Determinação do Potencial de Transporte em Corredores Logísticos:
Aplicação na Cadeia Produtiva da Cana de Açúcar
Vinicius M. Magalhães
Centro de Estudos em Logística, Infraestrutura e Gestão (CELIG) do Instituto
COPPEAD de Administração – UFRJ
Peter F. Wanke
Centro de Estudos em Logística, Infraestrutura e Gestão (CELIG) do Instituto
COPPEAD de Administração – UFRJ
RESUMO
O mercado de cana-de-açúcar no Brasil é responsável por uma parte muito grande do
PIB do país. Sua produção aumentou muito nas últimas décadas, em 2011 foram
produzidas 734 milhões de toneladas de cana-de-açúcar.
O objetivo deste trabalho é analisar o caminho feito pela cana desde as zonas de
produção até os portos, onde será exportada como açúcar e/ou etanol. A deficiência na
infraestrutura ferroviária acaba por favorecer o transporte por rodovias em algumas
áreas, em especial das zonas de produção até os centros de beneficiamento. Em especial,
deseja-se medir o potencial para captação desses volumes de etanol e açúcar por
ferrovia, contribuindo para uma melhor definição de seus corredores logísticos.
1. Introdução
O mercado de cana-de-açúcar no Brasil é responsável por R$ 44.50 bilhões do PIB
(Produto Interno Bruto) total do país. Ocupa uma área de 9.601.316 de hectares, 14.3%
de toda área usada no plantio de lavouras permanentes e temporárias. Sua produção
aumentou em 280% desde 1990 até 2011, quando foram produzidas 734 milhões de
toneladas de cana-de-açúcar.
O objetivo deste trabalho é analisar o caminho feito pela cana desde as zonas de
produção até os portos, onde será exportada como açúcar e/ou etanol. Atualmente a falta
de infraestrutura no âmbito ferroviário, em algumas regiões, força com que a maior
parte do trajeto seja feito via rodovia, em especial das zonas de produção até os centros
de beneficiamento. Mais especificamente, deseja-se medir o potencial para captação
desses volumes de etanol e açúcar por ferrovia, contribuindo para uma melhor definição
de seus corredores logísticos.
Segundo RODRIGUE (2006), corredores logísticos representam a acumulação de
fluxos e infraestruturas de vários modais e seu desenvolvimento está atrelado a
processos econômicos, de infraestrutura e tecnológicos. Em linhas gerais, os corredores
logísticos tem como proposta minimizar os custos de transporte de cargas utilizando
uma malha multimodal e desenvolver, além de contribuir para desenvolver a economia
local. Nos corredores logísticos, os custos são reduzidos e o tempo de movimentação de
cargas diminuído já que há toda uma infraestrutura possibilitando melhores condições
de transporte.
Os corredores logísticos frequentemente são multimodais, ou seja, transportam
mercadorias utilizando mais de um modal de transporte. Contudo, corredores logísticos
também são intermodais. Mais precisamente, o transporte intermodal pode ser definido
como sendo o transporte de pessoa ou de carga de sua origem à seu destino em uma
sequência de pelo menos dois modais de transporte, sendo feita a transferência de um
modal para o próximo em um terminal intermodal. (CRAINIC, 2007)
O transporte intermodal permite que a carga seja consolidada economicamente em
grandes unidades (contêineres, grandes vagões de grãos), otimizando-se o uso de
equipamento de manuseio intermodal especializado para efeitos de transferência de
carga ente navios, barcaças, vagões e chassis de caminhões, usando-se a menor mão de
obra para aumentar flexibilidade logística, reduzir tempos de entrega e minimizar custos
de operação. (REGMI, 2012)
Nas próximas seções, será ilustrado como os conceitos de multimodalidade e
intermodalidade se somam à análise de corredores logísticos por meio de ferramentas de
pesquisa operacional. Inicialmente, deve ser feito o mapeamento da cadeia produtora da
cana, que é o objetivo da próxima seção.
2. Mapeamento da Cadeia Produtiva da Cana de Açúcar
A figura 1 apresenta o mapa do Brasil com as microrregiões que possuem usinas
instaladas para processamento de cana-de-açúcar instalada. Essas regiões são a chave
para a análise dos corredores logísticos. Em primeiro lugar porque irão demandar uma
alta quantidade de cana para seu beneficiamento. Em segundo lugar porque delas vai se
originar o escoamento dos produtos acabados: etanol e açúcar. Em outras palavras, essas
microrregiões funcionam com grandes centros consumidores de cana-de-açúcar e
também como importantes centros distribuidores.
