UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA ESTRUTURAL E CONSTRUÇÃO CIVIL AMANDA VIEIRA E SILVA ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DOS TIJOLOS CERÂMICOS NO ESTADO DO CEARÁ – DA EXTRAÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA À FABRICAÇÃO FORTALEZA 2009 AMANDA VIEIRA ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DOS TIJOLOS CERÂMICOS NO ESTADO DO CEARÁ – DA EXTRAÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA À FABRICAÇÃO Monografia submetida à Coordenação do Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Engenheiro Civil. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Araújo Bertini FORTALEZA 2009 AMANDA VIEIRA E SILVA ANÁLISE DO PROCESSO PRODUTIVO DOS TIJOLOS CERÂMICOS NO ESTADO DO CEARÁ – DA EXTRAÇÃO DA MATÉRIA-PRIMA À FABRICAÇÃO Monografia submetida à Coordenação do Curso de Engenharia Civil, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Engenheiro Civil. Aprovada em ____/____/_____ BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Araújo Bertini (Orientador) Universidade Federal do Ceará - UFC _______________________________________________________ Prof. Aldo de Almeida Oliveira Universidade Federal do Ceará - UFC ________________________________________________________ Reymard Sávio Universidade Federal do Ceará - UFC Dedico este trabalho sobretudo ao meu Deus e a meus pais, Ubirajara e Iolanda. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus, por ser mais que Pai, mais que um Salvador; por me fazer ir além, quebrando barreiras, desbravando terras, desafiando os medos. Por ser meu melhor Amigo. Ao professor Alexandre Araújo Bertini, pela orientação, paciência, compreensão e, acima de tudo, condescendência, na realização deste trabalho e em tantas outras horas em que foi além da condição de orientador, sendo amigo... Uma parceria e tanto. Ao meu querido Cristiano Dalvi, por se me ter revelado como a melhor de todas as surpresas: a imagem especular do meu eu, cópia esculturada do seu dentro de mim. Por ter primavereado meu trigésimo aniversário, entrando em cena quando eu precisei sair do ar. Aos meus pais, Ubirajara e Iolanda, que me acolheram com paciência, me dando todo o apoio necessário. Mesmo em meio a conselhos e broncas diários, repetidos e reiterados... A minha Irmã Rebeca, por ter sido a irmã única que se tornou grande Amiga. À Amiga Fran, que se tornou Irmã. E à melhor Amiga dentre todas, que se tornou a melhor Irmã: Ivana. Um Quarteto Absolutamente Fantástico... Ao professor Aldo de Almeida Oliveira, pelo carinho, atenção e os muitos conselhos. Em especial, aqueles para a Vida, que me mostraram meu potencial para os desafios... Ao professor Rodrigo Amaral de Codes, pelos incentivos sinceros durante nossas longas conversas, eivadas da dulçura das palavras de seres humanos tão... Especiais. Encontrar pessoas como você é um privilégio. À professora Teresa Denyse Araújo, pelo carinho e atenção, além da paciência sem-fim em responder a meus milhares de e-mails com dezenas de questionamentos e dúvidas. Ao projeto Finep/MEHIS, na pessoa do meu colega Márcio Monteiro, e ao GERCON, por todo o material bibliográfico gentilmente cedido para a materialização desta monografia. Ao colega Reymard Sávio, por ter acolhido tão prontamente meu pedido para que fizesse parte da Banca, além do apoio acadêmico, em meio a tantos artigos e pontos de vista. Aos engenheiros Raimundo Calixto e Robson Caetano, chefes que demonstraram toda a paciência e compreensão, em um momento profissionalmente tão importante pra mim. E aos demais que, de alguma forma, contribuíram na elaboração desta monografia. A Argila já me estava presente na vida desde a infância. Lembro os bonecos e casas e panelas de barro que moldei, peças nas quais ficaram impressas minhas pequenas e curiosas digitais. Tudo moldado com muita imaginação e zelo. Agora, são estas lembranças transformadas em material de trabalho, num terroso tom de nostalgia, da cor da massa ainda trabalhável, deixando-se melhorar nas mãos da oleira. E vive tão imbricada, tão arraigada em mim que, escondida entre as hemácias, pode-se desconfiar haver argila em minhas veias... Amanda Vieira RESUMO O setor da construção civil é de suma importância para a economia brasileira. Dentro dele, assume posição de importância o subsetor da indústria cerâmica, que gera milhares de empregos diretos e indiretos, informais em sua grande maioria. Concentrando as atenções no processo produtivo de tijolos cerâmicos, pode-se perceber campo fértil para melhorias e intervenções positivas, de modo a alavancar o crescimento do setor oleiro-cerâmico nacional. Este trabalho se propõe a realizar breve descrição do subsetor nacional de tijolos cerâmicos, restringindo o escopo para o Estado do Ceará. Analisando o estágio de desenvolvimento tecnológico, as peculiaridades, avanços e entraves ao crescimento, será possível propor novas diretrizes para o crescimento e desenvolvimento da indústria cerâmica brasileira; tanto no que tange à mão de obra quanto à infraestrutura das unidades de produção, incluindo-se aí as qquestões referentes à mineração, meio ambiente e impactos provocados, Qualidade, realizando, ainda, alguns prognósticos quanto ao futuro do setor. Palavras-chaves: Processo produtivo, Tijolo cerâmico, Ceará. ABSTRACT The Building Industry is one of the most important economic sectors in Brazil. Ceramics Industry has a prominent position in the Building Industry, due to the generation of thousands of direct and indirect jobs, most of them hired through informal paths. Focusing on the ceramic bricks productive process, it is easy to percieve a fertile field to interfere positively, intending to improve the sector’s growth. The main purpose of this work is to accomplish a brief survey of the national ceramic brick subsector in Brazil, focussing on the state-of-the-art in Ceará. Analysing his technological development, particularities, advances and encumbrances, it may be possible to purpose new guidelines to the Brazilian Ceramic Industry growth and development; according both to the work force and to the production units infrastructure, including topics as quality, minelaying, environment and the impacts of the activity, it is possible to make some prognostics to the Ceramic Sector future. Keywords: Productive Process, Ceramic Block, Ceará. LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 – Etapa de Secagem pelo processo Natural (Ao ar livre)............................... Figura 2.2 – Secagem Artificial (Secador)....................................................................... Figura 2.3 – Etapa de Secagem pelo processo Artificial (Secador)................................. Figura 2.4 – Uso de Ventiladores na etapa de Secagem................................................... Figura 2.5 – Esquema de um Forno Hoffman.................................................................. Figura 2.6 – Forno do Tipo Túnel.................................................................................... 22 22 23 23 26 27 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABC – Associação Brasileira de Cerâmica ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial ABIMAQ – Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas ABRAMAT – Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção ANAMACO – Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção ANFACER – Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento ANICER – Associação Nacional da Indústria Cerâmica APICER – Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica APL – Arranjos Produtivos Locais APP – Áreas de Preservação Permanente ASTERUSSAS – Associação dos Fabricantes de Telhas de Russas BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BPF – Óleo combustível residual CEF – Caixa Econômica Federal CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais COOBAM – Cooperativa de Base Mineral de Russas CONFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social CP – Cadeia Produtiva ETA – Estações de Tratamento de Esgoto FIEMG – Sistema Federação das Indústrias de Minas Gerais FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos GEE – Gases do Efeito Estufa GNC – Gás Natural Comprimido GTP APL – Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais ICC – Indústria da Construção Civil IEL – Instituto Euvaldo Lodi INT – Instituto Nacional de Tecnologia ISO – International Organization for Standardization LGMEPP – Lei Geral da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte MC – Ministério das Cidades MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MP – Medida Provisória MPE – Micro e Pequenas Empresas OCC – Organismos Certificadores Credenciados PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PBQP-H – Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat PIB – Produto Interno Bruto PIS – Programa de Integração Social PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNH – Plano Nacional de Habitação PSQ – Programa Setorial de Qualidade RCC – Resíduos de construção civil RedeAPLmineral – Rede Brasileira de Informação de APLs de Base Mineral RTM – Regulamento Técnico Metrológico SM – Salários Mínimos SOC – Setor Oleiro-Cerâmico 10 1. INTRODUÇÃO Historicamente, o setor cerâmico vem sendo tomado como peça-chave na construção civil brasileira e integra uma das áreas consideradas prioritárias pelo Governo Federal: a Tecnologia Industrial Básica. Há relatos da atividade de fabricação da cerâmica no Brasil desde antes da chegada dos colonizadores portugueses, em 1500. Pode-se dizer que o primeiro impulso à industrialização do setor cerâmico brasileiro ocorreu no final do século XIX, com a instalação da olaria dos Falchi, que contava com um motor de 40 cavalos de potência, dois amassadores de argila e equipamento capaz de produzir telhas (BELLINGIERI, 2003). Tempos depois, os italianos mudaram de ramo, fazendo enorme sucesso entre os paulistas com uma fábrica de chocolates. Neste período, São Paulo crescia muito rapidamente e começou a haver grande demanda por tijolos, o que provocou excepcional crescimento da indústria cerâmica, devido ao franco declínio da técnica de construção em taipa. Também à mesma época, foi fundada a Sacoman Frères, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Contando com mão de obra de imigrantes de várias nacionalidades, foram os Frerès que iniciaram a produção nacional de telhas do tipo Marselha. Anos depois, a olaria mudou sua razão social para Cerâmica Sacoman S.A.. Logo depois, surgiu outro concorrente no ramo cerâmico, a Cerâmica Vila Prudente, também cotada entre as cinco maiores indústrias de cerâmica do Estado no início do século XX. Os materiais e métodos construtivos utilizados desde então sofreram forte influência da cultura européia, especialmente nos períodos em que os brasileiros tiveram contato com profissionais da construção civil formados na Europa, época em que a produção ainda tinha cunho altamente artesanal, fato que se refletia na indústria de materiais de construção do período (SILVA, 1993). Com o passar dos anos, foi ocorrendo crescente especialização nas empresas do setor, culminando em duas vertentes: as olarias, especializadas em tijolos e telhas, e as cerâmicas propriamente ditas, focadas na produção de azulejos, louças, potes, tubos e outros produtos decorativos. Atualmente, há no mercado forte demanda por produtos de cerâmica vermelha, com alto valor agregado e destinados a acabamento e revestimento: pisos, soleiras, tijolos, blocos, placas cerâmicas etc., compondo projetos de visual rústico ou que privilegiem 11 elementos naturais. Neste sentido, a indústria cerâmica brasileira vem despontando como uma das mais criativas e competentes do mundo. Como produto industrializado, o tijolo cerâmico surge no século XIX, e seu uso se dissemina rapidamente, devido às suas características de facilidade de execução da alvenaria, conforto térmico e acústico, facilidade na conformação de geometrias (variadas formas de boquilhas), boa resistência mecânica etc. Sua evolução e diversificação (dimensões, número e formato dos furos, por exemplo) também acompanham as exigências do tipo de obra e da técnica construtiva empregada. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento (ANFACER), em 2007, o Brasil está entre os principais produtores mundiais de cerâmica, atrás da China (com 3,5 bilhões de m2) e da Espanha (com 685 milhões de m2). Com produção de 637 milhões de m2, ultrapassa as produções da Itália (563 milhões de m2) e Índia (360 milhões de m2). A Indústria Cerâmica tem papel de relevância para a economia nacional, sendo um dos setores da Indústria da Construção Civil (ICC) de expressiva participação no Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o Sistema Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG), o setor ceramista participa com, em média, 5% do PIB da ICC que, por sua vez, representa entre 6% e 9% do PIB nacional, a depender do ano considerado (SEBRAE/MG, 2005). Além da importância econômica, a indústria da construção civil (ICC) tem relevante papel social, tanto pela capacidade de diminuição do déficit habitacional brasileiro como por seu potencial de geração de emprego e renda. Nos dias atuais, apesar de seu papel na economia brasileira, o setor oleirocerâmico (SOC) é extremamente pulverizado, composto eminentemente por empresas de pequeno porte, do tipo familiares, com forte presença da economia informal. E dado que existem poucas barreiras à entrada de novos competidores no mercado, por causa do baixo custo do investimento inicial e da tecnologia bastante acessível, há um grande número de empresas, formais ou não, disputando o consumidor final. No entanto, a grande maioria deles não tem nenhum diferencial (valor agregado) que atraia o consumidor e faça-o preferir, procurar ou mesmo exigir determinada marca, pagando a mais por ela. Em geral, o que se vê é um comprador insatisfeito com o produto que adquire, de qualidade inferior e que normalmente não atende às especificações normativas (nos casos em que esta normalização existe). 12 Convivem no setor ceramista empresas com alto grau de tecnologia incorporada à fabricação do elemento cerâmico, de grande porte e com atuação no mercado internacional, e aquelas que produzem itens não-conformes, geralmente deixados para o mercado interno. Esta produção em desconformidade com as normas técnicas tornou-se forma de competição predatória, impulsionada pela falta de critério do consumidor para a seleção deste ou aquele produto, finde provocando a saída de alguns fabricantes do mercado. Considerando os problemas relativos ao setor cerâmico nacional, mais notadamente do cearense, ficam claras as perdas sofridas, em especial na qualidade do produto final e nos índices de produtividade. Em última instância, as monetárias, o que embaraça o tão almejado desenvolvimento do setor ceramista brasileiro. Desse modo, os conceitos de gestão dos processos produtivos podem e devem ser implementados na solução dos mais variados problemas que o afetam. 1.1 Objetivos Dada a relevância da participação dos elementos cerâmicos na construção civil brasileira, toma vulto a necessidade de melhor compreender o setor, tanto no que diz respeito ao estado da arte como aos problemas enfrentados por todos os atores envolvidos: desde aqueles que lidam com a captação dos insumos necessários à produção do elemento cerâmico até os que trabalham com a produção propriamente dita, em olarias e cerâmicas. Ressalta-se, ainda, a escassez de produção científica que enfoque o processo produtivo dos tijolos cerâmicos no Estado do Ceará. Soares e Nascimento (2007) avaliaram a influência do processo produtivo e das tecnologias empregadas na qualidade final de peças cerâmicas produzidas no Estado do Piauí, realizando descrição breve das etapas de fabricação dos elementos contemplados no estudo: telhas e tijolos. As telhas prensadas foram classificadas como os elementos de melhores propriedades tecnológicas e estética, pontos decorrentes da seleção das argilas usadas nas composições da massa, do método de conformação e do rigor no processo produtivo. Mota et al. (2006) analisaram propriedades estruturais e térmicas de elementos cerâmicos produzidos na região Norte-Fluminense, comparando seus resultados com dados já existentes em literatura, reforçando a aplicabilidade das técnicas por eles empregadas 13 (Difração de Raios-X, Condutividade, Difusividade etc.) no referido estudo, no monitoramento da qualidade do produto final. Silva (2007) se dedicou ao estudo dos impactos ambientais da expansão da indústria cerâmica vermelha no Estado do Rio Grande do Norte. E, relacionando impactos ambientais e qualidade, alguns autores se dedicaram ao estudo da adição de resíduos de outros processos produtivos à massa argilosa. Ripoli Filho (1997) estudou a adição de chamote (subproduto proveniente de rejeitos de material cerâmico), Oliveira e Holanda (2008), a adição do lodo residual de estações de tratamento de águas (ETA), Lopes (2005), do rejeito de pó de fumo, e Xavier et al. (2007), de resíduo de granito, evidenciando aí algumas das várias opções de aditivos que imprimem melhorias às peças cerâmicas. Há trabalhos relacionados a fases do processo produtivo, tais como o de Vieira et al. (2003), que avaliou a etapa de secagem a partir da Curva de Bigot (variação da retração em função da umidade das peças), e sobre estratégias competitivas, Costa e Toledo (2008) focaram as atenções em empresas cerâmicas de gerência familiar, mas com produção voltada para o mercado de revestimentos do pólo de Santa Gertrudes (SP). Não há, no entanto, muitos trabalhos enfocando o processo produtivo propriamente dito. Os trabalhos que mais se aproximaram do enfoque desta monografia foram SEBRAE (2008) e Pessoa (2004). SEBRAE (2008) realizou um Estudo de Mercado que, através de uma análise setorial, abordou questões relevantes como preços praticados no varejo, caracterização do consumidor e ações de marketing, realizando, ainda, diagnóstico de mercado e pontuando suas tendências, propondo algumas estratégias competitivas para o setor ceramista brasileiro. Já Pessoa se dedicou às tecnologias e técnicas aplicáveis ao desenvolvimento com sustentabilidade, particularizando suas considerações para o caso do pólo ceramista do Município de Russas, no Ceará. 1.1.1 Objetivo geral O objetivo geral deste trabalho é discorrer de modo breve sobre o processo produtivo dos tijolos cerâmicos no cenário brasileiro atual, abordando questões relevantes, tais como energia, meio ambiente e qualidade, com posterior afunilamento do foco, reduzindo a abrangência para a presente situação no Estado do Ceará, sem ter, obviamente, nenhuma pretensão de esgotar o tema. 14 1.1.2 Objetivos específicos Apresentam-se como objetivos específicos: • Aprofundar os estudos relacionados ao processo produtivo dos tijolos cerâmicos; e • Compreender melhor toda a problemática relacionada a Meio Ambiente, Energia e Qualidade no setor cerâmico; e • Analisar o estágio de desenvolvimento do SOC brasileiro. 1.2. Metodologia Para a consecução dos objetivos apresentados, foi realizada pesquisa bibliográfica de caráter conceitual, consultando literatura relacionada ao tema, constante de artigos, documentos públicos e textos científicos, obtidos de fontes diversas, em bibliotecas tradicionais e digitais, sítios eletrônicos de entidades relacionadas ao setor ceramista, mundial, nacional, regional ou local, além de consultas a centros virtuais de referência para a construção civil. Em cada capítulo, os assuntos abordados foram escolhidos a partir de seu grau de importância para o SOC brasileiro, ensejando concomitantemente o apontamento e uma breve discussão de tópicos relacionados a cada um deles. Entre os meses de março e agosto, a pesquisa por material bibliográfico se confirmou como sendo a principal atividade desenvolvida. Entre setembro e novembro, dando continuidade ao que havia sido compilado até julho, quando da elaboração do Relatório Parcial, contendo já boa parte da revisão bibliográfica, partiu-se para a elaboração do texto final da monografia, tendo-se intensificado os trabalhos nos meses de outubro e novembro, até a entrega do Relatório Final, no início de dezembro, quando submetido à Banca Examinadora. 1.3. Estrutura do Trabalho Esta monografia está dividida em 7 capítulos. Este introdutório versa de modo breve sobre a contextualização do problema, justificativa, metodologia e objetivos. 15 O capítulo segundo trata da Revisão Bibliográfica realizada sobre cerâmica vermelha, abordando, ainda, classificação dos segmentos cerâmicos e informações acerca do processo de produção das peças. O terceiro trata da caracterização do setor ceramista brasileiro, contemplando histórico, situação atual e problemas enfrentados pelo setor. O capítulo quarto enfoca a Qualidade na indústria cerâmica, o quinto, os assuntos relativos a meio ambiente e, no sexto, as atenções se voltam para o Estado do Ceará. Ao final, nas conclusões, são feitas considerações acerca dos prognósticos para o setor e algumas estratégias são sugeridas, no intuito de enriquecer o leque de medidas a ser implementadas para promover o tão almejado crescimento com sustentabilidade do SOC brasileiro. 16 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A argila é utilizada como material de construção desde 4.000 a.C., mas não se sabe ao certo época e local de origem do primeiro tijolo. O homem teria passado a usar blocos secos ao sol quando as pedras naturais começaram a ficar escassas. O registro mais antigo de um tijolo foi encontrado nas escavações arqueológicas na cidade de Jericó, no Oriente Médio, datado do período Neolítico inicial (ANICER, 2002). A história da cerâmica caminha junto com a história da humanidade. A argila é utilizada em todas as sociedades – das mais antigas às modernas. Há achados arqueológicos datados de 5.000 a.C., na região de Anatólia (Ásia Menor). Na Grécia, eram comuns as pinturas em cerâmicas retratando cenas de batalhas e conquistas bélicas, e, na China, a produção de peças estava relacionada à tradição religiosa (ITAÚ, 2006). A cerâmica pode ser artística, produzindo artefatos de aplicações estéticas, ou uma atividade industrial, produzindo artefatos utilitários (SEBRAE, 2008b). O termo Cerâmica (do grego, keramike, derivação de keramos) compreende todos os materiais inorgânicos, nãometálicos, moldados durante sua fase plástica e submetidos à cocção, a temperaturas entre 900°C e 1.000°C. Neste processo, denominado Queima, a argila plástica adquire rigidez e resistência, mediante a fusão de alguns componentes da massa. No Brasil, a cerâmica tem sua origem na Ilha de Marajó, que compreendia técnicas de raspagem, incisão, excisão e pintura altamente elaboradas. Destarte, a tradição ceramista não chegou ao Brasil com os portugueses, nem veio junto com a bagagem cultural dos africanos. Os colonizadores, instalando as primeiras olarias, apenas estruturaram e concentraram mão de obra, modificando o processo nativo, muito rudimentar, com as tecnologias da época, a exemplo do uso do torno e das “rodadeiras”, conferindo simetria e acabamento mais refinado às peças (SEBRAE, 2008b). O setor oleiro-cerâmico (SOC) é bastante diversificado, compreendendo não apenas a cerâmica vermelha, mas outros segmentos, tais como o de materiais de revestimento, o de louças sanitária e de mesa, a cerâmica artística (decorativa e utilitária), os materiais refratários, dentre outros. No Brasil, todos estes segmentos podem ser encontrados, em maior ou menor grau de desenvolvimento e capacidade de produção. Há, ainda, no país, fabricantes de matérias-primas sintéticas para cerâmica (alumina calcinada e eletrofundida, p.ex.), de vidrados e corantes, gesso, equipamentos industriais e produtos auxiliares (ABC, 2002b). 17 Dados divulgados pelo IBGE, em 2008, a Agropecuária foi a atividade com maior crescimento, 5,8%, enquanto a Indústria cresceu 4,3%. Dentre os subsetores da Indústria, a maior alta foi na Construção Civil (8,0%). A Extrativa Mineral subiu 4,3%, em decorrência, principalmente, do crescimento na produção de petróleo e gás. Para 2009, segundo as estimativas do Sindicato da Construção Civil de Grandes Estruturas no Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), o PIB deve crescer 3,8% e a construção civil, 4,7%. A abundância de matérias-primas naturais, fontes alternativas de energia e disponibilidade de tecnologias práticas embutidas nos equipamentos industriais, fizeram com que as indústrias brasileiras evoluíssem rapidamente e muitos tipos de produtos dos diversos segmentos cerâmicos atingissem nível de qualidade mundial com apreciável quantidade exportada (ABC, 2002b). As regiões Sul e Sudeste, com maior densidade demográfica, atividade industrial e agropecuária, melhor infraestrutura e distribuição de renda, apresentam a maior concentração de indústrias de todos os segmentos cerâmicos. Deve-se considerar, ainda, a proximidade de jazidas e matérias-primas, além da disponibilidade de energia, centros de pesquisa, universidades e escolas técnicas. No entanto, a região Nordeste tem apresentado crescente desenvolvimento, em especial nos setores da indústria e turismo. A demanda por edificações e instalações industriais tem crescido de maneira acentuada, aumentando, conseguintemente, a demanda por materiais cerâmicos, em especial dos ligados à construção civil. 