MIGRAÇÕES E VIDA NAS RUAS: A MANIFESTAÇÃO DA EXCLUSÃO SOCIAL NO PLANO PILOTO - BRASÍLIA∗ Sílvia Silva Cavalcante Leite♣ Palavras-chave: Exclusão social; perambulação; moradores de rua; Plano Piloto – Brasília. RESUMO A mudança no paradigma de acumulação capitalista e a crise no mundo do trabalho, a partir da década de 80, têm sido associadas ao processo de recrudescimento da pobreza, denominado como exclusão social. A presente pesquisa busca contribuir para a compreensão da manifestação desse fenômeno no Brasil, enquanto geradora de moradores de rua e de implicações específicas sobre os movimentos migratórios. Numa perspectiva mais ampla, busca-se entender processos históricos de consolidação das desigualdades sociais em escala nacional associados aos movimentos populacionais. Em seguida, analisa-se o contexto de surgimento da exclusão social, seguindo o mesmo enfoque analítico. A pesquisa então, se consolida através do estudo sobre a manifestação da exclusão social numa escala local, no Plano Piloto Brasília. ∗ Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em CaxambúMG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006. ♣ Universidade de Brasília. MIGRAÇÕES E VIDA NAS RUAS: A MANIFESTAÇÃO EXCLUSÃO SOCIAL NO PLANO PILOTO - BRASÍLIA∗ DA Sílvia Silva Cavalcante Leite♣ 1 - INTRODUÇÃO1 O modelo econômico e social capitalista produz riquezas em proporções nunca observadas em outro momento da história. Teorias clássicas, a princípio, indicavam que a partir do livre jogo e expansão dos mercados a tendência seria que a acumulação de riquezas levasse a construção da igualdade, como ressaltam BUARQUE (1993) e MARTINS (1993). Todavia, hoje é fato que as riquezas geradas são desigualmente distribuídas, que o processo de acumulação não proporciona desenvolvimento e igualdade social amplos. O Brasil reflete bem tal realidade. Suas contradições sociais e econômicas possuem raízes históricas, não suprimidas pelos modelos de desenvolvimento adotados pelo país. Os frutos do desenvolvimento nacional vêm sendo repartidos de maneira desigual, significando acúmulo de riquezas e acesso aos seus diversos benefícios por um grupo reduzido da população, enquanto a maioria tem que dividir o que sobra e sofrer as conseqüências negativas do próprio “desenvolvimento”. Os resultados disso têm sido a manutenção e recrudescimento da pobreza, fazendo surgir nas últimas décadas o que estudiosos consideram como a “nova exclusão social”. De acordo com BURSZTYN (2000) e NASCIMENTO (2000) o aumento das desigualdades sociais e o surgimento da nova pobreza estão diretamente ligados à “fossilização” da estrutura social, pela perda crescente do movimento ascensional de mobilidade social, ocorridas a partir da década de 80, “a década perdida”. As alternativas de desenvolvimento adotadas pelo Brasil desde então, concentraram-se na abertura da economia, redução das políticas sociais, além de crise no mundo do trabalho. Nesse contexto, populações vulneráveis social e economicamente, encontram maiores obstáculos à inserção minimamente digna no contexto socioeconômico de diferentes estados brasileiros. Embora, as contradições sociais e econômicas sejam inerentes ao processo de reprodução da sociedade capitalista, essas contradições na atualidade têm ocorrido com menor regulação e controle, tendendo ao fortalecimento em escala mundial. No entanto, gerando conseqüências sociais mais danosas em países em desenvolvimento. Desse contexto surge a busca de reflexão sobre tal processo na atualidade e sua expressão em escala local. 1.1 - DEFINIÇÃO DO PROBLEMA 1.1.1- DESIGUALDADES SOCIAIS E AS MIGRAÇÕES As desigualdades sociais e econômicas se estabelecem no espaço em função de um “sistema de decisões” nacionais e internacionais. De acordo com esse sistema, ocorre um processo seletivo dos lugares mais propícios à acumulação de capitais, gerando as ∗ Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em CaxambúMG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006. ♣ Universidade de Brasília. 1 Este trabalho é baseado em Monografia de Graduação, realizada sob orientação da Profª. Dra. Cláudia Andreoli Galvão, Dep. de Geografia – Universidade de Brasília. 