para o aumento do seu poder de barganha no mundo,
inclusive junto aos Estados Unidos (Lima, 1994:34-35; Pinheiro, 2000:309).
Desta forma, cada um desses paradigmas marcaram quatro momentos correspondentes à
sua hegemonia. O primeiro, compreendido entre o início do século XX até o final da
década de 1950 foi marcado pelo paradigma americanista.
Esse primeiro momento tem como ponto de partida a chega do barão do Rio Branco ao
posto de chanceler, em 1902. A busca americana por hegemonia política e econômica no
hemisfério transformava o Brasil e os demais países do continente americano em sua área
de influência. Rio Branco, desta forma, entendia que a melhor forma para que o Brasil
pudesse aumentar seus recursos de poder no sistema internacional era “estabelecer com
Washington uma relação preferencial buscando obter vantagens desta aproximação em
ganhos recíprocos, ainda que assimétricos” (Pinheiro, 2004: 14/15).
Este momento também leva em conta o período da eqüidistância pragmática, política
adotada na década de 1930 pelo Brasil a qual era constituída por aproximações alternadas
e simultâneas dos Estados Unidos e da Alemanha. A estratégia, cujo nome foi cunhado
pelo historiador Gerson Moura, consistia em tirar proveito da disputa entre os dois países
fazendo barganhas com ambos os lados. As duas potências compreendiam que a
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recuperação de suas economias, abaladas pela crise de 1929, dependia da reativação do
comércio mundial. Estados Unidos e Alemanha, por não possuírem colônias, apostaram
nos mercados latino-americanos com estratégias bem distintas; os Estados Unidos
investiam no livre comércio, enquanto a Alemanha, carente de divisas, empregava o
comércio compensado (troca de mercadoria sem intermediação de moeda forte). Por meio
dessa política, o Brasil conseguiu de Washington o financiamento para a construção da
usina siderúrgica de Volta Redonda.
Ainda neste período podemos destacar o governo Dutra, marcado pelo reforço ao
alinhamento com os Estados Unidos, tendo em vista o estreitamento do espaço de
manobra no sistema internacional no pós-guerra com a destruição da Europa e a ascensão
do vizinho do norte como única potência, além do forte anticomunismo do novo governo
brasileiro.
Na volta de Vargas à presidência em 1951, o paradigma americanista teve que se adaptar
ao nacional-desenvolvimentismo. Assim, a política externa desse governo ficou conhecida
como barganha nacionalista, pela qual “se procurava negociar o apoio político-estratégico
a Washington pela ajuda ao desenvolvimento econômico”. Contudo, devido a ausência de
condições propícias como a do período da guerra, em que foi possível trocar o alinhamento
aos Estados Unidos pelo financiamento da siderúrgica, o Brasil aderiu a um
comportamento mais autônomo, direcionando-se a regiões em que os interesses
estratégicos americanos não estivessem ameaçados, como América Latina, África, Ásia e
Oriente Médio (Pinheiro, 2004: 27–29).
No governo Juscelino Kubitschek destaca-se como estratégia, ainda na lógica do
paradigma americanista deste período, a Operação Pan-Americana (OPA), que consistia
em uma proposta multilateral latino-americana que visava instituir uma revisão nas
relações interamericanas. O projeto tinha como objetivo estimular o aporte de recursos
públicos norte-americanos para os projetos de desenvolvimento dos países latinoamericanos. Para isso, o discurso utilizado na OPA invertia a lógica da política externa
americana característica da Guerra Fria que percebia o comunismo como fonte de ameaça
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à segurança e à estabilidade política dos países ocidentais. Argumentava-se que a
ameaça residia nos problemas sociais, conseqüentes do subdesenvolvimento e da miséria
que, por sua vez, eram os reais estímulos para a proliferação do ideário comunista.
O segundo momento, entre os anos de 1961 e 1964, é marcado pelo surgimento da
Política Externa Independente e do novo paradigma da política externa: o globalismo. No
cenário internacional, contínuas cisões entre os blocos socialista e capitalista provocaram
o aumento da distensão da competição bipolar, o que possibilitou a contestação ao status
quo, por meio da Conferência de Bandung (1955) e do Movimento dos Não-Alinhados. A
política externa brasileira também sofre considerável mudança ao criar uma alternativa ao
americanismo. Assim, as relações estreitas com os Estados Unidos deixaram de ser vistas
como instrumento para aumentar o poder de barganha do Brasil, para se tornarem
conseqüência da própria ampliação deste poder de negociação. Essa nova política
incorporou a crítica nacionalista ao americanismo desenvolvida no interior do Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e adotou a matriz econômica de reforma das
relações econômicas internacionais elaboradas pela Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL), que as tornavam mais permeáveis aos interesses dos países em
desenvolvimento. Posteriormente, o paradigma globalista acrescentou ao quadro de
referência Norte-Sul o repúdio ao “congelamento de poder mundial” (Pinheiro, 2004: 33/34;
Lima, 1994: 36).
