versão impressa ISSN 0011-5258
Dados v. 40 n. 1 Rio de Janeiro 1997
http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581997000100004
Populismo Temperado: Uma Interpretação Política do Plano de
Convertibilidade Argentino de 1991*
Vicente Palermo
INTRODUÇÃO
Na Argentina, a conjuntura da década de 80 impôs aos setores populares a experiência
dos terríveis efeitos de um ajuste desorganizado. Após a frustrada tentativa de
recomposição econômica estatal (o Plano Austral de 1985), esse processo culminou
com as hiperinflações de 1989 e 1990. Nos planos econômico e social, essa experiência
preparou o terreno para que um governo comprometido com um programa de reformas
estruturais de cunho neoliberal lançasse, em virtude de uma peculiar conjugação de
fatores político-institucionais, uma política macroeconômica de expansão que chamarei
de populismo temperado. Embora, no curto prazo, houvesse uma certa tensão entre esta
política e as reformas pretensamente voltadas para o crescimento, a fase do populismo
temperado foi muito importante para a política de coalizões e a viabilização do
programa de reformas. Isto porque, em sua essência, os custos da transição impostos aos
setores populares foram atenuados pelo efeito do câmbio. Assim, o governo pôs em
prática simultaneamente políticas populistas (que supõem benefícios distributivos sem
custos) e antipopulistas (que supõem a alocação de custos entre setores com interesses
em conflito). Examinarei aqui a dinâmica política desse processo.1
O interesse pelo tema apóia-se em duas dimensões. Na primeira, de natureza políticoprática, distingo igualmente dois aspectos. Em primeiro lugar, é possível administrar
políticas macroeconômicas populistas (PMPs) que, ao mesmo tempo, sejam social e
politicamente benéficas e evitem um desfecho catastrófico? Se assim for, quais os
requisitos políticos e institucionais indispensáveis para que isto ocorra? Em segundo
lugar, será que a execução da PMP contribui de algum modo para os processos de
reforma orientados para a superação da crise fiscal e da estagnação econômica? Vários
autores têm chamado a atenção para a necessidade de se desenvolver estratégias que
compensem os custos sociais inerentes às políticas de reforma, a fim de evitar os efeitos
deslegitimadores da democracia causados por uma deterioração das condições de vida
do povo, além dos riscos de um bloqueio do processo de mudança implicados nas
reações dos setores prejudicados. Mas muitas dessas propostas, como a que foi
formulada por Pereira, Maravall e Przeworski (1993), requerem condições prévias,
estatais e políticas, dificilmente encontradas em países afetados por agudas crises fiscais
e de autoridade pública. O estudo do caso argentino permite investigar uma experiência
realizada nas circunstâncias habitualmente encontradas na América Latina; oferece
ainda resposta — que não é válida em todos os casos — a uma pergunta recorrente na
literatura especializada: existe uma tendência de incompatibilidade entre as reformas
orientadas para o mercado e o respaldo popular dado aos governos, incompatibilidade
esta que colocaria os governos em um dilema entre a inação e a sanção eleitoral?
Na segunda dimensão, de natureza analítica, três aspectos sobressaem. O primeiro tem a
ver com a relação entre populismo e neoliberalismo. Contrariando as interpretações
mais simplistas dos processos políticos recentes de redemocratização e reforma
econômica na América Latina, os estudiosos têm observado, nos últimos anos, a
existência de mais afinidades entre o neoliberalismo e o populismo político do que se
pensava inicialmente (Kvaternik, 1992; Faucher, Ducatenzeiler e Rea, 1993; Corrales,
1994; Weyland, 1994; Roberts, 1995; Palermo e Novaro, 1996). Neste artigo também se
sugere que a relação entre neoliberalismo e populismo econômico comporta matizes
mais ricos. O segundo aspecto refere-se aos vínculos entre política e tecnocracia.
Grande parte da literatura que estuda os casos de reforma econômica na América Latina
tem o mérito de analisar a dinâmica conflitante entre estilo tecnocrático de gestão e
consolidação da democracia (Torre, 1991; O’ Donnell, 1993; Malloy, 1993;
Williamson, 1994; Diniz, 1995, entre outros). No entanto, ao registrar a freqüência com
que as decisões do Executivo e da tecnocracia se reforçam mutuamente para levar a
cabo gestões de transformação radical, alguns trabalhos observam que essa conjugação
acaba sendo altamente despolitizadora, na medida em que certos componentes
específicos da política tout court são aniquilados pela adoção de critérios e
racionalidades de natureza claramente tecnocrática.2 O caso argentino sugere, porém,
que a política, longe de ser pura e simplesmente deslocada pela implementação
tecnocrática das políticas públicas, consegue estabelecer uma relação mais complexa —
e talvez mais frutífera — com a tecnocracia do que se poderia pensar.
O terceiro aspecto alude a uma outra faceta dos processos recentes de reforma estatal e
econômica e suas interpretações. A análise de várias experiências neoliberais nas novas
democracias sugere que os Executivos que governam unilateralmente, amparados por
couraças tecnocráticas, consideram desnecessária a complexa tarefa de construir nexos
de sentido mais ou menos duradouros entre "representantes" e "representados"; ao
mesmo tempo, o imperativo de agir a partir "do fundo do poço" da crise libera as
lideranças (e empobrece a política) da tarefa não menos complexa de recompor as
coligações de governo e as constituencies das novas instituições econômicas e estatais
— conforme se depreende, por exemplo, da rica análise de Conaghan e Malloy (1994)
sobre a administração da reforma neoliberal no Peru, no Equador e na Bolívia. Ao
contrário, o caso argentino torna manifesta a maneira como a dinâmica política das
coligações intervém na seleção de alternativas de política econômica.
OUVIR O CANTO DAS SEREIAS E DEPOIS MUDAR DE RUMO
Sabe-se que as PMPs que visam redistribuir rendas estimulando o aumento da demanda,
se lançadas em certas condições favoráveis (recessão e disponibilidade de divisas),
dispõem de uma impressionante eficácia na obtenção de resultados de curto prazo muito
apreciados pelos políticos: aumento do salário real e do emprego e reativação da
economia sem provocar altas inflacionárias. Sabe-se também que essas políticas são tão
nocivas a médio prazo quanto vantajosas no curto; em outras palavras, elas são
absolutamente insustentáveis (Canitrot, 1975; Hirschman, 1984; Sachs, 1990;
Dornbusch e Edwards, 1991).
Pois bem, embora na opinião de boa parte do pensamento econômico ortodoxo essa
incongruência entre curto e longo prazo condene definitivamente as PMPs à lata de lixo
da má economia, para outros autores respeitados tal conclusão não parece tão definitiva
assim. Dornbusch e Edwards (1991, p. 13), por exemplo, afirmam que "as políticas
populistas podem ser vitoriosas se mantidas a salvo das restrições de divisas, se insistem
na reativação apenas por um breve período inicial e logo depois mudam para políticas
de crescimento"; acrescentam ainda que "acima de tudo, elas precisam ser financiadas
por uma política fiscal muito ortodoxa e ter uma administração fiscal rigorosa. Dentro
desses limites, há uma margem de manobra considerável para os objetivos
redistributivos do populismo".
Esta tese implica a existência de "situações keynesianas" nas quais não é má economia
fazer uso dos instrumentos habituais das PMPs para ativar a demanda, desde que se
saiba frear e mudar de rumo a tempo. Neste caso, estaríamos diante de uma política de
expansão anticíclica bem planejada e executada e não necessariamente de uma política
populista. Mas isso não muda a natureza das coisas: pela lógica do problema
intertemporal das PMPs, a metáfora apropriada para dar conta da recomendação de
Dornbusch e Edwards seria a seguinte: é preciso chegar à ilha onde estão as sereias,
desfrutar de seu canto e corrigir o rumo a tempo de não nos espatifarmos contra os
rochedos. Nem mais nem menos! Trata-se de uma façanha mais apropriada aos
temerários do que aos valentes.
Minha afirmativa baseia-se em razões óbvias: as condições políticas e institucionais que
geralmente cercam as PMPs oferecem motivos de sobra para uma atitude cética em
relação ao destino daqueles que se arriscam a navegar em águas tão perigosas. Para
começar, é claro que o nível de aptidão técnica necessário para determinar um rumo
crítico (uma estimativa inicial incorreta pode ser fatal para o desenvolvimento de todo o
plano) e para corrigi-lo a tempo é muitas vezes maior do que se exige para fixar um
rumo sustentável, isto é, não afetado pela incongruência intertemporal das PMPs. De
definitivo é que sempre haverá fortes restrições à execução de uma manobra tão
complexa e delicada, restrições estas que serão mais ou menos fortes dependendo de
uma série de fatores políticos, institucionais e da estratégia das coligações. Em outras
palavras, para que o populismo possa se converter em uma estratégia de aproveitamento
ótimo de uma "oportunidade keynesiana", é preciso haver um quadro políticoinstitucional muito diferente daquele que costuma acompanhar as políticas populistas.
FAZER O QUE O POVO QUER
Como costuma se configurar esse quadro político-institucional? Podemos destacar aqui
alguns dos seus aspectos mais relevantes e diretamente relacionados à forma pela qual
condicionam a opção pelas PMPs e sua instrumentação. De um modo geral, a dinâmica
das coalizões de gestões populistas caracteriza-se pelo fato de as lideranças se
encontrarem em uma situação eminentemente expressiva e, por isso mesmo, precária—
submetidas a fortes pressões para "fazer o que o povo quer", como disse um líder
populista latino-americano. Ainda que essas lideranças tenham sido responsáveis pela
ativação de cima para baixo da mobilização popular, como aconteceu com Jango
Goulart em 1961, no Brasil, mais do que condutoras, elas acabam sendo conduzidas
pelo processo desencadeado. Os incentivos para atender às expectativas populares de
reparação imediata podem ser de naturezas muito diferentes.
Às vezes essas lideranças emergem de uma profunda cisão nas elites, o que lhes dá a
oportunidade de agir com rapidez para criar uma base de sustentação para si mesmas. A
solidez de suas posições de poder, ameaçada pelas antigas elites, depende da
possibilidade de consolidarem as bases recém-adquiridas e esbarra na necessidade de
expressarem os "interesses" desses setores, tal como definidos em suas "demandas", de
modo mais intenso do que teriam desejado; foi este o caso de Perón no cenário
argentino do pós-guerra. Outras vezes, a oportunidade de ampliar as bases de apoio de
uma força política já existente é facilitada por um clima generalizado de deterioração
socioeconômica e agitação social. Foi o que aconteceu com Alan García, no Peru, cujo
partido, a Aliança Popular Revolucionária, nunca foi o principal representante dos
trabalhadores. García, candidato da esquerda da Apra, conseguiu reunir, fora do partido,
um grande apoio no mundo do trabalho e nos setores populares em sua caminhada rumo
à Presidência da República.