Figura 1. Mapa das Microrregiões que possuem centros de beneficiamento de cana-de-açúcar.
Fonte: elaborado pelo autor.
Para realizar as análises de corredores logísticos, além da divisão em microrregiões,
foram levantadas informações sobre oferta e demanda de cana, etanol e açúcar em cada
local. Foi considerado também que toda cana, etanol e açúcar podem ser transportadas
por rodovias ou ferrovias, de acordo com a disponibilidade da malha. Não foram
consideradas restrições para a capacidade dos modais analisados. Outra premissa
adotada é que não há competição entre produtos para distribuição.
Pelo mapa é possível notar uma grande densidade de usinas instaladas na região centrosul do Brasil. Nesta região estão os três estados responsáveis por mais da metade das
usinas instaladas (58,49%), sendo eles em ordem de importância: São Paulo, Minas
Gerais e Goiás. Esses mesmos três estados são responsáveis por processar 74,86% de
toda cana-de-açúcar.
É nesta região também onde há a maior densidade da malha férrea nacional. São Paulo e
Minas Gerais possuem 10.017 km de malha férrea dos 28.314 de todo o Brasil. Maior
parte dessa malha é latitudinal, o que favorece o escoamento de mercadoria para os
portos.
Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Goiás representam 81,05% de toda produção de
cana-de-açúcar do Brasil. Estes mesmo estados possuem 79,94% de todas refinarias de
açúcar e etanol do país. .Já que a malha ferroviária e rodoviária são mais densas nessas
regiões, é possível entender o porquê de se ter uma alta concentração de usinas e
produção nos estados citados visto que a cana-de-açúcar é um dos produtos de maior
importância econômica.
3. Metodologia para Avaliação do Potencial de Transporte por Corredores
Logísticos
O modelo adotado para esta avaliação foi o do transshipment, que é desenvolvido em
duas etapas e parte da classificação de uma microrregião em zona de produção, centro
de beneficiamento e zona de destino. As zonas de produção são as regiões onde há
plantação de cana-de-açúcar e os centros de beneficiamento são caracterizados por
serem centros onde há usinas tanto de açúcar quanto de etanol. Por sua vez, as zonas de
destino, reúnem as demandas de cada microrregião e de todos os portos estudados.
A primeira etapa consiste em realizar o transporte de matéria prima até os centros de
beneficiamento e de produto acabado de forma a atender as demandas de consumo de
cada microrregião. Em uma segunda etapa ocorre um transbordo de produtos acabados
de microrregiões que receberam além do que precisavam para àquelas que não tiveram
sua demanda atendida.
Neste modelo os portos são definidos como sink, que em inglês significa ralo e que no
neste contexto são caracterizados como uma área onde só há demanda. Em outras
palavras, os portos não se comunicam com as outras microrregiões, ou seja, não
participam como intermediadores, apenas como recebedores.
Algumas premissas adotadas durante durante as duas etapas do modelo de
transshipment foram:
1.
2.
3.
4.
Não há restrição de capacidade nos modais utilizados;
Não há competição com outros produtos;
A otimização é feita com base na minimização do custo total;
Tudo que entra em uma microrregião deve ser igual ao que sai da mesma;
5. O preço do frete foi calculado usando equações de custo baseadas na distância
média entre microrregiões.
As equações usadas para o cálculo do custo do frete para o modal rodoviário e
ferroviário, levam em consideração a estrutura de custos fixos e variáveis para cada
Figura 3. Diagrama representativo do modelo de transshipment.
Fonte: Elaborado pelo autor.
modal.
A ilustra, em forma de diagrama, as alocações de um modelo de transshipment. A
partir das zonas de produção até os portos, passando pelas refinarias de açúcar e etanol é
possível perceber a formação dos corredores. Esses aparecem de forma natural uma vez
que os pontos de produção são muito mais numerosos que os portos, zonas de sink. Há
uma canalização do escoamento da cana de açúcar e seus subprodutos por causa disso.