O terceiro momento foi marcado pela restauração do paradigma americanista pelo regime
militar por razões de convergência ideológica e motivações pragmáticas. No entanto, o
governo Geisel inaugura o quarto momento com a articulação de vertentes globalistas: no
campo das relações assimétricas, a negativa de ascender aos regimes de controle de
tecnologia e da busca de sócios alternativos, sobretudo na Europa e no Japão; e no campo
do Terceiro Mundo, a aproximação com a África, Meio Oriente e em particular os vizinhos
contíguos. A hegemonia do paradigma globalista nesse momento se deveu ao diagnóstico
do relativo isolamento político diplomático do país, e ao reconhecimento de que a
globalização das relações exteriores era a via mais promissora para um país de parque
industrial diversificado como o Brasil (Lima, 1994: 37).
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Contudo, com a chegada dos anos 90, surgiu a necessidade de redefinir os quadros
conceituais da diplomacia brasileira e transformar a política exterior do país. Isso se deveu
às transformações externas e internas que afetaram a base de legitimação e sustentação
do projeto de inserção independente e ativa no sistema internacional que se mantinha
desde 1974. Dentre os fatores que resultaram na mudança dos rumos da política externa
brasileira enumera-se: o reordenamento político do sistema internacional, a partir do fim da
Guerra Fria acrescido do aprofundamento do processo de globalização do sistema
mundial, e o esgotamento do modelo de crescimento interno baseado em uma lógica
substitutiva e calcado na proteção estatal.
Criou-se a expectativa de que o novo governo eleito de Fernando Collor de Mello poria em
marcha um processo de modernização e superação dos entraves da velha ordem
econômica, além de modificar o perfil internacional do Brasil. Para isso, três metas
deveriam ser alcançadas: 1) atualizar a agenda internacional do país de acordo com as
novas questões internacionais, 2) construir uma agenda positiva com os Estados Unidos e,
3) descaracterizar o perfil terceiro-mundista do Brasil. Para este fim, algumas iniciativas
relevantes foram levadas a cabo: o protagonismo do Brasil na organização da Eco-92; a
assinatura do Tratado de Assunção com Argentina, Paraguai e Uruguai, visando a criação
do MERCOSUL, a assinatura do acordo de criação da Agência Brasileira-Argentina de
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC) e do Acordo Nuclear
Quadripartite de Salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA);
uma legislação específica de controle de exportação de armas e tecnologia sensível, entre
outros (Hirst & Pinheiro, 1995: 06/07).
O governo Collor de Mello foi exitoso em um primeiro momento, em que priorizou o
abandono do modelo estatista por meio da implementação de políticas liberalizantes, que
incluía um amplo pacote de reformas econômicas, envolvendo abertura comercial,
liberalização de investimentos, privatização de empresas estatais e renegociação da dívida
externa. Contudo, a capacidade de ação do novo governo se viu reduzida devido a crise
política que abalou o primeiro ano de mandato do presidente.
A incapacidade de manejar as negociações necessárias com as elites políticas e
econômicas para o processamento de uma reforma de tal envergadura, somada à
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crise ética que colocou em questão a própria legitimação do presidente eleito, termina
por conduzir o país a um impasse político apenas solucionado com o afastamento de
presidente dois anos após sua posse (Hirst & Pinheiro, 1995:07).
A crise política que se instalou acabou por reverter as expectativas de mudança do perfil
internacional do Brasil. No plano econômico-comercial a imagem do país se deteriorou
devido a atitude pouco dócil nas negociações da dívida externa e pela resistência
doméstica em apoiar políticas de liberalização e desestatização propostas pelo Executivo,
além do desinteresse brasileiro em dar início às negociações de um acordo de livre
comércio com os EUA (Hirst & Pinheiro, 1995:07).
O que se observa nesse momento na política externa brasileira é o que se convencionou
chamar de crise de paradigmas, uma vez que o retorno ao americanismo não encontrou
mais consenso e as novas condições internacionais não permitiam o retorno ao
globalismo.
A Alternativa: o Institucionalismo Pragmático
Apesar de a política externa brasileira ter sido acometida por uma crise de paradigmas no
início da década de 1990, o princípio da autonomia manteve-se intacto. No entanto, para
que a autonomia fosse mantida era necessário ajustar a economia à proposta neoliberal.
Para isso, o país precisaria negociar sua adesão aos regimes internacionais a fim de
aumentar sua capacidade de acesso ao crédito internacional e aos recursos tecnológicos.
Neste momento torna-se claro que para alcançar o desenvolvimento a autonomia não
poderia se dar mais pela distância, mas sim pela participação.