1 desigualdades espaciais. Alguns lugares acabam acumulando vantagens e melhores condições econômicas e sociais, enquanto outros são menos favorecidos por esses benefícios. As desigualdades espaciais, de acordo com SANTOS (2004:294) podem ser essencialmente de três ordens: disparidades regionais, desigualdades cidade-campo e diferenciação entre tipos urbanos. Sendo “um dos resultados das situações de desigualdade espacial o desencadeamento de migrações[...]” (SANTOS, 2004:301). Logo, as migrações surgem, diante de um contexto socioeconômico desfavorável, como uma alternativa de busca por melhores condições de vida. 1.1.2- MIGRAÇÕES PARA BRASÍLIA E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS A construção de Brasília foi parte principal do projeto de interiorização do desenvolvimento nacional pela União, responsável pelo seu planejamento, promoção e construção (SILVEIRA, 1999:147). No período inicial de implantação da nova capital, a cidade recebeu grandes fluxos de correntes migratórias, oriundos principalmente do Nordeste, composto por trabalhadores em busca de trabalho na construção civil. Em função da intensa migração para o espaço urbano em construção, houve um rápido e desorganizado crescimento urbano. Os trabalhadores formaram favelas e acampamentos nesse espaço para servir-lhes de abrigo, o que não estava previsto nos planos originais. Buscando solucionar este problema foram criadas as primeiras cidades-satélites, carentes de infra-estrutura e equipamentos urbanos. O fluxo de migrantes continuou intenso. Na década de 80, políticas do governo local criaram novas cidades-satélites com infra-estrutura inferior às observadas nas primeiras cidades. Ao longo dessa política o fluxo para o Distrito Federal se intensificou, mas em função dos altos custos de acesso à moradia na região, parte das correntes migratórias começaram a se instalar em municípios goianos e mineiros vizinhos, dependentes de Brasília2. A construção civil e o setor de serviços formal e informal têm absorvido parte do contingente migratório que se instala no Distrito Federal e no entorno. Ainda assim, a população dos municípios vizinhos, carente de postos de trabalho suficiente e de infraestrutura, exercem forte pressão sobre os recursos urbanos da capital federal. Buscando amenizar essa situação foram criados alguns planos de desenvolvimento regional visando desenvolver a região de entorno do DF. Destaca-se nesse contexto a criação da RIDE (Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno), em 1997, envolvendo o Distrito Federal (DF) e Estados de Goiás e de Minas Gerais. Todavia, nem todos os migrantes que aqui chegam são abarcados pelos efeitos de políticas sociais e de desenvolvimento e têm condições mínimas de se inserirem na sociedade e no mercado formal ou informal de trabalho. Em função do acúmulo de perdas na esfera econômica, social e cultural, parte desses imigrantes são expressão concreta do que é denominado hoje como “nova exclusão social”. “Esses imigrantes vieram para Brasília expulsos pela modernização em suas localidades de origem, atraídos pela modernização que fez a nova capital, mas nela não se integram socialmente[...]” (BUARQUE, 1997:10). Ou seja, chegando a Brasília o processo de reprodução dessa exclusão continua, sendo uma das causas da manutenção de populações de rua na capital do Brasil. Com base nesse contexto busca-se responder às seguintes questões: Considerando a relação entre a exclusão social e a concretização da migração como alternativa de 2 Fator que provoca a migração pendular entre esses municípios e a capital. 2 sobrevivência, quais configurações assumem a mobilidade humana de grupos populacionais vítimas da “nova exclusão social”? Quais as principais áreas de origem dos migrantes em processo de exclusão social que chegam em Brasília? Como os grupos excluídos se inserem no contexto socioeconômico local? 2 - REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 - MIGRAÇÕES O termo migrações corresponde à mobilidade espacial da população. BECKER (1997) destaca que a análise das migrações tem sido realizada através de enfoques variados, sendo o enfoque neoclássico e o neomarxista os principais. O enfoque neoclássico dá ênfase às motivações pessoais como geradores das migrações, ao passo que, o enfoque neomarxista considera os fatores históricos e econômicos.3 SANTOS (2004:306) considera que “o fenômeno das migrações aparece estreitamente ligado ao da organização da economia e do espaço [...]