A partir de diversas zonas de produção, plantações de cana-de-açúcar neste caso, temos
o transporte dessa produção para usinas onde este produto irá passar por processos de
transformação até chegar a sua forma final, etanol e açúcar. É importante ressaltar que,
como é necessário atender a demanda de cada microrregião além das demandas dos
portos, há sempre uma movimentação de carga entre estes locais para que possa ser feita
a otimização dos trajetos a serem utilizados, ou seja, algumas microrregiões servem de
pulmão, recebendo mais do que sua demanda para que parte deste excedente possa ser
repassado a outras regiões que não tiveram suas demandas atendidas.
São essas operações intermediárias que ocorrem antes e paralelamente a chegada dos
produtos nos portos caracterizam uma rede de corredores logísticos atuando de forma
harmônica.
4. Resultados para os principais corredores
Dos portos estudados é possível notar uma predominância grande do transporte
rodoviário em diversos trechos dos corredores, apesar das condições precárias da maior
parte das rodovias. As ferrovias, para transporte de grandes volumes é a opção mais
viável economicamente e bastante utilizada em países desenvolvidos. Por contar com
uma malha extremamente reduzida e que, em muitos casos, não conectam regiões de
interesse, o Brasil e vê obrigado a optar pelo transporte rodoviário.
Santos - Porto - SP
Porto De Paranaguá - PR
Maceió - Porto - AL
Recife - Porto - PE
Outros*
0%
20%
40%
60%
80%
*Corumbá, Santana do Livramento, João Pessoa, Jaguarão, Foz do Iguaçu e Rio de Janeiro
Gráfico 1. Contribuição das Zonas Distribuidoras.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Os portos de Santos, Paranaguá e Maceió foram os responsáveis por 95,7% de todo
volume exportado em 2011 (UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE-AÇÚCAR). O
porto de Santos sozinho é dono de 69.5% do total sendo, portanto, o porto mais
importante para a cadeia da cana-de-açúcar no cenário nacional.
O Estado de São Paulo é o maior produtor de cana-de-açúcar e, dessa forma, o porto de
Santos acaba sendo o porto mais importante para exportação de seus produtos
derivados. Os resultados mostram que o transporte até este porto deveria ser feito, em
sua maior parte, por ferrovias.
Com relação ã cadeia produtiva da cana de açúcar, incluindo-se tanto movimentação de
matéria-prima quanto de produto acabado, 73% de todo volume foi transportado via
ferrovia e os 27% restante via rodovia. Estes números mostram a deficiência da malha
ferroviária do país que, apesar de ser o meio de transporte com maior potencial
econômico, é o menos utilizado por não ter uma grande penetração no território
nacional.
5. Porto de Santos
Analisando mais a fundo os corredores logísticos que abastecem o porto de Santos,
podemos tirar algumas conclusões em relação ao caminho que o produto percorre antes
de ser exportado. A Erro! Fonte de referência não encontrada. nos mostra quais
microrregiões pertencem a cada corredor, em ordem decrescente de volume
transportado até o porto de Santos.
Corredor
Microrregiões
Corredor 1
Catanduva, São José do Rio Preto, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
15.34%
Corredor 2
Jaú, Bauru, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
14.82%
Corredor 3
São Carlos, Ribeirão Preto, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
9.07%
Corredor 4
Piracicaba, Limeira, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
6.95%
Corredor 5
Araraquara, Catanduva, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
6.76%
Corredor 6
Ourinhos, Avaré, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
6.19%
Corredor 7
Rio Claro, São Carlos, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
5.69%
Corredor 8
Ribeirão Preto, São Joaquim da Barra, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
4.53%
Corredor 9
São Joaquim da Barra, Uberaba, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
4.36%
Corredor 10
São José do Rio Preto, Votuporanga, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
3.98%
Corredor 11
Avaré, Assis, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
3.77%
Corredor 12
Limeira, Pirassununga, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
3.70%
Corredor 13
Jaboticabal, Barretos, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
3.68%
Corredor 14
Botucatu, Jaú, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
2.67%
Corredor 15
Jaú, Araraquara, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
2.29%
Corredor 16
Piracicaba, Botucatu, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
1.74%
Corredor 17
Araraquara, Jaboticabal, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
1.33%
Corredor 18
Campinas, Registro, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
1.11%
Corredor 19
Avaré, Assis, Itapecerica da Serra, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.62%
Corredor 20
Nhandeara, Fernandópolis, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.52%
Corredor 21
Ribeirão Preto, Ituverava, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.35%
Corredor 22
Piracicaba, Itapetininga, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.26%
Corredor 23
Piracicaba, Rio Claro, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.21%
Corredor 24
Itapetininga, Piracicaba, Mogi das Cruzes e Porto de Santos
0.08%
Tabela 1. Corredores logísticos do porto de Santos.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Contribuição
Os corredores apresentados na Erro! Fonte de referência não encontrada. mostram que
existe uma convergência de volumes de produto acabado em Mogi das Cruzes antes que
esse volume seja enviado até o porto.