Pinheiro sugere que não houve uma transformação por completo da política exterior no
período de sua reformulação. A autora argumenta que a política externa manteve uma
forte continuidade, apesar de reconhecer que se tenha mudado as estratégias. Sugere
também que mesmo com o forte abalo sofrido pelo realismo com o fim da Guerra Fria, ele
não foi extinto como concepção das relações internacionais nem como proposta de
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inserção dos Estados no sistema internacional. Neste sentido, Pinheiro entende que o
racionalismo vislumbrado na política externa brasileira pode ser visto como um tipo de
realismo, uma vez que “a suposição de que os Estados não agem apenas para obter
ganhos relativos, mas também ganhos absolutos, e de que seriam limitados por
instituições não abala alguns dos alicerces centrais do realismo, como o princípio da
anarquia” (Pinheiro, 2000: 314-315).
Em vista disso, a autora acredita que a melhor abordagem que ajuda a explicar grande
parte das estratégias da política externa brasileira atual é o institucionalismo neoliberal,
visto como uma combinação do realismo hobbesiano e do realismo grotiano. Essa
concepção, ao mesmo tempo que não descarta algumas premissas do realismo, como o
princípio da anarquia e a racionalidade dos atores, toma por base a crença na
possibilidade de cooperação sem a necessidade de um Leviatã supranacional. Os
constrangimentos da anarquia seriam reduzidos por meio da construção de arranjos
institucionais.
Pinheiro explica que ao prever que o institucionalismo neoliberal da política externa
brasileira apresenta os aspectos grotiano e hobbesiano, entende que a ação externa do
Brasil adere às “normas internacionais de regulação guiada por princípios de justiça”,
contudo sem deixar de lado “os interesses e as atitudes em seu benefício como
constitutivos da ordem.
“[...] sem chegar a negar algumas premissas básicas do realismo, como a visão do
sistema internacional como anárquico, o princípio da auto-ajuda e a centralidadeembora não a exclusividade – do Estado nas relações internacionais, a atual política
externa do Brasil reveste-se de uma visão que justifica e estimula a adesão aos
regimes internacionais e às instituições que os incorporam como solução para os
problemas de ação coletiva. [...] Destarte, ao mesmo tempo que as idéias de base
hobbesiana foram perdendo força, ascendeu o discurso da interdependência
econômica e da cooperação. Minha hipótese, entretanto, é que a ascensão dessas
novas idéias no quadro cognitivo da política externa brasileira não implicou a
superação completa das que antes predominavam, e não porquanto ainda estejamos
em uma fase de transição, mas porque na diplomacia brasileira, curiosamente, essas
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visões se completam. Nesse sentido, por um lado, concordo plenamente com a idéia
de que o comportamento diplomático do Estado brasileiro pode assumir uma ou outra
conotação em situações ou relativamente a questões diferentes” (Pinheiro, 2000:321322).
Tendo em vista o arcabouço teórico analisado, Letícia Pinheiro cunha o termo
institucionalismo pragmático para nomear o paradigma de política externa emergente. A
autora, por meio de suas observações sobre a atual estratégia de ação externa do Brasil,
esclarece que quanto maior a presença brasileira no sistema internacional através das
instituições, maior o acesso ao desenvolvimento e à autonomia de ação. No entanto, a
busca por autonomia tem recebido maior peso na diplomacia brasileira que a busca por
justiça; desta forma, ela é buscada tanto pelo engajamento em arranjos de cooperação
com alto grau de institucionalização, quanto por organizações em que o grau de
institucionalização é mantido baixo de forma proposital, a fim de garantir posição de
liderança do país.
Pinheiro explica que a relação do Brasil com os demais países da América do Sul pode ser
entendida a partir dessa equação, uma vez que para garantir seu papel de liderança e
aumentar seu poder de barganha extra-regional o país adotaria uma estratégia mais
hobbesiana que grotiana. Desta forma, a estratégia de busca pela liderança é relacional,
pois ao mesmo tempo em que garante a liderança no continente, contribui para obter mais
autonomia no plano global.
A equação poderia ser entendida de outra forma: já que a assimetria de poder é
desfavorável ao Brasil, a tentativa de obter ganhos relativos seria uma má estratégia pois
inviabilizaria qualquer possibilidade de obter vitórias. Maiores possibilidades de ganho
surgem com a ativa participação nos fóruns globais. Se essa participação for associada a
outros Estados do seu entorno regional, a probabilidade de obtenção de ganhos absolutos
é maior. Contudo, a estratégia brasileira para seu entorno regional é a busca por ganhos
relativos e a preservação de seu diferencial de poder, que pode ser claramente observada
na resistência brasileira ao aprofundamento da institucionalização do MERCOSUL e do
Grupo de Rio, por exemplo.