. Essas migrações são uma resposta a situações de desequilíbrios econômicos e espaciais, geralmente em favor de zonas já evoluídas.” BRITO (2000), num estudo sobre as migrações internas brasileiras, a partir da segunda metade do século XX, propõe a identificação de padrões migratórios como instrumento para o entendimento das transformações ocorridas nas migrações internas nos últimos 50 anos. Em seu trabalho é desenvolvido o conceito de padrão migratório associado à própria análise das migrações internas no período mencionado. Segundo o autor (2000:09) um padrão migratório é constituído pela articulação entre as trajetórias migratórias4 e o contexto histórico no qual se inserem as trajetórias, ou seja, que as impulsionam. O padrão migratório, resultante da articulação entre as trajetórias e a dinâmica da economia e da sociedade, tem que ter flexibilidade para se adaptar às novas necessidades desta dinâmica, realinhando as suas trajetórias. Mas, como as trajetórias são caminhos estruturais e têm, portanto, uma dimensão social e cultural, uma certa inércia pode mantê-las, mesmo que as condições objetivas da economia já não precisem tanto da força de trabalho que transita por elas. (BRITO, 2000:18) No caso do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, as trajetórias migratórias têm sido alimentadas pelos fortes desequilíbrios regionais e sociais, servindo como mecanismo de transferência espacial do “excedente demográfico” mas também, ao processo de integração social e cultural do território nacional. No entanto, ressalta BRITO, como o espaço em que se organizam as trajetórias migratórias não é economicamente nem socialmente homogêneo, o mercado de trabalho nacional que se constitui, o espaço territorial que se integra e a nação que se constrói trazem as marcas da diversidade e da desigualdade. Nessa perspectiva, as migrações podem contribuir para a reprodução dos desequilíbrios regionais e das desigualdades sociais. 2.2 - EXCLUSÃO SOCIAL 3 O enfoque analítico adotado nessa pesquisa é o neomarxista. O surgimento das trajetórias migratórias ocorre quando fluxos migratórios assumem regularidade estrutural em função de sua importância para a dinâmica espacial da economia e da sociedade. 4 3 O termo exclusão social, de acordo, com LEAL (2004:02), ganha complexidade teórica na atualidade uma vez que não é uma nova forma de se referir à pobreza, mas sugere mudanças no fenômeno da pobreza urbana e está ligado à discussão sobre a crise do modelo de sociedade centrada no trabalho. Esse termo ganha força no Brasil na década de 1990. No entanto, sua origem é francesa, sendo desenvolvido a partir dos estudos sobre a vulnerabilidade social que se estabeleceu com a crise do Estado do Bem Estar Social naquele país. No Brasil, o tema desigualdade social sempre esteve presente, em função das desigualdades socioeconômicas predominantes no desenvolvimento histórico nacional. Mas, como destaca LEAL (2004:2) entre as décadas de 1950 e 1960, a noção predominante para se referir à pobreza nacional e em outros países latino-americanos, era marginalidade. O uso do termo exclusão social no Brasil leva em consideração as raízes históricas da pobreza e desigualdades sociais, acentuadas pela crise econômica do início da década de 80 e pelas mudanças na lógica de acumulação capitalista e no mercado de trabalho. Naquele período, segundo NASCIMENTO (2000:57): ingressamos na era da fossilização da estrutura social, com perda crescente do movimento ascensional de mobilidade social. Entramos no modelo econômico de aguda dependência global [...], internacionalização de nossas empresas [...], processo acelerado de inovação tecnológica e competitividade empresarial, criando o desemprego estrutural e tecnológico [...]. Aderimos a hegemonia neoliberal, encolhendo o Estado e as políticas sociais. O novo modelo de internacionalização da economia, associado à hegemonia neoliberal, produziu um aumento considerável das desigualdades sociais. BUARQUE (1993) denomina a situação de intensificação das desigualdades e ruptura social em função de critérios socioeconômicos, como Apartação. Esta denominação se baseia no termo apartheid, que referia-se a um sistema legal de separação econômica e social sustentada em critérios raciais na África do Sul. O autor considera que na atualidade está ocorrendo uma apartação em escala mundial, esta baseada na diferenciação de acesso ao consumo, entre ricos e pobres. SCOREL (1998) analisa a pertinência do emprego da categoria exclusão social no Brasil e chega à conclusão que a mesma pode ser adotada como um processo que opera uma interação excludente. Destaca ainda, que a sociedade brasileira é flexível, inclusiva na relação entre grupos diversos, no entanto, “a ‘diferença’ que provoca interações de rejeição e hostilidade é a pobreza” (SCOREL, 1998:61). Logo, a pobreza é um forte fator de discriminação, de identificação de diferença e ruptura de laços sociais, em situações extremas. Em sua pesquisa sobre a condição dos excluídos, moradores de rua, SCOREL considera que a exclusão social, enquanto um processo, envolve trajetórias de vulnerabilidade que levam a rupturas parciais dos vínculos sociais em cinco dimensões da vida social, podendo levar à ruptura total. São elas: - O mundo do trabalho: as