Microrregiões dos corredores logísticos do porto de Santos
1 - Catanduv a
2 - Jaú
3 - São Carlos
4 - Piracicaba
5 - Araraquara
6 - Ourinhos
7 - Rio Claro
8 - Ribeirão Preto
9 - São Joaquim da Barra
10 - São José do Rio Preto
11 - Av aré
12 - Limeira
13 - Jaboticabal
14 - Botucatu
15 - Campinas
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
-
Nhandeara
Itapetininga
Bauru
Uberaba
Votuporanga
Assis
Pirassununga
Barretos
Registro
Fernandópolis
Ituv erav a
Mogi das Cruzes
Itapecerica da Serra
Porto de Santos
19
25 20
23
16 10
9
26
1 13
8
5
18
3
7
2
21
6
14
4
22
12
15
11
17
28
24
Figura 4. Localização das microrregiões dos corredores logísticos do porto de Santos.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Através da Erro! Fonte de referência não encontrada. e da Erro! Fonte de referência não
encontrada. é possível perceber que os corredores logísticos seguem uma lógica de
transporte do interior para o litoral, onde os portos estão.
A tabela 1 mostra a representatividade dos dez principais corredores do porto de Santos
de forma percentual. Com isso, os treze corredores restantes representam apenas 22,3%
da quantidade movimentada para o porto de Santos.
6. Conclusões
Dados disponíveis em PROJEÇÕES DO AGRONEGÓCIO apontam um crescimento na
produção e na exportação de açúcar de 3.25% e 4.08%, respectivamente. Este mesmo
estudo mostra que a área plantada de cana de açúcar vai aumentar em 4.55%. Ambas
estimativas foram feitas para o período de 2008/09 até 2018/19, ou seja, não vai deve
haver uma estagnação no mercado da cana de açúcar num futuro próximo. Isso reforça a
necessidade de serem feitos novos investimentos na infraestrutura e com foco especial
na parte de corredores logísticos e esses crescimentos irão impactar o porto de Santos,
maior exportador de açúcar e etanol do país.
Segundo informações obtidas através de contatos feitos com a diretoria de Mercados,
Estudos e Estatísticas do porto de Santos foi possível constatar que não há etanol sendo
transportado por ferrovias até o porto. Já no que diz respeito ao transporte de açúcar,
uma parte ainda pequena é feito com uso de ferrovias.
Apesar do estado de São Paulo contar com uma malha de aproximadamente 15.000
quilômetros, ainda que as atuais restrições operacionais e de capacidade do sistema
ferroviário não permitam alimentar o porto de santos a partir dos corredores logísticos
apresentados, este artigo apresenta um potencial de economia nos custos de transporte
desse corredor da ordem de um bilhão e seiscentos milhões de reais por ano.
Considerando-se um volume de investimento médio de 4 milhões de reais por km de
trilhos ferroviários, sejam em obras de retificação de traçado ou em duplicação da malha
existente e as consequentes desapropriações e expansão das servidões do leito
ferroviário, essa análise preliminar aponta que seria possível construir e/ou duplicar
quatrocentos quilômetros de trilhos no corredor da cana para Santos.
Com este investimento na malha ferroviária será possível ter um transporte de carga
mais eficiente e mais rápido para o porto de Santos. Esses investimentos porem ainda
não são o suficiente para que o sistema de corredores logísticos possa funcionar em sua
plenitude. Ainda é preciso que sejam construídos terminais multimodais e demais
terminais ferroviários para que o transporte seja otimizado.
Pode-se então concluir que o trabalho atingiu seu objetivo. Permitiu determinar o
potencial de transporte em corredores logísticos e, analisando a fundo o porto de Santos,
foi possível mostrar sua aplicação na cadeia produtiva da cana de açúcar.
7. Bibliografia
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