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Letícia Pinheiro conclui que a diplomacia brasileira afirma-se internacional e regionalmente
com base no discurso da cooperação, entretanto “se utiliza de mecanismos de escape que
se traduzem em baixa institucionalidade e relativa durabilidade de alguns arranjos
institucionais”, de forma a adiar a questão da justiça no plano regional (Pinheiro,
2000:325).
Apesar de ser prematuro avaliar o governo Itamar Franco segundo o paradigma do
institucionalismo pragmático, é importante destacar que as iniciativas dessa gestão já
anunciavam quais os rumos que a política externa tomaria nos próximos anos.
Neste governo foi pautado um projeto de inserção internacional do país tendo em vista a
adoção de um posicionamento marcado pela condição de país em desenvolvimento.
Resumidamente, o governo Itamar adotou como estratégias: a atuação nos foros
multilaterais internacionais, a reafirmação dos compromissos de não-proliferação nuclear,
o aprofundamento da integração regional, a aproximação com pares potenciais da
comunidade internacional (China, Índia, Rússia e África do Sul) e os “acertos” das relações
com os Estados Unidos. Observa-se que neste governo a chancelaria brasileira se
empenhou para garantir uma participação mais ativa e menos defensiva do Brasil no
cenário internacional. O exemplo mais claro dessa estratégia é a especial atenção que
passou a ser dada ao debate nas Nações Unidas sobre a ampliação e democratização de
seus órgãos. Nesse momento o governo brasileiro começou a campanha como candidato
da América Latina a um assento permanente no Conselho de Segurança, tendo por base o
discurso da necessidade de se ampliar a legitimidade desse órgão e de adequá-lo à nova
realidade internacional (Hirst & Pinheiro, 1995:11-12).
Podemos dizer que o paradigma institucionalista ganhou forma e foi aprofundado na
política externa brasileira ao longo dos dois mandatos do governo Fernando Henrique
Cardoso. Durante os oitos anos desse governo houve um crescente esforço para substituir
a lógica da autonomia pela distância, predominante na época da Guerra Fria, por uma
agenda internacional mais proativa, que seria guiada pela lógica da autonomia pela
participação. Esta nova lógica apostava na participação mais ativa do Brasil na
organização e na regulamentação das relações internacionais, que resultaria no
estabelecimento de um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico brasileiro. Para
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isso,
o
governo
FHC
empenhou-se
continuamente
para
o
aprofundamento
e
aperfeiçoamento das instituições internacionais. Uma maior institucionalização dos órgãos
internacionais era favorável aos interesses brasileiros uma vez que promoveria o respeito
às regras do jogo internacional. Quando estabelecidas, essas regras deveriam ser
respeitadas por todos, mesmo pelos países mais poderosos. A adesão a uma perspectiva
institucionalista quebra com o padrão da política exterior do período anterior, formulada por
Araújo Castro, na qual existe grande resistência à consolidação de instituições e regimes
responsáveis pela hierarquia e congelamento de poder na época da Guerra Fria.
A política externa colocada em prática no governo FHC teve como característica relevante
a busca de relações externas universais, sem alinhamentos, a fim de preservar a
autonomia do país. Isso ilustra o caráter pragmático da política desse governo, que reiterou
a posição do Brasil como global trader e afirmou o MERCOSUL como plataforma prioritária
de inserção competitiva na plano internacional, contudo sem excluir a possibilidade de
integração com outros países e regiões. Ao afirmar-se como global trader o Brasil assumia
agendas diversificadas sem vincular-se a um único parceiro.
A diplomacia presidencial foi um instrumento utilizado freqüentemente no governo FHC.
Além da imagem de um presidente intelectual e firme em suas decisões, a diplomacia
presidencial contava também com o relativo sucesso do Plano Real para a reformulação
da imagem do Brasil no exterior. A estratégia teve resultados consideráveis, como a
confiabilidade despertada pelo país no exterior, a resultante atração de investimentos
externos e o apoio de organismos multilaterais e de países desenvolvidos durante a crise
cambial de 1999. Entretanto, as baixas taxas de crescimento econômico do Brasil durante
os dois mandatos de FHC limitaram a ação brasileira em alguns temas de interesse político
e econômico. Tullo Vigevani dá exemplo dessa situação:
A participação do Brasil em alguns grandes debates internacionais, como o da
tentativa de regulamentar fluxos financeiros internacionais de capitais voláteis, que
contribuem para o desencadeamento de crises financeiras, refletiu as dificuldades de
incidir na construção de uma agenda ainda não desejada por atores relevantes e de
maior poder (Vigevani et alli, 2003:41).