Freqüentemente, a necessidade de consolidar bases de apoio instáveis é exacerbada não
tanto pela ameaça da direita quanto pela concorrência da esquerda. Os políticos
populistas aproveitam-se de uma inclinação geral "para a esquerda" das preferências
sociais, de uma onda de agitação popular, mas, ao mesmo tempo, correm o risco de ter
sua liderança desgastada pela ação de populistas ainda mais radicais, como foi o caso do
retorno do peronismo na Argentina, em 1973.
Não é raro se observar a presença de um outro mecanismo que" impele" os líderes a
adotarem PMPs: a vitória eleitoral, mesmo que pouco contundente, pode ser
interpretada pela militância partidária (principalmente se ocorreu dentro de um clima
político de grande mobilização) como um mandato para cumprir as promessas do
candidato e/ou para corresponder às legítimas expectativas populares. Neste caso, a
pressão vinda de dentro da própria base política tenderá a ser intensa e provavelmente
irresistível. Mas essa pressão pode ser exacerbada por uma dinâmica de competição
interna pelo controle das bases socioeleitorais, ou, inclusive, pelo que se toma como
uma necessidade ingente de ampliar a própria base de sustentação, seja ela
quantitativamente instável ou insuficiente para se alcançar outros objetivos políticos.
Foi este o caso de Allende, no Chile, compelido a buscar a ampliação de seu respaldo
eleitoral, porque, sem ele, seria impossível realizar o trânsito democrático para o
socialismo.
Em certas ocasiões a opção pela PMP aparece associada a ambições mais terrenas e ao
elevado preço imposto à sociedade para satisfazê-las. Por exemplo, o caráter populista
da implementação do Plano Cruzado (Pereira, 1994) tem muito a ver com a obstinação
do presidente José Sarney em permanecer mais um ano no cargo ao qual teve acesso por
razões fortuitas, a despeito de sua escassa autoridade sobre os blocos parlamentares da
coalizão governante.
Esta revisão de casos sugere que não existe uma relação necessária entre políticos (ou
campanhas eleitorais) populistas e a adoção de PMPs. A relação mais forte parece se dar
entre a política populista e a dinâmica das coligações que coloca os líderes em uma
situação de liderança precária. Ou seja, o lançamento das PMPs parece estar associado a
situações em que os políticos (não necessariamente "populistas") contam com reduzidos
graus de liberdade para definir o conteúdo de suas opções de política pública, porque
precisam (ou assim o presumem) obter resultados peremptórios.
Os fatores acima expostos levam à adoção da PMP justamente por sua notória
efetividade no curto prazo. Agreguemos agora um elemento que se conjuga com os
anteriores para favorecer a adoção da PMP e conspira contra as chances de os seus
responsáveis presidirem uma transição ordenada e endógena para políticas econômicas
sustentáveis. Em um ensaio injustamente esquecido pelas análises mais recentes das
PMPs latino-americanas, Hirschman (1984, p. 248) assinala que elas" dão alguma coisa
aos grupos populares sem tirar diretamente de outros grupos". Esta é a quintessência do
populismo quimicamente puro: a ilusão de organizar o crescimento e a distribuição sem
abrir o conflito social nem assumir a função de intermediá-lo. A promessa que os
economistas populistas (quando os havia) faziam aos políticos (fundada em uma tênue
base conceitual de remotas raízes keynesianas e cepalinas) era a de que, "aumentando o
bolo", seria possível satisfazer os trabalhadores e importantes parcelas do empresariado.
Tal promessa soa como música nos ouvidos dos políticos que, apoiados em coalizões
produtivistas heterogêneas, têm verdadeira aversão ao agravamento de confrontos em
seu próprio meio; eles desejam legitimar-se atendendo às demandas dos setores
populares, mas não querem que isto lhes custe o apoio do empresariado responsável
pelo emprego e pela provisão dos bens necessários a esses setores.
Quando surgem no horizonte macroeconômico os estrangulamentos inerentes às PMPs
é que se revela a falsidade daquela promessa. Se até então a economia tinha conseguido
"crescer" (isto é, ser reativada), os salários e o emprego haviam aumentado; ao alcançarse a plena utilização da capacidade instalada — como estuda Canitrot (1975) em um
artigo pioneiro — a harmonia de interesses entre trabalhadores e patrões se desvanece e
os empresários passam a responder ao aumento da demanda com a elevação dos preços.
Evitar, daí por diante, a espiral regressiva de inflação e deterioração da balança de
pagamentos exige passar da distribuição de benefícios para a alocação de custos, o que
introduz fortes tensões no interior das coligações. Para encaminhar a negociação dessas
tensões são necessárias armas que não constam do arsenal dos líderes populistas. Na
falta de meios político-institucionais indispensáveis para solucionar conflitos até então
latentes, a resposta organiza-se segundo duas modalidades sucessivas: primeiro,
responde-se aos sintomas da crise com "mais do mesmo"; quando se torna evidente que
isto não funciona, a debilidade político-institucional disfarça-se em força: lança-se, de
surpresa, um duro plano de estabilização preparado em 48 horas. Mas, rapidamente o
populismo ativo transforma-se em populismo passivo: impotente para sustentar as
alterações dos preços relativos, o governo é atropelado pelas reações defensivas ou
preventivas de todos os atores — foi o que se passou na Argentina, em 1975, após a
morte de Perón.
Cabe salientar, neste ponto, a importância dos comportamentos estratégicos (cf. Elster,
1989). Ainda que os líderes populistas realmente quisessem "mudar para políticas de
crescimento", e dispusessem dos recursos de governo necessários para alocar às suas
bases de apoio os custos decorrentes, no momento em que decidissem fazê-lo teriam de
enfrentar um problema político adicional, derivado de seus antecedentes, das
experiências prévias e do valor atribuído pelos agentes econômicos às credenciais da
equipe que se encontrava à frente da gestão da economia: o mundo dos negócios não
iria acreditar nem na sua determinação nem no seu empenho (em outras palavras,
tenderia a considerar operacionalmente mais valiosa a informação fornecida pelas
variáveis econômicas — "quão próximos estamos de nos espatifarmos contra os
rochedos" — que aquelas provenientes do governo — "logo corrigirei o rumo"), e
passaria a agir de acordo com essa avaliação, criando-se uma espécie de profecia que
auto se cumpre.3 Naturalmente, essa experiência de "brecha de credibilidade" (Rodrik,
1989) é sentida em muitos países nos anos 90.
Já fizemos alusão à escassa margem de erro tolerável para uma PMP projetada para
converter-se rapidamente em uma política de crescimento. O requisito de aptidão
técnica da sua equipe responsável não deriva tanto da necessidade de coerência
substantiva do plano quanto do problema crucial, de caráter estratégico, representado
pelas expectativas dos agentes econômicos. Mas, convém esclarecer, de imediato, que
por aptidão técnica não nos referimos apenas à competência profissional, e sim,
especialmente, ao prestígio e capacidade de coordenação desses agentes. Este conteúdo
adicional da aptidão técnica não costuma acompanhar as experiências macroeconômicas
populistas por duas razões muito simples: primeiro, porque é possível encontrar
economistas competentes em diferentes escolas, mas não é tão fácil encontrar
economistas que levem a sério o paradigma populista. Segundo, hoje em dia é fato que
os empresários tendem a identificar competência profissional com ortodoxia e
dificilmente confiam e organizam suas expectativas da maneira desejada por equipes
econômicas afinadas com a escolha de PMP.
MENEM NÃO É PINOCHET (E SABE DISTO)
A discussão até aqui desenvolvida permite encarar por outro ângulo a política
econômica argentina a partir do início de 1991. As recomendações de Dornbusch e
Edwards sugerem a existência de um aspecto heterodoxo-populista no Plano de
Convertibilidade. Ao mesmo tempo, as características mais evidentes do contexto em
que foi formulado e implementado esse plano revelam uma situação peculiar: trata-se de
uma política" populista" que deu certo por ter sido executada sem os entraves políticoinstitucionais que geralmente impedem a resolução da incongruência intertemporal da
PMP.
Vejamos, em primeiro lugar, o contexto de formulação do Plano.4 Evidentemente, havia
uma situação econômica recessiva. A recessão era conseqüência do modo como o
governo peronista encaminhara a solução dos dilemas político-econômicos que tivera de
enfrentar depois da hiperinflação e do fracasso de seu primeiro ensaio, a gestão dos
gerentes do grupo Bunge e Born.5 Com a nomeação de Erman González para a pasta da
Economia, a ortodoxia monetária não foi escolhida como alternativa político-econômica
por suas virtudes intrínsecas, mas como instrumento a serviço de um propósito
nitidamente político: reestruturar o comando reformista, respaldando-o nos organismos
internacionais (e nos credores externos) para concretizar um distanciamento, visto como
indispensável, em relação ao conjunto das pressões provenientes dos agentes
econômicos, de um lado, e derivadas da porosidade governamental/estatal diante de
suas próprias forças de apoio, de outro. A combinação dessas duas fontes de pressão
durante a gestão Bunge e Born havia demonstrado uma capacidade letal de introjeção de
tensões e dissensos no comando político; desse modo, o cumprimento do programa de
reformas estruturais parecia estar ameaçado e a confiança dos operadores financeiros
mostrara-se volátil por ocasião da segunda hiperinflação. Ao optar pela ortodoxia
monetária, o governo supunha (corretamente, aliás) que o difuso apoio do campo
empresarial não seria interrompido ante um curso de ação que tornava tensas as relações
oficiais com os agentes econômicos e afetava interesses individuais e setoriais, porém
em nome das políticas identificadas como favoráveis ao mercado.
Ao final de um ano, esse curso de ação também revelava insolúveis limites políticos. De
um lado, o equilíbrio entre as principais variáveis macroeconômicas mostrava-se
gravemente atingido: as ferramentas ortodoxas de restrição monetária eram recessivas e
os efeitos da recessão não eram somente positivos (antiinflacionários), mas também
negativos, tornando vulneráveis as contas públicas que a ortodoxia fora convocada a
salvar. Nessas circunstâncias, o governo estava preso a uma série de dilemas. Se
emitisse, para sustentar o câmbio, jogava lenha na fogueira inflacionária; se não
emitisse, alimentava a perniciosa defasagem cambial. Se atualizasse as tarifas públicas,
estimulava a inflação; se não o fizesse, a situação fiscal ficava pior ainda. Se não
aumentasse a pressão tributária criando impostos de emergência, ou se sucumbisse à
demanda dos exportadores que pediam a redução das retenções, outro tanto acontecia;
se o fizesse, agravava os efeitos recessivos ou a inquietação decorrente do atraso
cambial. O recurso à restrição monetária comprovava, enfim, que, como qualquer grupo
de instrumentos de gestão político-econômica, a própria ortodoxia era portadora de uma
efetividade sujeita a variáveis políticas e estatais.