trajetórias de vulnerabilidade dos vínculos com essa dimensão social ocorre num contexto de diminuição dos postos de trabalho, precarização, instabilidade ocupacional e dificuldades de inserção da mão-de-obra não-qualificada. A exclusão do mundo do trabalho se caracteriza especialmente pelo fato de que tem aumentado o contingente populacional economicamente desnecessário e supérfluo ao sistema capitalista. - A dimensão sócio-familiar: As transformações da esfera produtiva e financeira vulnerabilizam o âmbito familiar e o vínculo com a comunidade, podendo inviabilizar o suporte e a unidade familiar, conduzindo o indivíduo ao isolamento e à solidão. - A dimensão política: a exposição a situações de vulnerabilidades socioeconômicas geram precariedade no acesso a direitos legais e obstáculos ao exercício da cidadania. Embora os 4 direitos sejam iguais para todos, o acesso a eles é facilitado ou não por fatores inerentes a posição social. Pessoas submetidas a carências extremas estão aprisionadas pela busca de satisfação de necessidades imediatas, sendo isto um “obstáculo à apresentação na cena política como sujeito portador de interesses e direitos legítimos.” - O mundo de subjetivação e construção de identidade: a exposição à exclusão social conduz a trajetórias de desvinculação dos valores simbólicos, ocasionando a experiência de não encontrar nenhum estatuto e nenhum reconhecimento nas representações sociais. Nos processos de exclusão social a escala de ‘estranheza’ atinge o limite de retirar o caráter humano do outro” (ESCOREL, 1998:69). Ou seja, a pobreza é um fator de intensificação das diferenças, a partir da qual as interações sociais são marcadas pela estigmatização, medo, criminalização do pobre ou indiferença, não interpelando responsabilidades individuais ou coletivas. - O mundo da vida: a exclusão social pode atingir o limite da existência humana, em que os grupos que dela são vítimas limitam suas potencialidades a esfera da sobrevivência. Pela ausência de vínculos com o mundo do trabalho esses indivíduos são considerados desnecessários, sendo passíveis de eliminação. Logo, sua sobrevivência é uma preocupação exclusivamente individual. BURSZTYN (2000:43-44) defende que no contexto atual a reprodução do capital deixa de exigir grande quantidade de trabalho humano, fazendo surgir os “desnecessários” ao mundo do trabalho. Dessa forma, esses indivíduos não exercem nem mesmo a função de exército reserva de mão-de-obra para a sociedade capitalista. O autor ressalta que a manifestação da exclusão varia de país a país em função do grau de desenvolvimento econômico e da evolução das políticas sociais. No caso de países como o Brasil, que não conseguiram resolver os problemas antigos de desigualdade sociais e pobreza, se manifesta de forma mais agressiva, empurrando para a miséria populações mais vulneráveis. Segundo o autor, a possibilidade de ascensão na hierarquia social para aqueles indivíduos que se encontram na esfera da exclusão social é mínima. 3. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO A escolha dos temas expostos abaixo é resultante de serem considerados como os fatores mais marcantes às mudanças no âmbito social, econômico e espacial brasileiro no século XX, alimentando sobremaneira os fluxos migratórios e dando-lhes características específicas, além de serem responsáveis pela manutenção das desigualdades sociais no país. 3.1 - A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA5 A penetração do capitalismo no campo ficou conhecida pelo nome de modernização conservadora, como destaca FARIA (1998:149). Esse processo consistiu no aumento de insumos, por unidade de área cultivada, e emprego maciço de inovações técnicas na produção, cujo objetivo imediato era o aumento da produtividade agrícola para favorecer a acumulação de capital. Tal processo foi considerado conservador porque embora tenha significado desenvolvimento econômico para o país, não acarretou redução das desigualdades sociais e manteve intocada a grande propriedade. No Brasil a modernização da agricultura se intensificou em meados da década de 60, como opção de desenvolvimento econômico, sob a égide do Estado autoritário. Os investimentos no meio rural tinham como objetivo tornar a produção agrícola fonte de riquezas para financiar o setor urbano e o desenvolvimento industrial. Como a estrutura 5 O tema abordado se insere no contexto histórico do sub-item 3.2. 