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A redefinição da ação externa contou com a ajuda do Ministério da Fazenda, liderado na
época por Ciro Gomes, uma vez que “a adesão aos valores prevalecentes no cenário
internacional traduziu-se em ações centradas na busca de estabilidade econômica”. Para
este fim algumas iniciativas foram levadas a cabo como a decisão final de adesão à
Organização Mundial de Comércio (OMC) e o Tratado de Marrakesh, a discussão da Tarifa
Externa Comum no MERCOSUL, consolidada no Protocolo de Ouro Preto de dezembro de
1994, a participação da Cúpula de Miami em dezembro de 1994, que deu início às
negociações para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) (Vigevani et
alli, 2003: 33-34).
Podem-se enumerar algumas ações concretas que são lançadas nesses oito anos; o
acordo de livre comércio com a União Européia; a integração hemisférica e as negociações
com a Alca, além da formação de alianças no âmbito da OMC. Outras ações são
continuações e aprofundamentos de iniciativas inauguradas no governo anterior como a
ampliação das relações bilaterais com China, Japão, Índia, Rússia e África do Sul; o
comprometimento com a não-proliferação nuclear e a candidatura a uma vaga permanente
no Conselho de Segurança.
A democracia e o princípio da autodeterminação foram valores relevantes no governo
FHC. Nesse sentido, os principais fatos que ilustram esta posição foram: a atitude
assumida nas crises paraguaias de 1996, 1999 e 2001; a inclusão da Cláusula
Democrática do MERCOSUL; e a posição assumida na crise institucional venezuelana em
2002. A posição assumida pelo governo quando da “eleição” para o terceiro mandato de
Fujimori no Peru em 2000, foi justificada como a defesa do princípio da autodeterminação
(Vigevani et alli, 2003:40).
No que diz respeito às relações com os Estados Unidos, o governo de FHC reconhecia a
preponderância dos Estados Unidos e seu papel de potência global e regional. A lógica da
autonomia pela integração também era presente nas relações com o vizinho do norte;
existia sim uma aproximação, porém não um alinhamento automático, o que guardava ao
Brasil o direito de discordar desse país quando da ameaça dos seus interesses. O princípio
da autonomia ganhou maior expressão com relação aos Estados Unidos no período
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compreendido entre 1995 e 1998, em que o Brasil adotou a lógica do protelamento nas
negociações da Alca.
Também é importante destacar que nesse governo se iniciou uma maior aproximação do
Brasil ao seu entorno geográfico. A consolidação do MERCOSUL era prioridade, segundo
discursos do presidente. A estratégia de regionalismo aberto, que coincidia com os
interesses do governo de Menem na Argentina, possibilitou ao Brasil aderir aos regimes
internacionais de seu interesse simultaneamente. Durante esse governo o MERCOSUL
passou por um período de grandes dificuldades, principalmente tendo em vista as crises do
Brasil (1999) e da Argentina (2001). Contudo, no discurso o continente manteve seu papel
prioritário, mesmo porque a “ „opção sul-americana‟ do Brasil poderia ser útil às aspirações
brasileiras a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, pois daria ao
Brasil o reconhecimento como potência regional” (Soares de Lima, 1996 apud Vigevani et
alli, 2003:45).
Mudanças Globais e a Política Externa do Governo Lula
Desde o fim da Guerra Fria o mundo tem passado por constantes transformações. Tendo
em vista o avanço das tecnologias de informação, dos transportes e o aprofundamento da
globalização, o século XXI promete ser ainda mais breve que o XX. Para que possamos
entender o desempenho da política externa brasileira atuando sob o paradigma do
institucionalismo pragmático é necessário primeiramente compreender a lógica dessas
mudanças globais. Neste sentido, podemos observar nas últimas duas décadas dois
momentos de mudanças globais relevantes.
O primeiro é indiscutivelmente o período pós-Guerra Fria. A década de 1990 observou a
histórica mudança de um sistema de poder bipolar para um unipolar com o fim da União
Soviética e a vitória do poder americano. Essa década também foi marcada pelo
aprofundamento da globalização e a expansão do sistema econômico capitalista. Os
países se tornaram cada vez mais interdependentes e, apesar de conflitos não terem
desaparecido por completo, as instituições, que passam a ter cada vez mais relevância no
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novo contexto internacional, passam a incentivar uma maior cooperação entre os atores.
Novos temas passaram a estruturar a sociedade internacional e ganharam relevância nos
foros internacionais como meio ambiente, direitos humanos, minorias, narcotráfico, entre
outros. É dentro desse contexto, e sendo ele grande responsável, que a política externa
brasileira passa pela crise de seus paradigmas. Contudo, como visto anteriormente, um
sistema internacional mais institucionalizado incentiva a diplomacia brasileira a engajar-se
mais ativamente nas organizações internacionais, inaugurando o paradigma do
institucionalismo pragmático, que foi melhor moldado e aprofundado no governo de
Fernando Henrique Cardoso.