2.1. Classificação Geral do Setor Cerâmico O setor cerâmico é extremamente heterogêneo e pode ser classificado, segundo a ABC, em nove segmentos diferentes, função das matérias-primas, propriedades e áreas de aplicação. a) Cerâmica Vermelha Compreende os materiais com coloração avermelhada, empregados na construção civil, tais como tijolos, blocos, telhas, elementos vazados, lajes, tubos cerâmicos e argilas expandidas, e utensílios de uso doméstico e decorativos. 18 b) Materiais de Revestimento (Placas Cerâmicas) São aqueles em forma de placas, usados na construção civil para revestimento de pisos, paredes, bancadas e piscinas, tanto em ambientes internos como em externos: azulejo, pastilha, lajota, piso, grês porcelanato etc. c) Cerâmica Branca Compreende os materiais constituídos por um corpo branco recoberto por camada vítrea transparente e incolor. Foram assim agrupados por causa da cor branca da massa, necessária por razões estéticas e/ou técnicas. São as louças sanitárias, as de mesa, os isoladores elétricos e as cerâmicas artísticas, bem como as de finalidade química, elétrica, térmica e mecânica. d) Materiais Refratários Materiais com a capacidade de suportar ciclos repetidos de aquecimento e resfriamento, a temperaturas elevadas, o que envolve esforços mecânicos, ataques químicos e outras solicitações. Para suportá-las, vários tipos diferentes de refratários foram desenvolvidos, a partir de diversas matérias-primas ou associações entre elas. Dessa forma, podem ser categorizados quanto à matéria-prima ou ao componente químico principal: silicosos, aluminosos, silicoaluminosos, cromítico-magnesianos, zircônicos, dentre outros. e) Isolantes Térmicos Os isolantes podem ser classificados em: (a) isolantes térmicos não-refratários; e (b) fibras ou lãs cerâmicas, com características físicas que os permitem suportar temperaturas de utilização acima de 2000ºC. f) Fritas e Corantes Frita é um vidro moído, fabricado a partir da fusão de diferentes matérias-primas. É aplicado à superfície do corpo cerâmico que, após a queima, adquire aspecto vítreo. Este acabamento é meramente estético, mas torna a peça impermeável e aumenta a resistência mecânica. Corantes são óxidos puros ou pigmentos inorgânicos sintéticos, obtidos por calcinação e moagem, adicionados aos esmaltes (fritas) e aos biscoitos cerâmicos. 19 g) Abrasivos Alguns abrasivos são obtidos a partir de matérias-primas cerâmicas e por processos semelhantes aos da cerâmica. Podem ser citados o óxido de alumínio eletrofundido e o carbeto de silício. h) Vidro, Cimento e Cal São três importantes segmentos cerâmicos que, por suas peculiaridades, não são, em geral, enquadrados como tal, e considerados como segmentos autônomos. i) Cerâmica de Alta Tecnologia O desenvolvimento da Ciência dos Materiais proporcionou o aprimoramento de materiais desenvolvidos a partir de matérias-primas sintéticas, de altíssima pureza, por meio de processos rigorosamente controlados. Podem ser classificados em: eletroeletrônicos, magnéticos, ópticos, químicos, térmicos, mecânicos, biológicos e nucleares. 2.2. Tijolos cerâmicos Para a Associação Portuguesa da Indústria Cerâmica (APICER, 2000), os tijolos cerâmicos podem ser classificados de acordo com suas características e quanto ao tipo de aplicação. Quanto às características, destacam-se: • Maciço – o volume de argila cozida não é inferior a 85% de seu volume total aparente; • Furado – apresenta furos ou canais de formas e dimensões variadas, paralelos às suas maiores arestas; e • Perfurado – com furos perpendiculares ao leito. Quanto ao tipo de aplicação: • Face à vista – destinados a permanecer aparentes no interior ou exterior da edificação; • Enchimento – sem função resistente, suportando apenas seu peso próprio; e • Estruturais – com função estrutural na construção. 20 Outra classificação, proposta pelo INMETRO (2001), divide os blocos cerâmicos utilizados na construção civil, produzidos no Brasil como sendo de vedação ou estruturais. Blocos de Vedação são os destinados à execução de paredes, que suportam seu peso próprio e pequenas cargas de ocupação (armários, pias, prateleiras etc). Mais comumente utilizados com os furos na horizontal, a despeito de já ser sentida tendência do uso com furos na vertical. Blocos estruturais (ou portantes) são os que, além de exercer função de vedação, também constituem a estrutura resistente da edificação, podendo substituir pilares e vigas de concreto. Utilizados com furos sempre na vertical, apresentam elevada resistência mecânica e dimensões padronizadas, fazendo com que a Alvenaria Estrutural concorra diretamente com um sistema construtivo muito tradicional no Brasil, o concreto armado. 2.3. Processo de confecção do tijolo A partir da captação da matéria-prima, a argila, é efetuado um processamento, onde ela é laminada e destorroada, com a finalidade de se diminuir a granulometria e reduzir futuras quebras. Daí, a pasta é laminada pela segunda vez com água e aditivos que, em geral, têm a finalidade de fazer correções nas características químicas e mineralógicas da massa, eliminando componentes prejudiciais e melhorando a trabalhabilidade. Isto garante condições de plasticidade, para que a massa seja submetida à conformação – a moldagem propriamente dita –, feita em máquinas extrusoras. Após a extrusão, os tijolos são cortados, segundo as dimensões desejadas, e postos para secar. Por fim, são cozidos a temperaturas que variam entre 800 e 1.000°C e, após o resfriamento, alguns tipos de peças cerâmicas são submetidos à esmaltação e decoração. Em algumas indústrias, são estocados em lotes paletizados e protegidos por filme plástico. Nestas várias etapas, podem ocorrer problemas que provoquem a desvirtuação do produto final, diminuindo sua qualidade. O bom gerenciamento de todas as fases contribui tanto para evitar os desperdícios e perdas como para garantir a qualidade e a conformidade com as normas técnicas vigentes. E um produto final de boa qualidade não apenas atrai o consumidor, mas favorece o desenvolvimento do setor como um todo, no instante em que acirra a competitividade entre as empresas no ramo. 21 2.3.1 Extração e Preparação da Massa Grande parte das argilas utilizadas na indústria cerâmica é natural, sendo encontradas em depósitos dispersos pela crosta terrestre. Após a mineração, as argilas passam por uma pré-transformação, que consiste na redução granulométrica (desagregação ou moagem), mistura e homogeneização. O processo de fabricação propriamente dito tem início após estas operações. As argilas in natura podem apresentar diferentes teores de umidade, sendo classificadas em Secas (umidade relativa de até 6%), Semissecas (7% a 10%), Semiúmidas (11% a 18%) e Úmidas (maior que 18%) (DANTAS NETO, 2007). No entanto, para massas de composição diferente e mesmo teor de umidade, não se pode esperar comportamentos semelhantes, sendo indicada a realização de ensaios laboratoriais de caracterização. Ainda devem ser levadas em consideração as variáveis intrínsecas, tais como área de procedência (jazida), clima da região e métodos de trabalho aplicados no processo produtivo. Grãos com grandes dimensões (até 600mm) devem ser pré-triturados, até que estejam compatíveis com as dimensões das bocas de alimentação dos moinhos primários (até 200mm). Em função da dureza, trabalhabilidade e triturabilidade, as argilas podem ser categorizadas na escala de Mohs, em Duras (6-7 Mohs), Semiduras (5-6 Mohs) ou Moles (menor que 4 Mohs) (DANTAS NETO, 2007). A condição ideal para a aplicação da moagem é que a argila seja cotada como dura ou semidura e apresente umidade não maior que 18%. De outra forma, pode-se fazer uso das diversas metodologias de preparação disponíveis, mecanizadas ou não. Nos meses menos chuvosos, as quantidades necessárias para a produção nos meses invernosos são extraídas e armazenadas na fábrica em leiras, ao ar livre. No verão, elas são revolvidas e espalhadas, para perder umidade sob ação do calor solar. Depois deste ‘descanso’ – que é de 1 a 2 dias, para a produção de tijolos, e de até 1 mês, para telhas –, o teor de umidade da argila permite o processamento a seco. Quando isto não ocorre, a umidade da argila é reduzida durante a fase de secagem. Os elementos cerâmicos são, normalmente, fabricados a partir da composição de dois ou mais tipos diferentes de argilas. Destarte, a dosagem, feita em equipamentos denominados misturadores, é uma das etapas fundamentais do processo de fabricação de produtos cerâmicos e deve seguir, com rigor, os percentuais previamente determinados nos ensaios de caracterização. 22 O gerenciamento das variações das massas advindas das jazidas tem despontado como um dos cuidados primários com o material. A partir do estudo das propriedades das argilas, é possível ir ‘otimizando’ a massa gradativamente, a fim de obter melhor comportamento físico, plasticidade e características mecânicas finais da peça. O estudo realizado por Chaves e Santos (2006), na região de Monte Carmelo (MG), demonstrou que o gerenciamento dos diferentes tipos de argilas utilizados e a preparação da mistura melhoram substancialmente as características das peças após as etapas de queima e secagem. Ademais, a interpretação do percentual de resíduo empregado (aditivos) e das faixas granulométricas adotadas foram consideradas importantes, tanto para as fases de moldagem e extrusão quanto para as de secagem e evaporação da água por capilaridade. Após a queima, os corpos-de-prova apresentaram melhor desempenho em relação à retração, índice de absorção de água e tensão de ruptura à flexão, quando comparados com a massa padrão. Segundo o professor Amando Alves Oliveira, da Escola Senai Mario Amato (SP), a etapa de descanso da massa, por um ou dois dias, coberta por lona preta, é mais importante, por exemplo, do que o uso de boquilhas de excelente qualidade. A regulagem dos equipamentos na fábrica é apenas a ‘sintonia fina’ da produção, devendo eles ser ajustados depois que se garantiu a adequada preparação da massa e os ensaios laboratoriais necessários. Na combinação das argilas, são utilizados aditivos, com o objetivo de efetuar correções na massa. O chamote (resíduo cerâmico queimado e rejeitado ao fim do processo) é comumente adicionado à massa e, em pequenas quantidades (5–10%), não causa alterações negativas. Ao contrário, aumenta a eficiência dos moinhos, facilitando a trituração e a fluidez de movimento de alguns tipos de argilas. Adicionalmente, ele contribui para a minimização da geração de resíduos, estabiliza a mistura sem diminuir sua plasticidade, aumenta a resistência mecânica, melhora a porosidade global da pasta úmida e exerce função de ligante, agregando os grãos (Manfredini&Schianchi, 2009). 2.3.2 Conformação do produto cerâmico Existem diversos processos de conformação para peças cerâmicas: colagem, prensagem, extrusão e torneamento. A seleção de um ou outro depende fundamentalmente da geometria e características do produto desejado. A massa, ainda úmida (W=22%) e na fase 23 plástica, é colocada numa extrusora a vácuo, também conhecida como maromba, onde é compactada e forçada, por um pistão (eixo helicoidal), a passar através da boquilha. Obtémse, então, uma coluna extrudada, com seção transversal no formato e dimensões desejados, que é, em seguida, cortada, obtendo-se, assim, as peças: tijolos furados, blocos, tubos, telhas etc. No caso das telhas, há ainda a etapa da prensagem, tornando a fase de extrusão intermediária no processo. 2.3.3 Secagem e Queima O processamento térmico, que compreende as etapas de secagem e queima, é de crucial importância para a obtenção de um produto cerâmico, pois dele depende o correto desenvolvimento de suas propriedades finais. Após a conformação, as peças ainda contêm água. Para evitar o aparecimento de tensões e futuros defeitos, faz-se necessário eliminá-la, de forma lenta e gradual, com a exposição ao calor e a ambientes ventilados, com controle da taxa de aquecimento, ventilação e umidade relativa do ar. Isto pode ser feito em secadores intermitentes ou contínuos, com temperaturas variando entre 50ºC e 150ºC. No caso de secagem natural, há necessidade de cuidados adicionais. O processo é mais lento e muito empírico. Pode ocorrer, por exemplo, secagem abrupta, provocando o aparecimento tensões e trincas, que inviabilizam a ida da peça para o forno (queima). A fim de evitar isto, a distribuição das peças no secador deve permitir fluxo de ar uniforme, mas resguardadas de ventilação ou calor excessivos (ABC, 2002c). 24 Figura 2.1 – Etapa de Secagem pelo processo Natural (Ao ar livre). (Fonte: Professor Amando Alves Oliveira, SENAI-SP) Figura 2.2 – Secagem Artificial (Secador). (Fonte: Professor Amando Alves Oliveira, SENAI-SP). Na etapa de secagem, faz-se o monitoramento da Curva de Bigot, que representa a evolução da retração da peça em função da perda de água de conformação (umidade). Em um estudo realizado por Vieira et al. (2003), foram preparadas composições de argila e areia, a 5%, 10%, 15% e 20%, em peso. Os resultados indicaram que a adição de areia à massa 25 cerâmica contribui para a redução do volume de água necessário à obtenção da plasticidade e trabalhabilidade satisfatórias, e adicionalmente, para promover melhor ‘acomodação’ das partículas, minimizando a retração. Figura 2.3 – Etapa de Secagem pelo processo Artificial (Secador). (Fonte: Professor Amando Alves Oliveira, SENAI-SP). Figura 2.4 – Uso de Ventiladores na etapa de Secagem. (Fonte: Professor Amando Alves Oliveira, SENAI-SP). 26 A queima ou sinterização é o processo em que o calor provoca transformações físico-químicas na massa argilosa, modificando as características de cru em propriedades cerâmicas. O tratamento térmico é realizado entre 800ºC a 1700ºC, em fornos do tipo contínuos ou intermitentes, que operam em três fases: (a) Aquecimento até a temperatura desejada; (b) Permanência em um platô, durante certo tempo. à temperatura especificada; e (c) Resfriamento até temperaturas inferiores a 200ºC (NetCeramics, 2009). Durante a queima, que pode variar de alguns minutos a vários dias, ocorre uma série de transformações: perda de massa (por perda de água), desenvolvimento de novas fases cristalinas e soldagem dos grãos. A resistência mecânica, a contração linear, a absorção e a porosidade são aspectos adquiridos não só pela boa uniformidade e controle da massa argilosa e perfeita secagem, mas, também, a partir da boa operação do forno (ANICER, 2008). Na implantação da indústria, a escolha do forno deve levar em consideração o tipo de produto a ser fabricado e as características do tipo de argila de que se dispõe. Devem ser analisados, também, o espaço disponível (leiaute do chão-de-fábrica) – dado que determinados fornos exigem áreas maiores para funcionar –, o volume de produção – quanto maior a demanda, maior deve ser a capacidade de resposta do forno – e os combustíveis disponíveis. Na aquisição do equipamento, o ceramista deve pensar no quesito eficiência energética, assunto que será abordado em pormenores no capítulo Meio Ambiente. Atualmente, o forno tipo Túnel é tido como um dos melhores pela maioria dos ceramistas, por garantir baixo consumo energético aliado à uniformidade de queima, o que resulta em produtos com a mesma tonalidade e boa qualidade. Mas já existe, no mercado, uma versão melhorada, dotada de isolamento das porções inferiores do vagão com água, para minorar ainda mais as perdas de calor (ANICER, 2009a). Alguns equipamentos, tidos como auxiliares, são excelentes ferramenta para o ceramista. Controladores de pressão dentro do forno, Indicadores de dureza da massa, Indicadores de corrente na maromba (para evitar esforço exagerado do motor), Softwares para monitoramento, registro e controle da curva de queima, dentre outros, certamente promovem economia de combustível, além de interferirem na qualidade final do produto. Tipos de Fornos Os fornos podem ser Intermitentes ou Contínuos. A seguir, apresenta-se a classificação dos tipos de Fornos, com algumas de suas principais características, proposta pela Anicer (2009a). 27 Fornos Intermitentes Os fornos intermitentes são especialmente concebidos para a queima de pequenos volumes de peças cerâmicas. Citam-se, aqui, os mais comuns no país: paulistinha e abóbada. Forno Paulistinha É retangular, com queimadores laterais. Muito utilizado para a queima de telhas, mas é pouco econômico e difícil de operar. Importa verificar a relação custo/benefício e monitorar a distribuição do calor, que, se irregular, pode gerar peças com cor e resistência diferentes, mesmo num mesmo lote. Para melhores resultados, deve-se manter a constância da velocidade de queima. Forno Abóbada Um dos melhores para telhas, mesmo com deficiências de qualidade e produtividade. É econômico, de fácil operação e se adapta bem a qualquer combustível. Não oferece calor nas laterais nem controle de registros e a velocidade de aquecimento é muito alta, havendo risco de requeima do material. É imprescindível garantir a velocidade de aquecimento, a alimentação das fornalhas e as condições dos componentes mecânicos. Fornos Contínuos São econômicos e de operação simples. O carregamento e descarregamento das peças é continuado, sem interrupções. Destinam-se a grandes capacidades de produção e exigem bastante conhecimento técnico do operador. São descritos o Hoffmann e o Túnel. Forno Hoffmann É o mais comum forno do tipo contínuo na queima de blocos, muito econômico e de manuseio simples, apresentando boa produtividade e baixo consumo de energia. Usa o ar quente proveniente das câmaras antecessoras nas seguintes, já que todas são interconectadas. Os cuidados residem na possibilidade de requeimas na soleira (parte inferior) e queima insuficiente no teto, falta de oxigenação das porções laterais e ocorrência de peças com trincas de secagem. Controlar as passagens de ar quente e não manter observação constante durante a queima são diretrizes importantes na operação deste tipo de forno. Figura 2.5 – Esquema de um Forno Hoffman (Fonte: Alutal). 28 Forno Túnel Oferece ótimo rendimento operacional e energético. A movimentação das peças é feita em carros metálicos (vagonetas), sobre os quais é montada uma base cerâmica, onde são arrumadas as pilhas de peças. Neste modelo, o ar quente que está saindo da zona de resfriamento pode retornar à zona de combustão ou auxiliar na secagem das peças. É preciso manter limpa a saída da chaminé e evitar barreiras que atrapalhem a circulação das vagonetas. Figura 2.6 – Forno do Tipo Túnel. (Fonte: Professor Amando Alves Oliveira, SENAI-SP). 2.3.4 Controles de Processo Após a retirada do forno, as peças são inspecionadas e remetidas ao consumo. Alguns produtos cerâmicos, tais como louças sanitárias e de mesa, isoladores elétricos e materiais de revestimento, recebem camada fina e contínua de esmalte que, após a queima, adquire aspecto vítreo. Esta camada melhora os aspectos estéticos e higiênicos, bem como propriedades mecânicas e elétricas (NetCeramics, 2009). 29 3. O SETOR OLEIRO-CERÂMICO “Ao longo dos anos, percebemos nitidamente a ampliação do foco. Se antes valia a qualidade, agora os setores buscam uma imagem completa e que reúna conformidade, respeito ao meio ambiente, saúde do trabalhador e a melhor relação custo-benefício” Ricardo Kelsch Diretor da Anicer Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas no mundo tornaram as relações no campo econômico cada vez mais dinâmicas e instantâneas, obrigando as empresas a encontrar soluções para enfrentar novos desafios. Distâncias geográficas e barreiras alfandegárias entre países, já não se configuram mais como problemas, dados os avanços nas áreas da aviação, logística e a criação de mercados de livre comércio. Isto impulsionou investimentos em tecnologia, sistemas de informação e capacitação de mão de obra, além de permitir às empresas diversificação de mercados consumidores. Além da importância econômica, a ICC tem papel social de relevância, tanto pela capacidade de diminuição do déficit habitacional brasileiro como por seu potencial de geração de emprego e renda. Por sua vez, o SOC nacional participa com fatia substancial nas riquezas geradas pela ICC, empregando milhões de pessoas, direta e indiretamente, com faturamentos que giram na casa dos bilhões anuais (SEBRAE, 2008b; BUSTAMANTE e BRESSIANI, 2000). Após período de retração e recente retomada do crescimento, os prognósticos são animadores. 3.1. Histórico do Setor Dados estatísticos e indicadores são ferramentas imprescindíveis ao acompanhamento do desempenho de qualquer atividade econômica. O Setor Cerâmico Brasileiro, de um modo geral, tem carência de catalogação científica de seus dados, consequência do imenso número de empresas competindo e da informalidade que o permeia. Segmentos mais organizados, tais como Refratários, Revestimentos e Isoladores Elétricos, têm tradicionalmente compilado e divulgado periodicamente informações, através de suas entidades representativas, sendo, portanto, retratados com maior fidelidade. Para os demais segmentos da ICC, os dados estatísticos levados a público são apenas estimativas de 30 instituições como o IBGE, Ministério de Minas e Energia, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior etc. Entre 1998 e 2003, a economia brasileira viveu período de recessão, alvejando o setor oleiro-cerâmico em cheio, em especial pelos parcos investimentos realizados na construção civil. A produção continuou, mas o mercado não foi capaz de absorvê-la e, assim, muitas empresas quebraram por não suportar a inadimplência e os prejuízos acumulados. A suave retomada do crescimento, em 2004, não atingiu as pequenas e médias construtoras nem foi suficiente para conter a onda de falências e de dificuldades financeiras, principalmente porque as micro e pequenas representavam a imensa maioria das empresas competindo no setor e empregavam grande massa de trabalhadores formalizados. Até 2005, a indústria trabalhou com capacidade ociosa em função da estagnação econômica, mas conseguiu manter níveis razoáveis de exportação e investir no desenvolvimento de novos produtos, ainda que mais timidamente. O Governo Federal mudou de atitude em relação à ICC, percebendo que ela poderia ser uma excelente propulsora da retomada concreta do crescimento econômico e social do país. Em 2006, houve forte redução na carga tributária, disponibilização de recursos e financiamentos (com prazos de até trinta anos), redução das taxas de juros e a euforia provocada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Reagindo muito bem, a indústria tornou a crescer, por causa do reaquecimento do mercado da construção, o que foi excelente para um de seus pilares, a indústria de materiais. Segundo dados da Anicer, em 2005, houve queda de 2% no faturamento do setor que começou a dar sinais de recuperação em 2006, com crescimento de 6,3% e, em 2007, de 15,5%. Neste ano, os ceramistas foram às feiras e congressos com o intuito claro e firme de investir. O momento econômico e as pressões multilaterais pela conformidade dos produtos e qualidade acabaram forçando investimentos em modernização de equipamentos e capacitação de mão de obra, levando o faturamento do setor a cerca de 6 bilhões de reais (ANICER, 2007d). Em 2008, as perspectivas de crescimento chegaram a mais de 10% e o empresariado continuou a investir em ampliação do parque tecnológico e de sua capacidade de produção. Com um leque de frentes de trabalho que foi da construção pesada às habitações em regime de autoconstrução, os índices de crescimento e os investimentos superaram as previsões. O setor começou a atuar de maneira mais prática em relação a questões 31 consideradas até então como de menor importância, como a embalagem de seus produtos e a movimentação dos estoques nas revendas e canteiros de obras (adotando a paletização, por exemplo). Ademais, foram motivo de ricas discussões a necessidade de marketing nas revendas, a redução dos prazos de entrega e a flexibilização das linhas de produção (customização de produtos para o consumidor final), além das restrições ao consumo de energia elétrica, tanto por conta de tarifas mais caras como pela ameaça de um possível racionamento. O subsetor de materiais de construção cresceu em 2008 e, segundo a Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (ANAMACO, apud ANICER, 2008), os materiais básicos, dentre eles, os blocos cerâmicos, foram os que tiveram o maior destaque, registrando 13,5% de crescimento. Para 2009, a estabilidade econômica brasileira – a despeito da crise iniciada no setor imobiliário americano que abalou o mundo –, a ampliação do crédito, o PAC e o crescimento da economia nacional vêm justificando a boa fase da ICC, que deve perdurar ainda por bom período. Para Maria Salette de Carvalho Weber, coordenadora nacional do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H), em entrevista concedida à Revista da Anicer, em 2008, “Há uma perspectiva extremamente otimista para o setor, pois, enquanto o PIB nacional cresce a um percentual máximo de 5%, a construção civil está projetando desenvolvimento na ordem de 10,2% e, em um cenário otimista, poderá chegar a 14% ao ano”. 3.2. Situação Atual Atravessando período de franco crescimento, o setor ceramista tem andado em estado de ‘euforia’, com as mudanças introduzidas pelos Programas Setoriais de Qualidade, publicação de novas Normas Técnicas, implementação do uso de combustíveis alternativos e comercialização de créditos de carbono. Para o IBGE, dentre os subsetores da Indústria Brasileira, o maior crescimento em 2008 foi na Construção Civil (8,0%), seguida por Eletricidade e Gás, Água, Esgoto e Limpeza Urbana (4,5%). A Extrativa Mineral, um dos braços do SOC, subiu 4,3%, em decorrência, principalmente, do crescimento na produção de petróleo, gás e minério de ferro (IBGE, 2009). 