Por outro lado, o rumo da ortodoxia monetária havia levado os efeitos recessivos a um
ponto que presumivelmente batia o non plus ultra de tolerância política, medido não nos
termos do surgimento de conflitos trabalhistas — que eram improváveis, pois a
capacidade sindical de contestação estava cerceada pela ameaça do desemprego —, mas
por uma erosão do consentimento popular quanto à orientação geral definida pelo
governo, e que poderia vir a se expressar por ocasião do seu primeiro teste eleitoral, em
novembro de 1991. Em fins de 1990, em síntese, o nível de atividade encontrava-se no
ponto mais baixo do último declive recessivo, iniciado em 1988, e a situação de
precariedade política do presidente era patente.
Em meio a essas dificuldades, a contrapartida da capacidade produtiva ociosa e de um
nível de desemprego não dramático, mas significativo, era a boa saúde do setor externo,
que havia permitido ao Banco Central acumular reservas líquidas disponíveis no
montante de US$ 3,2 bilhões.6 Era indiscutível que, no difícil contexto de princípios de
1991, se aventurar em uma PMP aberta (aumentando o gasto público, o que somente
seria viável com a emissão de dinheiro ou a venda de reservas) equivalia a um suicídio
político. Nesse sentido, o governo optou por tirar proveito de uma situação keynesiana
associada a uma frente externa favorável para induzir a uma forte monetização da
economia com o propósito de reativá-la.
Nem todos os economistas e consultores aos quais, por afinidade ou influência, o
governo dava ouvidos achavam que o rumo escolhido era o melhor. Não faltaram
recomendações no sentido de superar os graves dilemas causados pela receita ortodoxa
posta em prática durante o ano de 1990 por meio da administração mais intensa dos
mesmos remédios, de modo que a recessão provocasse o desemprego aberto, e este
gerasse condições estruturais antiinflacionárias pela via da redução do salário. Este era
um objetivo mais compatível com Pinochet do que com Menem: diante de um horizonte
de desemprego e repressão indefinida do gasto público, o governo se condenava a minar
os pressupostos básicos do consenso de fuga para a frente muito antes que as novas
regras do jogo e um" correto" esquema de preços relativos rendessem os prometidos
dividendos de longo prazo.7 O que chama a atenção não é tanto que o governo tenha se
privado de se embrenhar por esse rumo, não menos suicida do que uma PMP clara, mas
que ele tenha conseguido gerir de maneira vitoriosa uma política de expansão
acompanhada por um forte incremento do gasto público e por uma impressionante
eficácia antiinflacionária.
Com efeito, um ano e meio depois de implantada a convertibilidade o governo Menem
parecia ter encontrado a quadratura do círculo (dar novo estímulo à economia e
simultaneamente reduzir o nível de inflação). Examinemos, primeiro, os fatores
político-institucionais que permitiram esse efeito. Depois, vejamos como a PMP
interagiu com o programa de reforma estrutural e que dimensões políticas são relevantes
para entender tal interação.
Quanto à primeira questão, o que importa é que o governo se desembaraçou de todas as
condições político-institucionais desfavoráveis que geralmente acompanham as PMPs.
Um elemento central era a credibilidade; nesse caso, o governo beneficiou-se de tudo o
que havia aprendido até então. Como abandonar a ortodoxia monetária restritiva em um
mundo de agentes econômicos que não confiam na moeda nacional? Para erradicar essa
fonte de ingovernabilidade, optou-se pelo recurso político extremo de atar-se a si
mesmo.
O novo plano de estabilização estipulou a livre convertibilidade do austral a uma taxa de
câmbio fixada por lei. Tratando de suscitar uma substancial expansão da base
monetária, requisito indispensável para sair de vez da recessão profunda, a
convertibilidade, como dispositivo de auto-inibição, propiciou as garantias necessárias
para tanto, porque essa expansão pode acontecer, mas somente um fluxo líquido
positivo de divisas é capaz de induzi-la.8 A expansão da oferta de base monetária é
inteiramente determinada pelo desejo dos agentes privados de incrementar sua demanda
de moeda doméstica e esse interesse é incitado por um procedimento que eleva
substancialmente o valor fiduciário dessa moeda.9 Mas é a fixação da taxa de câmbio
através de lei que cumpre a finalidade de garantir a credibilidade da paridade decidida.
Como, do ponto de vista técnico, a paridade resultava da divisão da base monetária
existente pela quantidade de dólares disponíveis em poder do Banco Central, o governo
estava em condições de sustentar tal paridade em face de eventuais corridas cambiais
(podia vender à paridade estabelecida todos os dólares que os detentores de austrais
quisessem comprar). Entendeu-se que isto não bastava; tendo o governo conservado o
arbítrio de alterar o tipo de câmbio, os operadores sempre teriam em mente o dado de
que o governo poderia fazê-lo a qualquer pretexto (corrigir desequilíbrios, ceder a
pressões etc.).
Atar-se a si mesmo, consiste, portanto, no fato de que, para se fazer acreditar (no que
diz respeito ao abandono de uma política monetária restritiva), o governo abre mão de
faculdades de grande relevância:10 renuncia a modificar o tipo de câmbio e, ao mesmo
tempo, impõe a si mesmo — também por via legislativa —uma severíssima restrição
quanto ao manejo da política monetária.
A frágil confiança dos operadores financeiros na capacidade governamental de
resguardar a agenda econômica das pressões políticas e setoriais tinha sido conquistada
a duras penas durante a gestão solitária de Erman González, mas fora novamente
perdida durante a fase recidiva da crise que ocorreu em fins de 1990. Politicamente, o
dispositivo de auto-atamento restabelece essa confiança, fundamentando-a em bases
mais sólidas. Se era necessário abandonar a ortodoxia monetária graças à qual havia se
tornado possível, ao longo de 1990, preservar a gestão da economia dos efeitos daquelas
pressões, o complemento absolutamente indispensável era o governo atar-se a uma nova
opção de ortodoxia, a da conversão. Com as abdicações inerentes a esse dispositivo, o
governo impede a si mesmo de ceder a tais pressões e, em contrapartida, obriga-se a
desenvolver as capacidades necessárias para extrair da sociedade, por meios genuínos,
os recursos de que necessita. Se, por exemplo, o governo precisa de dólares para atender
aos pagamentos da dívida externa, o Tesouro deve comprá-los como faz qualquer
agente privado, e deve fazê-lo recorrendo ao superávit fiscal operacional resultante do
controle sobre seus gastos e da melhora de sua performance tributária (ou então vender
parte de seus ativos).11
A rigor, a adoção por parte do governo do recurso de auto-atamento não era, em
princípios de 1991, inteiramente nova. A "brecha de credibilidade" (em uma economia
indexada e dolarizada) empurrara o governo para o auto-atamento praticamente desde o
começo de sua gestão, quando descobriu que quanto mais instrumentos tinha à sua
disposição (ou seja, quanto maiores eram seus graus de liberdade) menos confiável se
tornava. Os instrumentos que incidiam sobre a política macroeconômica eram
percebidos pelos consultores e operadores financeiros fundamentalmente como
oportunidades de erro (isto é, como sinais de fraqueza diante dos grupos e da" política"
— ambições do próprio governo, do partido etc. — que possibilitavam a introjeção de
pressões e eram fontes de descontinuidade ou interrupção do processo de ajuste
estrutural). Tal convicção fundamentava-se no diagnóstico de que, enquanto o governo
conservasse sua autonomia "peronista" para decidir, não seria confiável, porque um
governo peronista que goze de graus de liberdade necessariamente incorrerá em
populismo econômico.
Dessa maneira, o governo conseguiu monetizar a economia e pôde estimular a demanda
sem desencadear pressões inflacionárias. Por isso mesmo, foi capaz de cumprir o
primeiro requisito apontado por Dornbusch e Edwards para fazer um populismo com
prudência: manter a gestão macroeconômica temporariamente afastada das restrições de
divisas.12 Assim, por meio das restrições cambiais e fiscais impostas a si mesmo, o
governo criou as condições necessárias — mas não suficientes — para uma experiência
de populismo temperado.
Cabe lembrar aqui outros requisitos aparentemente indispensáveis para um exercício
desse teor: a necessidade de uma dose apreciável de aptidão técnica, condição difícil de
cumprir dada a escassa afinidade eletiva entre economistas competentes ou prestigiados
e PMP. Este problema foi solucionado de maneira ótima: instalou-se uma gestão
populista confiada a economistas ortodoxos.
A bem dizer, esse resultado foi contingente. O ingresso de equipes técnicas na área de
formação da política econômica não fora nem linear nem rápido na nova administração
peronista. Em plena hiperinflação, a administração não precisou de nenhum esforço
persuasivo por parte dos economistas para se convencer de que era imperioso adotar
decisões de reforma estrutural. As equipes econômicas foram afastadas no momento de
formulação da reforma, em sua primeira fase em meados de 1989. O governo elaborou,
além disso, uma primeira fórmula de constituição do comando político reformista que
relegou os economistas a posições secundárias na fase de implementação. Apesar desse
pálido desempenho inicial, o papel preponderante das equipes técnicas foi crescendo
com o tempo, chegando a assumir uma importância de primeira ordem, mas isto
somente ocorreu após várias convulsões e depois de uma longa etapa durante a qual,
embora Menem permitisse que Cavallo tivesse influência sobre a arena de decisões
político-econômicas, ele o manteve afastado das responsabilidades diretas no assunto.
As causas dessa demora foram de caráter político ou decorreram da estratégia de
coalizões. Cavallo e sua equipe tinham profundas raízes no mundo empresarial: além de
laços estritamente pessoais, contavam com uma entidade, a Fundação Mediterrânea, que
não era um centro de pesquisas acadêmicas, mas um laboratório de pensamento
econômico empresarial, cujas linhas de investigação se orientavam, no nível da política
econômica aplicada, por uma concepção global unificadora.13 Eram portadores, em
suma, de um forte capital acumulado no setor definido estrategicamente pelo presidente
como seu objetivo político prioritário: aquele cuja confiança deveria ser conquistada
como requisito indispensável de governabilidade e cuja cooperação se buscava com
afinco, como elemento fundante de uma nova coalizão da qual ele mesmo e nenhum
outro deveria ser o articulador. É claro que, diante de um governante que se movia em
um terreno extremamente escorregadio, como Menem entre 1989-90, tudo isso fazia de
Cavallo um elemento excepcionalmente valioso. Mas, ao mesmo tempo, tornava-o mais
temível. Os receios do presidente somente foram vencidos quando ficou claro que não
havia alternativa.