5 produtiva vigente era pouco eficiente para atender a esse novo contexto, os grandes produtores ou grupos capitalizados foram os mais beneficiados pelas políticas de apoio ao desenvolvimento agrícola, por serem mais aptos a satisfazerem as exigências do governo e por constituírem-se historicamente a base do poder político e econômico brasileiro. Os primeiros efeitos desse processo [...] foi a destruição da unidade familiar e a transformação da relação do produtor familiar com a terra. A modernização, por um lado, separou o camponês de sua terra, ‘fazendo dele um proletário’; por outro lado, ‘lança o germe da dissolução da família camponesa primitiva’, ao deslocar parte de seus membros para o setor urbano (FARIA, 1998:149). O emprego de novas tecnologias no processo produtivo provocou a redução da necessidade de mão-de-obra e conseqüentemente, a redução dos salários. Como os interesses do grande capital tinham o aval do Estado, o processo de apropriação do espaço ocorreu por diversos meios, legais e ilegais, provocando a expulsão de pequenos proprietários e posseiros. Logo, a pobreza no campo se espalhou atingindo as famílias menos capitalizadas – que alimentaram correntes migratórias para as cidades ou para as fronteiras agrícolas -, enquanto os benefícios da modernização atendiam de forma restrita a sociedade, como ressalta BECKER & EGLER (1993:199), ao afirmarem que “a modernização conservadora é em si limitada, privilegiando grupos sociais, setores de atividades e lugares selecionados.” Naquele momento as condições desfavoráveis no campo, paralelas, a atração exercida pelos grandes centros urbanos provocaram intenso êxodo rural. O processo migratório resultou não só na ampliação da margem de pobreza, mas na emergência de novas frações sociais que compõem o universo da sociedade capitalista. Simultaneamente, intensificaram-se a rotatividade do emprego e a ‘polivalência’, isto é, o exercício de múltiplas tarefas ou múltiplos empregos por um mesmo indivíduo (BECKER & EGLER, 1993:178). A urbanização se desenvolveu com ritmo acelerado, fortemente determinada pelo intenso fluxo migratório do campo para as cidades, como também, pelo reforço da espacialização ou territorialização do controle e acumulação de capital, que se intensificaram com o projeto autoritário do Brasil-Potência. Contribuíram para a manutenção da pobreza nas cidades e principalmente entre grupos sociais mais vulneráveis (caracterizados por precárias condições de vida, baixa qualificação profissional ou nenhuma, ausência de vínculos familiares nas cidades de destino etc) a exploração sofrida no mercado de trabalho; o acesso inadequado e desigual aos serviços públicos e; os custos altos de manutenção da vida nas cidades (aluguel, transporte, saúde, alimentação etc). Em suma, a modernização conservadora configurou–se pela dinamização da economia brasileira, favorecendo a complexificação e diversificação do parque industrial brasileiro e a mecanização do campo. Concomitantemente, resultou na exclusão de significativa parcela da população dos benefícios do crescimento econômico e no crescimento acelerado das cidades. 3.2 – URBANIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA O processo de urbanização e industrialização nacional começou a se consolidar e a se aprofundar a partir de 1930, quando os interesses urbano-industriais conquistaram a hegemonia na política econômica, como ressalta MARICATO (2003:175). No entanto, diferentemente do ocorrido em outros países, a industrialização nacional não foi desencadeada com base em rupturas com a ordem social anterior, cuja maior expressão seria 6 a reforma agrária. No Brasil houve a acomodação de interesses, beneficiando a manutenção das estruturas interessantes à elite nacional. O modelo de desenvolvimento urbano-industrial baseado na substituição de importações dependia da formação de um mercado consumidor e de mão-de-obra abundante, logo os fluxos migratórios campo-cidade eram funcionais ao processo de desenvolvimento em curso. Disseminaram-se pelo território as idéias de valorização do meio urbano e de incentivo ao consumo, significando a generalização de novas necessidades. “As condições do ambiente construído, acumuladas ao longo do tempo, localizavamse pontualmente em determinados lugares, principalmente na faixa litorânea”(FERREIRA, 2003:106). Dessa forma, as indústrias e a infra-estrutura necessária a sua acomodação foram implantadas e/ou melhoradas nessas localidades, por ser mais viável e favorável ao desempenho econômico, o que provocou a acentuação das desigualdades regionais. De acordo com FERREIRA (1985:46), a região Sudeste passou a ser dinamizadora do sistema econômico, ocorrendo a partir dela a articulação do espaço nacional. Logo, o crescimento urbano começou a se acelerar com características de concentração industrial no Sudeste, com ênfase em São Paulo e Rio de