32 Para 2009, segundo estimativas do Sindicato da Construção Civil de Grandes Estruturas no Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), a construção civil deve crescer acima do PIB. Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para o quadriênio 2008-2001, os investimentos do Governo Federal chegarão a R$ 1,2 trilhão, com a construção residencial representando 44% desse total, seguida pela indústria, com 37%, e a infraestrutura, com 19%. No entanto, a maior parte destas somas infelizmente corresponde a aumentos de custos na cadeia de suprimentos de bens e serviços. Mas, para a construção, a grande esperança são os efeitos da expansão do crédito habitacional, que já vem impactando a cadeia de fornecedores, com demanda por materiais e serviços (BNDES, 2007). A maior parte das empresas no SOC são familiares, de micro, pequeno e médio portes, com processos produtivos tecnologicamente defasados. Espalhadas por todo o país, em geral, elas se concentram em regiões com disponibilidade de matéria-prima e distribuem sua produção pelo modal rodoviário. Os custos com combustíveis para a etapa da queima são os mais significativos, disputando com os relativos à mão de obra, em geral, pouco qualificada e com alto índice de rotatividade (SEBRAE/MG, 2005). Santos (2003, apud SEBRAE, 2008b) propôs classificação das empresas cerâmicas, baseada no consumo de argila e volume de produção. Destarte, são consideradas Microempresas as que consomem até 150m3/mês de argila e produzem até 100 mil peças; Pequenas empresas, as que consomem entre 150 e 700m3/mês de argila e produz entre 100 e 300 mil peças; Médias, as que consomem entre 700 e 1.000m3/mês de argila e produzem entre 300 e 800 mil peças; e Grandes, as que consomem mais de 1.000m3/mês de argila e produzem acima de 800 mil peças. Anicer e ABC divergem quanto ao número de cerâmicas e olarias atuando no Brasil, contabilizando cerca de 5.500 e 11.000 empresas (dados de 2008), o que pode ser perfeitamente explicado pelo percentual altíssimo de informalidade no setor. O Estado de São Paulo é um dos maiores pólos nacionais de fabricação e consumo de cerâmicas, juntamente com Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Bahia. A maior parte das indústrias de todos os segmentos cerâmicos está concentrada nos pólos mais desenvolvidos, onde existe maior densidade demográfica, atividade industrial e agropecuária, melhor infraestrutura e distribuição de renda. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm apresentado considerável grau de desenvolvimento, e diversas fábricas se têm ali instalado. A construção de empreendimentos imobiliários, 33 voltados ou não para o turismo, tem aumentado a demanda por materiais cerâmicos nestas regiões, o que tem atraído novas empresas (pequenas e médias), em especial nos Estados da Região Nordeste. Abstraindo para a ICC no cenário internacional, desde 1990, as produções globais de blocos e telhas cerâmicas têm se expandido consideravelmente, e, nos dias atuais, a fabricação de blocos tem crescido nos países de língua árabe, no norte da África. As exportações de produtos brasileiros também se têm intensificado, sendo exigido deles o atendimento aos requisitos das normas dos países consumidores. A exigência crescente destes mercados e o aumento da competitividade tornam cada vez mais importante a implantação de programas de qualidade e produtividade no setor da construção civil. A Medida Provisória 255, conhecida como MP do Bem (MP 252/05), assim denominada por reduzir tributos de diversos setores da economia, findou convertida na Lei 11.196/05. Os benefícios fiscais, voltados para exportadores, produtores de alguns setores e micro e pequenas empresas (MPEs), promoveram elevação do limite de enquadramento no Simples Nacional. Instituído pelo artigo 89 da Lei Complementar nº 123, de 2006, o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte é parte do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, também conhecido como Lei Geral da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (LGMEPP). Pelo Simples Nacional, as microempresas que auferirem receita bruta anual igual ou inferior a 240 mil reais estão aptas a ingressar no Simples. Já nas de pequeno porte, os limites de receita bruta anual estão entre 240 mil e 2,4 milhões de reais (BRASIL, 2006). Ao prever tratamento jurídico diferenciado e favorecido às microempresas, o que inclui as milhares do setor oleiro-cerâmico nacional, a LGMEPP promove a competitividade e estimula seu crescimento, abrindo novo cenário para os pequenos negócios, incentivando as exportações, a capitalização e o associativismo, alem da pesquisa e capacitação tecnológica (ANICER, 2007e). Os benefícios vão além dos tributários, dado que se tornou menos complicado obter crédito, ter acesso à tecnologia, exportar, vender para o Estado (nas três esferas) e formalizar-se (fazer inscrição ou dar baixa nas empresas). No caso das empresas do SOC, o crescimento era entravado porque o empresariado não queria extrapolar o faturamento permitido, a fim de não pagar mais tributos. E além de administrar estes limites tributários, ainda era necessário lidar com os custos de produção advindos de energia e combustíveis, sempre muito altos. Com a MP 255, as indústrias cerâmicas que exportam pelo menos 80% de sua produção tiveram isenção do 34 Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). A ICC também foi beneficiada com redução no Imposto de Renda devido pelo vendedor de imóvel no ‘ganho de capital’, que é a diferença entre os valores de compra e venda de um imóvel por uma mesma pessoa. Impulsionando o subsetor imobiliário, os demais subsetores da ICC são automaticamente impactados: os novos donos dos imóveis ou lotes certamente irão contratar, para a realização de reformas, ampliações e novas construções. Para garantir resposta a este novo fôlego da construção civil, na ponta da cadeia produtiva estão as revendas que, segundo a Anamaco, representavam, em 2005, quase 2 milhões de empregos distribuídos em 105 mil lojas, de pequeno e médio porte, realizando o escoamento de 77% da produção brasileira de produtos para a construção. Já em 2008, os estabelecimentos formalizados, 52% deles na Região Sudeste e 19%, na Nordeste, faturaram 43,23 bilhões de reais, correspondendo a 72% da fatia do PIB relativa aos Materiais de Construção (ANAMACO, 2009). Segundo estudo por amostragem com consumidores brasileiros realizado pela Anamaco em parceria com a Latin Panel (2009), 77% dos entrevistados declararam necessitar reformar seus domicílios, 39% que pretendiam reformar e 12%, construir. Destes percentuais, 93% afirmaram adquirir produtos em lojas especializadas ou de bairro (depósitos de construção) e cerca de 40% foram categorizados nas Classes D e E de consumo – famílias com renda de até 3 salários mínimos (SM) – onde está o maior déficit habitacional no País, o que demonstra a extrema capacidade de expansão do subsetor cerâmico brasileiro. Para a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat), em 2009, o setor vem apresentando crescimento contínuo de atividade, apoiado na retomada do otimismo no pós-crise e nas medidas do Governo Federal para incentivo à construção civil, tais como a desoneração de IPI de materiais de construção e o Programa de ‘Minha Casa, Minha Vida’, voltado para Habitações de Interesse Social (NetCeramics, 2009). 35 3.3. Habitação e o SOC brasileiro “A habitação é uma equação complexa, com variáveis importantes e que têm pesos diferenciados dependendo da situação”. Inês da Silva Magalhães Secretaria Nacional de Habitação De acordo com pesquisa da Fundação João Pinheiro, elaborada para o Ministério das Cidades, o déficit habitacional no Brasil é de cerca de 8 milhões de moradias, o que correspondente a 14,5% dos domicílios do país, estando as maiores carências nas Regiões Sudeste e Nordeste (BRASIL, 2009). Os últimos dados divulgados oficialmente datam de 2006, tendo como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (IBGE, 2007). Desde 2006, o Governo Federal vem implementando ações de incentivo à construção, podendo-se citar, por exemplo, o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), da Caixa Econômica Federal (CEF), para famílias com renda de até 3 SM, e, para segmentos de renda mais elevados, financiamentos com prazos maiores e juros menores. No intuito de dinamizar a ICC, o Governo tornou os financiamentos às construtoras menos complicados, promovendo redução dos procedimentos, prazos e exigências. Num passado recente, houve grande preocupação com a estagnação da construção civil no que concerne à habitação e, mais especificamente, a de interesse social. Há, no entanto, excelentes possibilidades de reverter o quadro e retomar o crescimento de modo muito mais contundente. O ano de 2006 já rendeu bons resultados aos empresários ligados direta ou indiretamente à Habitação que, em 2007, recebeu o aporte de 50% dos recursos do FGTS, destinados a obras novas. A expectativa é de continuidade do crescimento, demanda e investimentos. Além do PAC, o desenvolvimento deve ser puxado pela nova Lei para o Saneamento Básico (Lei 11.445/2007) e dos investimentos em habitação para famílias de baixa renda. Não apenas para mitigar o déficit habitacional brasileiro, mas para atender às novas demandas. A estabilização e os indicadores macroeconômicos permitem vislumbrar o acesso de contingente significativo de brasileiros aos financiamentos habitacionais. Na estratégia do Governo Federal, os desafios são direcionar os recursos públicos para as famílias com renda de até 3 SM, aumentar o volume de recursos destinados, e reestruturar o setor habitacional, de 36 modo que ele seja capaz de ‘comportar’ a demanda existente. Ao menos, não permitindo que o déficit aumente. Apesar de o BNDES e o BIRD investirem no setor de Habitação, a CEF é o banco que mais investe em habitação no país, tanto no que tange às unidades residenciais quanto às comerciais e de uso misto. Através de eventos como o ‘Feirão da Casa Própria’, a CEF divulga programas e produtos, promovendo a convergência de interesses do consumidor, das imobiliárias, construtoras e dela mesma, ampliando o número de contratações do crédito (financiamentos) e movimentando toda a cadeia produtiva da construção civil, pelo aumento na contratação da construção de mais unidades. O programa “Minha casa, Minha Vida”, lançado pelo Governo Federal em março de 2009, como parte do Plano Nacional de Habitação (PNH), trouxe nova carga às baterias da ICC, ainda sob os efeitos da crise mundial iniciada nos Estados Unidos. Por meio do investimento na ICC, o programa deve estimular a geração de emprego e renda, com a meta de construção de um milhão de novas unidades para famílias com renda de até 10 SM. O ‘Minha Casa, Minha Vida’ deve gerar oportunidades para pequenas, médias e grandes empresas, com os recursos empregados na construção de casas/apartamentos, para o público com renda familiar da até 3 SM, nos municípios com mais de 100.000 habitantes e regiões metropolitanas, somados ao montante destinado ao financiamento de imóveis novos ou em construção/lançamentos, para famílias de renda de até 10 SM. Os recursos constituem parte de um programa de longo prazo, com incentivos à cadeia produtiva e liberação de vultuosos volumes através de financiamentos junto ao BNDES. Para as empresas, o Cartão BNDES poderá ser usado para financiar materiais, componentes, sistemas construtivos e serviços de certificação, além de, para construtoras e fornecedoras de materiais/sistemas construtivos engajadas no PBQP-H, avaliações de conformidade, capacitação técnica e pessoal e implementação de sistemas de gestão da qualidade (ANICER, 2009d). A iniciativa objetiva regionalizar os custos das unidades habitacionais, incentivando a construção de casas pré-fabricadas e o desenvolvimento de produtos prémoldados, para diminuir prazos de entrega e impactos ambientais, sem descuidar, no entanto, da qualidade. O PNH vem trabalhando tanto com a ideia de déficit como com a de demanda, por duas vertentes definidas: a quantitativa, relacionada à necessidade de novas moradias, e a qualitativa, contemplando a qualificação e a melhoria dos espaços habitacionais. Segundo 37 definição da Fundação João Pinheiro (BRASIL, 2009), são considerados inadequados os domicílios com “carência de infraestrutura, adensamento excessivo de moradores, com problemas de natureza fundiária, cobertura inadequada (telhado), sem unidade sanitária domiciliar exclusiva ou em alto grau de depreciação”. Para promover justiça social, a moradia digna é uma das mais importantes ferramentas para a construção da cidadania. Nesse sentido, o fomento da construção de moradias, além de ter papel estratégico para a regularização fundiária urbana e para diminuir o déficit habitacional, impacta diretamente o setor ceramista, na medida em que a esmagadora maioria das alternativas construtivas no Brasil adota materiais cerâmicos, seja em alvenaria de vedação ou na estrutural. 3.4. Problemas Enfrentados pelo Setor Ceramista Brasileiro A cerâmica é responsável pela quase totalidade das alvenarias e coberturas executadas no Brasil e, segundo palavras de Fernando Avelino, ex-secretário estadual de Habitação do Rio de Janeiro, “A habitação é um dos momentos mais importantes do homem. E sendo o material mais usado nas construções, a cerâmica é o produto mais difundido, mais fácil de aplicar e mais importante nos trabalhos” (ANICER, 2003b). Apesar de sua importância, a indústria cerâmica apresenta uma série de problemas, muito dos quais provenientes de processos produtivos ultrapassados, evidente defasagem tecnológica e obsolescência de maquinário. A escassez de conhecimento técnico para a preparação da argila, a ausência de critérios bem definidos para a dosagem de resíduos, erros durante a fase de extrusão, falta de regulagem das boquilhas ou do sistema de vácuo seguem caminho no processo produtivo, levando por água abaixo o bom desempenho da fábrica (ANICER, 2007f). Isto seguramente conduz à baixa produtividade e à perda de receita, dificultando o almejado deslanche do SOC brasileiro. Problemas relacionados à matéria-prima, ao processo produtivo propriamente dito (extrusão, secagem, queima), à conformidade das peças ou ao equipamento (mecânicos ou de operação), outros de cunho gerencial, são arrolados como os de ocorrência mais comum nas cerâmicas. 38 Quanto à matéria-prima, a análise laboratorial das argilas é o marco zero de boa parte dos problemas, dado que, erros nesta fase vão reverberar em todo o restante do processo produtivo. Há casos em que não faltam bons equipamentos, mas os problemas ainda persistem por falta de conhecimento da matéria-prima utilizada. Ele vai permitir a criação da composição mais adequada, o que implicará, mais adiante, na minoração de desperdícios. Não é preciso dispor das melhores montmorilonitas, mas, sim, de composições argilosas constantes, no que diz respeito à granulometria e comportamento, o que se faz imprescindível à produção sem defeitos, quebras ou trincas. Massas que cumpriram o tempo de sazonamento adequado, com umidade controlada e grãos mais uniformes garantem menor esforço mecânico nas etapas de produção, diminuindo, em consequência, custos com energia e garantindo a qualidade do produto acabado. Quanto ao processo produtivo propriamente dito, falhas na extrusão, secagem e queima podem vir a ser geradoras de desperdícios, dado que há ampla gama de variáveis envolvidas, nem sempre bem controladas. Durante a extrusão, processos irregulares de alimentação e umidade excessiva da massa são os problemas mais comuns. Já na secagem, qualquer ingerência será fatalmente refletida na queima. Maior ou menor eficiência advirá: da técnica adotada (natural – velocidade do vento – ou artificial – modelo do secador utilizado), da disposição e densidade da carga no pátio, da densidade das peças (quanto mais porosas, mais rápida a secagem) e da quantidade de calor a elas fornecida. Neste sentido, torna-se fundamental controlar/monitorar a temperatura de secagem e a temperatura e umidade relativa do ar circundante, buscando sempre a otimização do processo. As fábricas ainda sofrem com problemas na secagem, durante os períodos de chuvas e/ou frio em excesso. As indústrias de menor porte são as mais afetadas, pois, em geral, não possuem secadores artificiais. Em alguns estados do Nordeste, tais como Paraíba e Ceará, menos de 40% das cerâmicas possuem secadores (ANICER, 2008b). No período de chuvas, as perdas são consideráveis, mas os ceramistas preferem acreditar que os custos provenientes da redução da produção são inferiores ao investimento na compra de um secador artificial (ANICER, 2008b). Na queima, durante as etapas de aquecimento, sinterização e resfriamento, a obtenção do calor máximo com menor gasto possível de energia é a medida mais racional, respeitando-se as características peculiares de cada tipo de argila, a capacidade do equipamento e o meio ambiente. Sabe-se, entretanto, que má canalização ou falta de 39 isolamento no forno provocam perdas de calor e, uma vez detectadas, devem ser corrigidas de imediato. A argila adquire sua resistência a trincas acima dos 1000ºC. No entanto, a coloração avermelhada é obtida a temperaturas bem mais baixas. Em alguns casos, na hora da venda, aos olhos do consumidor o efeito estético suplanta o quesito resistência, e um concorrente consegue vender mais barato que o outro. O problema é que o consumidor muitas vezes não tem consciência de que um tijolo muito vermelho não tem necessariamente a qualidade desejada. Os principais problemas relacionados à conformidade são: trincas, fissuras, empenamentos e variações dimensionais que os tornam desconformes em relação às normas técnicas. Muito comumente, estas deficiências ocorrem em consequência da falta de controles de processo e da pouca ou nenhuma qualificação da mão de obra (ANICER, 2007a). De acordo com o Professor Amando Alves Oliveira, da Escola Senai Mario Amato (SP) , no chão-de-fábrica, perdas podem ocorrer, ainda, por conta de problemas no equipamento: boquilhas fora de centro ou não-reguladas, desgaste excessivo dos caracóis ou desalinhamento do eixo, grelhas gastas, irregularidades nas aberturas, imperfeições no controle de vácuo, defeitos no corta-barro, motores no fim da vida útil ou mal-dimensionados etc. Isto, somado à inadequada alimentação do equipamento e à falta de controles apropriados, constituem os principais motivos de paradas e de retrabalho, sendo, também, os grandes entraves à obtenção da desejada ‘peça perfeita’. O retorno da peça fora de padrão ao processo produtivo é um retrabalho. A despeito de alguns ceramistas não considerarem a volta das peças com defeito à maromba como desperdício, pelo fato de elas poderem entrar novamente no processo, este procedimento requer tempo, mão de obra e energia extras, além de provocarem desgaste precoce dos equipamentos, o que implica em custos adicionais e perda de faturamento. E o que se perdeu na linha de produção é lucro que se deixou de auferir. Sendo assim, quem busca ‘perda zero’ tem o dever eliminar ou minimizar ao máximo os defeitos e, da mesma forma, o descarte das peças que após a queima são tidas como desconformes. O Programa de Produção Mais Limpa, parceria entre Sindicer/CE, Senai e SEBRAE, tem promovido redução e eliminação de desperdícios nas indústrias cerâmicas cearenses. Para citar um exemplo, na Cerâmica Torres, localizada no Município de Sobral (CE), o trabalho se concentrou na redução: do consumo de água e energia (com 40 redimensionamento dos motores) e da quebra do material no forno (combatido com treinamento de pessoal). A empresa criou um ‘Eco Time’, que discute problemas detectados e sugere mudanças. O resultado mais expressivo foi a redução em 80% do consumo de lenha nos secadores, através do uso de combustíveis alternativos: coco babaçu, coco de praia e poda de cajueiro, bem como resíduos de serrarias e da construção civil. A economia com a eliminação dos desperdícios, atrelada ao aumento do número de peças produzidas, implicou em ganho financeiro para os funcionários, que ganham adicionais de produtividade (ANICER, 2009b). Na Cerâmica Olho D’água, no Estado de Pernambuco, as perdas das peças extruídas por trincamentos chegavam a 45%. A fim de compensar isto, um volume excessivo de peças era produzido, congestionando a extrusão e exigindo mais área para a secagem. Detectadas as falhas, a cerâmica passou por uma reformulação, o que englobou mapeamento das jazidas, análise laboratorial das argilas utilizadas, alteração da composição da massa e do processo de armazenagem (sazonamento), regulagem do equipamento e motivação dos trabalhadores. As perdas caíram para 4% das peças, chegando a 0,7% quando consideradas as perdas pós-forno, e as áreas de secagem diminuíram e a empresa passou a operar em sua condição ótima. A nível gerencial, um dos pontos a ser destacados é o individualismo, prática bastante comum no SOC, trazida da infância que, há muito arraigada, é difícil de ser ‘remodelada’, demandando trabalho lento e perseverante de conscientização. Deve ser enfrentado com a reunião das empresas em torno das associações e sindicatos, espaços concebidos para a promoção do desenvolvimento mútuo, tornando-se palco de discussões conjuntas. Aqueles que, por algum motivo, se esquivam ou se ausentam destes fóruns de debate perdem a oportunidade de trocar experiências com quem vivencia diariamente situações semelhantes e de, ouvindo relatos, reclamações e sugestões, chegar ao conhecimento de idéias e soluções práticas, já implementadas pioneiramente por outros atores. Esta troca de experiências é, então, sinônimo de vantagem competitiva para todos os envolvidos. O SOC fornece à ICC insumos para que esta leve infraestrutura a regiões carentes. Predominantemente composto por micro e pequenas empresas, emprega muita mão de obra, apesar de ainda pouco qualificada, e tem como um de seus grandes problemas, a informalidade. Esta se deve à sua ‘pulverização’, dado que milhares de concorrentes disputam espaço no mercado, em praticamente todos os municípios brasileiros. Mesmo com a 41 preocupação com a onda da formalização já bastante disseminada, mudança esta fruto da conscientização do empresariado promovida pelas ações dos Programas Setoriais de Qualidade (PSQs), infelizmente no setor ceramista a informalidade é por demais insidiosa e emperra o desenvolvimento almejado. Outro ponto crucial é a atenta observação do ritmo do mercado. É comum acontecer de algumas empresas continuarem no mesmo ritmo de produção, ainda que a procura esteja decaindo. Isso abarrota os pátios de estoque e leva à canibalização do mercado, onde o lema é ‘Vender por qualquer preço’. Tudo para não ficar com produção parada e ver alguma receita entrando no caixa. Esta prática leva a perda de competitividade e ‘derruba’ o preço do produto. Na realidade, a queda na demanda deveria conduzir à diminuição do ritmo de produção. Seguramente, preços praticados com justeza, ainda que acima dos valores usuais do mercado, não impedem e nem reduzem as vendas. No mundo de hoje, a fidelização do consumidor se dá a partir do bom relacionamento vendedor-cliente e da relação custobenefício. Enxergando estes aspectos, o comprador não se incomoda em pagar pouco mais caro se o produto tem qualidade, valor agregado e atende às suas expectativas, na forma, tempo e lugar: como, quando e onde ele quer. O assalariamento ilegal (emprego informal) – outro gargalo a ser superado –, prejudica o SOC por diferentes caminhos: a sonegação de impostos, o desrespeito à legislação trabalhista e à ambiental. A sonegação não gera quaisquer riquezas para o País e a contratação informal faz com que o trabalhador seja expropriado de sua força de trabalho, sem que lhe sejam oferecidos os direitos e vantagens garantidos pela Constituição. Quanto ao meio ambiente, este desrespeito é o aviltamento do patrimônio de todos os brasileiros, comprometendo a sustentabilidade do setor e a utilização dos recursos ambientais ainda disponíveis, renováveis ou não. Em se tratando de saúde e segurança do trabalhador (SST), os problemas mais frequentemente encontrados no SOC são: a ausência da realização de exames médicos, periodicidade irregular nos atestados de saúde ocupacional, falta de equipamentos de proteção individual, ausência de condições de higiene e conforto, além da carência de proteção contra incêndio. Silva (2007) detectou, em um estudo diagnóstico realizado no Município de Carnaúba do Dantas (RN), mutilações de mãos e pés, dermatites provocadas por exposição às altas temperaturas dos fornos, doenças respiratórias (bronquites, pneumonia, asma etc.), escoliose e mortes decorrentes dos acidentes de trabalho. As mais prevalentes são as do trato 42 respiratório – gripe (43%) e pneumonia (29%) –, seguidas de escoliose (14%) e outras desordens, tais como asma, reumatismo e irritações nos olhos. A preocupação com a SST pode gerar economias ou gastos extras. Vai depender da visão e da responsabilidade do empregador. Atualmente, são 31 normas regulamentando as atividades laborais no Brasil, sendo o trabalhador em extração de argila de Risco Nível 4, na escala do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT); quem lida com a fabricação de produtos cerâmicos é risco nível 3. Pesquisa do Sesi/Anicer, realizada