O que significa exatamente não restar alternativa? A verdade é que a presença de
Cavallo e sua equipe completava o dispositivo de auto-atamento a que o governo teve
de recorrer. Este dispositivo não consiste exclusivamente dos mecanismos institucionais
já referidos, mas também envolve a utilização da aptidão técnica para as mesmas
finalidades políticas. Mais do que o mérito intrínseco de uma equipe qualificada do
ponto de vista da capacidade de gestão, sua admissão no cerne das decisões acrescenta
sempre um valor político-simbólico (Markoff e Montecinos, 1994). No caso que
analiso, este valor era muito alto. A informação que se pretendia transmitir aos agentes
econômicos —destinada a incidir sobre suas expectativas —e ao mundo político eram
as seguintes: que o adeus do governo peronista ao populismo e sua opção pela
racionalidade não são temporários; que a orientação pró-mercado e a disciplina fiscal
adotadas serão duradouras. Se pairam dúvidas sobre nossas palavras  sugere o
governo  , então que se acredite nas restrições que nos impomos; transferimos o poder
de decisão aos saberes técnicos — a política entregou sua alma inquieta à disciplina e à
temperança daqueles que administrarão os assuntos públicos segundo esses saberes. O
governo e a economia já não terão de se deparar com surpresas.
Claro está que Menem já tinha feito muito, durante um ano e meio, para convencer
disso os formadores da opinião do empresariado; mas sempre agindo sob o domínio da
mais absoluta premência. A reorganização forjada em 1991 também se deu sob o
impulso de outra crise, mas, naquele momento, o governo formulava a situação a partir
de duas informações básicas: (a) não haveria uma nova crise; e, não obstante, (b) o
rumo não seria alterado. Embora já não estivesse com a corda no pescoço, as linhas
mestras de sua ação seriam mantidas, comunicava o governo. Dessa forma, as
conquistas obtidas em diferentes planos, sob pressão da urgência, permitem agora tomar
uma certa distância dessa pressão, mas o efeito político das conquistas obtidas será nulo
se não houver essa rede de medidas (políticas) de auto-atamento.
A renovação da equipe econômica anterior ao Plano de Convertibilidade permitiu o
acesso à área de implementação do programa de uma tecnocracia portadora de uma
concepção comum, uma coerência interna e uma massa crítica sem precedentes na
política argentina nas últimas décadas. Essa densidade técnica trouxe consigo um
notável alargamento do poder de ação do setor público, decisivo na sua implementação,
já que esta pôde se tornar mais abrangente e refinada. Importou, portanto, no
desempenho de um papel eminentemente político: o surgimento de um núcleo
governamental que estava em condições de disputar com os consultores financeiros a
coordenação da ação empresarial e de organizar a interação do governo com os agentes
econômicos sobre bases distintas do caminho de implacável rigor proposto pelos
consultores. Enfim, a utilização da racionalidade tecnocrática foi um recurso
eminentemente político-instrumental destinado a administrar o remédio para os que nele
acreditavam.
O governo estava, portanto, disposto a levar a cabo uma gestão de traços populistas
administrada por technopols (no sentido de Williamson, 1994) não populistas, o que
eliminava os problemas de credibilidade e capacidade de coordenação necessários à
tarefa. Ademais, graças à concepção comum, à coerência e à densidade da massa crítica
da equipe, o próprio staff reformista governamental elevaria seu baixo nível de
coerência interna, um ponto fraco desse governo desde seu turbulento começo e que
representava um obstáculo de peso para enfrentar de maneira eficiente uma gestão
voltada para a expansão da demanda. A vulnerabilidade às reivindicações provenientes
das suas próprias bases de sustentação é uma característica da implementação das
PMPs. As manifestações de uma coalizão heterogênea e articulada precipitadamente, na
ausência de estruturas políticas dotadas de capacidade de agregação e arbitragem,
transferem-se para a formulação e execução de decisões econômicas, e essa extrema
porosidade costuma ser sensível a todos os integrantes da coalizão: trabalhadores,
empresários, máquinas clientelísticas, burocracias públicas. Ao contrário do que era
usual, confiando a gestão da economia àquela equipe, o governo adquiriu uma
capacidade de ordenar a relação entre a política de coalizões e os outputs
macroeconômicos, ordem esta que até então havia sido alcançada pelo procedimento
brutal e insustentável no longo prazo da mais estrita restrição monetária.
AGITANDO A BANDEIRA DA PARTILHA
O governo passou a atuar com a convicção de que, reduzindo drasticamente os índices
inflacionários, poderia se beneficiar de uma visível reativação da economia graças à
qual —em convergência com as reformas tributárias em curso — seus passos haveriam
de ser dados em um terreno de maior solvência fiscal. Em linhas gerais, o resultado do
"choque de estabilização" (Llach, La Nación, 27/11/1991) correspondeu ao esperado. A
redução da incerteza quanto à paridade cambial a curto prazo produziu os resultados que
o governo almejava: um forte processo de remonetização da economia. A inflação caiu
acentuadamente, assim como as taxas de juros, o poder aquisitivo dos salários aumentou
e verificou-se uma retomada do crédito comercial. Tudo isso trouxe um substancial
impacto reativador. O reaquecimento industrial foi particularmente importante no setor
de bens duráveis; dentre os setores líderes destacaram-se as "vacas sagradas" do modelo
de desenvolvimento "orientado para o mercado interno" (inward-oriented), como a
produção de automóveis. A construção civil cresceu vigorosamente e o número de
falências reduziu-se de modo notável.
A recuperação da demanda agregada e dos níveis de atividade passou a estimular um
apreciável reaquecimento da arrecadação tributária. Os resultados fiscais permitiram
manter a razão base monetária/reservas exigida por lei e, ao mesmo tempo, recompor os
níveis do gasto público, sem deixar de alcançar um resultado operacional positivo para o
setor público consolidado.
Por volta de setembro de 1991, a queda dos preços ao consumidor era espetacular
(1,8%). A inflação mensal de dezembro foi a mais baixa desde 1974. A taxa média do
período abril-dezembro de 1991 foi de 2,2% mensais pelo índice de preços ao
consumidor, mas próxima de zero pelo índice dos preços por atacado. A arrecadação
tributária continuou aumentando (e as rendas provenientes das privatizações e licitações
petrolíferas foram superiores ao planejado); tudo isso foi decisivo para a eliminação do
rombo fiscal. Os resultados fiscais permitiram manter em vigor o acordo de stand by
inicial firmado com o FMI e liberar empréstimos já aprovados pelo Banco Mundial e
pelo BID, abrindo caminho para a negociação de um empréstimo de facilidades
ampliadas (extended fund facility), o qual, em meados de 1992, abriu caminho para a
assinatura de um acordo com os bancos credores no âmbito do Plano Brady. Em virtude
do cumprimento das metas fiscais pactuadas e da regularização do panorama dos
compromissos financeiros externos, a credibilidade da regra cambial consolidou-se.
Maior solvência fiscal e menor exposição aos persistentes problemas de credibilidade
permitiram ao governo ampliar suas margens de ação: era a diferença entre o perigo
constante de asfixia e a tranqüilidade de poder respirar sem medo de perder pé a
qualquer momento. Esses maiores graus de liberdade não eram contraditórios com a
perda de outras liberdades, por conta do auto-atamento. Pelo contrário, exatamente para
poder alcançá-los, e utilizá-los, o governo teve de atar-se a si mesmo, uma conditio sine
qua non, diante do contexto político, para fazer uso de suas capacidades adquiridas pelo
abandono da ortodoxia monetarista recessiva.
As capacidades adquiridas, tanto em termos de aptidão técnica quanto de gestão
política, são cruciais para que a execução da gestão expansiva seja efetivamente
moderada. Recordemos, mais uma vez, o que dizem Dornbusch e Edwards: para serem
bem-sucedidas, as políticas populistas precisam ser financiadas por uma política fiscal
muito ortodoxa e ter uma administração fiscal rigorosa. Em nosso caso, a ortodoxia
fiscal e a administração rigorosa, garantidas pelos dispositivos de auto-atamento,
acabaram por incitar a reativação econômica, devido à mudança de expectativas que
suscitaram nos agentes econômicos. Aliada às reformas tributárias postas em ação a
partir de 1990, essa reativação produziu uma solvência fiscal que há muito o setor
público argentino não conhecia.
Diante desse quadro, como o governo utilizou os novos graus de liberdade adquiridos?
Dornbusch e Edwards afirmam que as políticas populistas devem fincar pé na reativação
apenas durante um breve período inicial e logo dar lugar a políticas de crescimento. O
que distingue o caso argentino, no entanto, é que populismo temperado e política de
crescimento foram administrados de modo simultâneo, e não sucessivo. A política de
crescimento começou muito antes que tivesse terminado o populismo temperado; este,
por sua vez, se prolongou até muito depois de a política de crescimento ser convertida
no eixo central da gestão da equipe econômica. A recomendação de Dornbusch e
Edwards não foi seguida: não houve apenas um breve período inicial; apesar disso, a
PMP não impediu a presença da política de crescimento na agenda governamental. Em
resumo, o governo pôs em execução simultaneamente políticas populistas e de
crescimento. Mas, como interagiram estas políticas? Fundamentalmente, de modo
harmônico e ao mesmo tempo contraditório.
Vejamos, primeiramente, como as duas políticas se harmonizaram. Durante uma etapa
relativamente longa, elas se conjugaram: o governo viabilizou a transformação marketoriented da organização econômica argentina tanto no que diz respeito à distribuição
dos custos a ela inerentes, quanto no que concerne aos requisitos políticos das coalizões
— tal como estes foram concebidos pelo próprio governo.
A política de crescimento, "por definição", começara muito antes, se a entendermos
como o grupo de medidas de ajuste e reforma estrutural market-oriented que o governo
começou a pôr em prática desde seu início. A nomeação de Cavallo e a execução de um
plano de expansão não implicaram uma interrupção desse caminho, mas um novo
impulso e uma execução palpavelmente mais refinada e não mais guiada pelo acicate de
vencer a qualquer preço o desequilíbrio fiscal e a extrema instabilidade, mas pela busca
de eficiência alocativa.
Mas, convém relembrar o fato essencial de que uma política de crescimento
inevitavelmente implica alocar custos, e que, para um governo de origem popular, esses
custos têm como destinatário principal suas próprias bases sociais. Nas privatizações, na
liberalização comercial, na reforma tributária, na "racionalização" da administração
pública, na desregulamentação do mercado de trabalho, na reforma do sistema
previdenciário, em tudo isso o governo avançou nas políticas de reforma tornando
efetiva essa destinação de custos. Enquanto isso, o populismo temperado carreava para
o governo altos dividendos políticos, convalidando a eficácia de sua gestão, assim como
a possibilidade de valer-se da expansão para atenuar e/ou compensar os custos da
continuação e aprofundamento da política de crescimento, neutralizar resistências diante
de algumas reformas e administrar, em sintonia com os fatores políticos e a estratégia de
coalizões, o timing de outras mudanças.