O segundo momento é inaugurado com os atentados de 11 de setembro de 2001 às torres
gêmeas do World Trade Center. O império americano a partir de então passa por um
período frágil, tendo em vista o fracasso militar no Afeganistão, o imenso problema que se
tornou o Iraque, a sua incapacidade de conseguir soluções eficazes para o combate ao
terrorismo, além da crise econômica que assolou o país em 2008 e se alastrou mundo
afora. Os sucessivos fracassos da política externa de Bush acabaram por fragilizar a
imagem internacional do país e minar sua credibilidade como a maior potência do mundo.
A década de 2000 começa a observar um movimento progressivo em direção ao
multilateralismo no sistema internacional, ou seja, o poder começa a ficar difuso uma vez
que outros países começam a ganhar papel de destaque no sistema internacional. No
entanto, é prematuro dizer que chegamos ao fim do império americano; os Estados Unidos
continuam sendo a maior potência militar e, apesar da crise desencadeada em 2008, sua
economia continua sendo central no sistema econômico internacional. Nesse sentido,
convém dizer, como coloca Fareed Zakaria, que vivemos em um mundo pós-americano;
novas vertentes de poder surgem no contexto internacional que, no entanto, não retira os
Estados Unidos de sua posição de grande potência.
Um componente importante que surge com esse nascente multilateralismo é o advento das
chamadas potências intermediárias ou países emergentes. Esses conceitos ainda são
muito imprecisos e pouco esforço tem sido dado pela academia para defini-los. O que se
pode dizer do conceito de potência média é que este tem recebido diferentes significados,
que podem ser denominados como objetivo, subjetivo e social. O significado objetivo
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pressupõe que esses Estados possuem recursos e capacidades materiais convencionais
relevantes, tais como: PIB, população, tamanho territorial, gastos militares, entre outros. O
significado subjetivo, por sua vez, refere-se à dimensão de autopercepção de um país
como emergente ou intermediário no plano internacional, assim como a sua aspiração em
sê-lo. Já o significado social sugere o reconhecimento de determinado país como potência
média pelos demais atores do sistema. Pode-se usar como critério de reconhecimento de
Estados intermediários a sua capacidade de mediação entre o Norte e o Sul; esse papel
atribui a esses países status diferenciado frente aos seus semelhantes. Também é
importante destacar o importante papel desses Estados como estabilizadores regionais.
Para que sejam reconhecidos como potências regionais, é necessária a anuência e
delegação de seus semelhantes ou, pelo menos, “a aceitação de seu papel diferenciado na
gestão e coordenação da ação coletiva regional” (Soares de Lima, 2007: 172-175).
É nesse contexto que devemos avaliar as estratégias de política externa do governo Lula.
Apesar da continuidade do paradigma institucionalista, será possível observar algumas
modificações da política externa do atual governo com relação ao anterior. Dois aspectos
devem ser levados em conta para o bom entendimento dessa mudança; primeiramente, o
sistema internacional, como foi explicado, sofreu consideráveis modificações; o contexto
internacional do governo Lula é diferente da era FHC. O segundo aspecto diz respeito à
mudança ideológica sofrida na política externa; no governo Lula ela deu considerável
guinada para a esquerda. Contudo, apesar das mudanças, que serão avaliadas a seguir,
deve-se destacar a continuidade nos princípios e objetivos da ação externa brasileira; a
busca por autonomia foi mantida e seu objetivo continua sendo a busca por
desenvolvimento.
Enquanto a política externa do governo de FHC foi caracterizada pela estratégia da
“autonomia pela participação”, o governo Lula da Silva tem se esforçado em inserir o Brasil
no sistema internacional enfatizando formas autônomas, que se traduzem na diversificação
de parceiros e de opções estratégicas. Desta forma, Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni
convencionaram chamar a estratégia do atual governo de “autonomia pela diversificação”:
Apesar de existirem elementos de alteração nos rumos do país ainda na
administração FHC, Lula da Silva utiliza uma estratégia que poderia ser batizada de
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“autonomia pela diversificação”, enfatizando a cooperação Sul-Sul para buscar maior
equilíbrio com os países do Norte, realizando ajustes, aumentando o protagonismo
internacional do país e consolidando mudanças de programa na política externa
(Vigevani e Cepaluni, 2007: 283).
Como esclarece Maria Regina Soares de Lima, a principal diferença entre os governos
FHC e Lula da Silva diz respeito a visão da ordem internacional adotada por cada um
deles. Para a autora, a administração FHC buscou consolidar relações com o eixo principal
da economia global, que tem como componentes os Estados Unidos, a Europa e o Japão.
