1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização (1851 – 1995). ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO SANTO ANTONIO DE JESUS – BA MAIO/ 2011 2 ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização (1851 – 1995). Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus V, como requisito para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Suzana Maria de Souza Santos Severs. Área de concentração: História; Religião. Santo Antonio de Jesus, Bahia Maio / 2011 3 ANTONIO DA CONCEIÇÃO NASCIMENTO A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a romanização (1851 – 1995). Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus V, como requisito para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Professora Dra. Suzana Maria de Souza Santos Severs Santo Antônio de Jesus, 06 de maio de 2011 BANCA EXAMINADORA: _____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Suzana Maria de Souza Santos Severs (Orientadora) – UNEB ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Lucilene Reginaldo (UEFS) ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sara Oliveira Farias (UNEB) ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Nancy Rita Sento Sé de Assis. (UNEB) - (Suplente) ______________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Carmélia Aparecida Silva Miranda UNEB - (Suplente) 4 Todo o meu esforço para construir este trabalho ofereço à minha Santa mãe, e a todas as mulheres de minha família. Minha avó Sinhá Bia, nossa rainha e senhora; tia Marta que me ensinou as primeiras lições. “Ai, ai saudade, saudade dela, ela se foi, saudade fiquei sem ela” (Geraldo Pereira). A tia Tonha de quem também sou filho, a fiel e companheira Pole, e as minhas primas e irmãs Edinha e Lêu. Pra você Carlinhos, meu amado irmão que sempre consegue me descortinar horizontes. 5 AGRADECIMENTOS O caminho da pesquisa é muito solitário. Enveredamo-nos por arquivos a procura de documentos, com uma idéia na cabeça, mas, sempre com a certeza de que nunca saberemos o que nos aguarda. Nessa minha trajetória decifrando manuscritos, interpretando discursos e tentando fazer conexões, percebi que o trabalho começa a se desenhar nas primeiras discussões com o papel. Ele é nosso primeiro interlocutor, quem presencia nossas expressões de angustia, de satisfação, ou de questionamento diante do que revela ou omite. Mas, isso não encerra todo o processo, é somente uma parte dele. Enquanto seres sociais, agradavelmente dependentes do outro, vivemos numa teia de relações que se processam em todos os aspectos de nossa vida. Nesse caminho não foi diferente, muitas pessoas contribuíram para a concretização dessa jornada. Muitas delas, sem mesmo saber pra onde eu ia. Outras já visualizando a minha chegada. Mas todas sabendo em que direção eu seguia. Como sou feliz com elas. São presentes e manifestação de Deus. Agradeço aos colegas da graduação e companheiros da universidade que acreditaram na minha capacidade e me incentivaram a continuar a jornada. Laly, Anne, Manu, Catarina, Valney, Silvana Oliveira, Silvana Bispo, Flávia, Eduardo, Sayonara, Murilo, Wilkens, Luciana, Gerlan, Fabiane, Danila, Andréia, Rene, Geane, Ariane, Ivonice, Guilherme, Wanderson, obrigado a todos. Entre os presentes que tive na minha formação acadêmica, certamente o professor Raimundo Nonato da Fonseca foi um deles. Em 15 de julho de 2004, primeiro dia de aula na UNEB, Campus V, foi ele quem recebeu minha turma. Empenhado como era em seu ofício, nos apresentou com a disciplina “Teoria da História I” as primeiras malícias de um historiador. Posteriormente conduziu a turma na elaboração dos incipientes projetos que definiriam em grande parte nossos interesses de pesquisa. Sua morte nos pegou de surpresa. O “Adeus Nonato” que recebemos por e-mail golpeou nossas pretensões de tê-lo como nosso paraninfo, restando somente a possibilidade de nomear a turma com seu nome. Felizes os que te conheceram Rai. Não posso deixar de agradecer pela confiança e pelo incentivo a Cristiane Lírio, a Denílson Lessa por ser tão humano, a Nancy pela sinceridade e comprometimento, qualidades veneráveis com as quais me acompanhou na escrita do TCC (Trabalho de conclusão de curso) e no tirocínio docente do mestrado. À minha orientadora Suzana Severs, que num equilíbrio entre a severidade e a solicitude, generosamente acompanhou-me de perto, mas deixando que 6 eu trilhasse os caminhos. A todos do Campus V e do Mestrado em História Regional e Local, Ane, Consuelo Vilma, os meus colegas, em especial os mais próximos, Alex, Didi, Gilson, Marilva, Priscila, Carol, Wilma, Oscar, Regina, Lielva, Gabriela e os professores do programa que nas reuniões de linha, nas aulas e nos corredores deram contribuições para o andamento da pesquisa, meu muito obrigado. Fora do espaço da Academia, são nossos familiares e amigos que nos dão bases para que continuemos a luta. A todos da minha família, em especial meus irmãos Rodrigo e Júnior, agradeço somente por serem quem são, isso é o suficiente pra que eu tenha referências, e não esqueça quem sou e dos meus propósitos. Aos meus amigos, que também me dão solo para pisar, agradeço pelo incentivo, pelas acolhidas, pelas alegrias vividas, pelos planos que juntos traçamos. Muito obrigado Dilma, Reizinho, Dinda, Léo, Percília, Zé Carlos (meu padrinho), Teresinha, Any, Edson, Francis, Rita Guedes, Dona Dita, Fátima e Ritinha. Rebeldes queridos, vocês são meu lócus de amizade. Assim como Jesus ia para Bethânia para descansar, são vocês que me proporcionam os melhores momentos de tranquilidade e de alegria sem ensaios. Paty, Ney, Tethy, Naty, Bel, Pêu, Janilson, Elly, Egidinho, Cleber, Marcos, Rebouças, Nete, Rakel, Tiago, Vero, Paulinho, Gal, Priscila, Marivaldo, Américo, Luciano, Nina, Jorge e Rose meus compadres e Sam, meu afilhado, obrigado. Grupo Shalom Adonai, louvo a Deus por vocês, nos momentos de crise, quando desistir seria o mais fácil, vocês me mostraram onde encontrar forças. Ita, obrigado pela generosidade da acolhida, pelas orações e pela preocupação com as minhas realizações. Cristóvão meu padre e amigo querido, obrigado por ter me proporcionado, ao longo de minha trajetória como seu coroinha e quando me acolheu em sua casa no início de minha graduação, raros momentos em que soube o que é carinho de pai. A todos os meus companheiros de trabalho, em especial Adilson, Geane, Kátia, Jânio, Silvana, Nice, Lurdinha, Suelem, Dona Rita e Lia, obrigado pelo incentivo e apóio. Pela contribuição direta com esse trabalho de pesquisa quero agradecer a Manoel do Serrote, que sempre esteve disposta a me ajudar, a Cremilda Feitosa, funcionária da Casa da Cultura de Maragogipe que me cedeu sua coleção de jornais antigos e a Alessandro, que confiou a mim um dos únicos exemplares do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu reformado em 1943. A todos minha gratidão sincera. 7 “Certa mulher trabalhava em uma casa como doméstica, e o que ganhava não dava pra seu sustento e de sua família. Quando saia do trabalho, todos os dias a patroa revistava sua sacola pra que ela não levasse nada pra casa. Sempre no final da tarde, depois de ralar o milho e fazer o mingau da família para a qual trabalhava, ela deixava os seus braços sujos com a borra. Em casa, ela lavava seus braços dentro de uma panela, e era com aquela água que ela fazia o mingau de seus três filhos”. (Catarina Domiciano da Conceição – Santa, minha mãe) 8 RESUMO A criação da Irmandade de São Bartolomeu, se comparada ao tempo de existência das demais que já existiam na freguesia de Maragogipe desde o século XVIII, pode ser considerada tardia. Ainda assim, ela tornou-se a confraria de maior ressonância da cidade. Conforme os seus Compromissos de 1851 e 1943, sua criação atendeu ao objetivo de cuidar do culto ao santo apóstolo padroeiro da cidade, São Bartolomeu, atividade com a qual se ocupou até 1995, quando foi substituída pelas comissões de festas que haviam sido incorporadas à sua Mesa Administrativa desde 1912. Além disso, a assistência funerária aos irmãos confrades também fez parte de suas práticas devocionais mesmo depois da construção do cemitério em Maragogipe na década de 1860, quando os enterramentos deixaram de ser realizados nos templos católicos. Já no momento de sua fundação em 1851, em carta de aprovação de seu Compromisso, o Arcebispo Primaz da Bahia, o ultramontano Dom Romualdo de Seixas, fez algumas recomendações que demonstram sua preocupação em evitar práticas que pudessem se desviar dos preceitos católicos romanos. Estas recomendações não interferiram tanto na autonomia da confraria. Foi já no início do século XX, depois da separação entre a Igreja e o Estado que as medidas da Romanização se fizeram sentir, e a Irmandade de São Bartolomeu foi colocada sob a presidência do vigário, perdendo dessa forma a autonomia. Palavras-chave: Irmandade, práticas devocionais, romanização, Igreja católica. 9 ABSTRACT The creation of the Brotherhood of St. Bartholomew, compared to the duration of the others that already existed in the parish of Maragogipe since the eighteenth century, may be considered late. Still, she became the fraternity of the city with the most resonance. According to its commitments in 1851 and 1943, its establishment has met the goal of caring for the cult of the apostle and patron saint of the city, St. Bartholomew's activity with which he held until 1995 when he was replaced by party committees that have been incorporated into your table Administration since 1912. In addition, the funeral assistance to the brethren brothers was also part of their devotional practices even after the construction of the cemetery Maragogipe in the 1860s, when burials ceased to be held in Catholic churches. From the moment of its foundation in 1851, in a letter of approval of its Commitment, the Archbishop Primate of Bahia, Dom Romualdo de Seixas ultramontano made some recommendations that demonstrate their concern to avoid practices that might deviate from the Roman Catholic precepts. These recommendations did not affect both the autonomy of the brotherhood. It was in the early twentieth century, after the separation of church and state that the measures were felt Romanization, and the Brotherhood of St. Bartholomew was placed under the chairmanship of the vicar, thus losing autonomy. Keywords: Brotherhood, devotional practices, Romanization, Catholic Church 10 LISTA DE IMAGNS E TABELAS Imagem1 – Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Igreja Matriz de Maragogipe .........32 Imagem 2 – Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões................................................33 Imagem 3 – Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário........................................47 Imagem 4 – Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte da igreja Matriz de Maragogipe.........49 Tabela 1 – Classificação Racial e ocupação da população escravizada de Maragogipe..........48 11 LISTA DE ABREVIATURAS APEBA – Arquivo Público do Estado da Bahia ARENA – Aliança Reedificadora nacional IGHB – Instituto Geográfico e Histórico da Bahia LEV – Laboratório Eugênio da Veiga PSD – Partido Social Democrático SPOM – Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe UNEB – Universidade do Estado da Bahia 12 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Irmandades da freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe............................... 21 Quadro 2 – Vilas mais próximas de São Bartolomeu de Maragogipe......................................22 Quadro 3 - Equivalência das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu.............................55 Quadro 4 – Mesa Administrativa de 1943, Irmandade do Santíssimo Sacramento..................80 Quadro 5 – Mesa Administrativa de 1943-1945, Irmandade Nossa Senhora da Conceição....81 Quadro 6 – Mesa Administrativa de 1943, Irmandade de São Bartolomeu.............................82 Quadro 7 – Mesa Administrativa de 1912, Irmandade de São Bartolomeu.............................86 Quadro 8 – Balancete de receita e despesas da festa de São Bartolomeu no ano de 1936.....132 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................14 1. A IRMANDADE PARA ORGANIZAR UMA DEVOÇÃO.............................21 1.1 O APÓSTOLO SÃO BARTOLOMEU.......................................................................29 1.2 A FUNDAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMU .................................31 1.3 UMA IRMANDADE LIDERADA POR HOMENS BRANCOS E PARDOS ..........38 1.4 CLASSIFICAÇÃO RACIAL E SOCIAL NA IRMANDADE ...................................39 1.5 IRMANDADES DA FREGUESIA DE MARAGOGIPE ..........................................42 1.6 A MESA ADMINISTRATIVA E SUAS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS ...............51 2. UMA IRMANDADE EM TEMPOS DE ROMANIZAÇÃO............................64 2.1 A POLÍTICA REGALISTA E A REAÇÃO DA IGREJA NO BRASIL.....................69 2.2 A REATIVAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU............................77 2.3 AS REGRAS DA ROMANIZAÇÃO E A IRMANDADE..........................................90 3. PRÁTICAS DEVOCIONAIS DOS IRMÃOS DE SÃO BARTOLOMEU.100 3.1 OS CUIDADOS COM A MORTE.............................................................................100 3.1.1 Os sufrágios pelas almas dos irmãos de São Bartolomeu........................................106 3.1.2 Mudanças na cultura funerária: o fim dos enterramentos na Igreja.........................109 3.1.3 A construção do cemitério.......................................................................................113 3.1.4 Os ritos fúnebres depois do cemitério......................................................................120 3.2 ORGANIZR A FESTA: UMA TAREFA DA IRMANDADE...................................122 3.2.1 O crescimento da festa de São Bartolomeu e a atuação da Irmandade ...................123 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................143 FONTES ...........................................................................................................146 REFERÊNCIAS................................................................................................150 ANEXOS...........................................................................................................155 14 INTRODUÇÃO A escolha do tema desse trabalho está intrinsecamente ligada a uma trajetória de dificuldades para a realização da pesquisa. Já cursando as disciplinas do mestrado, em março de 2009, e com o foco voltado para as sensibilidades diante da morte em Maragogipe na transição do Império para a República, nos deparamos com uma adversidade que deu um golpe certeiro nas nossas pretensões. Voltando ao Fórum de Maragogipe para continuar a leitura dos inventários e testamentos, fontes primordiais para a realização do trabalho, por serem “depoimentos incomparáveis do teor da vida e da feição das almas” 1, nos foi barrado o acesso pela juíza em exercício, alegando ela não ter funcionários disponíveis, espaço físico adequado e que os documentos eram particulares, e mesmo já estando prescritos judicialmente, não tínhamos o direito de sondar a vida alheia. Não é necessário que façamos qualquer crítica ao caso ocorrido, o fato por si, evidencia as dificuldades criadas para a pesquisa histórica quando não se trata de arquivos especializados. Diante disso, tentamos dar continuidade à pesquisa buscando a documentação no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Para nossa surpresa, encontramos uma razoável quantidade de inventários de Maragogipe, mas pouquíssimos do período que pretendíamos analisar. Tentamos redefinir o recorte temporal, para o momento em que se efetivaram as leis de proibição dos enterramentos nas igrejas, ou seja, início da segunda metade do século XIX, mas nos deparamos com outro problema, dentre todos os inventários, menos de 5% tinha em anexo o testamento, documento que priorizávamos por fornecerem informações sobre as últimas vontades humanas. Entre busca de documentação e mudança de recorte temporal, atentamos para o papel das irmandades no trato com a morte. Enveredamo-nos então, pela busca de informações sobre as irmandades. Nesse processo, encontramos uma considerável documentação da Irmandade de São Bartolomeu. Entre elas podemos elencar os Compromissos de 1851, que primeiro regeu a vida da confraria durante toda a segunda metade do século XIX, e o de 1943, que foi reformado segundo os ideais da romanização. Esses dois documentos, base para nossa pesquisa, nos permitiram, quando comparados, perceber as mudanças ocorridas na Irmandade em meados da década de 1940. As cartas do padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispado da Bahia, nas quais ele demonstra seu empenho em reativar as irmandades e reformar seus Compromissos para que voltassem a cuidar das festas de seus oragos, nos revelaram os 1 MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. Belo Horizonte. Itatiaia, 1980, p. 34. 15 motivos que fizeram com que essas confrarias não fossem deixadas no ostracismo, nem substituídas pelas associações religiosas que a romanização propunha. Algumas lacunas se seguem nesse trabalho, em razão da falta de fontes com informações que as preenchesse. Saber quem foram os membros fundadores da Irmandade, por exemplo, não foi possível. Assim como não encontramos as composições das Mesas Administrativas formadas desde a sua fundação até 1912, de quando consta a primeira lista de mesários que encontramos. Depois disso, só as encontramos novamente datadas de 1934 até 1971, mesmo assim, com a sequência interrompida entre 1937 a 1942, e 1948 a 1970. Essas listagens foram extremamente importantes, pois nos informaram pelo menos os nomes dos membros que administravam a Irmandade, e também as alterações no formato das composições da Mesa ao longo do período. Saber somente os nomes dos membros da Irmandade era pouco. Precisávamos saber sobre suas vidas, ocupação e condição social, para então postularmos algumas análises. Para isto, nos enveredamos na leitura dos jornais de Maragogipe. Não os encontramos em sequência nem organizados, salvo o Redenção, arquivado no IGHB. Exceto esse periódico, contamos com os números de outros jornais guardados por uma funcionária da Casa da Cultura de Maragogipe, que nos permitiu o acesso. Esses jornais nos quais garimpamos informações sobre os membros da Mesa Administrativa, nos permitiram também acompanhar como a Irmandade conduziu a festa de seu orago, e estabeleceu o fim de nosso recorte temporal, com as notícias que apresentavam a substituição da Irmandade pelas comissões organizadoras da festa de São Bartolomeu. Os inventários com testamentos foram essenciais para analisarmos as atitudes diante da morte no período da segunda metade do XIX, levando-se em conta as atitudes individuais dos testadores. Com os documentos da Câmara de Maragogipe e da Santa Casa de Misericórdia, pudemos acompanhar o processo da construção do cemitério, bem como a resistência da população de Maragogipe em enterrar seus mortos longe do templo. Isso demonstrou a força da cultura funerária que as irmandades ajudavam a manter. Entre todas as irmandades que encontramos, a de São Bartolomeu foi a única criada na segunda metade dos oitocentos. Isso nos chamou a atenção, pelo fato de que em sua maioria, mesmo que tenham estendido suas atividades e duração até o século XIX, essas confrarias tiveram sua criação no século XVIII. Essa criação posterior da Irmandade de São Bartolomeu nos trouxe alguns questionamentos. Mesmo sendo o apóstolo Bartolomeu padroeiro de Maragogipe, desde que esta se tornara freguesia sua irmandade só fora criada em 1851. O que fez com que, a essa altura, 16 quando o momento áureo das irmandades, o século XVIII, já havia passado, surgisse a necessidade de criação de uma confraria para cuidar das festas do padroeiro? Acreditamos que a criação da Irmandade de São Bartolomeu tenha relação com a elevação de Maragogipe de vila à cidade. Os documentos nada dizem enfaticamente, mas, colocando-nos no lugar do “leitor operário de Brecht”2 ao questionar quem teria construído Tebas, fazemos nossa as palavras de Ginzburg: “a pergunta conserva todo seu peso”3. Além disso, outros acontecimentos concomitantes verificaram-se no mesmo período como a criação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que cuidou do hospital de caridade e mais tarde construiu o cemitério. Sendo a Irmandade a responsável pelo culto do orago da cidade, certamente seus membros correspondiam ao peso dessa responsabilidade. Assim, interessou-nos saber sobre o perfil social dos irmãos de São Bartolomeu, bem como, estando à frente da irmandade, de que forma eles conduziram o culto ao padroeiro ao longo da existência da confraria, mesmo porque, o início da segunda metade do século XIX foi marcado pela atitude ultramontana de parte do corpo episcopal brasileiro que defendia a aproximação da Igreja à Cúria romana em detrimento dos mandos do poder político imperial, e uma vivência da fé sem as misturas religiosas que muitas irmandades já haviam incorporado aos seus cultos. Diante disso, certamente a aprovação do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, ato necessário para a sua existência legal, foi condicionada a esse contexto, haja vista que o Arcebispo Primaz nesse momento era Dom Romualdo de Seixas, precursor do ultramontanismo4 na Bahia. As tensões entre a Igreja e o Estado fizeram urgir a necessidade da romanização do catolicismo brasileiro na segunda metade do século XIX. Esse processo estendeu-se até o início do século XX. Assim, em linhas gerais, os condicionamentos da aprovação da Irmandade de São Bartolomeu, os posicionamentos tomados frente à realização de suas práticas devocionais, e as transformações sofridas com a romanização iniciada em 1850 e efetivada em finais do XIX e início do XX, conduziram o desenrolar desse trabalho. Seguindo os desdobramentos das questões que se apresentavam pelo avanço da leitura da documentação, refizemos o projeto com o intuito de abordar sobre a Irmandade de São 2 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15 3 Ibidem. 4 O Ultramontanismo foi uma doutrina política começada pelos católicos franceses que tinha o objetivo de buscar inspiração e apóio além dos montes (daí o termo ultramontanismo), que seria a Cúria Romana, e defendia a autoridade absoluta do Papa em matéria de fé. Essa doutrina política se espalhou por outras nações inclusive no Brasil. 17 Bartolomeu, suas práticas devocionais, e as transformações que ela foi sofrendo ao longo de sua existência, ocasionadas pelas medidas da romanização que se fizeram sentir até finais da primeira metade do século XX e pelas tensões entre a Igreja e o Estado no Brasil. Assim decidimos pelo seguinte título: “A Irmandade do Glorioso São Bartolomeu de Maragogipe: suas práticas devocionais e a Romanização (1851 – 1995)”. O nosso recorte temporal foi redefinido levando-se em consideração principalmente a atividade devocional principal da Irmandade de São Bartolomeu, o culto ao seu orago. O tempo em que ela ficou à frente da organização dos festejos iniciou-se com a sua criação em 1851 e se estendeu até 1995, quando ela foi substituída por comissões. Estas foram incorporadas à sua Mesa Administrativa em 1912, quando sofreu a primeira reforma em seu Compromisso. As transformações pelas quais passou a Irmandade estiveram relacionadas ao posicionamento da Igreja católica frente às mudanças políticas que se processavam no país. A importância do estudo da Irmandade de São Bartolomeu se justifica justamente por isso, as confrarias, de um modo geral, “espelham e retratam os diversos momentos e contextos históricos nos quais se inserem”5. A Irmandade de São Bartolomeu, ao longo de sua atuação em Maragogipe pode experimentar os posicionamentos ultramontanos do clero brasileiro, que teve na pessoa de Dom Romualdo de Seixas seu primeiro expoente, e a romanização que influenciou essa atitude do clero e postulou uma série de medidas de controle da vivência da fé, que incidiram diretamente na sua autonomia e alteraram sua estrutura organizacional. Para contemplar a proposta do título e responder aos questionamentos, dividimos a dissertação em três capítulos que poderíamos resumir respectivamente em três palavras: criação, romanização e devoção. Ao tratar da criação da Irmandade de São Bartolomeu em 1851 e dos objetivos dos quais ela se incumbia, abordamos também o contexto religioso no qual ela foi inserida fazendo um breve histórico de Maragogipe, onde a vivência da fé era mediada pelas irmandades religiosas formadas por diferentes grupos étnicos e sociais. Além disso, analisamos a sua estrutura organizacional no momento de sua fundação e como a devoção ao santo apóstolo chegou a Maragogipe. No segundo capítulo, focamos especificamente nas recomendações dadas por Dom Romualdo de Seixas à Irmandade de São Bartolomeu, mostrando como elas provinham das tensões que se processavam naquele momento entre a Igreja e o Estado, que dividiu de um lado o clero ultramontano que buscava em Roma o centro de onde emanavam as regras a serem seguidas, e de outro os políticos regalistas que defendiam a completa subordinação da 5 BOSCHI, Caio. Os leigos e o poder. São Paulo: Ática, 1986, p. 12. 18 Igreja ao Estado. Analisamos o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, reformado em 1943, para mostrar como as medidas que o clero adotou cercearam o poder e autonomia da Irmandade. Isso nos permitiu perceber de forma mais evidente o controle que a Igreja estabeleceu no processo de romanização que se estendeu até a primeira metade do século XX. No terceiro capítulo, procuramos discutir as práticas devocionais da Irmandade, que se resumiam basicamente a dois rituais: o da festa do orago e o da morte de membros. Para tratar da morte, usamos principalmente os Compromissos, pois eles descrevem com detalhes os procedimentos realizados quando da morte de algum irmão. Na impossibilidade de encontrar os testamentos dos membros da Irmandade, que poderiam nos fornecer informações acerca de seus posicionamentos diante da morte, buscamos analisar a partir dos testamentos de outros indivíduos de Maragogipe, como a morte era encarada. Além disso, abordamos sobre a epidemia de cólera que aconteceu em 1855 efetivando a proibição dos enterramentos nas igrejas, o que fez urgir a necessidade de construção do cemitério. Isso alterou as práticas da Irmandade frente à morte de seus irmãos. Discutimos também nesse capítulo, como a Irmandade conduziu a festa de seu orago, as ações que ela desenvolveu para custear os festejos, bem como sua atenção tanto com a programação religiosa, quanto com a diversão popular nas ruas. As referências bibliográficas foram de fundamental importância para o progresso do trabalho. Alguns autores como Célia Maria Borges e Caio Boschi possibilitaram a compreensão do tema estudado ao mostrar as tipologias das irmandades. Para entender a configuração e atuação dessas confrarias no Brasil e na Bahia, bem como quais grupos sociais elas representavam, dialogamos com Lucilene Reginaldo, João José Reis e Julita Scarano. Esses historiadores deram subsídios para as análises feitas da Irmandade de São Bartolomeu. Sendo as igrejas o lugar de atuação das irmandades, logo elas mantinham relações com o corpo eclesiástico que extrapolavam as celebrações das missas e a administração dos sacramentos. Muitas vezes mantinham financeiramente os templos, e decidiam acerca da utilização de seus espaços internos. A Matriz, já sendo templo referencial da fé católica, ao abrigar todas as confrarias, fragmentava-se internamente em lugares de identidade dos irmãos religiosos. A organização do espaço era então definida pelo lugar ocupado pelo santo. Diante disso, além de compreender as irmandades, foi necessário compreender também a estrutura da Igreja no período imperial. Para tal, foram necessárias leituras que tratassem não somente da Igreja especificamente, mas das relações que ela estabelecia com o Estado. Assim, partimos da obra “Igreja e Estado em tensão e crise” de Thales de Azevedo, em que o autor traça uma trajetória da relação da Igreja Católica com o Estado no Brasil desde o período colonial, 19 mostrando que não é “possível dissociar a história da religião da história da sociedade, mesmo quando se analisam as estruturas associativas ou os negócios eclesiásticos em uma coletividade do passado ou em determinado período do tempo histórico”6. Outros autores como Sergio Buarque de Holanda, Eduardo Hoornaert e Oscar Lustosa, que discutem a Igreja católica no Brasil republicano, além de Roberto Romano e Nilo Pereira, mais focado na “Questão Religiosa”, nos ajudaram a compreender as relações entre o poder político e a Igreja. Relacionamento baseado em posicionamentos liberais e regalistas por parte do Estado como abordou Brasil Gérson. Para entender a postura da Igreja diante desse processo, foi de extrema importância a obra de Cândido da Costa e Silva, “Os Segadores e a Messe” que analisa o perfil do clero baiano, enfatizando principalmente a sua formação. Também trata do tema Sergio Miceli, que analisa a elite eclesiástica, e Pedro A. Ribeiro Oliveira, que discute a ideologia da Igreja no Brasil e as atitudes dos eclesiásticos para a estruturação do catolicismo romanizado. Esse último autor, juntamente com Riolando Azzi, nos permitiu entender como as regras da romanização foram sendo implantadas principalmente no tocante às irmandades. Todas essas obras, mesmo as que não tratavam especificamente do assunto das irmandades, deram uma visão da estrutura da Igreja no Brasil, e nos trouxeram algumas explicações sobre a influência dos leigos na condução da vida espiritual católica. Para estabelecer alguns conceitos iniciais acerca do objeto estudado, foi necessário recorrer a algumas obras teóricas como “A Interpretação das Culturas” de Clifford Geertz, “Sociologia da religião” de Thomas F. O‟Dea e “As formas elementares da vida religiosa” de Émile Durkheim ajudaram a definir os conceitos de religião e santo a serem trabalhados. A forma de atuação da Igreja que, enquanto instituição dominante, cumpria sua função pôde ser tratada através da idéia de “função de regularidade” apresentada por Paul Ricoeur em “A memória, a história, o esquecimento”. Com Pierre Bourdieu pudemos analisar o poder exercido pela Igreja sobre a Irmandade de São Bartolomeu, assim como o poder exercido pela própria Irmandade na configuração religiosa de Maragogipe. Uma religiosidade na qual identificamos elementos ainda barrocos segundo definição dada por Afonso Ávila. Essa religiosidade que guardava seus tons barrocos constituía uma linguagem própria daquele período, que pudemos definir a partir do conceito de Raymond Willians de “linguagem constitutiva”. Em atos concretos, além 6 AZEVEDO, Thales. Igreja e Estado em Tensão e crise: a conquista espiritual e o padroado na Bahia. São Paulo: Ática, 1978, p. 13. 20 de configurar a religiosidade local, as irmandades reconfiguravam também o espaço interno da Matriz, e decidiam sobre ele. O conceito de Certeau acerca do “espaço” ajudou a fazer essa reflexão, bem como identificar as “estratégias” do clero no intuito de ponderar o poder que as irmandades assumiam. Estudar em escala menor um município ou uma entidade torna-se importante, pois “não são os mesmos encadeamentos que são visíveis quando mudamos de escala, mas conexões que passaram despercebidas na escala macro-histórica”7. Com esse trabalho, queremos contribuir com os estudos sobre a relação da Igreja com o Estado no processo de romanização na Bahia, bem como sobre as transformações sofridas pela Igreja Católica no Brasil da Segunda Metade do século XIX, e suas estratégias de estruturação no século XX frente à política republicana. A Irmandade de São Bartolomeu constituiu um termômetro significativo para acompanharmos esses processos, pois ela atravessou esse período e sofreu diretamente as ressonâncias de seus acontecimentos. Pretendemos apresentar algumas informações que enriqueçam a história local, mais especificamente, no que tange a religiosidade católica de Maragogipe, e uma de suas principais manifestações religiosas, a festa de São Bartolomeu, que teve como organizadora durante 144 anos a Irmandade do mesmo apóstolo. Nessa função, ela definiu a festa, tornando-a o que veio a ser posteriormente. Estamos cientes de que esse trabalho não encerra todas as análises possíveis, o que pode ser dito sobre a Irmandade de São Bartolomeu, o tempo e as circunstâncias que apresentamos acima, são co-autores e impõem algumas dificuldades. Assim, a Irmandade de São Bartolomeu ainda pode revelar muito sobre a história de Maragogipe e da Igreja nessa parte do Recôncavo Sul da Bahia na segunda metade do XIX. 7 RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2007, p. 221. 21 1. A IRMANDADE PARA ORGANIZAR UMA DEVOÇÃO. Em Maragogipe, desde o século XVIII, em tempos de vila, até a segunda metade do século XIX, tivemos notícia da criação de doze irmandades (quadro 1). Mesmo comportando duas freguesias, a de São Bartolomeu (1640) e a de São Filipe (1718), só encontramos registros de irmandades na primeira. Isso talvez se explique pelo fato de serem essas confrarias “mais numerosas e influentes, do ponto de vista religioso e social, nos centros mais urbanizados”8. Irmandade Nossa Senhora da Conceição São Benedito Santíssimo Sacramento Nossa Senhora do Rosário São Bartolomeu Santa Casa de Misericórdia Santas Almas Nossa Senhora da Boa Morte Santa Ana Nossa Senhora do Amparo Nossa Senhora de Guadalupe Em atividade 1768 1768 1812 1820 1851 1856 1857 1879 - Classificação racial Pardos forros Negros Brancos Pretos Brancos e Pardos Brancos Pretos Pardos forros Pardos cativos Quadro 1 – Irmandades da freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe séculos XVIII e XIX. Elaborador pelo autor a partir das fontes utilizadas e das bibliografias que tratam das irmandades na Bahia. A Vila de Maragogipe era pouco povoada se comparada com as demais do Recôncavo, mas, a Freguesia de São Bartolomeu era consideravelmente mais desenvolvida que a Freguesia de São Filipe desde o século XVIII. O quadro abaixo nos oferece uma proporção da densidade demográfica das duas freguesias e nos permite uma comparação. 8 REGINALDO, Lucilene. Irmandades e devoções de africanos e crioulos na Bahia setecentista: histórias e experiências atlânticas. Stockholm REVIEW OF Latin American Studies, Issue No. 4, March 2009, p. 26. Disponível em: <www.lai.su.se/.../SRoLAS_No4_2.%20Irmandades%20e%20devoções%20de%20africanos.pd>. Acesso em: mar.2010. 22 Vilas9 Santo Amaro Cachoeira Jaguaripe Maragogipe Freguesias Nossa Senhora da Purificação de Santo Amaro São Pedro em Jacuípe, ou Rio Fundo Nossa Senhora da Oliveira nos Campos São Domingos de Saubara Nossa Senhora do Rosário, Vila de Cachoeira São Pedro da Muritiba Nossa Senhora do Desterro do Oiteiro Redondo São Gonçalo nos Campos São José nas Itapororocas Santa Ana no Camisão São Tiago no Iguape Santo Estevão no jacuípe Nossa senhora vila Ajuda da Vila de Jaguaripe Nossa Senhora de Nazaré Santo Antônio em Jequiriçá N. Senhora de Madre-de-Deus na Pirajuía São Bartolomeu na Vila de Maragogipe São Filipe10 Fogos Almas 753 571 284 242 986 562 379 455 312 91 337 175 718 183 138 230 886 282 5.782 4.827 1.586 2.115 5.814 4.012 2.947 3.625 5.017 540 3.671 1.354 5.016 1.213 698 1.232 5.684 2.632 Total de almas 14.310 26.980 8.159 8.316 Quadro 2 – Vilas mais próximas de São Bartolomeu de Maragogipe11. O número de pessoas na primeira freguesia chega a mais que o dobro do da segunda. Seguem nessa mesma proporção os fogos12 de cada uma. Pela quantidade destes, junto ao número populacional, podemos constatar a diferença do desenvolvimento urbano entre ambas. Isso talvez tenha propiciado o surgimento das irmandades somente na Freguesia de São Bartolomeu. Mesmo sendo o apóstolo Bartolomeu padroeiro de Maragogipe desde a instituição da freguesia em 1640, a Irmandade de São Bartolomeu só fora crida em 1851, já na segunda metade do XIX. Na data de sua fundação, considerando a aprovação de seu Compromisso em 10 de abril de 1851, faltava pouco menos de um mês para Maragogipe completar seu primeiro 9 HOLANDA, Aurélio Buarque de. Novo dicionário da Língua portuguesa. Rio de janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992. As vilas eram “povoações de categoria superior à de aldeia ou arraial e inferior à de cidade”. 10 Grifo nosso. 11 Elaborado a partir do “Mapa de todas as freguesias que pertenciam ao arcebispado da Bahia”. In: VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969. 12 “Residência de uma família, lar, casa”. Op. Cit. 23 aniversário com o título de “Patriótica Cidade”13. Elevada pela Lei Provincial nº. 389 de 08 de maio de 1850 à categoria de cidade, Maragogipe fora Vila desde 1724 quando suas terras, parte da Capitania do Paraguaçu14, ainda pertenciam à família do primeiro donatário, Duarte da Costa, que as recebeu em 1557 da Coroa portuguesa em reconhecimento aos seus serviços enquanto terceiro governador provincial. Parte dessas terras se tornara uma sesmaria doada a Dom Álvaro da Costa por seu pai. Este por sua vez, instituiu o “regime do arrendamento aos pequenos colonos”15. Somente em 1733, segundo Osvaldo Sá16, estas terras foram compradas por D. José I, Rei de Portugal, em razão das disputas de terras que estavam ocorrendo entre os colonos, e a partir de então passaram a pertencer à Coroa portuguesa17. A parte da sesmaria de Dom Álvaro da Costa, que se tornou a freguesia de São Bartolomeu, desenvolveu uma dinâmica de produção agrícola diferenciada do restante do Recôncavo. Como nem só de açúcar podia viver o Recôncavo, era necessário alimentar quem produzia o expoente da exportação daquele período, assim, as freguesias do Sul, Maragogipe e Jaguaripe, eram de fundamental importância para a subsistência no recôncavo açucareiro. Barickman afirma que enquanto as freguesias do norte da Bahia de todos os Santos e de outras partes do Recôncavo, principalmente São Francisco do Conde, Santo Amaro e Iguape, plantavam cana-de-açúcar, nas freguesias do Sul os “roceiros” ocupavam-se do plantio de mandioca18. Essa idéia é reforçada por Kátia Mattoso que identifica Maragogipe, Jaguaripe e Nazaré como “as principais regiões produtoras de farinha de mandioca no Recôncavo”19. Exemplo significativo da especialidade agrícola a que se dedicava Maragogipe foi a quantidade relevante de dois mil alqueires20 de farinha de mandioca doada pela população ao quarto vice-rei o Visconde de Sabugosa21, em retribuição por ter tornado vila a freguesia de São Bartolomeu. Mais significante ainda é essa quantidade do derivado da mandioca por se 13 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Enciclopédia dos Municípios. XXI Vol. Rio de Janeiro, 1958, p. 28-33. 14 Sobre a divisão das Capitanias da Bahia ver MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Bahia, século XIX. Uma província no Império. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992, p. 43. 15 BARROS, F. Borges de. A Margem da História da Bahia. Imprensa Oficial do Estado: Bahia, 1934, p. 167. 16 SÁ, Oswaldo. Histórias Menores: Capítulos da história de Maragogipe. Vol. 1. São Félix, 1981, p. 43. O trabalho de Oswaldo Sá foi produzida a partir de obras antigas, anais da Câmara de vereadores, notícias de ornais do século XIX, obras sobre o Recôncavo, e da tradição oral. 17 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958, p. 29. Segundo a Enciclopédia do Município a vila de Maragogipe recebeu foros de cidade em 08 de maio de 1850, quando recebeu o título de “Patriótica Cidade”. 18 BARICKMAN, B. J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 17801860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 42-43. 19 MATTOSO, 1992, p. 73. 20 . Op. Cit. Segundo Barickman, um alqueire de farinha correspondia a aproximadamente 36, 27 litros, o que nos leva a uma quantidade maior que 72.000 litros de farinha 21 BARROS, 1934, p. 212. Aponta Barros que “Nesse mesmo ano (1724) visitou o Vice-Rei o Recôncavo elevando Maragogipe a Villa e a mesma categoria Jacobinas e Minas do Rio de Contas”. 24 tratar de uma “estação em que a esterilidade ocasionava dificuldades não pequenas de adquirir tal gênero”22. A farinha produzida nessas freguesias além de servir ao consumo doméstico, era escoada por embarcações e vendida em outras partes do Recôncavo e na capital da Província da Bahia23. A marca forte dessa produção agrícola em Maragogipe, acrescentou um adendo ao nome da freguesia de seu termo, São Filipe, que passou a ser conhecida como São Filipe das roças, dada a grande quantidade de pequenos lavradores que se dedicavam a produção de mandioca. Já município, também Nazaré passou a ser chamado de Nazaré das farinhas24. Esses aspectos econômicos de Maragogipe estão localizados principalmente entre o século XVIII e primeira metade do XIX, mas, interessa-nos saber sobre eles ao tempo da criação da Irmandade de São Bartolomeu. Para discutir sobre isso, recorremos à leitura dos inventários da população urbana que datam de 1851 e 1852. A amostra de inventários é pequena, pouco menos de 20, o que é insuficiente para se fazer uma análise aprofundada dos aspectos econômicas da cidade de Maragogipe, mas significativa, pois nos dá pistas das atividades econômicas das quais vivia a população urbana. Os inventários nos apontam que a maioria dos moradores da cidade possuía sítios na área rural de Maragogipe. O casal João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus25, por exemplo, tinham um Sítio com casa de telhado e arvoredos, e terras da Fazenda das Cabaças. Também Joaquim Martins Barbosa26 possuía um sítio. Nessas posses rurais, esses proprietários, através de seus escravos, desenvolviam atividades agrárias. Como exemplos, podemos citar Alexandre Pereira Guedes27, senhor de Manoel, africano de 50 anos mais ou menos que se ocupava do serviço da lavoura; José Pereira de Souza28, que mantinha seus escravos Luis de 35 anos, pardo, e Joana, crioula de quase 30 anos, ambos no serviço da lavoura; Josefa Rosa Ferreira da Costa29, senhora da crioula de 30 anos, Martha, ocupada do 22 SILVA, Ignácio Accioli de Cerqueira e. Memórias Históricas e políticas da Província da Bahia. Tomo I. 2. Ed. Bahia, 1892, p. 271. Certamente o autor se refere aos tempos de seca que castigava a Bahia naquele período. Na Enciclopédia dos Municípios a informação é mais enfática: “No começo de 1724, quando calamitosa seca devastava a Bahia, o Conde de Sabugosa, na época 4º vice-rei, fez uma viagem de inspeção pelo interior do estado para conhecer suas cidades, vilas e freguesias”. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958, p. 29. 23 VILHENA, 1969, p. 484. Ao tratar sobre a vila de Maragogipe Vilhena afirma: “os efeitos do seu comércio são unicamente farinha que dali se conduz em diferentes embarcações para a cidade e seu Recôncavo.”. 24 Ver MATTOSO, 1992, p. 73. 25 APEBa – 04/1838/2309/03. Essa numeração corresponde respectivamente à estante, caixa, maço e número do documento. 26 APEBa – 05/1835/2360/01 27 APEBa – 05/1838/2309/06 28 APEBa – 05/1837/2308/03 29 APEBa – 05/1836/2307/02 25 trabalho na lavoura; e Maria Inácia do Amor Divino30, senhora de Florindo, crioulo de 25 anos e Theodora também crioula de 30 anos mais ou menos, ambos do serviço da lavoura. Pela pequena quantidade de escravos que eram mantidos nas lavouras supomos que essas propriedades eram pequenas e serviam para a subsistência dos proprietários. Não podemos dizer com exatidão o que nelas era cultivado, pois, nem sempre os documentos trazem essa informação. Mas, a partir dos bens móveis avaliados nos inventários, é possível fazer algumas indicações. Na avaliação dos bens de Ana Joaquina do Amor Divino31, são listados 1300 pés de cafés e 800 pés de café ainda novos e pequenos. Entre os bens de Antonio Basílio Leite32 encontramos uma balança sem uma mola e sete libras de pesos, um terno de medidas quadradas, um terno de medidas redondas, um estrado velho todo quadrado, uma balança para pesar café, três cestos de café e 12 libras de balança. Conforme pode ser percebido no parágrafo anterior, o café tornou-se uma das atividades econômicas da cidade e desenvolveu-se na segunda metade do século XIX. Em 1877, entre os impostos definidos pela Câmara de Vereadores, a arroba do café era um dos itens relacionados33. No entanto, nesse mesmo ano, a Câmara fez reclamação ao presidente da Província contra a cobrança dos impostos feita pela Comarca do Município de Cachoeira sobre o fumo, o algodão e o café34. Diante disso, acreditamos que as atividades agrícolas a que se dedicavam os moradores da cidade eram diversificadas. Não sabemos da demanda de produção e venda desses produtos, mas podemos afirmar que havia uma forte vocação agrícola na Maragogipe da segunda metade do século XIX e que a monocultura da mandioca não mais era a principal característica. Pelos menos até 1889, encontramos entre os documentos da Câmara de Vereadores a questão agrícola como uma das preocupações. Isso revela o trabalho do campo como uma forma de subsistência mesmo para muitas pessoas que moravam na cidade. Se nos aspectos econômicos a Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe diferenciou-se das demais do Recôncavo, exceto Jaguaripe, em termos religiosos não aconteceu o mesmo. Como nos mostram alguns estudos35, as irmandades deram a principal 30 APEBa – 05/1838/2309/18 APEBa – 05/1837/2308/07 32 APEBa – 04/1835/2306/14 33 Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEBa – Maço 1350. 34 Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEBa – Maço 1350. 35 Ver CARDOZO, Manoel da Silveira. “As irmandades da antiga Bahia”.In: Revista de História, n. 47, 1973. REGINALDO, Lucilene. Os rosários dos angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2005. REGINALDO, Lucilene. Irmandades e devoções de africanos e crioulos na Bahia setecentista: histórias e experiências atlânticas. Stockholm REVIEW OF Latin American Studies, Issue No. 4, March 2009. REIS, João José. A morte é uma 31 26 característica da religiosidade das freguesias ao redor da baía de Todos os Santos. Por toda essa região elas foram criadas e delinearam o catolicismo leigo que organizou a vida espiritual dos tantos fiéis católicos. Na freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, no Recôncavo baiano, onde houve grande concentração de população africana e dela descendentes, o catolicismo não se estabeleceu de forma diferente como pudemos ver no início do capítulo. As irmandades religiosas eram muitas e agregavam pessoas de distintas classificações de cor, uma das formas de hierarquia social vigente (quadro 1). Comunidades fraternais tiveram início na Europa durante a chamada Baixa Idade Média (século XI ao século XV). Segundo Rssell-Wood, a crise do sistema feudal propiciou o surgimento das cidades, estas por sua vez recebiam as vítimas da fome e da peste que abandonavam o campo e se tornavam pobres, desempregados e famintos nos aglomerados urbanos. Com o “duplo objetivo de proteger seus membros de tais infortúnios e de praticar obras de caridade” 36 , homens e mulheres se uniam em torno de associações voluntárias subdivididas em corporações de ofícios e guildas de artesãos, onde se reuniam “pessoas com atividades profissionais similares”37; confrarias religiosas, que “tinham nos fins devocionais e de ajuda mútua o seu eixo principal”38; e as Casas de Misericórdia que além de vestir “tratava e enterrava os pobres sem distinção de nacionalidade, classe social credo ou cor”39. É difícil datar o surgimento das primeiras irmandades no Brasil, mas, certamente elas começaram com o estabelecimento das capelas. Era sob a proteção delas que os povoados e vilas eram fundados. Cada um desses povoados tinha templo próprio, geralmente dedicado ao santo de devoção de seu respectivo fundador, ou da família que primeiro se estabeleceu. Isso aconteceu em Maragogipe como veremos mais adiante. A insegurança e a incerteza que acompanhavam os recém-chegados que se lançavam na aventura da busca de riquezas, juntando-se a isso o “instinto natural de se agrupar40, levaram esses homens, no cumprimento de suas responsabilidades religiosas, a apoiarem-se mutuamente, dividindo os problemas e certamente tomando as decisões que poderiam melhorar suas vidas. Assim, “as capelas festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão. Tempo, Rio de janeiro, vol. 2, nº. 3, p. 7-33. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969. FARIAS, Sara de Oliveira. Irmãos de cor de caridade e de crença: a Irmandade do Rosário do Pelourinho na Bahia do século XIX. Dissertação de mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, 1997. 36 RUSSEL-WOOD. A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Civilização Brasileira:Rio de janeiro, 2005, p. 191. 37 BORGES, 2005, p. 44. 38 Ibidem. 39 Op. Cit., p. 219. 40 BOSCHI, 1986, p. 21-22. 27 tornam-se não apenas palco de práticas religiosas, como também centro de vida social”41, na medida em que também se estabeleceram as irmandades. O formato das confrarias foi trazido para as terras brasileiras no conjunto das práticas religiosas lusitanas. Em Portugal, esses sodalícios começaram a ter expressão no século XII e atingiram o ápice no século XIV42. Nas Ordenações do Reino para ultramar elas foram classificadas em eclesiásticas e seculares43. As primeiras, sendo as irmandades fundadas por autoridades instituídas da Igreja com consentimento dos prelados, e as demais seriam aquelas fundadas e administradas por leigos. Mas, a ocorrência das confrarias de caráter secular prevaleceu no Brasil44. Sobre as irmandades de clérigos na Bahia, é conhecida somente a de São Pedro na qual se reuniam os “clérigos do „hábito de São Pedro‟” desde fins do século XVI45. Muitos trabalhos buscam compreender os porquês da proliferação e da forte influência de tantas associações leigas no âmbito religioso católico. Muitas das respostas encontradas têm vinculação direta com a trajetória de quase quatro séculos de ligação entre a Igreja e o Estado. As explicações desse fenômeno no Brasil Colônia, que perpassou o Império e chegou até a República, passam pelo crivo da Instituição do Padroado e da posição da Igreja Católica frente a todo esse processo. Como afirma Thales de Azevedo, Os modos de ser do catolicismo brasileiro, o seu estilo de religiosidade, a sua organização eclesial, as suas conexões com as instituições e com a sociedade, as suas projeções sobre a vida política e o Estado, são determinados a partir da maneira como a religião católica é introduzida na Bahia já em 150046. As interferências do Estado nas decisões da vida religiosa foram comuns no Brasil desde o período colonial, e pode ser melhor compreendida, se atentarmos para o fato de que o bispado da Bahia, e primeiro do Brasil, foi fundado a pedido do monarca lusitano em carta ao Sumo Pontífice em 1550. A partir de então, o monarca passou a ser o chefe da Igreja no Brasil, e “delegado da Santa Sé para a evangelização das novas terras” 47. Assim institui-se o regime do Padroado que tornou-se a base dessa relação que submetia a Igreja ao Estado. Através do Padroado, o Estado procedia com as nomeações das autoridades religiosas, 41 BOSCHI, 1986, p. 21-22. BORGES, 2005, p. 44. 43 Op. Cit., p. 15. 44 Ibidem, p. 15. 45 SILVA, Cândido da Costa e. Os Segadores e a Messe. O clero oitocentista na Bahia. Salvador: STC, EDUFBA, 2000, p. 29. 46 AZEVEDO, 1978, p. 17. 47 Ibidem, p. 27. 