em 2006 (apud ANICER, 2006b), revelou que, das 142 indústrias pesquisadas, mais de 85% adotavam práticas de proteção do trabalhador (EPI), em 96,5% delas ocorreram acidentes de trabalho nos 2 anos anteriores à pesquisa. Isso demonstra que a estrutura das fábricas, as condições de segurança no ambiente de trabalho e no processo produtivo não estão adequadas às atividades realizadas pelos trabalhadores, além de deixar clara a falta treinamento da mão de obra para operar os equipamentos. Isto influi diretamente nos gastos anuais com insalubridade, que poderiam ser empregados em melhorias do ambiente de trabalho, evitando gastos com demandas judiciais e custas médicas (após o período pago pela Previdência Social), por exemplo, também interferindo positivamente na saúde dos colaboradores e na criação de uma imagem melhor da empresa, interna e externamente. Ainda com relação à pesquisa, de posse dos resultados, SEBRAE e Sesi passaram a disponibilizar um programa gratuito de atendimento em SST às cerâmicas de todo o país. Os EPIs mais utilizados são: luvas, botas, protetores auriculares, protetores respiratórios, óculos de proteção e capacetes, mas isto pode não ser suficiente para evitar acidentes, dado que a maioria dos equipamentos nas cerâmicas não possui dispositivos para tal. A prática da vacinação diminui o número de faltas, enseja aumento da produtividade, reduz custos com internações hospitalares e gastos com medicação, além de favorecer a redução dos valores cobrados pelos planos de saúde – já que estes trabalham em cima de planilhas de custos. No caso da Influenza, além da diminuição das faltas, a vacinação provoca queda significativa na incidência de episódios de otites, faringites, sinusites e pneumonias. Como resultado mais surpreendente, pode-se citar a ‘sensação’ de acolhimento que tem o funcionário, sentindo-se importante para a indústria: se a empresa cuida bem de sua 43 saúde, ele também deve cuidar bem da empresa. Instala-se, a partir daí, uma rede de solidariedade, criando condições para outras ações de saúde preventiva, agregando qualidade de vida ao trabalho (ANICER, 2007f). Medicina ocupacional e engenharia de segurança do trabalho andam atrelados ao lazer, à cultura, à alimentação e à educação. Desse modo, a saúde do trabalhador implica diretamente na qualidade e na produtividade, representando lucros para a empresa. Os empresários devem estar atentos aos riscos físicos, químicos, ergonômicos e de acidentes, sob pena sofrerem as sanções punitivas cabíveis. Além dos problemas em relação à SST, um estudo de mercado realizado por Sebrae (2008), evidenciou que outros grandes vilões do SOC nacional são: a carência de planejamento, a precariedade da estrutura organizacional das empresas e a concorrência direta de produtos alternativos/substitutos com processos tecnológicos mais bem desenvolvidos, melhor relação custo-benefício a curto prazo (tais como o PVC e o concreto) e credibilidade – em função de sua certificação –, muitas vezes reforçada por lobbys que pressionam o Estado a nível institucional. A isto, somem-se a presença da não-conformidade intencional, o baixo valor agregado dos produtos e a concorrência desleal. Para SEBRAE (2008), para tijolos, blocos, telhas e tubos cerâmicos, a maior pressão competitiva não vem de concorrentes diretos, mas de produtos substitutos: feitos a partir de matérias-primas e processos produtivos diferentes, com “características físicas, de aplicação e mercadológicas diferenciadas, mas que, de alguma forma, atendem às mesmas necessidades que os produtos feitos de cerâmica vermelha”. Dentre estes, podem ser citados o cimento e materiais como o PVC. 44 4. QUALIDADE NA INDÚSTRIA CERÂMICA “A onda de qualidade começa no chão-de-fábrica e termina na satisfação do consumidor”. Segundo ABIKO (2003), a Qualidade se relaciona a três pontos principais: ‘Pressão dos consumidores’, ‘Possibilidade de sujeição a ações judiciais’ e ‘Competitividade entre empresas do setor’. E, para o referido autor, controle de qualidade é o “processo gerencial que busca manter o processo planejado exatamente como foi planejado, atingindo as metas operacionais propostas”. Enxerga-se, por hora, a necessidade de se pensar métodos de controle e gestão da qualidade que efetivamente possam ser aplicados ao setor oleirocerâmico brasileiro. A exigência crescente do mercado e o aumento da competitividade têm tornado cada vez mais importante a gestão da qualidade e da produtividade no setor da construção civil. Para não perder o bonde de tais mudanças, faz-se necessário acompanhar de perto todas as fases do processo produtivo, desde a preparação de massa até o pós-venda. E para alcançar tal cousa, o ceramista precisa conhecer em detalhes cada etapa da produção, começando pelo tipo de argila a ser utilizada, realizando mapeamento das jazidas de argila e os ensaios laboratoriais preliminares, finalizando com os controles de processos (Anicer, 2008). No caso do tradicional setor ceramista português, atualmente composto por aproximadamente 120 empresas, a maioria delas fabricante de tijolos – os fabricantes de telhas são apenas 19 –, a qualidade é algo tão sólido que algumas empresas chegam a oferecer de 30 a 50 anos de garantia ao consumidor, quanto aos quesitos desempenho e estética. Além das classificações já propostas anteriormente, a indústria cerâmica pode ser, ainda, caracterizada por duas etapas distintas: a primária, relacionada à exploração da argila, e a de transformação, destinada à elaboração do produto final. As duas são intimamente ligadas e influenciam o desempenho de toda a cadeia produtiva. Detecta-se, no entanto, que, muito embora existam entidades relacionadas ao SOC, a nível nacional, regional e local, a exemplo da ABC, Anicer, Sindicer’s nos Estados, Anfacer etc., a comunicação e o relacionamento entre elas está ainda em fase de construção. Isto pode ser notado pela disparidade das informações divulgadas individualmente por cada uma delas, acerca do número de empresas e de profissionais envolvidos (empregos gerados), volume de riquezas produzido pelo SOC etc. 45 É fato que a evolução da indústria brasileira não foi acompanhada de corpo normativo que assegurasse a qualidade e a padronização, de forma a contribuir para a racionalização do processo de produção integralmente. Preocupações deste tipo têm partido normalmente de grandes fabricantes, cujos produtos têm alto grau de tecnologia incorporado e demandam investimentos significativos em desenvolvimento tecnológico. Estes buscam por si mesmos a produção em conformidade com normas técnicas, porque têm em mente que esse investimento compensa, o que não acontece com as dezenas de milhares de pequenas empresas espalhadas pelo país, boa parte delas, como já atestado anteriormente, na informalidade. O custo da aplicação dos escassos recursos das MPE’s do SOC em tecnologias e capacitação de mão de obra que promovam esta ‘conformização’ ainda é tido como supérfluo e desnecessário. Com exceção do profissional que trabalha na queima e do operador da extrusora de telha, em geral, os empresários e os próprios colaboradores não enxergam esta necessidade. Isto revela a cultura do empirismo, predominante no setor. Para alguns produtores, seus produtos chegam às mãos do consumidor final da mesma forma que os produzidos pelas grandes indústrias, não compensando, então, fazer tais investimentos. Ademais, os pequenos consumidores, em geral, não têm essa preocupação. Segundo pesquisa da Anamaco/Latin Panel (2009), 98% das construções são autogeridas ou estão sob responsabilidade técnica de pedreiros. Quanto a reformas, a situação não se altera muito: o percentual vai para 99%. A despeito desta consciência ‘às avessas’ dos pequenos empresários, é impossível não reportar o grandioso esforço da Anicer e outras entidades relacionadas ao SOC brasileiro em promover a qualidade. Ressalta-se como elementos indutores da preocupação com aspectos relativos à qualidade, as mudanças nas relações capital-trabalho a partir de mudanças constitucionais, do movimento internacional pela qualidade e produtividade – com o desenvolvimento e difusão das normas da série ISO (International Organization for Standardization) – e das mudanças nas relações de consumo (com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, por exemplo). Os problemas relacionados à qualidade no setor ceramista não devem ser superados através de medidas pontuais, mas, sim, de mudanças culturais – de pensamento e comportamento – de todos os atores envolvidos. De acordo com SILVA (2006), as mudanças no processo de produção só são viáveis se houver a integração de todos os atores. A ausência dessa integração leva à demanda por novas bases de conhecimento e metodologias 46 pertinentes, de modo que estes atores tenham condições de convergir para objetivos comuns. Desta ‘modernização’ de pensamento depende a sobrevivência da indústria ceramista brasileira; em não sendo implementada a contento, as empresas menores, em especial as familiares, com produção eminentemente manufatureira, estarão correndo sério risco de ir à falência. No mercado da construção civil, durante muito tempo o conceito de qualidade estava diretamente ligado ao padrão de acabamento, o que não condiz com a realidade. De acordo com SILVA (2006), problemas/patologias nos materiais e componentes estão essencialmente ligados à ausência de controle de qualidade no processo produtivo e à falta de adequação a normas técnicas. Preocupações desta natureza advêm, geralmente, de grandes fabricantes que, por conta do alto grau de desenvolvimento tecnológico e recursos investidos, procuram se pautar por normas técnicas, na intenção de dar a seus produtos algum diferencial. A cadeia de consumo dos produtos cerâmicos, em especial a de tijolos, é composta por consumidores diretos e indiretos, com o maior volume de vendas entre indústrias produtoras e construtoras, revendas de materiais de construção e proprietários de obras (SEBRAE, 2008). Estes agentes levam em conta diferentes atributos no processo de decisão de compra. Construtoras, por exemplo, prezam o atendimento às normas técnicas e quesitos técnicos (dimensões, resistência, absorção da água etc). Donos de obras, em geral, seguem as orientações de pedreiros, que são responsáveis por, em média, 68% das reformas e construções no Brasil (ANAMACO/Latin Panel, 2009) e valorizam mais o fator resistência. Sendo assim, em tendo o SOC uma compreensão real sobre como o consumidor equaciona os valores atribuídos aos produtos, o próximo passo será realizar a ‘sintonia fina’ do processo produtivo com seus desejos. De acordo com Dotta (2004), desde os anos 80 tem sido observada uma ação continuada em prol da qualidade e da produtividade na construção civil de um modo geral, promovida por empresas privadas, entidades de classe, universidades e empresas de consultoria, culminando com a ‘onda’ de implantação de sistemas de gestão da qualidade. A participação dos diferentes atores no processo promoveu a disseminação e implementação efetiva dos conceitos e metodologias da qualidade, já que as relações entre todos os agentes da cadeia produtiva era absolutamente necessária. E isto não tomou vulto da noite para o dia; exigiu dedicação de tempo e a realização programas continuados, capazes de suplantar, principalmente, o conflito de interesses entre eles. 47 De acordo com CARDOSO et al. (2003), melhorar o processo de qualidade significa promover a integração de todo o processo de produção (inclusive com projeto para a produção do item) e a coordenação de todas as fases, com foco na satisfação do usuário, com vistas a aumentar a produtividade e evitar a ocorrência de erros. Para o SOC, então, superar as dificuldades e problemas do cotidiano e a grande competição entre as empresas, vale a pena voltar o foco para a qualidade, a flexibilização e a prestação de serviços individualizados, de acordo com a necessidade de cada cliente. 4.1. Cadeia Produtiva no setor cerâmico Para BALLOU et al. (2000 apud AZAMBUJA, 2003a), a cadeia de suprimentos é o “conjunto de atividades relacionadas com a transformação e o fluxo de bens e serviços, incluindo seus fluxos de informações associados, desde as fontes de matérias-primas até o consumidor final, compreendendo a integração e a coordenação das atividades e processos ao longo das empresas integrantes da cadeia”. Para o MDIC (2001, apud JOBIM e JOBIM FILHO, 2006), a Cadeia Produtiva (CP) é “o conjunto de atividades econômicas que se articulam progressivamente, desde o início da elaboração de um produto (inclui as matérias primas, máquinas, equipamentos, produtos intermediários) até o produto final, a distribuição e comercialização”. De acordo com HANDFIELD e NICHOLS JR. (1999, apud AZAMBUJA et al., 2003b), qualquer que seja a atividade realizada por uma empresa (fornecendo serviços, fabricando componentes ou vendendo produtos diretamente para o consumidor final), esta faz parte de uma ou mais cadeias de suprimentos. Para materiais de construção, Souza et al. (1993, apud JOBIM e JOBIM FILHO, 2006) separam as cadeias produtivas em 5 grandes grupos: 1. Extração e beneficiamento de minerais não-metálicos (areia, pedra britada, amianto, calcário, argila, gesso, pedras para revestimento); 2. Insumos metálicos (extração e beneficiamento de ferro, alumínio e cobre, aço estrutural, esquadrias de ferro fundido e alumínio, tubos de aço e cobre, fios e cabos elétricos de alumínio e cobre, pregos, parafusos e ferragens para esquadrias); 48 3. Madeira (extração vegetal, beneficiamento, chapas, componentes); 4. Cerâmica e cal (cerâmica vermelha, cerâmica para revestimentos, louças sanitárias, cal, vidro); 5. Cimento (cimento amianto, concreto pré-misturado, argamassas industrializadas, elementos e componentes pré-fabricados, artefatos de cimento); e 6. Insumos químicos (materiais plásticos, tintas e vernizes, aditivos e adesivos, materiais betuminosos, materiais isolantes). Dado o grau de dificuldade no uso desta classificação, em função das diferentes complexidades dos materiais e componentes em uma mesma cadeia – a exemplo da de cerâmica e cal, que envolve cal hidratada, blocos e telhas cerâmicas, louças sanitárias e vidros planos –, Jobim e Jobim Filho propõem a alocação das telhas e blocos cerâmicos numa cadeia produtiva isolada, por eles denominada Cerâmica Vermelha, separados das cadeias de Cerâmicas Esmaltadas, Materiais para Instalações Hidrossanitárias e Vidros. AZAMBUJA et al. (2003) cita que a gestão da cadeia de suprimentos compreende “a integração e coordenação das atividades e processos ao longo das empresas integrantes da cadeia”. Nesse sentido, um novo foco na gestão das cadeias, mais sistêmico, englobando a cadeia em questão como um todo, aponta que as ineficiências são muito maiores que quando é feita observação mais restrita. Para o setor ceramista, infelizmente, o que se vê são esforços isolados de cada empresa, cada uma buscando seus próprios objetivos, preocupando-se apenas com seu desempenho individual, ao invés de existir um esforço conjunto, liderado por entidades correlatas, tais como os sindicatos e associações. O movimento da qualidade provocou mudanças no modo de agir e nas estratégias das empresas, apontando a necessidade de aproximar os elementos da cadeia de suprimentos. E como a gestão da cadeia de suprimentos engloba a CP como um todo, incluindo-se o relacionamento empresa-fornecedor e cliente-empresa, isto tem, de certo modo, começado a se delinear no SOC, a partir da mudança de paradigmas que vem impactando o setor desde a implantação do PBQP-H. Segundo Marcos Dias, assessor técnico e da qualidade da Anicer, o Controle de processos e de qualidade envolve “técnicas e atividades operacionais que objetivam tanto o monitoramento do processo quanto a eliminação das causas de desempenhos insatisfatórios”. Ele também distingue oito princípios da gestão da qualidade: (a) Organização com foco no cliente; (b) Liderança; (c) Envolvimento com as pessoas; (d) Abordagem de processo; (e) (d) Abordagem de sistêmica da gestão; (f) Melhoria contínua; (g) Observação dos fatos para a 49 tomada de decisão; e (h) Relacionamentos mutuamente benéficos com os fornecedores (ANICER, 2007e). Para alcançar sua estratégia competitiva, as empresas podem optar por três Estratégias Genéricas consistentes, isoladas ou de forma combinada, para criar uma posição de mercado que seja defensável a longo prazo e permita superar seus concorrentes (PORTER, 1986 apud COSTA e TOLEDO, 2008). Para estes autores, as abordagens estratégicas genéricas podem se basear na Liderança no Custo Total (custos ou preços mais baixos), na Diferenciação (produto exclusivo ou customizado) ou no Enfoque (priorizando um segmento em especial do mercado). Segundo Jobim e Jobim Filho (2006), controlar a incerteza da demanda, o processo de manufatura e o desempenho dos fornecedores podem ser citados como itens críticos para o efetivo gerenciamento da cadeia de suprimentos, mas conhecer bem os clientes e suas necessidades, definindo clientes-chave ou grupos de clientes-alvo para o negócio, produtos e serviços que agregam valor nos níveis por eles estabelecidos, são apontados como pontos cruciais na gestão da cadeia de suprimentos. Destarte, as demandas por produtos com serviços associados, como projeto, entrega planejada e instalação (gerenciamento logístico e montagem de kits), devem crescer paulatinamente, transformando a construção de unidades habitacionais em montagem industrializada dos componentes, o que deve começar a acontecer nas revendas, onde funcionários previamente treinados irão à casa do consumidor realizar a montagem. Os mesmos autores propõem, ainda, a análise dos fluxos da CP a partir de aspectos técnicos, (garantia da qualidade e da certificação), ambientais, sociais e legais (responsabilidade social e o respeito aos valores éticos, às pessoas e à comunidade) e mercadológicos (preço, condições de negociação, transporte e logística). Isto pode ser materializado através, por exemplo, de estudos prospectivos, que têm por objetivos, de acordo com Abiko et al. (apud BRASIL, 2003) em estudo sobre a construção civil brasileira para o MDIC, “propor ações na própria cadeia e nos ambientes institucional e organizacional, visando o aumento da eficiência da cadeia, da competitividade dos seus segmentos e a melhoria da qualidade dos produtos intermediários e final”. Neste aspecto, o MDIC implantou um Comitê Gestor do Estudo Prospectivo Setorial aplicado à Construção Civil, em parceria com diversas instituições, tais como o Ministério das Cidades (MC), Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), BNDES, CEF, INMETRO, SEBRAE, SENAI e ABRAMAT, com o 50 objetivo aumentar a competitividade global das empresas brasileiras da ICC, realizando diagnóstico setorial e roadmaps estratégico e tecnológico, até alcançar o cenário futuro desejado. Este contempla as seguintes proposições: (a) desenvolver, capacitar e integrar redes de profissionais; (b) desenvolver redes de formação e certificação de mão de obra; e (c) desenvolver redes de certificação de materiais. A realização de Diagnósticos Setoriais também é de extrema valia para a detecção de problemas e entraves ao crescimento, além de ser ferramenta muito útil para o planejamento estratégico de médio e longo prazo, tendo por objetivo a revitalização de um determinado setor. No Estado da Bahia, o Sindicer local realizou diagnóstico setorial do segmento cerâmica estrutural. A caracterização demonstrou que as empresas, na maioria, são de gestão familiar, que contratam basicamente força de trabalho de baixa escolaridade formal. Evidenciou, ainda alguns dos problemas técnicos mais comuns – desgaste da boquilha, corte do produto (o que afeta a estética e os requisitos exigidos pela Norma – planeza das faces, desvio em relação a esquadro etc. – além das perdas monetárias em consequência de retrabalho), umidade na massa (que afeta a peça esteticamente e interfere nos custos com combustíveis), etc. – , alem das dificuldades quanto à comercialização: a concorrência desleal, inadimplência, custos com frete, precariedade das rodovias utilizadas no escoamento, qualidade dos produtos, prazos de pagamento e os eventuais desaquecimentos do mercado consumidor . Os desafios detectados foram o desconhecimento/falta de acesso a informações relacionadas à modernização e à inovação tecnológica, necessidade de investimentos na otimização dos processos produtivos, capacitação de mão de obra, adequação da estrutura física e instalação/credenciamento de laboratórios. Diagnósticos Setoriais, tais como este, também já foram realizados no Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Minas Gerais, Tocantins, Maranhão e Rio Grande do Sul. Sua execução tem, mais adiante, uma aplicação crucial. No PBQP-H, o Mapa dos Indicadores, que apresenta os resultados das ações pela Qualidade nos Estados, tem por base os diagnósticos setoriais apresentados por Sindicados, Associações ou Parceiros, apresentando dados relacionados ao setor (número de empresas, tipo de produto fabricado, se já estão conformes ou não etc.). Estas informações vão compor o Indicador de Conformidade, disponível no sítio eletrônico do Programa, que relaciona o envolvimento das empresas do Estado no PSQ e a evolução da qualidade de seus produtos. 51 4.2. Arranjos Produtivos Locais Arranjos produtivos podem ser definidos como aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm algum vínculo de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais tais como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa (IEL/RN, 2009). Tem por objetivos, ainda, o incremento da competitividade, a criação de processos de autossustentação, o desenvolvimento e fortalecimento de lideranças locais, a disseminação da cultura de cooperação na busca de soluções comuns, a realização de diagnósticos, planejamento estratégico e a inserção de seus produtos no mercado nacional e internacional, registro de marcas e cerificação da qualidade (ANICER, 2005f). A produção de materiais que geram insatisfação no consumidor merece atenção especial e a implementação de ações coordenadas na CP do SOC, envolvendo empresas e fornecedores, para capacitação produtiva, técnica e gerencial. Um estudo realizado por FIESP (2004, apud SEBRAE, 2008) identificou, em APLs de materiais para a construção civil, a grande maioria de MPEs do segmento ceramista, queixas importantes, dentre elas, a dificuldade de acesso ao crédito e de capacitação técnica e gerencial, ausência de mão de obra qualificada. Nos Estados brasileiros, diversos APLs podem ser reconhecidos, ainda que não sejam oficialmente cognominados de APLs. O MDIC mantém um setor específico para o desenvolvimento da produção baseado em APLS e afirma ser possível reconhecer sua existência a partir de “um conjunto de variáveis, presentes em graus diferentes de intensidade” (MDIC, 2009). Pelo Termo de Referência para Política de Apoio ao Desenvolvimento dos Arranjos Produtivos Locais, elaborado pelo Grupo de Trabalho Permanente para Arranjos Produtivos Locais (GTP APL), um APL deve ter: (a) Número significativo de empreendimentos no território e de indivíduos que atuam em torno de uma atividade produtiva predominante; e (b) Compartilhar formas percebidas de cooperação e algum mecanismo de governança (MDIC, 2009). A lógica dos APLs parte da premissa de que diferentes atores locais (empresários individuais, sindicatos, associações, entidades de capacitação, de educação, de crédito, de tecnologia, agências de desenvolvimento, entre outras) podem se mobilizar de forma organizada e identificar demandas coletivas em um Plano de Desenvolvimento coletivo; por iniciativa própria ou de entidades relacionadas. 52 O apoio aos APLs é consequência de uma nova visão das políticas públicas de desenvolvimento, em que a organização local passa a ser a promotora econômica e social na região considerada para a geração de emprego e renda. É hoje consensual a ideia de que políticas de fomento a MPEs são mais eficazes se direcionadas a conglomerados de empresas ao invés de a empresas individualmente. Seus ‘portes’ deixam de ser o foco, porque interessam mais as vantagens decorrentes da associação entre elas. Muito mais do que os lucros auferidos por cada uma isoladamente. Na região do Apodi-Assú (RN), por exemplo, existe um APL de cerâmica estrutural, que conta com 21 indústrias e gera cerca de 800 empregos diretos (IEL/RN, 2009b). A coordenação do APL tem oferecido cursos de capacitação técnica, realizado diagnósticos e estudos de mercado, prestado assessoria às cerâmicas-membro (análise e soluções para problemas no processo produtivo), elaborado planos de manejo florestal e promovido ações compartilhadas, com agregação de valor aos produtos. Como resultados, podem ser citados a redução de desperdícios, de acidentes de trabalho e de custos, aumento do nível de satisfação dos empregados com a gestão, melhoria do controle de qualidade e do posicionamento no mercado, aumento da produtividade e o alinhamento às exigências ambientais (IEL/RN, 2009b). 