Com o intuito de manter o apoio dos setores mais atingidos pela prolongada crise que
culminou com a hiperinflação de 1989, Menem, no início de seu mandato, apelou para
as suas credenciais políticas para solicitar a esses setores que enveredassem por um
caminho desconhecido a fim de fugir das privações associadas à inflação. Para tanto,
conseguira criar fortes nexos de sentido entre a estabilidade e as reformas estruturais
como núcleo de um consenso de fuga para a frente segundo o qual, após cada crise,
obtinha o respaldo popular para aprofundar o rumo traçado em vez de recuar. Evocando
a imagem bíblica da travessia do deserto, pode-se dizer que Menem conquistava o
consentimento e a adesão popular para percorrer terras inóspitas — sob o rigor da
ortodoxia duramente recessiva a hiperinflação era afastada, mas também o era qualquer
esperança de reparação social próxima. A disposição para atravessar o deserto provinha,
em primeiro lugar, do valor das credenciais do presidente —que tornou possível superar
a segunda hiperinflação sem graves fissuras na confiança nele depositada — e, em
segundo, do fato de que, ao longo de toda aquela etapa, embora a areia queimasse
debaixo dos pés, a hiperinflação não voltava.
Os resultados macroeconômicos perceptíveis desde meados de 1991 confirmavam os
pressupostos básicos do consenso de fuga para a frente: os nexos constituídos entre
estabilidade e reformas estruturais e o apelo presidencial à confiança em sua capacidade
executiva (de pôr ordem onde havia o caos, de definir um rumo e sustentá-lo, em
oposição à falta de rumo). A estabilidade, a recuperação econômica, a sensação coletiva
de garantia da ordem, corroboraram o pacto de sentido estabelecido em 1989: se
Menem, adotando o mais puro tom populista, apelara para que o seguissem, prometendo
(unicamente)" não decepcionar", lá estavam os sinais de que este apelo havia fincado
raízes. Já não se tratava apenas de atravessar um deserto: a persistência no rumo
permitia alcançar regiões mais férteis.
A inflação diminuiu progressiva e firmemente: foi de 84,1% em 1991, de 17,5% em
1992, chegando a 7,4% em 1993, um índice que a economia argentina não conhecia
desde princípios dos anos 50. A brusca desinflação, seu impacto positivo sobre o poder
aquisitivo dos salários, a redução da taxa de juros, o reaparecimento do crédito para o
consumo e a maior segurança convergiram para o efeito de expansão da demanda
(Fanelli, Frenkel e Rozenwurcel, 1992).14 De fato, no quadriênio 1991-94, o PIB
cresceu 7% ao ano em média (8,9% em 1991, 8,7% em 1992, 5,5% em 1993 e 4,9% em
1994). Relativamente a 1990, o consumo cresceu 31% e o investimento 78% (Fanelli e
Frenkel, 1994).15 Também houve um visível aumento do emprego que, impulsionado
pela reativação da economia, acompanhou o plano em seus primeiros anos (Frenkel et
alii, 1991; Fanelli, Frenkel e Rozenwurcel, 1992; Monza, 1993; Beccaria e López,
1995).
Já observamos que, em matéria tributária, o governo apostou, e acertou, na reativação
econômica como mecanismo endógeno de aumento da arrecadação. Isto se refletiu no
comportamento do gasto público16  as despesas totais, em 1987, perfizeram 46,36%
do PIB; já em 1988, elas caíram para 44,05% do mesmo, enquanto em 1989 baixaram
para assustadores 36,74%. Em 1990, sofreram outra queda: para 35,51% do PIB. Daí
para a frente, o gasto total recuperou-se: 1991, 36,77%; 1992, 39,88%; e 1993, 41,46%
do PIB (Secretaria de Hacienda, 1994). Os gastos sociais não seguiram exatamente a
mesma evolução, mas apresentaram variações significativas no quadro financeiro mais
apropriado para a provisão de serviços públicos oferecidos pelo novo contexto
macroeconômico e fiscal (Beccaria e Carciofi, 1993). Tomando-se o conjunto do gasto
público social e em recursos humanos, o ano de 1987 registra o valor mais elevado
desde 1981: 25,66%. A queda verificada em 1989 é quase inacreditável: 19,10%. Mas
daí para a frente, o gasto público se eleva e alcança níveis superiores aos de 1987 e 1988
(não teria relevância comparar esses índices apenas com os de 1989): 1990, 22,41%;
1991, 24,43%; 1992, 25,23%; 1993, 28,01%. A observação desses mesmos dados em
toda a série 1980-93 revela que 1981 (25,42%), 1987 (25,66%), 1992 e 1993 foram os
anos de valores mais altos (Secretaria de Hacienda, 1994).17
Por outro lado, a preponderância das verbas co-participadas,18 em detrimento das não
co-participadas, resultado das reformas tributárias realizadas a partir de 1989, fez com
que as províncias se vissem diante de uma soma muito maior de recursos financeiros, e
de modo inesperado. Mas, até 1993, o governo central agiu com grande morosidade no
que diz respeito ao ajuste das finanças das administrações locais.19
É também importante assinalar o efeito de políticas mais particularizadas de gasto
público. Sucessivas alterações na legislação tributária, introduzidas entre fins de 1991 e
princípios de 1992, especificaram que uma porcentagem dos aumentos previstos fosse
destinada aos programas sociais da região da Grande Buenos Aires; com isso, o governo
da província de Buenos Aires, tendo em vista as eleições legislativas de novembro,
gastou, durante 1993, por intermédio de um "Fundo de Reparação Histórica", mais de
US$ 1 milhão por dia, cifra esta que, aliás, não se reduziu em 1994. A maior parte
desses fundos se destinou à construção de infra-estrutura urbana e equipamentos
coletivos; sua distribuição, caracterizada por forte inclinação clientelista, convergiu para
uma das áreas de maior concentração de domicílios pobres.
Tudo isso se reflete na informação disponível sobre a renda e os níveis de pobreza
(Beccaria e Orsatti, 1992). Conforme observa Beccaria
"[...] a recuperação do nível de atividade e a diminuição da inflação permitiram que as rendas reais de
todo tipo de recebedores também melhorassem [...] as rendas de crescimento proporcionalmente mais
elevado foram as dos ocupados não assalariados (40% entre setembro de 1990 e setembro de 1992); as
rendas de assalariados e aposentados aumentaram em 20%. A renda familiar per capita teve uma
expansão de 26%, favorecida pelo crescimento do emprego [...]. A melhor participação dos estratos
médios na distribuição da renda do conjunto de recebedores entre 1990 e 1992 reflete uma clara
diminuição da desigualdade no caso dos assalariados — entre os quais se observa uma melhoria da
posição relativa tanto do grupo médio quanto do inferior — e a manutenção do nível de renda dos demais
grupos" (Beccaria, 1993, p. 147).
Quanto aos níveis de pobreza, os dados indicam que a tendência observável até 1989
teria sido parcialmente revertida entre 1991 e 1993: a proporção de pobres na Grande
Buenos Aires caiu de 34% em 1990 para 27% em 1992, e a proporção de famílias
vivendo abaixo da linha de pobreza diminuiu de 38% em 1989 para 14% em 1993.20 Em
síntese,
"[...] a política de expansão da demanda permitiu atenuar os efeitos dos custos distributivos das reformas,
pondo em ação mecanismos compensatórios ou moderadores de diversas naturezas, desde os que
operaram no âmbito dos grandes agregados macroeconômicos até os que deram resultados mais seletivos.
O boom econômico abriu as portas para um conjunto de políticas que não dispunham até então de
financiamento. A arrecadação tributária em expansão permitiu destinar recursos crescentes a quase todas
as parcelas do orçamento público, além de pôr em ação mecanismos de compensação direta. As crises
recorrentes das finanças provinciais foram mais fáceis de manejar; com o efeito suspensivo do boom
sobre o ajuste na esfera regional, as autoridades centrais conseguiram, em contrapartida, o apoio
legislativo necessário para fazer avanços em sua própria política de reformas" (cf. Gerchunoff e Torre,
1996, pp. 751-752).
Vejamos agora como a PMP e as políticas de crescimento mantiveram-se em tensão;
comecemos por explicitar o óbvio: uma PMP, ainda que moderada, não está isenta dos
problemas inerentes às PMPs. Ou seja, quando o governo optou por essa alternativa, em
1991, admitiu uma distorção dos preços relativos. Em uma primeira instância, a fixação
do tipo de câmbio importa, per se, em uma valorização cambial; não há nada de
assombroso nisto. Como explica Canitrot,
"[...] o câmbio fixo é a âncora dos preços nos programas de estabilização aplicados a economias abertas
ao movimento de capitais. Enquanto cumpre esse papel, a defasagem cambial é inevitável. O problema,
porém, não está na existência desse atraso, mas saber se poderá ser sustado e que magnitude irá atingir
quando tal coisa ocorrer" (Canitrot, 1992, p. 49).
Na realidade, a equipe econômica contava que se produzisse uma deflação de certa
magnitude (Damill e Keifman, 1991; Frenkel et alii, 1991); supunha que a deflação
fosse causada pela redução da incerteza cambial e permitisse melhorar a paridade real.
Mas a redução dos preços nominais não colaborou para isso. E era difícil que o fizesse
em um quadro de forte reativação induzida; de fato, a inflação "residual" que se seguiu
ao lançamento do plano, mostrou-se de início muito alta em comparação com os níveis
internacionais e continuou aprofundando o descompasso cambial.21
Em pouco tempo tornou-se visível que a defasagem gerava um desequilíbrio em conta
corrente (Fanelli e Frenkel, 1994; Gerchunoff e Machinea, 1995). Foi por isso que o
nível das importações, da atividade interna e do gasto público manteve-se em precário
equilíbrio: a repatriação de capitais permitia sustentar o nível da atividade econômica;
esta, por sua vez, sustentava o equilíbrio fiscal, apesar do elevado gasto público, por
intermédio da arrecadação tributária.
Nesse ponto, esbarramos, então, em um velho fantasma das PMPs: a valorização
cambial; a faceta populista do plano de convertibilidade conspirava contra políticas de
"crescimento genuíno" por fixarem mal os preços. O problema é que o que teria fixado
"bem" os preços no início de 1991 era a opção por uma recessão ainda mais profunda do
que a que se experimentava, mas isso não só carecia de viabilidade política como, ao
mesmo tempo, significava submeter um Estado já esquálido a uma espiral de
enfraquecimento ainda maior (um absurdo para qualquer perspectiva orientada para o
crescimento, exceto na visão dos defensores obsessivos da panacéia neoliberal).
O governo, portanto, tinha fechado as portas e jogado fora a chave — lembremos que ele
não estava em condições de desvalorizar o câmbio nominalmente;22 nessa situação, a
solução racional era manter a moderação das PMPs e empenhar-se a fundo em fazer
com que as políticas de reforma estrutural corrigissem os preços relativos sem tocar na
paridade nominal. Tratava-se de uma corrida contra o tempo, entre a duração da
confiança externa (sustentando-se o desequilíbrio da balança comercial induzido pela
reativação e a defasagem cambial) e a capacidade do governo de ajustar os preços
relativos a uma paridade nominal intocável. É claro que a moderação é importante: freia
a velocidade de aproximação do abismo do desequilíbrio comercial, permitindo, com
isso, ganhar tempo para que as reformas comecem a produzir efeitos.