42 28 recolhia para si o direito do dízimo, além de “edificar estabelecimentos religiosos” 48. Esta situação processou-se numa teia de conflitos que em muitos momentos interferiram diretamente no estabelecimento e organização das irmandades. Na Província da Bahia, em sua quase totalidade, as irmandades mantiveram seu caráter leigo não somente por se enquadrarem na tipologia associativa desse gênero, mas, porque moldaram sua religiosidade a partir da dinâmica de uma fé não tão arraigada nos pressupostos rigidamente eclesiásticos, regidos pelo Concílio de Trento. As vacâncias de bispos ao longo da história da Sé na Bahia, por exemplo, foram parênteses que possibilitavam essa dinâmica. Sobre isso, Thales de Azevedo escreveu que a Sé baiana durante 75 anos teve apenas três bispos efetivos e residentes: “D. Constantino Barradas, que governou 18 anos, seguindo-se 4 anos de vacância; D. Marcos Teixeira que governou apenas 3 anos, após o qual houve 10 anos sem bispo residente, e D. Pedro Sampaio de 1634 a 1649”49. Desde a chegada do primeiro bispo, até o início do século XIX, totalizaram-se 73 anos sem bispos titulares. Assim, “não se pode duvidar do caráter eminentemente leigo da tradição católica no Brasil”50. Fora da Bahia, na capitania das Minas Gerais, por exemplo, que teve uma incidência forte das irmandades leigas, o Poder Régio proibiu a entrada de religiosos regulares, sob alegação de que estes insuflavam a população a não pagar os impostos e extraviavam ouro 51. O temor do Estado frente às ordens religiosas, devia-se ao fato delas estarem instaladas em diversos lugares do país e no exterior. Essa rede de contatos poderia facilitar o envio de ouro e pedras preciosas para fora da capitania das Minas Gerais, e até da América portuguesa52. No entanto, o interdito dessas ordens religiosas era também uma precaução do Estado, no intuito de evitar instabilidades políticas. Como os eclesiásticos das ordens primeiras (jesuítas, beneditinos e franciscanos), já haviam se envolvido em rebeliões nas duas primeiras décadas setecentista e não se subordinavam nem à Coroa nem aos bispos diocesanos, eram encarados como “desestabilizadores do sistema” 53 . Seja como for, a ausência desses religiosos desencadeou a ação de leigos que tomaram a iniciativa de fundar irmandades como suplemento da vivência da fé, uma forma também de institucionalizar a religiosidade, expressão do sentimento religioso. 48 BORGES, 2005, p. 56. AZEVEDO, 1978, p. 88. 50 HOORNAERT, Eduardo. A Igreja no Brasil - colônia (150-1800). Coleção tudo é História. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 21-22. 51 BOSCHI, 1986, p. 5. 52 SCARANO, Julita. Devoção e Escravidão. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Rosário dos Pretos no Distrito Diamantina no século XVIII. São Paulo: Nacional (Col. Brasiliana), 1997, p. 17. 53 BORGES, 2005, p. 57. 49 29 É nessa dinâmica de vivência da religião baseada nas irmandades que vai ser criado o sodalício de São Bartolomeu. Em fins da primeira metade do século XIX, o apóstolo não tinha ainda uma irmandade que cuidasse de seu culto apesar de ser orago em Maragogipe desde a segunda metade do XVII, quando da instituição da freguesia. 1.1 O APÓSTOLO SÃO BARTOLOMEU São poucas as informações históricas sobre São Bartolomeu e algumas delas, salvo as provenientes dos estudos bíblicos, provêm da tradição católica. Diante disso, não nos é possível fazer uma hagiografia aprofundada sobre o patrono da Irmandade que nos propomos a analisar, mas é importante frisar algumas informações a seu respeito. Bartolomeu era apóstolo de Cristo e na bíblia é citado com o nome de Natanael. Na versão hebraica seu nome era Bar-Tolmai, ou seja, filho de Tolmai da cidade de Caná54. Esta referência patronímica originou o nome Bartolomeu. No evangelho segundo João, logo no primeiro capítulo é descrita sua apresentação a Jesus, quando ele se torna apóstolo: No dia seguinte, Jesus decidiu partir para a Galiléia. Encontrou Filipe e disse: “Siga-me”. Filipe era de Betsaida, cidade de André e Pedro. Filipe se encontrou com Natanael e disse: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei e também os profetas: é Jesus de Nazaré, o filho de José”. Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Venha, e você verá”. Jesus viu Natanael aproximar-se e comentou: “Eis aí um israelita verdadeiro sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe chamasse você eu o vi quando você estava debaixo da figueira”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o rei de Israel!” (Jo 1: 43-49)55. No relato do livro dos Atos do Apóstolos quando é apresentado o nome dos 12 apóstolos, entre eles consta Bartolomeu: Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam hospedar-se. Aí estavam Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas filho de Tiago (At 1: 13)56. As feições de Bartolomeu que podem ser reconhecidas nas suas iconografias provêm da tradição católica. Conta-se que “Sus cabellos son negros, su figura blanca, sus ojos grandes, su nariz recta, su barba comienza a platear; viste túnica púrpura y candido manto 54 Ver TAVARES, Jorge Campos. Dicionário de Santos. 2. ed. Porto: Lello e Irmão – Editores, 1990, p. 28. JOÃO. In: Bíblia Sagrada: Edição pastoral. São Paulo: Paulus, 1991. 56 ATOS DOS APÓSTOLOS. In: Bíblia Sagrada: EdiçãoPastoral. São Paulo: Paulus, 1991. 55 30 adornado de piedras preciosas”57. A situação de sua morte também influenciou as iconografias do santo que povoam o imaginário da fé católica. Conta-se que Bartolomeu teria evangelizado na Índia, na Arábia, na Mesopotâmia e na Armênia, onde foi preso por difundir o Cristianismo e condenado a ser esfolado vivo. A faca que segura na mão direita, símbolo de seu martírio é um dos atributos mais freqüentes nas imagens que o representam. A partir do século XIII, “también se le ha representado com su propia piel colgando del brazo” 58. Outras variações se apresentam como um livro em lugar da pele e o demônio sob seus pés. Oswaldo Sá, baseando-se na tradição oral, afirma que o primeiro padroeiro escolhido para o agrupamento humano que posteriormente daria origem a freguesia vila e cidade de Maragogipe teria sido São Gonçalo. Isso foi mudado pela interferência de Bartolomeu Gato de Castro, identificado pelo autor como um líder senhorial na região. Certamente com o intuito de homenagear o santo de seu nome ou mesmo seu próprio nome, ele, “em meados do século XVII projetou a construção da capela de São Bartolomeu”59 e para consolidar o santo como orago, um milagre teria acontecido: “numa pedra próxima do local da construção da capela teria aparecido uma imagem de São Bartolomeu”60. Dessa forma, São Bartolomeu teria se tornado padroeiro do povoado e posteriormente da freguesia consagrada entre 1875 e 1880 por manipulação de Bartolomeu Gato de Casto. Na Igreja Matriz de Maragogipe, existem duas imagens do santo apóstolo padroeiro da cidade e orago da irmandade. Uma que é fixa no altar mor, e outra que é usada nas procissões. Ambas apresentam características semelhantes entre si e condizentes com as referencias iconográficas sobre o santo (ver imagem 1 e 2). Achamos pouco provável que alguma dessas imagens tenha sido a que a tradição oral aponta como achada à beira do lugar onde se construiu a capela, mas não podemos afirmar com tanta certeza, pois pouca informação se sabe a esse respeito, e o documento que poderia nos informar sobre, o livro de tombo da Igreja Matriz, desapareceu. Algumas características do santo representadas nessas imagens se enquadram perfeitamente nas descrições que apresentamos de São Bartolomeu. Na feição, por exemplo, os cabelos negros, a barba destacada, a cor branca e os olhos grandes. A ausência de outros elementos como a pele nos braços o livro nas mãos e o demônio sob os pés, não é de espantar, afinal, o principal em sua representação é a faca com que foi esfolado, símbolo de seu martírio e de sua doação em defesa do cristianismo. As duas imagens não diferem muito uma 57 ROIG, Juan Ferrando. Iconografia de los santos. Ediciones Omega, S. A.: Barcelona, 1950, p. 57 Ibidem, p. 57. 59 SÁ, 1981, p. 23-24. 60 Ibidem p. 23-24. 58 31 da outra, exceto, nas vestes da imagem usada nas procissões, que segue as descrições da cor apontada pela tradição: “túnica púrpura y candido manto”61. Essa é a representação do padroeiro de Maragogipe, o santo que careceu de uma irmandade para tornar seu culto mais celebrado entre os fiéis católicos apesar de ser deles padroeiro, e que passou a protagonizar a maior manifestação religiosa da cidade na primeira metade do século XX como veremos no terceiro capítulo. 1.2 A FUNDAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU. Assim foi confirmado o Compromisso da Irmandade do Glorioso São Bartolomeu em 10 de abril de 1851: Francisco Gonçalves Martins, que faço saber aos que esta carta virem que em virtude da lei da Assembléia Legislativa Provincial de 25 de fevereiro de 1839 sob nº. 93 me foi requerida pela Irmandade do Glorioso São Bartolomeu padroeiro da Igreja Matriz da cidade de Maragogipe confirmação de Compromisso da mesma irmandade [...] e tendo em muito o seu requerimento a aprovação do Exmo. Mmo. Prelado diocesano na parte religiosa em conformidade ao artigo 2º da citada lei [...] dei por confirmado, com que esta confirma o referido Compromisso escrito em seis e meia folhas contendo treze capítulos [...]62. Não é de se espantar que isso tenha ocorrido já na segunda metade do século XIX, pois mesmo tendo as confrarias seu momento áureo no período colonial, elas ainda perduraram com força nos tempos do Império63. Tampouco, a irmandade devotada ao santo Bartolomeu foi a única que aprovou compromisso nesse período na cidade de Maragogipe. Depois dela, ainda tiveram seus compromissos confirmados as irmandades da Santa Casa de Misericórdia em 1856, e das Santas Almas, possivelmente em 1857. 61 ROIG, 1950, p. 57. Livro de cartas de confirmação de compromisso nº. 1, p. 53-53. APEB. Seção de arquivo colonial e provincial. Religião / Irmandades – 1839-1885. Maço: 5264. 63 AZZI, Riolando. A Instituição eclesiástica durante a primeira época colonial. In: História da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. Tomo II/1. Petrópolis: Edições Paulinas/ Vozes, 1992, p. 234. 62 32 Imagem 1 – Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Igreja Matriz de Maragogipe64. 64 Imagem de São Bartolomeu no altar mor da Matriz de Maragogipe, Bahia. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento. 33 Imagem 2 – Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões65. 65 Imagem de São Bartolomeu usada nas procissões. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento. 34 Se para a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, o ano de confirmação de seu Compromisso, tenha sido o mesmo de sua fundação, haja vista que outros documentos como as cartas, requerimentos e ofícios da Câmara de Maragogipe passem a registrar suas atividades posterior a esse ano, para a Irmandade das Santas Almas, não há a mesma certeza. No relatório enviado ao Arcebispado em 1863, o vigário Mato Grosso 66 informa ter sido sua fundação em 1857, no entanto, em suas correspondências com o arcebispado da Bahia em 1948, em razão da restauração e reforma de algumas irmandades de Maragogipe, o padre Florisvaldo José de Souza, informa ter feito o esboço do Compromisso da “mais antiga irmandade – a das Almas”67 que teve sua criação em 1666. Isso nos leva a crer, que muitas das irmandades de Maragogipe não dispunham de documentação acessível suficiente, que pudesse estabelecer com exatidão seu tempo de funcionamento ou mesmo datações exatas. Por conta dessa lacuna deixada pelas fontes, não podemos resolver esta divergência entre o padre José de Araújo Mato Grosso e o padre Florisvaldo José de Souza sobre a Irmandade das Almas. Não podemos afirmar que ela de fato tenha sido fundada em 1666, mas também não descartamos a possibilidade de que assim tenha acontecido e que somente em 1857 seu compromisso tenha sido aprovado. Podemos afirmar que antes da data apresentada pelo vigário José de Araújo Mato Grosso ela já exercia atividades conforme fica evidente no testamento de Joaquim José de Santana feito em 1849. Ao organizar o seu funeral, o senhor de escravos pede para ser “sepultado ao pé do cruzeiro aonde possa acontecer à companhia do vigário e seu sacristão e a Irmandade das Almas”68. O caso da Irmandade das Almas nos leva a refletir sobre o que nos aponta Boschi acerca da definição e existência de uma irmandade. Segundo ele, não é o tipo de autorização que define a agremiação, mas sim sua forma de organização. A autorização, ato formal, apenas chancela uma situação de fato, já existente. A essência está no elemento que conduz os indivíduos a se 66 Não sabemos exatamente o tempo que o padre José de Araújo Mato Grosso ficou a frente de Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe. A partir do que encontramos de documentação que a ele se refere podemos afirmar que entre os anos de 1863 a 1874 a freguesia esteve sua sob sua direção. Ele assina uma correspondência em 1863 informando ao Arcebispado as irmandades que existiam naquele momento na freguesia, bem como os bens que cada uma delas possuía. Mais tarde em 1874, o vigário Mato Grosso se envolveu numa querela com seus paroquianos que foi resolvida pela Câmara de vereadores da cidade. Segundo o documento de 27 de janeiro do referido ano, houve “grandes contestações entre o parocho d‟esta Freguesia José de Araújo Mato Grosso com seus parochianos por motivos de emolumentos que diz aquele pertencer-lhe, e os parochianos impugnaram entendendo excessos o que há trazido conflitos entre eles em detrimento da ordem social e da Religião”. Ao que parece as quantias cobradas pelo vigário para execução de serviços religiosas estavam desrespeitando uma tabela que já havia sido feita em 30 de julho de 1853 pelo Marquês de Santa Cruz. Diante disso a Câmara de vereadores pede solicita ao Presidente da Província que tome providências para que a tabela fosse executada. APEB – Seção de documentos coloniais e provinciais – Maço: 1348 – Câmara de Maragogipe 1874. 67 Carta do Padre Florisvaldo José de Souza de 1948 ao Arcebispado da Bahia. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 68 Inventário de Joaquim José de Santana. APEBa – 05/1835/2360/01 35 associarem, independente das formalidades, eximindo-se de aprovações prévias69. Diante disso, sem transformar a análise que se segue no cerne da questão, afinal importa-nos entender o contexto de sua criação, procederemos ao trabalho de tentar classificar a Irmandade de São Bartolomeu e entender a partir de sua documentação em que tipologia se insere. Com base na documentação encontrada, podemos afirmar que a Irmandade de São Bartolomeu de fato tenha sido fundada no ano de confirmação de seu Compromisso. Mesmo que tenha sido planejada e organizada anterior a essa data, não executou nenhuma atividade ligada à sua vida devocional, ao menos, não encontramos registros que apontem para isso. Assim como a Irmandade das Santas Almas, de Santa Ana e do Amparo, da Freguesia de São Bartolomeu, ela foi apresentada no documento escrito pelo vigário José de Araújo Mato Grosso entre aquelas “que se [sustentavam] das oblatas dos fiéis”70, e não possuía bens como algumas outras. Assim, subentende-se no documento do vigário, uma divisão entre os sodalícios apresentados. As distinções entre irmandades e confrarias eram estabelecidas por legislação. Mesmo sendo estes termos colocados muitas vezes como sinônimos, do ponto de vista organizacional e jurídico, existiam diferenças. As irmandades seriam aquelas reguladas por um estatuto, e além do objetivo devocional também se dedicavam à caridade e a ajuda mútua. Já as confrarias, se erigiam para promover tão somente os cultos religiosos 71. No entanto, as fronteiras dessa diferenciação são muito tênues, e as bibliografias muitas vezes as tratam da mesma forma, e usam irmandade e confraria como sinônimos. Na própria definição de irmandade existe outra subclassificação que a divide em irmandades de obrigação e de devoção. Somente as irmandades de obrigação precisavam de “um estatuto, livros de registros da vida da organização e de uma mesa diretora, tudo reconhecido pelas autoridades” enquanto a segunda se mantinha isenta de “qualquer ato formal”72, ou seja, não havia a necessidade de aprovação de estatuto ou de reconhecimento do Estado. 69 Ver BOSCHI, 1986, p. 16-17. Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 71 Op. Cit. p. 17. 72 BORGES, 2005, p. 52-53. 70 36 Diante disso, podemos caracterizar o sodalício dedicado a São Bartolomeu como uma irmandade de obrigação73. O trecho do capítulo VII do Compromisso aprovado no ano de sua criação deixa mais evidente o que afirmamos: Haverão na Irmandade sete livros, a saber: o 1º para termo de eleições dos Juizes, Escrivães, Tesoureiros, Procuradores, e mais Oficiais da Irmandade; o 2º para termos de entradas dos irmãos que se houverem de nomear; o 3º para termo de todas as deliberações, e atos da mesa; o 4º para lançamento das quitações das missas que hajam de se dizer nos domingos, e pelas almas dos irmãos falecidos; o 5º para lançamento do inventário das jóias, das alfaias, e ornamentos das irmandades; 6º e 7º finalmente, para receita e despesa da mesma Irmandade.74 Alguns elementos apresentados são exemplos que confirmam a classificação que atribuímos a Irmandade de São Bartolomeu. Primeiro, porque ela prestava assistência aos irmãos principalmente no momento da morte, segundo, ela se submeteu a aprovação religiosa e jurídica, e mantinha uma complexa estrutura organizacional para fins de administração e registros. Retornemos ao que aponta Boschi sobre a importância do estudo das irmandades. Segundo ele, a “essência está no elemento que conduz os indivíduos a se associarem”75. É isso que define os objetivos da irmandade. Diante disso, precisamos proceder a uma análise do objetivo principal da Irmandade de São Bartolomeu, para tentarmos responder ao porquê de sua criação só ter acontecido em 1851, haja vista que o apóstolo era padroeiro desde 1640: Todo motivo da instituição desta santa Irmandade não é outro mais que aquele católico zelo com que os fiéis devotos devem servir a Deus nosso senhor para que com [ilegível] cultos possam melhor dedicar os devidos aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu, e sendo este o único motivo que os elevam a um sem fim [ilegível] para maior segurança e estabilidade dela, os capítulos deste Compromisso para por eles se regerem e guardarem as suas disposições76. Não podemos afirmar com exatidão se a festa em louvor ao apóstolo São Bartolomeu já acontecia anterior à criação da irmandade. A documentação encontrada, que trata das questões religiosas na freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, não aponta nenhuma forma de celebração ao orago anterior a 1851. Tampouco, podemos descartar que já houvesse, pois o próprio compromisso traz como objetivo da ereção do sodalício, levar os fiéis a 73 Usaremos sempre o termo Irmandade em maiúsculo quando tratarmos da confraria de São Bartolomeu. Tratando de outras associações da mesma natureza, usaremos o mesmo termo em minúsculo, ou sinônimos como confraria ou sodalício. 74 Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 75 BOSCHI, 1986, p. 16-17. 76 Prólogo manuscrito do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 37 “melhor dedicar os devidos aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu”77. Isso supõe a existência de alguma forma de celebração, porém, se havia o culto, certamente não se tratava de algo de grande proporção, ou que constituísse uma devoção popular. Não podemos deixar de frisar que a criação da irmandade se deu logo após Maragogipe ter sido reconhecida como cidade. Talvez esteja aí um dos motivos de sua criação, agregar fiéis que pudessem organizar uma celebração ao apóstolo condizente com o que ele agora representava: orago da “patriótica cidade”78 de Maragogipe. O título de “patriótica cidade”, reconhecido a Maragogipe, foi dado em maio de 1850. Logo em abril do ano seguinte, a Irmandade de São Bartolomeu foi criada. Também a Santa Casa de Misericórdia segue nessa cronologia de acontecimentos. Sua criação esteve ligada ao hospital de caridade, fundado em 1846 por uma subscrição do então Juiz Municipal Dr. Gustavo Xavier de Sá, e prosseguida pelo seu substituto o também Juiz Municipal “Dr. Antonio Plácido da Rocha que continuou a subscrição e a quem incontestavelmente deve-se a realização de tão útil estabelecimento”79, edificado em terras doadas pela Benfeitora Juliana Theodora Maria dos Reis. A organização da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia que passou a cuidar do hospital e posteriormente do cemitério da cidade, deu-se em junho de 1851, ano de aprovação de seu compromisso80 e também da criação da Irmandade de São Bartolomeu. Tudo isso se deu logo após Maragogipe sair da condição de vila para cidade. Mesmo sem documentos suficientes para comprovar o que ora dizemos, mas, associando estes acontecimentos que coincidem num mesmo período, acreditamos que a criação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, administradora do hospital de caridade da cidade e que mais tarde empenhou-se na construção do cemitério, bem como a criação da Irmandade de São Bartolomeu para melhor organizar o culto ao padroeiro, tiveram suas razões nas necessidades dos ideais de organização da nova cidade de Maragogipe. O que podemos afirmar com certeza é que a irmandade e a devoção ao santo padroeiro caminharam juntas. A irmandade foi a grande responsável pelo crescimento da festa e da devoção ao santo em Maragogipe. “Os devidos aplausos” foram alcançados e já na primeira metade do século XX, São Bartolomeu passou a ser o santo de maior devoção entre os fiéis de Maragogipe. 77 Prólogo manuscrito do Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1958, p. 28-33 79 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1863. Maço 5393. Caixa 1751. 80 Ver o Livro I de Cartas de confirmação de Cartas e Compromissos. APEB. Seção de arquivo colonial e provincial. Religião e Irmandades 1839-1885, nº. 5264. 78 38 1.3 UMA IRMANDADE LIDERADA POR HOMENS BRANCOS E PARDOS. O capítulo primeiro do Compromisso aprovado em 1851 trata da formação da irmandade e nele é especificado quem nela poderia entrar da seguinte forma: “Para que esta irmandade possa conservar-se por muitos anos, serão nela admitidos por irmãos homens e mulheres tanto desta Freguesia e Termo da Cidade, como de fora dela, sendo pessoas brancas e pardas somente”81. Os critérios utilizados pata fazer tal classificação eram sociais e raciais. No contexto da sociedade escravista e patriarcal, os negros não poderiam fazer parte da irmandade, e as mulheres, nela entravam somente através de seus maridos, caso fossem membros da Irmandade. Convém fazermos uma análise desses critérios no intuito de perceber a configuração social que teve a Irmandade de São Bartolomeu em seu começo. Mesmo sendo permitida a entrada de mulheres e não tendo no Compromisso nenhum capítulo que proibisse que elas assumissem algum cargo na mesa administrativa, em nenhum momento da história da irmandade, isso ocorreu (ver anexo 4). Em todas as composições de mesas administrativas que encontramos inclusive na posterior a 1943, quando a associação foi reativada82, somente homens assumiram os cargos da administração. Às esposas, só eram reservados os lugares de mordomas e juízas das festividades. Na Irmandade do Rosário do Pelourinho, ao que prece, a situação não era muito diferente. Sobre isso seu Compromisso reza o seguinte: “Em cada hum ano se elegerão as Juízas que forem sufficientes de huma e outra nação, doze Mordomas, ou mais se poder ser, duas Procuradoras as quaes poderão ser Irmãs ou não, e com estas se praticará o mesmo que a respeito dos Mordomos”83. Salvo os cargos de procuradoras que as mulheres poderiam assumir na época da festividade, também tinham sua participação extremamente ligada á festa, cabendo aos homes as decisões que regiam a vida da confraria. Essas funções ou cargos temporários estavam ligados a um objetivo bem prático. Se para os homens administrar a vida da confraria era a razão de seus cargos, para as mulheres organizar os detalhes dos festejos lhes proporcionava anualmente a condição de liderança dos trabalhos que seriam executados para que tudo ocorresse bem, como os adornos do andor para a procissão, a arrumação da Igreja, a lavagem das capas, a limpeza das tochas. No entanto, 81 Capítulo I, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Trataremos da reativação da Irmandade de São Bartolomeu, bem como das transformações que ela sofre nesse processo no capítulo 2. 83 Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos, 1820. Apud. FARIAS, Sara de Oliveira. Irmãos de cor de caridade e de crença: a Irmandade do Rosário do Pelourinho na Bahia do século XIX. Dissertação de mestrado em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, 1997, p. 127. 82 39 esses trabalhos talvez não se restringissem somente aos momentos anuais de festejo do santo, afinal, não era esse o único momento em que a irmandade se reunia, e para que se apresentassem em atividades de cunho devocional, os irmãos precisavam estar adequadamente vestidos de capas e portando suas tochas, assim o trabalho das mulheres era necessário durante todo o ano. As jóias84 pagas pelas mulheres da irmandade eram aplicadas na festa segundo a função que ocupavam. Assim, as quantias provenientes das mordomas eram aplicadas nas noites do novenário, enquanto a doação da juíza servia para as despesas do dia solene da festa ao padroeiro. Certamente os mordomos e mordomas eram divididos para a organização de cada um dos dias do novenário e suas respectivas contribuições eram usadas para cobrir os gastos que se faziam em cada uma das celebrações. Já no século XX, é que a participação feminina vai se ampliar na vida da confraria com as comissões formadas somente por mulheres como veremos no capítulo III, mas ainda assim, elas continuaram longe dos cargos de administração da Irmandade de São Bartolomeu. 1.4 CLASSIFICAÇÃO RACIAL E SOCIAL NA IRMANDADE. Como já havíamos citado só era permitida na Irmandade de São Bartolomeu a entrada de brancos e pardos. Para os negros, mesmo que devotos do santo apóstolo, não havia brechas que lhe permitissem a entrada. Nem através da união conjugal era possível que isso acontecesse. O Compromisso de 1851 era enfático ao tratar dessa questão: “Os irmãos solteiros que entrarem nesta irmandade, casando-se com pessoa de sua igualdade, ficará esta sendo irmã, sem que pague coisa alguma de entrada e somente sujeita aos anuais”85. Não há mais discussão no capítulo acerca do que seria uma pessoa da mesma “igualdade”, no entanto, se levarmos em conta as duas classificações de cor permitidas pela irmandade, saberemos quem não seriam estes iguais a que o Compromisso se refere. Certamente os escravizados estavam incluídos nesse bojo. Mas o termo, “igualdade”, usado pela Irmandade, podia estar relacionado não somente à condição de escravo ou livre, mas a critérios de classificação referentes a cor e moral. Isso nos leva à necessidade de uma breve discussão acerca deste assunto já que a sociedade não era composta somente de negros, mas também de pardos e brancos. 84 A jóia era uma taxa financeira paga por todos, fossem homens ou mulheres, que pretendessem participar na condição de irmão de alguma irmandade. 85 Capítulo IV, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 40 Desde o século XVII, os termos negro, mulato e crioulo estavam presentes nos documentos da Santa Casa de Misericórdia da Bahia86. Na Bahia eram comuns as classificações, branco, mulato, cabra, pardo e preto. Salvo os brancos, todas as demais eram provenientes de ascendência africana87. Russel-Wood elenca algumas outras classificações que considera não tão bem definidas, a saber, mestiço, crioulo, trigueiro, escuro ou moreno. Todas estas definições buscavam “definir o grau de brancura ou negritude de um indivíduo”88. Ao tratar do assunto na sociedade pernambucana setecentista, analisando livros de batismo, casamento e compromissos de irmandades, Janaína Santos Bezerra afirma que não foi possível identificar nenhum sujeito que se denominasse como mulato, sendo mais comum o uso do termo pardo89. Isso porque muitas vezes as classificações de cor serviam também como classificações morais ou comportamentais. Assim, muitas vezes o indivíduo de pardo era identificado como mulato no sentido de lhe atribuir adjetivos como “preguiçoso ou imprestável”90. Dessa forma, os considerados pardos numa relação hierárquica das classificações de cor tornavam-se superiores aos mulatos. No entanto, isso não significava, com exatidão, uma gradação da cor da pele para mais clara ou mais escura. A discussão que apresentamos mostra que nesse universo de classificações de cor, os pardos eram moralmente mais aceitos que os demais descendentes das populações escravizadas. Eles aproximavam-se muito mais do mundo dos brancos, e muitas vezes era difícil estabelecer as diferenças, quando o indivíduo era identificado como “pardo disfarçado” ou “branco misturado”91. A linha tênue dessa diferenciação fazia com que a identificação recaísse nos pressupostos sociais. Assim o parentesco e as relações estabelecidas com os brancos serviam para identificar quem eram os pardos92, ou seja, descendestes de negros que na maioria das vezes eram forros e obtiveram alguma ascensão financeira e social. Mas, essa classificação de cor poderia também ser atribuída a cativos. Algumas décadas antes da fundação da Irmandade de São Bartolomeu, os irmãos do Rosário de Maragogipe, em seu compromisso de 1820, postulavam que o escrivão da 86 SANTOS, Jocélio Teles. De pardos disfarçados a brancos pouco claros: Classificações raciais no Brasil dos séculos XVIII e XIX. In: Afro-Ásia. Universidade Federal da Bahia. N. 32. p. 116-137, 2005, p. 117. 87 SCHWARTZ. Stuart B. Segredos Internos: engenhos e escravismo na sociedade colonial (1550-1835). (Trad.) Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.p.213. 88 RUSSEL-WOOD, 2005, p. 49. 89 BEZERRA, Janaina Santos. Pardos na cor & impuros no sangue: etnia, sociabilidades e lutas por inclusão social no espaço urbano pernambucano do XVIII. RECIFE. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História do Departamento de Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2010, p. 37. Disponível em: www.pgh.ufrpe.br/dissertacoes/Janaina.pdf. Acesso em: Out. 2010. 90 Op. Cit., p. 49. 91 SANTOS, 2005, p. 132. 92 Ibidem, p. 132. 41 irmandade deveria ser “branco ou pardo; por não haver na dita povoação pretos, que [soubessem] ler, e contar...”93. Isso nos dá mais uma indicação da posição social desse último grupo. Ao que parece, eles estavam muito mais próximos dos brancos que dos pretos, ao ponto de serem equiparados aos primeiros pelos irmãos do Rosário, quando da necessidade de alguém que soubesse ler e contar. Segundo Russel-Wood94, no início do século XVII os pardos que até então se ajuntavam nas irmandades de Nossa Senhora do Rosário, passaram a criar suas próprias irmandades. Percebe-se aí um processo de diferenciação desse grupo que não sendo composto por indivíduos brancos, buscavam, entretanto, se diferenciar dos pretos através das irmandades. O fato de a Irmandade de São Bartolomeu, na segunda metade do XIX congregar irmãos brancos e pardos a torna uma confraria com uma configuração social diferenciada das demais que já haviam sido criadas até então em Maragogipe. Os documentos de sua organização e criação não nos informam sobre a condição social de seus membros. Porém, a partir das informações do único irmão que atuou nesse período, Assênio Rodrigues, morador de Nagé povoado de Maragogipe, um bacharel em direito e especialista em advogar “no crime, no civil orphanológico e comercial” 95 que esteve no cargo de tesoureiro em 1877, associadas ao que encontramos acerca de alguns membros já na primeira metade do século XX, todos, homens de algum prestígio na sociedade de Maragogipe e ocupantes de alguns cargos políticos e da administração pública, nos leva a crer que os irmãos de São Bartolomeu eram homens da elite. Diante disso é que, mesmo sem poder afirmar com exatidão, acreditamos que a presença dos pardos na Irmandade de São Bartolomeu se deu por conta da posição social destes na sociedade de Maragogipe. Não é demais afirmar que certamente para eles, estar na mesma irmandade que os brancos fosse mais uma forma de elevação social. Fato é que os pardos de Maragogipe na segunda metade do século XIX podiam participar de uma mesma irmandade que os brancos. Sendo assim, possivelmente não mais precisassem se diferenciar em irmandades próprias. Talvez esse tenha sido o motivo de em 1863 a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo está inativa96. 93 Compromisso de 1820 da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, apud REIS, João José. Identidade e diversidade étnicas nas irmandades negras no tempo da escravidão. Tempo, Rio de janeiro, vol. 2, nº. 3, p. 7-33, 1996, p. 12. 94 RUSSEL-WOOD, 2005, p. 204. 95 Democrata, ano VI, n. 201 de 21/04/1877. 96 Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 42 Todas as irmandades, como foi comum no Ocidente cristão, desde a Baixa Idade Média, voltavam sua atuação para a devoção e a caridade, salienta Machado97. No entanto, continua o autor afirmando que “a atuação das irmandades, no século XIX, foi transformada por uma nova conjuntura social e, efetivamente, a pujança daquelas instituições não era a mesma do século anterior”98. Consideramos que no contexto de Maragogipe, a Irmandade de São Bartolomeu teve um caráter diferenciado das demais que foram criadas desde o século XVIII. Mas é interessante que compreendamos como as irmandades criadas antes de 1851 estavam estruturadas em sua organização e a que grupos sociais elas ajuntavam para que melhor visualizemos, mais especificamente, em que a Irmandade de São Bartolomeu se diferenciava. 1.5 IRMANDADES DA FREGUESIA DE MARAGOGIPE. Desde a segunda metade do século XVIII, haviam se erigido na freguesia de São Bartolomeu, irmandades bem específicas para brancos, negros e pardos. Encontramos uma declaração assinada pelo vigário José de Araújo Mato Grosso para o Arcebispado da Bahia com data de 05 de fevereiro de 1863, onde ele além de listar as irmandades, também informa alguns dos bens que possuíam99. No entanto, a quantidade de irmandades declaradas pelo vigário não resume o número total das confrarias que exerceram efetivamente atividades em Maragogipe. Por isso, a partir de outras fontes e bibliografias tentamos identificá-las, estabelecendo possíveis anos de suas confirmações de compromisso e a classificação sócioracial dos seus irmãos (quadro 1). O documento assinado pelo vigário José de Araújo Mato Grosso não informa a cor dos irmãos que congregavam nessas confrarias, mas, foi possível estabelecer algumas diferenciações com base em estudos realizados sobre as irmandades no Brasil. Na Província Mineira “as irmandades do Santíssimo Sacramento [eram] reservadas à melhor nobreza”100. 97 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção e Caridade: o cotidiano das irmandades na Corte - século XIX, p. 1. Disponível em: www.rj.anpuh.org/.../Anderson%20Jose%20Machado%20de%20Oliveira2.doc. Acesso em: Nov. 2011. 98 Ibidem, p.1. 99 Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 100 LIMA JÚNIOR, Augusto de. A Capitania de Minas Gerais; Origens e Formação. 3. ed. Belo Horizonte: Instituto de História Letras e Arte, 1965, p. 128. 43 Em todo o território do Império brasileiro ela tinha o caráter de uma associação de brancos101, assim como a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia. Vejamos alguns aspectos dessas confrarias. Pelos pertencentes da Irmandade do Santíssimo Sacramento é possível perceber o quanto essa associação era importante na execução das atividades religiosas, fosse na organização das festas, ou no suprimento material da Matriz (anexo 5). Alguns deles, como as alfaias litúrgicas, eram usados justamente para o trato de seu símbolo maior, a hóstia consagrada. Sem elas a celebração não poderia acontecer. O momento mais importante de uma missa, por exemplo, a transubstanciação da hóstia e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo segundo a fé católica, dependia do cálice e da patena, onde respectivamente são postos o vinho e a hóstia maior que é consagrada e elevada diante dos fiéis. A custódia grande de prata tinha uma função de extrema importância nos momentos festivos e de adoração do Santíssimo Sacramento. Nas procissões, nas bênçãos de dias festivos e nas ocasiões em que era necessária a exposição da hóstia consagrada para os fiéis, era a custódia que garantia a suntuosidade do momento. A Semana Santa, um momento de relevância para a fé católica, em que se celebra os últimos momentos de Jesus na Terra, a ceia que fez com seus discípulos na qual lavou-lhes os pés, a sua morte na cruz e a ressurreição, se concretizava através das celebrações e procissões como a do Senhor dos Passos relembrando seu trajeto até o lugar da crucificação. Os elementos necessários para o cumprimento dessas obrigações religiosas como a cruz, a imagem do Senhor dos Passos, a imagem do senhor Morto, a imagem do Senhor ressuscitado e outras peças como o resplendor do Senhor dos Passos eram posse da Irmandade do Sacramento. Além de garantir a exposição das imagens com todos os adornos e jóias usadas nas procissões próprias dessa ocasião, esta irmandade desempenhou uma função primordial na Matriz de Maragogipe, na medida em que supria materialmente e garantia o exercício dos cultos através dos materiais sacros. Sendo subordinada ao poder político, durante muito tempo a Igreja teve suas necessidades materiais por ele sustentadas através dos dízimos que eram recolhidos pelo Estado. Nos primeiros tempos da colonização essa arrecadação não era suficiente para pagar todas as despesas, situação que vai melhorando ao longo do tempo. Mas, quando esses rendimentos tornaram-se mais que suficientes para o fim a que se destinava, o poder régio decidiu destinar parte dele para gastos civis. Essa medida temporária tornou-se 101 HOORNAERT, 1982, p. 21. 44 comum, e a Igreja diante dos poucos subsídios que lhe eram repassados, tornou-se cada vez mais dependente das doações de fiéis102. A nobreza do objeto da devoção da irmandade do sacramento perpassava pela posição social de seus membros. Assim “esses leigos ocupavam posições de destaque em relação aos demais, por estarem mais perto dos ministros sacerdotes”103. Essa proximidade devia-se à própria localização interna da capela em que era guardada a hóstia consagrada. Em algumas igrejas, elas poderiam ficar num tabernáculo, anexo ao centro do altar, ou numa capela próxima a ele. Na Matriz de Maragogipe, ela é ainda hoje o lugar mais próximo do altar mor. O Santíssimo Sacramento da Eucaristia é o “Augusto objeto”104 de adoração da Igreja, por se tratar do próprio corpo de Jesus Cristo. É o que, de mais nobre, há na fé católica. Aí está a explicação de sua localização. Assim, para os nobres fiéis maragogipanos não poderia haver uma associação que melhor atendesse aos seus interesses. A devoção ligava-se ao status social. Os homens dessa elite, “tiveram como preocupação principal manter sua posição privilegiada numa sociedade onde os contrastes sociais eram tremendos”105. Assim as irmandades eram responsáveis também pela distinção social, além do cuidado com as coisas da religião. Algumas dessas confrarias, como a Irmandade de São Benedito, uma das mais antigas das terras brasileiras, e que em Maragogipe confirmou Compromisso desde 1768, juntamente com o sodalício de Nossa Senhora do Rosário106, disputava a preferência da maioria dos negros escravizados A propagação da devoção a São Benedito tem relação com a Ordem primeira dos franciscanos, da qual Benedito foi irmão, e foi nos seus conventos que surgiram as primeiras confrarias do santo negro107. Segundo Oliveira, os franciscanos e também os carmelitas incentivaram a devoção a outros santos negros, como Santa Ifigênia, São Elesbão, Santo Antonio de Categeró e Santo rei Baltazar. Ele destaca a figura do frei carmelita José Pereira de Santana, com suas publicações hagiográficas de Santo Elesbão e Santa Efigênia, santos oriundos respectivamente da Etiópia e da Núbia, na “tentativa de estabelecer uma tradição cristã nas regiões”108. O discurso do frei, refere-se à cor preta dos santos como “um 102 Ver CARDOZO, 1973, p. 245. AZZI, 1992, p. 237. 104 Em todos os documentos da Irmandade do Santíssimo Sacramento ela se refere à hóstia consagrada como o Augusto objeto de sua devoção. 105 Op. Cit., p. 377. 106 REIS, João José. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 62. 107 Ver REGINALDO, 2009. 108 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Igreja e escravidão africana no Brasil Colonial. Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 10, n.18, jul. - dez. 2007, p. 355-387. Disponível em: http://www.uesc.br/revistas/especiarias. Acesso em 18/10/2010 às 22h58min, p. 372. 103 45 acidente que poderia ser superado pelas virtudes e pela submissão aos dogmas religiosos” 109. Esse mesmo discurso, continua Oliveira, foi usado pelo franciscano Apolinário em relação a São Benedito. Os irmãos das ordens primeiras viram nos santos negros a possibilidade de facilitar a catequização dos pretos escravizados, se aproveitando da cor como elo comum entre eles. Essa autonomia que os negros tiveram para fundar suas irmandades desde o século XVI110, também revela uma medida política de controle dessa população. “Em certo sentido pode-se dizer que a instituição serviu para isolar os choques e violências de uma ordem social ainda longe de estar integrada”111. O sermão do Padre Antonio Vieira a uma Irmandade do Rosário dos Pretos no Recôncavo é bem revelador desse uso da religiosidade como forma de manutenção de uma ordem: Quando servis aos vossos senhores, não sirvais como quem serve a homens, senão como quem serve a Deus; porque então não servis como cativos senão como livres, nem obedeceis como escravos senão como livres112. O sentimento da religiosidade é usado como forma de amenizar a sufocante situação da escravidão. Deus e o céu tornam-se significantes ícones da liberdade que não está neste mundo. É evidente a intenção de levar o negro cativo à sensação de igualdade perante Deus, com o qual ele poderia inclusive se relacionar através da irmandade, sem que isso significasse uma mudança estrutural no interior da sociedade escravista, era a característica do catolicismo colonial que agia como “meio de controle e de integração”113 do negro na sociedade. Na freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, diante da amostra da quantidade de negros ali existentes, e da quantidade de irmandades, nas quais essa população estava congregada, essa estratégia deve ter sido fundamental na manutenção da ordem. Inclusive, porque os dias de descanso desses trabalhadores condicionados, de certa forma, à própria prática religiosa, eram os domingos e dias santos, em que certamente estavam incluídos aqueles dedicados aos ícones devocionais de suas irmandades. No entanto, não podemos deixar de lado que a aceitação destes santos, bem como a presença de negros nas irmandades, perpassava por uma ótica particular dos mesmos, que 109 Ibidem. Sobre a Irmandade do Rosário Ver HISTÒRIA da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Primeira Época. Tomo II/1. Petrópolis: Edições Paulinas/ Vozes, 1992, p. 237. REGINALDO, Lucilene. Os rosários dos angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2005. 111 CARDOZO, 1973, p. 243-244. 112 Sermão do Padre Antonio a uma Irmandade do Rosário dos Pretos no Recôncavo baiano em 1633, Apud HOORNAERT, 1982, p. 76. 113 BASTIDE, Roger. As Religiões africanas no Brasil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985, p. 163. 110 46 recorriam a elementos de sua cosmovisão, para ressignificá-los. Dessa forma, “como os espíritos dos ancestrais, os santos podiam socorrer os africanos na solução de problemas temporais específicos”114. O interior das irmandades negras constituiu-se também num espaço de criação de laços de identidade, que muitas vezes extrapolavam as diferenças étnicas e agrupava negros de várias nações, que se solidarizavam e criavam mecanismos de resistência, “como foram os enfrentamentos e as negociações com os brancos”115. Estas negociações implicavam muitas vezes em admitir brancos nas irmandades próprias para as pessoas de cor. Os irmãos do Rosário de Maragogipe reservavam o cargo de escrivão de mesa afirmando em seu Compromisso de 1820 que, aquele que assumir esta posição “será branco ou pardo; por não haver na dita povoação pretos, que saibam ler, e contar...” 116 . Isto não significava a perda da identidade de uma associação de negros, mas uma estratégia de uso dos serviços que o homem branco poderia oferecer para o bom funcionamento da confraria. Uma prática que podemos entender no nível da negociação. Também Nossa Senhora da Boa Morte estava presente nas invocações e devoções da população negra. Na Matriz de Maragogipe, há um altar com a imagem representando a morte da mãe de Jesus. Nela, Maria está deitada num esquife, vestida de branco, com as mãos postas (Imagem 4). Além disso, Sebastião Costa se refere a uma litogravura da santa, por ele analisada, que contém a seguinte legenda: “Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na cidade de Maragogipe – 1879”117. Não há documentos suficientes que comprovem a efetiva existência de uma irmandade, mas, a litogravura e o altar são indícios da existência de uma devoção organizada. 114 REGINALDO, 2009, p. 32. REIS, 1996, p. 3. 116 Compromisso de 1820 da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe. Apud REIS, 1996, p. 12. 117 Ver COSTA, Sebastião Heber Vieira. Das memórias de Filhinha às litogravuras de Maragogipe. Salvador: Faculdade 2 de julho, 2007, p. 57. 115 47 Imagem 3 – Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário que dividem um dos altares laterais do lado esquerdo da Matriz de Maragogipe118. 118 Imagens de São Benedito e Nossa Senhora do Rosário da Matriz de Maragogipe. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento. 48 A presença dessas irmandades nos leva a constatar que o contingente da população negra cativa devia ser considerável o suficiente para que se estabelecessem meios coletivos de comunicação e organização. Não foi possível fazer, com precisão, um levantamento da população escrava em Maragogipe no período de criação de todas essas irmandades, o fôlego de uma iniciativa dessas seria o suficiente para nos desviarmos do nosso foco, mas tentamos a partir dos inventários datados de 1851 e 1852 perceber algumas características dessa população escravizada, no intuito de entender a configuração que se estabelecia no momento de criação da Irmandade de São Bartolomeu (tabela 1) Classificação % de 66 Lavoura Rua Casa Outras Não declarada Africanos 22,7 % 6,6 % 20% 13,3% 6,6 % 53,3 % Cabras 18,1 % - - - - 100 % Crioulos 53 % 14, 28 % - 25,71 % - 60 % Outras 3% 25 % - - - 75 % Tabela 1 – Classificação Racial e Ocupação da população escravizada de Maragogipe nos anos de 1851-1852119. A população escravizada da freguesia de Maragogipe mantinha contato através das irmandades, e estabelecia relações de mutualismo, ao menos no momento da morte. Não obstante o fato de alguns desses cativos ocuparem-se com os trabalhos da lavoura, uma indicação de que residiam no espaço rural, não podemos descartar sua participação nas confrarias que possuíam seus altares na Matriz, pois “parece ter sido freqüente a participação de escravos dos engenhos e fazendas nas irmandades criadas nas Matrizes de suas vilas, povoados e arraiais”120. 119 Essa tabela foi feita a partir dos dados que apresentam os inventários da Vila de São Bartolomeu de Maragogipe que consta no APEB e datam de 1851 e 1852. Para melhor localização, elencamos no anexo A, os nomes dos negros escravizados, seus senhores e a localização arquivística. 120 REGINALDO, 2005, p. 86. 49 Imagem 4 – Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte localizada em um dos altares laterais do lado esquerdo da Matriz de São Bartolomeu em Maragogipe121. 121 Imagem de Nossa Senhora da Boa Morte da Matriz de Maragogipe. Agosto de 2010. 1 fotografia digital 16X 21 cm. Coleção Particular. Autoria: Antonio da Conceição Nascimento. 50 A pouca quantidade de pardos encontrada na população escravizada é indício da sua situação social. Isso corrobora a nossa análise acerca dos motivos de a Irmandade de São Bartolomeu admitir brancos e pardos juntos, já que antes os pardos forros tinham suas irmandades específicas, das quais não poderiam participar cativos, mesmo que também fossem pardos. Mesmo não havendo no Compromisso das irmandades de pardos impedimentos aos cativos, a divisão dessas confrarias “com base na condição jurídica, aparece com muita freqüência nos registros documentais”122. Assim, os pardos cativos da freguesia de Maragogipe criaram uma irmandade dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe 123, enquanto que os forros associavam-se nas irmandades de Nossa Senhora do Amparo, e de Nossa Senhora da Conceição. Isso nos mostra que as irmandades serviam também como forma de distinção social, a cor não era o elo mais forte a determinar o agrupamento dos irmãos, mas a condição social dos mesmos. Assim, as irmandades de Maragogipe configuravam a religiosidade local, suprindo material e espiritualmente a vida da Igreja na freguesia de São Bartolomeu, onde a vivência da fé baseava-se num receituário de práticas com marcas do catolicismo barroco, vivido ainda no século XIX124. Algumas peças usadas no adorno dos santos, como um par de sapatos de ouro de um Deus menino, três botões de ouro, medalha de ouro e broches de diamantes e de pedra branca são exemplos desse teor barroco. Também na capital da Bahia, o historiador João José Reis identifica Um catolicismo que se caracterizava por elaboradas manifestações externas da fé: missas celebradas por dezenas de padres, acompanhadas por corais e orquestras, em templos cuja abundante decoração era uma festa para os olhos, e sobretudo funerais grandiosos e procissões cheias de alegorias, de que participavam centenas de pessoas125. Usando um conceito de Pierre Verger, João José Reis classificou esse catolicismo de „barroco de rua‟126. A prática de presentear o santo, ou de rodeá-lo com os utensílios de ouro e prata, primando sempre pela melhor qualidade e beleza no seu culto de devoção, constituem uma linguagem comum vivenciada entre os membros de irmandade, que não se fazia necessária somente para a apresentação externa. Além de ser uma herança das tradições religiosas lusitanas que, como forma de expressar a fé, ornava os santos de jóias e roupas, essa 122 REGINALDO, 2005, p. 90. Ibidem, p.88. 124 Entendemos a partir do conceito de Afonso Ávila, que o barroco não representa apenas “um estilo artístico”, mas uma sistematização de gosto que se reflete em todo um estilo de vida, um estilo portanto global de cultura”. ÁVILA, Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971, p. 22. 125 REIS, 1991, p. 49 126 Ibidem,p. 49. 123 51 forma de vivência religiosa constituía uma compreensão da realidade, “através da linguagem, que como consciência prática [estava] saturada por toda atividade social”127. Essa linguagem recheada de símbolos e elementos que revelavam a devoção e a iniciativa de manter um bom relacionamento com o santo, traduzia um processo de incorporação e vivência de uma determinada forma de crer da época em que “era preciso estar bem com os santos, convivendo com eles numa relação de intimidade”128. Na medida em que os irmãos se inseriam nesse contexto de uma religiosidade de tom barroco como já discutimos, que era comum não somente na freguesia de Maragogipe, mas característica da religiosidade católica na Bahia até o século XIX, como nos apresentou João José Reis, acontecia um processo de apropriação que configurava novas práticas e formas de relacionamento com o sagrado. Assim, a linguagem torna-se “constitutiva”129, ou seja, num movimento de ida e volta a religiosidade era criada pelo indivíduo ao mesmo tempo que também ela o moldava dentro de sua realidade social. Sujeito e realidade iam se transformando nesse relacionamento de incorporação e criação de novos mecanismos de vivência da fé. É nesse contexto de vivências devocionais que vai ser fundada a Irmandade do Glorioso São Bartolomeu. Tardia, se comparada ao tempo de fundação das outras suas conterrâneas, ainda mais se tratando de ser o santo o padroeiro da freguesia. Não obstante, ela realizou suas atividades e elevou a devoção a São Bartolomeu à maior festa da cidade. Uma das formas de tentar compreendê-la é analisando sua organização, a partir de seu primeiro compromisso aprovado em 1851, bem como dos documentos de sua aprovação, que nos darão mais informações a seu respeito. Assim poderemos perceber como ela estava estruturada, suas hierarquias internas, os critérios de entrada de irmãos, as regras de eleição da Mesa Administrativa, as funções de cada mesário. Dessa forma, compreenderemos melhor sua função na sociedade católica maragogipana da segunda metade do século XIX. Isso nos ajudará acompanhar sua trajetória, e perceber as transformações que sofreu pela romanização católica. 