4.3. Normas Técnicas “As normas vão ajudar a separar o joio do trigo e moralizar o setor” Edson Sartório Sindicer/ES Segundo definição da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a normalização é a “atividade que estabelece, em relação a problemas existentes ou potenciais, prescrições destinadas à utilização comum e repetitiva com vistas à obtenção do grau ótimo de ordem em um dado contexto”. Para o SOC, o “grau ótimo de ordem” pode ser compreendido como “máxima qualidade”. Para a ABC (2002d), na prática, a Normalização está “presente na fabricação dos produtos, na transferência de tecnologia, na melhoria da qualidade de vida através de normas relativas à saúde, à segurança e à preservação do meio ambiente e é, cada vez mais, utilizada 53 como meio para alcançar a redução de custo da produção e do produto final, mantendo ou melhorando sua qualidade”, além de facilitar a capacitação de mão de obra, elevando seu nível técnico, e de ser imprescindível às exportações e importações. As Normas relacionadas a Blocos cerâmicos, a saber: NBR 6461: Bloco cerâmico para alvenaria – Verificação da resistência à compressão (1983), NBR 7171: Bloco cerâmico para alvenaria – Especificação (1992), NBR 8042: Bloco cerâmico para alvenaria – Formas e dimensões – Padronização (1992) e NBR 8043: Bloco cerâmico portante para alvenaria – Determinação da área líquida (1983), foram substituídas pela NBR 15.270:1 – Componentes cerâmicos – Parte 1: Blocos cerâmicos para alvenaria de vedação – Terminologia e requisitos (2005), NBR 15.270:2 – Componentes cerâmicos – Parte 2: Blocos cerâmicos para alvenaria estrutural – Terminologia e requisitos (2005) e NBR 15.270:3 – Componentes cerâmicos – Parte 3: Blocos cerâmicos para alvenaria estrutural e de vedação – Métodos de ensaio (2005). Para blocos cerâmicos, duas Normas tratam dos requisitos e uma, da metodologia de ensaio. Já para telhas, a NBR 15.310 – Componentes cerâmicos - Telhas - Terminologia, requisitos e métodos de ensaio (2005) é um texto normativo único, que abrange requisitos e métodos de ensaio, substituindo mais de dez Normas anteriormente vigentes. Na reformulação, foram mantidos alguns conceitos e diretrizes e incluídos novos requisitos e aspectos formais, não existentes nas normas substituídas. O Índice de Absorção Inicial, por exemplo, ensaio similar ao da norma americana, foi incluído, com algumas modificações. Segundo informações colhidas no sítio eletrônico da Anicer (2005a), nos casos de componentes cujo desempenho é avaliado experimentalmente, foi enfatizado o controle permanente da produção pelo fabricante, a fim de garantir a qualidade. E já de olho na exportação dos produtos brasileiros, foram incluídas, em um Anexo Normativo, diretrizes de Normas estrangeiras, passíveis de ser exigidas na exportação dos produtos brasileiros. Na determinação das características geométricas, por exemplo, o objetivo é verificar a homogeneidade da fabricação dos blocos cerâmicos de um determinado fornecedor, através dos ensaios de Desvio em relação ao esquadro (D), Planeza das faces ou Flecha (F) e Espessura das paredes externas. Os detalhes técnicos, tais como: definições, metodologias, ensaios e parâmetros de conformidade, podem ser consultados diretamente nos textos das Normas. Nas inspeções, também são investigadas as Marcações (inscrições em alto ou baixo relevo, com as dimensões nominais e o nome do fabricante) (INMETRO, 2001). 54 Os novos textos contemplam em separado os blocos de vedação e os estruturais, estabelecendo padrões dimensionais e métodos de controle individualizados, em especial no que tange à resistência. A integração entre tamanhos variados, baseados na Modularização, deve minimizar desperdícios e quebras, ratificando outro conceito atual na ICC, o da Construção Enxuta. Em 2005, o setor ceramista acertou com a ótima fase da ICC nacional, recebendo o crescimento da economia e os investimentos em habitação. A entrada em vigor das novas Normas Técnicas, que tiveram como principais indutores os PSQs do PBQP-H, obrigou os ceramistas a ser mais cuidadosos com o processo produtivo e mais rigorosos quanto à qualidade, trazendo parâmetros que ofereciam maior clareza e entendimento, facilitando a aplicação dos materiais, favorecendo tanto o fabricante quanto o consumidor final (ANICER, 2005b). A vantagem prática é que este pode encontrar produtos com as mesmas características em qualquer parte do país. A Portaria nº 127/2005 do Inmetro revogou a anterior (152/1998) e aprovou, tornando compulsório, o Regulamento Técnico Metrológico (RTM). Este estabelece critérios para a verificação da conformidade dos componentes cerâmicos para alvenaria, considerados como Produtos pré-medidos. O não-cumprimento da Portaria publicada implica em sanções punitivas (notificação, advertência, multa, apreensão do produto ou interdição do estabelecimento) para o fabricante ou comerciante. Se o fabricante não puder ser identificado, o responsável legal pela revenda no varejo assume os riscos legais da posse/venda do produto não-conforme (Anicer, 2005e). Apesar de trabalharem conjuntamente, as Normas Técnicas e a Portaria têm aplicações disitintas. Segundo a ANICER (2005b), a Norma é “o parâmetro técnico para a fabricação e estabelece o que o consumidor está comprando. A Portaria estabelece as regras de metrologia pelas quais as peças serão avaliadas/fiscalizadas pelos Institutos de Pesos e Medidas ou entidades similares”. Mas, de certo modo, a Portaria já ‘prepara’ o ceramista para os programas de qualidade e para a certificação. A sinergia entre os dois instrumentos traz ganhos para ceramistas e consumidores, mas, acima de tudo, para o crescimento e desenvolvimento do setor, já que a ação conjunta é complementar. Não adiantaria publicar a norma sem que houvesse meio de exigir seu cumprimento, daí, portanto, a necessidade de instrumentos coercitivos, pautados no equilíbrio e, não, na imposição pura e simples. Uma parceria entre SEBRAE e ABNT, com o objetivo de intensificar o uso de normas técnicas, oferece às MPEs normas técnicas por 1/3 do custo da Norma e incentivo à 55 participação delas na elaboração de normas técnicas. O SEBRAE também estabeleceu parcerias com a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos – Abimaq, para máquinas e equipamentos mecânicos de interesse das MPEs, Inmetro, para inserção sustentável nos programas de avaliação de conformidade, Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, para atividades de inovação tecnológica, destacando-se o projeto “Inovação nos processos das indústrias do APL de Cerâmica Vermelha no Baixo Jaguaribe-CE”, com ações de gestão ambiental, padronização de produtos, capacitação gerencial, certificação e saúde e segurança no trabalho (SEBRAE, 2009). Com a Anicer, além das atividades já em andamento, o SEBRAE está em fase de negociação para a realização de um Censo da Indústria Cerâmica, uma necessidade antiga do SOC brasileiro. 4.4. PBQP-H Na década de 80, a construção civil, em particular o segmento habitacional, começou a viver uma de suas maiores crises e a competição entre as empresas se tornou de tal modo acirrada, que as empresas construtoras, como estratégia para enfrentar a crise, tiveram de rever seus sistemas de produção, a fim de diminuir custos, reduzir desperdícios e aumentar a produtividade (DOTTA, 2004). Mas a falta de organização e integração, as falhas de planejamento, as condições inadequadas de segurança nos canteiros e a pouca capacitação da mão de obra, ainda muito arraigadas ao modo de produção vigente, acabaram por minar a tentativa. O Estado, então, desenvolveu o Programa Habitare, criado pelo MCT, através da FINEP, e, em 1991, foram instituídos o Programa Nacional de Tecnologia da Habitação (PRONAT) e o Programa de Difusão de Tecnologia para Construção de Baixo Custo (PROTECH) (DOTTA, 2004). Nascido em 1991, o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade (PBQP) é um instrumento Estatal brasileiro para o cumprimento dos acordos firmados quando da assinatura da Carta de Istambul na Conferência do Habitat II, em 1996, ano em que o PBQPH foi reformulado. Em 1998, o Programa foi oficialmente instituído, com a assinatura da Portaria n°134, do então Ministério do Planejamento e Orçamento. Sua meta é organizar o setor da construção civil em torno de duas vertentes: a melhoria da qualidade do habitat e a modernização produtiva (BRASIL-MC, 2009). Partindo destas premissas, propõe ações de 56 avaliação da conformidade (para empresas e materiais), melhoria da qualidade, formação e requalificação de mão de obra, normalização técnica, capacitação de laboratórios, avaliação de tecnologias inovadoras, informação ao consumidor e promoção da integração. A longo prazo, o objetivo é a redução do déficit habitacional no país – com foco nas habitações de interesse social –, criando ambiente de competição isonômica e justa, com soluções mais baratas e de melhor qualidade, buscando o aumento da competitividade na ICC, redução de custos e melhoria da qualidade de produtos e serviços. Quanto ao uso de recursos públicos, o PBQP-H não busca novas linhas de financiamento, mas incentiva o uso mais eficiente dos já existentes, oriundos de fontes como o FGTS e a Poupança, por exemplo, gerenciados por instituições como CAIXA, BNDES, FINEP, SEBRAE, SENAI etc., contando com considerável aporte de recursos advindos da iniciativa privada. O PBQP-H exige respeito às normas da ABNT, segundo o Código de Defesa do Consumidor, mas não obriga à certificação de produtos ou empresas. Classifica as empresas por status, que devem ser alcançados através de classes (conforme os laboratórios em que foram realizados os ensaios) e níveis (conforme os requisitos de norma atendidos). Outro princípio importante do Programa é a descentralização, que poderia der tomada como a regionalização das ações, de modo a fazer com que estas correspondam à realidade de cada lugar (incentivo aos APLs, por exemplo). Em 2009, o Ministério das Cidades criou o Sistema de Qualificação de Materiais Componentes e Sistemas Construtivos (SiMaC), parte do PBQP-H, com função de avaliar e monitorar a fabricação de materiais e componentes para a ICC, evitando práticas desleais de concorrência e abuso de poder econômico, e buscando evolução da qualidade dos materiais e sistemas construtivos, com vistas à segurança, economia, durabilidade e sustentabilidade ambiental. O controle laboratorial representa uma contribuição e excelente incentivo ao aprimoramento da indústria cerâmica, considerando que o Brasil conquista, cada vez mais, espaço no mercado externo, devido especialmente à beleza, diversidade e qualidade de seus produtos. A exigência de padrões de qualidade mais rígidos é uma tendência na ICC, que coaduna com os métodos modernos de edificação, com minimização custos e desperdícios, alem de melhor previsibilidade e cumprimento dos prazos acordados. Ensaios laboratoriais permanentes dão garantias e conquistam a confiança do consumidor, daí a assertiva de que a parceria entre empresas e laboratórios é necessária. A inovação tecnológica é tema sempre presente nas discussões da cadeia produtiva da ICC. A despeito disto, a falta de infraestrutura técnica à altura, para embasar o 57 processo de modo mais firme, dificulta a aplicação prática de soluções tecnológicas inovadoras no setor. O PBQP-H propõe que sejam pensadas e aplicadas ações, a fim de ampliar a capacitação laboratorial ligada à construção civil, para a formação de profissionais e ampliação da qualidade e produtividade da produção habitacional (BRASIL-MC, 2009). O Programa estabelece, ainda, um ranking dos produtos relacionados à ICC, segundo seus Índices de Conformidade, disponível no sítio eletrônico do PBQP-H/PSQ. Dentre os 29 produtos listados, os blocos cerâmicos apresentavam um dos menores índices de conformidade (1,51%), maior apenas que o das telhas cerâmicas (0,29%), com menos tempo de vigor da norma específica. Destes 29 itens, 10 estavam classificados como ‘Não apurados pelo gerente do programa’ até a conclusão deste trabalho. Segundo o sítio eletrônico do PBQP-H, a tendência do mercado no segmento de materiais de construção para habitação é de o consumidor se concentrar em marcas comerciais conhecidas (situação mais comum) ou em não-conformidades sistemáticas, que desestabilizam toda a qualidade do segmento. O termo conformidade se refere ao cumprimento dos requisitos exigidos pelas Normas Técnicas: um produto é conforme quando apresenta laudos positivos dos Órgãos Certificadores ou atende às Normas correlatas. Segundo a Arquiteta Maria Salette de Carvalho Weber, coordenadora geral do PBQP-H, em entrevista à Revista da Anicer, “o objetivo maior seria o de criar PSQs para o futuro, intersetoriais, que pudessem englobar regras de qualidade para todo um processo de produção desde a matéria-prima até a casa acabada”. No entanto, enquanto este ideal não se materializa, o PBQP-H vem promovendo melhorias em obras e projetos públicos, combatendo desperdício e falhas, capacitando recursos humanos, tecnológicos e financeiros. Como uma de suas ferramentas mais eficazes, pode-se citar a inserção em editais de licitação pública. Dispondo de corpo jurídico definido relacionado ao tema, que valida o cumprimento das prerrogativas do PBQH-H em processos licitatórios, o Estado tem meios de exercer seu poder de compra em favor do interesse público, na medida em que só podem concorrer às licitações empresas e produtos que aderiram ao Programa. Enxerga-se, então, ser necessário que os Governos Estaduais e Federal façam valer seu poder de compra contratando apenas materiais/empresas que estejam de acordo com as Normas Técnicas. No RJ, o decreto estadual n° 36.223/2004 determina que, em obras públicas, não podem ser usados produtos para alvenaria em desacordo com as Normas Técnicas. 58 4.5. Programas Setoriais de Qualidade (PSQs) “Se você for pequeno, tiver poucos recursos, mas tiver qualidade, ninguém te derruba” Paula Regina Marchi de Souza Cerâmica Maristela, Leme (SP) O SOC apresenta imensa variedade de produtos e processos produtivos, que ensejam a convivência de diferentes tipos de empresas, com características distintas em relação aos volumes de produção, qualidade, índices de produtividade e grau de mecanização e tecnologia empregada. O PSQ teve inicio em 2002, com a adesão da ANICER ao PBQP-H. Com o objetivo principal de combater a não conformidade intencional nas revendas e busca mais efetiva pela conformidade dos produtos e processos, o Programa tem trabalhado para elevar a imagem do SOC nacional, oferecendo, na ponta da cadeia produtiva, tranquilidade ao consumidor e segurança de estar adquirindo produtos qualificados. O passo seguinte foi apresentar o PSQ às empresas, promovendo reflexão sobre qualidade e sobre a forma por que elas vinham atuando no mercado: não seria mais possível fabricar produtos ‘de qualquer maneira’, porque o mercado estava exigindo muito mais. Dando continuidade ao ciclo de qualificação, foram publicadas as novas Normas Técnicas para blocos e, algum tempo depois, para telhas. Os textos trouxeram demandas inéditas para a indústria, que constatou a necessidade de aprimorar seus processos e colocar no mercado produtos com novas características. Logo em seguida, o Inmetro publicou a Portaria n.° 127, o instrumento legal de fiscalização. Em alguns Estados, ela foi acionada por denúncias dos próprios consumidores, que tem expectativas diversas e múltiplos estilos, o que demanda, da parte de quem fabrica, um esforço maior, pra atender à demanda. Neste novo cenário, a sustentabilidade ganhou força na filosofia de atuação das empresas, já que ela vai além da conformidade, tendo íntima relação com o meio ambiente, valorização dos trabalhadores e criação de novas estratégias. O grande número de empresas e a pulverização peculiar ao SOC amplia a responsabilidade do PBQP-H/PSQ-BC (PSQ para Blocos Cerâmicos), que deverá atuar de modo único em qualquer fábrica e região do território nacional. Pelos preceitos do PBQP-H, certificação não é obrigatória, mas o cumprimento às normas é compulsório e deve ser prática constante. Ao assinar o Termo de Adesão, a empresa se compromete com a qualidade, enviando trimestralmente à Anicer ensaios de laboratório 59 dos materiais fabricados em suas instalações. A certificação é uma das formas de avaliar e garantir a conformidade, mas é preciso estar consciente de que esta ação certamente significa mudanças na linha de produção. E é preciso que a empresa aspirante esteja disposta a isto. A normalização foi excelente para a adequação do SOC, mas, para o consumidor final, o que realmente pesa na escolha é o preço. Por conta deste aspecto mercadológico, alguns ceramistas não enxergam relação direta entre a adesão ao PSQ e o retorno comercial, ainda argumentando a respeito dos investimentos necessários para a obtenção desse nível normativo mínimo de qualidade. Entretanto, é patente que, com as crescentes exigências em cima da qualidade, especialmente pelos grandes ‘empreendedores’ da habitação no país, tais como a CEF, quem não estiver adequado às normas, está automaticamente fora da concorrência. O esforço das empresas em aderir ao PSQ e se qualificarem é percebido através dos investimentos em inovação tecnológica, racionalizando, barateando e melhorando seus produtos, objetivando, como retorno, a rentabilidade. No entanto, a não-continuidade das ações entrava o processo. O ideal seria que fossem implementados projetos, com planejamento consistente e duradouro, em prol da qualidade e produtividade. Quanto aos Níveis de Qualidade do PSQ, têm-se os Obrigatórios e os Voluntários, brevemente descritos a seguir: Obrigatórios: • Nível 1 – Identificação com os dados do fabricante e do produto. Na adesão, a empresa se compromete a atender o requisito, e, após 3 meses, deve encaminhar laudo laboratorial positivo (renovado trimestralmente); • Nível 2 – Cumprimento do nível anterior e das características visuais e geométricas (dimensionais); e • Nível 3 – Cumprimento dos níveis anteriores e das características físicas e químicas de absorção e de resistência à compressão. Voluntários: • Nível 4 – Avaliação de Conformidade do Produto no âmbito do Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade (SBAC – Inmetro), realizado pelos Organismos Certificadores Credenciados (OCCs). 60 A Avaliação dos Indicadores considera a Evidência de Melhoria (EM), Concretização dos Objetivos da Qualidade (CO) e Validação (V). Utilizando como parâmetros “dados históricos da organização, objetivos da qualidade e técnicas de autoavaliação, obtêm-se diversos indicadores que podem ser usados como ferramenta para orientação da melhoria contínua rumo à excelência” (ANICER, 2003a). A Associação Nacional do SOC apresenta, ainda, um Relatório Setorial trimestral, onde constam a Lista das Empresas em Qualificação e os Indicadores de Conformidade de cada Estado, bem como dados acerca da sensibilização e mobilização, no que tange à adequação às normas e ao desenvolvimento técnico e produtivo. Um dos principais resultados da adesão ao PSQ é a motivação dos empresários, que assumem uma postura mais participativa, mais pró-ativa, tornando-se motivadores, incentivando o processo continuado de melhoria a que se propõe o PSQ. Alem disso, antes da existência dos PSQs, o Índice de Conformidade Setorial Médio (considerando exclusivamente o SOC) girava em torno de 40% e atualmente, considerando a mesma gama de materiais, ele se aproxima muito dos 90%, um ganho substancial. No entanto, muito ainda precisa ser feito, dado que Blocos e Telhas têm os menores Índices de Conformidade do PBQP-H, dentre os produtos do segmento cerâmico, desconsiderando-se os classificados como ‘Não apurado pelo gerente do programa’. 61 5. MEIO AMBIENTE “Uma empresa sustentável tem produtos dentro das normas técnicas, extração que respeita o meio ambiente e processos produtivos que evitam o desperdício de energia e matéria-prima” Turma do Batente Personagens da Revista da Anicer Desde que existe sobre a face da terra, o homem vem atuando sobre o meio ambiente, de transformando-o; de modo passivo ou intervenientemente, a depender da época. Foi com a Revolução Industrial, nos séculos XVIII e XIX, que o homem passou a ser agente eminentemente modificador, deixando de apenas desfrutar para alterá-lo. Após milênios de ação antrópica alterando a dinâmica da natureza, os efeitos começam a ser sentidos mais fortemente. O homem finalmente percebeu que é parte da frágil cadeia que sustenta a vida na Terra, e, embora intervindo mais do que usufruindo do meio em que vive, já tem dado sinais de mobilização para a redução dos impactos provocados. A necessidade de se repensar o modelo de desenvolvimento vigente é premente e a sociedade e o poder público, como agentes de pressão sobre o desempenho ambiental das empresas, desempenham papel fundamental. Ultimamente, também o mercado econômico se tem engajado nesta luta, tornando-se mais um agente. Isto se deu mais intensamente com a popularização dos produtos orgânicos, os certificados com Green Seal ou FSC (Forest Stewardship Council) e os advindos do comércio justo e solidário (Fair Trade), relacionados com o chamado ‘consumo responsável’: eticamente corretos, cuja elaboração não envolve a exploração de seres humanos, animais e não provoca danos ao meio ambiente (WIKIPEDIA, 2009). Impacto ambiental pode ser definido como o “desequilíbrio (...) resultante da ação do homem sobre o meio ambiente (...) ou resultado de acidentes naturais” (ARAÚJO JR., 2006). Dentre todos os impactos provocados pelo homem, um dos mais gritantes é a devastação de biomas. No Brasil, o cerrado, a mata atlântica e a caatinga têm sido os mais atingidos, isto sem mencionar o caso da Amazônia, que vem sendo progressivamente carcomida pela extração ilegal de madeira e áreas para atividades agropecuárias. No que diz respeito ao SOC, a atividade de mineração, não raro feita clandestinamente, e a retirada de mata nativa para obtenção de lenha (combustível para os fornos), provocando o processo chamado de desertificação, são os impactos principais. 62 Destaca-se, também, a crise energética por que passa o setor, bem como as ações mitigadoras, a exemplo do uso de combustíveis alternativos e da comercialização de créditos de carbono. Os ecossistemas têm enorme capacidade de regeneração quando os impactos são esporádicos, descontínuos ou localizados, mas a continuidade dificulta sua recuperação, que deve ser tomada como compulsória, a fim de preservá-los para as gerações vindouras. E esta recuperação passa por três estágios concomitantes: definir um objetivo exequível, conscientizar os indivíduos e mudar o modelo de desenvolvimento. Quanto a isto, o SOC pode contribuir por meio da elaboração de guias de boas práticas, da elaboração de diagnósticos setoriais com foco ambiental, da recuperação de áreas, da entrada massiva no mercado de carbono – a exemplo do que já vem acontecendo com algumas poucas indústrias do setor –, e da participação em fóruns e conselhos ambientais. 5.1. Combustíveis Tradicionais e Alternativos Os combustíveis utilizados na queima dos elementos cerâmicos são basicamente a lenha e o óleo combustível residual (óleo BPF). Alguns outros tipos já têm uso bastante disseminado, como é o gás natural comprimido (GNC). No caso do Ceará e de outros Estados do Nordeste brasileiro, a fonte mais comum é a lenha, obtida da mata nativa da região, a caatinga, provocando desequilíbrio ambiental de grandes proporções, ainda que ela seja considerada como fonte renovável de energia. No Estado Pernambuco, por exemplo, 95% dos produtores usam lenha como matriz energética, 3% usam coque e apenas 0,5%, bagaço da cana-da-açúcar. Na região Sudeste, o óleo combustível é amplamente utilizado, especialmente nos lugares onde não há grande disponibilidade de lenha para queima. Como combustíveis alternativos, destacam-se o bagaço de cana (notadamente nas áreas próximas a pólos sucro-alcooleiros), a serragem de madeira, casca e palha de arroz, raspas de couro, o coco de babaçu, carvão vegetal, LCC (líquido extraído da castanha do caju) e o resíduo de coque (APICER, 2000). Em 2006, o consumo de energia para uso industrial para o SOC foi estimado em 3,5 milhões de tep (toneladas equivalentes de petróleo, o equivalente a 11,63MWh). A lenha, a mais tradicional das fontes, representou 35,4% em relação ao total de energia consumido 63 por todos os setores e quase 50% de todo o consumo de energia pelo setor cerâmico. O gás natural correspondeu a 56,5% e o óleo combustível, a 6,6% (SEBRAE, 2008). Os principais problemas ambientais causados pela queima da lenha são a produção de cinzas, de óxidos de enxofre, de nitrogênio e de carbono (CO2), agentes provocadores de chuva ácida e efeito estufa. Ademais, a lenha apresenta baixo rendimento energético, impactando negativamente na qualidade e padrões técnicos dos produtos, resultando em até 30% de perda. Mas os embaraços em torno da lenha não param por aí. Em 2008, as cerâmicas do Estado do Amazonas foram fiscalizadas na Operação Fogo Limpo, promovida pela Polícia Federal e Ibama, resultando na autuação de algumas delas, por funcionamento sem licença ambiental e uso de madeira ilegal. Em protesto, os empresários decidiram paralisar as fábricas por tempo indeterminado. A adesão de quase todas as trinta empresas que compõem o setor no Estado provocou a escassez de produtos e a paralisação de diversos canteiros de obras. Do diálogo entre ceramistas, Aceram, Anicer e Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, surgiu o Grupo de Trabalho Chama Verde, que tem a meta de encontrar soluções temas ambientais de interesse do SOC amazonense. Entre as soluções pensadas pode-se citar o aproveitamento de resíduos de madeira do pólo industrial e o uso de gás para abastecer os fornos (ANICER, 2008d). A fonte de energia térmica é corresponsável pela qualidade na indústria cerâmica. O SOC deve, então, empregar esforços na implementação do uso de combustíveis alternativos e no desenvolvimento de tecnologias e equipamentos para tanto, a fim de minimizar os impactos ambientais e os desperdícios/perdas durante o processo produtivo. Em relação aos combustíveis tradicionais, o gás natural tem como principal vantagem a qualidade do produto final, já que o controle da temperatura dos fornos é mais rigoroso e a chama constante permite a queima uniforme das peças. Além disso, sua utilização torna o chão-de-fábrica mais limpo, reduz os custos com energia elétrica, exige menos mão de obra e aumenta a vida útil dos equipamentos e a produtividade, por redução dos tempos de secagem e queima. A substituição da lenha como fonte energética no SOC é algo natural e certo, em função das questões ambientais e legais envolvidas. Problemas como a desertificação, provocada pela extração de mata nativa, uma das principais causas de desmatamento, seguramente é um dos problemas de maior relevância, já sendo motivo contundente de preocupação. Além de preservar o meio ambiente, a utilização do GNC como fonte energética promove redução do desperdício de matéria-prima em até 50% (em comparação com a lenha). 