Nesse sentido, esse governo deu pouca atenção às orientações terceiro-mundistas em
favor de um engajamento na lógica da globalização, vista como tendência dominante. Vale
esclarecer que, apesar do governo FHC negar alinhamentos fixos e incondicionais, não
quer dizer que não existissem opções preferenciais. Nesse sentido, as relações com o
Terceiro mundo nessa administração ficaram para segundo plano. O compromisso com a
estabilização macroeconômica e a manutenção da governabilidade era seguido de acordo
com as linhas estabelecidas pelas agências financeiras e do mercado internacional. Desta
forma, Lima esclarece que a ortodoxia no plano macroeconômico foi acompanhada de uma
política externa calcada na participação ativa nos organismos multilaterais.
Essa lógica é modificada no governo Lula. Esse governo reconhece o predomínio militar
dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, entende que o mundo tornou-se menos
homogêneo e mais competitivo. Assim, “haveria espaço para um movimento contrahegemônico cujos eixos estariam na Europa ampliada, com a inclusão da Rússia e na
Ásia, onde potências como China e Índia podem vir a representar um contraponto aos
Estados Unidos na região” (Soares de Lima, 2005:36). Tendo em vista a multipolaridade
nascente, o sistema internacional em transformação cria como incentivo um exercício
multilateral mais intenso, principalmente nos foros internacionais. O objetivo é atenuar a
primazia americana e conter seus impulsos unilaterais.
Lima argumenta que a característica distintiva da política externa de Lula é combinar uma
política macroeconômica ortodoxa, semelhante àquela implementada por FHC, e uma
política externa heterodoxa. Segundo a autora, a política externa parece constituir uma das
esferas escolhidas para a reafirmação do compromisso do governo Lula da Silva com a
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mudança e com a agenda social-democrata. No plano internacional, a política desse
governo se esforça para estabelecer um equilíbrio em relação aos Estados Unidos com
base em aliança com outras potências médias, como é o caso da iniciativa IBSA (Soares
de Lima, 2005:36)
Apesar da formação da coalizão entre Índia, Brasil e África do Sul ter sido iniciada ainda no
mandato de FHC, ela só foi institucionalizada com a criação do foro de discussão IBSA, ou
G-3, por meio da assinatura da Declaração de Brasília, em junho de 2003, já no governo
Lula. Esse grupo tem como peculiaridade serem países estruturalmente semelhantes,
situados em regiões geográficas diferentes e que têm objetivos de cooperação comum,
como a segurança coletiva, inclusão social, redução da pobreza, além da cooperação
econômica e tecnológica (Soares de Lima, 2007: 177). Do ponto de vista brasileiro, a
iniciativa IBSA vai além desses objetivos, buscando também a criação de vínculos políticos
e econômicos entre esses países. A preocupação em fortalecer a posição negociadora do
Brasil a partir de alianças com países do Sul traduziu-se também na formação do G-20,
grupo dos 20 países que visavam o fim dos subsídios domésticos às exportações de
produtos agrícolas e maior acesso aos mercados norte-americano e europeu.
A iniciativa que merece destaque com relação ao entorno sul-americano foi a criação da
União de Nações Sul-Americanas, a Unasul, em maio de 2008, por meio da assinatura de
seu tratado constitutivo. É importante destacar que a política de aproximação dos vizinhos
do sul foi iniciada ainda no governo FHC. Em reunião de chefes de Estado da América do
Sul realizada em Brasília, entre agosto e setembro de 2000, foi criada a Integração da
Infra-estrutura
Regional
Sul-Americana
(IIRSA),
com
a
participação
do
Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Essa estratégia política tomou corpo no
governo Lula, que resultou na proposta de criação da Comunidade Sul-Americana de
Nações, a CASA, na qual o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) do Brasil se engajou, aumentando as chances de sucesso da iniciativa. Com o
correr das negociações e por sugestão do governo venezuelano, o nome da CASA foi
mudado para Unasul. A Unasul tem como objetivo uma grande integração entre os países
do continente sul-americano, aproximando os países do MERCOSUL e da Comunidade
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Andina de Nações (CAN), encorajando não apenas um maior intercâmbio econômico, mas
também uma maior cooperação no âmbito político.
Os Desafios da Política Externa Brasileira do Governo Lula
Apesar da importante mudança da política externa em direção aos países do sul, mérito do
governo Lula, algumas ações (ou a falta delas) apresentam um dissenso dessa política,
criando sérios desafios e riscos a essa estratégia, principalmente no âmbito sul-americano.
A principal falta da política externa de Lula é o pouco esforço no aprofundamento do
MERCOSUL. A inércia com relação a esta questão, mesmo tendo sido impulsionado o
ativismo no campo social, parlamentar e de outros setores da sociedade e do governo, cria
uma série de dificuldades entre o Brasil e os demais membros do bloco. Isso ocorre, em
certa medida, por causa da resistência de alguns setores empresarias brasileiros, que
percebem potenciais maiores nos Estados Unidos e na União Européia.