1.6 A MESA ADMINISTRATIVA E SUAS RELAÇÕES HIERÁRQUICAS. 127 WILLIANS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores S.A., 1979, p. 43. BORGES, 2005, p. 159. 129 Op. Cit., p. 30. 128 52 A mesa administrativa da irmandade de São Bartolomeu em 1851 era composta por “Juiz, Escrivão, Tesoureiro, dois procuradores e oito mesários”, que tinham poder de voto na escolha de nova mesa. O procedimento de eleição era feito pela indicação de três nomes de irmãos por quem estivesse ocupando cada um dos cargos. A orientação do Compromisso era a seguinte: o Juiz escreverá em uma pauta o nome de três irmãos de sua escolha para juízes e apresentando-o à mesa, fará correr sobre eles o escrutínio secreto, em que votarão o Escrivão, o Tesoureiro, Procuradores, e Mesários; e aquele dos três propostos que tiver a maioria será o juiz;130. No compromisso, os dois candidatos ao cargo que não fossem eleitos serviriam de “suplentes para serem chamados em lugar do primeiro quando este não queira aceitar, preferindo-se sempre o mais votado até o terceiro, que não aceitando também, [serviria] de juiz o mesmo santo”131. Não temos notícia se houve alguma situação em que algum dos eleitos tenha desistido do cargo, ou mesmo que nenhum deles tenha assumido e se efetivado a vacância para São Bartolomeu ser declarado o juiz da Irmandade. Mas essa possibilidade existia e revela que o cargo de juiz era o mais alto posto na hierarquia interna da irmandade. Um cargo que poderia ser ocupado pelo santo padroeiro não seria entregue nas mãos de qualquer pessoa. A situação apresentada nos leva a pensar nas relações que os membros da irmandade estabeleciam com seu orago. Na condição de santo, o apóstolo Bartolomeu era sublimado pelos irmãos, mas também estava muito próximo, era uma força viva que influenciava diretamente na vida dos confrades. Poderia ser o juiz, justamente porque estava além das “concepções racionais e éticas”132 humanas. A mesma dinâmica de votação que se seguia para o Juiz também era executada para o Escrivão, a ele cabia apresentar a proposta dos três nomes que o substituiria. Assim também se procedia para o Tesoureiro e os dois procuradores. Somente para os Mesários não cabia a lista tríplice, eles eram propostos por cada um dos efetivos, e aprovados por toda a mesa. Todos esses cargos eram assumidos por um ano, o que não obstante, não “ficam inibidos de continuarem por mais um, se algum, ou alguns dos referidos Oficiais tiverem de ser reeleitos133. O procedimento da lista tríplice, escolhido pela Irmandade de São Bartolomeu, 130 Capítulo II, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Ibidem. 132 Ver O‟DEA, Thomas. Sociologia da religião. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1969, p. 35. 133 Op. Cit. 131 53 assemelhava-se àquelas das irmandades de pretos, em que “cada membro da mesa propunha dois ou três candidatos que considerava mais adequado para ocupar seu posto”134. Todos os membros da mesa votavam secretamente nos nomes indicados, com exceção ao ocupante do cargo que estava em pleito. Tudo isso era assistido pelo reverendo vigário que mesmo sendo ele a autoridade máxima da Igreja local, estava ele mesmo impedido de votar na eleição da irmandade, salvo se também fosse irmão. O reverendo somente assinava o Livro de Ata juntamente com os demais membros da diretoria, dando a necessária legitimidade ao processo eleitoral. Isso demonstra um poder sobreposto das irmandades em relação à sua autonomia organizacional, longe do controle clerical. Esta situação, pelo que sabemos, permanece até 1943, quando o compromisso reformado reza que o vigário obrigatoriamente seria o presidente da irmandade como discutiremos no segundo capítulo. A eleição era prevista sempre para o dia 15 de agosto. A escolha da data era em razão do início do novenário, para a solene festa do padroeiro que acontecia dia 24 do mesmo mês. Assim, a eleição marcava, junto com o novenário, o começo das celebrações devocionais da Irmandade. Isso modificou-se em 1943, quando foi indicado que a mesa fosse eleita na Primeira Sessão Ordinária da Assembléia Geral. A primeira dessas sessões estava prevista para “um dos dias da primeira quinzena de Agosto, sendo preferível o dia 15”135. Assim, o calendário dos processos organizacionais da Irmandade de São Bartolomeu estava pautado na festividade solene que era a festa do orago. A data da eleição já não era uma certeza. Essa mudança estava ligada a alguns fatores provenientes da nova situação em que se encontrava a irmandade, como a obrigatoriedade da presença do novo presidente que era o vigário, sem o qual a eleição não acontecia. Logo não era mais possível estabelecer uma data fixa, pois isto estava fora do controle dos confrades e do próprio vigário, tendo em vista o trabalho pastoral que se intensificava em razão da influência e controle que a Igreja precisava manter diante das influências e ameaçadas do novo contexto político, a República. Também, as interferências que o vigário poderia fazer no processo eleitoral como a anulação de escolha de qualquer mesário impedia que a tradição do dia 15 de agosto permanecesse, haja vista que, se alguma anulação acontecesse, uma nova eleição na segunda Assembléia Geral precisaria ser feita. A entrada dos irmãos na Mesa Diretora da irmandade acontecia por eleição, mas, era necessário também o pagamento da jóia que era de 4$000 (quatro mil réis). Para os que se tornassem mesários, além da jóia de entrada, precisavam pagar o valor que estava associado 134 135 RUSSEL-WOOD, 2005, p. 204. Art. 30. Capítulo VII. Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943. 54 hierarquicamente ao cargo que ocupassem. Assim, para o juiz, a quem competia presidir, bem como assistir todos os atos da irmandade, custava 50$000 (cinqüenta mil réis), isso correspondia mais ou menos ao valor de um bom cavalo. Para o escrivão, que além de responsável pela “escrituração de todos os livros da Irmandade” 136 e por guardá-los, cabendolhe também a tarefa de substituir o juiz quando por “legítimo impedimento” não pudesse comparecer, o valor era de 20$000 (vinte mil réis). Para os oito mesários, o custo da administração da Irmandade era menor. Eles contribuíam com 4$000 (quatro mil réis) cada um. Ao tesoureiro e aos procuradores, nenhuma taxa de entrada era cobrada, eles somente pagavam o valor da anuidade que era de 500r$ (quinhentos reis) para os irmãos casados, inclusive as mulheres, e de 320r$ (trezentos e vinte réis) para os solteiros e viúvos sem filhos. As anuidades era uma obrigação de todos os irmãos, e independia do pagamento da jóia de entrada. O fato do Tesoureiro e dos Procuradores não pagarem as referidas jóias não foi uma singularidade da Irmandade de São Bartolomeu, em algumas irmandades de Recife, as do Livramento dos Homens Pardos, do Santíssimo Sacramento e do Rosário137, os tesoureiros e procuradores também eram dispensados desse pagamento. Esses valores, principalmente o do juiz é considerável, chegando a mais que o triplo se comparado ao que era pago por algumas irmandades de pretos por exemplo. Segundo RusselWood138, entre os diretores da Irmandade do Rosário pagavam respectivamente, o presidente que correspondia ao juiz, o escrivão e os consultores, cargo equivalente ao dos mesários, 16$00 (dezesseis mil reis), 8$00 (oito mil réis) e 4$00 (quatro mil réis). Isso demonstra que os valores das jóias estavam relacionados com as condições financeiras dos membros da irmandade. Numa comparação dos valares das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu a alguns bens de grande valor no período, eles ficariam longe, por exemplo, do preço de um escravo adulto que poderia custar entre 200$000 (duzentos mil réis) a 600$00 (seiscentos mil réis) variando de preço nesse intervalo, equivalente no caso da jóia do juiz, a uma criança escrava, como Germana de 8 anos, pertencente a João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus139 que custava 50$000 (cinquenta mil réis), ou superior no caso da menor das jóias pagas que era a dos mesários, a uma criança escrava de 1 ano de idade como Luis, também pertencente ao mesmo casal que custava 1 mil réis. Ficavam longe também do valor de uma 136 Capítulo VI, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. BEZERRA, 2010, p. 106. 138 RUSSEL-WOOD, 2005, p. 210. 139 Partilha amigável dos bens de João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus. APEB - 04/1838/2309/03 137 55 propriedade como uma casa na cidade no valor de 1: 200$000 (um conto e duzentos mil réis) ou de um sítio de 800$00 (oitocentos mil réis). Mas, os valores das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu podem ser melhor visualizados se os compararmos a produtos do próprio período com custo mais aproximado (quadro 3) Valor 50$000 (cinquenta mil reis) Juiz Equivalência 20$000 (vinte mil réis) Escrivão 4$000 (quatro mil réis) Mesários 1 cavalo – 55$000 (cinquenta e cinco mil réis); 1 casa pequena coberta de telhas 60$000 (sessenta mil réis); 1 oratório de madeira sem pintura com duas imagens aparelhadas de prata – 20$000 (vinte mil réis); Mais ou menos 28 pés de café novos – 600 réis cada um; 2 balanças para pesar café – 2$000 (dois mil réis) cada uma; 2 camas pequenas – 2$000 (dois mil réis) cada uma; 4 cestos de carregar café – 1$000 (mil réis) cada um; Quadro 3 – Equivalência das jóias pagas pelos irmãos de São Bartolomeu 140. Em 1943, quando o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu foi reformado, os valores das jóias foram atualizados para a moeda corrente, o cruzeiro, passando o juiz a pagar Cr$ 50,00 (cinquenta cruzeiros), o Escrivão Cr$ 20,00 (vinte cruzeiros), os Consultores Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros) quando assumissem os referidos cargos. A jóia de entrada de qualquer irmão era de Cr$ 10,00 (dez cruzeiros) sendo a anuidade para qualquer um deles de Cr$ 6,00 (seis cruzeiros). O Tesoureiro e os Procuradores continuaram isentos das taxas de entrada. Como já citamos, os valores das jóias tinham relação com a hierarquia dos cargos da Mesa Administrativa. Assim, os mesários que pagavam a menor taxa, não estavam incumbidos de funções tão importantes se comparadas às do Juiz e do Tesoureiro. A eles cabia assistir a todos os eventos da irmandade, além de participar e opinar nas reuniões, o que lhes dava algum poder de interferência nos rumos da irmandade. Na renovação do Compromisso em 1943, o termo “Mesário” foi substituído por “Consultor”, cuja função não foi alterada, mas reforçada: “dar a mesa o seu parecer sobre os diversos assuntos que então se tratarem, auxiliando assim os demais mesários no bom desempenho de suas obrigações”141. Este reforço, ao que parece tinha o objetivo de permitir que os consultores assumissem o novo 140 Quadro feito a partir das avaliações dos bens que constam nos inventários listados no anexo A, datados entre 1851 e 1852. 141 Art. 28. Capítulo VI. Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943. 56 adendo de suas obrigações: “substituir o Juiz, o Tesoureiro, o Escrivão e o primeiro Procurador”. Esta mudança ocorrida foi acompanhada dos critérios de escolha dos homens que comporiam estes cargos, a saber, que fossem “homens de provada prudência e experiência”142. Certamente se enquadravam nessas qualidades o vigário Adolpho José da Costa Cerqueira de quem trataremos no capítulo II e os sete militares que também ocuparam o cargo de Procurador na Mesa Administrativa de 1912. Nos anos seguintes encontramos nomes como o dos negociantes Benigno Rebouças143, Bartolomeu Santana144, Bartolomeu de Souza Santos145 e Péricles Figueiredo146, do funcionário do escritório da Fábrica Suerdieck 147 Corbiniano Rocha148, Vitoriano Alves de Souza que também foi Tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição em 1935, Heráclio Guerreiro que era Coletor estadual 149, Raul Leonídio Guerreiro que era tesoureiro da prefeitura e também Consultor da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição150, o Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas Anfilófio Vieira de Melo151, o industrial Manoel Geminiano Barbosa 152 , Salmanazar de Jesus que já havia se ocupado da organização de festas religiosas como a de Pentencostes153, assim como Manoel Vespasiano dos Santos que esteve encarregado da festa de Nossa Senhora da Saúde, promovida pela Santa Casa de Misericórdia154. Essa mudança ocorrida em 1943 retirou a centralidade hierárquica do Juiz, do Escrivão e do tesoureiro na condução da confraria. A ocupação desses cargos pode ser 142 Ibidem. Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935 144 Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913 145 Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 77 de 27/10/1912 146 Redenção, ano VI, nº. 176 de 07/03/1936 147 A Suerdieck tivera seu início em 1888 com o alemão August Wilhelm Suerdieck na cidade de Cruz das Almas. Em 1899, em pleno crescimento, os negócios da Suerdieck foram estendidos até a cidade de Maragojipe onde foi edificado o primeiro armazém na Praça Sebastião Pinho. Em 1905, foi dado início a primeira fábrica de charutos Suerdieck. “A cidade oferecia ótimas condições, com excelentes charuteiras, rio navegável com porto natural - o que facilitava o escoamento da produção para Salvador e de lá para o exterior - além de possuir boa infraestrutura. Inicialmente a fábrica funcionou com cinco operários, em 1909 eram duzentos e em 1915, contava com setecentos trabalhadores” (p. 22-23). A década de 50 marcou o apogeu da Suerdieck e consequentemente de Maragogipe já que dos seus 4.128 funcionários 2.052 eram da cidade. A crise da Suerdieck começou em 1968 e atingiu profundamente Maragogipe em 1992 quando a fábrica foi fechada e transferida para Cruz das Almas devido à sua localização às margens da BR 101. GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador: FPC, 2010. Disponível: http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso em Nov. 2010. 148 Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936 149 Redenção, ano V, nº. 135 de 27/04/1935 150 Redenção, ano V, nº. 141 de 19/12/1935 151 Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953 152 Arquivo, ano II, nº. 18, 27/04/1953 153 Redenção, ano V, nº. 140 de 08/06/1935 154 Redenção, ano VI, nº. 205 de 05/12/1936 143 57 confiada a partir de então, a um dos consultores. Essa nova possibilidade de substituição deveria facilitar o controle do vigário, quando da anulação da eleição de algum irmão que ele achasse impróprio para a função. Infelizmente não encontramos informações de como aconteceram as eleições das Mesas Administrativas ao longo da segunda metade do século XIX, nem mesmo nomes suficientes de irmãos que fizeram parte da irmandade nesse período, para saber se este revezamento ocorreu, é uma lacuna que não conseguimos preencher. Mas da primeira metade do século XX podemos fazer algumas análises a esse respeito. Mesmo não sendo uma regra que a substituição dos cargos de Juiz, Tesoureiro e Procurador fossem revezados entre os que estivessem cumprindo tais funções, acontecia de alguns mesários alternarem sua função nessa circunscrição hierárquica composta dos três principais cargos. Oscar de Araújo Guerreiro é um bom exemplo disso. Homem da elite de Maragogipe, conhecido comerciante e político, ele foi candidato a prefeito pelo Partido Social Democrático (PSD) em 1935155 e provedor da Santa Casa de Misericórdia em 1936 156. Ao apresentar a sua segunda candidatura a prefeito em 1953, o periódico Arquivo assim a ele se refere: Comerciante. Burguez. Progressista. Carrega na cacunda onze lustre de existência bem vivida. Como toda peça humana de nervo e sangue na guela, às vezes se dá ao luxo de crise violenta. E, todavia ponderado nas mais das circunstâncias. [...]. É tímido às responsabilidades públicas. Ranzinza, mas honesto. Governou o município durante seis anos entre o período constitucional e o regimen pré-fascista de Chico Campos. Trabalhou. Produziu. Economizou. Deixou o herário municipal desafogado. Cometeu o erro de calçar a rua da Enseada sem ter dado à mesma um ramal de esgoto. Exigente, conta pedra por pedra, por isso não agrada muita gente157. As informações que temos da participação de Oscar de Araújo Guerreiro na Irmandade de São Bartolomeu são das mesas administrativas, onde, entre os anos de 1934 e 1945 ele ocupou três posições diferentes. De consultor em 1934, Oscar Guerreiro passou a escrivão em 1936, juiz em 1944 e tesoureiro em 1945. Os cargos por ele assumidos refletiam bem sua posição social na sociedade de Maragogipe. Além dele, somente João Thomaz da Silva ocupou por mais de uma vez uma das posições privilegiadas da Irmandade. Escrivão entre os anos de 1935 e 1946 participara da Comissão Auxiliar da Mesa de 1934, para onde voltou 155 Redenção. ano V, nº. 162 de 07/12/1935. O Partido Social Democrático (PSD) foi liderado na Bahia pelo tenente Juracy Magalhães e logo em seu início, o partido manteve uma postura firme contra o Integralismo. Ver JUNIOR, Carlos Zacarias de Sena. Os impasses da Estratégia: os comunistas, o analfabetismo e a revolução burguesa no Brasil 1936-1948. São Paulo: Annablume, 2009, p. 377. 156 Redenção. ano VI, nº. 206 de 19/12/1936 157 Arquivo. ano II, nº. 18 de 27/04/1953. A frase “Carrega na cacunda onze lustre de existência bem vivida” refere-se aos 35 anos de idade que Oscar de Araújo Guerreiro carrega nos ombros, “cacunda”. O termo lustre corresponde a intervalos de cinco em cinco anos. 58 dois anos depois; fora procurador em 1944 e, em 1971, apareceu como mesário da última lista de composição da Mesa Administrativa que encontramos. Também homem de reconhecimento social, assumiu em 1937 o cargo de primeiro Secretário da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe (SPOM)158. Na ordem de importância, que é apresentada pelo Compromisso de 1851, logo abaixo do juiz estava o escrivão. Sua função era ter “a seu cargo a escrituração de todos os livros da Irmandade, em cujo poder [ficariam] existindo enquanto [exercesse] este cargo” 159. Isso lhe possibilitava um conhecimento geral dos assuntos da associação. Talvez justamente por isso fosse encarregado de substituir o juiz. Após a renovação do Compromisso em 1943, suas atribuições aumentaram, para atender a complexidade organizacional do novo contexto. Entre elas estava a feitura de ofícios que precisavam ser assinados pelo juiz e vistoriado pelo vigário, guardar o arquivo documental da irmandade, como manter “em dia e em ordem toda a escrituração” 160. As pessoas que assumiram o cargo de escrivão gozavam na sociedade de Maragogipe de algum prestígio social, e possuíam uma situação financeira confortável. Da mesa de 1912, a primeira de que temos informação na íntegra, ocupou o cargo o senhor Januário Soriano de Jesus do qual não encontramos informações. Nos anos de 1934 e 1935, assumiram a função respectivamente Álvaro Pereira Brito (também sem informações adicionais) e João Thomaz. Seguiu-se a estes, Oscar de Araújo Guerreiro do qual já falamos, e no ano de 1944, Abelardo Sacramento cuidou da escrituração dos livros da irmandade, seguido de Alexandre Ribeiro da Conceição e, mais uma vez, o mesmo João Thomaz. Alberto Costa, Santos que fora candidato a vereador em 1971 pelo partido ARENA161, ocupou o cargo no ano de 1971 foi o último escrivão de que tivemos notícia. A organização dos documentos e sua conservação arquivística tornaram-se uma das preocupações mais citadas no novo Compromisso. Os acontecimentos, as decisões, a entrada e saída de irmãos ou tudo aquilo que fosse considerado de importância precisava ser cuidadosamente registrado e preservado. Essa medida servia também para o tesoureiro, que 158 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. A Sociedade Protetora dos Operários era uma espécie de sindicato que tinha por finalidade defender os interesses dos operários que trabalhavam nas fábricas de charuto Suerdieck e Dannemann. A Dannemann foi instalada em São Félix em 1873 pelo alemão Gerhard Dannemann e desativada em 1948 quando foi adquirida por um grupo suíço. Maragogipe funcionava com uma de suas filiais. GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador: FPC, 2010. Disponível: http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso em Nov. 2010. 159 Capítulo IV. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 160 Art. 22. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 161 Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política ao governo militar instituído a partir do Golpe Militar de 1964. 59 deveria ter não somente um livro para recebimentos e gastos, mas também fazer essas anotações separadas minuciosamente. Essas exigências tinham lugar no novo contexto em que a irmandade vivia. Como forma de controle maior da organização, o reverendo que procedeu na reforma de seu Compromisso, tomou as precauções necessárias para que tudo pudesse ser documentado, e que nada pudesse ser feito fora dos novos critérios exigidos para a irmandade. Na ausência do escrivão, o tesoureiro representava a terceira opção de substituição do cargo principal. Sobre ele o Compromisso trata o seguinte: Ao tesoureiro fica competindo a conservação e guarda de tudo quanto pertencer à Irmandade, e a seu cargo fica também toda despesa dela, que não fará sem a deliberação da mesa, que para esse fim o autorizará; exceto porém naqueles que se fizerem nas missas nos Domingos ao santo desta Irmandade, antes da conventual em seu próprio altar: com a dos Irmãos falecidos, e com o despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres, não tiverem meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º 162. Apesar de ter que prestar contas à Mesa dos rendimentos e gastos financeiros da Irmandade, o tesoureiro gozava de certa autonomia na deliberação de recursos, principalmente porque, para alguns dos gastos fixos da Irmandade, ele não precisava do consentimento do juiz ou demais membros da Mesa Administrativa. Em muitas situações ele acabava sendo o personagem mais importante, principalmente naquelas referentes aos gastos. Não é difícil de presumir que, em épocas de festas do padroeiro, ele estivesse à frente das resoluções tanto quanto o juiz. Nos momentos de falecimento dos irmãos, também sua participação era de fundamental importância, pois era ele quem deliberava os recursos para o “despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres não [tivessem] meios para isso” 163. Nas notícias das festas de São Bartolomeu, a partir do início do século XX, por exemplo, o tesoureiro ocupou um lugar de destaque, na medida em que prestava contas dos gastos, conclama a população para contribuir com os eventos e loterias que promovia em prol da festa (essa questão será melhor discutida na capítulo III). Essa posição do tesoureiro dava-lhe o status de poder tanto dentro da irmandade quanto fora dela. Um exemplo bem evidente ocorreu com a Irmandade do Santíssimo Sacramento alguns anos antes da existência da Irmandade de São Bartolomeu. Em ofício de 28 de março de 1846, o presidente da Câmara Luiz Everadino dos Santos pede que o salão do consistório da Matriz seja usado pelo Doutor Juiz de Direito da comarca na reunião do júri que aconteceria no dia 25 do mês de abril, já que o prédio da Câmara estava em reforma e o dito salão possuía a capacidade necessária para a realização do evento. A Irmandade do 162 163 Capítulo V, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Ibidem. 60 Sacramento respondeu à solicitação, e colocou-se numa posição veemente de defesa do espaço sagrado recorrendo aos preceitos religiosos, numa evidente definição do fim a que se destinava o espaço em questão, para negar ao pedido da Câmara. O documento é direcionado ao tesoureiro da irmandade o Sr. Vicente Barboza, em razão de ser passível “pagar alguma quantia razoável por essa ocupação temporária” 164. Em 1860, a Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu enviou um documento à Assembléia Legislativa Provincial que apresentava o seguinte conteúdo: Diz a mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu desta cidade de Maragogipe que tendo a Assembléia Legislativa provincial assinado na Lei do orçamento nº. 727 de 17 de dezembro de 1858 a quantia de dois contos de réis e na de nº. 797 de 16 de julho de 1859 a quantia de oitocentos mil réis para reparos da respectiva matriz que está precisando de consertar o altar [...].165 O documento data de 25 de agosto de 1860 e é assinado pelo tesoureiro da Irmandade Antonio Fernando de Borba. A preocupação dos irmãos de São Bartolomeu com o templo de seu orago, não teve um resultado favorável. A Assembléia Legislativa Provincial respondeu no mesmo ano, negando o pedido sob a alegação de que foi consignada na lei do orçamento do ano passado a quantia de 2:000$000 [dois contos de réis] para reparos daquela matriz e na deste ano a de 800$000 [oitocentos mil réis] e tendo-se porém findado o exercício a que pertencia a primeira das quantias não pode mais esta ser entregue [...]. Quanto aos 800$000 que respeita ao exercício corrente, [...] que também ele não pode ser entregue em vista do mau estado das finanças provinciais [...]166. As situações que apresentamos mostram que as funções assumidas pelo tesoureiro lhe permitiam intermediar assuntos entre a irmandade, pessoas e demais órgãos da sociedade, quando estes envolviam algum valor financeiro. Mais especificamente, o caso da Irmandade de São Bartolomeu nos mostra que além dos assuntos devocionais, ela preocupava-se também com questões de outra ordem, a exemplo, as condições físicas do templo de seu padroeiro, a Matriz da cidade de Maragogipe. Para executar uma função dessa importância, certamente eram escolhidos homens que tivessem reconhecimento e status social como Assênio Rodrigues Seixas que fora tesoureiro no ano de 1877 e do qual já elencamos algumas informações. Na primeira metade do século XX, os homens que ocuparam o cargo de tesoureiro eram vultos relevantes da sociedade de 164 Ofício da Câmara Municipal pedindo o salão do consistório a Irmandade do Santíssimo Sacramento, 1846. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades. 165 Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEB – Maço 1350. 166 Ibidem. 61 Maragogipe: em 1912 estivera o Capitão de polícia Vitoriano Alves de Souza que novamente em 1934 assumiu o mesmo cargo. O capitão continuou na Irmandade nos dois anos seguintes como procurador, sendo que em 1935, ele dividira seu tempo assumindo também o cargo de Tesoureiro da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição. Em 1935 esteve na função um Bartolomeu Pereira de Borba, e sucedeu-lhe no ano seguinte Benigno dos Santos Rebouças que, além de negociante e proprietário de terras, era político do PSD e havia se candidatado a vereador no ano anterior. Já em 1944, foi a vez de Bartolomeu José de Santana assumir a tesouraria. Suas experiências anteriores foram de procurador, e consultor não somente na Irmandade de São Bartolomeu, mas também na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, onde também assumiu a função cargo em 1936. Nos anos de 1945, 1946 e 1971 estiveram respectivamente à frente dessa função, Oscar de Araújo Guerreiro e os anônimos Antonio Eduardo de Andrade e José Vieira Rebouças. É importante frisar que ao tesoureiro cabia somente o dispêndio financeiro. A função de cobrança das esmolas, anuidades, mordomagens167 dívidas e rendas, mesmo fazendo parte das questões financeiras, era função dos procuradores, sendo eles “obrigados a saírem às esmolas às portas dos fiéis devotos, e mais lugares que [julgassem] de interesse à Irmandade”168. Por esse serviço prestado, os procuradores ficavam livres do pagamento da jóia. Era dois o número de procuradores e assim permaneceu até a reforma do Compromisso em 1943, quando foi aumentado para quatro. Se levarmos em conta que as preocupações com a reserva financeira e patrimonial também se tornaram patentes por parte dos eclesiásticos que reformaram o Compromisso da irmandade, veremos que esse acréscimo tinha suas razões. Era preciso cobrar as anuidades dos irmãos e todo rendimento que fosse de direito da confraria e para essa função era necessário que o irmão fosse “probo, ativo e delicado”, além de ser “diligente em fazer as cobranças e ser atencioso para todos, procurando corresponder a confiança nele depositada”169. Mas de fato os procuradores da irmandade se enquadravam nessas exigências? Talvez não consigamos responder a essa questão, mas, podemos elencar algumas informações sobre alguns deles, para compreender pelo menos o perfil dos homens que assumiam essa função. Cornélio Florentino de Souza, que esteve no cargo em 1912 era 167 Diferente das jóias que eram pagas quando da entrada na irmandade, os anuais eram as taxas pagas pelos irmãos anualmente à mesa administrativa. Já as mordomagens eram uma espécie de jóia que pagavam os mordomos responsáveis pelas celebrações do novenário em preparação para a festa. O valor pago pela juíza da festa era chamado de “jóia da juíza”. 168 Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 169 Art. 24. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 62 Escrivão da Coletoria Federal de Maragogipe170. João Melo Albuquerque em 1937, dois anos depois de ter estado como procurador da Irmandade de São Bartolomeu assumiu a vice presidência da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe171. Ele dividiu o cargo com José Luiz Paranhos. Sobre este somente sabemos que em 1981 esteve na presidência do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fumo de Maragogipe. No ano seguinte, 1936, Bartolomeu Sant‟Ana e Corbiniano Rocha exerceram a função. Do primeiro, sabemos que era comerciante. Em 1913, o periódico Cidade de Maragogipe noticia a visita do Sr. Julio Almeida Santos, “ativo representante de uma das firmas comerciais da capital do Estado” trazido por Bartolomeu Sant‟Ana172. Isso pelo menos nos indica que o procurador mantinha um circulo influente de relações. Corbiniano Rocha por sua vez, além de político do PSD era funcionário de confiança do escritório da fábrica Suerdieck e Cia173. Os primeiros a comporem a lista dos quatro procuradores em 1944 foram João Thomaz da Silva, Benigno dos Santos Rebouças, sobre os quais falamos anteriormente, Apúlio Gonçalves Pimentel e Manoel Veríssimo dos Santos quem, além de ter assumido a vice presidência do diretório da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe em 1937174, assumiu também neste mesmo ano a função de auxiliar de escritório da Fábrica Suerdieck175. O segundo quarteto de procuradores em 1945 foi composto por Antonio Eduardo Andrade, Manoel Barbosa dos Santos, Abdon Pinto e Leonardo Macedo. Entre os que sucederam a estes em 1945, estava o cunhado de Anísio Malaquias 176 Manoel Vespasiano dos Santos que já possuía experiência em participar de irmandades e organizar festas. Em 1935 ele esteve encarregado da festa de Nossa Senhora da Saúde promovida pela Santa Casa de Misericórdia177. Em 1971, o cargo de procurador não mais fez parte da última Mesa que tivemos notícia. Mais uma alteração sofrida pela estrutura organizacional da irmandade. Em 1851, a irmandade não especificava em seu Compromisso as qualidades necessárias para que um dos irmãos assumisse algum dos cargos da mesa, somente que fossem brancos ou pardos. Essa realidade muda em 1943, quando a classificação de cor nãos mais aparece, contudo, cada um dos cargos administrativos vinha acompanhado dos adjetivos 170 Redenção, ano V, nº. 152 de 14/09/1935. Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. 172 Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913. 173 Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936 174 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 175 Redenção, ano VII, nº. 211 de 06/02/1937 176 Anísio Malaquias foi um político influente na cidade de Maragogipe. Elegeu-se prefeito pelo PSD e em 1935, como vereador assumiu a presidência da Câmara. 177 Redenção, ano VI, Nº. 205 de 05/12/1936 171 63 que os candidatos deveriam ter. O juiz, que fosse “um homem de reconhecida capacidade”178; o tesoureiro que tivesse “reconhecida probidade”179; o escrivão deveria “ser um homem de habilitações para o cargo”180; e os consultores deveriam ter “provada prudência e experiência”. Não podemos atestar essas qualidades, embora as informações que encontramos dos membros das Mesas Administrativas da Irmandade de São Bartolomeu mostrem que eram homens de reconhecida notoriedade em Maragogipe, assumiam cargos na política e no serviço público, e estavam ligados à produção industrial e ao comércio local. Além disso, muitos deles participavam de mais de uma agremiação, fosse religiosa ou não. Isso nos mostra que eles constituíam o perfil dos homens socialmente aceitos para representar qualidades como “capacidade”, “probidade” “prudência” e “experiência”, exigidas não somente pela Irmandade de São Bartolomeu, mas ao que parece comungada por outras agremiações. Levando em consideração o bacharel em Direito Assênio Rodrigues Seixas, tesoureiro em 1877, que pela profissão devia ser um cidadão abastado de Maragogipe, também a tendência percebida ao longo da primeira metade do século XX, chegamos à conclusão que a Irmandade de São Bartolomeu foi ao menos conduzida pela elite de Maragogipe. A preocupação do poder eclesiástico com as qualidades desses homens, a essa altura tinha razões nos interesses de condução da irmandade. Essa procedência certamente servia para evitar que sujeitos não condizentes com os ideais católicos romanizados chegassem à direção da confraria, mas, sobretudo, servia também para selecionar entre os mais abastados aqueles que conduziriam os rumos da confraria. 2. UMA IRMANDADE EM TEMPOS DE ROMANIZAÇÃO As reformas das práticas católicas propostas pela Romanização começaram no Brasil na segunda metade do século XIX. Em Maragogipe, como trataremos mais adiante, essas medidas estavam sendo executadas ainda no florescer do século XX e perdurou até a década de 1940, pelo menos no que se referiu às irmandades. Algumas delas, incluindo a Irmandade 178 Art. 15. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. Art. 18. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 180 Art. 21. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 179 64 de São Bartolomeu, sofreram reformas em seus Compromissos e foram subordinadas ao poder do clérigo local. As medidas propostas por Dom Antonio de Macedo Costa, então chefe do bispado brasileiro, no documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil” 181 lançado em 1890, serviram de base para todo esse processo nas primeiras metade do século XX. Nas principais dioceses do Brasil, ecos da romanização se fizeram sentir. Em Mariana, esse processo de reformas foi iniciado por Dom Antonio Ferreira Viçoso, que assumiu o cargo episcopal em 1844 e permaneceu por três décadas. Nesse período, o Arcebispo trabalhou, veementemente, pela renovação da Igreja e em 1853, em relatório enviado à Santa Sé, demonstrava suas preocupações com a formação católica, propondo a reorganização do Seminário para sanar as deficiências do clero182. Dom Sebastião Dias Laranjeira atuou de forma incisiva em Porto Alegre junto às irmandades, e na reafirmação da importância sacramental e “respeito às designações romanas”183. Na diocese de Olinda, a Romanização teve início entre 1865 e 1866, quando da passagem de Dom Emanuel do Rego de Medeiros, que iniciou as conversações para que os jesuítas voltassem à diocese 184. Estes por sua vez, no ano de 1867, foram os introdutores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus185. Essa associação religiosa foi fortalecida pelo incentivo dos clérigos, durante o processo da romanização, no intuito de substituir as irmandades. Na Bahia, as medidas da Romanização foram levadas a cabo, primeiro por Dom Romualdo de Seixas, que esteve à frente da Sé baiana entre os anos de 1828 e 1860. Ativo representante do Episcopado brasileiro, um exemplo da sua atuação foi uma recomendação dada à Irmandade de São Bartolomeu, na carta de aprovação de seu Compromisso em 1851: a eleição e posse da nova mesa deve preceder as missas de costume celebradas pelo reverendo vigário ou quem ele designar, outro sim que o uso de incenso nas missas privadas é alusivo o que reprova a prática da Igreja, e 181 Ver OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. Religião e dominação de classe: gênese, estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 279-282. 182 Sobre a atuação de Dom Antonio Ferreira Viçoso como arcebispo da arquidiocese de Mariana ver COELHO, Tatiana Costa. A reforma católica em Mariana e o discurso ultramontano de Dom Viçoso (Minas Gerais, 18441875). Disponível em: http://www.ichs.ufop.br/ner/images/stories/Tatiana_Costa_Coelho.pdf. Acesso em: Jul. 2010. 183 Ver TAVARES, Mauro Dillmann. Irmandades religiosas, devoção e Ultramontanismo em Porto Alegre no bispado de Dom Sebastião Dias Laranjeira (1861-1888). Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do vale do Rio dos Sinos, 1997. 184 Os jesuítas haviam sido expulsos do Brasil ainda no século XVIII pelo Ministro Marquês de Pombal, por causa da autonomia política e econômica que adquiriram com a catequese dos índios. Essa autonomia constituiu uma ameaça, principalmente quando os padres das missões do Sul armaram os índios contra as autoridades portuguesas, numa sangrenta guerra. 185 Ver SILVA, Severino Vicente da. Entre o Tibre e o Capibaribe: os limites da Igreja progressista na Arquidiocese de Olinda e Recife. Recife: Editora Universitária UFPE, 2006, p. 113-114. 65 que as suas disposições em nada prejudiquem os direitos paroquiais que ficam em seu inteiro vigor186. Numa demonstração de aceitação às regras propostas por Dom Romualdo, os Irmãos o transformam em seu protetor perpétuo e Juiz de devoção da Mesa de 1852. Talvez, uma forma de garantir o funcionamento da Irmandade nesse momento em que a Igreja já começava a tomar um posicionamento mais firme em relação à vivência da fé veiculada pelas confrarias. A essa homenagem respondeu Dom Romualdo em 23 de agosto de 1851: Sumamente grato às obsequiosas expressões da carta que V. S.S. me dirigiram com data de 17 do corrente oferecendo-me o título de protetor perpétuo dessa irmandade e a nomeação de juiz por devoção para o vindouro ano de 1852 tenho a satisfação de assegurar a V. S.S. que aceito essa duplicada [ilegível] a que desejarei corresponder de [...] [ilegível] possível confiando que a mesma Irmandade [ilegível] ao seu destino e as santas obrigações que [ilegível] me dará motivos de lisonjear-me [ilegível] protetorato que se dignou confiar-me. Sou com a maior consideração187. Além das recomendações de que a eleição e posse da Mesa tivessem sua realização antes das missas de costume, que se tratavam das celebrações ao apóstolo São Bartolomeu, e que se adequassem de tal forma que não prejudicassem os direitos da paróquia, bem como a proibição do incenso nas missas particulares, Dom Romualdo aproveitou o ensejo do agradecimento, pelo título recebido, para alertar a Irmandade, lembrando-a do cumprimento de suas “santas obrigações”, o que lhe daria motivos para se lisonjear dos títulos recebidos. Essas recomendações são reveladoras da preocupação e intenção do arcebispo em manter um controle das práticas dessa confraria, para que ela não se desviasse do referencial da “religião”188 católica. Uma preocupação que certamente tinha suas razões nos “excessos”189 cometidos por muitas irmandades, inclusive aquelas formadas por negros. Especificamente em Maragogipe não encontramos fontes que nos permitissem pelo menos elencar algumas das atividades dessas irmandades negras 186 190 , mas sabemos que, no intuito de Compromisso da Irmandade São Bartolomeu de Maragogipe – 1851. APEB – Seção de arquivo colonial e provincial. Maço 5260. 187 Carta de Dom Romualdo de Seixas anexa ao Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. APEB – Seção de arquivo colonial e provincial. Maço 5260. 188 Entendemos a partir de Geertz, que aponta ser a religião “um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan, 1989, p. 104-105. 189 OLIVEIRA, 1985, p. 285. O termo é usado pelo autor referindo-se à visão do clero sobre as práticas das irmandades. Sentido o qual também fazemos uso. 190 Ver a tabela quadro 1. 66 “marcar um lugar de distinção na sociedade”191 e também visando “a conservação de seu patrimônio físico e simbólico”192, essas confrarias excediam nas realizações das festas de seus oragos. Em Porto Alegre, os brancos fizeram sair os negros da igreja “sob o pretexto de que suas festas eram muito barulhentas acompanhadas de danças e tambores e indignas da Casa de Deus”193. Era corriqueiro o uso de incenso nas missas católicas, existindo até um utensílio próprio para isso, o turíbulo. Em Maragogipe, apesar das fontes nada dizerem a este respeito, certamente a mistura das religiosidades, católica e de matrizes africanas, deve ter produzido algum tipo de intervenção nas missas, o que levou Dom Romualdo, seguindo a cartilha da romanização, a agir no intuito de “remover e extirpar toda mistura de irreverência e superstição que, ou pela desgraça dos tempos, ou por incúria e malícia dos homens, se [pudesse] introduzir na demonstração de um culto fundado em espírito e verdade” 194. Era a face da romanização, que se revelava em seu caráter de “europeização da instituição eclesiástica, com a conseqüente rejeição, em grande parte, dos valores culturais negros”195. É evidente que o Arcebispo sentia o perigo que pairava sobre as “duradouras disposições e motivações”196 da fé católica, não somente em Maragogipe, mas em todo o Brasil. Essa ameaça, provinda das misturas de práticas que não pertenciam ao bojo do catolicismo, era intensificada pela relação estabelecida entre a Igreja e o Estado desde o período colonial, e que no século XIX, foi desvelada pela proposta romanizadora, que visava controlar a forma como se vivia a fé, e questionava de forma contundente a subordinação da Igreja Católica ao Estado. Os motivos da iniciação de um processo de controle maior da vivência religiosa dos leigos, e da busca de aproximação dos preceitos da fé, mais romanizados, estavam ligados às relações da Igreja com o Estado e às implicações que isso trazia para a instituição católica. A partir do chamado Segundo Reinado, tornou-se ainda mais delicado e difícil manter a estabilidade dessa relação que, até então, foi necessária para a manutenção da ordem. O 191 REGINALDO, Lucilene. Festas dos confrades pretos: devoções, irmandades e reinados negros na Bahia setecentista. In.: Formas de Crer: Ensaio de história religiosa do mundo luso-afro-brasileiro, séculos XVIXXI.BELLINI, Lígia. SAMPAIO, Gabriela dos Reis. SOUZA, Evergton Sales (org). Salvador: Editora Corrupio. EDUFBA, 2006, p. 198. 192 Ibidem, p. 205. 193 BASTIDE, 1985, p. 168. 194 Apud COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Regras eclesiásticas e desobediências leigas (1850-1930), p. 3. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/edilece_souza_couto.pdf. Acesso em: Out. 2010. 195 HOORNAERT, Eduardo. A evangelização do Brasil durante a primeira época colonial. In: HISTÓRIA da Igreja no Brasil. Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda Época. Tomo II/2. Petrópolis: Edições Paulinas/ Vozes, 1985, p.144. 196 GEERTZ, 1989, p. 104. 67 influxo de novas idéias filosóficas, seja no plano político ou eclesiástico, “havia criado uma nova consciência”197, de forma que nenhum dos dois âmbitos via mais a Igreja como parte integrante do poder político. No entanto, a Monarquia manteve o propósito de subordinar aos seus interesses o aparato pastoral e continuar aproveitando os benefícios que sua ligação com a instituição católica trazia. A sagração do Imperador, uma prova pública do apóio da Igreja ao novo Regime, não foi dispensada. O Catolicismo continuou sendo a religião oficial do Estado, o que, de certa forma, lhe garantia supremacia, pois, junto a isto, seu posto de único culto oficialmente permitido foi resguardado, em contrapartida, o caráter “institucional de poder e dominação”198 do Estado sobre ele também foi mantido. A relação de submissão, vivida pela Igreja se agravou ainda mais no período regencial, quando tomaram maior proporção as discussões sobre a abolição do celibato e a criação de uma Igreja separada de Roma e completamente submetida ao Estado brasileiro. O Padre Diogo Feijó foi um defensor dessas idéias199. Na oposição a esses posicionamentos estava Dom Romualdo de Seixas, responsável por impedir que as discussões chegassem à votação e consequentemente se efetivassem. Dom Romualdo pertencia ao grupo do clero defensor das idéias ultramontanas. O “catolicismo mundial passava pela expansão ultramontana, buscando alargar a ordem católica no mundo, principalmente através das missões e do reforço disciplinar do clero, centralizada em Roma”200. O Syllabus, documento lançado pelo Pontífice Pio IX, foi consequência desse ideal e, em sua trigésima sétima proposição, condenara mais tarde a atitude pretendida por Feijó, ao afirmar o seguinte erro do liberalismo moderno: “Podem ser instituídas Igrejas nacionais isentas da autoridade do Pontífice Romano, e separadas dele”201. Entre as queixas dos políticos brasileiros que defendiam ainda maior subordinação da Igreja, o que fortalecia o conflito dos dois poderes, se destacava a ligação que os eclesiásticos brasileiros mantinham com Roma. Para eles, isso significava uma ameaça, pois poderia prejudicar a ordem e a coesão nacional, principalmente depois da declaração da infalibilidade 197 AZEVEDO, 1978, p. 122. Ibidem, p. 122. 199 Diogo Antonio Feijó foi um sacerdote católico. Como estadista liderou o Brasil Imperial como regente (18351837), e foi um dos fundadores do Partido Liberal, posição política que o levou a entrar em conflitos com a Igreja. Também Foi deputado geral por São Paulo (1826 e 1830), senador (1833) e ministro da Justiça (18311832) 200 ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado. São Paulo: Kairós, 1979, p. 102. 201 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. Syllabus. Disponível em: http://www.montfort.org.br. Acesso: Jul. 2010. O Syllabus, documento anexado a Encíclica Quanta Cura (1864) com oitenta proposições, não trazia afirmativas de posturas a serem seguidas, mas declarava uma posição firme da Igreja contra pensamentos filosóficos e políticos que se baseavam no liberalismo. Essa postura buscava uma maior autonomia dos poderes eclesiásticos, através do estreitamento dos laços de subordinação com Roma. 198 68 do Papa. Se, por um lado, isso assinalou “o apogeu no reconhecimento das prerrogativas do Bispo de Roma”202 – o Papa – por outro, constituía uma ameaça para os políticos liberais, uma ameaça à “razão moderna, anti-religiosa”203, pois, Roma passou a ser vista como uma nação que poderia influenciar politicamente o clero brasileiro e não somente um lócus de autoridade religiosa. Essa preocupação dos políticos liberais, que buscavam “garantir, acima de tudo, ao Estado, o direito exclusivo de imposição legal”204, tinha suas razões principalmente no fato de que “a atuação da maioria dos padres era muito próxima da população”, o que fazia deles “líderes populares em potencial”205. Além disso, muitos padres assumiam cargos políticos em suas freguesias. Em Maragogipe, por exemplo, em 1860, o padre Joaquim Francisco Manoel da Purificação foi eleito vereador com expressivos 1360 votos206. Como se dava a conciliação das tarefas religiosa e política, e como os preceitos religiosos influenciavam as decisões políticas locais não conseguimos mensurar. Porém, a função política trazia prejuízos para os trabalhos eclesiásticos. O caso do padre Aniceto de Souza, nos permite um aprofundamento dessa questão. Atuante na política em Maragogipe, o padre Ignácio Aniceto de Souza foi provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia e esteve diretamente ligado à sua criação e à construção do cemitério da cidade, além de assumir a Presidência da Câmara de Maragogipe até 1887, quando foi substituído pelo Coronel Antonio Felippe de Mello. Ao contrário do consenso a que chegaram as testemunhas de seu processo de genere et moribus207, da “grande vocação que tinha Ignácio Aniceto em servir a Deus e ao estado sacerdotal”208, tendo sua formação antes da liderança de Dom Romualdo, sua vocação estava muito mais voltada para as coisas da política que da religião. Essa dedicação política acabava gerando a insuficiência do trabalho pastoral do clero e sobressaindo, dessa forma, o “Estado no controle episcopal”209. As relações políticas não se davam somente pelo fato de que os padres eram considerados funcionários do Estado, mas eles estavam também envolvidos diretamente nos 202 SILVA, 2000, p. 118. ROMANO, 1979, p. 102. 204 Ibidem, p. 106. 205 CARVALHO, José Murilo de. A Construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.183. 206 Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de arquivo colonial e provincial. APEB, maço 1348. 207 O genere et moribus era um processo eclesiástico para comprovação de pureza de sangue, exigida para aceitação em certos cargos e honrarias. Quando se tratava de seminaristas, o processo era feito antes de sua ordenação. 208 Processo de genere et moribus do padre Ignácio Aniceto de Souza. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 07, estante 01, 20GE17. 209 SILVA, 2000, p. 115. 203 69 rumos políticos em nível local, como observamos em Maragogipe. Para o clero ultramontano, tornava-se cada vez mais difícil conservar a identidade da Igreja no Brasil frente a essa submissão, e conviver num “sistema de dupla lealdade era fonte potencial e permanente de conflitos” 210 . Tanto os representantes políticos quanto os eclesiásticos viviam num delicado jogo de cintura, em que era necessário manter suas posições de autonomia e fidelidade ao grupo a que pertenciam, mas, ao mesmo tempo, ceder às exigências de uma relação, que precisava manter o status quo da ordem social existente desde a colônia. 2.1 A POLÍTICA REGALISTA E A REAÇÃO DA IGREJA NO BRASIL. A mercê da política regalista, a Igreja Católica no Brasil foi reduzida a uma instituição utilitária e subalterna211. A política regalista baseava-se na submissão da Igreja ao Estado e tinha suas raízes desde a organização de Portugal como nação absolutista, quando os papas geralmente não mais passaram a nomear bispos portugueses e criar suas prelazias, abrindo mão desse seu antigo direito em favor de seus reis, no que se poderia chamar a consolidação, ali, do regalismo, que mais consistente se tornaria precisamente no reinado de D. José I, no governo do Marquês de Pombal, que foi quando o país ganhou o seu patriarca212. Além disso, em 1418, uma bula papal entregava à Ordem de Cristo, sob o grão-mestrado do rei, a administração, inclusive espiritual, sob todas as áreas conquistadas na África e nas chamadas Índias. Assim, ele era “autorizado a indicar os candidatos a todos os benefícios e cargos do clero secular e regular e impor censuras e penalidades eclesiásticas e a exercer os poderes de um ordinário nos limites de suas jurisdições”213. Isso vai se estender para o Brasil com a instituição do Padroado, quando o Monarca fundou o bispado da Bahia em 1550 e, desde então, ele tornou-se “o chefe religioso efetivo da Igreja no Brasil, como delegado da Santa Sé para a evangelização das novas terras”214. Assim, ficava a cargo de Dom João VI a escolha dos arcebispos, bispos e prelados. E isso era uma “regalia perpétua, e inseparável de sua real coroa e soberania; assim como a confirmação deles haveria de ser um direito dos papas, de acordo com os princípios da disciplina eclesiástica, que reconhecia neles o supremo pastor da Igreja, o seu chefe visível militante”215. 210 CARVALHO, 2003, p.182. Ver AZEVEDO, 1978, p. 129. 