64 O GNC tornou-se uma vantagem competitiva para o setor cerâmico, já que o custo do combustível representa cerca de 30% do valor do produto acabado e, em alguns casos, até mais que isso, devido aos constantes reajustes. As empresas poderão, portanto, oferecer um produto mais competitivo e melhor acabado, com elevada resistência mecânica, baixa porosidade e uniformidade. Mas, apesar da malha brasileira de gasodutos estar relativamente bem instalada, isto não significa que sua utilização esteja disseminada. O status quo do SOC, altamente defasado em termos de equipamentos e tecnologias – à exceção de alguns poucos casos –, vai exigir altas somas em investimentos para a adequação à nova fonte energética. A instalação da rede de gasodutos e dos fornos próprios para a queima de gás natural só compensariam os gastos com a implantação se os produtores estivessem unidos, a fim de compartilhar os custos, podendo, assim, comprar o combustível a um custo baixo e competitivo. Infelizmente, ainda são poucos os pólos de produção cerâmica com organização suficiente para implementar toda esta mudança. E isto se deve, em parte, à pulverização e à cultura do individualismo no SOC brasileiro. No entanto, um APL, quando em estágio avançado de organização, é excelente alternativa, dado que a entidade, enquanto pessoa jurídica de direito particular e em nome da coletividade que representa, arca com os custos e, obviamente, recebe os benefícios supervenientes, compartilhando-os a posteriori. Uma alternativa de financiamento da compra dos equipamentos necessário são as linhas de crédito do BNDES, por exemplo, por meio de seus agentes financeiros, mas com carência e prazos mais longos, dado que os atuais não são compatíveis com a realidade das pequenas empresas que compõem o setor. O Instituto Nacional de Tecnologia (INT) foi contratado pela Petrobras para elaborar relatório técnico, a partir de visitas a cerâmicas que adotam o GNC, a fim de apontar os prognósticos para o SOC, que vem passando por recorrentes crises energéticas. Identificando os benefícios com a adoção do gás natural e os principais entraves ao uso em escala industrial, a Petrobras pretende investir em infraestrutura cerca de 6 bilhões de dólares até 2010, em parceria com as associações e entidades representativas (ANICER, 2005d). Dando continuidade a esta iniciativa, com o apoio da RedegásEnergia (Petrobras), o Projeto Cerâmica Vermelha promoveu a conversão de fornos Túnel e Intermitente ao GNC. As primeiras cerâmicas a operar eram do Estado de Santa Catarina (Cerâmicas Heinig e Solar), que queimavam com serragem e óleo BPF, recuperado de navios. As adaptações realizadas nos fornos, para otimizar o consumo, foram obtidas com o auxílio de programas de simulação numérica, modelando diferentes cenários do processo de queima, a fim de achar a 65 solução mais viável dentre inicialmente propostas (dados de entrada). No forno tipo Túnel, a opção mais interessante foi o isolamento, feito com camada de cinzas de casca de arroz, contida por parede externa de tijolos. O consumo foi reduzido de 582kcal/kg para 477kcal/kg de material queimado e a produção aumentou em 20%. No forno Intermitente, que queimava óleo BPF, a adaptação resultou na necessidade de isolamento externo da abóbada, provocando queda do consumo de 2.000kcal/kg para 1.748kcal/kg. Os ganhos em qualidade do produto final resultaram em incremento de 13% na arrecadação, apesar de o consumo ter permanecido elevado, característica bem peculiar deste tipo de forno (ANICER, 2005c). Destaca-se, também, a importância da indústria de equipamentos, imprescindível para garantir a evolução contínua das fábricas e dos parâmetros do processo produtivo. Atualmente, já existem pesquisas para o desenvolvimento de processamentos térmicos menores, com consumo reduzido de energia. Ao aprimorar-se pela padronização dos produtos e o aumento da qualidade a fim de se manter competitivo, com a atual escassez da lenha para fornos, o SOC caminha para a adoção progressiva dos fornos do tipo Túnel e a substituição de secadores e fornos que utilizem derivados de petróleo por equipamentos que queimem combustíveis gasosos. Como se pode perceber, as distribuidoras de gás natural não podem ignorar o potencial de mercado que tem o segmento da cerâmica vermelha. O fato é que a demanda, a necessidade por gás natural existe, mas a maioria das empresas ainda não esta preparada nem possui equipamentos para o uso. Seguramente, dentro da próxima década, já estarão sendo colhidos os frutos dos esforços empregados pelas entidades ceramistas nacionais em prol da organização, da qualidade e da inovação tecnológica, de modo que o gás se torne uma alternativa real ao uso da lenha. Os projetos de geração de energia a partir do bagaço de cana-de-açúcar representam um diferencial para o Brasil, pioneiro em biocombustíveis. Bastante tímida diante do potencial, a bioeletricidade tem participação na matriz energética brasileira de 3%, o que equivale a aproximadamente 1.400MW, com metas de, para 2020, mais de 14.000MW (TAVARES, 2009). Segundo a Associação Paulista de Cogeração de Energia (COGEN-SP), o setor sucroalcooleiro deve investir 45 bilhões de reais em projetos de cogeração até 2015. E se a produção de etanol e açúcar aumenta, cresce, na mesma proporção, o potencial de energia elétrica gerada a partir da queima do bagaço, que, no biênio 2005-2007, cresceu cerca de 20%, abrindo-se para a comercialização de créditos de carbono (TAVARES, 2009). 66 Diante da escassez de lenha para a queima, a Cerâmica Drummond, no Município de Capinópolis (MG), investiu no plantio de eucalipto e diversificou as fontes através da reciclagem de bagaço de cana-de-açúcar, para a fabricação de briquetes. Segundo estimativas da própria indústria, a área plantada tem condições de gerar de 150 mil metros de eucalipto mensais e a unidade de briquetes será capaz de produzir mais de 100 toneladas por dia (ANICER, 2007c). A cana-de-açúcar, no entanto, pouco a pouco perde a liderança em eficiência energética para outra fonte, o capim-elefante, espécie de potencial muito superior, cuja biomassa seca pode gerar 25 unidades de energia para cada uma de origem fóssil consumida em sua produção, enquanto a cana, convertida em etanol, alcança relação de apenas 9:1 (IPS, 2007). O capim-elefante (Pennisetum purpureum) é uma espécie nativa da África tropical, mas que se adaptou muito bem às Américas, Ásia e Austrália. É um combustível renovável e não são exigidas licenças especiais para sua produção. E como contribui para a remoção de carbono da atmosfera, ainda enseja a venda de créditos no mercado de carbono. Há diversos genótipos de capim-elefante, com diferentes características físicas, caloríficas, potenciais de crescimento e cuidados específicos no plantio e manejo. Tem crescimento rápido, produtividade elevada, menor demanda por áreas de plantio, além de bom potencial para melhoramento genético. O desempenho de cada genótipo depende do solo e do clima da região considerada, devendo a escolha ser feita após experimentação prática, em campo. As etapas para a produção e uso no SOC incluem a identificação do tipo mais adequado, plantio, colheita e secagem. Com poder calorífico maior que o de resíduos de madeira, o capim-elefante apresenta produtividade maior por hectare plantado e com custo bem menor. O custo da tonelada de massa seca gira em torno de 26 reais (incluindo preparo da terra, plantio, colheita e secagem), contrastando com o eucalipto, que custa 125. Pode-se chegar a 50 toneladas de biomassa seca/hectare plantado/ano. Quanto ao tempo de retorno do investimento, o capim demora cerca de 120 dias para estar pronto, enquanto o eucalipto, no mínimo, 4 anos (ANICER, 2007b). Um aspecto importante é a dificuldade na secagem do capim, já que os equipamentos disponíveis no País (segadeiras de discos ou facas) não são eficientes na trituração. O alto teor de água exige que a secagem seja realizada artificialmente, e o transporte e armazenamento demandam compactação, por conta da pouca densidade. 67 Exemplos de boas alternativas energéticas estão em franca expansão nos últimos anos. No Município de Crato (CE), a Cerâmica CGM investiu na instalação de injetores de biomassa, para aumentar a eficiência da queima e secagem de seus tijolos e telhas, ao reduzir a quantidade de biomassa queimada nos fornos. Por via judicial, a empresa tem requerido das serrarias e prefeituras da região o envio de serragens e restos de poda, obtendo receita com a venda de créditos de carbono (SOCIALCARBON, 2009). Já a Cerâmica Livramento (MA) trocou a lenha de remanejo florestal pela casca de babaçu e outros resíduos. A alteração abriu caminho para o uso de um rejeito superabundante na região, além de gerar efeitos no emprego e renda locais. Além de ecologicamente correta, a mudança implicou na regularização da alimentação do forno, antes manual, e gerou vantagens para a empresa: capacitação de mão de obra e as vantagens da automação (ANICER, 2006b). Gerenciar um negócio com atenção ao meio ambiente é, indubitavelmente, um excelente negócio, agregando valor aos processos decisórios em gestão ambiental, devendo estar em consonância com a missão e estratégias da empresa. 5.2. Mineração ‘Sustentabilidade não significa que não se possa alterar a natureza, mas que, havendo modificação, o meio alterado deve ser restabelecido em condições de seu uso futuro’ Hildebrando Herrmann O setor cerâmico é grande consumidor de minerais, in natura ou beneficiados. Com forte relação com o setor primário da economia, denotado basicamente pelo uso de argila e lenha, para SEBRAE (2008), os fornecedores de minerais para o SOC podem ser categorizados em: (a) Pequenas e médias empresas de capital nacional, que utilizam técnicas rudimentares de extração; e (b) Grandes mineradoras, associadas a multinacionais ou ao setor de revestimentos cerâmicos, melhor organizadas e com produtos de maior valor agregado e qualidade. As argilas, por apresentarem baixo valor unitário, não atraem os empreendedores para o ramo, sendo escassas as indústrias mineradoras de grande porte. Isto faz da mineração uma atividade, não raro, clandestina, limitada apenas ao suprimento das necessidades individuais de cada cerâmica ou, no máximo, do mercado local (SEDETEC, 2008). 68 Na produção mineral brasileira, a extração de argilas, em geral, fica aquém apenas da de agregados para a construção civil (areia e brita) e de ferro. O País tem grandes jazidas de minerais industriais e pólos de produção nas regiões Sudeste e Sul, com o setor em expansão no Nordeste, alavancado pela construção de empreendimentos imobiliários voltados especialmente para o turismo. Pelo definido na Agenda 21 (BRASIL-MMA, 2003), a "mineração, os minerais e os metais são importantes para o desenvolvimento econômico e social. (...) São essenciais para a vida moderna”. Os minerais são usualmente classificados como recursos nãorenováveis, por conta do tempo necessário para sua formação/concentração e dos complexos processos geológicos envolvidos. Deveriam, no entanto, ser classificados como sustentáveis, pois que só não se exaurem física, econômica ou ambientalmente se houver manejo racional. No Brasil, a Rede Brasileira de Informação de Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral (RedeAPLmineral) é a responsável pela “divulgação e disseminação da boa informação e das melhores práticas na CP do setor mineral, compreendendo a extração, beneficiamento e transformação mineral, organizado em APL de base mineral” (RedeAPLmineral, 2009). Arranjos Produtivos Locais de Base Mineral podem ser definidos como conjuntos significativos de “empreendimentos e indivíduos num mesmo território, atuando em torno de uma CP que tenha como base a atividade extrativa e de transformação mineral, desenvolvendo atividades econômicas correlatas e que apresentam vínculos expressivos de produção, interação, cooperação e aprendizagem”, fomentando a sinergia entre CPs que aproveitem recursos minerais conhecidos ou potenciais, “garantindo a maximização do aproveitamento do material geológico movimentado e a agregação de valor” (RedeAPLmineral, 2009). A atividade de extração mineral é intrínseca à atividade ceramista e está relacionada ao desenvolvimento sustentado das indústrias (ANICER, 2007). Mas, apesar de os conceitos Extração e Cerâmica serem tão interrelacionados, para a grande maioria dos empresários do SOC, a consciência de que eles também são mineradores ainda não está muito bem estabelecida. Nem todos os ceramistas se consideram extratores e o inverso também é verdadeiro. Esta visão segmentada da realidade – cada um conhecendo bem seu próprio ‘negócio’ – é a mais usual, mas a grande verdade é que os ceramistas mais bem-sucedidos são exatamente os que detêm informações sobre mineração. Ademais, a proximidade física das instalações de produção cerâmica com os jazimentos de argila reforça a íntima relação do SOC com o setor mineral. 69 Na avaliação das jazidas, deve-se realizar a investigação geotécnica da subsuperfície, retirada de amostras para a realização dos ensaios preliminares, além do planejamento da lavra e exploração. A retirada de argila do jazimento tem como pontos importantes: não-utilização de explosivos, ausência de beneficiamentos que gerem subprodutos tóxicos e a realização fora de corpos hídricos e a céu aberto, mas exige alguns cuidados operacionais: eliminação de riscos de desabamento, interdição de áreas com deslizamentos de massas de terra, criação de acessos seguros e manutenção da estabilidade dos taludes (ANICER, 2007f). A extração implica, logicamente, em alterações ambientais, tais como: supressão da vegetação, reconfiguração de superfícies topográficas, impacto visual, aceleração de processos erosivos, indução de rompimento do solo (por deslizamento de massas de terra), modificações de cursos d’água etc. (ANICER, 2007f). Por conta disso, deve ser analisada sob ótica mais sistêmica, contemplando parâmetros sociais, econômicos e ambientais. A mineração tem fama de atividade agressora do meio ambiente, incapaz de contribuir para o desenvolvimento sustentável das regiões onde é realizada, fazendo aproveitamento destrutivo dos recursos ambientais que degradou e poluiu, ‘em nome do progresso’ (ANICER, 2007e). Isto tem razão histórica, dado que a indústria mineral, à semelhança de outros setores industriais, se organizou priorizando apenas a rentabilidade, sem a menor preocupação com questões ambientais ou sociais, consequências de sua atividade. Os impactos ambientais provocados pela atividade mineradora, ainda que de pequena monta, são visuais e rapidamente identificáveis. No entanto, os benefícios estão incorporados, embutidos nos produtos confeccionados com os materiais extraídos, tornando pouco mais difícil a valoração da atividade pela grande maioria das pessoas. A convivência da mineração com outros usos do solo depende do ordenamento territorial. Nas fases de extração e beneficiamento de minerais, são gerados rejeitos, efluentes, aerossóis e ruídos, que, em havendo controle adequado, não chegam a se dispersar. Segundo a ONU, a mineração afeta em torno de 1% da superfície terrestre, muito menos que a pecuária (35%), a derrubada de florestas (30%) e a agricultura (27%) (UNEP, 2002). Seguramente, a mineração pode ser menos agressiva ao meio ambiente. Com políticas públicas exequíveis, condições técnicas para fiscalização/controle e apoio no acesso e uso racional dos bens minerais, isto é perfeitamente possível. O CONAMA aprovou, em 2006, a Resolução que estabelece regras para a intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APPs), classificando a mineração como sendo atividade de utilidade pública ou de interesse social (BRASIL-MMA, 2006). Apesar de 70 não ter proibido integralmente a mineração nas APPs, considerou “as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente” como sendo de interesse social, não podendo, portanto, atuar em veredas, manguezais, dunas vegetadas e nascentes, inviabilizando a produção em empresas de menor porte. A recuperação é uma exigência feita ao minerador e é tão necessária quanto a própria atividade e a modificação do ambiente inerente a ela. Passa a recuperação por três estágios: a) mitigar os impactos produzidos; b) reabilitação da área ao estágio inicial; e c) compensação, por parte da empresa, dos impactos que não puderem ser eliminados (ANICER, 2007f). O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) criou, em 2003, um grupo para elaborar uma proposta para o Manual de Desativação de Empreendimento Mineiro, com o fim de aperfeiçoar a atuação, fiscalização e controle da atividade minerária, além de orientar quanto aos documentos de apresentação obrigatória aos órgãos cabíveis (DNPM, Ibama, Secretarias de Meio Ambiente etc.). Instituiu, também, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), paga ao Estado em função do usufruto econômico dos recursos minerais. Para os mineradores de argila, a compensação é calculada sobre o valor do faturamento líquido, obtido na venda do produto mineral, deduzindo-se os tributos e as despesas com frete e seguros. Empresários das regiões do Vale do Açu e Apodi (RN) realizaram a recuperação da área extraída, após seu ‘esgotamento’, com resíduos sólidos (ANICER, 2007). Outras idéias para a recuperação existem, a exemplo do uso de resíduos de construção civil (RCC) nas áreas exploradas e a construção de tanques para piscicultura. Os grandes desafios do SOC em relação à mineração são as restrições da legislação ambiental, a morosidade e excessiva burocratização dos órgãos reguladores, a pouca informação dos empresários a respeito de seus direitos e obrigações, a informalidade e a carga fiscal excessiva, licenciamento ambiental demorado e caro, baixa capacitação tecnológica e o difícil acesso à informação e ao crédito (ANICER, 2006). E segundo o pesquisador da Unicamp, Hildebrando Herrmann (apud ANICER, 2006), os principais erros dos empresários voltados à legislação mineral são: operar sem licença ambiental, usar madeira e carvão sem comprovação de origem, explorar ou danificar floresta nativa e não recuperar a área, a falsidade em estudo ambiental, a destruição de vegetação de preservação especial não passível de supressão e a não entrega dos relatórios anuais, além do impedimento da atuação em veredas, dunas, manguezais, restingas e nascentes; ações que implicam na responsabilização criminal, administrativa e cível do empresário infrator. 71 De modo mais contundente, deve-se conscientizar os ceramistas acerca da necessidade de se fazer a manutenção de áreas exploradas, e isto junto aos órgãos de fiscalização/controle ambiental, já que os mesmos têm as prerrogativas de preservação e também do lançamento das diretrizes que garantam a utilização adequada e racional da matéria-prima, garantindo a sustentabilidade do setor. Esta nova consciência ambiental com relação à mineração se torna premente, pois, do contrário, a argila, fundamental para a sobrevivência do setor, fatalmente se esgotará. 5.3. Impactos Ambientais “O aquecimento global tem nome, sobrenome e endereço” Neilton Fidelis Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas A produção de qualquer bem implica, necessariamente, na exploração de recursos naturais e na emissão de rejeitos nos solos, águas e ar, modificando os ecossistemas, e, quanto maior o nível de atividade econômica, maiores os impactos ambientais provocados. De acordo com Young e Lustosa (1999, apud JOBIM e JOBIM FILHO, 2006), a indústria brasileira apresenta perfil potencialmente poluidor, consequência da demora na edição da normatização ambiental e no controle e fiscalização insuficientes, além da tendência histórica de atuação em atividades potencialmente poluentes. De acordo com o artigo 10° da Lei Federal 6.938/81, a construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades que demandem utilização de recursos ambientais, considerados “efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente” e outras licenças exigíveis. Desde então, as empresas ou atividades em desconformidade estão, obviamente sujeitas às sanções previstas na legislação, inclusive as constantes do artigo 72 da Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9605/98): advertência, multa, apreensão, destruição, inutilização, suspensão de venda e fabricação do produto, bem como embargo e demolição da obra, embargo e suspensão de atividade. Os RCC têm impactado seriamente a qualidade ambiental das cidades e, com a aprovação da Resolução 307/2002 do Conama, o País está mudando o modo de lidar com 72 esses sedimentos. Chama a atenção, neste aspecto, a geração de resíduos no processo produtivo da indústria cerâmica. Peças extruídas com defeitos podem ser imiscuídas à massa argilosa e passar novamente pela extrusão, mas as que apresentam defeitos após a queima são as que causam o maior impacto. Não é raro encontrar grandes áreas dos pátios das indústrias cerâmicas brasileiras ocupadas por montões de peças rejeitadas, sem que a elas seja dada destinação apropriada. Há pesquisas sendo desenvolvidas, objetivando a inserção de rejeitos industriais na forma de resíduo, como alternativa de preservação e economia, minimizando o problema basicamente por duas vertentes: dando um destino ‘nobre’ aos cacos cerâmicos, evitando que eles sejam enviados aos aterros sanitários, e, por causa da adição propriamente dita, diminuindo o volume de argila necessário para produzir cada peça. A adição de resíduos à massa de argila também resulta em economia de combustíveis porque, enquanto queimam no interior das peças, em geral, os resíduos ajudam a acelerar o processo de queima, provocando diminuição da quantidade de combustível gasto. Seu uso, no entanto, só é economicamente viável quando a fonte de captação se encontra próxima à olaria/cerâmica. Sendo assim, o ceramista precisa avaliar, antes de tudo, a relação custo-benefício, respondendo a questões básicas: a peça com aditivos demora mais ou menos para queimar? A economia gerada pela adição deste novo componente compensa o custo de aquisição/transporte do resíduo até à fábrica? Só após respondê-las é seguro tomar uma decisão. Um estudo desenvolvido por Ripoli Filho (1997), em Santa Maria (RS), avaliou o desempenho de peças cerâmicas com adição de chamote, com relação ao teor de umidade de moldagem, proporção das misturas, argila-base e temperatura de queima. As características físicas e mecânicas estudadas (retração linear de queima, absorção de água, porosidade, massa específica aparente e sucção inicial), permitiram-no concluir que o uso do chamote homogeneizado nas peças, em proporção ideal e queimado à temperatura adequada, melhora a trabalhabilidade, diminui a retração e permite o aproveitamento deste resíduo na fabricação de produtos de boa qualidade, contribuindo para minimizar o volume de rejeitos na indústria cerâmica. O trabalho desenvolvido por Oliveira e Holanda (2008) avaliou a influência da adição de lodo proveniente de Estações de Tratamento de Esgoto (ETAs), nas propriedades e estrutura da cerâmica vermelha. O lodo das ETAs é rico em argilominerais, silte e areia, e apresenta composição semelhante à das argilas comumente usadas na indústria de cerâmica vermelha. 