O governo não se resignou inteiramente a transitar por esse estreito desfiladeiro;
aproveitando-se de circunstâncias que operavam a seu favor, não se limitou a manter
sua gestão macroeconômica dentro de padrões os mais moderados possíveis. Vejamos o
que aconteceu.
Por um lado, fatores político-institucionais já analisados colaboraram para a moderação.
O desempenho fiscal foi relativamente equilibrado: os orçamentos nacionais, pela
primeira vez em muitos anos, foram enviados ao Congresso com a antecedência
estipulada por lei e sua execução foi bastante rigorosa. Ao mesmo tempo, o Executivo
tendeu a reforçar a percepção coletiva de que podia manter a situação política
suficientemente controlada para dar prosseguimento ao seu programa de reformas.23
Alguns itens da agenda, como as privatizações, também serviram para facilitar a
implementação de outras reformas, eliminando obstáculos políticos, e para estimular a
atividade econômica; mas esses objetivos só foram realizados de forma muito contida.24
Por outro lado, não se levou a cabo um prudente retrenchment. Para explicar por que
isso aconteceu, lembremos mais uma vez a advertência feita por Dornbusch e Edwards:
as experiências populistas só devem defender a expansão durante um breve período
inicial. O problema é que esses autores somente forneceram uma informação
qualitativa: quão breve deveria ser esse período inicial? (E, retomando a consagrada
metáfora de Elster, quão distante está o governo do abismo do qual se aproxima?) A
resposta que um leigo pode extrair dos textos que analisam o ciclo das PMPs desde seu
início triunfal até seu desenlace fatal é que a duração aconselhável do período inicial é
uma função da distância temporal em que se farão presentes os estrangulamentos
clássicos dessas políticas (caso o rumo não seja corrigido a tempo): a plena ocupação da
capacidade instalada e/ou o desequilíbrio externo.
Na experiência argentina, as razões que explicam a duração das PMPs, ainda que
moderadas, sem retrenchment, parecem claras: o "período inicial" assumiu uma grande
elasticidade que decorreu, em parte, da própria moderação, mas que se alargou
inesperadamente com a afluência simultânea de uma modificação muito favorável no
contexto externo. Às conseqüências do retorno de capitais iniciais (de origem
doméstica, diríamos), agregou-se a entrada de grandes investidores institucionais
provenientes dos centros financeiros internacionais, os quais expulsos do Norte pela
redução das taxas de juros iniciaram um movimento em direção às economias
emergentes, beneficiando indiscriminadamente países que já estavam adiantados em
suas reformas estruturais e outros que ainda não tinham chegado a tanto, como é o caso
do Brasil.
Mas, nem tudo que é possível é aconselhável. A expansão da atividade econômica a
todo vapor que o aumento da entrada de capitais havia permitido financiar, bem como o
incremento do gasto público ao nível máximo que a reativação econômica tornara
factível, afastavam-se da recomendação de Dornbusch e Edwards, acabando por expor a
economia a uma grande vulnerabilidade. Apesar disso, a longa duração da PMP foi
muito bem-vinda para o governo devido à concorrência de dois fatores. O primeiro, uma
gradual mutação do ambiente político-social, conseqüência do próprio êxito econômico
do plano de convertibilidade e de seus efeitos sociais. O segundo, a forma como o
presidente Menem concebeu a sustentação de sua política de coalizões.
Em resumo, pode-se dizer que o difuso respaldo político dado ao governo foi mantido
no novo ambiente político, mas combinou-se com uma progressiva repolitização da
sociedade e com tensões no interior das próprias forças justicialistas. Não é insólito que
se trate de conseqüências não desejadas da política econômica oficial:25 sob o efeito
paralisador da experiência hiperinflacionária, muitas demandas e expectativas de
reparação tinham permanecido latentes; agora que, pouco a pouco, se configurava na
população a convicção de que a economia argentina havia superado, de uma vez por
todas, sua história inflacionária — não vem ao caso se da maneira certa ou errada —, elas
ressurgiam na cena política nas diversas formas de ação coletiva. Além disso, e pelas
mesmas razões, havia uma menor passividade dos diferentes setores e grupos sociais
atingidos pelas várias políticas de reforma. Sobre esse pano de fundo, pode-se perceber,
por outro lado, um progressivo relaxamento da disciplina dos blocos parlamentares
peronistas ante o Executivo e um rebaixamento da tolerância das máquinas provinciais e
das organizações sindicais ao unilateralismo com o qual o Executivo havia se
desincumbido até então da formulação e implementação de iniciativas.26
A pedra angular da estratégia de coalizões do governo foi definida pelo presidente, por
volta de 1993: a reforma constitucional que prepararia o caminho para sua reeleição.27
Assim sendo, o governo considerou impopular adotar um retrenchment da PMP
moderada porquanto os custos sociais inerentes às políticas de reforma (principalmente
o desemprego que já antes da crise em cadeia, iniciada no México em dezembro de
1994, superava os 9%)28 se tornavam mais visíveis e era cada vez mais necessário
atenuar o descontentamento que surgia em suas próprias fileiras.
Em abril de 1994, as eleições para a Convenção Constituinte deram resultados
excelentes para um novo agrupamento de centro-esquerda (Frente Grande) e aceitáveis
para a direita nacionalista (MODIN). Firmou-se então na opinião pública a idéia de uma
derrota oficial nas futuras eleições presidenciais. Em plena Convenção Constituinte, o
ânimo dos peronistas passava por uma crise de confiança. Reflexo emblemático disto
foi a maneira como o senador Augusto Alasino se referiu ao Partido Justicialista e seu
governo, de surpreendente sinceridade:
"[...] estamos sendo sacudidos pelos questionamentos internos [...]. Mas não vamos deixar que o
peronismo tenha feito todo esse trabalho e todo esse sacrifício para reformar o Estado só para que a
Frente Grande venha recolher seus frutos agitando a bandeira da repartição. Com essa preocupação
reaparece o tema da repartição e eu sei que Menem vai lhe dar ouvidos" (declarações do senador Augusto
Alasino, junho de 1994).
Em outras palavras, as urnas e as ruas transmitiam sinais inquietantes e o peronismo não
queria perder. Era preciso começar a repartir.
Os dispositivos político-institucionais estruturados em torno do change team MenemCavallo, contudo, permitiram um manejo bastante firme da situação em face dessas
pressões, sob os cuidados dos operadores financeiros cuja confiança era imperioso para
o governo reter.29 Contudo, as novas circunstâncias evidenciavam a complexidade da
tarefa: compatibilizar uma gestão macroeconômica consistente com a manutenção da
unidade da heterogênea coligação governamental que Menem vinha articulando em
torno de sua pessoa desde 1989. Nessa situação, manter o populismo temperado a
qualquer preço (por intermédio do retrenchment) revelou-se impraticável.
Isso porque se tratava, de um lado, sob pena de perder a confiança do mundo dos
negócios, de excluir da tomada de decisões aqueles que, em seu próprio campo de
forças, faziam pressão sobre o gasto público ou expressavam resistências às políticas
fiscais ou desregulatórias orientadas para estimular a competitividade empresarial — isto
é, os que pugnavam por um populismo aberto. Mas, de outro lado, era indispensável não
se submeter às reclamações dos defensores do rigor neoliberal que instavam o governo a
se decidir por um retrenchment: limitar a entrada de capitais, provocando a elevação das
taxas de juros, com o propósito de esfriar a atividade econômica para equilibrar a
balança comercial. Tratava-se de evitar a enfermidade administrando ao doente,
antecipadamente, os dolorosos remédios recessivos, o que não era politicamente
interessante para o governo. Já que este tinha feito a opção pelo populismo temperado
no começo de 1991, esta não era a maneira mais prudente de sair dele.
Do ponto de vista técnico, o governo dispunha de um instrumento alternativo de
retrenchment: reduzir a expansão do gasto público, evitando o perigo de sustentá-lo no
que podia não ser mais do que a fase expansiva de um ciclo. Do ponto de vista político,
essa opção se revelou totalmente inverossímil. Um leitor argentino poderia lembrar-se,
por exemplo, da insatisfação dos aposentados, da ampla mobilização de um dos seus
segmentos, da repercussão pública de seus protestos.30 É difícil imaginar o governo
tendo de explicar que teria de contrair o gasto público para gerar superávit fiscal e
montar um fundo destinado a contrabalançar um eventual ciclo recessivo.31
Por isso, o governo preferiu estender a PMP, aproveitando a margem de ação permitida
pela maneira moderada como a realizou e pela entrada de capitais; nesse sentido,
procurou aprofundar as políticas "orientadas para o crescimento": empenhou grandes
esforços para corrigir os preços relativos a fim de inverter o sinal negativo da balança
comercial, o calcanhar de Aquiles do Plano de Convertibilidade, acrescentando à
realização das reformas medidas tendentes a atenuar essa deficiência.
Nessa corrida contra o tempo o governo foi finalmente derrotado: a restrição externa
sobreveio em dezembro de 1994, depois da desvalorização mexicana. A súbita mudança
das condições contextuais revelou toda a fragilidade da recuperação econômica que
vinha sendo induzida desde 1991, bem como a vulnerabilidade criada pela relativa
destemperança da PMP. Nesse momento, a ajuda dos organismos internacionais cobriu
parte do rombo financeiro, adiando o problema. Mas o efeito em cadeia da crise externa
foi, assim mesmo, sério: em 1995, o PIB caiu 4%, o desemprego cresceu
acentuadamente, atingindo 18%, o setor financeiro defrontou-se com as dificuldades
decorrentes da insolvência dos devedores privados e o setor público mostrou que a
solidez fiscal dependia de um nível insustentável de atividade interna.
É comum as PMPs acabarem deixando seus pretensos beneficiários em uma situação
pior do que a anterior: com a crise, os salários caem abaixo dos níveis iniciais. É difícil
afirmar se foi isso que aconteceu, embora o nível de desemprego tenha sido muito
afetado pela retração econômica. O governo pôde contar com mecanismos que
suavizaram o processo de ajuste, uma vez desencadeada a crise: não se viu forçado a
proceder segundo as antigas receitas estabilizadoras centradas na desvalorização
nominal da moeda, e isso, por sua vez, possibilitou uma reversão parcial da fuga de
capitais. As forças peronistas que até a irrupção da crise se mostravam cada vez mais
inquietas, fecharam questão em torno do chefe do Executivo, intuindo, acertadamente,
que o voto popular não lhe seria negado. E, com efeito, mais eleitores optaram pela
continuidade de uma gestão que contava a seu favor com o mérito de ter levado adiante
um vertiginoso processo de transformações.