212 GÉRSON, Brasil. O regalismo brasileiro. Rio de Janeiro. Brasília: Cátedra, INL, 1978, p. 37. 213 AZEVEDO, 1978, p. 26. 214 Ibidem, p. 27. 215 GÉRSON, 1978, p. 37. 211 70 A dependência e falta de autonomia instituída pelo padroado foi se tornando insustentável, e já no século XIX, os eclesiásticos ultramontanos reagiram buscando “a reanimação autêntica da vida religiosa, a partir da recuperação do clero”216. Assim, sob o comando de Dom Romualdo de Seixas, a Bahia vai se tornar um dos focos dessa renovação em meados do século XIX. Seguindo essa proposta, Dom Antonio de Macedo Costa no Pará, Dom Antonio Viçoso, em Mariana, e Dom Antonio Joaquim de Melo, em São Paulo, serão os nomes fortes dessa busca de retirar a Igreja da condição de “simples braço do poder secular” 217 . O forte incômodo que essa situação causava a muitos episcopais, pôde ser bem entendido no documento lançado em março de 1890, que, ao se referir à relação que mantinham com o Estado afirmam: “Era uma proteção que nos abafava”218. O acirramento de forças, entre o poder religioso e estatal, levou o Estado a proibir nos conventos no Brasil, a recepção de clérigos que professaram em ordens religiosas no exterior. A conseqüência dessa trajetória conflituosa foi a tentativa de reforma, que buscava estreitar mais os laços da Igreja do Brasil com Roma, impedida pelo poder político chancelado pelo Padroado. Essa atitude do Estado foi condenada mais tarde, pelo Syllabus, da forma seguinte: “A autoridade civil pode impedir que os prelados e os fiéis comuniquem livremente entre si e com o Pontífice Romano”219. Assim, os bispos reformadores, através de cartas, abertura dos seminários e da imprensa religiosa, se empenharam na condução do clero e dos fiéis para novas atitudes e práticas, e uma vivência da fé ao modo católico proposto pelo Pontífice romano. A preocupação com os rumos da Igreja e a formação dos seus dirigentes já incomodava Dom Romualdo desde 1830, quando começou a formular um projeto de formação do clero na Bahia220. Mas foi a partir de 1851 que houve uma mudança estrutural na formação do clero. O projeto que começava a ganhar corpo, pretendia uma “instituição fechada, estabelecida à margem do mundo, reduzindo ao mínimo a comunicação com ele, erguendo muros ao contágio da corrupção que se [infiltrava] por toda a parte”221 Isso desembocou na “Questão Religiosa” ou “A questão dos Bispos”, em 1870. Dom Macedo Costa e Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, foram condenados à prisão, em razão de terem colocado em interdição irmandades de suas dioceses que se negavam a expulsar os membros maçons. Este caso é uma relevante evidência de como Estado e Igreja 216 Ibidem, p. 141. HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 118. 218 Apud HOLANDA, 2004, p. 119. 219 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. Syllabus... 220 Ver SILVA, 2000, p. 150-151. 221 Ibidem, p. 173. 217 71 mantinham propósitos diferentes. O poder eclesiástico estava buscando de forma mais enfática sua autonomia nas decisões que afetavam diretamente o âmbito religioso, certamente confiando no Syllabus que, na proposição trigésima, condenava o seguinte: “A imunidade da Igreja e das pessoas eclesiásticas nasce do direito civil”222. No entanto o Estado apegava-se no poder que tinha de “rescindir, de declarar e tornar nulos os convênios solenes, ou Concordatas celebradas com a Sé Apostólica, relativos ao uso dos direitos pertencentes à imunidade eclesiástica sem consentimento da mesma Sé Apostólica, e mesmo se ela reclamar”223. A interferência política do Estado sobre as coisas da religião podia ser sentida, não somente a níveis macros, no que tangia ao episcopado brasileiro, mas também a níveis mais locais. Em Maragogipe, no ano de 1874, uma querela entre os fiéis católicos e o pároco local foi resolvida com a ajuda da câmara de vereadores: Dando-se continuamente grandes contestações entre o pároco d‟esta Freguesia José de Araújo Mato Grosso com seus paroquianos por motivos de emolumentos que diz aquele pertencer-lhe, e os paroquianos impugnarem entendendo excessos o que há trazido conflitos entre eles em detrimento da ordem social e da Religião, e havendo remédio pronto a fazer desaparecer tais ocorrências uma vez que seja observada a tabela feita em 30 de julho de 1853, pelo finado Metropolitano Marquês de S. Cruz cuja tabela já foi mandada executar por o então Presidente d‟essa Província Conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, por Portaria que fez expedir em data de abril de 1863, vai esta Câmara em bem dos habitantes d‟esta mesma Freguesia e para a paz entre eles e seu pároco solicitar de V. Exa. que tal medida seja executada enquanto não for a [...] tabela revogada por outra porque assim, ficarão guardados os direitos entre eles224. Mesmo que tenha sido feita por Dom Romualdo de Seixas, o Marquês de Santa Cruz, a execução da tabela de preços de serviços prestados pelo pároco, foi permitida pelo Presidente da Província, na época, o Conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque. Os excessos denunciados, geradores dos conflitos, sofreram a intervenção das autoridades locais. Assim, a depender do assunto, o trabalho do vigário estava diretamente submetido mais à política local, que poderia ingerir de forma direta, do que ao seu superior, o Arcebispo. Percebe-se aí uma clara divisão de poderes, nesse caso, uma relação conciliatória entre política e religião, o Arcebispado e a Presidência da Província, mas certamente conflituosa entre o pároco e a Câmara de vereadores. Isso nos mostra que os conflitos, da relação Igreja e Estado, estavam espalhados pelo território brasileiro e, mesmo quando tinham localização exata, poderiam ter ressonâncias que extrapolavam as fronteiras do lugar onde ocorriam. Bom exemplo disso foi a “Questão 222 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus... Ibidem 224 Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de documentos coloniais e provinciais. APEB. Maço 1348. 223 72 Religiosa”. Mesmo tendo sido Recife e Pará os palcos desse acontecimento, que intensificou um debate “filosófico-religioso”225 entre a Igreja e a maçonaria, através da imprensa católica e da imprensa maçônica, o caso repercutiu na Bahia, onde a imprensa católica “disparou contra as elites liberais brasileiras reunidas na maçonaria”226. já na década de 1870, como afirmou Costa e Silva, “o clero era uma voz, entre as várias de mensagens divergentes ou abertamente contestatórias”227. No debate travado, os maçons apoiavam-se nas suas contribuições políticas, principalmente por terem lutado pela Independência “nos seus areópagos, lojas, academia”, enquanto Dom Vital e Dom Macedo Costa, apoiavam-se na “decretação da infabilidade pontifícia pelo Concílio Vaticano I”228. Era uma briga de duas tradições, a política e a evangelizadora, uma luta entre “o Regalismo e a Ortodoxia”229 da Igreja. Os bispos por sua vez, estavam cumprindo suas funções enquanto representantes do Pontífice romano e seguidores das Encíclicas que condenavam a maçonaria. No entanto, para os políticos regalistas, eles eram funcionários do Estado e não deveriam desobedecer à autoridade do Imperador, que já havia pedido a suspensão das interdições. A ordem de Dom Pedro II era fruto do poder que o Padroado exercia sobre a Igreja e que pode ser melhor compreendido na condenação que fazia Pio IX: A autoridade civil pode envolver-se nas coisas relativas à religião, aos costumes e ao governo espiritual; donde se segue que tem competência sobre as instruções que os pastores da Igreja publicam em harmonia com a sua missão, para a direção das consciências. Ainda mais, tem poder para decretar a respeito da administração dos divinos Sacramentos e das disposições necessárias para os receber230. No entanto, acatar a ordem imperial seria dar vitória ao liberalismo maçônico em detrimento do ultramontanismo católico. O momento era oportuno para as decisões tomadas pelos bispos, pois agora podiam argumentar a partir de bases documentais da Igreja provenientes diretamente de Roma. O evento, que muito contribui para o dilaceramento das relações entre os eclesiásticos e o poder político no Brasil, além das tensões internas, pode ser entendido também mediante a 225 PEREIRA, Nilo. Dom Vital e a questão religiosa no Brasil. Recife: Tempo brasileiro, 1986, p. 19. Ver SANTOS, Israel Silva dos. Igreja católica na Bahia: a reestruturação do arcebispado primaz (1890-1930). Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA. Salvador, 2006, p. 17. 227 SILVA, 2000, p. 221. 228 Op. Cit., p. 19. 229 Ibidem, p. 21. 230 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus... 226 73 substituição, feita pelo Vaticano, do placet pelo non placet231. Se o imperador via-se no direito de interferir nas questões religiosas, apegando-se ao direito que lhe havia sido concedido, de vetar bulas papais, os bispos, em virtude da suspensão desse direito, apegavamse na infalibilidade do papa e não interferência do Estado nesses assuntos. A essa altura, o foco do episcopado brasileiro já eram as condenações que Pio IX tinha lançado no Syllabus. Entre as oitenta proposições, o pontífice condenava uma série de questões do racionalismo moderno, consideradas erros para a Igreja Católica. Entre elas, a afirmação de que A igreja não é uma sociedade verdadeira e perfeita, inteiramente livre, nem goza de direitos próprios e constantes, dados a ela pelo seu divino Fundador, mas pertence ao poder civil definir quais sejam os direitos da Igreja e os limites dentro dos quais pode exercer os mesmos232. No tocante às relações com o Estado, algumas proposições golpeavam diretamente o domínio político sobre a vida religiosa: 20º O poder eclesiástico não deve exercer a sua autoridade sem licença e consentimento do governo civil. [...] 25º Além do poder inerente ao Episcopado, é-lhe atribuído outro poder temporal, concedido expressa ou tacitamente pelo império civil, que o mesmo império civil pode revogar quando lhe aprouver. [...] 36º A definição de um Concílio nacional não admite discussões subsequentes, e o poder civil pôde exigir que as questões não progridam233. Em outras palavras, o que Pio IX propunha era a liberdade da Igreja, assim como do seu clero, não precisando sujeitar-se ao poder civil, mas, unicamente ao Pontificado romano, a quem cabia as decisões referentes às coisas sagradas, e à vida pastoral do episcopado, do clero e dos fiéis, conforme nos aponta a condenação 41º: Ao poder civil, mesmo exercido por um príncipe infiel, pertence um poder indireto e negativo sobre as coisas sagradas; pertence-lhe não só o direito que se chama "exequatur", mas ainda o da apelação que se chama "ab ababusu"”234. Quanto ao Estado, não estaria entre as suas atribuições interferir nos rumos da vida religiosa, tanto no que diz respeito ao corpo clerical, suas decisões e comunicação com Roma, quanto no trabalho pastoral, que envolvia os cultos e atos sagrados ligados aos sacramentos. A década de 70 do século XIX foi relevante nas posições que a Igreja passaria a tomar a partir de então. Uma das medidas, no intuito de defender seus interesses e demarcar sua 231 O placet era uma espécie de direito no qual a Igreja Católica concedia aos reis de sua confiança, ou seja, aqueles que lhe apoiavam a possibilidade de vetar bulas papais. 232 Op. Cit. 233 Ibidem. 234 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus... 74 influência no destino político do país, foi a criação do Partido Católico. Na Bahia “um dos incentivadores da criação de um Partido Católico nesse período foi o padre Romualdo Maria de Seixas Barroso”235. Apesar da tentativa e dos esforços o partido não vingou. No entanto, não podemos eleger os acontecimentos aí ocorridos como marco inicial do processo de reformas no Brasil. Nem tampouco, cristalizar as atitudes e medidas do episcopado brasileiro frente ao Estado daí em diante. Talvez, esse período tenha sido mais um estopim do que um começo. O desejo de aproximação maior com a Cúria Romana foi fruto do processo de restrição da autonomia que a Igreja sofria em razão de sua subordinação ao Estado pelo Regime do Padroado e da política regalista. Essa busca de aproximação com os ideais da fé romanizada se prolongou após a República, e foi posta em prática, de maneira diferente e em tempo diferente, nas dioceses brasileiras, como já apontamos no início desse capítulo. A atitude do Pontífice romano, que sustentou o posicionamento dos bispos brasileiros, foi a forma encontrada para resolver, não somente o problema da submissão ao Estado, mas também para cercear as manifestações religiosas que se desviavam dos preceitos católicos. O Syllabus, além das questões políticas que subordinavam a Igreja, fazia condenações às sociedades secretas, bíblicas e clérico-liberais, e defendia a moral e o matrimônio cristão. Diante disso, podemos afirmar que havia duas preocupações, a busca da autonomia nos assuntos religiosos e a manutenção de poder e controle, que a ligação com o Estado havia garantido até então, principalmente no que dizia respeito à ocorrência de outras religiões. Prova disso é que, entre os erros da sociedade civil, o quinquegésimo quinto item era: “A Igreja deve estar separada do Estado e o Estado da Igreja”236. A união conflituosa entre o Estado Imperial e a Igreja perdurou no Brasil até 1890, quando do advento da República, e enfim, da separação legal dos dois poderes. Foi justamente nesse ano que o maragogipano Dom Macedo Costa, orientado pelo Concílio Vaticano I, lançou o documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil”, em que propôs nove capítulos com as medidas que seriam mais urgentes para direcionar a Igreja diante da nova situação política: 1. As conferências episcopais: “[...] os bispos deveriam reunir-se periodicamente para tomar as medidas a serem executadas [...]. 2. O episcopado: “Devem reforçar sua autoridade e seu controle sobre as autoridades do clero [...]”. 3. O clero: “Recomenda aos bispos que sejam rigorosos na vigilância do clero, de modo a curar seus males; recomenda também que os padres ampliem seu campo de atividades pastorais [...]. 4. Os seminários: “que os seminários sejam destinados exclusivamente a candidatos ao sacerdócio, [...] os melhores seminaristas devem ser enviados 235 236 SANTOS, 2006, p. 49. MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL .Syllabus... 75 a continuarem sua formação em Roma”. 5. As missões: “é preciso ascender a fé e aumentar a prática das virtudes, por meio das missões populares”. 6. Os colonos imigrantes: [...] é necessário ter um zelo especial por eles, contando para isso com a colaboração de congregações religiosas européias”. 7. As ordens religiosas: “dada a impossibilidade de restaurar as ordens religiosas tradicionais por seus próprios meios, faz-se necessário trazer da Europa membros dessas ordens para que tomem em mãos a direção dos conventos. Além disso, convém trazer da Europa outras congregações religiosas, masculinas e femininas, para fundar e dirigir escolas católicas”. 8. As confrarias: “aproveitando a separação entre Igreja e Estado, é preciso resolver de uma vez por todas a situação das irmandades e confrarias, expurgando-as de elementos maçônicos”. 9. As dioceses: “é preciso aumentar o número de dioceses proporcionalmente à dimensão do País. Já que não há mais a interferência do estado, a Santa Sé poderá criar novas dioceses, desde que tenham uma dotação suficiente”237. Para Dom Macedo Costa, era necessário que ocorressem periodicamente as conferências episcopais no intuito de garantir a unidade do bispado e o reforço de sua autoridade. Rigorosidade e ortodoxia deveriam ser as características do ensino nos seminários. Essas preocupações tinham o intuito de sanar os abusos e desvios dos bons costumes católicos, que prejudicavam a vida eclesiástica, a administração dos sacramentos e o zelo pelos cultos e símbolos sagrados da fé. Nota-se que o episcopado foi o corpo que se pretendeu organizar primeiramente, para que dele viessem as regras a serem seguidas. A relação hierárquica proposta demonstra bem os critérios que iriam reger a vida católica desde então. Uma vivência baseada, não mais nas práticas espontâneas dos leigos, mas a partir de critérios romanizados. A reativação das ordens religiosas evidencia a busca da referência estrangeira, mas também a negação dessa vivência, baseada em organizações formadas por leigos. O bispo Macedo Costa entendia que os rumos da Igreja Católica não perpassavam somente pelo clero, mas também pelo controle dos fiéis na prática e vivência da religião. Assim, orientava o clero a visitar as escolas e exercer influência sobre os professores; visitar os doentes e os hospitais; [...] difundir a boa imprensa católica; organizar associações de bons católicos para a manutenção do culto, e fundar e dirigir associações e obras pias238 Em Maragogipe, algumas associações religiosas foram criadas, entre elas, o Apostolado da Oração, as Filhas de Maria, a Legião de Maria e a Associação São Vicente de Paulo, todas condizentes com as propostas da romanização, que a essa altura, começava a se consolidar. 237 238 OLIVEIRA, 1985, p. 280-282. OLIVEIRA, 1985, p. 281. 76 Em todo o Brasil, os desvios de postura do clero ou a falta de comunicação com os fiéis deu margem para a formação de uma religiosidade popular, alheia a Roma, e liderada por beatos, beatas, rezadores e capelães carismáticos que gozavam de grande prestígio, principalmente entre as massas rurais. Essas figuras constituíram ameaça para o poder da Igreja, diante de um clero com problemas de disciplina religiosa como aponta o chefe do episcopado brasileiro, esses lideres carismáticos, agindo fora do cotidiano católico formal, eram “uma fonte de instabilidade e inovação”239. O episcopado e o clero brasileiro não viam com bons olhos essas práticas, por se tratarem de uma negação ao catolicismo romano. Diante disso, tornava-se necessário reestruturar o aparelho religioso para torná-lo apto a exercer a função social de hegemonia no novo contexto. Não podemos esquecer que, essa ausência do clero junto ao povo e a forma como conduziam as coisas da religião, não era uma realidade somente da segunda metade do século XIX, mas uma característica de toda a trajetória da vida da Igreja no Brasil até o período das reformas, em razão das vacâncias episcopais e das dificuldades dos episcopais em manter o controle do clero, submetido ao poder político. Na província da Bahia, por exemplo, apesar da regularidade de toda a estrutura e aparato organizacional religioso, segundo os moldes trazidos da Metrópole, não havia um controle tão direto, realizado pelo poder eclesiástico, das formas de crer dos fiéis, devido a circunstâncias próprias, principalmente no tocante às distâncias e aos recursos para que o trabalho pastoral se realizasse de forma efetiva 240. Assim, a “vivência da religião católica foi dessa forma pouco afetada pela estrutura eclesiástica”241. O clero recebia “subsídios notoriamente insuficientes”, sendo, muitas vezes, obrigados a procurar outros empregos. Isso limitava, inclusive, o contato dos bispos com Roma, pois devido à falta de recursos, “as visitas ad limina”242 não aconteciam. O conjunto de orientações do bispo Macedo Costa foi observado nos anos seguintes, e serviu de programa para as reformas da igreja, na virada do século. Em Maragogipe nas primeiras décadas do período republicano, medidas bem mais veementes foram tomadas principalmente com as irmandades leigas, o que certamente contribuiu para limitar as atividades de muitas irmandades, mas não conseguiu controlar as manifestações populares, pelo menos da Irmandade de São Bartolomeu. 239 O‟DEA, 1969, p. 37. Ao discutir sobre o carisma a partir de Weber o autor destaca a sua importância estratégica na mudança social. A figura carismática, ao atrair seguidores e evocar respeito se “torna voluntariamente respeitada, aceita e seguida”. 240 HOORNAERT, 1982, p. 13. O autor afirma que devido às distâncias e as dificuldades de viagem “poucos bispos realizavam a visita pastoral, recomendada pelo Concílio de Trento”. 241 Ibidem,p. 13. 242 AZEVEDO, 1978, p. 86. O termo latim ad limina significa ao umbral ou morada, referindo-se às visitas que os episcopais faziam a Roma para visitar os túmulos dos apóstolos. 77 2.2 A REATIVAÇÃO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU. No documento “Pontos de reforma na Igreja do Brasil”, Dom Macedo Costa ressaltou a necessidade de se resolver, de uma vez por todas, a situação das irmandades, principalmente retirando delas os maçons, “aproveitando a separação entre Igreja e Estado” 243. Essa separação ocasionada pela República, certamente facilitou o posicionamento da Igreja frente às irmandades, já que elas não mais podiam recorrer ao protetorato do Estado. No entanto, ele previne: “Entretanto, devido à sua influência em nossa sociedade, é preciso proceder com a mais madura reflexão”244. Muitas dessas confrarias eram formadas por pessoas da elite e que tinham muita influência na sociedade. A advertência do chefe episcopal é bem condizente com o posicionamento da Igreja na Primeira República, quando se empenhou em aproximarse da “elite política nacional à medida que a influência positivista dos militares se tornou menor” 245 . A influência positivista no corpo militar do Brasil já podia ser verificada desde a década de 1870. Como nos aponta Costa e Silva: “A oficialidade formada na Academia Militar estava imbuída de que a ciência esgotaria o saber”246. Como já afirmamos, o motivo pelos quais Dom Macedo Costa pedira cautela no trato com as irmandades era a influência que muitas delas tinham na sociedade. E parece ter sido esta, a causa da reativação da Irmandade de São Bartolomeu, na qual concentramos nossos esforços de análise. Podemos afirmar que sua influência estava relacionada a dois motivos extremamente importantes: a condição social de seus membros e a sua ligação à festa religiosa mais popular da cidade de Maragogipe, que era dedicada a São Bartolomeu. Essa reativação aconteceu já em 1912, ano em que foi realizada uma reforma no seu compromisso, que infelizmente não conseguimos encontrar e cuja Mesa Administrativa formada é bem reveladora de seu perfil social. Acreditamos ter sido esse o momento em que efetivamente, a Irmandade de São Bartolomeu voltou a realizar sua principal atividade, a organização da festa de seu orago. Antes dessa data, logo após a Proclamação da República, apesar de termos encontrado pouquíssimas informações sobre a festa de São Bartolomeu, não encontramos informações que evidenciam a atuação da Irmandade, o que denota sua possível inatividade nesse período. 243 OLIVEIRA, 1985, p. 280-282. Ibidem, p. 280-282. 245 SANTOS, 2006, p. 57. 246 SILVA, 2000, p. 220. 244 78 Nas décadas seguintes, a Irmandade esteve na direção da festa de São Bartolomeu, e novamente na década de 40, ela passou por outro momento de inatividade, por estar seu compromisso defasado, segundo os critérios legais e religiosos, o que não permitia que gozasse de regularidade jurídica. Sua reativação se deu em 1943, juntamente com as irmandades de Nossa Senhora da Conceição e do Santíssimo Sacramento, como podemos ver na carta do padre Florisvaldo José de Souza para o Arcebispo da Bahia: Existem na paróquia de Maragogipe a Irmandade do Santíssimo Sacramento fundada em 1806 com Compromisso dessa data, a Irmandade de São Bartolomeu com Compromisso de 1912 e, na capela de Coqueiros, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição com Compromisso de 1920 sem aprovação da autoridade eclesiástica. Desejando as referidas irmandades continuar o ritmo de suas vidas e atividades e para que juridicamente possam funcionar nesta paróquia, venho pedir a Vossa Excelência Revma. se digne determinar a reforma dos mencionados Compromissos e lhes conceder as necessárias aprovações247. A justificativa dada pelo protagonista desse processo, o reverendo já citado, era que as irmandades pudessem continuar “suas tradições, suas glórias, suas atividades, para a glória de Deus e o bem e proveito das almas”248. Como fica bem expresso na sua fala, mesmo depois de todo o processo de romanização, essas irmandades ainda se faziam necessárias na Paróquia de São Bartolomeu de Maragogipe porque exerciam atividades ligadas às “tradições” e “glórias”, certamente das festas que organizavam, de grande repercussão na cidade e, no caso dos festejos de São Bartolomeu, de ressonância além das fronteiras de Maragogipe. Ao requerimento do padre responde o arcebispado que as Irmandades de que trata o presente requerimento apresentem os projetos dos respectivos seus Compromissos organizados conforme o Código do Direito Canônico e sob a direção imediato do Revmo. Pároco para ulterior estudo e juízo de aprovação da autoridade arquidiocesana249. De todas as irmandades que foram eretas em Maragogipe, desde o tempo de freguesia, um reduzido número de três irmandades é enumerado, inicialmente, pelo padre Florisvaldo. Ao que parece, elas foram se desarticulando ao longo do tempo e não estavam no foco dos interesses do clérigo local. Não podemos afirmar, com certeza, que tenha sido o processo da romanização que veio a fazê-las desaparecer. As organizações devotas de Santa Ana e de Nossa Senhora do Amparo, por exemplo, no ano de 1863 já foram declaradas inativas. 247 Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 248 Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 249 Carta do Arcebispo da Bahia ao Padre Florisvaldo José de Souza. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 79 Além das três irmandades já citadas, o Padre Florisvaldo em carta enviada ao Arcebispado em 1948 informa-nos o seguinte: Já estão sendo elaborados os Compromissos da Irmandade do Santíssimo Sacramento fazendo se o esboço da mais antiga irmandade – a das Almas (1666) para a reforma dos estatutos e em breve iniciar-se- á a restauração da Irmandade do Divino Espírito Santo. É muita coisa que requer tempo e paciência250. As confrarias citadas estavam nesse momento “suspensas em virtude [de] irregularidade na existência das mesmas”251. Sem referência, às outras tantas irmandades, nas cartas e requerimentos feitos pelo padre Florisvaldo, nem mesmo da efetiva volta ás atividades dos irmãos das Santas Almas e do Divino Espírito Santo, só podemos afirmar que continuaram a funcionar as confrarias de Nossa Senhora da Conceição, Santíssimo Sacramento e São Bartolomeu. Da primeira, informa o próprio arcebispado que depois do favorável parecer do Monsenhor e Procurador, achou-se por bem aprovar o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, ereta na Igreja Matriz de Maragogipe, atualizado e reformado de acordo com o direito canônico, o qual foi submetido ao nosso juízo e está escrito em cinco folhas datilografadas, todas rubricadas pelo secretario do arcebispado constando de oito capítulos e quarenta e seis artigos conforme nos foi apresentados, após as emendas propostas pelo Revmo. Provedor do Arcebispado.252 Conforme orientações, depois de acrescentadas as emendas no Compromisso aprovado, foram enviadas para a Cúria Metropolitana uma cópia rubricada e outras impressas para serrem arquivadas. Quanto à irmandade do Santíssimo Sacramento, logo no ano de 1943, é requerida a aprovação da nova mesa diretora que trabalharia na sua restauração. Foi aproveitada a solene festa de Corpus Christi, de 24 de julho, como o dia em que os trabalhos recomeçariam, para ser informando aos fiéis quem seriam os irmãos que conduziriam a partir de então os louvores ao Corpo de Cristo (quadro 4). IRMANDADE DO S. S. SACRAMENTO DA PARÓQUIA DE MARAGOGIPE Para a reorganização da Irmandade e para o ano social de 1943 a 1944 Presidente 250 Padre Florisvaldo José de Souza Carta do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 251 Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 252 Carta do Arcebispado Primaz da Bahia informando a aprovação do Compromisso da Irmandade de Nossa da Conceição. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 80 Juiz Tesoureiro 1º. Procurador 2º. Procurador Snr. Sylvio Vieira de Melo Anfilófio Vieira de Melo José Hermes de Castro Tobias Gonçalves MESÁRIOS Snr. Cel. Oscar de Araújo Guerreiro Dr. Abílio Alves Peixoto Snr. Antonio Barboza de Souza Snr. Raul Leonídio Guerreiro Snr. Claudionor Fernandes Snr. Corbiniano Rocha Snr. Reinaldo de Moraes Snr. Leonel Estellita Tourinho Snr. Corintho Ferreira Snr. Vitoriano Alves de Souza Snr. Clodoaldo Malaquias Snr. João Raimundo Fernandes Quadro 4 – Mesa Administrativa eleita em sessão de 24 de junho de 1943, dia solene de “Corpus – Christi”253. As Mesas da Irmandade de São Bartolomeu e da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, foram respectivamente aprovadas em maio e outubro do mesmo ano (quadros 5 e 6). Algumas pessoas participaram de mais de uma irmandade. Isso demonstra que esses irmãos pertenciam a um seleto grupo, escolhido pelo padre Florisvaldo José de Souza. Certamente, formado por pessoas que atendiam às características ressaltadas no Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu (ver próximo tópico). IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DA PARÓQUIA DE MARAGOGIPE Juiz Tesoureiro Escrivão Procuradores Áureo Boaventura Guerreiro Raul Leonídio Guerreiro Salmanzar de Jesus João Melo e Albuquerque Manoel Vespasiano dos Santos Antonio Crisóstomo de Moraes João Thomaz da Silva MESÁRIOS 253 LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias. 81 Snr. Álvaro Pereira de Brito Snr. Alexandre Ribeiro da Conceição Snr. Claudionor Fernandes Snr. Bartolomeu de Souza Santos Snr. Aderbal Gusmão Snr. Ignácio Bartholomeu da Silva Snr. Manoel Gregório da Costa Quadro 5 – Mesa administrativa eleita para o exercício de 1943 – 1945254. Entre doutores e coronéis, nomes de prestígio social em Maragogipe, como Oscar de Araújo Guerreiro, político que chegou a ser prefeito de Maragogipe por mais de uma vez, Anfilófio Vieira de Melo, que, além de alto funcionário público, era político influente do Partido Social Democrático (PSD), Raul Leonídio Guerreiro, Corbiniano Rocha, que, além de funcionário do escritório da Suerdieck, era político do PSD, entre outros que também participavam da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição e da Irmandade de São Bartolomeu. Sobre eles, daremos mais informações no desenrolar das discussões sobre a forma como a Irmandade conduziu a festa de seu orago (capítulo 3). IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU DA PARÓQUIA DE MARAGOGIPE Juiz Tesoureiro Escrivão Procuradores Cel. Oscar de Araújo Guerreiro Sr. Bartolomeu José dos Santos Sr. Abelardo Sacramento Sr. João Thomaz da Silva Benigno dos Santos Rebouças Apúlio Gonçalves Pimentel Manoel Veríssimo dos Santos Dr. Cláudio Rodrigues da Costa MESÁRIOS Snr. Sr. Áureo Boaventura Guerreiro Snr. Anfílófio Vieira de Melo Snr. Abdom Pinto Snr. Bartolomeu de Souza Santos Snr. Manoel Geminiano Barbosa Snr. Péricles Figueiredo Snr. Salmanazar de Jesus 254 LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias. 82 Quadro 6 – Mesa Administrativa eleita em sessão extraordinária de organização da Irmandade no dia 20 de maio de 1943255. Os indícios nos levam a acreditar que havia uma intenção do padre Florisvaldo na restauração de algumas dessas confrarias, haja vista a forma como ele se posicionava nas correspondências. No primeiro requerimento ao arcebispado em 1942, ele envia antecipadamente os Compromissos das irmandades da Conceição e de São Bartolomeu afirmando que isso “facilitará e abreviará a normalização das funções das ditas irmandades”256. “Atendendo a necessidade urgente da restauração da Irmandade do Santíssimo Sacramento”257, um ano depois, ele encaminha os nomes da Mesa Diretora que cuidaria desse processo. Mais tarde, em 1945, ele mesmo assumiu a presidência dos trabalhos de eleição da Mesa Administrativa da Irmandade da Conceição, como o fez também no processo eleitoral da irmandade de São Bartolomeu. Como o próprio reverendo afirmou, “[era] muita coisa que [requeria] tempo e paciência”258. Talvez a vivência da fé, que seguia uma dinâmica de atividades ligadas às irmandades, desde o período imperial, fosse forte o suficiente para não se deixar substituir por outras organizações. Algumas bibliografias apontam que as confrarias, durante a fase republicana, não mais se fizeram necessárias, e que “esse tipo de associação passou a ser marginalizado pela Igreja oficial que começou a valorizar um novo tipo de associação religiosa mais vinculada ao clero, como o Apostolado da Oração as Congregações Marianas e as Filhas de Maria” 259. A estratégia utilizada pelo clero ultramontano era de “não combater diretamente as devoções tradicionais, limitando-se a não participar delas e a condenar os excessos cometidos durante as festas de santos, com a dança, a bebida e o mau uso do dinheiro recolhido pelos devotos”260. O historiador João José Reis, levando em consideração a intensa atividade das irmandades ligada à morte, afirma que, ainda na primeira metade do XIX, elas já vinham se declinando. Segundo ele, a separação entre os fiéis e seus mortos, quando estes foram 255 LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Capelas e Paróquias. Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 257 Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 258 Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando as alterações feitas no Compromisso da irmandade da Conceição. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 259 AZZI, 1992, p. 234. 260 OLIVEIRA, 1985, p. 285. 256 83 colocados nos cemitérios, feriu “mortalmente o poder das irmandades”261. Já Kátia Matoso afirma ser a década de 1870 o início da decadência das confrarias religiosas262. Partamos do exemplo da Irmandade de São Bartolomeu para fazer algumas ressalvas aos pensamentos que citamos. Mesmo sem poder enterrar seus irmãos nos templos, as irmandades não deixaram de prestar assistências na hora da morte e sufrágios como também as missas continuaram a acontecer. Além disso, uma das principais atividades das irmandades, e no caso da confraria dedicada a São Bartolomeu, o principal objetivo era o culto ao seu orago. Foi esse também o motivo da sua reativação, acreditamos, em 1912, e afirmamos com certeza, em 1943. Festas que, ainda hoje compõem o bojo das tradições religiosas da então paróquia de Maragogipe, como o 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, o dia 08 de dezembro dedicado a Nossa Senhora da Conceição, mais o dia de Corpus Christi263, são as celebrações religiosas mais populares. Essas devoções começaram ou tomaram proporções maiores graças às suas irmandades. O comum seria que, estando essas irmandades inativas, pelas propostas da Romanização, seriam substituídas pelas associações apostólicas como o Apostolado da Oração, que mantinha a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, As filhas de Maria e a Legião de Maria, ou mesmo pelas devoções difundidas por congregações religiosas em santos, como Nossa Senhora do perpétuo Socorro e Santo Afonso de Liguori, ligados aos redentoristas, Nossa Senhora Auxiliadora e São João Bosco, ligados aos salesianos, São Luis Gonzaga, aos jesuítas. Era essa a estratégia do processo romanizador da Igreja. Na Bahia, as Cartas Pastorais eram bem claras quando tratavam desse assunto, diferenciando-se as Obras Pias das Confrarias, apresentavam também os critérios para suas criações em que, se nota a facilidade concedida às primeiras: As confrarias só podem ser constituídas por meio de um decreto formal de ereção. Para as Pias Uniões serem estabelecidas, basta a aprovação do Ordinário, a qual uma vez obtida, as pias uniões, ainda que não sejam pessoas morais, são, são capazes de obter graças espirituais e especialmente indulgências264. Maragogipe não era uma comunidade rural, onde o processo da substituição das irmandades pelas associações religiosas pudesse encontrar a dificuldade da não “presença 261 REIS, 1991, p. 318. MATTOSO, 1992, p. 400-401. 263 A celebração de Corpus Christi não se realiza em uma data fixa. Ela sempre acontece na primeira quinta-feira 60 dias depois da Páscoa. 264 Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1919, p. 83. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 262 84 constante do vigário”, que era “um agente permanente da romanização”265 no trabalho de cercear as irmandades, nem estava isolada do contato com sua Arquidiocese. E mesmo com a implantação de algumas dessas associações, como o Apostolado da Oração, As filhas de Maria e a Associação Vicentina, não se deu uma substituição de todas as irmandades por elas. Assim, as irmandades ainda se fizeram necessárias para manter a tradição de cultos de grande ressonância entre os fiéis. Talvez, esteja aí, uma explicação para entendermos as motivações do Padre Florisvaldo na restauração dessas confrarias e um dos critérios que ele usou para eleger quais delas restaurar, sem deixar de lado, claro, que os membros das três irmandades, que mencionamos, eram pessoas da elite de Maragogipe ou de certo prestígio social. Fica bem evidente, nas correspondências do padre Florisvaldo, sua preocupação com a suspensão das confrarias, por não estarem dentro da regularidade e ao pedir a aprovação da irmandade do Sacramento em 1943, empenha-se em abreviar o processo para que a confraria “continue suas tradições, suas glórias, suas atividades, para a glória de Deus e o bem e proveito das almas”266. O mesmo faz com a Irmandade de São Bartolomeu, só que dessa vez, de forma mais explícita. Peço-lhe encaminhá-los ao Excelentíssimo Prelado como, para os caminhos legais até a aprovação de tudo, solicitando ainda se possível o seu cuidado de pedir urgência nos despachos (exceção ao sr, Arcebispo, por quem temos de esperar humildes e pacientemente), pois desejaria dar posse aos mesários e fazer funcionar a Irmandade no domingo do Espírito Santo. Se por acaso, a revisão do Compromisso demorar, pelo menos que viesse a aprovação da mesa pois deve a mesma cuidar logo da festa do padroeiro.267 Mesmo pedindo pressa no despacho do processo de aprovação do Compromisso já reformado, foi enfatizada a aprovação da mesa, pois ela se fazia necessária nos preparativos da festa do padroeiro. A resposta é favorável, e, em 18 de junho do mesmo ano, responde o secretário do Arcebispado, que tinha “a grata satisfação de transmitir a [...] aprovação de S. Exma. Revma. o Sr. Arcebispo Primaz à “Mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu” dessa Paróquia[...]”268. 265 OLIVEIRA, 1985, p. 288. Carta do Padre Florisvaldo José de Souza informando a eleição da mesa diretora da irmandade do santíssimo Sacramento. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 267 Carta do padre Florisvaldo José de Souza ao Padre Eliseu Simões Mendes, Secretário do Arcebispado pedindo urgência na aprovação do compromisso e da mesa administrativa da irmandade de São Bartolomeu. . Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 268 Carta do Secretário do Arcebispado da Bahia o Padre Eliseu Simões Mendes ao padre Florisvaldo José de Souza, transmitindo a aprovação da mesma administrativa da Irmandade de São Bartolomeu. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 266 85 Precisamos ressaltar que o retorno dessas confrarias às atividades, desde o início do século XX, em Maragogipe, se deu já sob um controle maior do crivo dos eclesiásticos. Em muitos lugares, onde as irmandades foram integradas ao novo contexto, elas perderam o caráter de confraria e se tornaram associações paroquiais269. Com isso, perderam a autonomia que tinham e não mais eram chefiadas por leigos, mas pelo próprio vigário. No cenário religioso de Maragogipe, elas se mantiveram enquanto associações leigas, porém, sob vigilância eclesiástica. A Mesa Administrativa de 1912, por exemplo, contou com a participação do padre Gustavo A. Marinho das Neves no cargo de Juiz, e do padre Adolpho José da Costa Cerqueira como Consultor (quadro 6). Gustavo Adolpho Marinho das Neves era natural da freguesia de Iguape, quando foi dado início o seu processo de genere, o já então seminarista residia na freguesia de Sant‟Anna d‟Aldeia. Seus pais Alvino das Neves Marinho e D. Hermenegilda de Azevedo Neves, seus avós paternos de Joaquim das Neves Nascimento e D. Maria Luiza Marinho, e avó materna Maria Virgínia do Nascimento, todos católicos e praticantes, atestavam a fidelidade do seminarista à Igreja. No intuito de receber ordens, menores e sacras, para tornar-se presbítero, pelo processo de genere, Gustavo Adolpho Marinho das Neves foi habilitado em 1879270. O depoimento do vigário da freguesia de Sant‟Anna d‟Aldeia Umbelino José de Azevedo deve ter contribuído para sua habilitação: E quando assim, como pároco desta freguesia onde é ele morador tenho a informar a V. Rvma. Que o seminarista é de certo de boa vida e costumes, sempre aplicado desde menino aos serviços de Deus e exerceu o cargo de sacristão por mais de doze anos na Freguesia de São Tiago do Iguape sendo eu vigário da mesma Freguesia, onde o conheci e a seus pais Alvino das Neves Marinho e sua mulher D. Hermenegilda de Azevedo Neves, pessoas de boa qualidade, bem conceituadas em vida e costumes, descendendo de boa família da que tenho perfeito conhecimento271. Adolpho José da Costa Cerqueira, natural da freguesia de Maragogipe, assim como seus pais Doutor José Antonio da Costa Cerqueira e Dona Maria Ângela Cerqueira, foi habilitado pelo processo de genere em 1877. Assim como Gustavo Adolpho Marinho das Neves, também recebeu formação eclesiástica depois das iniciativas de Dom Romualdo. Assim, podemos considerá-los da nova geração de padres mais especializados provenientes 269 Ver OLIVEIRA, 1985, p. 287-291. O autor traz como exemplo a pesquisa de O. Nogueira intitulada Família e comunidade, em que essa idéia é discutida a partir da irmandade do Santíssimo Sacramento que perde seu caráter de confraria e tem todo seu compromisso alterado para tornar-se uma associação paroquial. 270 Processo de genere de Adolpho José da Costa Cerqueira. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 14, estante 01, 50PA04. 271 Processo de genere de Gustavo Adolpho Marinho das Neves. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 06, estante 01, 19GE16. 86 do seminário, e que tornaram “a Igreja mais clericalizada pela hegemonia de seu corpo sacerdotal”272. Certamente cumpriram esse papel religioso em suas atuações na Irmandade de São Bartolomeu. IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU DE MARAGOGIPE Cargo Nome Posição Social Rvmo. Gustavo A. Marinho das Neves Cônego/Eclesiástico Juiz Exma. Sr. D. Adélia Amado de Souza Juíza Snr. Victoriano Alves de Souza Capitão Tesoureiro Snr. Januario Soriano de Jesus Escrivão Snr. Antonio Pereira de Brito Procuradores Tº. Cornélio Florentino de Souza Rvmo. Adolpho José da Costa Cerqueira Cônego/Eclesiástico Consultores Crescenciano de Melo e Albuquerque Major Affonso de Santana Rebouças Capitão Arthur de Souza Bittencourt Capitão Crescenciano Alves de Souza Capitão Manoel Pereira Rebouças Capitão Porphirio José de Queiroz Tenente Manoel Amâncio Malaquias Tenente Alfredo Cândido da Costa Capitão Comissão Auxiliar Manoel Pereira de Souza Capitão Affonso de Santana Rebouças Capitão Arthur de Souza Bittencourt Capitão Secondino da Costa e Almeida Tenente Porphirio José de Queiroz Tenente Leonardo Alves Bandeira Tenente José Pereira de Brito Tenente Quadro 7 – Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1912-1913. Afirma Miceli que as duas primeiras décadas do regime republicano constituiu um momento particularmente crítico para a Igreja Católica brasileira. Tendo que enfrentar movimentos sociais da magnitude de Juazeiro, Canudos e Contestado, e encontrar soluções viáveis para manutenção e expansão de suas instituições, os dirigentes eclesiásticos viram seus esforços condicionados, quer pela necessidade de negociar fórmulas de acomodação com as elites oligárquicas, quer pelas diretrizes impostas pela política pontifícia de “romanização” nas regiões periféricas273. 272 273 SILVA, 2000, p. 157. MICELI, Sergio. A elite eclesiástica brasileira: 1890-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 135. 87 Foi dessa geração que fizeram parte os reverendos, membros da Mesa Administrativa de 1912, e que talvez seja a de formação mais peculiar dentre as que encontramos. Dos seus 22 membros 17 eram militares de patentes como capitão, tenente e major. A presença de tantos militares numa confraria religiosa, que tinha por finalidade conduzir um culto a um santo católico é intrigante, haja vista a ligação dos militares com o positivismo desde o período imperial, quando “os positivistas brasileiros encontrarão, de seu lado, no exército, um poder já ativo, visando a uma política global para o País”274. Uma política que previa a “necessidade de suprimir a religião transcendente da vida pública, reiterando as premissas da soberania laica”275, como se concretizou na Proclamação da República. Mas, a Mesa Administrativa formada em 1912, estava relacionada com os posicionamentos que a Igreja foi tomando no desenrolar da República, como forma de se adequar ao novo regime político. Tratando sobre isso, Lustosa define dois momentos de reações diferentes da Igreja276. O primeiro, iniciado em 1889, e que se estende até 1910, seria o momento da desconfiança perante o Estado laico e da insegurança da Igreja e “que serviu de ponto de partida e de base pra o comportamento de poder civil em face às questões religiosas”277. O segundo momento é definido como, a lenta busca da reconciliação e estendeu-se de 1910 a 1930. Mesmo que, antes desse ano a Igreja já estivesse “entrando no esquema do status quo governamental”278, foi em 1910, com a Pastoral Coletiva, carta resultante da Conferência Episcopal dos Prelados do Sul do Brasil, que fica evidente a discreta posição de apóio governamental por parte da Igreja, que ressaltou a necessidade de “orientar bem os votos dos católicos, e a colaboração espiritual através da oração por todos os que detêm parcelas de poder no país”279. Encontramos aí as razões para a composição da Mesa Administrativa em questão, ou seja, o processo da reconciliação da Igreja com o poder político da República que foi se consolidando ao longo da primeira metade do século XX, fazendo com que a “linguagem dos católicos ultramontanos e dos bispos, outrora tão rude e agressiva, contra o Estado laico e ateu, [mudasse] agora de registro e de tom, achando que a situação de fato, criada com a separação de 1890, foi uma bênção”280. 274 ROMANO, 1979, p. 119. Ibidem, p. 120. 276 Ver o Capítulo I de LUSTOSA, Oscar F. A Igreja Católica no Brasil República. Cem anos de Compromisso (1889-1989). São Paulo: Edições Paulinas, 1991. 277 Ibidem, p. 17. 278 LUSTOSA, 1991, p. 27. 279 Ibidem, p. 33. 280 Ibidem, p. 33-34. 275 88 Eclesiásticos e militares, juntos na preparação e direção da Festa de São Bartolomeu, eis uma sinal da ressonância da aliança entre a Igreja e os poderes instituídos a nível local. No entanto, uma aliança que esteve sob a vigilância dos vigários Gustavo A. Marinho das Neves, chefiando o primeiro escalão dos mesários composto pelo tesoureiro, escrivão e procuradores, e Adolpho S. da Costa Cerqueira, encabeçando a lista dos consultores, mesários que assumiam funções menos relevantes. A Vigilância do clero romanizado não deixou de ser feita quando a aliança da Igreja com o Estado se fez necessária. Acreditamos que essa Mesa Administrativa tenha sido feita excepcionalmente pelos motivos que já citamos, mas também para conduzir a Irmandade após a Reforma, assegurando-lhe certo respaldo social, haja vista que em nenhum outro momento, ao longo da existência da Irmandade, termos encontrado tantos militares e dois vigários compondo a Mesa Administrativa. A atitude do padre Florisvaldo, em 1943, de reativar as irmandades, deu prosseguimento ao processo da romanização. No periódico o Luzeiro, do qual era diretor e redator, e que em 1947, já contava com dez anos de circulação, o referido vigário escreveu uma nota sobre a festa de São Bartolomeu da maneira seguinte: Depois do Pregão e do Bando Anunciador, está em preparativos febris toda a cidade para festa solene do PADROEIRO SÃO BARTOLOMEU este ano com a singularidade ou a solenidade de um Pontifical pelo exmo. e revmo. Sr. D. Florêncio Sinízio Vieira. 1º bispo de Amargosa e que em 1929 paroquiou esta freguesia quando vigário de São Felipe. Pelo programa amplamente espalhado pela cidade prevê-se uma imponente festa que animará ainda mais a devoção ao Padroeiro queridíssimo e tudo, por certo, a afervorar a piedade sólida que merece tal devoção, de vez que o Padroeiro foi apóstolo e Mártir de um terrível Martírio para confessar a sua fé, o seu amor ao Divino Mestre. Que Maragogipe celebre as glórias do padroeiro, mas com os atos internos e externos que indiquem ou confirmam verdadeira devoção. E São Bartolomeu proteja, anime a faça feliz a todos281 O texto do padre Florisvaldo é bem voltado para a programação religiosa da festa e mesmo quando se refere às atividades “externas”, de forma implícita, ele alerta para que os fiéis se comportem de maneira a demonstrar “verdadeira devoção”. O vigário não deixa de frisar o real motivo da festa, o apóstolo São Bartolomeu, e o que essa comemoração deveria despertar nos fiéis, ânimo na devoção e afervoramento da piedade cristã inspirada no martírio e sofrimento do apóstolo. Ao lado da notícia da festa do padroeiro, ele colocou a programação do “Jubileu de Ouro da Pia União das Filhas de Maria”. O texto enfatiza bem as solenidades religiosas e os padres que iriam presidir cada momento: 281 Luzeiro, ano X, nº. 162 de 10/08/1947. 89 Maragogipe prepara-se para assistir as grandes solenidades do Jubileu de Ouro da fundação da Pia União das Filhas de Maria. Os atos solenes começarão no dia 06 com o novenário de preparação, havendo no dia 15, missas de Primeira Comunhão e comunhão geral, recepção de 35 senhorinhas e meninas na Pia União, sermão do Padre Francisco Dórea, efetivação da Ação católica pelo exmo. e revmo. Sr. Vigário Geral da A. C., Monsenhor dr. Antonio Mendonça Monteiro, e TeDeum. No dia 16 – Recepção do exmo. e revmo. Sr. Arcebispo Primaz, de sacerdotes ilustres e representações de Filhas de Maria da Capital. Dia 17 – Missa de Comunhão, às 7 horas pelo exmo. sr. Arcebispo, missa solene às 10 horas com assistência Pontifical e sermão do Monsenhor dr. Mendonça Monteiro. Procissão Soleníssima, e Consagração da Paróquia ao Imaculado Coração de Maria, no encerramento pomposo das solenidades pelo insigne Arcebispo Primaz282. A estratégia do padre Florisvaldo, colocando as notícias, uma ao lado da outra, fazendo advertências sucintas para a festa de São Bartolomeu e enfatizando a programação puramente religiosa da Pia União das Filhas de Maria, nos remete a Oliveira, quando afirma que “veiculando representações religiosas, o aparelho religioso age sobre a consciência, a vontade, os sentimentos de indivíduos e grupos de modo a guiar seus comportamentos”283. Ou pelo menos tentar, haja vista que, a festa de São Bartolomeu continuou a crescer principalmente nas suas manifestações populares externas ao programa religioso. Isso indica que a reativação das confrarias foi cerceada pelo controle do clérigo local. As cartas referentes às suas restaurações e reforma de Compromissos eram respondidas pelo Arcebispado sempre frisando a recomendação de que “apresent[assem] os projetos dos respectivos seus Compromissos organizados conforme o Código do Direito Canônico e sob a direção imediata do Revmo. Pároco”284. No entanto, os leigos ainda mantiveram certa autonomia na condução de atividades como a organização da festa do padroeiro, e mesmo com o alerta do padre Florisvaldo, como vimos acima, os irmãos de São Bartolomeu se dedicavam e despendiam quantias, também, em eventos de diversão fora da Igreja. Isso demonstra uma preocupação do clero voltada mais para a composição da Irmandade e o comportamento de seus membros, do que para a programação da festa. Pela análise do Compromisso da Irmandade reformado, em 1943, perceberemos melhor isso, bem como as interferências diretas que o controle eclesiástico trouxe para essa confraria. 2.3 AS REGRAS DA ROMANIZAÇÃO E A IRMANDADE. 282 Ibidem. OLIVEIRA, 1985, p. 296. 