Inicialmente, o governo Lula pregava que o MERCOSUL seria responsável pela defesa de
seus membros contra pressões comerciais dos países ricos. No entanto, apesar da
relevância comercial e econômica do MERCOSUL para seus países membros, os Estados
Unidos ainda detêm forte capacidade de influência sobre esses países, principalmente pela
potencialidade de seu mercado. Dessa forma, tendo em vista a estagnação das
negociações da Alca, e a falta do retorno prometido e esperado pelo MERCOSUL, esses
países estão mais propensos a se renderem a propostas americanas. Assim aconteceu
com a CAN; a falta de incentivos que o bloco oferecia em comparação com as vantagens
que o Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos proporcionaria, resultou na
assinatura desse tratado entre a potência e os vizinhos andinos Peru e Colômbia. Tendo
em vista o desapontamento de Uruguai e Paraguai, sócios menores do MERCOSUL, pela
falta de retorno esperado, torna-se iminente uma maior aproximação com os Estados
Unidos, o que debilitaria o projeto brasileiro de se tornar uma liderança benevolente na
região.
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As pretensões brasileiras de liderança regional esbarram também na resistência argentina
em apoiar a candidatura do Brasil a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU. A
atitude do governo argentino demonstra que a liderança brasileira na região não é um
consenso, e a razão é facilmente explicada; uma vez que o Brasil se percebe como uma
liderança, como um emergente com possibilidades de influência no sistema internacional,
ou seja, um global trader, ele cria para si um status diferenciado. Desta forma, se cria uma
situação de distinção entre o aspirante ao status internacional superior e os demais países.
Neste sentido, é possível questionar se o Brasil teria condições de representar os
interesses coletivos dos países da América do Sul, uma vez que ao ganhar status de
potência emergente e liderança regional passa a adquirir uma nova posição no jogo
internacional.
Desta forma, apesar de ter incrementado a cooperação Sul-Sul e ter dado feições mais
políticas à integração sul-americana, o governo Lula ainda não demonstrou real interesse
em aprofundar os processos de institucionalização na América do Sul. É prematuro afirmar
que a constituição da Unasul poderá reparar essa falha, já que a organização ainda não foi
definitivamente estruturada devido ao seu curto tempo de vida. Porém, uma visão menos
otimista pode afirmar que a estratégia da política externa de Lula continua a enxergar a
América do Sul como “trampolim” para uma posição mais privilegiada no sistema
internacional. Como prevê Pinheiro, a diplomacia brasileira se utiliza de mecanismos de
escape que se traduzem em baixa institucionalidade a fim de obter ganhos relativos e a
preservar seu diferencial do poder no continente. Essa política seria o meio para se inserir
mais ativamente no cenário internacional com o status de potência intermediária.
A cooperação com o Sul ainda não obteve resultados relevantes no que diz respeito à
influência dos países desse hemisfério na reestruturação da sociedade internacional.
Pode-se usar como exemplo a tentativa do foro IBSA de democratizar a ONU, mais
especificamente o Conselho de Segurança, a partir de sua reforma. É inegável a
necessidade de reestruturação desse órgão, que mantém congelada a hierarquia de poder
estabelecida no período pós-II Guerra Mundial. Os tempos são outros e uma reforma é
necessária para adequar esse órgão ao novo contexto de mudanças globais. Não quer
dizer que a reforma proposta pelo fórum, de incluir esses três países como membros com
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poder de veto, seja a melhor; não é esta a questão discutida aqui. A questão é que o
principal problema enfrentado por esse grupo, além de divergências com seus vizinhos
continentais que contestam suas candidaturas, é que os países mais poderosos não têm
demonstrado real interesse em alterar a atual hierarquia de poder. Se houvesse o
interesse, pelo tempo que as discussões em torno da reforma perduram, já era para ela ter
sido pelo menos iniciada. Sem o consentimento desses países, tão cedo a reforma não
sairá do discurso.
No entanto, de forma alguma se deve negar o mérito das mudanças implementadas na
política exterior pela administração Lula. Observa-se forte empenho em obter resultados
positivos através de uma estratégia inovadora que tem grande valor por dar relevância aos
seus semelhantes. Tendo em vista o novo contexto global, uma mudança nesse sentido
era pertinente.
O mais interessante de acompanhar as mudanças da política externa paralelamente às
mudanças no sistema internacional, em perspectiva histórica, é observar como a
diplomacia brasileira, mesmo com o passar do tempo conseguiu manter o princípio da
autonomia e o objetivo final de desenvolvimento econômico intactos, ao mesmo tempo em
que foi capaz de realizar modificações nos meios (as estratégias) para alcançar seus fins.
Por isso podemos dizer que a política externa brasileira tem o dom de manter-se igual,
mas diferente.
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conflito, dinâmica territorial e o fenômeno dos refugiados