Apesar disso, ao cabo de seis anos de reformas persistentemente voltadas para a solução
dos graves desequilíbrios da economia e do Estado argentinos, via-se claramente que a
possibilidade de uma saída sem dor da conturbada estagnação dos anos 80 era pura
ilusão. Aos custos inerentes à desorganização iniciada nos anos 70 acrescentavam-se
agora os custos envolvidos nas reformas destinadas a superar tal desordem. A situação
estava melhor do que na época da hiperinflação para muitos setores, mas os 18% de
desocupados punham a nu que a Argentina ainda não tinha encontrado um modo
sustentável de crescimento e inserção no cenário econômico internacional.
CONCLUSÕES
Não há afinidade, em matéria econômica, entre populismo temperado e política de
crescimento, pelo menos a curto prazo. No longo prazo, porém, pode não ser assim: em
situações de extrema deterioração social — como a da Argentina em 1989— mitigar
rapidamente tal deterioração pode ser indispensável para evitar danos irreparáveis, que,
uma vez produzidos, tornam inútil qualquer set de incentivos" bem empregados". O
mesmo raciocínio pode ser aplicado ao Estado: a perda de suas capacidades pode ser tão
profunda que ele se veja impossibilitado de exercer com alguma eficiência até mesmo
as funções que o minimalismo considera adequadas ao desenvolvimento das forças de
mercado. De modo que os efeitos transicionais da PMP moderada podem ter
desempenhado, afinal, um papel decisivo. Se fossem mais do que passageiros, e
adicionando-se a eles as melhorias auto-sustentáveis resultantes das mudanças
estruturais (se a promessa do market friendly approach fosse correta), esses efeitos
poderiam incidir positivamente sobre a capacidade de crescimento.
Contudo, embora esse raciocínio esteja correto, tem pouco a ver com a verdadeira
lógica política do governo (que, por exemplo, "protegeu" mais os aposentados do que as
crianças das escolas públicas). O populismo, inclusive em sua versão temperada,
continua sendo justificado por razões políticas e por estratégias de coalizão: manter
unidas suas próprias forças, assegurar a liderança — definida ao sabor da vontade do
líder, i.e., mediante a reeleição —, viabilizar politicamente as reformas "de
crescimento", legitimar socialmente o curso global das transformações, ganhar eleições.
Em suma, politicamente falando, a funcionalidade do populismo temperado é evidente,
pois confere viabilidade às reformas (supostamente) orientadas para o crescimento. Isto
é particularmente importante nos contextos democráticos e mais ainda quando, como
salientaram Gerchunoff e Torre (1996), as reformas são levadas a cabo por governos de
base social popular.
Nessas situações, suas lideranças, chegando ao Executivo, formam alianças
heterogêneas: a mistura das bases históricas do modelo de desenvolvimento voltado
para dentro, com o mundo dos negócios ideologicamente articulado pelos consultores
financeiros. O problema principal desse curso de ação é organizar o apoio das forças
cuja adesão se procura obter, sem ameaçar o acompanhamento das próprias bases. A
relação entre o comando político da reforma e o velho componente da nova coalizão
evoca, para usar uma metáfora brasileira, o voto de cabresto do coronelismo. Mais do
que conduzir pelas rédeas, trata-se de puxar pelo cabresto: suas próprias forças avançam
sem a menor vontade de fazê-lo. Enquanto isso, o apoio difuso dos homens de negócios
é assegurado pela convicção de que, por necessidade ou por virtude, o governo realiza
suas aspirações — o que não exime o comando reformista da necessidade de também
manter firmes as rédeas. Estabelecido sobre uma coalizão tão heterogênea, não se
estranha que o terceiro governo peronista se visse compelido a fazer populismo e
antipopulismo ao mesmo tempo.
Desde fins dos anos 80, uma ampla gama de economistas, cientistas políticos,
historiadores econômicos, de diferentes tradições analíticas, têm questionado a
concepção dominante que atribui ao Estado um papel puramente negativo no
desenvolvimento econômico. É o que Evans (1992) denomina de" terceira onda" de
reflexões sobre o tema, a qual considera pouco promissoras as políticas de reforma de
mercado que não são acompanhadas por uma adequada reconstrução das capacidades do
Estado. Pereira, Maravall e Przeworski (1993) argumentam convincentemente no
mesmo sentido, mas enfatizam que, mesmo quando os programas de reforma se
integram em uma estratégia correta de desenvolvimento, inevitavelmente implicam
elevados custos sociais de transição (redução do consumo, desemprego etc.). Por
conseguinte, dizem eles, "a questão adicional que se coloca é saber se essas reformas
continuarão ou não a ser um veredicto do processo democrático" (p. 18). Daí que um
componente-chave do approach social-democrata é que o processo de reformas seja
acompanhado por uma rede de proteção social para os setores mais prejudicados pelas
mudanças. Esses autores se baseiam empiricamente no caso espanhol, cujo traço
distintivo foi a ampliação do alcance das políticas sociais e a existência de políticas
ativas para o mercado de trabalho.
As reformas argentinas não se caracterizaram por uma recomposição substancial das
políticas sociais e as mudanças no setor trabalhista foram essencialmente destinadas a
desmantelar, em vez de reconstruir, as redes de proteção dos trabalhadores. Todavia, na
frase "os efeitos políticos [da proteção social] foram que, na Espanha, o PSOE, que
liderou o processo de reformas, pôde ganhar quatro eleições consecutivas apesar de um
grave desemprego [...]" (ibidem), seria perfeitamente possível substituir a Espanha pela
Argentina e o PSOE pelo Partido Justicialista. Só que, em sintonia com suas tradições, a
política argentina respondeu, a seu modo, aos problemas da transição e em lugar de um
enfoque social-democrata o que tivemos foi um approach populista. No caso, o pior não
era a índole populista da política macroeconômica, cuja execução foi marcada por uma
firmeza que raramente acompanha as PMPs; o pior de tudo foram os ingredientes
clientelistas, o particularismo e a corrupção predominantes na distribuição de recursos
em si escassos.
De uma perspectiva geral, a gestão peronista a partir de 1989 permite ver os traços
distintivos de uma política de reformas neoliberais executada por um governo cuja força
eleitoral residia nos setores populares. Resta, porém, esclarecer uma questão: embora a
moderação com a qual a PMP foi executada tenha se mantido ao longo do tempo, a
recomendação de limitar a um breve período a fase de expansão induzida não foi
seguida. Mesmo que isso não impedisse a execução das "políticas de crescimento", estas
tiveram de ser introduzidas a curto prazo com o objetivo de corrigir as distorções dos
preços relativos (Gerchunoff e Machinea, 1995), e a firmeza que caracterizou sua
implementação não chegou a neutralizar a vulnerabilidade criada pela "imprudência" de
não se ter corrigido o rumo a tempo.
***
Afirmei que o governo acreditava não ter alternativas, ou não se interessou em examinálas. Mas, tecnicamente, elas existiam, como indicaram vários economistas. Além do
retorno a uma ortodoxia recessiva, ou da passagem para uma gestão populista típica,
havia a alternativa do retrenchment, congruente com a recomendação de Dornbusch e
Edwards, e que poderia livrar a economia de sua vulnerabilidade externa. Contudo, uma
compreensão mais profunda da questão não parece se encontrar no terreno estritamente
político-econômico, mas sim, outra vez, no campo da política de coalizões. Já discuti as
restrições que afastaram o governo desse caminho: ele agiu compelido por mudanças
ocorridas no ambiente social e político geral em que a política econômica se
desenvolveu e pela opção do presidente Menem de privilegiar o objetivo de reforma da
Constituição para poder reeleger-se. Apesar disso, a rigidez com que o governo se
aferrou ao seu êxito parece nos falar de problemas mais universais, próprios da natureza
política dos processos de reforma.
Refletindo sobre as margens de manobra de que dispõem os líderes diante dessas
vicissitudes, Peter Gourevitch sustenta que nem a perspectiva teórica dos grupos de
interesse nem a abordagem institucionalista oferecem uma resposta satisfatória, porque
não havendo uma avaliação perfeita das preferências, ou uma formulação perfeita das
instituições, sempre existe
"[...] alguma frouxidão, em proporções variáveis, na interação entre preferências, instituições, escolhas e
resultados. Onde há incerteza, há margem de manobra, discrição, arbítrio. Isso abre a porta para escolhas
a todos os atores, em particular aos líderes [...] que têm algum grau de escolha no que se refere à forma de
articular as coalizões de que precisam para governar" (Gourevitch, 1993, pp. 440-443).
O mais interessante da análise de Gourevitch está em sua explicação da forma como a
margem de manobra dos líderes vai sendo transformada por sua própria ação. Depois de
sugerir que" os governos têm inicialmente algum grau de liberdade quanto ao raio de
manobra", Gourevitch encerra essas reflexões com uma frase aparentemente misteriosa:
"Uma vez aproveitadas, as oportunidades se perdem" (ibidem).
Por que? A gestão reformista discutida neste artigo ilustra o problema. Afirmei que a
coligação articulada por Menem era heterogênea; simplificando, podemos dividi-la em
duas grandes vertentes: a velha (popular) e a nova (os empresários). Este encaixe de
coalizões é um exemplo irretocável de aproveitamento de graus de liberdade. Mas a
gestão posterior da política econômica evidencia as restrições ao mesmo tempo criadas
pelas novas circunstâncias da política de coligações.
Em 1991, o governo induziu a uma política de expansão que obteve ótimos resultados,
baseados em uma remonetização da economia que se apoiava na repatriação de capitais;
porém, um pouco mais tarde, uma notável mudança no contexto econômico
internacional estimulou um fluxo de capitais externos muito superior ao esperado, em
face do qual o governo decidiu não alterar a adaptação passiva das variáveis econômicas
internas. Naquela oportunidade, a redução das margens de ação do governo derivou de
sua necessidade de atender ao velho componente da coalizão.
Dois anos depois, as restrições novamente se manifestaram, dessa vez por influência do
novo elemento integrante da coalizão. Sob o impacto da crise desencadeada em 1995, e
ante a evidência de que os efeitos do Plano de Convertibilidade não eram milagrosos, o
peronismo fechou questão em torno do apoio ao governo, mas não escondeu seu
descontentamento com o ministro da Economia. Esse mal-estar foi estimulado por
Menem que acreditava ter chegado a hora de ajustar contas com Cavallo, a quem
precisou se aliar em 1991, e que, agindo com uma margem de independência política
intolerável, lançou-se candidato a presidente da República para as eleições de 1999.
Dessa vez, foi a nova vertente da coalizão que fixou os limites: a reação negativa dos
mercados e dos porta-vozes da comunidade financeira local e internacional deixou claro
que o mundo dos negócios somente consideraria o governo peronista confiável
enquanto estivesse protegido contra as pressões populistas da velha vertente popular
pelo "escudo" formado por Cavallo e sua equipe de tecnocratas. Esses conflitos
permitiram a Menem confirmar que seus temores de 1991 não eram infundados: havia
amarrado as próprias mãos e ainda por cima não podia afastar o ministro.