284 Requerimento do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispo da Bahia para restauração de algumas irmandades de Maragogipe. Caixa de Capelas e Paróquias. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 283 90 Como já vimos, a restauração de algumas irmandades se deu em razão de sua ligação com as festas mais populares do receituário da fé dos católicos, e também, por serem seus membros da elite da cidade, grupo com o qual a Igreja procurou se afinar depois da República, chegando ao ponto de, nos cultos, reservar para pessoas ilustres, “segundo sua dignidade e grau [...] um lugar distinto, segundo as regras litúrgicas” 285. Assim, sua estratégia foi conduzir as irmandades a outra dinâmica, em que se aproximaram muito das associações religiosas trazidas pela romanização, pelo menos no caráter estatutário. Se “um aparelho hegemônico funciona na medida em que veicula representações, isto é, na medida em que as idéias e práticas simbólicas que ele produz ou sistematiza são transmitidas e incorporadas à consciência e à prática dos atores sociais” 286, então, podemos caracterizar dessa forma a Igreja, na medida em que veiculou a devoção aos santos. Mas, ao passarem para os domínios dos irmãos leigos através das irmandades, nessas devoções foram impressas suas marcas. Assim, no desenrolar do período colonial e imperial, os irmãos que compunham as mesas administrativas das irmandades foram os agentes que assumiram o controle das práticas devocionais. Com o processo da romanização, o aparelho burocrático da Igreja buscou de forma contundente controlar essas devoções no intuito de retirar essas marcas das irmandades, e fez isso cerceando sua autonomia e tentando conduzi-las a uma nova vivência segundo os preceitos do clero renovado e afinado com Roma. Assim, a Igreja buscava retomar sua a função de “regularidade”287 na vivência devocional. A Irmandade de São Bartolomeu passou por esse processo de interferências, que a relegou, em termos organizacionais, aos mandos dos vigários. Como informa o padre Florisvaldo, o seu Compromisso já havia passado por uma reforma em 1912, e acreditamos que tenha regido a Irmandade até 1918, quando entrou em vigor o novo Código de Direito Canônico. Segundo a Carta Pastoral de 1918, escrita por Dom Jerônymo Tomé da Silva, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, O Código de Direito Canônico, já reclamado no Concílio Vaticano, por muitos Bispos, e começado há doze anos, depois de ouvidos os pareceres do Episcopado, que sugeriu úteis modificações, tanto no fundo quanto na forma, ao Schema que lhe foi apresentado, teve, enfim, sua promulgação no dia 27 de maio de 1917, festa de Pentencostes, pela citada Constituição Apostólica Providentíssima Mater Ecclesia, estabelecendo o santo padre que ele só 285 Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1919, p. 67. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 286 OLIVEIRA, 1985, p. 296. 287 RICOEUR, 2007, p. 132. Ao discutir “os principais usos da idéia de instituição”, o autor mostra como eles podem ser amplos, mas, destaca principalmente a sua função de regular a vida social. 91 começasse a vigorar no dia de Pentencostes de 1918, isto é a 19 de maio do corrente ano288. Mas, as alterações necessárias para que o Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu se adequasse ao novo Código de Direito Canônico só foram feitas em 1943, pelo padre Florisvaldo, resultando no documento impresso em 1947 que vamos analisar comparando-o com o primeiro elaborado em 1851. Aprovado em 20 de agosto de 1943, por Dom Augusto Álvaro da Silva (Arcebispo de Salvador entre 1924-1968), o Compromisso enviado pelo Padre Florisvaldo, em 23 de maio do mesmo ano, já contava com as adequações exigidas pelo arcebispado, feitas pelo próprio reverendo. Datilografado em 17 folhas, com oito capítulos e 46 artigos, ele foi submetido a juízo para verificar se tudo estava de acordo com o Código do Direito Canônico e com o Concílio Plenário Brasileiro289, para os efeitos civis segundo o Decreto 18.542 de 24 de dezembro de 1928290, e registrado na folha 38 do livro de numero sete de Registros de Portarias do Arcebispado. Em relação ao primeiro, elaborado em 1851, a estrutura do Compromisso foi alterada, alguns capítulos a menos, mas, um texto muito maior e mais detalhado, principalmente no tocante às funções dos oficiais da mesa, os limites de sua atuação e sua submissão à hierarquia eclesiástica. O motivo principal da existência da irmandade não foi alterado, o “esplendor do culto ao santo apóstolo São Bartolomeu” continuou sendo o que parecia ser também o objetivo de sua restauração. Os irmãos, além de “propagar e tornar estimada a devoção ao seu Santo Patrono”, precisavam dar o “bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã e pelo espírito de submissão à Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, nas pessoas dos seus Superiores Hierárquicos” 291 . O capítulo III é bem revelador do controle pretendido pela Igreja, na qualidade dos fiéis católicos. Vejamos o artigo 6 do terceiro capítulo do Compromisso de 1943: a) b) c) d) e) 288 - Que seja Católico, Apostólico e Romano. - Que como Tal assista a Santa Missa aos domingos e dias santificados. - Que comungue ao menos, pela Páscoa. - Que admita humildemente todo o ensino da Santa Madre Igreja. - Que não pertença a seita ou sociedade alguma condenada pela Igreja. Carta Pastoral de Dom Jerônymo Tomé da Silva, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, 1918, p. 02. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 289 O Primeiro Concílio Plenário ocorreu em setembro de 1939 e reuniu todo o Episcopado Nacional. 290 O Decreto Federal de 24 de dezembro de 1928 tratava da execução dos serviços concernentes aos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil. 291 Art. 2.º. Capítulo I. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 92 f) - Que não seja, em vês de casado religiosamente, ligado só civilmente292. Não gozando mais da estabilidade de uma organização oficial do Estado, a Igreja precisava criar “novas bases sociais de sustentação”293. Reformar apenas o aparelho eclesiástico não lhe garantiria sobrevivência no novo contexto social e político. As exigências para ser confrade da Irmandade constitu´ram, na verdade, uma “estratégia”294 que deveria garantir a assiduidade dos fiéis, e guiá-los à vivência de uma fé que não estivesse ligada a nenhum elemento contrário aos preceitos católicos romanizados. Essas exigências haviam sido previstas na Carta Pastoral Coletiva desde 1915, quando foram estabelecidas as instruções para a reforma nos compromissos das irmandades e confrarias. Assim rezava o documento episcopal: “além de ser católico, é necessário que seja pessoa de bons costumes, que admita tudo o que a Santa Madre Igreja ensina, que não pertença a sociedade alguma condenada pela Igreja, e que não seja, em vez de casado, ligado somente pelo contrato civil”295. O último item, relacionado à união conjugal necessária para a entrada na irmandade, que nos apresenta as duas citações, é colocado em destaque no Compromisso de 1943. Assim como os outros ele traz uma das preocupações e objetivos da Igreja romanizada, “a espiritualidade centrada na prática dos sacramentos e o senso da hierarquia eclesiástica” 296 . Desde a sua separação oficial do Estado, com a Proclamação da República, a Igreja já se posicionava veementemente contra a união civil. Não podia ser mais eloqüente e expressiva a manifestação de repulsa que vota o povo ao tal casamento civil, que, apesar de ser exigida pela civilização, como pretendem alguns defensores das instituições de data recente, não teve ainda direito de cidade na grande República dos Estados Unidos, onde os casamentos são deixados à religião, a cuja alçada pertencem de direito nacional297. 292 Grifo no original. OLIVEIRA, 1985, p. 283 294 CERTEAU, Michael De. A invenção do cotidiano: artes do fazer. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 1990, p. 99. Certeau chama de estratégia “o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica) pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças [...]”. a Irmandade de São Bartolomeu é então o lugar circunscrito para coibir a ameaça de indivíduos e práticas que pudessem desvirtuar a ordem pretendida pela romanização. 295 Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1915, p. 49. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 296 OLIVEIRA, 1985, p. 283-284. 297 “Leituras Religiosas da Bahia” (04/1889 a 08/1906); Leituras Religiosas, 1 de junho de 1890. p. 72. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBa) - Seção de microfilmes. 293 93 Não podemos garantir que, de fato, essa repulsa ao casamento civil fosse uma iniciativa popular. Mas, é certo que, mais que uma oposição ao novo sistema político, o que a Igreja estava tentando resguardar era o seu controle sobre a união conjugal. A união civil, trazida pelo regime republicano, colocava em xeque o sacramento do matrimônio, e isso seria para ela mais um problema, entre os tantos que ela precisava resolver para se manter enquanto instituição mantenedora dos preceitos religiosos que defendia. No Compromisso de 1851, o único momento em que o vigário se fazia necessário, além das celebrações das missas, era no ato de eleição da nova mesa administrativa, conforme reza o Compromisso: “A este ato não poderá deixar de assistir o Reverendo Pároco, ou o seu substituto, os quais não terão voto algum nesta eleição, salvo o direito de lhes pertencer como membros de algum dos cargos da mesa”298. Pelas listas das Mesas Administrativas que encontramos, foi somente em 1912 que dois padres estiveram na condição de irmãos, assumindo os cargos de Juiz e Consultor, como já citamos acima. No ato da eleição, o vigário apenas assinava a ata como forma de dar probidade ao processo. Essa é uma das pouquíssimas menções que se faz ao chefe eclesiástico local. No entanto, a situação muda muito no Compromisso de 1943, quando a figura do padre esteve presente na maioria dos acontecimentos de ordem administrativa. Isso garantiu o controle dessa confraria pelos clérigos. Ao tratar da composição da mesa administrativa o artigo dez reza: Para o bom andamento da Irmandade, haverá uma Mesa Administrativa composta de um Presidente que é o Rvmo. Vigário, um Juiz, um Tesoureiro, um escrivão, quatro Procuradores e oito Consultores. Cada um dos membros desta Mesa terá a denominação de mesário299. Enquanto presidente, o vigário passou a presidir todas as sessões ordinárias e extraordinárias que acontecessem, e poderia, além de opinar como um membro da irmandade, decidir em questões de empate. Aliás, o vigário da paróquia era o único membro vitalício da Irmandade como rezava o Compromisso: “A mesa Administrativa, à exceção do Rvmo. Presidente será eleita anualmente, na primeira sessão ordinária de Assembléia Geral, podendo qualquer dos mesários ser reeleito”300. Depois de 1912, quando, excepcionalmente, um vigário esteve no cargo de juiz, em todas as composições das Mesas Administrativas seguintes eles assumiram o cargo de “Presidente de honra”. 298 Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Art. 10. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 300 Art. 11. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 299 Dessa forma, a mesa 94 administrativa somente realizava os trabalhos, a liderança e os rumos da irmandade estavam sob seu controle Esta situação era bem diferente em 1851, quando, sobre o juiz, foi dito: “eleito, presidirá todos os atos dela”, isso pelo prazo de um ano, podendo isso ser alterado por um período igual, “se por sua devoção o quiser”301. Em tempos da Igreja romanizada, a devoção não era mais o critério para que o cargo se estendesse, agora, a reeleição dependia da aprovação do Rvmo. Presidente e Vigário. Estando ele com o poder máximo de deliberação na irmandade, ao juiz, cabia somente a função de organizador dos serviços e eventos como marcar dias de sessão e convocação dos mesários, designar os irmãos que iriam servir nos atos em que se fizessem necessárias suas presenças, alertar os demais membros no cumprimento de seus deveres e conferir os livros de anotações da irmandade. No parágrafo seis do capítulo que trata das funções do juiz é postulado que “nas questões ventiladas em sessão, em casos de empate tem ainda o Juiz o direito de decidir”, mas, o parágrafo seguinte tira todo o efeito dessa resolução ao afirmar que “a última palavra, em caso de dissídios com as referidas questões, será sempre do Rvmo. Vigário e Presidente, cuja determinação devem os mesários acatar”. Assim, a manutenção da ordem pretendida pela Igreja, era mobilizada, contando com a “crença” “na legitimidade das palavras”302 do representante da Igreja que as pronunciava. A única brecha para uma possível decisão, sem anteriormente comunicar à mesa e ao reverendo, era que deveria “dar as providências necessárias nos casos urgentes sempre que a Mesa não [pudesse] reunir-se, devendo, porém, na primeira sessão dar conhecimento à mesma de tudo o que [tivesse] feito” 303 . Assim, o juiz não passava de um administrador, que deveria apresentar por ocasião da posse da nova Mesa Administrativa um relatório minucioso de todo o movimento da Irmandade durante o ano de sua gestão fazendo menção do estado financeiro da mesma. Este relatório [deveria] ser sempre apresentado, ainda mesmo que o Juiz [fosse] reeleito304. A escolha das Mesas Administrativas eram feitas pela indicação dos irmãos ocupantes de cada um dos cargos. Isso é modificado, e o Compromisso renovado diz que O juiz que terminar o seu mandato, em harmonia de vistas com o Rvmo. Vigário e demais mesários, poderá apresentar à escolha do eleitorado uma 301 Capítulo III. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 15. Para Bourdieu, “o que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem [...] é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia. No caso da irmandade de São Bartolomeu, essa interferência do vigário é legitimada pela instituição que ele representa, a Igreja. 303 Art. 15. Capítulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 304 Ibidem. 302 95 lista com o nome de três pessoas para uma delas o substituir no cargo de juiz da irmandade, sendo todavia, livres os eleitores na aceitação da proposta305. A esse número, a mesa poderia acrescentar mais dois nomes e a eleição procedia para a escolha do novo juiz que, eleito, apresentava dois nomes para tesoureiro. O tesoureiro eleito escolhia seus procuradores e apresentava dois nomes para escrivão, e estes juntando à mesa outros três para então ser escolhido um. Os oito consultores eram nomeados entre os mais votados para os cargos. Tudo isso era realizado por intermédio do Rvmo. Presidente e Vigário, a quem cabia “harmonizar os interesses na apresentação dos mesmos nomes”306. Não é difícil de imaginar que essa harmonização tivesse muitas vezes caráter decisivo. Ainda mais porque, caso a irmandade quisesse, por algum interesse, manter algum nome na constituição dos membros da mesa diretora, era preciso evitar as discórdias, pois Não se podendo por acaso, chegar á harmonia entre a Mesa na apresentação dos nomes para as eleições, [cabia] ao Rvmo. Presidente e Vigário escolher ele próprio 20 nomes para os 15 encargos, designando 5 nomes para cada membro da Mesa Administrativa. O colégio eleitoral só poderá votar em um desses nomes apresentados307. A preocupação da Igreja com as confrarias pode ser compreendida em decorrência da liberdade de culto e da criação de práticas religiosas que essas associações poderiam almejar. Essas práticas, muitas vezes, estavam pautadas em tradições de outras matrizes religiosas. Além disso, por estar gerida unicamente pelos leigos, acabavam acolhendo indivíduos de seitas e sociedades condenadas pelo catolicismo, como os maçons. A presença desses indivíduos significava a fomentação de idéias modernas, baseadas no positivismo, como o panteísmo, o naturalismo e o racionalismo absoluto. Estas idéias haviam sido condenadas pelo Syllabus, por representar um perigo para a fé católica. Havia dois caminhos para sanar este problema, ou acabar com as irmandades ou mantê-las sob vigilância constante. As atribuições da mesa administrativa foram organizadas de forma que a irmandade não pudesse ser usada para nenhuma especulação particular. Além de cuidar da parte administrativa, promovendo a boa organização interna dos trabalhos, a mesa conjunta tinha o poder de admitir novos irmãos e excluir os que tivessem se tornado indignos de continuar na Irmandade, assim como demitir o Mesário que não cumprissem os seus deveres. Para assim proceder, os irmãos administradores precisavam “tomar conhecimento de tudo que [fizesse] 305 Art. 10. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. Ibidem. 307 Ibidem. 306 96 cada um dos mesários no exercício de seu cargo”308. Até aí, nenhuma novidade, pois a relação se daria entre iguais, ou seja, de irmão leigo com irmão leigo. No entanto, o que vai alterar essa estrutura organizacional, é a presença do vigários. Além de empossar a nova mesa diretora e receber, de cada um dos mesários, o juramento, ao qual seriam exigido cumprir “fielmente os deveres de seu cargo”, o vigário tornou-se a figura central na vida da irmandade, pois, sem ele a mesa administrativa não poderia funcionar em suas sessões ordinárias e extraordinárias. Inclusive a eleição dos novos irmãos administradores, que acontecia sempre na primeira sessão ordinária, poderia funcionar sem a presença da mesa que estivesse em vigor, mas nunca na ausência de vigário. Caso isso acontecesse, a eleição seria nula, pois não teria o reconhecimento legal que passava pelo vigário e dele para a Arquidiocese. As eleições aconteciam no salão da sacristia da Matriz, lugar de reuniões por tradição, desde a sua fundação, como regia o Compromisso de 1851. Isso tornava ainda mais difícil, que a irmandade realizasse alguma atividade contrária aos desejos do reverendo pároco, imbuído da missão de estruturar o catolicismo segundo os preceitos romanos. Sua interferência chegava a ultrapassar os limites da democrática escolha dos irmãos de São Bartolomeu, conforme o parágrafo oito do Compromisso: O Presidente da sessão de eleição da Nova Mesa administrativa tem o direito de anular a eleição de qualquer dos mesários quando o eleito for inapto para o cargo ou quando o pedir o bem da Irmandade. Nesse caso, far-se-á nova eleição para o cargo do mesário não aceito309. A Irmandade de São Bartolomeu, ainda composta por leigos, sobreviveu na estrutura renovada da Igreja, submetida ao poder eclesiástico. O seu Compromisso, que antes servia para a manutenção de uma ordem interna e de uma estrutura organizacional, passa a ser usado como instrumento de controle. As alterações às quais foi submetido foram cerceando de tal forma a autonomia dos irmãos, que seu caráter laico foi sendo apagado. O artigo 14 é um exemplo patente disso: Nem a Mesa Administrativa, nem mesmo a Assembléia Geral podem, por si só, alterar o presente Compromisso, nem ir de encontro às suas disposições. Não podendo também dispor do dinheiro ou de qualquer bem do Patrimônio da Irmandade sem licença da autoridade Eclesiástica310. 308 Art. 13. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. Art. 30. Capítulo VII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 310 Art. 14. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 309 97 Além de garantir a vigência do Compromisso sem alterações, o clero estava preocupado também com as questões financeiras e patrimoniais da Irmandade. No momento de fundação da Irmandade, ela aparece sempre relacionada às jóias pagas pelos membros da Mesa Administrativa, que eram gastos com os serviços prestados como as celebrações de missas para o santo padroeiro ou de irmãos falecidos e à compra de materiais fúnebres, como mortalha e caixão, para os que não tinham condições de fazê-lo, ou seja, a preocupação com dinheiro estava vinculada ao uso prático devocional. Assim também o era com o acúmulo de bens. Ao tratar das obrigações do tesoureiro, o Compromisso de 1851 informa: Tomará por inventário todos os bens da Irmandade, inclusive jóias, alfaias, e ornamentos a ela pertencentes, que de tudo levará o Escrivão termo no Livro Competente, com o qual assinará o mesmo escrivão, e o Tesoureiro, que não poderá fazer empréstimos do que for da irmandade para fora da Matriz, sem o prévio consentimento da mesa311. Ao que parece, a confraria não investia seus rendimentos em imóveis, mas, os gastava no cumprimento de suas atividades devocionais, inclusive na compra de objetos que servissem para tal fim. Pelo menos até 1864, assim foi feito, como confirma a declaração do vigário José de Araújo Mato Grosso. Segundo ele, a Irmandade de Nossa Senhora Conceição possuía uma morada térrea na Rua Nova, A Irmandade de São Benedito também uma casa térrea na Rua do Porto, e a Irmandade do Santíssimo Sacramento, além de uma casa, também na Rua Nova, possuía terras nos lugares denominados Caicar, Ilha da Outra Banda, e na freguesia de São Felipe. O sodalício do santo apóstolo padroeiro foi colocado entre aqueles “que se sustentam das oblatas dos fiéis”312. O Compromisso de 1943 amplia as possibilidades de acumulação de bens da Irmandade, assim, seu patrimônio passou a ser constituído de 10 por cento de todo e qualquer dinheiro que entrar para a Irmandade, das alfaias e bens imóveis que a irmandade possuir e dos bens móveis necessários ao valor e à conservação dos imóveis. As demais quantias poderão ser empregadas no desempenho dos encargos da irmandade, observado o disposto no Compromisso313. As arrecadações da irmandade além de cobrir os gastos obrigatórios, passaram a ser acumuladas como patrimônio. Isso fica mais evidente numa das observações a cerca das funções do tesoureiro, que além de manter sob sua guarda os bens da Irmandade e efetuar os pagamentos previamente aprovados pela mesa, consta num dos parágrafos que a ele cabia 311 Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Relação dos bens e confrarias existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. 313 Art. 14. Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 312 98 “zelar os interesses da irmandade, empenhando-se pela conservação e aumento de seus bens e cumprindo fielmente tudo o que lhe diz respeito”314. Essa nova relação com os recursos financeiros partia diretamente do clero. Talvez uma forma de controlar uma prática comum às irmandades, “os excessos cometidos durante as festas de santos, como a dança, a bebida e o mau uso do dinheiro recolhido pelos devotos” 315. Mas parece que a preocupação tinha também o caráter de defesa de um patrimônio que não pertencia unicamente à irmandade. “A autorização de venda de algum bem só [poderia] ser dada depois do “placet” ou da aprovação da autoridade eclesiástica ou do Ordinário Diocesano”316. Isso revela que, apesar dos bens legalmente pertencerem à Irmandade, ela não podia dispor deles livremente, somente os administrava, em última instância, era a Igreja que os possuía. Isso fica bem expresso na final do Compromisso que diz: “Dissolvida ou extinta a Irmandade, por qualquer circunstância, o que Deus não permita, passarão todos os seus bens moveis ou imóveis a pertencer a Fabrica da Matriz de Maragogipe”317. O objetivo do clero ultramontano era a edificação de uma Igreja consistente e unida num mesmo ideal. Para tal, era necessário substituir as velhas formas de vivência da fé ou conduzi-las de tal forma que não incomodassem. Assim foi feito com a irmandade de São Bartolomeu, não podendo extingui-la, pelos motivos que já discutimos, a alternativa da Igreja local foi reativá-la, segundo os ditames de supremacia do clero necessários para a nova ordem pretendida. A sua sobrevivência, que antes estava vinculada às devoções dos irmãos de São Bartolomeu, é submetida agora “à Autoridade Eclesiástica, cuja decisão dever[ia] ser incondicionalmente posta em execução”, e “havendo causas que o Ordinário julg[asse] ponderáveis, pertenc[ia]-lhe eliminar Irmãos e até suprimir a irmandade”318. O trabalho romanizador da Igreja, junto à comunidade católica de Maragogipe, caracterizou-se por um processo de ajustamento à sociedade estabelecida. Sem atacar o cerne da vivência da confraria, o culto ao padroeiro São Bartolomeu, o clero afirmou sua autoridade em relação aos devotos que lideravam a organização, mas sem suprimir diretamente essas lideranças. Os cargos são mantidos e as atribuições que lhes cabiam também, no entanto, isso foi alterado, com o acréscimo de cláusulas no Compromisso, onde outra liderança, o vigário, passou a protagonizar em última instância, nas decisões a serem tomas e nos rumos a seguir. Isso mantinha, superficialmente, a legitimidade da confraria enquanto organizadora do culto e 314 Art. 19. Capitulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. OLIVEIRA, 1985, p. 285. 316 Art. 18. Capitulo VI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 317 Art. 43. Capitulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 318 Art. 45. Capitulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 315 99 dos festejos ao apóstolo, permanecendo nos fiéis a sensação de nenhuma ruptura com o cotidiano de suas devoções. Não obstante, o fato de a Irmandade de São Bartolomeu ter sido formada por leigos, a Igreja nunca deixou de ser um referencial, e assim o foi desde a sua fundação, quando os mesários escolheram Dom Romualdo para protetor perpétuo e Juiz de devoção da segunda Mesa Administrativa. Muitos aspectos da vida da confraria, sempre estiveram submetidos ao poder religioso, como a aprovação de Compromisso, a presença de sacerdotes em determinadas ocasiões administrativas e nos cumprimentos devocionais ligados ao santo e à morte. Portanto, “o poder simbólico”319 exercido pela Igreja sempre esteve no campo da visibilidade dos irmãos confrades e reconhecido como sendo legítimo. Não fosse assim, as transformações executadas no processo de romanização não teriam efeito, e se o teve o fora, justamente, por conta do reconhecimento de uma estrutura hierárquica em que o poder estava nas mãos dos eclesiásticos. Assim, o clero, principalmente os episcopais reassumem seus postos de “produtores especializados de discursos e de ritos religiosos”320. Conseqüência disso foi o afastamento laico do direcionamento das crenças e vivências da fé, que se deram através do controle das irmandades. Não podemos deixar de lado o fato de que, os leigos de que falamos, eram pessoas da elite e que, no período posterior à Proclamação da República, faziam parte do grupo social com o qual a Igreja buscou aliar-se. Isso certamente facilitou a sobrevivência da Irmandade, bem como a aceitação pacífica das transformações pelas quais ela passou, ainda mais porque, pelo que verificamos em relação aos festejos do padroeiro, não foram realizadas interferências que alterassem significativamente o que constituía, a essa altura, o seu principal objetivo. 3. PRÁTICAS DEVOCIONAIS DOS IRMÃOS DE SÃO BARTOLOMEU. Entre as práticas devocionais da Irmandade de São Bartolomeu, se observava duas especificamente: a realização da festa do orago, e os cuidados com a morte dos seus irmãos. Sua criação deu-se num momento em que as irmandades não mais eram um referencial privilegiado de vivência da fé católica e os objetivos destas, entre eles a ajuda mútua, já não mais correspondiam àqueles dos séculos anteriores e, ao que parece, não figurava ao lado do 319 BOURDIEU, Pierre. 2007, p. 14. O autor aponta que o poder simbólico tem o poder de transformar a visão de mundo e agir sobre ele conseguindo pela mobilização aquilo que só é conseguido pela força, mas isso só é possível quando esse poder é “reconhecido”, ao mesmo tempo “ignorado como arbitrário”. 320 Ibidem, p. 12. 100 culto ao santo o foco central de atuação dos irmãos, como dissemos antes. Mas, mesmo passando por transformações próprias de “uma nova conjuntura social”321, “a palavra decadência não chega a dar conta da real situação dessas instituições no século XIX”322. Assim, pudemos perceber que na segunda metade deste, ainda se verificou na Irmandade de São Bartolomeu os dois vieses de ação, os quais lhe davam o caráter de instituição voltada para as coisas sagradas e para caridade sendo que a devoção era o objetivo pretendido em primeiro lugar e a caridade se revelava nos momentos de morte dos filiados. Nesse capítulo, a partir do que apresentam os seus Compromissos de 1851 e 1943, que analisamos, discutiremos de forma mais específica as práticas da Irmandade de São Bartolomeu no que tange à morte e à festa. Nosso foco é perceber como a irmandade conduziu esses dois processos que faziam parte de sua vida devocional. Não se trata de uma discussão da festa em si, ou da morte, mas da relação que os irmãos de São Bartolomeu estabeleceram com ambas. Não nos furtaremos, sempre que necessário em recorrer aos postulados dessas duas discussões, no intuito de não tratar do assunto de forma desarraigada de suas diretrizes e definições acadêmicas. Entretanto, privilegiaremos a forma como a irmandade cuidou da morte e conduziu a festa. 3.1 OS CUIDADOS COM A MORTE. Desde o período colonial até grande parte do século XIX, os enterramentos feitos sob a responsabilidade das irmandades eram realizados no interior das igrejas. O ato de enterrar nos templos católicos estava ligado a uma mentalidade que compunha o bojo das relações da sociedade ocidental com a morte. Cabe, então, que façamos uma breve reflexão acerca do assunto, para perceber como o desenrolar do processo de enterramento foi condicionado a fatores ligados às concepções de morte, mas também a anseios imediatos ligados à modernização e à saúde pública. Segundo Ariès “as civilizações da Idade Média e da época moderna até o século XVII, pelo menos, não concederam aos mortos nem espaço nem mobiliário”323, diferente do período anterior, em que os povos não cristãos mantiveram-no afastado do meio dos viventes. Esta afirmativa refere-se à absorção dos cemitérios pelas igrejas cristãs, ao ponto de se tornaram 321 OLIVEIRA, Devoção e Caridade... p. 1. Ibidem, p. 6. 323 ARIÈS, Philippe. O Homem Diante da Morte. 2. Ed. Vol. 2. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1990, p. 21819. Ao discutir sobre o sumiço dos cemitérios no período da Idade Média até o século XVII, Áries classifica as regiões européias por ele estudadas como não sendo estas civilizações de cemitério. 322 101 delas uma extensão. A partir desse período, o cemitério, enquanto lugar de enterramento foi esquecido e os mortos foram trazidos para os templos católicos. O destino do cadáver não era a preocupação maior. Nos enterramentos, até então, não constavam placas personalizadas ou alguma forma de identificação do falecido, mas importava sim a proximidade a que este ficaria dos santos católicos, dentro da igreja e nas suas terras imediatamente próximas ao redor da Igreja. Essa idéia concentra aproximações e distâncias do pensamento de Santo Agostinho: Uma vez que o sepultamento é, em si mesmo, obra religiosa, essa atenção posta na escolha do local não pode ser estranha ao ato religioso. É para os vivos um consolo e maneira de testemunhar sua ternura para com os parentes desaparecidos. Mas não vejo como os mortos possam, por ai, encontrar alguma ajuda, a não ser no caso de ao visitar o local onde descansam eles serem encomendados na oração, à proteção dos santos protetores, junto ao Senhor. Entretanto isso poder ser feito ainda quando não é possível inumálos em tais lugares santos324. Para Santo Agostinho, o enterramento no espaço sagrado da igreja perto dos santos católicos, não era condição fundamental para a salvação da alma, servia sim como consolo aos vivos. Dessa forma, continua ele afirmando que “os fiéis nada sofrem por estarem privados de sepultura, assim como os infiéis não tiram proveito algum por a receberem”325. A partir da segunda metade do século XVIII, notou-se uma mudança na mentalidade ocidental em relação à importância do corpo dos mortos e ao destino que estes teriam, como afirma Ariès. Os vivos queriam então, ter a possibilidade de visitar seus entes queridos e, nesse processo, os túmulos tornaram-se signos de importância fundamental, pois recordavam aqueles que partiram. Essa atitude é classificada por Ariès como produto da não aceitação da morte do outro. Ter um lugar de recordação significava, nesse sentido, conferir “ao morto uma espécie de imortalidade”326. Pensava-se a sociedade como composta de vivos e mortos, e estes últimos, junto com sua família, como donos do exato lugar do enterramento, através de suas sepulturas. A partir de então, o cemitério retomou o seu lugar na paisagem da cidade e, ao que parece, tornou-se uma necessidade do espaço urbano. 324 AGOSTINHO, Santo. A verdadeira religião; O cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulus, 2002, p. 162163. 325 Ibidem, p. 171. 326 ARIÈS, Philippe. História da Morte no ocidente. Trad. Priscila Viana de Siqueira. Rio de Janeiro. Ediouro, 2003, p. 75. 102 Esse novo sentido que foi dado à morte e que consequentemente definiu um novo lugar para o cemitério é definido por Ariès como a “morte romântica”327. A morte do outro, que inspirava saudade e lembrança, passou a ter mais importância do que a morte de si mesmo. A lembrança e a saudade dos entes queridos fizeram com que o cemitério se tornasse um lugar de visitação e espaço de recordação. Essa idéia, segundo o autor, vai inspirar nos séculos XIX e XX os novos cultos aos túmulos e ao cemitério, garantindo a harmonia entre mortos e vivos na sociedade urbana. Concordamos que nos séculos XIX e XX, mais especificamente a partir da segunda metade do oitocentos, o cemitério passou a ser o lugar de enterramento e de visitação, mas na Bahia, isto aconteceu por motivos ligados às questões sanitárias como discutiremos mais adiante. No entanto, a preocupação mais com a morte do outro do que com a morte de si mesmo, não parece ser a única que pairava entre os católicos do período. Um dos motivos de se entrar numa irmandade, por exemplo, era o medo de não se ter na hora da morte os ritos necessários para a salvação da alma, o que, por si só, já demonstra uma preocupação muito particular com a própria morte. Os anseios individuais perante a morte podiam ser expressos de forma direta na escrita do testamento ou sob as cláusulas da ajuda mútua, bandeira comum nas irmandades. Os irmãos de São Bartolomeu, em seu primeiro compromisso de 1851, demonstram essa preocupação: e sendo que alguns dos irmãos suceda cair em pobreza e que por isso não possa pagar o que estiver a dever, não deixará quando morrer de se lhe fazer os sufrágios de costume, e dar-se-lhe a mortalha e a sepultura que será a custa da irmandade328. Esta é a primeira menção feita sobre a morte no Compromisso de 1851 da Irmandade de São Bartolomeu. É evidente a preocupação com a realização dos “sufrágios de costume”, mesmo caso viesse acontecer uma situação de pobreza, em que os irmãos não pudessem custear os ritos necessários para uma boa morte. Assim, ao elaborar seu compromisso, os irmãos de São Bartolomeu preocuparam-se em garantir os tratos necessários no momento último da vida terrena. Dessa forma, a relação com a morte estabelecia-se a partir da caridade entre os irmãos, bandeira das irmandades que as definiam enquanto “associações corporativas, no interior das quais se teciam solidariedades”329. Nesse sentido, a preocupação não se 327 Ibidem, p. 75. Ariès afirma que a partir do século XVIII, ocorre uma mudança de mentalidade que vai diminuindo a preocupação com a morte de si mesmo e crescendo o temor à morte do outro, o que ele define como período da morte romântica. 328 Capítulo I, Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 329 REIS, 1991, p. 51. 103 restringia à morte do outro. A morte de si mesmo não foi colocada em evidência nos Compromissos, pois as orações estavam garantidas pela pertença à irmandade, assim, todos os membros poderiam gozar dos direitos. Se no Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu, por se tratar de um documento que regia uma coletividade, não foi possível perceber desejos individuais perante a morte, mas somente procedimentos comuns para o grupo de irmãos, nos testamentos pudemos perceber as preocupações e prerrogativas particulares. Um passeio através de alguns deles, datados do século XIX, nos mostrará como a preocupação individual com a salvação da alma era constante entre homens e mulheres. Como afirmamos anteriormente, as fontes encontradas não nos forneceram informações sobre os irmãos de São Bartolomeu na segunda metade do XIX, o que permitiria visualizar suas preocupações individuais sobre a morte. Mas, uma análise feita a partir de outros indivíduos como padres, fazendeiros e senhoras de Maragogipe, nos ajudará pelo menos a contextualizar o assunto no espaço de atuação da irmandade. O Padre Manoel Plácido Martins ao escrever seu testamento, em 1826 declarou: Primeiramente encomendo minha alma a Santíssima Trindade, que a ofereço, e rogo ao Eterno padre a queira receber na Glória, como recebeu a de seu unigênito filho meu Senhor Jesus Cristo quando expirou na cruz para me remir, e a virgem Maria minha Senhora peço seja minha intercessora perante seu Santíssimo filho para que já que nesta vida me deu o fruto do trabalho da sua sagrada paixão, e morte, me dê o mesmo deles, [...] a eterna bem aventurança para a qual fui criado, em cuja fé tenho vivido e espero morrer, salvar minha alma por sempre crer, como creio em todos os mistérios e dogmas da santa madre Igreja330. Já em 1849, o senhor de escravos Joaquim José de Santana “desejando por [sua] alma no caminho da salvação por não saber o que Deus dela queira fazer e quando será servido [levá-la] para si”331, resolveu fazer seu testamento no qual determina seu sepultamento: Declaro se eu morrer nesta vila ou em qualquer outro lugar, meu corpo será envolto em pano branco, sepultado ao pé do cruzeiro aonde possa acontecer à companhia do vigário e seu sacristão e a Irmandade das Almas e carregado pelas suas filhas se estiverem no lugar do meu falecimento e quando não por quatro pobres dando-se antes a cada um mil réis, no dia do meu enterramento o meu testamenteiro dará de esmolas a doze pobres na porta da igreja a pataca cada um sendo cego ou aleijado e isso com assistência do Reverendo Vigário de quem receberá certidão de haver cumprido. Declaro 330 331 Testamento do Padre Manoel Plácido Martins APEB – 04/1822/2293/01 Inventário de Joaquim José de Santana. APEB – 05/1835/2360/01 104 que meu testamenteiro mandará dizer duas capelas de missas por minha alma e uma capela de missas pela alma de minha primeira mulher332. Duas capelas de missas foi o que pediu também, em seu testamento, Caetana Maria de Oliveira em 1848333. Já em 1866, Inês Maria da Cruz pede uma capela de missas não somente para ela, mas estende o pedido: “uma dita pela alma de minha comadre Carlota, meu compadre Faustino [...] minha mãe Maria, minha filha Esmeria, Antonio, Athanásio, Benedita, Maria”334. Diferente de muitos que encomendavam sua alma a Nossa Senhora, Inês Maria da Cruz preferiu outra forma de relacionamento com a santa, deixando seus “brincos de diamantes a Nossa Senhora da Conceição ereta na matriz de Maragogipe”, e a “Nossa Senhora da Boa Morte ereta na mesma matriz vinte mil”335, importância de uma toalha que havia prometido à mesma senhora cuja promessa ainda não havia cumprido. O medo do que aconteceria depois da morte era uma das preocupações recorrentes dos testadores que o expressavam contundentemente. José Gonçalves dos Santos, ao fazer seu testamento em 1861, encomenda sua alma a “Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua mãe Maria Santíssima a fim de que dela se lembrem, e a livrem das penas eternas”336. Mesmo quando não encomendavam suas almas aos santos de sua devoção, os testadores procuravam garantir que os ritos costumeiros e necessários para uma boa morte seriam feitos. Assim o fez Aline Moreau em 1880 que sem pedidos muito específicos em relação ao seu funeral pede para ser sepultada em uma carneira (sepulcro de forma quadrangular) do cemitério da cidade, e instrui seu testamenteiro da forma seguinte: “guardadas as cerimônias do culto a que pertenço e decência precisa para o ato mandará meu testamenteiro celebrar no sétimo dia de meu falecimento a missa de costume” 337. A partir do que apresentamos, podemos afirmar que os testadores cuidavam de preparar sua morte. Não podemos descartar por completo o conceito da “morte romântica” 338 de Ariès, afinal a preocupação com a alma dos entes queridos, já falecidos, também se apresentava nos testamentos. Mas os pedidos que alguns deles fizeram nos mostra que a preocupação com a própria morte apresentava-se de forma muito mais recorrente, tornando-se um dos conteúdos quase que obrigatório dos testamentos. 332 Inventário de Joaquim José de Santana. APEB – 05/1835/2360/01 Testamento de Caetana Maria de Oliveira. APEB – 04/1825/2296/15 334 Testamento de Inês Maria da Cruz. APEB – 04/1833/2304/10 335 Testamento de Inês Maria da Cruz. APEB – 04/1833/2304/10 336 Testamento de José Gonçalves dos Santos. APEB – 05/1850/2321/01 337 Testamento de Aline Moreau. APEB – 05/1920/2392/23 338 ARIÈS, 2003, p. 75. 333 105 À medida que o século XX foi se aproximando, os desejos de cuidados com os ritos fúnebres e com a salvação da alma foram se mostrando menos recorrentes, mas não a ponto de deixar de ser uma preocupação. Em 1896, por exemplo, o Major Francisco Antonio Bacellar pede: “Meu enterro será feito sem pompa, porém com decência. Em sufrágio de minha alma o meu testamenteiro mandará dizer algumas missas como melhor entender” 339 . Não muito diferente agiu o farmacêutico Corbiniano Coelho Bahia que pediu somente que seu funeral fosse o “mais simples possível e decente e que sendo possível que [houvesse] uma missa de corpo presente”340. Já em 1920, Dona Ana Cardoso de Almeida Mello deixa a critério de seus herdeiros o local do enterro e as missas em sufrágio de sua alma, e pede que seja sua sepultura perpétua. Seria a atitude de Dona Ana Cardozo de Almeida Mello uma negação da morte, através da tentativa de perpetuação da sua memória na sepultura perpétua? Talvez. Cartoga chama a atenção para isto, afirmando que os signos funerários, sejam os túmulos ou o próprio cemitério, constituem nos níveis visível e invisível uma totalidade significante, ou seja, sua compreensão perpassa por uma análise das atitudes humanas e pelos sentimentos cultuados diante da morte. Assim, podemos definir a atitude da testadora em questão como uma forma de “simular a não morte, [e transmitir] às gerações vindouras a semântica capaz de individuar e de ajudar [...] à re-presentificação do ontolicamente ausente”, e, “nesse jogo de negação da morte e da corruptibilidade do tempo, os signos são assim dados em troca do nada segundo uma lei de compensação ilusória pela qual, quanto mais signos temos mais existe o ser e menos o nada”341. As atitudes desses três últimos testadores apresentam uma forma de administrar o momento da morte, diferente dos anteriores que apresentamos. Comum, entre os três, é que deixam a cargo de seus testamenteiros ou herdeiros o sufrágio das missas. Estas, que pareciam tão necessárias para homens e mulheres ao longo do século XIX, tornaram-se uma cláusula menos importante na virada para o século XX. Segundo Ariès, essa atitude é fruto do sentimento de “confiança do testador em seus herdeiros, [e] na sua família”342. Essa idéia é perfeitamente aplicável a Maragojipe e se revela nas declarações do Major Francisco Antonio Bacellar e do farmacêutico Corbiniano Coelho Bahia. Já Da Mata vê esse comportamento como típico da sociedade moderna, onde 339 Inventário de Francisco Antonio Bacellar. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 01. N. 15 Inventário de Corbiniano Coelho Bahia. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 02. N. 21. 341 CARTOGA, Fernando. Memória, História e Historiografia. Coimbra: Quarteto Editora, 2001, p.43. 342 ARIÈS, 2003, p. 511. 340 106 o homem está só diante dos outros homens e de Deus, e será inteiramente responsável por sua „salvação‟. Não há mais confissão, nem compadrio, nem purgatórios, nem indulgências, rezas ou missas que os outros possam realizar por sua melhoria moral. Em outras palavras, não há nenhuma mediação realizada por meio das relações pessoais, tornando-se diretas as falas dos homens com Deus!343 Nossa observação nos leva a ponderar a afirmação de Da Mata, pois não houve uma abdicação dos ritos religiosos, mas sim uma abstenção por parte dos testadores em administrar esses ritos, e a presença forte da Igreja verificou-se ainda na “manutenção de alguns elos importantes, como a participação nos funerais, mantendo o controle sobre a extrema-unção e a encomendação da alma”344. 3.1.1 Os sufrágios pelas almas dos irmãos de São Bartolomeu. Para os irmãos de São Bartolomeu, os sufrágios pela alma eram garantidos pela irmandade. Nas atribuições do tesoureiro constadas no primeiro compromisso, estavam entre os gastos que não precisavam da deliberação da Mesa Administrativa, aqueles feitos com as “missas nos Domingos ao santo desta Irmandade, antes da conventual em seu próprio altar: com a dos Irmãos falecidos, e com o despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres, não tiverem meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º”345. Ficava a cargo do tesoureiro também mandar dizer pela alma dos irmãos falecidos dez missas de esmolas de 500 rs. cada uma, as quais, in continenti, se mandarão logo dizer, com preferência a quaisquer outras despesas, a fim de que não passem de um para o outro ano, e delas cobrará o Tesoureiro quitações, que a apresentará a mesa, no dia que for empossada a que houver de suceder-lhe346. A preocupação com as missas de costume parece ter sido freqüente, e uma das assistências espirituais perante a morte, garantida pela Irmandade de São Bartolomeu. Mesmo sem contar com as informações acerca do assunto no intervalo de tempo entre 1851 e 1943, quando foi distribuído entre os irmãos o último compromisso reformado, acreditamos que essas missas não deixaram de ser celebradas, haja vista a ênfase que foi dada a esse costume, 343 DA MATTA, Roberto. A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, p. 134. 344 RIBEIRO, André Luiz Rosa. Memória e identidade: reformas urbanas e arquitetura cemiterial na região cacaueira (1880-1950). Ilhéus: Editus, 2005, p. 121. 345 Capítulo V. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 346 Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. O termo in continenti na citação (grifo nosso) “Trata-se de advérbio latino, que tem o sentido de sem demora, imediatamente”. Significado disponível em: http://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI72884,101048-Incontinenti. Acesso em: Dez. 2010. 107 mantendo como obrigação da Irmandade “mandar celebrar uma Missa em sufrágio à alma de cada irmão que [falecesse]. Esta Missa [deveria] ser celebrada dentro do mês do falecimento do irmão”347. Celebradas todos os domingos e acompanhadas pelos irmãos de forma solene, elas aconteciam da seguinte forma: Dir-se-á em cada uma das domingas do ano, das 6 às 7 horas da manhã, antes da missa conventual por um capelão a expensas da Irmandade, uma missa incensada e assistida por seus Irmãos com capas (que serão encarnadas, e de capuzes brancos) e cada um com sua tocha acesa por tenção dos irmãos vivos e falecidos, no altar do mesmo santo, para o que concorrerá a Irmandade com as despesas para isso necessárias 348. Esse rito era feito, não somente pelo irmão, mas na hora da morte toda a família poderia ser assistida pela irmandade, “sua mulher ou filho menor, até a idade de 21 anos, e as filhas dos mesmos enquanto [vivessem] honestamente, debaixo do pátrio, ou materno poder”349. A assistência post-mortem às filhas era da alçada da Irmandade, mas estava acompanhada de condições ligadas à preservação moral da família, ao mesmo tempo em que resguardava valores hierárquicos de obediência paterna e materna, o que não era exigido para os filhos menores. Assim, os ritos de morte também refletiam a estrutura sócio-familiar fundamentada na figura masculina e eram usados como elementos de manutenção dessa estrutura. Mas, a assistência prestada pela Irmandade de São Bartolomeu não se resumia às missas em sufrágio da alma. O ritual era assistido pelos irmãos desde o primeiro momento do falecimento, e ganhou um capítulo específico no primeiro compromisso. Assim que era sabida a morte de algum irmão, ou de alguém a ele ligado que tivesse a irmandade obrigação de prestar assistência, o procedimento se seguia da forma seguinte: O tesoureiro mandará para a casa do irmão falecido quatro tocheiros, e a ser feito o enterro a custa da Irmandade, mandará também quatro tochas, e duas velas para o altar da imagem do Senhor crucificado, assim como a capa rocha para o reverendo pároco, que sendo o irmão ou irmã pobre, lhes faça por caridade essa santa esmola350. Os quatro tocheiros que seguiam para a casa do irmão falecido transportavam seu corpo para a igreja, onde a missa de corpo presente seria celebrada pelo vigário vestido de capa rocha diante do altar do Cristo crucificado, o qual era iluminado pelas tochas e velas. A missa poderia ser custeada pelo valor que geralmente era deixado em testamento, celebrada 347 Art. 5º. Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 349 Capítulo X. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 350 Ibidem. 348 108 gratuitamente, quando se tratava de um irmão pobre, ou sob responsabilidade financeira da irmandade. O ritual continuava depois da missa, quando o féretro era conduzido até o local do enterramento. O direcionamento da irmandade a esse respeito era o seguinte: sairá a Irmandade com os irmãos que se puderem convocar, com Cruz, tocheiros e suas tochas acesas, ornados de suas capas. O Juiz levará a vara, e na sua falta o Escrivão, Tesoureiro, ou algum outro irmão da mesa mais velho; e todos em boa ordem irão acompanhando o corpo até a sepultura, rezando cada o Padre Nosso e Ave Maria351. A descrição quase fotográfica nos permite uma visualização do acompanhamento do enterro com detalhes de sua organização e objetos utilizados. Além da veste adequada para os ritos solenes e as tochas e cruz, a vara era carregada seguindo uma ordem hierárquica respectivamente composta pelo juiz, escrivão e tesoureiro, ou algum membro da mesa que fosse mais velho. Percebe-se que a vara era um símbolo de poder, algo como um cetro nas mãos daquele que representava, na Irmandade, um referencial de autoridade. Na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Crato no Ceará, em 1870, a vara “com pouco mais de uma braça de comprimento, ornada de flores”352 era usada pelo arauto, a terceira pessoa na hierarquia da confraria, em ocasiões de desfiles processionais. No século XVIII, nas festas em homenagem a São Benedito, o escolhido rei do Congo postava uma vara na mão, “símbolo do seu poder”353. Nos documentos que analisamos não encontramos menção ao exato lugar utilizado pela Irmandade de São Bartolomeu para os enterramento de seus irmãos. Mas, como era de costume, certamente eles eram feitos no interior da Matriz do padroeiro. Em 1855, esse costume foi modificado e um campo aberto passou a ser o destino temporário dos irmãos falecidos. A única possibilidade, nesse momento, de retorno ao templo foram os carneiros de ossos354 pertencentes a outras irmandades como discutiremos mais abaixo. 3.1.2 351 Mudanças na cultura funerária: o fim dos enterramentos nas igrejas. Capítulo X. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. CAMPOS, Eduardo. As irmandades religiosas do Ceará provincial. Apontamentos para a sua história. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1980, p.19. Disponível em: http://www.eduardocampos.jor.br/_livros/e10.pdf. Acesso em: Dez. 2010. 353 SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural. In.: Afro-Ásia, nº. 228, p. 125-142, 2002, p. 133. Disponível em: www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n28_p125.pdf. Acesso em: Mar.2010. 