73 Do ponto de vista ambiental, o lodo de ETA é classificado como Não Inerte (classe IIA). Em geral, ele é descartado em corpos hídricos ou enviado a aterros sanitários, gerando, de qualquer das duas formas, impactos ambientais. A adição de até 15% em massa de resíduo de ETA não provocou variações substanciais nas propriedades tecnológicas ou microestrutura das peças em relação às confeccionadas com a massa padrão, monitoradas por microscopia eletrônica de varredura e difração de raios X. A retração linear, a tensão de ruptura à flexão, a absorção de água e a densificação das peças cerâmicas não apresentaram alterações significativas após a incorporação do resíduo, o que levou os autores a concluir que a cerâmica vermelha é destino final seguro para o lodo de ETAs, o que tem duas consequências importantes: (a) economia de argila, substituída pelo lodo; e (b) o ganho ambiental, evitando o descarte do lodo em corpos hídricos e/ou aterros sanitários. O ceramista também deve ficar atento à classificação dos resíduos, constante da NBR 10.004/2004, e às implicações dessa adição quanto à emissão de gases. Ao analisar as emissões gasosas provenientes da queima da mistura de argila com diferentes concentrações de escória de aciaria (0,5% e 10%), Souza et al. (2008) detectaram, via técnica fototérmica, presença de monóxido e dióxido de carbono. Nos corpos de prova com 10% de escória de aciaria, um pico pronunciado de CO2 a 800 ºC foi detectado, o que não aparece no perfil usual da argila pura. Pelo estudo, infere-se que, para os percentuais de adição empregados, a variável fundamental foi a temperatura de queima, que deve ser de até 550 ºC, no caso da adição de 10% de escória. Adições como esta findam beneficiando, além do meio ambiente, as próprias indústrias cerâmica e siderúrgica. O Ministério do Meio Ambiente propõe uma série de medidas, sob o título ‘Práticas sustentáveis’, com um dos focos sendo o tema ‘Resíduos’. Dentre as ações, está “introduzir regulamentação sobre utilização, reutilização e reciclagem de materiais de construção”, além de “Disseminar o conceito 3Rs - Reduzir, Reutilizar e Reciclar” e “Utilizar tecnologias mais limpas nos processos produtivos” (BRASIL-MMA, 2009). A indústria cerâmica deverá estar atenta às tecnologias e facilidades que garantam processos mais fáceis e limpos, sob pena de perder mercado para produtos substitutos, que caiam na preferência de quem opta por produtos do consumo responsável. Caberá aos profissionais do SOC fazer chegar à ponta da cadeia produtiva o conceito de alvenaria racionalizada, incentivando o desenvolvimento de projetos e soluções, para minimizar a formação de resíduos, cambiando o enfoque tradicional, onde a preocupação recai sobre a destinação dos resíduos e, não, sobre o momento de sua geração. 74 Dentre as ações para alcançar tal feito, podem ser destacadas, por exemplo: a produção de peças em conformidade com as Normas Técnicas, de produtos segundo o conceito de coordenação modular – que não necessitam de corte, minimizando o desperdício, podem dispensar o uso de juntas verticais e promovem economia na massa de assentamento e reboco –, transporte em pallets, além de popularizar a racionalização do que a empresa já tem montado, em funcionamento, e corrigindo erros detectados em um diagnóstico que envolva desde a direção ao chão-de-fábrica. Os gastos com energia têm peso considerável na planilha de custos da indústria cerâmica, sendo a aquisição de lenha e a energia elétrica os itens mais importantes. Além de enfrentar a concorrência com outros ramos industriais também consumidores de madeira (como matéria-prima ou fonte de energia), estes conseguem ‘bancar’ preços mais elevados, porque fabricam produtos com maior valor agregado e em escalas de produção mais vultosas. A lenha utilizada no Nordeste brasileiro provém da caatinga. No entanto, por força da extração ilegal e desordenada de mata nativa, já vem se tornando motivo de preocupação o processo de desertificação de algumas áreas no Nordeste; não apenas pela extração da vegetação, mas, também, da argila. Na região de Seridó (RN), o processo, já em estágio bastante avançado, tem despertado as atenções de técnicos. O volume de lenha consumido mensalmente no Estado equivale a uma área de mata nativa do tamanho da capital, Natal. Segundo a Convenção das Nações Unidas de combate à desertificação (2005), desertificação é a “degradação de terras nas zonas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas, resultantes de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas”. Mas, na realidade, os grandes responsáveis pelo desmatamento no país são a agricultura intensiva e a pecuária, o que leva a concluir que outros setores produtivos – incluindo o SOC – não devem, portanto, ser ‘penalizados’ com as sanções e encargos advindos dos impactos provocados massivamente por estas duas atividades. A substituição da lenha esbarra, por exemplo, na necessidade de investimentos para a adaptação ou aquisição dos fornos. A substituição da lenha por GNC ou óleo BMF demandam investimentos e a maioria das empresas não dispõe de recursos para tal cousa. Conseguintemente, é muito provável que o SOC continuará altamente dependente da oferta de lenha, o que deve ser evitado, a partir do incentivo ao reflorestamento. Na Europa, para diminuir o consumo durante a queima, algumas empresas têm adotado aditivos que atuam como fundentes e queimadores de alta velocidade (ANICER, 2008e). 75 Outra consideração a ser feita é a respeito da pressão dos órgãos ambientais sobre o SOC, para que quem utiliza lenha em seu processo produtivo reponha as áreas exploradas, o que vai além da necessidade de garantir lenha para a queima. Diante das altas nos preços de outros combustíveis, volta e meia a lenha é novamente empregada. De fato, a reposição é premente, mas implica em custos com os quais a maioria das empresas não arcar, donde surge a ‘saída’, conferida pelo legislador: a associação de reposição florestal. A opção terceirizada é permitida para consumidores que demandem até 4 mil metros cúbicos de carvão/ano ou 12 mil metros cúbicos de lenha/ano. As empresas do SOC começam a atuar no cenário da eficiência energética, com redução do consumo e corte nos custos. Para isso, realizam troca de equipamentos defasados, pagando obviamente pelos custos associados, e readequam seus horários, fugindo dos de pico (tarifas mais baratas). A possibilidade de um novo apagão existe, mas hoje o Brasil dispõe de recursos de que não dispunha em 2001. Atualmente, a transferência de energia entre regiões é viável e há outras opções de geração, o que diminui o risco de racionamento. A eficiência energética, então, tem como benefícios a segurança no abastecimento de energia, a eficiência econômica e ainda ajuda a mitigar impactos ambientais. Complementando-se mutuamente, estes três itens redundam na redução da energia gasta por unidade produzida, ou seja: um mesmo número de itens pode ser obtido com menor consumo de energia e recursos naturais, e menores danos ambientais. 5.4. Créditos de Carbono “Buscamos a sustentabilidade energética. Com isso, queremos a preservação do cerrado, a diminuição da emissão de gases e o comprometimento dos empresários, mostrando que é absolutamente possível atrelar a indústria e a natureza” Roni Abrão Presidente do Sindicer/TO No Protocolo de Kyoto, foi proposta a utilização de instrumentos de mercado, através dos chamados mecanismos de flexibilização, com o objetivo de maleabilizar o cumprimento das metas de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE). São eles: o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), a Implementação Conjunta (IC) e o Comércio de Emissões (CE), importantíssimos indutores da formação do Mercado Ambiental de Carbono. 76 Com o Protocolo de Kyoto tendo entrado em vigor, os MDLs, únicos mecanismos de flexibilização aplicáveis ao Brasil, começaram a atrair os olhos de empresários de diversos setores da economia mundial, criando uma cultura de responsabilidade para com as ações de adaptação dos processos produtivos. O objetivo precípuo dos MDLs é “encorajar o desenvolvimento sustentável através da transferência de tecnologia e do incentivo a um novo padrão de desenvolvimento, baseado na conciliação de crescimento econômico, inclusão social e respeito ao meio ambiente” (PricewhiterhouseCoopers, 2006). Segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE, 2008), as atividades humanas que geram emissões de GEE são: geração de energia pela queima de combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo e gás natural), desmatamento e produção de cimento (emissões de CO2), decomposição anaeróbica de matéria orgânica (emissões de metano), uso de fertilizantes nitrogenados e processos industriais que produzem emissões de perfluorocarbonos, hidrofluorocarbonos e hexafluoreto de enxofre. No Brasil, o desmatamento é a principal fonte de emissão de gases. O desafio é atrelar os benefícios do reflorestamento com a venda de créditos para outros países. Nos Estados brasileiros, São Paulo é responsável por 51% das reduções de emissões estimadas para o primeiro período de obtenção de créditos (com término em 2012) e por 24% dos projetos de MDL desenvolvidos no país. Minas Gerais vem na segunda posição, com 13,7% para as duas variáveis, e o Ceará é o 11° em atividades MDL e o 14° em reduções, com 1,28 milhões de toneladas de CO2 equivalentes (CGEE, 2008). A previsão da Secretaria Executiva do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas é que, para 2020, 50% da emissão de CO2 será feita pelos países em desenvolvimento. Os Estados Unidos serão responsáveis por 21% e Ásia e Europa Ocidental jogarão no ambiente 18% dos 35 bilhões de toneladas de CO2 previstas (ANICER, 2008e). O Brasil tem contribuído para reduzir o efeito estufa, por exemplo, com o álcool combustível, energia gerada por hidroelétricas e aço reciclado. A experiência do álcool mostra que o domínio de tecnologias como esta melhora a competitividade da indústria brasileira e demonstra a preocupação do país com as questões ambientais, além de representar evidente ganho técnico-científico. As ações do MDIC, no âmbito dos MDLs, dentre outras, contemplam a criação de um ambiente de negócios, com a negociação de créditos de carbono na Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&F), através do Mercado Brasileiro de Reduções de Emissões (MBRE), bem como através do estímulo a linhas de crédito (a exemplo do Programa de Desenvolvimento Limpo do BNDES), para o financiamento de projetos, articulação junto ao 77 “setor privado de projetos de grande impacto, envolvendo o desenvolvimento de novas metodologias que contemplem as vantagens competitivas brasileiras (biocombustíveis, florestas, carvão vegetal)” (BRASIL-MDIC, 2009). Um relatório elaborado por PricewhiterhouseCoopers (2006), para o MDIC, com o objetivo de coletar subsídios para políticas públicas de MDL no Brasil, inferiu que 79% das empresas pesquisadas mantêm ou pretender estabelecer projetos de MDL. Para elas, a venda de créditos de carbono é vista como um fator que torna os investimentos viáveis e potencializa os lucros. Das empresas pesquisadas, 76% afirmaram reutilizar resíduos, 59%, que desenvolvem voluntariamente alguma atividade de reflorestamento, 63% que conhecem o MBRE e, destas, 58% declararam utilizar as receitas advindas da venda de créditos em investimentos e 25%, em minoração dos riscos dentro da empresa (ampliando as fronteiras de sua estratégia competitiva, por exemplo). Sobre a geração de fontes do efeito estufa em seus processos produtivos, 58% declararam ser a queima de combustível sua principal fonte e 18%, a disposição de resíduos. Há que se frisar, no entanto, que apenas 2% eram do setor da Construção Civil. Sendo um dos países mais promissores no que tange ao Mercado Ambiental de Carbono, no primeiro ano de funcionamento oficial do MDL no Brasil, a redução total de GEE em projetos validados foi equivalente a 180 milhões de toneladas CO2 equivalentes (em relação aos níveis de 1990, quando o Protocolo foi assinado). Em setembro de 2007, o primeiro leilão de créditos de carbono do mundo foi realizado pelo MBRE, negociando créditos do projeto Bandeirante (captação de metano em aterro sanitário), ao preço de 16,20 euros por tonelada (BRASIL-MDIC, 2009). O MDIC já estuda a regulamentação do mercado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para estabelecer as regras para que as reduções de emissões esperadas possam ser traduzidas em negociáveis no mercado a futuro. Algumas indústrias cerâmicas brasileiras estão engajadas neste processo, algumas delas já comercializando créditos. A Social Carbon Company, empresa de consultoria ambiental especializada em mudança climática e créditos de carbono, tem assessorado a maioria das indústrias do SOC. A negociação dos créditos de carbono possibilita às empresas investir na produção com as receitas auferidas, ao mesmo tempo em que elas reduzem a emissão de poluentes. O florestamento/reflorestamento, a utilização de biocombustíveis (em especial, do biodiesel) e de energias renováveis (energia solar, energia a partir de biomassa, etc.), são outras atividades que podem ser enquadradas como MDLs. E o SOC tem plena condição de desenvolver as três, adequando as fábricas, reduzindo a emissão de gases tóxicos e o 78 realizando a comercialização de créditos para empresas estrangeiras, com cota de redução a cumprir. Em média, as cerâmicas comercializam créditos anual ou semestralmente, a depender do que foi poupado no período considerado. O protocolo da comercialização de créditos de carbono consiste em elaborar projeto de substituição das tecnologias, constando nele os resultados das alterações e os índices de impacto ambiental, além do montante de redução de emissão de gases que deverá ser obtido. O projeto deve, então, ser analisado por uma organização certificadora, autorizada pela Organização das Nações Unidas - ONU. Implementadas as mudanças no chão-de-fábrica, deve-se monitorar e registrar dados relacionados ao processo produtivo, como, por exemplo, quanto de biomassa foi utilizado e a tonelagem de gases emitidos (ANICER, 2008a). Após doze meses, em média, a empresa deve fazer outro relatório, com os registros obtidos no período e solicitando a venda dos créditos acumulados. O documento segue para auditoria, que autoriza a comercialização em nível mundial. Pequenas empresas podem se reunir em conglomerados, somando créditos e comercializando-os conjuntamente, o que é praticamente impossível se forem consideradas isoladamente. A Olaria São Sebastião (RJ) trocou o óleo BPF pela madeira de lenha exótica plantada (eucalipto e pinus) e para resíduos de madeira. A Cerâmica Romana (SP), uma das pioneiras no uso de biomassa renovável, usa serragem e cavaco de madeira, provenientes de reflorestamento de serrarias no Mato Grosso do Sul, e bagaço de cana, de usinas do Oeste Paulista. Já a Cerâmica Gomes de Matos (CE), que queimava com lenha não-renovável de caatinga e passou a utilizar biomassa (serragem de madeira, poda de cajueiro, casca de coco de babaçu e lenha oriunda de plano de manejo), realizou a sua primeira comercialização de crédito em 2009, relativa às reduções de emissões de GEE entre 2007 e 2009, totalizando 114.022 toneladas de CO2 equivalente. As receitas da venda foram destinadas a ações de responsabilidade social. Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável deixou de ser apenas bandeira de ambientalistas e passou a ser uma preocupação da ICC no mundo todo, sendo consensual a ideia de que a pior forma de desperdício é a baixa qualidade de um material. Esta diminui, por exemplo, seu ciclo de vida útil, encurtando-o e demandando sua substituição, o que exigirá novos gastos com energia e matérias-primas no processo de fabricação. O Mercado Ambiental de Carbono é uma realidade, com metas de redução das emissões de GEE devendo aumentar significativamente nos próximos anos, contribuindo para a mitigação do efeito estufa. É certo que, isoladamente, não será capaz de resolver a “estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça 79 uma interferência antrópica perigosa” (GEEC, 2008), mas profissionais e empresários ligados ao SOC têm nas mãos a responsabilidade de implementar práticas que contribuam para a melhoria continuada do setor. 80 6. SOC NO ESTADO DO CEARÁ "A revitalização da indústria cerâmica cearense é de fundamental importância sócio-econômica, já que é um dos setores que mais contribuem para manter o homem do campo em suas cidades" Fernando Ibiapina Sindicerâmica/CE A indústria cerâmica constitui uma atividade tradicional e de grande relevância na economia do Estado do Ceará. Segundo SEDETEC (2008), a capilaridade territorial (pulverização) do SOC e a concentração das cerâmicas em pólos produtivos propiciam o desenvolvimento econômico das regiões onde estão instalados, gerando emprego, renda e incremento na arrecadação fiscal. Já Medeiros e Parahyba (2003) destacam, como fator social relevante da atividade ceramista, a fixação do trabalhador braçal em seu habitat natural, evitando o êxodo rural e cooperando para a manutenção das famílias nos distritos e localidades. Dentro desse contexto, ressalta-se o pólo do Município de Russas, que responde por cerca de 70% de toda a atividade ceramista do Baixo/Médio Jaguaribe. Seus jazimentos estão às margens do Rio Jaguaribe e em locus espalhados pelo Município. Em 2002, um censo do SOC no Estado, realizado pela FIEC com o apoio do SINDCERÂMICA-CE, detectou que o maior volume de produção era, à época, de telhas, o que não se alterou desde então. Com cerca de 30% das empresas ativas localizadas no pólo ceramista de Russas, este Município é tido como o grande concentrador de mão de obra. No Ceará, o volume de micro e de pequenas empresas é praticamente igual em proporções, predominando as de pequeno porte. Pouco menos de 2% das cerâmicas cearenses são de médio porte, não possuindo o Estado nenhuma empresa cerâmica de grande porte. (FEITOSA, 2007). A imensa maioria está registrada formalmente, mas, nas relações sindicais, grande parte delas não está associada. O maior volume de produção é de tijolo oito furos, telha extrusada e laje volterrana H8 (FIEC, 2002). O projeto Finep/MEHIS (Habitações Sustentáveis com Melhoria dos Processos Tradicionais), da universidade Federal do Ceará, tem por objetivo “estudar os sistemas construtivos tradicionais, buscando seu aperfeiçoamento, para reaplicá-los de modo mais racional em habitações de interesse social” (FEITOSA, 2007). Realizando visitas a diversas cerâmicas cearenses, com o intuito de caracterizar a cadeia produtiva dos elementos 81 cerâmicos, foram detectados pontos importantes, desde a captação das argilas até a operação dos equipamentos. O Projeto Mehis compila os registros de suas visitas técnicas em resenhas, escritas por algum dos integrantes do grupo. Em relação às dificuldades, o censo do SOC cearense, realizado pela FIEC (2002), detectou que a legislação ambiental relacionada à extração de matéria-prima, a forte concorrência entre as empresas e a distância entre a jazida e a fábrica foram as mais importantes para os profissionais entrevistados. No Ceará, um APL muito bem estruturado é o de Cerâmica Vermelha de Russas, que abrange 13 municípios e compreende cerca de 80 indústrias do ramo ceramista local, gera cerca de 2200 empregos diretos e é responsável por 18% da produção de telhas no Estado. Toda a região se encontra sobre a Bacia Sedimentar do Rio Jaguaribe, área naturalmente propícia ao acúmulo de macrominerais, onde a abundância e a facilidade de seu manuseio da argila acabou por constituir a principal estratégia de sobrevivência da população (MDIC, 2009). A produção é, principalmente, de telhas (mais de 90%) e tijolos (pouco mais de 2%), com discreta produção de lajes volterranas e manilhas, voltada para o consumo interno e é também escoada para outros Estados do Nordeste, correspondendo a pouco mais de 35% de todas as peças cerâmicas produzidas no Estado. Os principais canais de comercialização são revendas no varejo, notadamente para as reformas, mais do que para as construções. Os consumidores têm excelente relacionamento de fidelidade em relação a seus fornecedores e os produtores dão atenção redobrada à qualidade e aos preços praticados, um encadeamento absolutamente benéfico para ambos. Medeiros e Parahyba (2003) relataram que, no pólo de Russas, ocorre com frequência a interrupção da extração das argilas e surgem dificuldades com a secagem das peças nos períodos invernosos. Em alguns estados do Nordeste, tais como Paraíba e Ceará, menos de 40% das cerâmicas possuem secadores (ANICER, 2008b), o que provoca quedas no volume de produção e perdas de faturamento. Entre as queixas, custos com a queima (compra da lenha), a concorrência predatória, advinda tanto de empresas formais quanto por informais, ausência de treinamento e capacitação de proprietários e empregados, a inexistência, dificuldades e burocracia na tramitação dos processos de linhas de crédito, foram as mais importantes (MDIC, 2009). Entre os resultados mais expressivos, podem ser citadas as melhorias nos processos 82 produtivos e na qualidade, além da execução do Plano de Recuperação de Áreas Degradadas pelas Indústrias de Cerâmica Vermelha do Baixo Jaguaribe, com a promoção de cursos de educação e preservação ambiental para os ceramistas, alunos de escolas públicas e particulares, associações comunitárias, sindicatos de trabalhadores rurais e a implementação de estudos tecnológicos, estes já em andamento. Outro resultado que salta aos olhos foi o desenvolvimento de um modelo de forno (alcunhado Cedan), com custo de R$ 150 mil, que reduz a quantidade de lenha em dois terços e melhora a qualidade do produto, praticamente sem poluir a atmosfera, estando dentro dos padrões ambientais exigidos no Brasil. A interação entre os diversos APLs pode trazer vantagens de cunho ambiental e gerencial. Um exemplo é o APL de móveis do Município de Marco (CE), que encontra dificuldades com os rejeitos da madeira. O estabelecimento de uma parceria entre os APLs de Russas e Marco, poderia ser de grande valia, já que este rejeito é uma alternativa energética para o SOC. Os ceramistas da região do Baixo Jaguaribe estão organizados através da Associação dos Fabricantes de Telhas de Russas (Asterussas) que, em 2006, aprovou um projeto no MDIC, iniciando suas atividades em 2007. Atualmente, está em processo de regulamentação a Cooperativa de Base Mineral de Russas (COOBAM). Segundo a Anicer, das trinta empresas certificadas pelo PSQ de blocos cerâmicos, nove se localizam no Estado do Ceará. Quanto aos laboratórios, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Ceará (SENAI-CE) conta com um dos mais modernos do país, localizado no Centro de Treinamento e Assistência às Empresas (Cetae). Especializado em cerâmica vermelha, ele se destina a atender as empresas que desejam receber certificação do PSQ de blocos, realizando ensaios técnicos para verificação dos requisitos exigidos nas Normas relacionadas a elementos cerâmicos. Em relação a fontes energéticas, nas etapas de conformação e extrusão, a energia elétrica é a mais usual. Na queima, é mais comum a lenha, advinda, em geral, da poda de cajueiros, espécie abundante no Estado (FEITOSA, 2007; PESSOA, 2004). Apesar de culturalmente muito arraigada, a lenha deve ser, em um futuro breve, substituído por outras fontes de menor impacto ambiental, tais como o GNC e as energias de biomassa. Os ceramistas cearenses reivindicam, assim como produtores de outros Estados do Nordeste, a implementação da rede de distribuição de GNC, o que só é viável para regiõespólo, com capacidade produtiva tal que compense o investimento. Devem ser avaliados, 83 também, os custos não apenas da conversão dos fornos, mas os provenientes da aquisição do próprio combustível. Ressalta-se, no entanto, que, a despeito dos investimentos serem significativos, os ganhos com a venda de créditos de carbono muito provavelmente irão viabilizá-los. Segundo Medeiros e Parahyba (2003), o desconhecimento quase que completo acerca das jazidas de argilas é refletido na extração, já que esta se processa apenas horizontalmente, restringindo-se às camadas mais rasas, em amplas áreas de exploração. Ao se deparar com uma camada de areia ou com matacões, por exemplo, o minerador simplesmente procura outras áreas, desperdiçando a oportunidade de encontrar argilas de boa qualidade em camadas mais profundas do solo. Além disso, a cratera resultante da exploração horizontalizada é visualmente mais impactante e mais danosa ao meio ambiente. No caso do Ceará, boa parte das empresas estão irregulares ou em processo de regularização junto ao DNPM (PINHEIRO, 2002 apud PESSOA, 2004). Em geral, os ceramistas realizam a compra de terceiros, pagando pelos volumes das caçambas de caminhões, mais conhecidos como ‘carradas’. Não há preocupações com a reabilitação das áreas exploradas, uma vez que a fiscalização é insuficiente, além do fato de as empresas não serem legalmente autorizadas para a atividade mineradora. Como medida de minimização dos impactos ambientais provocados pela atividade de mineração, Pessoa (2004) sugere a recomposição vegetal e paisagística com o plantio de carnaubeiras, espécies símbolo do semi-árido brasileiro. A ideia é que, no futuro, seja realizado o aproveitamento econômico, a partir da cera e da palha. No Estado do Ceará, 44,8% das empresas possuem programas de replantio e 52,2% delas estão legalizadas junto ao DNPM. Com relação ao uso de argila, 52% utilizam apenas um tipo e, em média, as reservas atuais têm previsão de duração de 9 anos e 6 meses, aproximadamente. Um diagnóstico realizado pelo IEL-CE, em parceria com o Sebrae-CE e o Sindicerâmica, divulgou que quase 70% das cerâmicas cearenses não dispõe de nenhum sistema antipoluente e que apenas 25% utilizam filtro de chaminé (FIEC, 2002). No tocante aos rejeitos, Pessoa (2004) relata a problemática das peças defeituosas, que, rejeitadas, terminam entulhadas nos pátios das cerâmicas, tornando-se um grande problema ambiental, pela falta de destinação adequada. No entanto, alguns esforços já vêm sendo realizados para mitigar este impacto, a exemplo da utilização de peças cerâmicas trituradas na pavimentação, para a melhoria da trafegabilidade de estradas vicinais. 