Na linha de reflexão de Gourevitch, as oportunidades que se oferecem aos líderes são
como revólveres de uma só bala. Quando usadas, criam uma nova situação na qual os
líderes caem na própria armadilha. São oportunidades para a ação" livre", mas essa ação
implica eleição, opções, e as escolhas continuamente estreitam o campo de ação
posterior dos líderes. "À medida que agem, assumem compromissos e praticam ações
que passam a ser julgadas, e que rapidamente os limitam" (ibidem). Donde se conclui
que, uma vez aproveitadas, as oportunidades são perdidas.
(Recebido para publicação em abril de 1996)
NOTAS:
1. Analisando a gestão política das reformas estruturais na Argentina a partir de 1989
(Palermo, 1995), sustento, contrariamente às avaliações em voga, que a passagem de
uma longa etapa de ajuste caótico para outra de ajuste organizado havia minorado
sensivelmente os custos sociais da transformação econômica e estatal, o que, por sua
vez, se mostrara de grande importância para a sustentação política do processo de
mudanças. Em um penetrante artigo recentemente publicado, Gerchunoff e Torre (1996)
lançam nova luz sobre a questão, ressaltando a maneira como os efeitos expansivos do
Plano de Convertibilidade permitiram ao governo suavizar, do ponto de vista de sua
base popular, os custos inerentes às reformas. Seguindo essa mesma linha de análise,
este artigo se concentra nos requisitos político-institucionais que tornaram possível a
implementação dessa política de expansão e na inter-relação da política
macroeconômica com a política de coalizões desenvolvida.
2. Assim, diversos estudos de caso constatam que as lideranças adotam o enfoque
tecnocrático, desinteressando-se da tarefa especificamente política de persuasão da
sociedade, como se os benefícios das reformas fossem evidentes por si mesmos.
3. Isso deixa claro que os limites entre uma PMP e uma política prudente de expansão
anticíclica são difíceis de distinguir: os comportamentos preventivos dos agentes
econômicos podem ex post transformar em PMP uma política concebida ex ante como
apenas anticíclica.
4. Para estudos mais amplos da política de reformas do primeiro governo Menem, ver
Acuña (1994), Canitrot e Sigal (1994), Gerchunoff e Torre (1996), Palermo (1995),
Palermo e Novaro (1996), Torre e Palermo (1995).
5. A gestão Bunge e Born começou com o novo governo, em julho de 1989, e terminou
após a segunda hiperinflação, em dezembro. A partir de então, Erman González dirigiu
o Ministério da Economia até janeiro de 1991, quando foi substituído por Domingo
Cavallo.
6. A conta comercial de 1990 tinha sido muito superavitária (US$ 8 bilhões), permitindo
obter, pela primeira vez desde 1977, um saldo positivo em conta corrente, resultado
tanto do crescimento das exportações quanto da queda das importações (Canitrot, 1992).
7. Pela expressão consenso de fuga para a frente (Torre e Palermo, 1995; Palermo,
1995) referimo-nos a uma característica central da dinâmica política reformista na longa
etapa inicial do governo Menem: o respaldo da população não resultava tanto de sua
confiança no futuro valor das reformas de mercado, e a conseqüente disposição para
arcar com seus custos inerentes, quanto do medo do retorno a um passado — a
hiperinflação —cuja dureza extrema era conhecida por todos. Nessa situação, o
julgamento popular a respeito do programa de reformas radicais adotado pelo governo
não se prendia aos seus custos (que estavam sendo pagos por antecipação), mas à crença
na promessa de que a saída do "vale de lágrimas" seria rápida e definitiva.
8. Acompanhamos aqui a descrição técnica do plano feita por Canitrot (1992), Fanelli,
Frenkel e Rozenwurcel (1992) e Rozenwurcel (1992).
9. A convertibilidade consiste essencialmente em uma desdolarização (põe fim à fuga
dos agentes privados da moeda doméstica para o dólar, salvo a obtenção de rendas
extraordinárias via especulação garantida) confiável (mediante reservas e controle
fiscal) da economia. Batista Jr. (1993), em uma aguda análise das opções de política
econômica brasileira voltadas para a estabilização, qualifica o plano argentino como um
regime monetário semelhante ao padrão-ouro, com o dólar no papel de "relíquia
bárbara".
10. O conceito de atar-se a si mesmo foi elaborado por Elster (1989); a auto-inibição
atende ao interesse de reduzir a probabilidade de condutas próprias futuras
consideradas, convicta e racionalmente, como indesejáveis. Faço um uso livre dessa
idéia básica; neste caso, a estratégia de preservar a "fraqueza da vontade" atende ao
propósito de se fazer acreditar por outros.
11. O governo beneficiou-se, por outro lado, de uma mudança ocorrida no contexto
internacional, mudança ocorrida na dimensão denominada por Stallings (1992) de
leverage: um novo ânimo por parte dos protagonistas do chamado Consenso de
Washington de aceitar reprogramações manejáveis das dívidas externas sem forçar
desvalorizações diante da evidente esterilidade, tanto do ponto de vista do devedor
quanto do credor, dos planos clássicos de estabilização.
12. Já que os dispositivos criados induziram a uma rápida repatriação de capitais, como
se verá a seguir.
13. Na Fundação Mediterrânea, os técnicos que desenvolviam atividades em equipe
chegavam a mais de duzentos.
14. Em matéria salarial, deve-se acrescentar ao efeito da redução da inflação sobre o
poder aquisitivo o aumento da renda salarial per capita (devido a um sensível aumento
das horas trabalhadas por parte do pessoal já ocupado), que compensou a efetiva queda
do salário real medida por unidade de tempo trabalhado.
15. Para importantes setores assalariados de rendas médias e baixas, a recuperação do
crédito permitiu o acesso a bens de consumo duráveis (alguns deles importados) depois
de muitos anos em que o crédito havia desaparecido.
16. Os dados correspondem ao governo central, empresas públicas, províncias,
municípios, seguridade social e obras sociais (Secretaria de Programación Económica,
1993).
17. O comportamento do gasto social desde 1990 revela-se menos impressionante se
levarmos em conta que a liderança dos dispêndios coube à rubrica "seguridade social"
(emolumentos destinados ao setor passivo) que recebeu mais de 12% dos 28% em 1993
(entre 1988 e 1993 a rubrica cresceu cerca de 46%). Em um artigo em que são avaliadas
suas magnitudes não como porcentagem do PIB, mas estimadas por seu valor real, a
performance em gastos sociais parece menos brilhante. O valor real do gasto total
orçamentário para 1993 é ainda mais elevado que o de 1987, mas a predominância da
rubrica seguridade social é mais acentuada (cf. Flood, Gerchunoff e Lumi, 1993).
18. Recursos co-participados são a parcela do gasto público repartida entre as diferentes
esferas de governo: central, provincial e municipal.
19. Essa situação começou a se modificar quando o governo central delegou às
províncias o encargo dos serviços de educação e saúde e forçou-as a colaborar nas
despesas de manutenção de ramais ferroviários.
20. Estimativas baseadas na Pesquisa Permanente de Domicílios (Beccaria, 1993).
21. Para isso foi determinante o comportamento distinto dos preços dos bens
negociáveis ou não no mercado internacional (ver Fanelli e Frenkel, 1994).
22. Em termos de políticas de ajuste, isso equivaleria a um programa de estabilização
clássico de reversão de um ciclo populista de expansão.
23. Um alvo especial para isso foram os sindicatos; o governo fez questão de
demonstrar que tinha capacidade para enquadrá-los em sua política de desindexação dos
preços. Em julho de 1991, editou o Decreto 1334 que sujeita a negociação de melhorias
salariais aos incrementos de produtividade.
24. O melhor exemplo é a privatização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales, a maior de
todas, com a qual o governo, mediante a distribuição de ações aos aposentados,
procurou, de um lado, minorar suas resistências à reforma do sistema de seguridade
social, e, de outro, promover o consumo interno, autorizando a venda dessas ações. Mas
isso foi feito de modo gradual e complementado por medidas que recompensavam a
retenção das ações.
25. Ver, por exemplo, a rica análise de Acuña e Smith (1994) que buscam explicações
teóricas para essa mudança.
26. Isto se evidencia, por exemplo, nas dificuldades em que tropeçava o governo para
levar adiante suas iniciativas em matéria trabalhista e previdenciária.
27. A Constituição então em vigor estabelecia um mandato de seis anos para um
presidente não reelegível.
28. Em dezembro de 1992, o desemprego tinha atingido seu ponto mais baixo desde
1988: 5,6%.
29. De fato, os consultores financeiros esmeravam-se em propalar que consideravam
Menem e Cavallo (especialmente este último) como o único escudo possível contra o
retorno do populismo, retorno este que o Partido Justicialista, em meio a uma convulsão
interna, não garantia evitar.
30. Uma iniciativa da Frente Grande destinada a fazer com que o projeto de reforma do
sistema previdenciário fosse submetido a uma consulta popular obteve o apoio de um
milhão de pessoas.
31. O que equivalia, na prática, a uma previsão de recessão por parte do governo (por
nada ser dito a respeito do efeito em espiral da retração do gasto sobre o nível da
atividade e a arrecadação tributária).
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ABSTRACT
Moderate Populism: A Political Interpretation of Argentina’ s 1991 Convertibility Plan
Approaching from the perspective of a political science analysis, the article focuses on
the interactions between an economic stabilization plan  Argentina’ s 1991
Convertibility Plan  and the pro-market program of reforms that was implemented
from the beginning of the Carlos Menem Administration. It highlights the political and
institutional factors that made it possible to architect and expansive stabilizing policy,
the relevance of the political effects of implementing this program, and the crucial
interrelationship between the government’ s coalitional policy, the reform program, and
macroeconomic policy.
Keywords: pro-market reforms, macroeconomic policy, Argentina politics;
Convertibility Plan; populism
RÉSUMÉ
Populisme Tempéré: Une Interprétation Politique du Plan de Convertibilité Argentin de
1991
Ce travail aborde, du point de vue de la politologie, les intéractions établies entre un
plan de stabilisation, le Plan de Convertibilité Argentin de 1991, et le programme des
réformes axées vers le marché, mis en place dès les débuts du gouvernement du
président Carlos Menem. On cherche surtout à souligner la présence de facteurs
politiques et institutionnels qui ont permis la mise en forme d’ une politique de
stabilisation explansible, l’ importance des effets politiques de sa mise en place, ainsi
que les rapports cruciaux entre la politique de coalition du gouvernement, le programme
des réformes et la politique macroéconomique.
Mots-clé: Réformes axées vers le marché; Politique macroéconomique; Argentine –
politique
*
Agradeço a Pablo Gerchunoff, Gerardo Munck e Juan Carlos Torre pelos valiosos comentários a uma
versão anterior deste trabalho, bem como aos pareceristas anônimos e à editoria de Dados pelas opiniões
e sugestões. A tradução do original em espanhol "Populismo Atemperado. Una Aproximación Política al
Plan de Convertibilidad Argentino de 1991" é de Vera Pereira.
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versão impressa ISSN 0011-5258