354 Os carneiros de ossos eram construções no formato de urnas para guardar restos mortais. Podiam ser construídas junto às paredes externas das igrejas, no interior delas em partes subterrâneas ou mesmo em seu adro. 352 109 Quando a irmandade foi criada, em 1851, os enterramentos, ao que parece, eram feitos nas Capelas dedicadas aos santos, espalhadas pela cidade e na Matriz de São Bartolomeu. A partir de 1855 quando uma “devastadora epidemia de cólera-morbo teve lugar na Bahia” 355 , esse costume foi alterado, como demonstra o documento da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo enviado por seu juiz Manoel Procópio S. Ribeiro ao presidente da Província: Diz a Irmandade de Nossa Senhora do Amparo da Freguesia de São Bartolomeu da cidade de Maragogipe que sendo pobre e falta de meios para sustentar as despesas com o culto e festividades da mesma senhora, lhe foi dado um pequeno patrimônio de doze carneiros d‟ossos por esmolas do Pe. Ignácio Aniceto de Souza, para os rendimentos desse mesmo patrimônio ser fornecida a cera que anualmente se gasta no altar da mesma Senhora e com essa podendo a mesma irmandade dispor das sobras com a festividade e urgência da mesma, foi privada desde 1855, ano em que a cholera naquela cidade apareceu, em virtude da proibição a enterramentos nas Igrejas, de maneira que se tem desta necessidade quando vier a perder esse pequeno patrimônio por não ser possível diverso caso fazer-se dele, contanto que esses carneiros d‟ossos sejam fora do corpo da Igreja Matriz, e erigidas em um dos corredores externos dela pela mesma forma e lugar onde a Irmandade do Santíssimo Sacramento da mesma matriz erigiu alguns posteriormente aos da Irmandade super. Vem esta implorar a equidade e retidão de V. Excia. para que se digne conceder-lhe a continuação dos carneiros, seu pequeno patrimônio356. No documento apresentado, percebemos a preocupação da Irmandade do Amparo com os prejuízos que a proibição dos enterramentos nas Igrejas, em razão da epidemia de cólera lhe causaria. Os carneiros de ossos que dispunha na Matriz, por doação do Padre Aniceto, era uma das únicas formas de conseguir renda para as despesas devocionais da irmandade. No entanto, precisando construí-los fora do corpo do templo, num dos corredores externos, ela teve que disputar o espaço com a Irmandade do Sacramento que também assim procedeu. Em sua defesa, os irmãos do Amparo alegam ser a irmandade “pobríssima e aquela ter outros patrimônios como terras que não [pagavam] rendimentos” 357 , o que justifica o direito da primeira de continuar construindo os carneiros de ossos, já que de “nenhum outro recurso [podia] dispor”358. Para João José Reis, os carneiros redefiniram o lugar dos mortos no espaço e a relação, neste espaço, entre vivos e mortos. Estes deixaram de ser pisados e lembrados diariamente pelos freqüentadores das igrejas, tornando-se reclusos, ocultos àqueles que não se lembrassem de visitá-los naqueles subsolos. Longe das visitas dos vivos, os mortos agora 355 DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível. Epidemia na Bahia no século XIX. Salvador: EDUFBA. Editora SARAHLETRAS, 1996, p. 15. 356 Requerimento da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo para o presidente da Província. APEB. Seção de documentos coloniais e provinciais. Maço 5255. 357 Ibidem. 358 Ibidem 110 também se separavam de seus santos de devoção e do senhor do altarmenor359. Em Maragogipe, não podendo as irmandades construir no subsolo, a alternativa foi aproveitar as laterais da igreja Matriz para erguer os carneiros de ossos. Esse local talvez relativize o “completo distanciamento” que nos apresenta João José Reis, pelo menos do campo de visão dos fiéis católicos que freqüentavam a igreja. Acreditamos que essa relação de distanciamento se deu, sobretudo, após o efetivo funcionamento do cemitério, que, além de lugar de enterramento, dispunha de carneiros de ossos. Com isso, os mortos foram definitivamente afastados do templo e dos vivos. O documento dos irmãos de Nossa Senhora do Amparo nos mostra ainda as estratégias das irmandades depois do dia 03 de agosto de 1855, quando o governo provincial confirmou definitivamente a lei de proibição das inumações dentro da cidade 360 em razão da epidemia de cólera que acometeu a Bahia. Depois de passado o perigo da cólera, o costume de “depositar os ossos na capela da Igreja onde o morto era irmão ou simpatizante da confraria” 361 se tornou freqüente. Em Maragogipe, sem poder enterrar na igreja, pelo menos os ossos eram levados pelos irmãos confrades para perto do templo e depositados nos carneiros, na sua parte externa, certamente quando o perigo de contaminação que o corpo em decomposição oferecia já havia passado. O inverso se deu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 1850. As irmandades mesmo com muita resistência, transladaram os restos mortais de seus irmãos para o novo cemitério362. A epidemia de cólera na Bahia (1855) foi a oportunidade dos médicos baianos colocarem em prática seu projeto de higienização da cidade, no intuito de limpar o ar, “pois ele era o veículo dos miasmas e estes causavam a cólera”363. Os gases exalados pela decomposição dos cadáveres tornavam-se cada vez mais perniciosos na opinião dos médicos. Isso colocou os enterramentos nas igrejas no cerne das preocupações com a saúde pública. Não era a primeira vez que os médicos interferiam nos costumes relacionados à morte em nome da higienização da cidade. Segundo João José Reis, em 1825, um decreto imperial atacava as práticas tradicionais de enterro como anti-higiênicas e supersticiosas, e exigia que medidas fossem tomadas no intuito de colocar o cemitério para fora das cidades. Foi só com a lei de estruturação dos municípios em 1828 que esta política imperial ganharia uma dimensão 359 REIS, 1991, p. 178. Ver DAVID, 1996, p. 83-84. 361 FARIAS, 1997, p. 105. 362 TAVARRES, 2007, p. 210. 363 DAVID, 1996, p. 83. 360 111 nacional. Assim, as idéias médicas referentes aos enterramentos “rapidamente ganhavam corpo no Brasil na década de 1830”364. A sociedade civilizada do espaço urbano requeria que a morte fosse higienizada e que os mortos fossem segregados em cemitérios afastados da cidade. Os médicos propunham tirar os mortos do meio da agitação dos vivos e pregavam uma destinação moderna para eles, ou seja, cemitérios espacialmente equilibrados e a uma boa distância da vida social. Era necessário preservar a higiene pública do grande inimigo que os corpos mortos produziam: os miasmas. Eram muitas as histórias em que pessoas haviam adoecido e morrido depois de terem estado próximas às sepulturas abertas, onde os gases miasmáticos exalavam. Mesmo diante dos riscos e medos que se propagavam em relação aos males miasmáticos, a Bahia do século XIX possuía uma forte cultura funerária legada às irmandades religiosas, e estas reagiram quando se viram ameaçadas por um decreto que rompia radicalmente com os costumes tradicionais. Podemos perceber melhor a força dessa cultura numa comparação dos casos francês e baiano, que aconteceram respectivamente no final do século XVIII e primeira metade do XIX. Em 1785, o cemitério dos Inocentes foi arrancado do coração de Paris sem nenhuma reação coletiva da população. Para Ariès “o fato dessa situação ter sido possível revela o estado de sensibilidade coletiva em meados do século XVIII, e a indiferença existente com respeito aos mortos e sua sepultura, pelo menos em Paris”365. Diferente dos franceses, os baianos foram às ruas em 1836 protestar e tentar impedir a construção do cemitério Campo Santo, que significava o fim dos enterramentos nas igrejas. Mais que isso, a construção do cemitério significava uma ameaça à rede de relações que incluía os cidadãos baianos, as irmandades e a Igreja. A Cemiterada366 foi uma luta motivada pelos sentimentos dos baianos, em defesa da conservação de toda a representação ritualística que envolvia a morte. No entanto, mesmo diante de toda a agitação e revolta popular em face da mudança do costume de enterramento, os planos para a construção do novo espaço de enterro se concretizou. O modelo de cemitério definido para a Bahia “o previa cercado, mas sem fechá-lo inteiramente à visão dos vivos, com grades de ferro sobre um muro baixo e um portão de ferro 364 REIS, 1991, p.247. ARIÈS, 1990, p. 542. 366 REIS, 1991, p.13. A Cemiterada ocorreu em 25 de outubro de 1836 e começou com uma manifestação de protesto organizada pelas irmandades e ordens terceiras de Salvador, que cuidavam dos funerais de seus membros. A reação popular foi por causa da lei de proibição dos enterros nas igrejas que entraria em vigor no dia seguinte. Esta lei feriu diretamente os interesses dessas irmandades que, tinham como uma de suas atividades o trato de funerais que quase sempre eram feitos nas igrejas. 365 112 apoiado em dois fortes pilares”367. Haveria agora um lugar específico para os vivos orarem próximos aos seus defuntos, pois estava incluso no plano uma capela no centro. Um elemento novo nos ritos fúnebres, que mais tarde, nos séculos que se seguiram, gerou a individualidade da oração pelos mortos, haja vista, que isso ficava por conta da Igreja, quando nelas os corpos eram sepultados, e, coletivamente os fiéis oravam pela salvação das almas. Diferente do caso europeu, onde o cemitério passou a fazer parte das cidades a partir do século XVIII, foi na primeira metade do XIX que essa idéia começou a ser cogitada na Bahia. No entanto, foi em 1855 “auxiliados pela epidemia [que] os doutores e os governantes”, efetivamente, conseguiram proibir os enterramentos nos templos católicos e os colocaram em cemitérios localizados fora do perímetro da cidade, aquém da sociabilidade rotineira dos vivos. Em São Luis no Maranhão, no final da primeira metade dos oitocentos, a construção de cemitérios que substituíssem as igrejas como locais de enterramentos já fazia parte do projeto de higienização da cidade, mas, mesmo com a realização do projeto, foi somente em 1855 que “a legislação proibindo os enterros nas igrejas em São Luís parece ter sido mais severamente seguida”368. Mesmo não podendo fazer as inumações no corpo da igreja, como vimos no documento enviado ao Presidente da Província pela Irmandade de Nossa Senhora do Amparo, as irmandades conseguiram, de alguma forma, manter um costume que se apresentava forte entre os cristãos: manter o corpo dos irmãos falecidos no templo. Em não podendo dessa forma proceder, a estratégia foi tentar manter o vínculo através dos carneiros de ossos. Esse cuidado com os restos mortais que se apresenta na Maragogipe da segunda metade do XIX constitui uma atitude defendida por Santo Agostinho, não enquanto necessária para a salvação, mas no nível do cuidado que se deve ter com o corpo, por figurar neste gesto uma virtude cristã, a piedade: Isso, contudo, não é motivo para se deixar com desdém, ao abandono os despojos dos mortos, em especial os dos justos e dos fiéis, órgãos e instrumentos do espírito para toda boa obra. Se a roupa do pai, o anel ou objeto semelhante é tanto mais precioso para os filhos quanto mais terna é sua piedade filial, que cuidado não nos merece nosso corpo, que está mais intimamente ligado que a roupa, seja ela qual for? Com efeito o corpo não é apenas ornamento do homem, adjutório exterior, mas é parte de sua natureza humana. Esta é a causa dos derradeiros deveres de piedade solenemente prestados aos justos dos velhos tempos, a pompa de suas exéquias, os cuidados com sua sepultura e as ordens que eles mesmos, durante a vida, 367 REIS, 1991,p. 295. Ver COE, Agostinho Júnior Holanda. O Discurso Médico de Transferência dos Enterramentos das igrejas Para os cemitérios Em São Luís (1820-1860). XII Encontro Regional de História ANPHU-RJ, 2006. Disponível em:http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/Anais/2006/conferencias/Agostinho%20Junior%20Holanda%20Coe.pd f. Acesso em 11.12.2010. 368 113 confiavam aos filhos, para o sepultamento ou a transladação de seus restos mortais369. A preocupação com o lugar onde jazeria o corpo era bastante forte na sociedade de Maragogipe e mesmo com a posterior construção do cemitério, que veio a dar uma destinação definitiva aos mortos, a proteção dos santos e símbolos religiosos não foi dispensada nos túmulos que datam ainda da segunda metade do XIX. O túmulo retangular, com uma pequena capela com uma cruz em cima e uma imagem de um santo de devoção apresenta suas semelhanças com uma igreja, talvez uma recriação saída do desejo, não mais viável, de ser enterrado sob a proteção da igreja. “Essas pequenas igrejas permitiram transportar para o terreno do cemitério a sacralidade dos enterros no solo dos templos”370, afirma Ribeiro. Se os riscos que as inumações endógenas nos templos poderiam causar à saúde tornaram-se questão de saúde pública, o trato que os corpos estavam tendo depois da proibição também mobilizou setores governantes em Maragogipe. A 8 de abril de 1858, três anos depois da radical medida, a Câmara de Maragogipe informa e pede ao Procurador Fiscal da tesouraria da Província: A Câmara Municipal de Maragogipe vendo o estado indecente e pernicioso, com que se fazem aqui os enterramentos, indigno de pessoas civilizadas vai unir suas vozes a da Casa da Santa Misericórdia desta cidade a fim de que V. Exa. se digne mandar aprovar a desapropriação do terreno em que está projetada a edificação do cemitério abstendo-se de apresentar e desenvolver o que a Mesa Administrativa daquela casa tão bem já o fez quando pediu a valiosa coadjuvação de V. Exa.371 O documento assinado por membros das duas instituições, a Câmara Municipal e da Santa Casa de Misericórdia, revela a desestabilizadora situação em que ficaram os enterramentos em Maragogipe. Não podendo mais voltar a enterrar nas igrejas, o cemitério tornou-se urgente para manter a decência dos ritos que faziam parte da forte cultura funerária dos cidadãos de Maragogipe. 3.1.3 A construção do cemitério. A preocupação com os enterramentos que apresentou a Câmara de Maragogipe tinha suas razões. No período entre 1855 e 1861, conforme nos aponta a documentação da Santa Casa de Misericórdia, os corpos estavam sendo enterrados num lugar improvisado e sem 369 AGOSTINHO, 2002, p. 160-161. RIBEIRO, 2005, p. 148. 371 Documentos da Câmara de Maragogipe. APEB. Seção de documentos colonial e provincial. Maço 1348 370 114 muitas possibilidades de realização dos rituais que compunham a cultura funerária. Em 1860, a mesma Santa Casa fez um pedido de urgência na desapropriação do terreno para a construção do cemitério “porque os corpos humanos são enterrados em um campo aberto aonde pastam os animais”372. Eis aí os motivos da preocupação da Câmara e senão uma localização, pelo menos uma indicação de onde passaram a ser feitos os enterramentos após a lei de 1855. Sobre os arranjos para a construção do cemitério a própria Santa Casa nos informa os percalços dessa trajetória que não tiveram fim nem mesmo com a inauguração do cemitério em 18 de novembro de 1862373. Ao que parece, a preocupação com a construção de um cemitério já pairava entre os membros da Santa Casa antes mesmo de 1855 pois, Para esta obra havia um conto de réis oferecido desde antes da epidemia da cólera pelo Capitão Manoel Ferreira d‟Oliveira atual provedor da Santa Casa e esta de sua parte se comprometia a dar cinco ou seis contos, pedindo, porém a Presidência a desapropriação do terreno indigitado, pertencente a uns órfãos, feita a indenização pelos cofres Provinciais374. Isso demonstra que, pelo menos, os membros da Santa Casa de Misericórdia estavam em sintonia com os ideais de saúde pública que se propagavam na Bahia desde a primeira metade do XIX. O terreno onde se edificaria o novo lugar de enterramento já havia sido avaliado desde 1858, no entanto, a desapropriação que dependia do Procurador Fiscal da Província, o Dr. Joaquim Carneiro de Campos, não foi realizada, como fica expresso no trecho do documento abaixo: No tempo da sabia administração do Exmo. Conselheiro João Lins Vieira reconhecendo ele a necessidade que havia do cemitério mandou examinar o terreno por engenheiro e tirar a planta, [...] sendo o terreno particular ordenou ao Procurador Fiscal interino da Tesouraria Provincial para desapropriá-lo, parece deixando aquele conselheiro a administração da Província, jamais cuidou o Procurador Fiscal em cumprir com o que lhe foi ordenado, e esta Mesa não pode dar princípio a edificação do cemitério por falta do terreno, que aquele administrador prometera dar a Custa da Província. Depois vindo administrar a Província o Sr. Francisco Xavier Barreto ordenou ao mesmo Procurador Fiscal que lhe exprimisse a razão por que ainda não se tinha desapropriado, e o que Dalí em diante passou, esta Mesa ignora. Assim confiando na [...] e justiça de V. Exa. espera que V. Exa. se digne dar suas ordens para que se leve a efeito uma obra tão precisa 372 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1860. Maço 5393. Caixa 1751. “Tendo hoje realizado a inauguração solene do cemitério desta Santa Casa a Mesa abaixo assinada julgando de seu dever o levar ao conhecimento de V. Excia. e cumprindo-o pelo presente”. Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1862. Maço 5393. Caixa 1751. 374 Op. Cit. 373 115 como V. Exa. reconheceu e como prometeu ao Provedor desta Casa quando aqui esteve375. Aos questionamentos do presidente da Província acerca da desapropriação do terreno para a edificação do cemitério que ainda não havia sido feita, respondeu o Sr. Francisco Xavier Pinto Lima sem dar explicações que esclarecessem os motivos de tal emperramento: Havendo o antecessor de V. Excia. o Exmo. Senador Cansansão do Sinibú nomeado uma comissão de que fiz parte para a vista do exame que fizesse indicação a localidade mais adequada à construção de um cemitério para aquela cidade, deu ela seu parecer, designando não o lugar onde hoje são sepultados os cadáveres dos fiéis mas sim o conhecido pela denominação de Bena Boi. Com este parecer conformou-se o engenheiro Sanoir, que depois mandou o mesmo Exmo. Administrador à referida cidade e apresentou uma planta e orçamento do projetado cemitério. [...] Na presidência do Exmo. Sr. Paes Barreto a este recorreu de novo a Santa Casa de Maragogipe e designando-se o mesmo presidente pedir-me informações foram estas dadas circunstanciadamente em todo o acontecido e em conseqüência das que mandou ele de novo que o predito Procurador Fiscal procedesse a desapropriação; mas ainda sem efeito porque hum só ato não fez esse empregado a tal respeito até o presente376 Não encontramos nenhuma declaração ou resposta do Procurador Fiscal Dr. Joaquim Carneiro de Campos, mas, ainda em 1861, o terreno foi desapropriado, pois encontramos na prestação de contas da Santa Casa de Misericórdia, de julho do mesmo ano, declarada a quantia de um conto e quinhentos mil réis na feitura do cemitério, sendo que um terço desse valor foi doado “por S. M. o Imperador por ocasião de sua imprescindível e sempre lembrada visita”377 a Maragogipe em 1859, e o restante, doado pelo então provedor, o Capitão Manoel Ferreira d‟Oliveira. A construção do cemitério da Santa Casa em Maragogipe, apesar das reclamações de atraso para a liberação do terreno, aconteceu dentro de um prazo razoável, em Cuiabá, isso só ocorreu em 1864, quando se instituiu um Regulamento para os cemitérios públicos e os enterramentos deixaram de acontecer no interior das igrejas378. No interstício entre a epidemia de cólera e o começo da edificação do cemitério, os enterramentos voltaram a acontecer no interior da igreja matriz. Ainda em 1861, antes mesmo da liberação do terreno que tanto se protelou, a Santa Casa em uma de suas reclamações alegava a urgência da efetivação da obra “a fim de acabar por uma vez com as 375 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1860. Maço 5393. Caixa 1751. Ibidem. 377 Ibidem. 378 Ver ROCHA, Maria Aparecida Borges de Barros. História, memória e documentação: arquivos, prática historiográfica e a secularização dos cemitérios de Cuiabá nos séculos XIX e XX. In.: História Agora: a revista de História do tempo presente. Disponível em: www.historiagora.com/dmdocuments/revista9_DOSSIE_8.pdf. Acesso em Ago. 2010, p. 18. 376 116 sepulturas de que consta o pavimento da matriz”379. Ao que parece, passado o perigo e o medo da cólera, as inumações voltaram a ser realizadas no templo de São Bartolomeu. A Santa Casa atrelou essa situação ao fato de que os carneiros ainda não haviam sido construídos. O que não foi possível de ser feito devido ao esforço financeiro que excedeu seu patrimônio. Além disso, ela foi “privada nos anos de 1864 e 1865 das Ordinárias que as Leis Provinciais anteriores concedia-lhe e com cujo auxílio fazia parte de suas despesas na admissão e tratamento dos miseráveis que a ela se socorriam”380. Assim, “foram, portanto fechadas as portas aos desolados por não haver recursos, e por espaço desses dois anos abandonado o estabelecimento”381. Nos anos seguintes, o cemitério foi mantido com dificuldades por não receber a Santa Casa, em 1866 e 1867, o que para ela foi orçado. Assim, o conteúdo dos ofícios enviados ao Presidente da Província quase sempre era o mesmo, como fica bem expresso no documento datado de 15 de novembro1868: Desde então até o presente estando a Santa Casa com grandes dificuldades para manter-se não lhe tem sido entregue pelo cofre Provincial um só real do que lhe tem sido consignado nos orçamentos vigentes e viu-se por demais forçada a não concluir a obra do cemitério que com grande sacrifício se acha só faltando o levantamento de carneiros e a conclusão da capela para acabar com os enterramentos na Igreja Matriz da cidade onde há um século e meio sepultando-se os cadáveres da Freguesia já se acha em um estado quase impossível de continuação ameaçado dos grandes males que pode causar aos que nela entram pelo fétido que respiram de suas sepulturas especialmente nas ocasiões em que são abertas e que se acha a Igreja freqüentada382. A citação elucida que nesse período os enterramentos continuaram a ser feitos no interior da igreja Matriz. O costume de enterrar em carneiros sob a administração das irmandades era forte o suficiente para não ser facilmente substituído pelo novo costume implantado pelas autoridades de inumar os corpos no cemitério. Para resolver esta situação a Santa Casa procedeu logo em construir os carneiros para atender a essa necessidade da população de Maragogipe ao que informou em 02 de setembro de 1869 ao Presidente da Província: Informamos a V. Exa. acerca da Santa Casa de Misericórdia desta cidade [...] que ela se acha aberta exercendo os fins e que a obra do cemitério se acha bastante adiantada contando já mais de quarenta carneiros sendo de crer que em novembro do ano corrente sejam ali os enterramentos383. 379 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1861. Maço 5393. Caixa 1751. Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1867. Maço 5393. Caixa 1751. 381 Ibidem 382 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1869. Maço 5393. Caixa 1751. 383 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1869. Maço 5393. Caixa 1751. 380 117 Já em 1870, a obra parece ter sido adiantada e o cemitério já contava com “quarenta e quatro carneiros para homens, trinta e dois para meninos, e outros por acabar”384. Em 1871, além de “mais carneiros para adultos e meninos”385, ficou pronta também a capela do cemitério. No mesmo documento em que passava essas informações a Santa Casa informou também que passou procuração para se requerer quando fosse necessário, a fim de benzer-se o cemitério e nele terem-se lugar os enterramentos, donde pretende a santa casa tirar sua receita, pois retirou dos estabelecimentos o capital que tinha para fazer face as despesas da obra, visto como viu-se sem aqueles dos cofres públicos386. Mais que uma preocupação com a saúde pública, o funcionamento do cemitério era um investimento para a Santa Casa de Misericórdia. No entanto, os rendimentos que ela esperava obter com os enterramentos não foram possíveis imediatamente conforme ela mesma informou em 1877, sua condição financeira não melhorou com o funcionamento do cemitério: acha-se hoje em alguma decadência e sem recursos próprios até por que o pequeno patrimônio de que dispunha foi-lhe consumido na edificação de um cemitério com todas as acomodações higiênicas possíveis para exemplo da lei que os criou, que depois do da Capital é o que se acha em melhores condições; não obstante isso sua receita não contrabalança sua despesa, tanto assim que a santa casa dos seus pequenos rendimentos, ainda dispende parte deles com as despesas do cemitério, se bem que tenha reduzido o seu pessoal que acha-se hoje limitado a um administrador e a um servente, devido isso ao estado da população que é assas pobre e à disposição do art. 10 do Regimento do cemitério que determina que aqueles que se acham nessas condições sejam sepultados gratuitamente387. No entanto, a crise financeira da Santa Casa é questionável, pois, no ano de 1881 ela despendeu a quantia de um conto e cento e noventa mil réis em reformas no cemitério, mesmo mantendo a reclamação de que o que se arrecadava com ele não era suficiente para cobrir as despesas: Com tais obras ficou ele em bom estado precisando apenas rebocar os lados externos das muralhas do nascente e do poente obra que realizarei logo que as força dos cofres permitirem. Cumpre, entretanto informar a V. Excia. que, infelizmente o rendimento d‟este estabelecimento não dá para cobrir as despesas resultando daí haver todos os anos um déficit e é isso devido ao grande número de sepulturas que gratuitamente se dá as pessoas desvalidas. Nesse momento, os enterramentos já estavam sendo feitos no cemitério, pois, mesmo com as dificuldades apresentadas, a reforma aconteceu, porém, não antes de 1872, quando foi 384 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1870. Maço 5393. Caixa 1751. Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1871. Maço 5393. Caixa 1751. 386 Ibidem 387 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1877. Maço 5393. Caixa 1751. 385 118 informado que “a capela do Cemitério e este que são propriedade da Santa Casa se acham prontos faltando somente ter lugar os enterramentos”388. Até este ano os enterramentos ainda continuaram a serem feitos no interior da matriz de São Bartolomeu. Mesmo porque, o regulamento para os enterramentos e utilização do cemitério só se tornou uma preocupação da Casa de Misericórdia nos anos seguintes, indicação da atividade funerária. Isso não aconteceu no momento de sua inauguração em 1862, certamente por não haver a necessidade de regular o que não estava efetivamente sendo usado. Foi logo em janeiro de 1874 que a Santa Casa enviou ao Presidente da Província o Regulamento do cemitério para a aprovação. Cremos que a necessidade de regular o espaço cemiterial, deu-se em decorrência da epidemia de uma varíola que fez muitas vítimas e gerou uma grande quantidade de enterramentos, como fica expresso na citação abaixo: Havendo a Mesa Administrativa desta Santa Casa em data de 04 de janeiro do corrente ano enviado a V. Excia. o regulamento pelo qual se deve reger o cemitério que se acha pronto a funcionar solicitando de V. Excia as devidas aprovações, e não havendo até hoje recebido solução vai renovar a V. Excia aquela súplica atenção à necessidade de prestar-se o mesmo cemitério a os enterramentos que ora são freqüentes pelas vítimas que a varíola há feito389. A resposta à solicitação foi dada em maio do mesmo ano, e ao Regulamento foram acrescentadas as alterações sugeridas pelo Prelado Diocesano. Assim a Santa Casa recebeu uma cópia do “respectivo regulamento para ter-lhe efeito as indicadas alterações e tornar-se efetiva a sua execução”390. Pronto o regulamento, já no ano seguinte, 1875, se percebeu sua interferência nos costumes relacionados à morte. A Santa Casa, em ofício enviado ao Presidente da Província, informou sobre os conflitos havidos por conta do enterramento de Benta, filha de Dionísio de Souza Aguiar, membro da Irmandade de São Bartolomeu. Segundo a Santa Casa o parágrafo cinco do artigo quinto do Regulamento dos cemitérios não permitia o enterramento sem a guia do pároco que a dava depois de passadas 24 horas do falecimento. Dionísio de Souza Aguiar queria proceder ao enterramento de sua filha sem a guia e antes de decorrido o tempo necessário, o que foi permitido pelo escrivão da Santa Casa, gerando assim o conflito entre a Santa Casa e o pároco, que exigiu providências diante da infração. No desenrolar das explicações, Dionísio de Souza Aguiar alegou que o pároco negoulhe a guia, então, ele recorreu aos costumes para montar sua defesa: “antes os enterramentos eram feitos sem que precisasse esperar tanto tempo, mas na hora em que pela família fosse 388 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1872. Maço 5393. Caixa 1751. Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1874. Maço 5393. Caixa 1751. 390 Ibidem. 389 119 decidido.”391. Reforçou ainda que sua prática tivesse razões no próprio costume da Irmandade, da qual fazia parte: “os irmãos do orago dessa cidade sempre assim procederam com as inumações já no cemitério da Santa Casa”. Diante disso resolveu “tomar as providências para a inumação de sua filha”392. A versão foi desmentida pelo pároco, que alegou não ter sido procurado para fornecer a guia e que também não a daria, tendo em vista que “Benta, filha de Dionísio de Aguiar havia falecido na madrugada ou na manhã do mesmo dia como era sabido, as vinte e quatro horas só seriam findas na manhã do dia seguinte, e não às seis horas da tarde do dia do falecimento” 393 . Sem muita repercussão senão a nível local, o Presidente da Província advertiu que a Santa Casa respeitasse “o regulamento e as coisas da religião para evitar quaisquer problemas”394. O caso em questão nos mostra, de forma muito clara, as mudanças que os enterramentos no espaço do cemitério, seguindo regras condicionadas a um regulamento, ocasionaram nos costumes relacionados à morte na sociedade de Maragogipe. Esse caso reflete bem o que postula Vovelle acerca dos eventos relacionados à morte: “em um mesmo momento, variando segundo os meios e os lugares, coexistem atitudes tradicionais e atitudes novas”395. E estas atitudes muitas vezes coexistem numa relação conflituosa. Ousamos dizer que este momento do funcionamento do cemitério de Maragogipe, formal e baseado num regulamento, tenha sido o da intensificação da secularização da morte. No entanto atentemos para o cuidado do uso do conceito, no sentido que Burke define como “secularização em sentido fraco”396, ou seja, as relações estabelecidas pela sociedade católica de Maragogipe com a morte “que tradicionalmente tinham se expressado em termos religiosos”397, sofreram interferências de outros campos, diga-se de passagem a preocupação política com a saúde pública. Não mais a família ou a irmandade decidiria sobre os enterramentos, com o regulamento do cemitério estes teriam que submeter seus costumes às novas regras. Isso nos 391 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1875. Maço 5393. Caixa 1751 Ibidem. Nos documentos que tratam do assunto não há nenhum que tenha sido elaborado diretamente pelo pároco ou pelo Sr. Dionísio de Souza Aguiar. As versões de cada cerca do ocorrida foram ditas e transcritas pela Santa Casa de Misericórdia nos ofícios que enviou ao Presidente da Província o Sr. Venâncio José Lisboa para explicar o conflito. Portanto, o que afirmamos enquanto opinião de cada um dos envolvidos foi feitas a partir desses documentos. 393 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1875. Maço 5393. Caixa 1751 394 Ibidem. 395 VOVELLE, Michael. Ideologias e Mentalidades. 2. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 135 396 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 279-280. Burke não fecha uma única definição para o termo “secularização”, mas a divide em duas acepções. A primeira, a secularização no sentido forte, ele classifica como “a rejeição da religião”, já no sentido fraco, seria o “declínio do sobrenatural”, em que a religião começa a dividir terreno com outras esferas como a política. 397 BURKE, 1989, p. 280. 392 120 remete a Certeau quando trata dos “deslocamentos no quadros de referência” 398. No caso em questão, as idéias religiosas foram mantidas, mas, a partir de então usadas pela instituição política, e empregadas numa nova ordem que elas não mais determinavam. Certeau chegou à conclusão de que mesmo com os deslocamentos nos quadro de referência, o conteúdo da prática continuou o mesmo, a sua “formalidade” sim passou por transformações no sentido de adequação ao novo campo referencial. Com o cemitério não foi diferente, as interferências da religião continuaram, além dos ritos, um exemplo mais direto da divisão do poder foi a guia que era fornecida pelo pároco e sem a qual não poderiam ser realizados os enterramentos, mas adequadas e submetidas a regras que não dependiam mais dela definir completamente. É nesse contexto que vão se estabelecer as relações com a morte da sociedade de Maragogipe e também dos irmãos de São Bartolomeu a partir de 1874. 3.1.4 Os ritos fúnebres depois do cemitério. O cemitério, sem dúvida, foi o elemento que possibilitou uma série de mudanças nos costumes relacionados à morte na sociedade de Maragogipe. Mesmo com a Proclamação da República em 1889, que secularizou os cemitérios, acreditamos que na organização dos funerais não houve alterações que interferissem diretamente nas práticas na Irmandade de São Bartolomeu que já não tivesse sido feita antes. A República atingiu mais o poder da Igreja nas interferências que fazia em relação aos enterramentos do que o das irmandades, já que a principal interferência que as irmandades sofreram foi antes desse período com a construção dos cemitérios. Mesmo sem poder mais definir completamente sobre o enterramento de seus irmãos, a Irmandade de São Bartolomeu não deixou de prestar as assistências necessárias na hora da morte. Mesmo com ma pompa menor, daquelas do século XIX, em que os os cortejos que eram acompanhados com tochas, velas e os irmãos vestidos com suas capas e capuzes, na primeira metade do século XX399, cada um dos membros da irmandade ainda poderiam 398 CERTEAU, Michael de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982, p. 153. No capítulo IV da segunda parte desta obra, Certeau discute como os quadros de referência vão se deslocando variando entre religião, moral, Igreja e Estado na transição da Idade Média para os Estados Absolutistas. A oposição entre protestantes e católicos assim como a investigação científica rompem com a “enfeudação religiosa”. Em meio a essa oposição surge então a moral como nova posição para referendar comportamentos e atitudes. As teorias das condutas elaboradas antes a partir da matriz religiosa passaram para o campo da prática social. A ética passou a classifica os comportamentos no lugar da teologia moral. Diante dessas rupturas houve a perda das certezas. Não sendo possível encontrá-las através da união das religiões, “se impõe a lei política em substituição” ao “estilhaçamento” que as incertezas provocaram. 399 Mesmo sem contar com informações detalhadas no intervalo de tempo depois do efetivo funcionamento do cemitério com seu regulamento até 1943, e o compromisso de 1812, o qual não tivemos acesso, podemos deduzir 121 ser acompanhado, na ocasião de seu enterro até o cemitério, por todos os Irmãos que o puderem fazer e a receber sepultura em carneiro da Irmandade, quando a mesma os possuir. Logo que se tiver notícia certa do falecimento de algum irmão, deverá a Irmandade fazer com que seja dado sinal no sino da Matriz400. O enterro continuou sendo por conta da irmandade caso o irmão falecido não deixasse recursos para a realização de suas exéquias. No entanto a irmandade assim procederia somente se o pudesse. Foram acrescidas as missas particulares pelas almas dos mesários, além das que costumeiramente já seriam realizadas para todos os irmãos falecidos. Cada mesário passou a ter “mais uma missa por sua alma, com a assistência da Mesa Administrativa, devendo essa ser celebrada o mais cedo possível e devendo também comparecer a ela todos os irmãos que o puderem fazer”401. Assim, como afirma Farias se referindo à Irmandade do Rosário do Pelourinho, “os sufrágios estavam presentes não apenas na hora da morte do irmão, mas acompanhavam o cotidiano da irmandade em outras ocasiões”402. Isso demonstra que, na primeira metade do século XX, os ritos fúnebres ainda tinham espaço entre as ações da Irmandade de São Bartolomeu, e a missa, como necessidade da salvação da alma, ainda era uma preocupação entre os seus irmãos. Entre as obrigações da irmandade constava: mandar celebrar uma Missa por mês, por todos os irmãos vivos e defuntos e pelos benfeitores da Irmandade. A esta Missa, que deverá ser celebrada no altar de São Bartolomeu, deverão assistir, pelo menos dois irmãos revestidos de capas e de tochas acesas. Para regularidade de sua celebração e para lembrança mai fiel dos Irmãos, essa Missa deve ser sempre no dia 24 de cada mês, a não ser que motivo justo determine a sua mudança, o que será comunicado ao 1º Procurador para aviso à Irmandade403. A citação nos apresenta não somente a garantia do sufrágio da missa, e também algumas formas de organização do rito, como o uso das capas e tochas acesas e o costume da celebração no altar do santo orago, sempre no dia 24 de cada mês. Esse era um momento, não somente de rezar pela alma dos irmãos falecidos, mas também, momento de celebração da memória, na data que corresponde, até hoje, ao dia dedicado a São Bartolomeu. Assim, tantos os irmãos vivos quanto os falecidos eram lembrados numa mesma celebração diante do santo padroeiro. Percebemos aí uma forma de comunhão desses três grupos diferentes, mas que compõem a irmandade em sua totalidade: os irmãos vivos e benfeitores, os falecidos e o santo que os costumes que se apresentaram no Compromisso de 1943 não se alteraram tanto, haja vista que o cemitério já estava em funcionamento desde 1874, portanto as alterações já se processaram desde esse período. 400 Art. 8º. Capítulo IV. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 401 Art. 40º. Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 402 FARIAS, 1997, p. 102. 403 Art. 4º. Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 122 padroeiro. Como afirma O‟Dea, “as forças sagradas atuam nos crentes e praticantes de maneira a fortalecê-los e mantê-los”404. Talvez a celebração servisse como forma de buscar no santo o fortalecimento e coesão da irmandade. Foi assim que permaneceram os costumes da Irmandade de São Bartolomeu na segunda metade do século XX. Uma vez que esta confraria não mais podia contar com as sepulturas intra-templo, para garantir um bom funeral aos seus irmãos, situação oscilante entre 1855 e 1874, anos em que ocorreram respectivamente a epidemia de cólera (a qual não impediu por muito tempo que os enterramentos voltassem a acontecer no interior da igreja), e o funcionamento regulamentado do cemitério (com isso cessaram-se as inumações na Matriz), a preocupação com a salvação da alma permaneceu firme. As missas celebradas constantemente e que foram enfatizadas no Compromisso de 1943 foram salutares para manter o ritmo devocional ligado à morte dos irmãos de São Bartolomeu. 3.2 ORGANIZAR A FESTA: UMA TAREFA DA IRMANDADE. A festa de São Bartolomeu foi o motivo da criação da Irmandade do mesmo orago. Em estreita relação, ambas caminharam juntas, chegando a um grau de importância central entre os festejos da sociedade católica de Maragogipe. As festas religiosas eram freqüentes no Brasil desde o período colonial405, e no decorrer do século XIX, nelas foi mantido com força o caráter devocional que ganhava ainda mais ênfase quando o símbolo referencial da irmandade, o padroeiro, era celebrado nas missas, ou saía em procissão. Dividindo espaço nas ruas e na programação dos festejos, os eventos lúdicos também compunham o bojo das práticas de comemoração e louvor aos santos dos fiéis. Movidos pela crença no poder de intercessão do santo, os irmãos realizavam todo este “ritual”406 que externava em práticas a devoção a São Bartolomeu. Como disse Bakhtin, “quase todas as festas religiosas possuíam um aspecto cômico popular e público, consagrado pela tradição”407. Estas comemorações, por se desviarem dos ideais do catolicismo romanizado passaram a ser uma preocupação do clero ultramontano a partir da segunda metade do XIX, situação evidente nas preocupações de Dom Romualdo de 404 O‟DEA, 1969, p. 35. Ver DEL PRIORE, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000, p. 89-103. 406 BURKE, 1989, p. 204. Tomamos aqui o conceito de Peter Burke que define ritual como “o uso da ação para expressar significados, em oposição às ações mais utilitárias”, e também a “expressão de significados através de palavras ou imagens”.. 407 BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: HUCITEC, 1987, p. 04. 405 123 Seixas acerca da Irmandade de São Bartolomeu, e principalmente no uso do incenso nas missas particulares que ele considerou como alusivas a outras práticas que não a de católicos romanizados, como já discutimos anteriormente. No entanto, a instabilidade da relação entre a Igreja e o Estado causada pelo ecoar das vozes regalistas levou o clero a “atenuar seu discurso repressivo em relação às festividades e às manifestações devocionais vivenciadas pelas irmandades”408, como ocorreu em Porto Alegre. Ao que parece, a preocupação com a festa tinha razões no seu caráter público, era uma exposição da própria instituição católica que era feita pelas irmandades. Dessa forma, “elas precisavam de uma direção oficial por parte da Igreja”409. Diante disso, levando em conta o momento em que a Irmandade foi criada, e não tendo notícias de que houvesse antes dessa data um culto a São Bartolomeu que fosse expressivamente popular na freguesia de Maragogipe, acreditamos que a festa ao apóstolo já tenha começado obedecendo às regras propostas por Roma. Mas verifiquemos o que reza o Compromisso de 1851 para então percebermos como a irmandade conduziu a festa. 3.2.1 O crescimento da festa de São Bartolomeu e a atuação da Irmandade. Desde o princípio da Irmandade, estabeleceu-se o dia dedicado a São Bartolomeu para a realização de sua festa, salvo fosse por ela determinado que acontecesse em outra ocasião. Para organizar a festa de São Bartolomeu, os irmãos se reuniam um mês antes na sacristia da igreja Matriz no intuito de deliberar sobre os detalhes do evento. Cumprindo assim o papel que lhe cabia na organização das atividades católicas da sociedade de Maragogipe. Sobre o ritual que deveria ser realizado o compromisso trata o seguinte: esta solenidade se faça (sempre que se possa) com novenas, exposição do Santíssimo Sacramento no dia da festa, missa cantada, sermão, e procissão à tarde pelas ruas desta cidade, preparando-se com o maior ornato o altar-mor, trono, e armação na igreja, na qual assistirão todos os irmãos com suas capas e tochas, como em quinta-feira maior, e de tarde acompanharão a procissão do mesmo modo, na qual segurarão as varas do Palio410; A descrição nos dá a idéia dos trabalhos realizados nas festividades de 24 de agosto, começando com a missa participada somente pela irmandade por volta das cinco horas da manhã, exclusiva da Irmandade - certamente a missa particular a que se refere o Arcebispo 408 TAVARES, 2007, p. 194. AZZI, Riolando. O Episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 60. 410 Capítulo XI. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. 409 124 Primaz Dom Romualdo de Seixas quando proibiu o incenso. No mesmo dia mais tarde, às nove horas, era celebrada outra missa que era aberta aos fiéis que não eram membros da irmandade, embora também assistida pelos irmãos com seus paramentos. A ornamentação do altar era uma das preocupações da Irmandade para a boa composição do ritual da festa. Sendo o lugar privilegiado de São Bartolomeu, ele precisava corresponder à sua santidade, mas também representar a dedicação e o zelo dos fiéis. Assim o altar era o lócus, o marco referencial que determinava uma posição de “intenso respeito”411 relacionada com o ícone sagrado. As missas, as orações, as novenas e o próprio ato de adornar a imagem sacra do padroeiro eram ações que garantiam a dinâmica da fé, e tornavam o altar ornamentado um espaço movimentado pela ação dos fiéis, ou seja, “um lugar praticado”412. A programação se estendia por todo o dia e somente se encerrava com a chegada da procissão na Matriz, depois de ter passeado por todas as ruas da cidade com a imagem de São Bartolomeu. Na matriz era dada a benção do Santíssimo Sacramento e encerrados os trabalhos e louvor ao padroeiro. Assim se dava o ápice do dia dedicado ao padroeiro da cidade. Para receber sua proteção os fiéis se organizavam para “fortalecê-lo com as festas em seu louvor, festas que representavam exatamente um ritual de intercâmbio de energias”413 entre fieis e santo. Essas atividades que aconteciam no dia culminante da festa eram antecedidas pelas novenas que eram organizadas e financiadas pelos mordomos e mordomas conforme aponta o compromisso ao tratar das despesas da festa: para cujas festividades, serão aplicadas não só as jóias do Juiz, Escrivão, e mais Oficiais da mesa, como também a que der a Juíza (que haverá), mordomos, e mordomas para as novenas, e o mais que faltar quando isto não baste, será satisfeito pelo Tesoureiro, a custa do cofre da Irmandade; guardando-se em tudo a maior decência possível. Os mordomos necessariamente não faziam parte da Irmandade, nem constituíam um grupo com caráter de comissão, trabalhavam juntamente com os irmãos somente durante as festividades e geralmente se ocupavam individualmente por algumas noites do novenário. As mordomas muitas vezes eram as próprias esposas dos membros que já se ocupavam de atividades parecidas, geralmente ligadas à decoração e organização de ritos celebrativos como a quinta feira maior e demais missas em que a irmandade participava. 411 O‟DEA, 1969, p. 34-35. Ao discutir sobre “o sagrado” abordando idéias de autores como Rudolf Otto e Émile Durkheim, O‟Dea afirma que a relação humana com sagrado exprime seriedade e leva a atitude da interdição das coisas que o representam, ou seja os símbolos são postos fora do cotidiano profano, e inseridos nas “práticas rituais”. Essa relação que não se estabelece com a coisa em si, mas com “um poder que se difunde [nelas]”, faz uma exigência ao crente ou praticante. “Dá à consciência humana uma obrigação moral, um imperativo ético”. 412 CERTEAU, 1990, p.202. 413 REIS, 1991, 61. 125 Levando em conta que as irmandades da Bahia sofreram alterações significativas nos cultos realizados aos seus oragos na segunda metade do XIX, quando Pio IX proclamou o dogma da Imaculada Conceição, no intuito de afirmar “o culto mariano em detrimento dos santos tradicionais cultuados pelos leigos de forma espetacular, carnavalesca e com a inclusão de elementos de outras crenças religiosas”414, e tendo a Irmandade de São Bartolomeu já surgido no contexto das tentativas dessas reformas, principiadas na Bahia por Dom Romualdo de Seixas, podemos afirmar que sua organização já se deu a partir das ponderações do Arcebispo, como discutimos no capítulo anterior. Assim, o culto organizado pela Irmandade ao apóstolo São Bartolomeu surgiu já moldado por critérios estabelecidos pelo clero ultramontano que desejava para os fiéis católicos uma vivência da fé romanizada. No entanto, como veremos mais adiante, isso não impediu que os festejos populares se realizassem da forma mais heterodoxa possível. Diante disso, acreditamos que assim ocorreu o culto a São Bartolomeu durante toda a segunda metade do século XIX, sob a organização da Irmandade e seguindo os requisitos que o compromisso rezava, pois as descrições da festa que encontramos já na primeira metade do século XX não apontam modificações que interferissem na sua estrutura inicial. São poucas as informações sobre a situação da Irmandade na condução da festa no momento da Proclamação da República, que ocasionou a separação oficial entre a Igreja e o Estado. Isso nos permitiria verificar possíveis alterações feitas nesse período. O que sabemos data de antes disso, 1884, quando o jornal Echo Maragogipano noticia a distribuição feita pela Irmandade de São Bartolomeu, dos editais com o programa da festa que parece, já havia tomado proporção para além dos limites de Maragogipe: Essa festa que sempre é feita com vivo entusiasmo e imenso esplendor, é de crer que, no ano corrente, em vista da grande influência que está apoderada a população e dos esforços envidados pelos encarregados dessa missão augusta, sobressaia a dos anos pretéritos. Os habitantes das cidades vizinhas – BAHIA, CACHOEIRA, NAZARÉ e SANTO AMARO que, por algumas vezes tem tomado parte ativa do regozijo de que se dominam os maragogipanos por ocasião dessa Festa, devem louvar nosso dia augusto com as suas presenças, bem assim as distintas filarmônicas, a fim de darem maior brilhantismo a Festa de nosso Orago415 Pelas informações que verificamos no periódico Constitucional de 1897, pudemos perceber que a festa continuou a ser realizada. No entanto, não há certeza da participação da 414 COUTO, Edilece Souza. Festejar os santos em Salvador: Regras eclesiásticas e desobediências leigas (18501930), p. 2. Disponível em: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_II/edilece_souza_couto.pdf. Acesso em: Out. 2010. 415 Echo Maragogipano, ano II, nº. 53 de 24/07/1884. 126 Irmandade enquanto a organizadora, tal qual versava o Compromisso de 1851, já que a notícia não traz nenhuma referência a ela, e somente de alguns nomes assumindo cargos que remetiam àqueles similares da irmandade. Foram eles José Francisco de Vasconcellos como tesoureiro, Cornélio Florentino de Souza como escrivão e na função de procuradores Cândido Gonçalves dos Santos e Serapião Eunápio de Figueiredo. Alguns trechos da notícia deixam transparecer a possibilidade da não realização da festa: É fora de dúvida que enquanto habitar no solo maragogipano corações devotos à nossa Santa Religião católica, espíritos verdadeiramente cristãos, filhos amorosos e estremecidos pelas rememorações das glórias imperecíveis de seu berço natal, a tradicional festa do Ínclito S. Bartolomeu será um fato consumado416. Ora, sendo a festa uma certeza de todos os anos, não haveria motivos para a afirmação ressaltar de tal forma o seu acontecimento. Mais adiante, fica evidente uma incerteza em relação à data em que ela seria realizada, que parece, não estava acontecendo no dia dedicado a São Bartolomeu: A ansiedade da massa popular pelo rompimento da aurora desse dia traduzse pelo interesse particular que cada um de per si revela na indagação da data designada para os cânticos louvores ao nosso Ínclito orago S. Bartolomeu, o advogado invencível dos habitantes da cidade das palmeiras417. Nesse ano, os “encarregados pela referida festa, no cumprimento restrito de seus deveres” anunciaram ao público que esta se realizaria “improrrogavelmente [sic], no dia 29 de agosto próximo vindouro”418. Acreditamos que, em meio às agitações e incertezas causadas pela Proclamação da República, a Festa de São Bartolomeu não tenha sido realizada ou não tenha acontecido com as pompas de costume. Foi a partir de 1912, quando a Irmandade sofreu uma reforma em seu compromisso, certamente para se adequar ao novo contexto vivido pela Igreja, que o evento voltou a acontecer com regularidade. Mesmo que antes disso tenha sido realizado, pela notícia do ano de 1897 que analisamos, pode ter havido oscilações nesse período de pouco mais de uma década. Nos anos seguintes, a Irmandade continuou a empenhar-se na organização da festa de São Bartolomeu, que já na altura da década de 20 havia ganhado repercussão para além das fronteiras de Maragogipe. O Jornal “O Prélio” de 1928 trouxe a seguinte notícia: “Como já é de domínio público virão a esta cidade como de costume vários passeios de recreio, 416 Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/07/1897. Ibidem. 418 Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/07/1897. 