84 No Ceará, a Bolsa de Resíduos & Negócios, um programa idealizado pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará – FIEC, através do Instituto Euvaldo Lodi (IEL-CE), é um serviço de informações que identifica mercados potenciais para a comercialização de resíduos sólidos e de seus subprodutos, contemplados em um sistema de classificação de materiais gerados durante os processos industriais, estimulando o aproveitamento econômico e promovendo oportunidades de compra e venda destes rejeitos, além de máquinas e/ou equipamentos (IEL-CE, 2009). Este serviço tem grande potencial de utilização pelo setor ceramista no Estado, na medida em que tem condições de colocar os geradores dos resíduos de interesse ao processo produtivo das indústrias cerâmicas e os ceramistas em contato. O Ceará tem bom histórico no que diz respeito a energias alternativas, a julgar pelos projetos de geração de energias limpas em andamento. Há previsão de incremento de uma área na parte leste do quebra-mar do Terminal de Múltiplas Utilidades do Pecém (TMUT), para abrigar uma usina-piloto de produção de energia elétrica a partir da energia das marés, aproveitando a regularidade dos ventos e frequência das ondas do mar no litoral cearense. Pioneiro na produção deste tipo de energia, baixo impacto ambiental, o Estado já caminha para a autossuficiência com a construção e operação de 14 parques eólicos e a instalação de uma usina solar no Município de Tauá, condição necessária à industrialização. No que tange á comercialização de créditos de carbono, a Cerâmica Gomes de Matos, no Município de Crato, foi a primeira empresa nordestina a vender créditos ao Banco Mundial, em outubro de 2009. A intenção inicial, que era de reduzir custos e aumentar a rentabilidade da empresa, culminou na não-emissão de 114 mil toneladas de CO2 equivalentes e rendeu à empresa 1,324 milhão de reais por dois anos de práticas ecologicamente corretas (O POVO, 2009). Realmente são poucos os projetos que, como o MEHIS, estão voltados para a pesquisa no setor cerâmico. É pequeno também o número de entidades que, como o SEBRAE, apóiam o setor na identificação de suas características e particularidades para, a partir de seu conhecimento, estabelecer soluções para a melhoria da qualidade e da produtividade em seus processos (FEITOSA, 2007). A modernização tecnológica dos empreendimentos de menor monta é um dos grandes desafios do SOC cearense, dado que o clamor por melhorias na qualidade dos produtos, impulsionado pelas exigências técnicas das Normas vigentes, exige investimentos em equipamentos e maquinário. No entanto, as dificuldades de acesso a linhas de crédito podem se configurar como entraves a este processo. 85 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a estruturação de um setor forte e arrojado, com qualidade para consumidores e rentabilidade para empresários, deve-se criar, antes de tudo, uma cultura de cooperação. A criação de redes de colaboração entre empresários de um mesmo ramo, institutos de pesquisa, fornecedores, entidades e agentes financeiros é uma das alternativas para incrementar o crescimento da indústria cerâmica. Ao se decidir pelo individualismo, o ceramista se exclui de uma cadeia de oportunidades e troca de experiências com quem vivencia situações cotidianas muito semelhantes. Da vivência de cada ator, em cada empresa, soluções práticas para os problemas certamente aparecerão. Conclui-se, destarte, que, para um setor numeroso e representativo como o SOC, o associativismo deve ser tomado como premissa. É imprescindível que as entidades representativas sejam atuantes, indo além da simples representação formal, legalista, empregando os melhores esforços na prestação de serviços e consultorias que agreguem valor aos cerâmicos. Seguramente, este é um dos meios mais interessantes para, fortalecendo o setor, ter condições de enfrentar a contundente concorrência dos materiais substitutos, além de inserir novos produtos cerâmicos no mercado da construção civil e recuperar o espaço perdido por outros. E considerando que as empresas deixaram de ser “mecanismos autocontidos” para se tornar parte de uma rede de organizações, criar elos de união entre os atores da cadeia produtiva dos produtos cerâmicos, através dos sindicatos, associações e demais parceiros, permitirá propor macroobjetivos conjuntos, simultâneos e integrados, continuadamente negociados entre eles. Incentivar os APLs, a exemplo do que já existe no pólo ceramista de Russas (CE), além de promover a competitividade, rentabilidade e a melhoria nas condições de trabalho e ambientais, desde que bem orientados pelos órgãos competentes (IBAMA, SEMACE, SEBRAE, Sindicatos etc.), trarão, mais e mais, desenvolvimento e inovação tecnológica. Os ceramistas devem buscar sistematicamente formas de aprimoramento de seus produtos e serviços, chamando a atenção do consumidor e conquistando sua fidelização às marcas. Com expectativas diversas e múltiplos estilos, o consumidor moderno busca qualidade aliada a baixo custo. Isto implica que o SOC precisa agregar qualidade e bem equacionar os desejos do consumidor com suas próprias necessidades (como o lucro, por exemplo), a fim de não perder espaço no mercado. 86 Outra sugestão interessante é a realização de mapeamento das reservas de argilas no Estado, priorizando a extração dos minerais cerâmicos das jazidas chamadas ‘de sequeiro’, em vez das advindas das várzeas, a fim de minimizar os impactos ambientais nestas. Quanto ao PSQ, sugere-se a continuidade dos fóruns de discussão locais e nacionais, excelente para a manutenção da mudança de comportamento despertada no setor pelo Programa. São válidos todos os esforços para que não caia em um estado de conformismo ou acomodação que emperre ou atravanque o desenvolvimento do SOC. Para tanto, apoiar e trabalhar as questões operacionais do PSQ nas diversas localidades, apontando as possibilidades locais de crescimento e desenvolvimento, é, certamente, a ferramenta mais produtiva, dada a pulverização do segmento. Como idéia sui generis, destaca-se a proposição feita por SEBRAE (2008): a realização de benchmarking do setor cerâmico em relação à indústria cimenteira, que conta com uma CP muito melhor estruturada, forte lobby de defesa institucional do produto, trabalhando junto às esferas governamentais e órgãos normalizadores, pesados incentivos em pesquisa, junto a institutos públicos e privados. Realizar este benchmarking significa, sobretudo, analisar e adequar às peculiaridades do SOC as ações implementadas pelo setor cimenteiro, adaptação essa indispensável, já que são duas realidades muito distintas. Consciente dos desafios que tem pela frente – superar o déficit habitacional, no saneamento básico e na infraestrutura do País, recuperar o espaço perdido para os produtos substitutos, incentivar a união e a cooperação entre os elos da CP, encontrar soluções para a crise energética, dentre outros –, o SOC pode e deve lançar mão de artifícios para estabelecer parcerias com entidades cerâmicas internacionais, em países de mais tradição que o Brasil, tal como Portugal e Espanha, além de explorar sua capacidade de se auto-organizar, focando-se nas necessidades de pequenas empresas e consórcios com vistas à exportação, que é um caminho excelente para os produtos cerâmicos brasileiros. É preciso despertar os ceramistas para que construam uma estrutura de lobby tal que seja possível reagir às pressões políticas, normativas e de mercado. A edição das novas Normas Técnicas foi um passo muito importante, mas o próximo salto é a mobilização política, econômica e setorial, estabelecendo o diálogo com os agentes Estatais, fazendo valer sua força enquanto setor produtivo da economia. Percebe-se, ainda, a necessidade de ações de marketing no SOC, já que os investimentos nesta área são ainda pontuais e mais comuns para empresas de maior porte. Sabe-se, no entanto, que este é meio excelente para atrair o consumidor, permitindo que ele, 87 conhecendo previamente marcas e produtos, já chegue à revenda sabendo exatamente o que quer; muito mais do que apenas para escolher, para efetivar a compra. O SOC tem necessidade de encarar o futuro com uma visão mais prospectiva, postura que se opõe radicalmente à clássica, mecanicista, de futuro único, que faz previsões para o futuro e cria perspectivas baseado na observação pura e simples do passado e do presente. 7.1. Prognósticos para o SOC brasileiro “Fica-nos a palavra de ordem – competitividade, atrelada aos compromissos ambientais e construtivos de nosso tempo” César Gonçalves Ex-presidente da Anicer. Aumento da defesa do meio ambiente, do direito do consumidor e da legislação de uso e ocupação do solo. Estas devem ser os principais temas das discussões no SOC para os próximos anos. O Brasil já tem dado seus primeiros passos, de forma muito consistente, apesar de ainda incipiente. A modularização é outro rumo da ICC e, conseguintemente, do SOC. As obras começam a ser projetadas já com o conceito de coordenação modular, com medidas millimétricas e minimização do desperdício, construção enxuta etc. É provável, também, que o setor de materiais de construção adquira a faceta de oferecedor de serviços, já podendo ser encontradas revendas que se preocupam em vender produtos ‘casados’ com a instalação. E isto é bem interessante porque coaduna com o pensamento do consumidor, que tem em mente, não um milheiro de tijolos, mas uma parede erguida. Sendo assim, a prestação do serviço de montagem, terceirizada ou não, se abre como um novo nicho a ser explorado, com enorme possibilidade de deslanche. A normalização deve promover frente de resistência à importação e à crescente competição internacional. Em o setor ceramista nacional se padronizando de acordo com as normas brasileiras, poderá seguramente desbravar os mercados internacionais, já que as exigências brasileiras estão muito próximas dos requisitos mínimos das normas estrangeiras. Outra questão a ser combatida é a mão de obra informal, que deve ceder lugar à montagem industrial de componentes, demandando pessoal melhor capacitado. Para a educação profissional, antecipar as demandas e adotar novas estratégias de transferência e 88 compartilhamento de tecnologias, atendendo à demanda atual e preparando-se para a futura, são pontos relevantes, que devem ser bem pensados. Já nas revendas, tendem a assumir papéis de maior impacto na CP o gerenciamento logístico e a montagem de kits habitacionais, com a certificação de sistemas de gestão: da qualidade, ambiental e de higiene e segurança do trabalho. O crescimento das políticas de desenvolvimento urbano e a oferta de financiamentos (públicos ou privados – investidores internacionais, empreendimentos voltados para o turismo, por exemplo), bem como o uso dos recursos do FGTS para habitação e saneamento, e expandir o empenho do governo e a estrutura oficial de apoio ao setor, são pontos-chave nesse sentido. O novo compromisso da indústria é com o meio ambiente, com a qualidade e com o consumidor. As empresas precisam aprender a valorizar o respeito, a segurança, a qualidade de vida, além de repensar seus modelos de gerenciamento, priorizando seus recursos humanos, o que demanda motivação e comprometimento de todos os atores. Para o futuro, devem continuar em evidência as parcerias institucionais internacionais, como a do Acordo Multilateral de Cooperação da Cerâmica Vermelha na América do Sul, sem fins econômicos, desenvolvido pela Anicer e que prevê a aproximação entre entidades e empresários, possibilitando o intercâmbio de experiências e conhecimentos, além da realização de atividades conjuntas. Os grandes anseios do empresariado no SOC são as questões tributárias, a desoneração da produção industrial e a ampliação das linhas de financiamento, além dos problemas em relação às questões ambientais (mineração e crise energética, principalmente) e mercadológicas, peculiares do setor (individualismo, pulverização, informalidade). Para inovar, não é necessário mudar tudo de lugar ou virar de cabeça para baixo, mas fazer diferente. Isto não quer dizer, no entanto, exclusividade ou ineditismo. Com ações de planejamento e um pouco de criatividade e motivação, as inovações podem, de fato, se tornar realidade nas indústrias cerâmicas brasileiras. Na busca pela satisfação e fidelização do consumidor, elevar o padrão técnico dos processos produtivos, alcançar o nível minimamente exigido pelos indicadores mercadológicos da ICC, promover a modernização das indústrias e buscar soluções energéticas viáveis, saltam como imprescindíveis iniciativas para a inovação no SOC. Esta se apresenta em várias linhas de atuação: em processos, produtos e modelos organizacionais (administrativos ou de marketing, por exemplo). Crucial é que a inovação seja algo exequível e que gere lucro ou outro ganho para a empresa, ainda que não-monetário. 89 O desconhecimento acerca da profundidade ou, mesmo, dos custos associados algumas vezes afastam os empresários das inovações. No entanto, elas não necessariamente são físicas; podem ser gerenciais. A mudança de comportamento frente às crises, adotando postura pró-ativa, ao invés de se acovardar e conter produção ou dispensar mão de obra, por exemplo, encarando as adversidades, a concorrência acirrada e os problemas operacionais como oportunidades já é um bom começo. No geral, a indústria cerâmica busca inovações muito mais motivada por dificuldades e momentos de crise do que propriamente por uma cultura bem assentada e disseminada acerca deste aspecto no setor. Nos dias atuais, o fabricante precisa estar atento às inovações e tendências e às exigências de seu cliente, que busca não apenas estética, mas conforto, bem-estar e qualidade de vida. Dessa forma, é necessário vender tecnologia e bons sistemas construtivos, a preços que o cliente se disponha a pagar, em troca do produto com valor agregado que lhe é ofertado. Um bom exemplo disso foi o desenvolvimento dos Blocos Cerâmicos Estruturais Leves, adaptação de tecnologia alemã para blocos de alta porosidade, que permitem execução de paredes até 10% mais leves. Durante o processo de fabricação, a massa é adicionada de resíduos (papel reciclado, cinzas industriais, isopor, serragem, dentre outros) e seu design, com orifícios desalinhados, retarda a passagem do ar, melhorando suas propriedades térmicas. O desenvolvimento de softwares, tais como o Ceramik, desenvolvido pelo Ifet-RJ, usado para calcular e organizar vários pontos da produção e do gerenciamento na indústria cerâmica, é um bom exemplo de inovação. Outra delas é o processo de esmaltação eletrostática dos blocos cerâmicos com tinta de polietileno em pó, técnica usualmente aplicada em telhas, que confere maior durabilidade, baixa agressividade ao meio ambiente e ao trabalhador e aumenta o valor agregado das peças. E as idéias continuam: vigas e colunas cerâmicas com diferentes medidas modulares, tijolos maciços com acabamentos diversificados, painéis cerâmicos esbeltos para revestimento, fachadas cerâmicas ventiladas, placas cerâmicas para montagem de painéis de vedação ou forro, a retificação dos blocos que permite o uso de cola em vez de argamassa entre eles, pavimento cerâmico como alternativa à pedra portuguesa e granito para o calçamento de ruas, dentre outras tantas. Neste último caso, a pesquisa do engenheiro Jamil Duailibi Filho, da área de cerâmicas vermelhas e cerâmicas avançadas do Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT), mostra que as cerâmicas oferecem efeito estético igual ou superior às pedras portuguesas, sendo mais versáteis em relação a formas e variações de cor, o que representa uma inovação para a ICC e o SOC. 90 A utilização de produtos cerâmicos de alto valor estético é uma tendência mundial cada vez mais forte. Investir em pisos, pastilhas e acabamentos com valor agregado e retorno até 40% maior em faturamento, assim como o desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos, que aliem rusticidade, beleza e sofisticação, são excelentes opções para obter lucro e conquistar o consumidor. Alguns segmentos da ICC estão exercitando uma forma diferente de atuação, encarando suas dificuldades a partir de uma visão centrada na idéia de cadeia produtiva e, não, no individualismo vigente até então. Evidentemente, é imprescindível que ocorram mudanças radicais na mentalidade do empresariado, para que, só então, possam eles desfrutar dos ganhos supervenientes. A esperança é, sem dúvida, que estes resultados sejam percebidos na prática, em um futuro verdadeiramente muito próximo. Assim sendo, após a realização de uma análise mais aprofundada de todo o setor, de suas peculiaridades, avanços e entraves, torna-se possível propor novas diretrizes para o desenvolvimento da indústria cerâmica brasileira; tanto no que tange à mão de obra quanto à infraestrutura das unidades de produção, incluindo-se aí as questões concernentes à logística da captação dos insumos e controle dos impactos ambientais provocados, layout dos equipamentos na olaria e ao gerenciamento da distribuição das peças aos pontos de venda (varejo). 7.2. Em resumo “É inegável: a qualidade e os atributos da cerâmica vermelha vêm melhorando dia após dia, mas quem tem as argilas nas mãos sabe que podemos alcançar muito mais”. Luiz Cláudio Fornari Ceramista Com um déficit de quase oito milhões de moradias, sem contabilizar as submoradias, o SOC deve passar por uma fase excepcional de crescimento, já que o cenário do futuro é tão promissor. As metas oficiais são de acabar com o déficit habitacional em quinze anos. Isso sem contar com a demanda nova, de quem ainda vai ter necessidade de adquirir casa própria. Eis aí o que espera o SOC brasileiro para as próximas décadas. Entretanto, há ainda uma série de desafios a ser superados até que seja possível dizer que o setor corresponde à altura do que lhe é solicitado. 91 Um dos grandes desafios do setor oleiro-cerâmico é vencer a dicotomia que o afeta. De um lado, a política do “caminho das águas”, baseada no fazer mais fácil, desprezando as Normas, com concorrência desleal, sonegação e lucro fácil. De outro, o esforço de quem quer fidelizar o consumidor consciente, que opta pela qualidade, responsabilidade social e crescimento sustentável, e exige isso dos produtos que adquire. Daí, pode inferir que o tripé Qualidade-Política Industrial-Política Habitacional sustentará o crescimento consistente do setor cerâmico. Tratando de crescimento sustentável, percebe-se que a lógica do desenvolvimento individual já é tomada como ultrapassada. No entanto, ações concretas rumo ao associativismo dependem de uma conscientização generalizada. Enquanto o SOC não se unir de fato, o crescimento e a perspectiva de um substancial desenvolvimento ficam no campo da abstração, da teoria. Destarte, a união e a inclusão da maioria é que, por certo, farão do SOC brasileiro um dos de destaque na economia mundial. Pela velocidade das mudanças e o ainda alto custo do desenvolvimento tecnológico, a organização regional, em pólos, arranjos produtivos e entidades, não só irá colocar o setor em destaque, mas promover o desenvolvimento da indústria através da cooperação mútua, o compartilhamento de tecnologias e as ações comerciais em parceria. Como vai o SOC se comportar diante de todo este imenso potencial que se apresenta? Com a mesma postura mecanicista do passado? Será que insistirá nos produtos não-conformes, de pouca qualidade, aviltados por atravessadores, perdendo fatias de mercado para itens concorrentes ou substitutos? Passará a produzir número menor de peças, mas com maior valor agregado, estará atento às inovações e investimentos? Terá a necessária coragem de enfrentar a realidade Estas são questões fundamentais, que só os próprios atores envolvidos na CP do SOC brasileiro podem responder. Em sendo estabelecido um consenso de que é preciso recuperar a indústria cerâmica nacional e promover sua expansão, já terá sido dado o pontapé inicial. A adesão ao PBPQ-H, a formalização dos PSQs e a revisão/edição de novas Normas Técnicas e Portarias, fornecendo parâmetros oficiais de produção e comercialização de cerâmicos, o incentivo à certificação e a formalização de convênios de cooperação mútua (internacionais, inclusive), a instalação da rede de laboratórios especializados em cerâmica vermelha, a recente criação do marco regulatório da CFEM, a preocupação com a saúde do trabalhador e a prevenção de acidentes e moléstias ocupacionais, dentre outras ações, já apontam para a maneira por que o setor deve responder aos desafios que este horizonte delineia. 92 O objetivo fundamental é incutir no ceramista a ideia de que pode haver incremento na qualidade e na produtividade sem custos extras e com retorno garantido: um produto com tamanho, espessura, cor e acabamento na medida certa, de qualidade e a preço justo, que equacione de maneira justa os anseios de quem compra e de quem vende. Isto ensejará o tão sonhado fim da desleal disputa de preços, cedendo lugar a um efetivo processo de crescimento do SOC nacional, o objetivo maior de todo bom ceramista, que ama o que faz. 93 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABC – Associação Brasileira de Cerâmica. Informações Técnicas – Definição e Classificação. 2002. Disponível em <www.abceram.com.br>. Acesso em 14 out. 2009. 2. ABC. Cerâmica no Brasil – Introdução. 2002. Disponível em <http://www.abceram. org.br/asp/abc_21.asp>. Acesso em 14 out. 2009. 3. ABC. Informações Técnicas – Processo de fabricação. 2002. Disponível em <www.abceram.com.br/asp/abc_502.asp>. Acesso em 14 out. 2009. 4. ABC. Cerâmica no Brasil – Normas Técnicas. 2002. Disponível em <http://www. abceram. org.br/asp/abc_251.asp>. Acesso em 14 out. 2009. 5. ANAMACO. Tendências Latin Panel – Para onde caminha o consumidor?. Disponível em <http://www.anamaco.com.br/dados_setor.php>. Acesso em 21 out. 2009. 6. ANICER – Associação Nacional da Indústria Cerâmica. 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INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10 1.1 Objetivos .................................................................................................................... 12 1.1.1 Objetivo geral......................................................................................................... 13 1.1.2 Objetivos específicos ............................................................................................. 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .........................................................................................16 2.1. Classificação Geral do Setor Cerâmico ..................................................................... 17 2.2. Tijolos cerâmicos ....................................................................................................... 19 2.3. Processo de confecção do tijolo.................................................................................20 2.3.1 Extração e Preparação da Massa ...................................................................... 21 2.3.2 Conformação do produto cerâmico .................................................................. 22 2.3.3 Secagem e Queima ........................................................................................... 23 2.3.4 Controles de Processo....................................................................................... 28 3. O SETOR OLEIRO-CERÂMICO ...................................................................................29 3.1. Histórico do Setor ...................................................................................................... 29 3.2. Situação Atual............................................................................................................ 31 3.3. Habitação e o SOC brasileiro..................................................................................... 35 3.4. Problemas Enfrentados pelo Setor Ceramista Brasileiro ...........................................37 4. QUALIDADE NA INDÚSTRIA CERÂMICA ............................................................... 44 4.1. Cadeia Produtiva no setor cerâmico .......................................................................... 47 4.2. Arranjos Produtivos Locais ....................................................................................... 51 4.3. Normas Técnicas........................................................................................................ 52 4.4. PBQP-H ..................................................................................................................... 55 4.5. Programas Setoriais de Qualidade (PSQs).................................................................58 5. MEIO AMBIENTE .......................................................................................................... 61 5.1. Combustíveis Tradicionais e Alternativos ................................................................. 62 5.2. Mineração .................................................................................................................. 67 5.3. Impactos Ambientais .................................................................................................71 5.4. Créditos de Carbono .................................................................................................. 75 6. SOC NO ESTADO DO CEARÁ ..................................................................................... 80 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................85 7.1. Prognósticos para o SOC brasileiro ........................................................................... 87 7.2. Em resumo ................................................................................................................. 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 93