417 127 promovidos pelas estudiosas philarmonicas de cachoeira, Santo Amaro e Capital para se confraternizar com os seus irmãos do Paragussú, no dia dos louvores ao padroeiro”419. A festa de São Bartolomeu ao que parece havia se tornado a manifestação maior da religiosidade católica de Maragogipe segundo o entusiasmado anúncio do periódico: É a festa maior: é a sagração mais elevada: o Hosana mais fervoroso, o glória mais entusiasmático – que este povo celebra, que essa multidão pratica, que esta população manda aos Céus, num arroubo de fé verdadeira, com a potencialidade de sincero amor, na ânsia incontida de que para todos desçam os eflúvios bons do justo, venham os raios vivificadores da luz portentosa do olhar do Santo, o fluido santo do Apóstolo, o perdão do Mártir420 À medida que a festa foi crescendo, a irmandade foi sentindo a necessidade de dividir a tarefa de sua organização e a Mesa administrativa ganhou um grupo extra que pudesse se ocupar de tais atividades. Acreditamos que essa medida tenha sido começada com a reforma de 1912, quando os mesários daquele ano contaram com a ajuda de uma Comissão auxiliar, formada por oito militares, o que denota que, desde lá, a repercussão da Festa de São Bartolomeu propiciou transformações na tradicional Mesa Administrativa. A Festa de São Bartolomeu não parou de crescer e na década de 30 já havia ganhado grande repercussão. O movimento gerado por ela era aguardado por toda a cidade, que se preparava para receber os visitantes que chegavam por conta dessa ocasião. Uma notícia do periódico Redenção, de 1936, nos dá uma idéia de como isso ocorria: Mais vinte e dois dias e o povo maragogipano sentir-se-á satisfeito e regozijado, e virtude da realização, mo vindouro dia 30, da tradicional Festa em honra ao nosso Ínclito patrono São Bartolomeu. Para esse sublime e primoroso acontecimento todos os habitantes desse rincão adorável, onde nascemos, já se preparam com entusiasmo e capricho, a fim de serem soleníssimas as homenagens que serão tributadas ao querido e grande apóstolo do meigo Rabi da Galiléia. O Sr. Prefeito municipal, por sua vez, dando provas de bom administrador não tem se descuidado no desempenho de suas árduas funções, empregando todo esforço possível no louvável intuito de dar a nossa cidade um aspecto melhor, que proporcione boa impressão àqueles que nos visitem e venham, como de costume compartilhar de nossas íntimas alegrias. Pelo que foi anunciado, virão a esta cidade no sorridente dia 30, atraentes Passeios de Recreio das progressistas cidades de Cachoeira, São Félix, Muritiba, etc. [...] A <Terpsícore Popular>, no Coreto à Praça Dr. João Pessoa deleitará, deleitará as nossas almas durante os belos dias festivos. E assim a Grande Festa de Maragogipe será, este ano, imponente e deslumbrante421. 419 O Prélio, ano VIII, nº. 347 de 24/08/1928. Ibidem. 421 Redenção, ano VI, nº. 192 de 08/08/1936 420 128 A preocupação do Prefeito com o embelezamento da cidade, podia ter suas razões nas implicações políticas que isso lhe traria, tendo em vista a importância da festa para a cidade e sua ressonância nas cidades vizinhas, mas também, poderia estar ligada ao fato de que o prefeito, Oscar de Araújo Guerreiro, também era membro da Irmandade e, naquele mesmo ano, assumiu o cargo de Escrivão. De qualquer forma, é notória a repercussão e proporção que a festa já havia tomado. E pelo que evidencia a notícia, a presença dos visitantes já havia se tornado um costume. No ano seguinte, 1937, o mesmo jornal nos informa sobre os visitantes de cada cidade que visitariam Maragogipe nas festas de São Bartolomeu: Da heróica Cachoeira, é certo chegarão aqui no dia 29, dois vapores da Navegação Baiana, trazendo centenas de passeantes e as aplaudidas filarmônicas – Lira Ceciliana – Minerva Cachoeirana – União Sanfelixta – Lira Muritibana – e a Lira Guarani – de Cruz das Almas. Da Capital do Estado virão Também dois passeios de recreio. Um de exmas. famílias e outro da Associação Tipográfica Baiana, abrilhantando-as duas filarmônicas422. Um verdadeiro festival de filarmônicas se estabelecia na cidade que também abrigava os visitantes, dando, assim, o tom da grande festa que já havia se tornando o culto ao apóstolo São Bartolomeu. Quanto às composições das mesas, de 1912 partimos para 1934, quando novamente encontramos as listagens de irmãos e comissões que se ocupavam da organização da festa. Desse último ano em diante, podemos afirmar que os irmãos de São Bartolomeu passaram a dividir com frequência os trabalhos ligados à festa com comissões que variavam de nome e função ano a ano. A composição tradicional da Irmandade, composta pelo Juiz, Escrivão Tesoureiro, Procuradores, Consultores e a Juíza da festa, foi mantida e eram eles quem coordenavam os trabalhos realizados pelos demais. Em 1934, as grandes firmas fabricantes de charutos, Suerdieck & Cia e Dannemann & Cia423, ocuparam o lugar de Juízas Protetoras. Esta função tinha, certamente, a importância das quantias que estas firmas poderiam ceder para os gastos com as festividades. Dois anos depois, as participações das fábricas ainda se fizeram pela colaboração financeira, mas 422 Redenção, ano VII, nº. 234 de 14/08/1937. GOVERNO DO ESTADO DA BAHIA. Carnaval de Maragogipe. Secretaria de Cultura. IPAC. Salvador: FPC, 2010. Disponível: http://www.ipac.ba.gov.br/site/conteudo/downloads/arquivos/arquivo1112/3.maragojipe.pdf. Acesso em Nov. 2010, p. 21. Entre as fábricas de charutos que se espalharam pelo Recôncavo, a “Dannemann e a Suerdieck foram as que mais se destacaram, pelo comércio estável que possuíam, pela quantidade de mão-de-obra utilizada e por terem contribuído para a prosperidade das cidades onde estavam situadas” Entre essas cidades estava Maragogipe. 423 129 também com as comissões auxiliares formadas pelos operários de cada uma delas. Dezoito homens respondendo pela Suerdieck & Cia e dez pela Dannemann & Cia. Entre eles estava Augusto Malaquias, auxiliar de escritório da Dannemann424 e também membro da Comissão de Sindicância da Sociedade Protetora dos Operários425. Não encontramos muitas informações sobre os demais membros das duas comissões. Operários e homes simples, suas vidas não estavam no foco dos interesses dos jornais locais. Durante toda a vida da irmandade, no nível da administração, as mulheres somente eram representadas pela Juíza da festa, que não tinha o mesmo poder de chefia do Juiz. Mesmo que assumissem atividades ligadas à Irmandade, seus nomes não constavam nas listas que compunham as Mesas Administrativas. Em 1934, para além desse cargo assumido pela esposa do prefeito Anísio Malaquias, Senhora Zilda Marta Malaquias, “alta representação social, dama da elite, senhora possuidora de excelentes requisitos morais e mãe modelar”426, as mulheres passaram a ocupar comissões constituídas somente por elas. A primeira que temos notícia foi a das “Excelentíssimas Senhoras” em 1934, composta por treze mulheres. Entre elas, Maria Amélia Dias Peixoto, apontada pelo jornal Redenção como “símbolo da bondade, uma verdadeira esposa modelar e carinhosa mãe de família”427. No ano seguinte, a Irmandade ganhou uma “Comissão de Senhorinhas Auxiliares”, formada por dez mulheres, da qual faziam parte senhoritas da influente família Guerreiro428 como Bernadete Guerreiro e Auta Damiana Guerreiro, e um outro grupo de oito mulheres assumindo a função de Juízas protetoras. Ajudaram a compor esse grupo, a esposa do gerente da Dannemann, João Todt, a Senhora Estela Machado Todt e a esposa do Coronel Afonso Portela, a Senhora Raimunda Portela, considerada mulher de “gestos altruísticos e nobres virtudes”, professora de “fidalgo trato” e “rainha e senhora na arte do saber e edificadora mãe de família”429. Encabeçando a lista das mulheres, assumiu nesse ano o cargo de Juíza, a Senhora Claudemira de Brito, esposa de Vitoriano Alves de Souza, político influente do partido PSD430. A partir de 1936, a participação das mulheres foi reduzida, e além do cargo de Juíza, em grupo de cinco, elas compuseram a “Comissão encarregada da ornamentação dos altares”. Sobre elas, as informações são poucas, e deste ano em diante, nas listagens das 424 Redenção, ano V, nº. 136 de 11/05/1935 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 426 Redenção, ano V, nº. 144 de 13/05/1935. 427 Redenção, ano V, nº. 136 de 11/05/ 1935. 428 A família Guerreiro da qual estamos citando alguns membros, e a geração dos filhos de João Primo Guerreiro. Eles eram em número de dez. Heráclio, Oscar, Raul, Temístocles, Juarez, Hibernon, João Mourinho, Afrodísio, Áureo e Maria Guerreiro. Muitos deles assumiram cargos públicos e políticos em Maragogipe. 429 Redenção, ano III, nº. 65 de 23/09/1933. 430 Redenção, ano VII, nº. 227 de 19/07/1937. 425 130 Mesas administrativas as comissões ou grupos formados especificamente pelas mulheres, não mais apareceram. Mesmo diante das poucas informações sobre as mulheres que estiveram na Irmandade, seja como Juíza da festa ou assumindo uma das Comissões auxiliares, foi possível estabelecer o perfil social exigido para que pudessem participar de alguma forma da organização da festa de São Bartolomeu. Virtudes socialmente aclamadas, como “esposa modelar”, “mãe de família”, “esposa desvelada”, eram requisitos morais que de alguma forma reservava para as mulheres mais abastadas a participação nos trabalhos da irmandade. Essa mesma lógica era aplicada à maioria dos homens que fizeram parte das comissões auxiliares, salvo as que foram formadas pelos operários das fábricas de charutos. Em 1934, foram nove Juízes protetores devotos do santo, todos chamados Bartolomeu: Bartolomeu de Brito Souza Bartolomeu de Albuquerque Bartolomeu de Souza Santos Bartolomeu Rebouças Bartolomeu Alves de Souza Bartolomeu Moreira Bartolomeu Faleiro Bartolomeu de Figueiredo Bartolomeu Diogenes de Souza Pelo que sabemos sobre alguns desses devotos de São Bartolomeu, é possível afirmar que eram homens da elite da cidade. Bartolomeu de Albuquerque dedicava-se ao comércio, assim como Bartolomeu de Souza Santos, que era um influente comerciante da cidade. Sobre este último, em ocasião que estava sendo cogitado para disputar as eleições municipais, o periódico Arquivo fala o seguinte: Burguês estacionário. Cidadão de conduta exemplar. Fino e astuto. Em suas gavetas de judeu onzenário vivem acorrentadas muitas figuras boas. Balzaqueano pesado de voz e físico. Apartidário, não assume compromisso. É amigo das coisas caídas do céu. Nunca administrou coisa pública. Como administrador de coisa privada, apesar do atraso, é obreiro e honesto. Entre elogios e comentários nada favoráveis, pelo menos podemos ter certeza da condição sócio-econômica dos dois juízes protetores. Em 1935, mais uma vez, Bartolomeu de Souza Santos assumiu a função, só que desta vez não a dividiu com seus homônimos, mas com outros vultos de destaque da elite de Maragogipe. Estavam entre eles, Hibernon Guerreiro que era proprietário de casas de jogos, atelier de moda e candidato a vereador, nesse mesmo ano, pelo PSD431, Anfilófio Melo, que 431 Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935; Redenção, ano VI, nº. 138 de 25/05/1935. 131 além de Oficial do Registro de Imóveis e Hipotecas, era influente político do PSD432, Anísio Malaquias, que fora prefeito de Maragogipe e vereador por mais de uma vez, chegando a assumir a presidência da Câmara em 1937433, João Batista Soares, que fora Consultor da Santa Casa de Misericórdia em 1937434 e João Pereira Guedes, proprietário de terras, também era consultor da Santa Casa de Misericórdia e vereador pelo PSD435. Nas comissões auxiliares masculinas também pudemos perceber a abastada condição social de alguns dos que a compuseram. Por elas passaram nomes como Hibernon Guerreiro, de quem já falamos, Reinaldo José de Moraes, “competente contador da prefeitura local” 436 e Octaviano Teixeira do Sacramento, negociante e proprietário rural que fora candidato a vereador pelo PSD em 1935437. No entanto, pessoas ligadas ao operariado também passaram a fazer parte dessas comissões, a saber, João Thomaz da Silva, primeiro secretário da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe438, José Luiz Paranhos, que viera a se tornar presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fumo em 198439, o vice-presidente da Sociedade Protetora dos Operários de Maragogipe João Melo440, Manoel Veríssimo dos Santos, Vice-Presidente do Diretório da Sociedade Protetora dos Operários e auxiliar de escritório da Fábrica Suerdieck441. Assim, de certa forma, se promovia “a sociabilidade e o sentimento de pertencimento e identidade”442 relacionado, ao santo padroeiro. As adições feitas à Irmandade de São Bartolomeu, pelo menos para a ocasião da festa, sendo as principais as comissões auxiliares e os juízes protetores agruparam pessoas de grupos sociais distintos. No entanto, o grupo dos juízes protetores, era formado a partir de critérios de posicionamento, relacionados à condição sócio-econômica e a influência que os membros tinham na sociedade de Maragogipe. Talvez por fazer referência ao próprio cargo do Juiz da Irmandade que sempre foi assumido por homens de elevada condição social, assim como os demais cargos, o que nos permite classificar o perfil social da Irmandade de São Bartolomeu como uma confraria da elite de Maragogipe. Assim, a Irmandade de São 432 Arquivo, ano V, nº. 44 de 24/08/1955; Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. Redenção, ano VII, nº. 206 de 19/12/1936; Redenção, ano VII, nº. 13 de 20/02/1937. 434 Redenção, ano VI, nº. 206 de 19/12/1936. 435 Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935; Redenção, ano VI, nº. 206 de 19/12/1936. 436 Arquivo, ano II, nº. 18, 27/04/1953. 437 Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935 438 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. 439 Tribuna do Povo, ano III, nº. 2. 440 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937 441 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937; Redenção, ano VII, nº. 211 de 06/02/1937 442 COUTO, Edilece Souza. Devoções, festas e ritos... p. 2. 433 132 Bartolomeu assumia politicamente” 443 sua “função implícita de representar socialmente, se não os diversos grupos sociais, mas, definindo bem o lugar de cada um. A presença dos operários das fábricas de charutos da cidade nas comissões auxiliares, que foram formadas nesse período, poderia ter quebrado esse perfil, ou pelo menos aberto uma via de acesso para as pessoas menos abastadas participarem da organização da festa do padroeiro, junto com os tradicionais membros da Mesa administrativa, no entanto, pela análise das Mesas administrativas posteriores não foi isso que verificamos. Além do crescimento da festa, que tornou necessária a ampliação do contingente para se ocupar das diversas atividades realizadas, a criação dos grupos extras na Mesa Administrativas tinha outro desdobramento: as quantias geradas pelas doações de seus membros, que ajudavam a endossar as jóias pagas pelos mesários. O balancete da receita do ano de 1936 nos permite visualizar melhor o que ora afirmamos: FESTA DE SÃO BARTOLOMEU – RECEITA Do Juiz – Heráclio Guerreiro Da Juíza – D. Eleonora Borba Do Escrivão – Oscar de Araújo Guerreiro Dos Procuradores – Bartolomeu Sant’Anna e Corbiniano Rocha a 20$000 cada um Do Consultor – Victoriano Alves de Souza Dos Consultores – Claudionor José Fernandes, Dácio Corrêa Carmo, Marcelino Ribeiro da Silva e Bartolomeu Borba a 20$000 cada um Dos Consultores – Dr. Claudio Costa, Álvaro Britto e Raul Leonídio Guerreiro Da Firma Suerdieck Companhia Da Companhia de charutos Dannemann Da Prefeitura Municipal Ofertas de Hibernon Guerreiro Dos Operários da C.C. Dannemann (Nagé) Dos operários de Themistocles Guerreiro (Coqueiros) De João Pereira Guedes, Heurick Caspelhers, João Schicek, Typ. Peixoto, Antonio Eloi da Silva, Octaviano Teixeira, José Claudino da Silva, Rosalvo Sanches e Dona Ângela Maria da Silva a 50$000 cada um Das Cartas distribuídas por Dácio C. Carmo Alexandre Alves Peixoto Durval Antonio de Souza De cadernetas de Operários – Octaviano Teixeira Anselmo T. da Silva 443 REIS, 1991, p. 53. 200$000 100$000 50$000 40$00 100$000 80$000 25$000 200$000 75$000 200$000 200$000 177$000 102$000 450$000 131$000 24$000 20$000 95$000 22$500 133 10$000 Vieira de Melo e Cia 10$000 Edistío Rebouças 10$000 Manoel Daltro de Castro Contribuição dos operários da Fábrica de charutos Suerdieck por intermédio dos mestres 181$500 Almiro Andrade 139$500 Egberto Soares 133$500 Roque Silva 106$500 Jeremias Silva 105$500 Antonio Moreira 102$000 Vicente França 92$500 Manoel Florêncio 89$500 Inocêncio Silva 80$000 B. Bandeira 74$000 Manoel Guimarães 73$500 Clementino Sacramento 67$000 José Batista do Rosário 65$000 Osvaldo Queiroz 63$5000 Osvaldo Rebouças 63$5000 João Neréga 40$000 Antonio Almeida 41$500 José Maurício 31$5000 Edílio Carvalho 26$000 Virgílio Laranjeira Contribuição dos operários da Fábrica Dannemann por intermédio dos mestres 95$000 Antonio Ignácio 68$000 José Eduardo 67$500 Samuel Carneiro 31$100 Geraldo Grato 28$500 Manoel Lopes 20$300 Arthur Lima 128$000 Manoel dos Santos 11$000 Oscar Silva 9$000 Augusto Malaquias 204$000 Jóias e anuidades dos irmãos 203$000 Esmolas de bolsas 102$000 Resultado de uma Kermesse 1.904$000 Subscrição geral 6.654$100 S.E.O DESPEZA Importância despendida com a festa Saldo a favor da Irmandade. S.E.O. R$ Maragogipe, 30 de setembro de 1936 O Tesoureiro – Benigno dos Santos Rebouças 6.129$700 524$400 134 Quadro 8 – Balancete de recita e despesa da festa de São Bartolomeu do ano de 1936444. Se compararmos o montante da arrecadação das jóias e anuidades dos irmãos, mesmo as que eram feitas pelos mesários em ocasião da festa com as doações realizadas por aqueles pertencentes às comissões auxiliares e demais, veremos o quanto elas aumentavam a receita da irmandade. Mas o custeio da Festa de São Bartolomeu não era feito somente com as contribuições dos mesários e das novas comissões auxiliares. Volta e meia, os jornais anunciavam as iniciativas dos tesoureiros para conseguir fundos que custeassem as despesas com o tradicional festejo. Em 1937, o tesoureiro “resolveu angariar donativos por meio de cupons numerados e com direito a onze prêmios”445. No balancete das despesas e receita de 1968446, encontramos, além dos cinco livros de ouro distribuídos em Maragogipe, Salvador, Guanabara, Recife e Mataripe, ações como balaios juninos, venda de flâmulas com a imagem de São Bartolomeu e cartas pedindo doações que eram distribuídas na cidade. Esses lugares, onde se recolhiam quantias dos livros de ouro, correspondiam às colônias de cidadãos de Maragogipe que moravam fora. Essas medidas foram freqüentes ao longo do tempo em que a Irmandade esteve efetivamente na condução da festa. Em 1970, além dos livros já citados, o balancete apresentou prestação de contas de livros que foram entregues inclusive à Petrobrás. A prefeitura municipal também esteve presente entre os contribuintes. Se nos anos posteriores a 1936 houve algum hiato nas atividades relacionadas às comissões auxiliares, certamente, depois de 1943, elas voltaram a ser formadas e executar funções na organização da festa de São Bartolomeu. O Compromisso reformado desse último ano, ao estabelecer a data da sessão extraordinária para cuidar da festa que seria num dos domingos de julho, versava sobre as comissões auxiliares da forma seguinte: “Nessa sessão serão eleitas as comissões que devem se incumbir de tirar esmolas afim [sic] de auxiliar a Irmandade nas despesas com a dita festa. Essas comissões poderão ser constituídas por irmãos e por qualquer pessoa, ainda mesmo alheia à Irmandade”447. Era nessa ocasião também que se elegia “uma Juíza de devoção, bem como os mordomos e mordomas da novena ou do tríduo, conforme o costume”448. Diante disso, acreditamos que elas continuaram a funcionar, mesmo porque a festa não regrediu da repercussão que já havia ganhado para que não mais houvesse 444 Fonte: Redenção, Ano VII, Nº 207 de 25 de dezembro de 1936. Redenção, ano VII, nº. 227 de 19/06/1937. 446 Arquivo, ano XVIII, nº. 183 de 27/11/1968. 447 Art. 36. Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943 448 Capítulo VIII. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. 445 135 a necessidade dessas comissões. O que pode ter havido, é que, assim como os nomes dos mordomos e mordomas nunca apareceram na composição da Mesa administrativa e depois de 1943, também o da juíza de devoção, certamente por não se tratarem de membros oficiais da Mesa, os eleitos para as comissões auxiliares também deixaram de ser incorporados às listagens que passaram a ser compostas somente pelos tradicionais cargos da Irmandade. Além disso, em 1970, na prestação de contas feita no jornal Arquivo, foi mencionada a quantia de Cr$ 2.592,00 (dois mil quinhentos e noventa e dois cruzeiros)449, como montante da contribuição das ditas comissões, o que denota sua participação nos trabalhos da festa. O mesmo Compromisso trazia também uma serie de seis exigências necessárias para o ingresso na Irmandade, como já tratamos no capítulo anterior. No entanto, a condição sócioeconômica continuou a definir quem seriam os irmãos de São Bartolomeu responsáveis por cuidarem de seus louvores. Entre esses homens, estava Oscar de Araújo Guerreiro que assumiu o cargo de Juiz, a quem o periódico Arquivo se refere como “comerciante. Burguês. Progressista” que “governou o município durante seis anos entre o período constitucional e o regime pré-fascista [sic] de Chico Campos” 450 . Político do PSD, novamente em 1953 ele foi candidato a prefeito. Antes disso, entre os anos de 1933 e 1936, ele havia assumido os cargos de Procurador e Tesoureiro da Santa Casa de Misericórdia. Como Tesoureiro estava Bartolomeu José de Sant‟Anna, que há muito era um influente negociante. No jornal Cidade de Maragogipe, ainda em 1913, foi noticiada a visita à cidade, do Sr. Julio Almeida Santos, “ativo representante de uma das firmas comerciais da capital do Estado” 451 que ali veio a convite de seu amigo Bartolomeu José Sant‟Anna. Isso nos mostra que o tesoureiro da Irmandade exercia suas influências comerciais para além de Maragogipe. Entre os procuradores encontramos o negociante e proprietário de terras Benigno dos Santos Rebouças que já havia assumido o cargo de Tesoureiro em 1936, quando foi vereador eleito pelo PSD452 e Manoel Veríssimo dos Santos, sobre quem já citamos mais acima. Entre os Consultores, cargo que tinha substituído os mesários desde a reforma de 1912, encabeça a lista o Dr. Claudio Rodrigues da Costa. Sobre este não sabemos o que lhe conferia o título de doutor, mas, certamente uma posição social de prestígio. Também Anfilófio Vieira de Mélo e Bartolomeu de Souza Santos, dos quais já tratamos, fizeram parte desse seleto grupo, acompanhados pelo “conceituado industrial”453 Manoel Geminiano Barbosa, pelo comerciante 449 Arquivo, ano 21, nº. 214 de 23/06/1971. Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. 451 Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913. 452 Redenção, ano V, nº. 162 de 07/12/1935. 453 Arquivo, ano II, nº. 18 de 2704/1953. 450 136 Péricles Figueiredo454 e por Salmanazar Antonio de Jesus que já tinha experiências em festas religiosas, visto que, em 1935 foi responsável pela celebração de Pentencostes da Igreja Matriz455. No ano seguinte, praticamente as mesmas pessoas se alternaram nos cargos, sendo acrescidos poucos novatos como Corbiniano Rocha. Juiz em 1944, ele era auxiliar de confiança do escritório da Fábrica Suerdieck & Cia e membro do PSD456. Também Raul Leonídio Guerreiro, que assumiu o cargo de mesário no mesmo ano e era tesoureiro da prefeitura. A experiência de Raul Leonídio em irmandades já tinha antecedente, ele havia sido Consultor da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição em 1935 457. Fizeram parte desse grupo também Reinaldo José de Moraes, que mais tarde se tornou “competente contador da prefeitura local” 458 e Manoel Vespasiano dos Santos, que foi o encarregado da Festa de Nossa Senhora da Saúde promovida pela Santa Casa de Misericórdia em 1936459, e era cunhado de Anísio Malaquias, relevante político da cidade, que já havia sido prefeito de Maragogipe, vereador em 1935, Consultor da Santa Casa de Misericórdia em 1936 e Presidente da Câmara de Vereadores em 193460. Em 1947, quando o Compromisso reformado foi impresso e distribuído entre os membros da Irmandade, poucos nomes foram acrescidos à mesa administrativa. O coronel Antonio Eduardo de Andrade, que também era negociante461, e Augusto Malaquias, auxiliar da Dannemann e membro da Comissão de Sindicância da Sociedade Protetora dos Operários462 foram alguns desses, sobre os quais conseguimos informações. Pelo perfil social de alguns dos irmãos que apresentamos, é possível perceber que a elite local continuou a conduzir os louvores ao orago São Bartolomeu. A passagem dos operários pelas comissões auxiliares, o que poderia significar uma possibilidade de acesso destes aos cargos da Mesa Administrativa, parece ter sido passageira. Mesmo aqueles que, não temos certeza se eram abastados, estavam ou já haviam assumido cargos de lideranças em sindicatos ou até mesmo outras irmandades. Diante disso, podemos afirmar que a Irmandade de São Bartolomeu era conduzida por aqueles que tinham privilegiada posição social ou de alguma forma, tinham certo prestígio na sociedade por conta de algum cargo que exerciam. 454 Redenção, ano VI, nº. 176 de 07/03/1936. Redenção, ano V, nº. 140 de 08/06/1935. 456 Redenção, ano VI, nº. 173 de 07/03/1936. 457 Redenção, ano V, nº. 141 de 19/12/1935. 458 Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. 459 Redenção, ano VI, nº. 205 de 05/12/1936. 460 Redenção, ano VII, nº. 206 de 19/12/1936; Redenção, ano VII, nº. 13 de 20/02/1937. 461 Redenção, ano III, nº. 54 de 25/03/1933. 462 Redenção, ano VII, nº. 209 de 23/01/1937. 455 137 Depois da reforma de seu Compromisso em 1947, mesmo com algumas restrições que a colocou sob o poder eclesiástico local, a Irmandade de São Bartolomeu seguiu na condução da festa de seu orago, que ainda consistia no seu objetivo principal. Entre as suas obrigações ordinárias constadas no Capítulo II, o segundo parágrafo a incumbia de “fazer todos os anos com religioso esplendor a festa de São Bartolomeu, no dia próprio no domingo que a ele se seguir, quando o dia 24 de Agosto não cair em dia de domingo, havendo, sempre que for possível, uma novena ou um tríduo em preparação à festa”463. Sobre quem conduziu a Irmandade primeira metade do século XX, somente sabemos até 1947. Entretanto, podemos afirmar que ela continuou conduzindo a festa. Em 24 de agosto de 1957, o periódico Arquivo noticia a programação que se fez da forma seguinte: Conforme o programa distribuído pela Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu, amanhã, dia 25, as 5,30 e seis horas, serão celebradas missas festivas na Basílica de São Bartolomeu, por S. Emcia. Caedeal D. Augusto; às 6,30, 7 e 7,30 horas, por S. Excia. Arcebispo Coadjutor; às 10 horas missa soleníssima cantada pelo Revdmo. Cônego Florisvaldo José de Souza com assistência Pontificial de S. Emcia. Cardeal da Silva e sermão por S. Excia. D. Mario Vilas Boas. À tarde, no coreto do Largo da Matriz, a filarmônica Dois de Julho, deleitará o povo na execução de várias harmonias de seu rico repertório. Às 20 horas o S. Excia. Arcebispo Coadjutor oficiará solene Te Deum em Ação de Graças. Ocupando o púlpito para o sermão de encerramento o Exmo. E Revdmo. Cônego Rubem Mesquita. E esperando vários navios da cidade de Cachoeira, Nazaré e Salvador trazendo inúmeros passeantes e filarmônicas. Segunda- feira, 26, às 16 horas, percorrerá toda cidade imponente procissão conduzindo as veneradas imagens do padroeiro e da Imaculada Conceição acompanhadas das Irmandades, filarmônicas e vultuoso número de fiéis. Terca- feira, 27, às 15 horas, haverá retreta no coreto do Largo da Matriz, pela filarmônica Dois de Julho, e às 21 horas a Terpsícore fará a última tocata, quando um belíssimo trabalho pirotécnico encerará os festejos desse ano464 A notícia deixa claro que a organização da festa foi um trabalho da Irmandade de São Bartolomeu. Além disso, nos apresenta atividades que estavam ligadas à festa, mas que não constituíam a parte religiosa, como a apresentação das filarmônicas no coreto no Largo da Matriz. Essa diversão fora da igreja já acontecia desde 1920 pelo que sabemos das notícias do encontro de filarmônicas na cidade. Assim, a festa religiosa, “transformava-se em cenário para a sociabilidade e, sobretudo, para o lazer, ambos sinônimos de confraternização” 465. Tal 463 Capítulo II. Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943. Arquivo, ano VIII, nº. 63 de 24/08/1957. 465 DEL PRIORE, 2000, p. 92. 464 138 combinação dos elementos religiosos e não religiosos se tornaram “o padrão da maioria das festas religiosas populares brasileiras”466 desde a época colonial. Uma notícia do Redenção, de 1937, nos dá uma ideia mais clara de como a diversão nas ruas acontecia: Por isso é que encerramos esta nota, pedindo ao povo local para se prepara a fim de realizar uma festa modernizada no último dia das solenidades do mês de agosto desse ano, evitando-se é lógico e razoável, com a presença dos lindos cordões, das batucadas, das filarmônicas, orquestras e grupos fantasiados, corso de automóveis e etc., a esquisita corrida de cavalos e burros pelas ruas da cidade. Desejamos que na terça-feira da grande Festa, o povo se divirta com entusiasmo, fazendo uso de lança-perfume, serpentinas e confetes, dançando todos ao ar livre, e ao som de uma das nossas filarmônicas, que ocupará, à noite, o suntuoso coreto. Assim o sendo, como deve ser, é bonito, é agradável, empolgará a todos, até ser queimado o belo fogo de artifício467. Essa diversão toda era custeada pela irmandade que pagava para as filarmônicas tocarem como bem aparece nos balancetes de despesas. Ela também pagava o custo com as bebidas do Bando anunciador468, que acontecia sempre no início do mês de agosto tornando pública a programação da festa. No dia em que era realizado o Bando Anunciador, reuniam-se cordões469 de senhoritas, filarmônicas, as batucadas que alegravam o carnaval, mascarados e homens a cavalo que percorriam as ruas da cidade distribuindo a programação da festa. No final da tarde, na Praça João Pessoa, ajuntavam-se todos para dançar ao som das filarmônicas Dois de Julho ou a Terpychore Popular470. No ano de 1937, esse momento tornou-se ainda mais significativo, pois, pela primeira vez, os devotos de São Bartolomeu iriam ouvir o texto do Bando Anunciador pela Rádio Sociedade. Para isso, foi instalado pela Irmandade no coreto, que foi por ela construído471, certamente para servir a essas comemorações, um altofalante que proporcionasse a todos os que estivessem ali reunidos ouvirem a programação da festa. Uma programação elaborada pela Irmandade que trazia tanto os ritos religiosos, missas, procissões e benção do Santíssimo, como as diversões na praça ao som das filarmônicas que faziam parte do conjunto das festividades de São Bartolomeu. Numa rápida 466 SOUZA, Marina de Mello e. Catolicismo negro no Brasil: santos e minkisi, uma reflexão sobre miscigenação cultural. In.: Afro-Ásia, nº. 228, p. 125-142, 2002, p. 132. 467 Redenção, ano VII, nº 234 de 14 de agosto de 1937. 468 O Bando anunciador acontecia sempre no início do mês de agosto e constituía uma manifestação festiva nas ruas de Maragogipe, onde filarmônicas e batucadas garantiam a diversão, enquanto homens a cavalo distribuíam pelas ruas da cidade a programação da festa de São Bartolomeu. 469 Os cordões eram agrupamentos de foliões que saíam às ruas na festa carnavalesca. No bando anunciador servia para organizar a manifestação do anúncio da festa de São Bartolomeu. 470 Redenção, ano VII, nº 230 de 17/07/1937. 471 Redenção, ano V, nº 151 de 14/08/1935. 139 observação, poderíamos classificar tais eventos em sagrados ou não. Durkheim, tratando sobre as crenças religiosas, afirma que todas elas apresentam um caráter em comum: “supõem uma classificação das coisas, reais ou ideais, que os homens representam, em duas classes ou em dois gêneros opostos, designados geralmente por dois termos distintos traduzidos, relativamente bem, pelas palavras profano e sagrado”472. No entanto, não é bem uma oposição o que verificamos no conjunto das práticas devocionais da Irmandade, no que tange à festa de São Bartolomeu. Os eventos da festividade, fossem os religiosos ou não, eram organizados de tal forma que constituíam um todo. A diversão do Bando Anunciador que poderia ser considerada a parte profana, era importante para a execução da parte religiosa, assim como a procissão agregava tamanho número de pessoas que, após o seu término, se divertiam esperando os fogos que homenageavam São Bartolomeu. Havia uma inter-relação entre ambas as partes, uma “convivialidade entre o sacro e o profano”473. Na década de 60, o jornal Arquivo, depois de fazer uma aclamação à festa que já havia sido realizad,a fez a seguinte alerta: Há, porém, sobre o que atentar. E cabe aqui fazê-lo. Crê-se não ater ainda havido por parte da Mesa Administrativa a mínima lembrança de voltar as vistas, antes do mais, para as condições – quase diríamos – de precariedade do templo, naquilo que concorre à sua apresentação, ao asseio que se lhe deve proceder, tanto interna, quanto externamente, e de pequenos reparos, inclusivemente. Será ele, o Templo, o cartão de visitas de turistas, peregrinos e forasteiros que regurgitam por entre as ruas da Cidade durante o mês festivo. É a casa de todos de todo dia. É o céu das gentes, a Voz Dei. Que a Mesa recém eleita para o próximo ano, sob o decidido comando desse Paranhos, que não é santo sendo Bartolomeu, dinâmico como se nos mostra, valha por si e valha sobretudo por quantos o antecederam, no volver as suas vistas de lince para esse painel secular que é a Igreja Catedral de Maragogipe474. O redator da coluna reconheceu, primeiro, o brilhante trabalho da Irmandade de São Bartolomeu, mas, não deixou passar o pouco cuidado dela com a manutenção do Templo. Essa responsabilização mostra como a Irmandade era um referencial quando o assunto eram as coisas ligadas ao padroeiro, nesse caso, a Igreja Matriz. Mesmo não constando em nenhum de seus Compromissos, uma sequer linha que a incumbisse disso, ao que parece, socialmente suas responsabilidades extrapolavam a organização da festa e era agregado tudo o que dissesse respeito ao orago São Bartolomeu. 472 DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Edições Paulinas, 1989, p. 68. 473 DEL PRIORE, 2000, p. 92. 474 Arquivo, ano XVIII, nº. 181 de 24/09/1968. 140 Novamente encontramos, no ano de 1971, uma lista da Mesa Administrativa da Irmandade de São Bartolomeu, o que nos mostra que, nesse período, ela esteve à frente dos trabalhos da festividade. Além disso, em janeiro de 1970, o candidato a vereador pelo partido ARENA, Sr. Bartolomeu Borges Paranhos, que havia sido tesoureiro no ano anterior, procurou a redação do Arquivo para explicar os motivos de não ter prestado contas do Livro de Ouro, que circulou entre os maragogipanos que moravam na capital. Explicou o tesoureiro, que havia confiado o dito livro a um desses moradores, que até a presente data não havia entregado, nem o livro nem o dinheiro arrecadado. Uma de suas preocupações em tornar público o caso, foi por não ter podido até então “prestar contas à Mesa Administrativa e ao novo Tesoureiro, Sr. Ronaldo Souza” 475 que precisava “movimentar os negócios da Irmandade”476. Seis anos mais tarde, 1976, a Irmandade lançou no mesmo jornal um balancete onde constava a receita e despesas da festa e das reformas que ela se empenhou em fazer na Igreja Matriz. Mesmo não sendo sua responsabilidade, ela considerou as críticas feitas no jornal e despendeu a quantia de Cr$ 30.780,00 (trinta mil, setecentos e oitenta cruzeiros) com a compra de materiais e Cr$ 31.050,00 (trinta e um mil e cinquenta cruzeiros) no pagamento dos trabalhadores que realizaram os reparos que o templo de São Bartolomeu precisava. Pelas notícias dos jornais, nos anos de 1980, a situação manteve-se, no entanto, cada vez mais se destacava a figura do tesoureiro como o grande responsável pela festa e, muitas vezes, nem se mencionava a Irmandade ou a Mesa Administrativa e ele era identificado como o Tesoureiro da festa, como podemos ver na notícia que se segue: Do tesoureiro da última festa realizada em louvor ao nosso Padroeiro, Sr. Walfredo Moraes Santos recebemos o bem elaborado Relatório da festa, sobressaindo-se o orçamento da receita e despesa. [...] Aproveitamos da oportunidade para fazer justiça ao trabalho do Sr. Walfredo Moraes Santos, não só pelo brilhantismo que soube impor a festa, como também pela quebra de um tabu, apresentando um verdadeiro fogo de artifício que, embora fraco, mostrou grandes possibilidades para o futuro477 Isso denota que a Irmandade como um todo já não tinha a mesma força com que vinha assumindo a organização da festa ao longo de seus 129 anos de devoção ao apóstolo São Bartolomeu, e o Juiz, que deveria ser a figura mais importante na hierarquia dos cargos, passou a ficar em segundo plano devido às incumbências do tesoureiro, extremamente importantes para que a festa acontecesse. Mas, foi nos anos 90, especificamente 1995, data em que encontramos no jornal Tribuna do Povo, uma notícia reclamando da forma como a 475 Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/01/1970. Ibidem. 477 Tribuna do Povo, ano VI, nº. 83, Nov/Dez 1985 476 141 festa do São Bartolomeu havia sido realizada, que aconteceu a retirada da irmandade na condução e organização dos festejos. A notícia é bem clara: No decorrer do tempo a evolução vai impondo a sua influência irrefreável. De começo a festa em louvor ao padroeiro era humanizada e atualmente está completamente comercializada, perdendo assim sua característica primitiva. Outrora víamos a música no coreto, tocando peças de harmonia, ouvidas com respeito, o parque à vontade na praça e o fogo de planta que já se tornara chato, não passando de uma roda de girar, soltando faíscas coloridas, outra roda, pequena, a se desfazer no alto, o morteiro a ribombar nos intervalos, e, por fim, a cara de São Bartolomeu surgindo entre os fogos ara receber aplausos bobos. [...] Outrora, as filarmônicas se revezavam, cada uma ocupando o coreto em sua noite. Casais e grupos passeavam em torno do coreto. Era uma festa isenta de maldade, em estilo verdadeiramente provinciano. Depois veio as disputas entre as cervejas e o maragogipano tornou-se um grande bebedor dela. Maragogipe está incluída entre as cidades grandes consumidoras de cerveja. Um primeiro lugar que não lhe traz qualquer vantagem. Mas se o povo assim o quer nada temos a fazer. Hoje não é mais possível se passar no Largo da Matriz. Tudo esta apertado de tal maneira que uma simples pessoa tem dificuldade de andar. Barracas de todos os lados, partes de parque aqui e ali, mulheres do acarajé, vendedores de bolas e tudo quanto é bugiganga, bancas de jogo de todo lado, objetos de cerâmica espalhados pelo chão, e um som infernal para impedir conversa e ensurdecer pessoas que queiram ou não. Um verdadeiro ínfero. No interior da Majestosa Matriz, as beatas não cedem seus lugares por preço algum. Muita gente de fora, principalmente da zona rural, que vem prestar homenagem ao santo e agradecer benefícios que nunca receberam. Maragogipanos residentes no Rio de Janeiro, São Paulo, interior da Bahia, Sergipe etc. aproveitam a data para vir a terrinha e ao encontro de velhos amigos. Há uma observação muito séria a se fazer. O sistema de festa que os dirigentes da Igreja Católica adotaram, retirando-o de Tesoureiro para o de Comissão não agradou a população. A queixa é geral e em termos desagradáveis. Alegam que o tesoureiro da festa, bem ou mal, apresentava balancete, prestando contas ao público do dinheiro arrecadado etc. Realmente o povo tem o direito de saber onde e como suas contribuições foram aplicadas478. O texto do periódico nos traz uma clara descrição do que se tornara a festa de São Bartolomeu. Ao longo dos anos, ela foi crescendo e passando por transformações que a colocou no posto de uma das maiores festas populares de Maragogipe. Essas transformações são compreensíveis, afinal, “assim como não há uma História imóvel, também não há uma festa imóvel”479, bem disse Vovelle. O passar do tempo e a repercussão que ela tomou a 478 479 Tribuna do Povo, ano 16, nº. 15, de setembro de 1995. VOVELLE, 1991, p.251 142 conduziram a esse processo “continuum de mutações, de transições, de inclusão”480 de elementos novos e afastamentos de outros. A irmandade de São Bartolomeu esteve à frente da organização do culto ao seu orago por 144 anos e, ao longo desse período, o conduziu ao posto alcançado de grande festa popular. Em 1912, a reforma de seu compromisso agregou à sua Mesa Administrativa as comissões auxiliares que eram responsáveis por atividades diversas. Com o passar do tempo, essas comissões, reforçadas no Compromisso de 1943, foram aos poucos sendo coordenadas pelo irmão Tesoureiro de São Bartolomeu, o que indicou uma refração da Mesa Administrativa em sua totalidade na condução da festa. Isso fez com que paulatinamente, as comissões assumissem completamente a condução da festa, culminando, em 1995, na retirada completa da Irmandade de São Bartolomeu do papel de protagonista dos festejos de seu padroeiro. Depois dessa data, a Irmandade não mais se articulou para eleger novas Mesas Administrativas, haja vista que o objetivo de sua criação não mais era sua responsabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A proliferação das irmandades no Brasil teve relações com as dificuldades de implantação de uma hierarquia católica forte e centralizada. Esta dificuldade deveu-se principalmente à ligação entre o Estado e a Igreja, através da instituição do Padroado, que limitava a autonomia do poder religioso, mantendo-o para atender aos seus interesses. Isso somado às dificuldades internas do próprio corpo eclesiástico brasileiro, principalmente de realização do trabalho pastoral devido às dificuldades de locomoção, e também financeiras, 480 Ibidem, p.251 143 contribui para que a religiosidade fosse permeada pelas iniciativas dos leigos que, com a fundação de irmandades, supriam a vida material e espiritual das capelas dos povoados e cidades brasileiras. No entanto, não podemos reduzir a atitudes de tantos fiéis que se congregavam em torno da devoção de um santo, enquanto conseqüência da relação dos dois poderes instituídos, o religioso e o político, e das dificuldades da Igreja católica na realização de seu trabalho pastoral. A criação das confrarias tem explicação também nas necessidades espirituais e materiais dos fiéis católicos. Exemplo disso são as distinções sociais que nelas se processaram. Cada grupo social reunia-se não somente para cultuar seus santos de devoção, mas também para ajudarem-se mutuamente a partir das dificuldades que cada um sentia. Mesmo as confrarias compostas por homens da elite podem ser encaradas dessa forma, um modo de reunião de um grupo, que procurava se diferenciar e demarcar sua posição social. Brancos, pardos, negros cativos e libertos, cada um procurou uma forma de manter-se amparado, ao menos na hora da morte. Além disso, tratando-se da Irmandade de São Bartolomeu, ao que parece, sua criação atendeu às necessidades de uma recém elevada cidade que ainda não dispunha de uma forma de melhor organizar o culto ao seu padroeiro. Administradas pelos próprios leigos, essas irmandades adquiriram independência e autonomia. Dessa forma, muitas de suas práticas foram se configurando desarraigadas dos preceitos tridentinos, puramente católicos. Isso incomodava à Igreja, pois, para ela poderia significar uma perda do controle dessas confrarias. Os próprios episcopais brasileiros, como Dom Romualdo de Seixas, atento ás questões políticas do Brasil e como essas questões poderiam interferir nos rumos da Igreja, demonstra preocupações em torno disso. Exemplo disso foi a recomendação dada à Irmandade de São Bartolomeu sobre o uso de incenso nas missas particulares. A saída da Igreja, para recuperar seu controle, foi o processo de romanização começado na segunda metade do século XIX. Principalmente após a Proclamação da República, quando da separação oficial entre Estado e Igreja, esse processo se intensificou devido à necessidade de ajustamento interno para demarcar seu espaço no novo contexto político. Com isso, medidas começaram a ser colocadas em práticas para manter a ordem católica nos padrões romanizados. Em muitos casos, as irmandades foram substituídas por outras devoções trazidas pelas congregações religiosas ou por associações de inteiro controle do poder eclesiástico como o Apostolado da Oração, que dedicava sua devoção ao Coração de Jesus, as Filhas de Maria, as Filhas da Caridade de São Vicente, entre outras que se estabeleciam como as novas formas de agregar os fiéis. 144 Em Maragogipe, mesmo com a presença destas associações, algumas irmandades que estavam inativas ou com seus Compromissos defasados foram selecionadas e reativadas. Foram elas, as irmandades do Santíssimo Sacramento, de Nossa Senhora da Conceição e de São Bartolomeu. Essa última estava ligada de tal forma aos festejos de seu santo padroeiro, que se tornou a confraria mais ressonante em Maragogipe, graças à festa de São Bartolomeu ter se tornado a maior manifestação religiosa da paróquia. Mas, isso não significou um resguardo da autonomia dessa confraria, quando das reformas de seu compromisso para que se adequasse ao controle pretendido pela Igreja na Primeira República. Apesar de manter a sua função administrativa, ela foi subordinada às decisões do clérigo local através de seu próprio Compromisso que garantia ao reverendo presidente, a palavra final. Essa postura da Igreja, em Maragogipe, mostra os caminhos percorridos pelo clero, frente às irmandades, para concretizar a romanização do catolicismo brasileiro, quando precisou mantê-las em funcionamento. Essa medida é completamente condizente com as propostas do documento “Pontos de reforma da Igreja”, do chefe episcopal Dom Macedo Costa, que aconselhou a manutenção das atividades das irmandades, mas, sob controle para que não gerassem problemas para a Igreja. No caso da irmandade de São Bartolomeu, pudemos verificar dois fatores que contribuíram para sua reativação: a festa de seu orago, e por serem seus membros pessoas de prestígio e representação em Maragogipe. Isso mostra duas posturas da Igreja no início da república, manter a tradição de cultos de grande popularidade para não perder fiéis, e firmar aliança com as elites como forma de garantir certa influência social. Assim foi feito, sob a organização da Irmandade de São Bartolomeu, da qual estava à frente pessoas de destacada posição social, o culto foi mantido, e ao que parece, sem alterações em seus atos tradicionais, haja vista não haver nenhuma reclamação nas fontes quanto a isso. Talvez por isso ela tenha conseguido manter-se em funcionamento mesmo depois de todas as transformações pelas quais passou ao longo da segunda metade do XIX e primeira metade do XX, quando as irmandades, de forma imposta, deixaram de ser um referencial da vivência da fé dos católicos. Mesmo nos momentos em que as regras romanizadoras se fizeram sentir na confraria, através das reformas do seu Compromisso, as fontes mostram que o culto manteve-se com suas tradicionais diversões populares nas ruas. A única alteração nas práticas devocionais da Irmandade de São Bartolomeu que verificamos foi a proibição dos enterramentos na igreja Matriz, ao serem transferidos para o cemitério na década de 1860, mas isso esteve ligado às questões de saúde pública e não com a romanização. Além disso, essa transferência não 145 privou a Irmandade de continuar prestando assistência funerária aos seus confrades, e de realizar os sufrágios por suas almas, que eram as missas. As investidas da Igreja estavam muito mais voltadas para os membros da Irmandade do que para suas práticas devocionais. Os requisitos exigidos para se ser um irmão São Bartolomeu, bem como para ser um dos mesários atestam isso. Entre reformas de Compromisso e manutenção das atividades devocionais, dentre as transformações que a confraria dedicada a São Bartolomeu sofreu, além da perda da autonomia plena devido à presença do vigário como presidente, também ligada diretamente à administração e organização da festa, foi a incorporação da comissão auxiliar a partir de 1912. Ao longo do século XX, outras comissões foram se formando, dentre elas, a de ornamentação, a de juízes de devoção e a de senhorinhas, que assumiam diversas funções na organização e manutenção financeira da festa. Estas comissões, cridas pelas reformas da romanização, foram aos poucos minando o papel da Irmandade de protagonista da organização do culto ao seu orago, até o ponto em que, no meado da década de 1990, substituíram completamente a confraria. FONTES 1. Fontes manuscritas Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1851. Seção de arquivo colonial e provincial. Número 5260. Documentos da Câmara de Maragogipe. Seção de Arquivo colonial e provincial. APEB – Maço 1350 Documentos da Santa Casa de Misericórdia, 1863. Maço 5393. Caixa 1751. 146 Livro de cartas de confirmação de compromisso nº. 1, p. 53-53. APEBA. Seção de arquivo colonial e provincial. Religião / Irmandades – 1839-1885. Maço: 5264. Processo de genere et moribus do padre Ignácio Aniceto de Souza. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 07, estante 01, 20GE17. Processo de genere de Adolpho José da Costa Cerqueira. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 14, estante 01, 50PA04. Processo de genere de Gustavo Adolpho Marinho das Neves. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga, caixa 06, estante 01, 19GE16. Requerimento da Irmandade de Nossa Senhora do Amparo para o presidente da Província. APEB. Seção de documentos coloniais e provinciais. Maço 5255. 1.1. Inventários com testamentos Alexandre Pereira Guedes – APEBAa – 05/1838/2309/06 Aline Moreau. APEBa – 05/1920/2392/23 Ana Joaquina do Amor Divino – APEBAa – 05/1837/2308/07 Angélica Maria das Mercês – APEBAa – 05/1837/2308/04 Antonio Basílio Leite – APEBAa – 04/1835/2306/14 Antonio Pereira da Cunha – APEBAa – 05/1837/2308/06 Augusta Carlota de Jesus – APEBAa – 05/1836/2307/06 Caetana Maria de Oliveira. APEB – 04/1825/2296/15 Corbiniano Coelho Bahia. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 02. N. 21. Francisco Antonio Bacellar. Arquivo do Fórum de Maragogipe. Caixa 01. N. 15 Inês Maria da Cruz. APEBa – 04/1833/2304/10 Inês Maria de Jesus – APEBa – 05/1837/2308/02 João Gonçalves de Carvalho – APEBa – 05/1839/2310/04 João Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus – APEBA – 04/1838/2309/03 Joaquim José de Santana – APEBa – 05/1835/2360/01 Joaquim Martins Barbosa – APEBa - 05/1839/2310/03 147 José Gonçalves dos Santos. APEBa – 05/1850/2321/01 José Pereira de Souza – APEBa – 05/1837/2308/03 Josefa Rosa Ferreira da Costa – APEBa – 05/1836/2307/02 Padre Manoel Plácido Martins APEBa – 04/1822/2293/01 Maria Inácia do Amor Divino – APEBa – 05/1838/2309/18 Sebastião Eugênio de Quadros – APEBa – 04/1837/2308/08 Úrsula Luiza das Virgens – APEBa – 05/1838/2309/05 1.2. Correspondências Cartas e requerimentos do Padre Florisvaldo José de Souza ao Arcebispado da Bahia. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de Capelas e Paróquias. Cartas do Arcebispado Primaz da Bahia para o Padre Florisvaldo José de Souza. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de Capelas e Paróquias. Lista dos bens da Irmandade do Santíssimo Sacramento. LEV – Laboratório Reitor Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades. Ofício da Câmara Municipal pedindo o salão do consistório a Irmandade do Santíssimo Sacramento. LEV – Laboratório Reitor Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades. Relação dos bens e confrarias existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de documentos de Irmandades. 2. Fontes impressas e digitais: Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1915, p. 49. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Carta Pastoral de Dom Jerônymo Tomé da Silva, Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, 1918, p. 02. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. Carta Pastoral Coletiva do Episcopado das Províncias Eclesiásticas Setentrionais do Brasil, 1919. LEV – Laboratório Eugênio da Veiga. 148 Compromisso da irmandade de São Bartolomeu de 1943 – acervo particular do professor Alessandro. Mapa de todas as freguesias que pertenciam ao arcebispado da Bahia. VILHENA, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Vol. 2, livro II. Bahia: Editora Itapuã, 1969 MONTFORT ASSOCIAÇÃO CULTURAL. http://www.montfort.org.br. Acesso em: Jul. 2010. Syllabus. Disponível em: 2.1. Jornais Arquivo, ano II, nº. 18 de 27/04/1953. Arquivo, ano V, nº. 44 de 24/08/1955. Arquivo, ano VIII, nº. 63 de 24/08/1957. Arquivo, ano XVIII, nº. 183 de 27/11/1968. Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/01/1970. Arquivo, ano XIX, nº. 197 de 24/0/1970. Arquivo, ano XVIII, nº. 181 de 24/09/1968 Arquivo, ano 21, nº. 214 de 23/06 de 1971. Casa da Cultura de Maragogipe Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 77 de 27/10/1912 Cidade de Maragogipe, ano II, nº. 95 de 20/04/1913 Casa da Cultura de Maragogipe Constitucional, ano II, nº. 76 de 22/06/1897 Casa da Cultura de Maragogipe Democrata, ano VI, nº. 201 de 21/04/1877 Casa da Cultura de Maragogipe Echo Maragogipano, ano II, nº. 53 de 24/07/1884 Casa da Cultura de Maragogipe Luzeiro, ano X, nº. 162 de 10/08/1947. Casa da Cultura de Maragogipe O Prélio. Ano VIII, nº. 347 de 24/08/1928. Casa da Cultura de Maragogipe Redenção 1935-1937 IGHB – Instituto Histórico da Bahia Tribuna do Povo, ano VI, nº. 83, Nov/Dez 1985 Tribuna do Povo, ano 16, nº. 15/09/1995. 3. Fontes microfilmadas Geográfico Casa da Cultura de Maragogipe e 149 Leituras Religiosas da Bahia (04/1889 a 08/1906); Leituras Religiosas, 1 de junho de 1890. p. 72. Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBAa) - Seção de microfilmes. REFERÊNCIAS AGOSTINHO, Santo. A verdadeira religião; O cuidado devido aos mortos. São Paulo: Paulus, 2002. ARIÈS, Philippe. O Homem Diante da Morte. 2. Ed. Vol. 2. Tradução: Luiza Ribeiro. Rio de Janeiro. Francisco Alves, 1990. ARIÈS, Philippe. História da Morte no ocidente. Rio de Janeiro. Ediouro, 2003. 150 ÁVILA, Afonso. O lúdico e as projeções do mundo barroco. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971. AZZI, Riolando. O Episcopado do Brasil frente ao catolicismo popular. Petrópolis: Vozes, 1977. AZEVEDO, Thales. 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Para melhor localização segue os nomes dos senhores e a numeração arquivística dos documentos na lista de fontes. 156 Damiana [...] mulher Manoel 28 anos 20 anos 50 anos Simão Bonifácio 80 anos 40 anos Salvador Ricardo Veríssimo Luzia Eugênia Antonio Rita Manoel 50 anos Já idosa 482 70 anos 24 anos 30 anos Serviço da rua Serviço da lavoura Serviço da casa Carregador de pedra Antonio Basílio Leite Ana Joaquina do Amor Divino Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Joaquim Martins Barbosa Joaquim Martins Barbosa Joaquim Martins Barbosa Joaquim Martins Barbosa Joaquim Martins Barbosa Joaquim Martins Barbosa Augusta Carlota de Jesus Sebastião Eugênio de Quadros Úrsula Luiza das Virgens Cozinheira Cabra Nome Martinho Idade 26 Maria 12 Desidéria 10 Manoel 6 Luis 1 Luis de Francisca Germano 1 Joana Rita Balbina Balbino Isabel Joana Francisco Estévam 482 8 8 6a7 2 18 12 20 Ocupação Senhor José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus José Ribeiro Sampaio e Maria Josefa de Jesus Joaquim José de Santana Josefa Rosa Ferreira da Costa Maria Inácia do Amor Divino Maria Inácia do Amor Divino Joaquim José de Santana Crioulo Serviço da casa Alexandre Pereira Guedes Serviço da casa Ana Joaquina do Amor Divino Serviço da casa Ana Joaquina do Amor Divino O termo “já idosa” está sendo usado como aparece no documento, assim como “já velha” foi usado para referenciar a idade da crioula Rita. 157 Geraldo José Zeferino Teodósio Hermínia Joaquina Maria Francisca Luisa Maria Luis Manoel Rita Manoel Luis Daiana João Henrique Manoel Manoel Pequeno Rita483 Francisco Joana 13 6 7 3 22 40 11 8 20 18 30 18 velha 60 30 60 30 Quase 30 Zeferino Joaquina Martha 25 30 Vicente Iridano Benedita Joaquim 20 18 6a7 25 Floriano 25 Theodora 30 Domingas/Pard 1 483 Serviço da casa Serviço da casa Serviço da casa Serviço da casa Serviço de casa Serviço da lavoura Serviço de casa Serviço da lavoura Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Angélica Maria das Mercês Augusta Carlota de Jesus Antonio Pereira da Cunha Antonio Pereira da Cunha Antonio Pereira da Cunha Antonio Pereira da Cunha Inês Maria de Jesus Inês Maria de Jesus João Gonçalves de Carvalho Joaquim José de Santana Joaquim José de Santana Joaquim José de Santana Joaquim José de Santana Joaquim José de Santana Ana Roza das Virgens Josefa Rosa Ferreira da Costa Josefa Rosa Ferreira da Costa Josefa Rosa Ferreira da Costa Sebastião Eugênio de Quadros Sebastião Eugênio de Quadros Sebastião Eugênio de Quadros Maria Inácia do Amor Divino Serviço da lavoura Serviço da Maria Inácia do Amor Divino lavoura Serviço da Maria Inácia do Amor Divino lavoura Outras classificações Antonio Basílio leite Tanto Rita quanto Francisco que vem logo abaixo na tabela eram crianças, apesar de não ter suas idades especificadas, no inventários são denominados crioulinhos. 158 a Luis /Pardo 35 Serviço da lavoura Agostinho/Nag ô Maria/Nagô José Pereira de Souza Joaquim José de Santana Joaquim José de Santana ANEXO B – Lista de confrarias e irmandades feita pelo padre José de Araújo Mato Grosso em 1863 Irmandade/Confraria 484 Confirmação Bens que possuía484 Relação das irmandades e confrarias com seus bens existentes na Freguesia de São Bartolomeu de Maragogipe, feita pelo Vigário José de Araújo Mato Grosso em 1863. LEV- Laboratório Eugênio da Veiga. Caixa de capelas e paróquias. 159 Irmandade de Santo Antonio Irmandade Nossa Senhora da Conceição Irmandade de São Benedito Por Carta Régia de 1758 Por Provisão Régia de 18 de Uma morada de casa térrea janeiro de 1768 sita na Rua Nova Por Provisão Régia de 08 de Uma morada de casa térrea março de 1768 sita na Rua do Porto Irmandade do Santíssimo Por Provisão Régia de 11 de Cento e setenta e cinco Sacramento maio de 1812 braços de terras nos subúrbios desta cidade no lugar denominado Caicar; Uma porção de terras também nos subúrbios desta cidade e lugar denominado Ilha da outra banda; Uma porção de terras na freguesia de São Felipe no lugar denominado Bebedor; Uma morada de casa térrea sita a rua nova; Irmandade São Bartolomeu Santa Casa de Misericórdia Por carta passada a 10 de abril de 1851 Por carta de 26 de julho de Em diversos 1856 estabelecimentos de créditos onze contos novecentos e doze mil trezentos e sessenta reis; A terra em que está edificado o hospital; Um terreno no porto das vacas desta cidade; Um sítio no lugar denominado Medeiros neste termo; Um escravo por título de doação. 160 Irmandade das Santas Por Carta Régia de 05 de Almas março de 1857. As Irmandades de Santa Ana (inativa) Irmandade do Amparo (inativa) ANEXO C – Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de Maragogipe – 1851 Compromisso da Irmandade do Apóstolo São Bartolomeu erecta na sua igreja matriz desta cidade feita em o ano de 1851 (Bahia, Typographia de Carlos Poggetti. Rua do Julião, n. 32, 1852) 161 PRÓLOGO Todo motivo da instituição desta santa Irmandade não é outro mais que aquele católico zelo com que os fiéis devotos devem servir a Deus nosso senhor para que com [ilegível] cultos possam melhor dedicar os devidos aplausos ao Apóstolo S. Bartolomeu, e sendo este o único motivo que os elevam a um sem fim [ilegível] para maior segurança e estabilidade dela, os capítulos deste compromisso para por eles se regerem e guardarem as suas disposições. CAPÍTULO I – DA ENTRADA DOS IRMÃOS Para que esta irmandade possa conservar-se por muitos anos, serão nela admitidos por irmãos homens e mulheres tanto desta Freguesia e Termo da Cidade, como de fora dela, sendo pessoas brancas e pardas somente, as quais darão de entradas a esmola de 4$000 (quatro mil réis) tanto casados como solteiros, e pagarão todos anualmente 500r$ sendo casados, e os solteiros ou viúvos sem filhos 320r$, além das mordomagens, pelas quais pagarão R$ 2$000 quando lhes tocar cujas esmolas de entradas, cobrará o irmão Tesoureiro carregando-as no Livro de Receitas que para esse fim haverá. Os irmãos solteiros que entrarem nesta irmandade, casando-se com pessoa de sua igualdade, ficará esta sendo irmã, sem que pague coisa alguma de entrada e somente sujeita aos anuais de 500r$ por si, gozando dos privilégios de irmã, e bem assim seus filhos enquanto estiverem debaixo do pátrio ou materno poder: e sendo que alguns dos irmãos suceda cair em pobreza e que por isso não possa pagar o que estiver a dever, não deixará quando morrer de se lhe fazer os sufrágios de costume, e dar-se-lhe a mortalha e a sepultura que será a custa da irmandade. CAPÍTULO II – DA ELECEIÇÃO DOS OFICIAIS Haverá na irmandade um Juiz, Escrivão, Tesoureiro, dois procuradores e oito mesários, os quais serão eleitos em plena mesa da maneira seguinte: o Juiz escreverá em uma pauta o nome de três irmãos de sua escolha para juizes e apresentando-o à mesa, fará correr sobre eles o escrutínio secreto, em que votarão o Escrivão, o Tesoureiro, Procuradores, e Mesários; e aquele dos três propostos que tiver a maioria será o juiz; e os dois servirão de suplentes para serem chamados em lugar do primeiro quando este não queira aceitar, preferindo-se sempre o mais votado até o terceiro, que não aceitando também, servirá de juiz o mesmo santo. A mesma ordem de votação servirá para o Escrivão, cuja proposta será também deste, e assim o Tesoureiro e os dois procuradores somente: os Mesários serão propostos por cada um dos efetivos, e aprovados por toda a mesa, os quais servirão por tempo de um ano, o que não obstante, nem por isso ficam inibidos de continuarem por mais um, se algum, ou alguns dos referidos Oficiais tiverem de ser reeleitos. 162 A este ato não poderá deixar de assistir o Reverendo Pároco, ou o seu substituto, os quais não terão voto algum nesta eleição, salvo o direito de lhes pertencer como membros de algum dos cargos da mesa. Esta eleição será feita impreterivelmente no dia 15 de agosto, antes do da festividade do Santo Apóstolo, na Sacristia, ou Consistório de sua matriz, e pelo escrivão lançada com o nome de todos os votados, no livro respectivo das atas, no qual assinarão o juiz, Pároco e toda a mesa, para no dia da festividade ser publicada no púlpito. CAPÍTULO III – DO JUIZ DA IRMANDADE O juiz da irmandade que for eleito, presidirá todos os atos dela, a que será obrigado a assistir, não tendo legítimo impedimento, e havendo-o, fará saber à mesa, para que possa em seu lugar servir o Escrivão, e na falta deste o tesoureiro. A sua jóia não será menos de Rs. 50$000, e não poderá se obrigado servir mais de uma vez este cargo, salvo se por sua devoção o quiser ser. CAPÍTULO IV – DO ESCRIVÃO O escrivão que for eleito pela forma especificada no capítulo II, será obrigado a dar de jóia de sua entrada, para as despesas da Festividade a quantia de Rs. 20$000 e terá a seu cargo a escrituração de todos os livros da Irmandade, em cujo poder ficarão existindo enquanto exercer este cargo. CAPÍTULO V – DO TESOUREIRO Ao tesoureiro fica competindo a conservação e guarda de tudo quanto pertencer à Irmandade, e a seu cargo fica também toda despesa dela, que a não fará sem a deliberação da mesa, que para esse fim o autorizará; exceto porém naqueles que se fizerem nas missas nos Domingos ao santo desta Irmandade, antes da conventual em seu próprio altar: com a dos Irmãos falecidos, e com o despendido da mortalha, e sepultura dos que por nimiamente pobres, não tiverem meios para isso, como se acha expresso no capítulo 1º. Dará conta da receita e despesa da Irmandade, que será lançada em seu competente livro, a qual será aprovada pela mesma mesa e desatendidas quaisquer parcelas que por suas declarações se considerarem mal dispendidas, e não poderão servir este cargo mais do que dois anos, ainda que para isso reeleitos sejam. Tomará por inventário todos os bens da Irmandade, inclusive jóias, alfaias, e ornamentos a ela pertencentes, que de tudo levará o Escrivão termo no Livro Competente, com o qual assinará o mesmo escrivão, e o Tesoureiro, que não poderá fazer empréstimos do que for da irmandade 163 para fora da matriz, sem o prévio consentimento da mesa; ficando a cargo deste, a cobrança de todos os anuais, mordomagens, e o mais que pertencente for a Irmandade, e no caso de ser precisa qualquer cobrança por justiça, o fará comunicar aos respectivos Procuradores, para usarem dos meios competentes. CAPÍTULO VI – DOS PROCURADORES Haverão dois procuradores, que serão eleitos anualmente, pela maneira estabelecido no Capítulo 2º, os quais terão por obrigação procurarem tudo quanto pertencente for à Irmandade, assim de esmolas a anuais, mordomagens, dívidas, rendas, e outras quaisquer cobranças tendentes à Irmandade, no ano de sua eleição, e do que receberem farão pronta entrega ao Tesoureiro, de quem haverão recibo, e este as fará lançar pelo Escrivão no livro de sua receita: sendo mais obrigados a saírem às esmolas às portas dos fiéis devotos, e mais lugares que julgarem de interesse à Irmandade, que por isso nada pagarão, em atenção aos seus serviços. CAPÍTULO VII – DOS LIVROS DA IRMANDADE Haverão na Irmandade sete livros, a saber: o 1º para termo de eleições dos Juizes, Escrivães, Tesoureiros, Procuradores, e mais Oficiais da Irmandade; o 2º para termos de entradas dos irmãos que se houverem de nomear; o 3º para termo de todas as deliberações, e atos da mesa; o 4º para lançamento das quitações das missas que hajam de se dizer nos domingos, e pelas almas dos irmãos falecidos; o 5º para lançamento do inventário das jóias, das alfaias, e ornamentos das irmandades; 6º e 7º finalmente, para receita e despesa da mesma Irmandade. CAPÍTULO VIII – DAS OBRIGAÇÕES DA IRMANDADE Dir-se-á em cada uma das domingas do ano, das 6 às 7 horas da manhã, antes da missa conventual por um capelão a expensas da Irmandade, uma missa incensada e assistida por seus Irmãos com capas (que serão encarnadas, e de capuzes brancos) e cada um com sua tocha acesa por tenção dos irmãos vivos e falecidos, no altar do mesmo santo, para o que concorrerá a Irmandade com as despesas para isso necessárias. Dir-se-á também pela alma de cada um irmão que falecer, dez missas de esmolas de 500 rs. Cada uma, as quais, in continenti, se mandarão logo dizer, com preferência a quaisquer outras despesas, a fim de que não passem de um apara o outro ano, e delas cobrará o Tesoureiro quitações, que a apresentará a mesa, no dia que for empossada a que houver de suceder-lhe. CAPÍTULO XIX – DOS IRMÃOS DE MESA 164 Eleitos no dia aprasado, o Juiz e mais Oficiais da Irmandade, tomarão estes posse no dia 08 de setembro do mês seguinte da festividade, do que pagarão os oito mesários, como jóias de suas entradas a quantia de Rs. 4$000, os quais terão por obrigação assistirem todas as mesas que se fizerem necessárias para o bem e aumento da dita Irmandade, para o que serão avisados pelos Procuradores; e dado caso que algum dos referidos mesários por impedimento, ou ausência, deixe de aparecer, serão chamados para substituir, outros da mesa transacta, até o número legal. CAPÍTULO X – DOS ACOMPANHAMENTOS Falecendo algum irmão, sua mulher ou filho menor, até a idade de 21 anos, e as filhas dos mesmos enquanto viverem honestamente, debaixo do pátrio, ou materno poder, sairá a Irmandade com os irmãos que se puderem convocar, com Cruz, tocheiros e suas tochas acesas, ornados de suas capas. O Juiz levará a vara, e na sua falta o Escrivão, Tesoureiro, ou algum outro irmão da mesa mais velho; e todos em boa ordem irão acompanhando o corpo até a sepultura, rezando cada o Padre Nosso e Ave Maria. O tesoureiro mandará para a casa do irmão falecido quatro tocheiros, e a ser feito o enterro a custa da Irmandade, mandará também quatro tochas, e duas velas para o altar da imagem do Senhor crucificado, assim como a capa rocha para o reverendo pároco, que sendo o irmão ou irmã pobre, lhes faça por caridade essa santa esmola. CAPÍTULO XI – DO DIA DA FESTA A festa do Apóstolo São Bartolomeu se fará no seu próprio dia 24 de agosto de cada um ano, ou naquele em que por deliberação da mesa, esta assentar dever ser, para o que, um mês antes da mencionada festividade, se reunirá a dita mesa na sacristia, ou consistório de sua matriz, a fim de tratar sobre um tal objeto, a respeito do qual deverá ter em vista, que esta solenidade se faça (sempre que se possa) com novenas, exposição do Santíssimo Sacramento no dia da festa, missa cantada, sermão, e procissão à tarde pelas ruas desta cidade, preparando-se com o maior ornato o altar-mor, trono, e armação na igreja, na qual assistirão todos os irmãos com suas capas e tochas, como em quinta-feira maior, e de tarde acompanharão a procissão do mesmo modo, na qual segurarão as varas do Palio; para cujas festividades, serão aplicadas não só as jóias do Juiz, Escrivão, e mais Oficiais da mesa, como também a que der a Juíza (que haverá), mordomos, e mordomas para as novenas, e o mais que faltar quando isto não baste, será satisfeito pelo Tesoureiro, a custa do cofre da Irmandade; guardando-se em tudo a maior decência possível. CAPÍTULO XII – DA POSSE DOS IRMÃOS 165 No dia 08 de setembro da Natividade de Nossa Senhora, se ajuntarão os Oficiais novamente eleitos para servirem na Irmandade, com os Oficiais que têm de se retirarem, e logo o juiz da mesa finda dará o juramento dos santos evangelhos, aos irmãos que de novo entrarem, de bem e verdadeiramente servirem a Irmandade, fazendo-lhe entrega de todas as peças e o mais da Irmandade, pelo livro do inventário, e sendo que alguma coisa lhe falte, fará com que se pague aquele por cuja culpa se perdeu; e de tudo mais que existir, entregará a dita mesa ao Tesoureiro, o qual que por seu termo que será lavrado pelo escrivão da mesa finda, assinarão todos. Nesse mesmo dia o tesoureiro da mesa finda, apresentará a conta de sua receita e despesa que teve nesse ano, para ser vista e aprovada pela mesa, que acaba, conforme já fica dito no capítulo 5º. CAPÍTULO XII – DAS DISCÓRDIAS ENTRE OS IRMÃOS Havendo entre os irmãos da nossa Irmandade, algum que seja rebelde aos mandatos da mesa, perturbando as eleições que se fizerem, ou contra o bem delas, o Juiz fará convocar na sacristia, ou consistório da nossa Igreja Matriz, os oficiais da mesa, e ali juntos, se proporá sobre a matéria que deu causa, ou lugar á rebeldia do irmão; e achando-se estar o mesmo compreendido como perturbador da boa ordem que deve haver entre todos os irmãos, se porá a votos, os quais serão tomados em escrutínio secreto por toda mesa, e sendo que o irmão tenha contra si as duas terças partes da votação, será esse imediatamente riscado da Irmandade para sempre; do que se fará termo, em que assinarão todos. Sempre que hajam votações, se distribuirão a cada um irmão de mesa duas favas, uma branca, e outra preta, a branca manifestará a aprovação da mesa em todos os seus atos, e a preta a reprovação. 10 de abril de 1851 ANEXO D – Alfaias litúrgicas da Irmandade do Santíssimo Sacramento Alfáias litúrgicas da Irmandade do Santíssimo Sacramento ALFAIAS LITÚRGICAS MÓVEIS Duas âmbulas de prata dourada; Uma estante torneada no altar; Uma custódia grande de prata; Nove cadeiras enfolhadas de sacristia; Um par de galhetas de prata com prato e Dois bancos de jacarandá; 166 outro par sem partos; Um cálice e patena de prata; Um cálice grande de prata pára comunhão; Uma campanhia de prata; Um sinete de prata com cobre; Um turíbulo de prata; Uma naveta com uma colher de prata; Um altar dourado na capela do Santíssimo Sacramento; Um tabernáculo dourado com três astes de prata; Um par de candelabros de metal branco; Um altar da sacristia; Um relicário de prata decorado; Três sacras sendo uma grande e duas pequenas; Um banco envernizado; Uma mesa torneada na sacristia; Um banco envernizado na sacristia; Uma cômoda na Sacristia; Quatro bancos de madeira branca para descansar de charolas; IMAGENS SACRAS ROUPAS E TAPETES Uma imagem do Senhor do Bonfim; Um tapete grande Uma imagem do Senhor do Bonfim Dois tapetes pequenos; aparelhada; Duas estampas de prata, do Santíssimo Imagem do Senhor do Bonfim sem Sacramento e do Senhor do Bonfim; resplendor Dois pálios, sendo um roxo e um encarnado; Três imagens que serve ao altar Dois frontões sendo um roxo e outro branco; Uma imagem do Senhor ressuscitado; Uma colcha preta de veludo que cobre o Uma imagem do senhor Morto; túmulo; Uma imagem do Senhor dos Passos; Dois véus de ombro de cetim bordado; Uma imagem de Nossa Senhora da Soledade; Nove toalhas de altar; Uma imagem do Senhor Menino para o Uma casula; presépio; Uma estola; Uma imagem de Deus menino; Duas fitas do juiz e do escrivão; Uma cruz de guião; Uma cruz do Santo lenho; Um quadro lacrado do Senhor do Bonfim; OUTRAS PEÇAS Um resplendor dezoito e astes de metal branco; Dezoito jarras de louça; Duas credencias douradas com lastro de mármore; Um par de serpentinas de metal dourado; Uma lâmpada grande de prata; Oito canos de prata de pálio; Um jarro de prata; Um resplendor de prata do Senhor dos passos Um círculo e espada de prata de Nossa Senhora da Soledade; Duas lanternas de prata; Duas lanternas pequenas de metal dourado; Dois tocheiros e uma cruz de prata; Um diadema; cajado; bandeira; sapatos e cinto de prata; Duas umbelas sendo uma grande e outra pequena; Duas charolas em metal dourado; 167 Um par de sapatos de ouro de Deus menino; Três botões de ouro de punho e cordãozinho de Deus menino; Uma medalha de ouro; Um broche de diamantes; Um broche de pedra branca; ANEXO E – Mesas Administrativas da Irmandade de São Bartolomeu Mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1912-1913 Cargo Nome Posição Social 168 Juiz Juiza Tesoureiro Escrivão Procuradores Consultores Comissão Auxiliar Cargo Juiz Juiza Tesoureiro Rvmo. Gustavo A. Marinho das Neves Exma. Sr. D. Adélia Amado de Souza Snr. Victoriano Alves de Souza Snr. Januario Soriano de Jesus Snr. Antonio Pereira de Brito Tº. Cornélio Florentino de Souza Rvmo. Adolpho José da Costa Cerqueira Crescenciano de Melo e Albuquerque Affonso de Santana Rebouças Arthur de Souza Bittencourt Crescenciano Alves de Souza Manoel Pereira Rebouças Porphirio José de Queiroz Manoel Amâncio Malaquias Alfredo Cândido da Costa Manoel Pereira de Souza Affonso de Santana Rebouças Arthur de Souza Bittencourt Secondino da Costa e Almeida Porphirio José de Queiroz Leonardo Alves Bandeira José Pereira de Brito Mesa Administrativa de 1934 Nome Erothides José da Silva Exma. Sra. D. Zilda Marta Malaquias Vitoriano Alves de Souza Cônego/Eclesiástico Capitão Cônego/Eclesiástico Major Capitão Capitão Capitão Capitão Tenente Tenente Capitão Capitão Capitão Capitão Tenente Tenente Tenente Tenente Condição Social Coronel 169 Escrivão Procuradores Consultores Juizas Protetoras (As grandes firmas) Exma. Senhoras Juízes Protetores Presidente de Honra Comissão Auxiliar Juízes de Devoção Cargo Juiz Juíza Tesoureiro Álvaro Pereira Brito Claudionor José Fernandes Bartolomeu Borba Oscar de Araújo Guerreiro Benigno Rebouças Bartolomeu Santana Corbiniano Rocha Abdom Pinto Alberto Correia de Araújo Peixoto Francisco Barbosa dos Santos José Francisco de Souza Suerdick e Cia Dannemem e Cia Maria Amélia Dias Peixoto Simirames Seixas Tourinho Hercilia Barbosa de Souza Maria Mota Peixoto Cecília Gonçalves Mendes Sabina de Carvalho Adalgisa de Barros Rebouças Edith Nunes Verbena de Matos Guerreiro Adelina da Cruz Malaquias Camila de Andrade Barbosa Etelvina Cecília Barbosa Almerinda Tourinho Estrela Bartolomeu de Brito Souza Bartolomeu Diogenes de Souza Bartolomeu de Souza Santos Bartolomeu Rebouças Bartolomeu Alves de Souza Bartolomeu Moreira Bartolomeu Falheiro Bartolomeu de Figueiredo Bartolomeu de Albuquerque Revmo. José Gomes Loureiro José Luiz Paranhos Secundino da Costa e Almeida Hibernon Guerreiro Manoel Barbosa dos Santos Décio Correia do Carmo Antonio Andrade Leonardo Macedo João Thomaz da Silva Todos os devotos do Apóstolo São Bartolomeu. Mesa Administrativa de 1935 Nome Otaviano Teixeira do Sacramento Claudemira de Brito Bartolomeu Pereira de Borba Doutor Cônego/Eclesiástico Condição Social 170 Escrivão Procuradores Consultores Presidente de Honra Comissão de Senhorinhas Auxiliares Juízas Protetoras Juízes Protetores Comissão Auxiliar Cargo Juiz Juíza Tesoureiro João Thomaz da Silva João Melo Albuquerque José Luiz Paranhos Claudionor José Fernandes Álvaro Pereira de Brito Bartolomeu Santana Vitoriano Alves de Souza Secundino da Costa Almeida Heráclio Guerreiro Fortunato Ricardino dos Santos Dacio Correira do Carmo Padre José Gomes Loureiro Maria Lourdes Ribeiro Perolinda Soares Maria Jesus Ribeiro Elisa Sandes Berlita Teixeira Baião Zelita Reis Bernadete Guerreiro Auta Damiana Guerreiro Helena Mato-Grosso Amália Mato-Grosso Semírames Tourinho Julia Souza Santos Etelvina Barbosa Maria Mota Peixoto Maria Melo Peixoto Maria José Alves Ferreira Raimunda Portela Estela Machado Todt Bartolomeu Souza Santos Hibernon Guerreiro Anfilófio Melo Anísio Malaquias Dr. Abílio Peixoto Antonio Venâncio Barbosa João Batista Soares João Pereira Guedes Abdom Pinto Antonio Andrade Leonardo Macedo Manoel Barbosa dos Santos Manoel Paulo Menezes Francisco Soriano de Jesus Abílio Barbosa Guimarães Mesa Administrativa de 1936 Nome Heráclio Paraguassú Guerreiro Eleonora Barbosa Benigno dos Santos Rebouças Professora Condição Social Capitão 171 Escrivão Procuradores Oscar de Araújo Guerreiro Bartolomeu Sant‟Ana Mesa administrativa de 1943 Consultores Presidente de Honra Comissão Auxiliar Comissão Encarregada da ornamentação dos altares Comissão Auxiliar da Festa (na Suerdick e Cia) Comissão Auxiliar da Festa (na filial da C.C. Dannemmann) Corbiniano Rocha Dr. Claudio Costa Dacio Correia do Carmo Vitoriano Alves de Souza Álvaro Pereira de Brito Marcelino Ribeiro Raul Leonídio guerreiro Claudionor Fernandes Bartolomeu Borba Cônego José Gomes Loureiro Abdom Pinto Antonio Eduardo de Andrade José Luiz Paranhos Secundino da Costa e Almeida Agenor Borges de Barros João Melo Manoel Veríssimo dos Santos João Thomaz da Silva Reinaldo Morais José Caussú Octávio Batista Soares Octaviano Teixeira do Sacramento Gracinda de Andrade Maria Joana da Silva Clementina Iluminatta dos Santos Guiomar Borba Aquilina Guedes Almiro Bartolomeu de Andrade Clementino Sacramento Bartolomeu Moreira da Silva Edílio Carvalho Roque Américo Silva Egberto Soares João Baptista Nerega Inocêncio Américo Silva Manoel Florêncio Santos Vicente Januário da França Osvaldo Rebouças Aníbal Carneiro Santos Antonio Silva Morais Jeremias Santos Manoel Guimarães Santos Osvaldo Queiroz Virgílio Laranjeira João Baptista Rosário Samuel Hermeto carneiro Augusto Malaquias Manoel Lopes Arthur Lima Agenor Borges de Barros Geraldo Grato de Souza Oscar Silva José Ferreira Antonio Ignácio de Souza José Eduardo de Miranda 172 Cargo Juiz Escrivão Tesoureiro Procuradores Consultores Nome Oscar de Araújo Guerreiro Abelardo Sacramento Bartolomeu José de Santana João Thomaz da Silva Benigno dos Santos Rebouças Apúlio Gonçalves Pimentel Manoel Veríssimo dos Santos Dr. Claudio Rodrigues da Costa Áureo Boaventura Guerreiro Anfilófio Vieira de Mélo Abdon Pinto Bartolomeu de Souza Santos Manoel Germiniano Barbosa Pericles Figueiredo Salmanazar Antonio de Jesus Posição Social Comerciante/Político Chefe do partido PSD Negociante Industrial 173 Cargo Juiz Tesoureiro Escrivão Procuradores Mesários Mesa Administrativa 1945-1946 Nome Posição Social Corbiniano Rocha Oscar de Araújo Guerreiro Alexandre Ribeiro da Conceição Antonio Eduardo Andrade Manoel Barbosa dos Santos Abdon Pinto Leonardo Macedo Bartolomeu de Souza Santos Manoel Germiniano Barbosa Raul Leonídio Guerreiro Contador da Prefeitura local Reinaldo José de Moraes Salmanazar Antonio de Jesus Claudionor José Fernandes Manoel Vespasiano dos Santos Abelardo Sacramento 174 Cargo Juiz Tesoureiro Escrivão Procuradores Mesários Juíza Mesa Administrativa 1946-1947 Nome Posição Social Antonio dos Santos Vieira Antonio Eduardo de Andrade João Thomaz da Silva Frederico Raton Inocêncio Américo da Silva Edílio Carvalho Manoel Vespasiano dos Santos Bartolomeu Sant‟Anna Capm. Negociante Neraldo Mota Salmanazar Antonio de Jesus Augusto Malaquias Abelardo Malaquias Reinaldo Moraes João Raimundo Fernandes D. Hilda 175 Mesa administrativa da Irmandade de São Bartolomeu de 1971 Cargo Nome Posição Social Presidente de honra Mons. Florisvaldo José de Souza Eclesiástico Juíza Maria Carvalho Fernandes Borba Professora Juiz Ronaldo Pereira de Souza Vice -Juiz Alberto Souto Tesoureiro José Vieira Rebouças Escrivão Alberto Costa Santos Vereador Vice -Escrivão Edvaldo Antonio Aragão da Silva Mesários Bartolomeu Paranhos vereador José Daltro Castro João Thomaz da Silva Rubem Guerreiro Marcos Oliveira Conceição Manoel Alves Correia Antonio Malaquias Souza Jovino Lima Armando Sales Andre Pires João Guedes dos Santos Bartolomeu Almeida João [ilegível] de Farias Antonio Miranda Benedito Carneiro Carvalho Professor Valter Vieira Isaac Oliveira Raimundo Alves Santos 176 ANEXO F – Compromisso da Irmandade de São Bartolomeu de 1943 COMPROMISSO DA IRMANDADE DE SÃO BARTOLOMEU DA CIDADE E PARÓQUIA DE MARAGOGIPE, 1943 CAPÍTULO I DA IRMANDADE E SEUS FINS Art. 1º. – A Irmandade de S. Bartolomeu, da cidade de Maragogipe, é uma associação religiosa composta de associados de um e outro sexo, em número ilimitado, podendo dela fazer parte não só pessoas residentes no território da Paróquia de Maragogipe, como também paroquianos de outras freguesias, tendo todos a denominação de Irmãos. Art. 2º. – Além dos fins comuns a toda associação religiosa, esta Irmandade tem por fim particular trabalhar pelo esplendor do culto devido ao Santo Apóstolo São Bartolomeu, Orago da Igreja Matriz de Maragogipe, esforçando-se os Irmãos, principalmente, pelo bom exemplo de uma vida verdadeiramente cristã e pelo espírito de submissão à Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, nas pessoas dos seus Superiores Hierárquicos, e por propagar e tornar estimada a devoção ao Santo Patrono. CAPÍTULO II DAS OBRIGAÇÕES ORDINÁRIAS DA IRMANDADE Art. 3º. – Para preencher o fim particular a que se destina, a Irmandade compromete-se: § 1º. – A zelar a Imagem de São Bartolomeu da Matriz de Maragogipe, correndo por sua conta todas as despesas com a dita Imagem e o seu nicho, ao quais deverão sempre achar-se cuidadosamente asseiados e providos do devido ornato. § 2º. – A fazer todos os anos com religioso esplendor a festa de São Bartolomeu, no dia próprio ou no domingo que a ele se seguir, quando o dia 24 de Agosto não cair em dia de domingo, havendo, sempre que for possível, uma novena ou um tríduo em preparação à festa. Art. 4º. – Além das obrigações, deverá a Irmandade mandar celebrar uma Missa por mês, por todos os irmãos vivos e defuntos e pelos benfeitores da Irmandade. A esta Missa, que deverá ser celebrada no altar de São Bartolomeu, deverão assistir, pelo menos, dois irmãos revestidos de capas e de tochas acesas. Para regularidade de sua celebração e para lembrança mais fiel dos Irmãos, essa Missa deve ser sempre no dia 24 de cada mês, a não ser que o motivo justo determine a sua mudança, o que será comunicado ao 1º Procurador para aviso à Irmandade. 177 Art. 5º. – Deverá também a Irmandade mandar celebrar uma Missa em sufrágio à alma de cada irmão que falecer. Essa Missa deverá ser celebrada dentro do mês de falecimento do Irmão. CAPÍTULO III DA ADMISSÃO DOS IRMÃOS Art. 6º. – §1) Para ser irmão é necessário: a) b) c) d) e) f) – Que seja Católico, Apostólico e Romano. – Que, como tal, assista à Santa Missa aos domingos e dias santificados. – Que comungue, ao menos, pela Páscoa. – Que admita humildemente todo o ensino da Santa Madre Igreja. – Que não pertença a seita ou sociedade alguma condenada pela Igreja. – Que não seja, em vês de casado religiosamente, ligado só civilmente. § 2) O irmão que transgredir as disposições do parágrafo precedente, deixará ipso facto de pertencer à Irmandade. Art. 7º. – §1) O que quiser ser Irmão, deverá ser proposto à Mesa Administrativa em sessão, por algum dos mesários. § 2) – Para ser aceito, deverá reunir dois terços dos votos dos Irmãos presentes à eleição. §3) –Se for aceito, depois de ter recebido comunicação feita pelo Escrivão, pagará ao Tesoureiro a jóia de dez cruzeiros (Cr. $10,00) e dele receberá o diploma de Irmão. Este diploma deverá ser assinado pelo Revmo. Sr. Vigário da Freguesia, pelo Juiz, pelo Tesoureiro e pelo Escrivão e valerá de recibo da jóia. Nessa icasião ser-lhe-á entregue um exemplar do Compromisso da Irmandade. CAPÍTULO IV DOS DIREITOS E DEVERES DOS IRMÃOS Art. 8º. –Todo irmão tem direito: § 1) – A votar nas sessões de Assembléia Geral, nas quais poderá também propor, discutir e reclamar. Não poderá, porém, exercer esses direitos o Irmão que não estiver, por negligência, quites com a Irmandade. § 2) – A se apresentar revestido da Capa da Irmandade, nos atos religiosos em que a Irmandade comparecer, para o que deverá a Irmandade possuir as capas necessárias. § 3) – A ser acompanhado, na ocasião de seu enterro até o cemitério, por todos os Irmãos que o puderem fazer e a receber sepultura em carneiro da Irmandade quando a mesma os possuir. Logo que s tiver notícia certa do falecimento de algum Irmão, deverá a Irmandade fazer com que seja dado sinal no sino da Matriz. § 4) – A enterro por conta da Irmandade, se falecer sem deixar com que esse possa ser feito. A Irmandade, porém, só é obrigada a isso se puder. Art. 9º. – Todo Irmão é obrigado: § 1) – A cumprir tudo o que lhe é determinado pelo Presente Compromisso. 178 § 2) – A conformar-se com o que for resolvido, quer em sessão da Mesa Administrativa, quer em sessão da Assembléia Geral. § 3) – A fazer tudo o que lhe for razoavelmente mandado por qualquer dos mesários no exercício de seu cargo. § 4) – A pagar, além da jóia, a quantia de seis cruzeiros anuais (Cr. $6,00) de vez ou parceladamente, ao Procurador em exercício, que lhe dará recibo. A anuidade da entrada deve ser paga integralmente, ainda que a mesma seja no fim do ano. § 5) – A contribuir, sempre que puder, nas subscrições que a Mesa Administrativa fizer, quer coletivamente, quer por intermédio de um ou mais mesários. CAPÍTULO V DA MESA ADMINISTRATIVA Art. 10. – Para o bom andamento da Irmandade, haverá uma Mesa Administrativa composta de um presidente que é o Rvmo. Vigário, um Juiz, um Tesoureiro, um Escrivão, quatro Procuradores e oito Consultores. Cada um dos membros desta Mesa terá a denominação de mesário. Art. 11. – § 1) A Mesa Administrativa, à exceção do Rvmo. Presidente, será eleita anualmente, na primeira sessão ordinária de Assembléia Geral, podendo qualquer os mesários ser reeleito. § 2) – Essa reeleição deverá se aprovada pelo Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia. § 3) – Tanto o juiz como os demais mesários devem ser eleitos por maioria absoluta de votos dos eleitores que se fizerem presentes. § 4) – O Juiz que terminar o seu mandado, em harmonia de vistas com o Rvmo. Vigário e demais mesários, poderá apresentar à escolha do eleitorado uma lista com o nome de três pessoas para uma delas o substituir no cargo de Juiz da Irmandade, sendo, todavia, livres os eleitores na aceitação da proposta. § 5) – Para a eleição dos diversos mesários há de se adotar o seguinte critério: a) – O Juiz, como ficou dito no parágrafo precedente, em harmonia de vistas com os demais mesários, apresentará três nomes, aos quais a Mesa ajuntará outros dois, apresentando todos aos sufrágios do colégio eleitoral, isso para o cargo de JUIZ. b) – O juiz eleito apresentará três nomes para Tesoureiro, acrescentando a Mesa outros dois, para os sufrágios. c) – O tesoureiro eleito escolherá seus Procuradores e apresentará dois nomes para Escrivão, aos quais a Mesa ajuntará outros três. d) – Os oito Consultores serão depois nomeados escolhendo-se os mais votados dos nomes apresentados às urnas para os diversos encarregados anteriormente preenchidos. e) A Mesa, de que falam os pontos do parágrafo precedente, apresentará os diversos nomes por intermédio do Rvmo. Presidente que deve, com sua autoridade, harmonizar os interesses na apresentação dos mesmos nomes. f) – Não se podendo, por acaso, chegar a harmonia entre a Mesa na apresentação dos nomes para as eleições, cabe ao Rvmo. Presidente e Vigário escolher ele próprio 20 nomes para os 15 encargos, designando 5 nomes para cada membro da Mesa Administrativa. O colégio eleitoral só poderá votar em um desses nomes apresentados. 179 Art. 12. – A posse da nova Mesa será na segunda sessão ordinária de Assembléia Geral e será dada pelo Rvmo. Vigário da Freguesia, diante do qual cada um dos mesários deverá prestar juramento de que procurará cumprir fielmente os deveres de seu cargo. Art. 13. – § 1) À Mesa Administrativa que não poderá funcionar em suas sessões sem a presença, pelo menos, de dois terços dos mesários e do Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia, que nelas tem o direito de propor, discutir, reclamar e votar, e que deverá reunir-se em sessões ordinárias, de três em três meses, em dia de domingo ou de festa, compete: a) – Admitir novos Irmãos e excluir os que tiverem se tornado indignos de continuar na Irmandade, assim como demitir o Mesário que não cumprir os seus deveres. b) – Autorizar as despesas para o desempenho dos encargos da Irmandade e as outras despesas julgadas necessárias. c) – Aceitar os legados e as doações feitos à Irmandade. d) – Demandar em juízo, por intermédio do mesário ou Irmão que melhor convier, o recebimento dos legados e doação feitos à Irmandade e o pagamento das dpividas à mesma. e) – Tomar conhecimento de tudo o que fizer cada um dos mesários no exercício de seu cargo, assim como a atender as justas reclamações dos Irmãos e dar-lhes as necessárias providências. f) – Convocar as sessões da Assembléia Geral. § 2) – A Mesa deve reunir-se, extraordinariamente, a convite expresso do Rvmo. Vigário e quando o solicitem dois terços dos mesários. Art. 14. – Nem a Mesa Administrativa, nem mesmo a Assembléia Geral podem, por si sós, alterar o presente Compromisso, nem ir de encontro às suas disposições. Nem poderão também dispor do dinheiro ou de qualquer bem do Patrimônio da Irmandade sem licença da autoridade Eclesiástica. O patrimônio da Irmandade será constituído de 10 por cento de todo e qualquer dinheiro que entrar para a Irmandade, das alfaias e bens imóveis que a Irmandade possuir e dos bens móveis necessários ao valor e à conservação dos imóveis. As demais quantias poderão ser empregadas no desempenho dos encargos da Irmandade, observando o disposto no Compromisso. CAPÍTULO VI DOS DIREITOS E DOS DEVERES DE CADA UM DOS MESÁRIOS DO JUIZ Art. 15. – É o Juiz o presidente da Mesa Administrativa e o chefe da Irmandade, devendo, portanto, haver todo cuidado em que seja eleito para este elevado cargo, um homem de reconhecida capacidade. A ele compete: § 1) – Marcar os dias da sessão, quer ordinárias quer extraordinária, da Mesa Administrativa, e convocar os mesários para as mesmas. 180 § 2) – Dar as providências necessárias nos casos urgentes sempre que a Mesa não puder reunir-se, devendo, porém, na primeira sessão dar conhecimento à mesma de tudo o que tiver feito. § 3) – Designar quais os Irmãos que devam servir nos atos em que o Compromisso exige a presença de alguns Irmãos. § 4) – Avisar, aconselhar e repreender caridosamente os mesários e demais irmãos que se tiverem descuidado do cumprimento de seus deveres. § 5) – Numerar e rubricar os livros de escrituração da Irmandade, na forma do estilo. § 6) – Nas questões ventiladas em sessão, em casos de empate tem ainda o Juiz o direito de decidir. § 7) – A última palavra, em casos de dissídios com as referidas questões, será sempre do Rvmo. Vigário e Presidente, cuja determinação devem os mesários acatar. § 8) – Não se conformando os presumidos prejudicados com a decisão do Rvmo. Presidente, cabe-lhe o recurso extraordinário ao Exmo. e Rvmo. Ordinário Diocesano em termos da lei e dentro das normas do Direito Canônico. Art. 16. – Deverá o Juiz: § 1) – Pagar antes de sua posse, a jóia de cinquenta cruzeiros (Cr. $50,00), entregando-a ao Tesoureiro que lhe dará recibo. § 2) –Empenhar-se pelo bem da Irmandade e esforçar-se pelo fiel cumprimento de todas as disposições do Compromisso. § 3) – Apresentar por ocasião da posse da nova Mesa Administrativa um relatório minucioso de todo o movimento da Irmandade durante o ano de sua gestão fazendo especial menção do estado financeiro da mesma. Este relatório deverá ser sempre apresentado, ainda mesmo que o Juiz seja reeleito. Art. 17. – em seus impedimentos e em sua falta será o Juiz substituído por um dos Consultores, à escolha da Mesa, até outra eleição que deve ser feita no mais curto espaço de tempo possível, se a falta se verificar no início da gestão ou do Mandato da nova Mesa. DO TSOUREIRO Art. 18. – Ao Tesoureiro, que deve ser um homem de reconhecida probidade, compete: § 1) – Ter sob sua guarda todos os bens da Irmandade; § 2) – Fazer o pagamento de todas as despesas autorizadas pela Mesa Administrativa; § 3) – Fazer as despesas com os enterros dos irmãos desvalidos; § 4) – Fazer as autorização da Mesa, a venda do a Irmandade puder e tiver de dispor, bem como contratar os alugueis das propriedades que a Irmandade possuir para este fim. A autorização de venda de algum bem da Irmandade por parte da Mesa Administrativa só pode ser dada depois do placet ou da aprovação da Autoridade Eclesiástica ou do Ordinário Diocesano. Art. 19. – Deverá o Tesoureiro: 181 § 1) – Receber por inventário, e pela mesma forma passar a seu sucessor, todos os bens da Irmandade, e um outro para nele serem passados os recibos das quantias despedidas pela mesma; § 2) – Ter um livro para nele serem escrupulosamente lançadas a receita e a despesa da Irmandade, e um outro para nele serem passados os recibos das quantias despendidas pela mesma; § 3) – Dar conhecimento à Mesa, em cada uma de suas sessões, de todo o movimento financeiro da Irmandade; § 4) – Zelar os interesses da Irmandade, empenhando-se pela conservação e aumento de seus bens e cumprindo fielmente tudo o que lhe diz respeito; Art. 20. – Em seus impedimentos e em sua falta será o Tesoureiro substituído pelo Escrivão em seu impedimento por um dos Procuradores. DO ESCRIVÃO Art. 21. – Ao escrivão, que deve ser um homem de habilitações para o cargo, compete: § 1) – Lavrar as atas de todas as sessões, assinando-as com o Rvmo, Snr. Vigário da Freguesia, com o Juiz e o Tesoureiro e redigir e escrever todos os ofícios que tiverem de ser expedidos pela Mesa Administrativa, assinando-os com o Juiz, com o visto Rvmo. Presidente e Vigário; § 2) – Ter sob sua guarda, o arquivo da Irmandade. Art. 22. – Deverá o Escrivão: § 1) – Pagar antes de sua posse, a jóia de vinte cruzeiros (Cr.$20,00), entregando-a ao Tesoureiro que lhe dará recibo; § 2) – Receber por inventário, e pela mesma forma passar ao seu sucessor o arquivo da Irmandade; § 3) – Fazer escrituração do livro da inscrição dos Irmãos; § 4) – Registrar em um livro próprio todos os ofícios de importância expedidos pela Mesa Administrativa ou algum dos mesários, assim como certos documentos de que se deva fazer registro; § 5) – Trazer em dia e em ordem toda a escrituração que estiver a seu cargo, conservar com todo o cuidado e na devida reserva, todos os papeis de Arquivo da Irmandade. Art. 23. – Em seus impedimentos e em sua falta, será o Escrivão substituído por um dos Consultores, á escolha da Mesa. DO PRIMEIRO PROCURADOR Art. 24. – Ao primeiro Procurador, que deve ser um homem probo, ativo e delicado, compete: § 1) – Fazer a cobrança das anuidades dos Irmãos e de todo o rendimento da Irmandade, dando recibo de todas as quantias que tiver recebido. Art. 25. – Deverá o primeiro Procurador: 182 § 1) – Entregar ao Tesoureiro todo o dinheiro que tiver recebido, devendo o Tesoureiro darlhe recibo de todas as quantias que por ele tiverem sido entregues. § 2) – Fazer a escrituração do livro de lançamento das anuidades pagas dos Irmãos. § 3) – Ser diligente em fazer as cobranças e ser atencioso para todos, procurando corresponder a confiança nele depositada. DO SEGUNDO PROCURADOR Art. 26. – Ao segundo Procurador, que deve ter as mesmas qualidades do primeiro, compete: § 1) – Substituir o primeiro Procurador em seus impedimentos e em sua falta, podendo este também ser substituído por alguns dos Consultores, à escolha da Mêsa. Art. 27. – Deverá o segundo Procurador ajudar o primeiro Procurador sem que ele solicitar o seu auxílio, para o bom desempenho de seus deveres. Os outros dois procuradores terão funções idênticas às do 2.º DOS CONSULTORES Art. 28. – Aos consultores que devem ser homens de provada prudência e experiência, compete: § 1) – Dar em Mesa o seu parecer sobre os diversos assuntos que então se tratarem, auxiliando assim os demais mesários no bom desempenho de suas obrigações. § 2) – Votar com os demais mesários. § 3) – Substituir o Juiz, o Tesoureiro, o Escrivão e o primeiro Procurador, de conformidade com o Compromisso. Art. 29. – Deverão os Consultores: § 1) – Pagar cada um, antes de sua posse, a jóia de cinco cruzeiros (Cr. $5,00), entregando-a ao Tesoureiro que lhe dará recibo. § 2) – Proceder em tudo com inteira isenção de interesses vis, dando sua opinião com toda a pureza, de consciência e tendo sempre em vista o bem e o progresso da Irmandade. CAPÍTULO VII DA ASSEMBLÉIA GERAL Art. 30. – Todo ano haverá duas sessões Ordinárias da Assembléia Geral. A primeira sessão será em um dos dias da primeira quinzena de Agosto, sendo preferível o dia 15, e segunda em um dos oito dias do mês de Setembro, sendo preferível o dia 8. Art. 31. – essas duas sessões, assim como as outras extraordinárias que, porventura houver, deverão ser presididas pelo Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia que nelas tem direitode decidir em caso de empate. 183 Art. 32. – Todos os Irmãos que não se acharem verdadeiramente impedidos deverão comparecer a essas sessões, para o que pedirá ao Rvmo. Vigário que as anuncie à estação da Missa Conventual, com a antecedência necessária. Art. 33. –§ 1) Na primeira sessão ordinária, far-se-á a eleição da nova Mesa Administrativa. § 2) – A referida eleição será feita perante o Rvmo. Vigário, toda a Mêsa atual e metade, pelo menos, do número de Irmãos previamente convocados. Em casos de rebeldia comprovada e injustificável, com que se consiga a abstenção do comparecimento de irmãos para as eleições da Mêsa, essas poderão ser realizadas com um terço dos Irmãos convocados, mesmo ausente a Mêsa atual. Haverá, entretanto, para os presumidos prejudicados, o recurso ao Tribunal Eclesiástico. § 3) – Será sempre nula a sessão de eleição, se a ela não estiver presente o Rvmo. Vigário ou quem suas vezes fizer na regência da Freguesia. § 4) – No dia dessa sessão, sendo possível, deverá a irmandade mandar celebrar uma Missa ao Divino Espírito Santo. § 5) – Realizada em ambiente de fraternidade cristã, a eleição deve ser registrada pelo Escrivão para receber o visto do Rvmo. Presidente e Vigário e ser encaminhada ao Ordinário Diocesano para a sua aprovação, isso dentro do passo de oito dias da sua realização. § 6) – A falta de observância do tempo marcado para as eleições, bem como a não comunicação imediata da eleição realizada para a devida aprovação implica a privação do direito de eleger e a nulidade da eleição, ficando ao ordinário o direito de nomear os diversos membros da Diretoria. (Cans. 177 e 178) § 7) – Se algum membro da Irmandade se fizer empossar em um cargo para o qual foi eleito, antes de ter a aprovação, por parte do Ordinário, da eleição em que foi vencedor, fica “ipso fato” incompatível para o referido cargo e deve ser punido pelo ordinário; e o colégio eleitoral que o escolheu e lhe reconheceu a posse nessas circunstâncias perderá igualmente o direito de eleger. (Cans. 2 394 e 178.) § 8) – O Presidente da sessão de eleição da Nova Mêsa administrativa tem o direito de anular a eleição de qualquer dos mesários quando o eleito for inapto para o cargo ou quando o pedir o bem da Irmandade. Nesse caso, far-se-á nova eleição para o cargo do mesário não aceito. Art. 34. –§ 1) Na segunda sessão ordinária de Assembléia Geral far-se-á a posse da Nova Mêsa, depois de lido o relatório do Juiz que terminou o seu mandato. § 2) – Nessa sessão como na da eleição, poderão ser tratados outros assuntos e tomadas outras medidas concernentes ao bem da Irmandade. Art. 35. – As atas das sessões da Assembléia Geral serão lavradas no mesmo livro das atas das sessões da Mêsa Administrativa. CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES DIVERSAS 184 Art. 36. – Todo ano, em um dos domingos do mês de Julho, deverá a Mêsa Administrativa reunir-se em sessão extraordinária com o fim de tratar da festa de São Bartolomeu. Nessa sessão serão eleitas as comissões que devem se incumbir de tirar esmolas afim de auxiliar a Irmandade nas despesas com a dita festa. Essas comissões poderão ser constituídas por Irmãos e por qualquer pessoa, ainda mesmo alheia à Irmandade. Será também eleita uma juíza de devoção, bem como os mordomos da novena ou do tríduo, conforme o costume. Art. 37. – A Irmandade prestará contas, anualmente, à Cúria Diocesana ao Tribunal de Contas da Diocese, apresentando-lhe cada ano o inventário das alfaias, dos patrimônios etc., devendo conformar-se inteiramente com as determinações da Autoridade Eclesiástica. Art. 38. – Não deverão os Irmãos esquivar-se de comparecer aos atos religiosos feitos ou auxiliados pela Irmandade. Art. 39. – A Irmandade poderá ter o seu Capelão, devendo, ma falta desse ser preferido o Rvmo. Snr. Vigário da Freguesia para fazer as suas vezes. Art. 40. – O Irmão falecido que tiver sido mesário, além dos sufrágios a que tem direito como Irmãos, terá mais uma Missa por sua alma, com a assistência da Mêsa Administrativa, devendo ser essa celebrada o mais cedo possível e devendo também comparecer a ela todos os Irmãos que o puderem fazer. Art. 41. – A Mêsa Administrativa, por intermédio de um ou mais mesários, poderá tirar esmolas para auxiliá-la no desempenho dos encargos da Irmandade. Art. 42. – O lugar de reunião da Mêsa Administrativa e da Assembléia Geral é a sacristia da Fábrica da Igreja Matriz. Art. 43. – Os cofres de esmolas deverão ter três chaves diferentes das quais uma será confiada ao Juiz, uma ao tesoureiro e outra ao primeiro procurador. Esses cofres deverão ser abertos, ordinariamente de três em três meses, no dia ou na véspera da sessão ordinária da Mêsa Administrativa, pelos três Irmãos acima ditos. As quantias neles encontradas deverão ser retiradas e entregue em sessão ao Tesoureiro, devendo de tudo se fazer menção na ata respectiva. A Mêsa ou o Juiz, havendo necessidade, poderão autorizar a abertura extraordinária desses cofres, devendo também, nesse caso, serem observadas as formalidades acima exigidas, e, na primeira sessão se dará conta de tudo, que deverá constar na ata. Art. 44. – Nos casos omissos ou duvidosos, haverá sempre recurso á Autoridade Eclesiástica, cuja decisão deverá ser incondicionalmente posta em execução. Art. 45. – Dissolvida ou extinta a Irmandade, por qualquer circunstância, o que Deus não permita, passarão todos os bens moveis ou imóveis a pertencer à Fábrica da Matriz de Maragogipe. 185 Art. 46. – Revogam-se todas as disposições do antigo Compromisso e ficam abolidos todos os costumes contrários às determinações. – FIM – 186 ANEXO G – Fotografias dos irmãos de São Bartolomeu na celebração do novenário em preparação para a festa do orago de 2010. Irmãos de São Bartolomeu segurando o crucifixo e o castiçal na procissão de entrada da celebração da novena em preparação à festa do padroeiro. Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento. 187 Entrada dos irmãos de São Bartolomeu na celebração do novenário em preparação a festa do orago na Matriz de Maragogipe Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento 188 Procissão de saída dos irmãos de São Bartolomeu da celebração do novenário em preparação à festa do orago na Matriz de Maragogipe. Fotografia: Antonio da Conceição Nascimento