Janeiro. Por serem os estados mais industrializados, dinâmicos economicamente e com melhor infra-estrutura urbana, da mesma forma que os investimentos econômicos, os movimentos populacionais - a maior parte oriundos do Nordeste e de Minas Gerais - se dirigiam para lá, caracterizando-se como sendo as trajetórias migratórias dominantes6, entre 1940 e 1960, segundo BRITO. “As políticas públicas de transporte e telecomunicações provocaram um enorme progresso na integração produtiva, bem como na articulação social e cultural das diferentes regiões, com fortes repercussões sobre as migrações internas” (BRITO, 2000:11), ao facilitar a circulação dos migrantes em direção às áreas mais dinâmicas. Entre 1960 e 1980 observou-se o melhor desempenho econômico do Brasil até então, com variação do PIB de aproximadamente 7,5% ao ano7. Foi o período em que, principalmente a partir de 1970, a evolução da urbanização brasileira se intensificou ligada à modernização de base científico-tecnológica informacional, atingindo o campo e a cidade, como ressalta FERREIRA (2003:109). O emprego das novas tecnologias no campo proporcionou a modernização agrícola e o desenvolvimento de atividades em padrões industriais. Houve forte expansão das indústrias de bens duráveis e de capital e transformações no processo produtivo que favoreceram o aumento da produtividade. A política de modernização agrícola e a manutenção da estrutura fundiária provocou o forte êxodo rural. Logo, ocorreu um crescimento muito intenso da população urbana e a abertura de novos espaços urbanos, nem sempre acompanhados pela implantação de infraestrutura. As demandas sociais e econômicas pela população em expansão aumentaram, porém não tiveram respostas eficazes por parte do Estado. Diante das condições desfavoráveis à reprodução da população pobre, uma das estratégias de sobrevivência adotada, foi a queda na fecundidade, observada de forma intensa a partir de meado de 1960 e a crescente mobilidade do trabalho (BECKER, 1993). “As áreas desvalorizadas e deficitárias em infra-estrutura tornaram-se local de moradia dos pobres. Criando as desigualdades internas no espaço das cidades. As soluções para as 6 BRITO (pp. 7-8) destaca que caracterizando as trajetórias migratórias do período de 1940 a 1960, além dos movimentos populacionais rumo a São Paulo e Rio de Janeiro, o Paraná e a região Centro Oeste se mostraram com forte grau de concentração dos destinos de migrantes em função da expansão da fronteira agrícola nesses lugares. 7 CAMPOS et. al. (2004:35). 7 demandas insatisfeitas e o atendimento das camadas pobres vieram com a informalidade da habitação, do comércio e especialmente dos serviços.” (FERREIRA, 2003:108) Ocorreu ainda, nesse período o fenômeno da formação de várias metrópoles, em função do dinamismo econômico de algumas cidades, fazendo com que seus processos urbanos abrangessem municípios vizinhos. A situação de dinamismo era atrativa aos grupos populacionais pobres, que buscavam uma oportunidade de trabalho. No entanto, se viram excluídos da inserção na parte central de tais cidades, passando então por um processo seletivo e excludente, que resultou na fixação desses em áreas menos dinâmicas da região metropolitana - fenômeno denominado como periferização e segregação sócio-espacial.8 Como o crescimento econômico não foi acompanhado pelo desenvolvimento social amplo, desencadeou-se o surgimento de movimentos sociais no campo e na cidade em busca de reformas estruturais. Diante do cenário de crise social e econômica a resposta política foi a Ditadura Militar, que BUARQUE (1993) considera como sendo a base política para a construção da sociedade da apartação no Brasil. A ditadura provocou a “paz social” no campo e na cidade e retração salarial, condição exigida pela burguesia nacional e internacional para a retomada dos investimentos no país. Nesse período, houve farta captação de poupança externa, favorecida pela liquidez e baixa taxa de juros internacionais que favoreceram o crescimento econômico, como ressalta MIRAGAYA (2003), e que resultou no final da década de 1970 em crise da dívida externa nacional, pelo aumento das taxas de juros. BRITO (2000) ressalta que entre 1960 e 1980 o contexto social e econômico reforçou as trajetórias migratórias dominantes entre os dois grandes reservatórios de força de trabalho e os estados de maior crescimento industrial. São Paulo recebeu o maior volume de imigrantes de sua história e começaram a reduzir os fluxos para o Rio de Janeiro, em função da construção da “nova capital”, Brasília. O Paraná que antes era foco de atração começou a expulsar população em função de mudanças na economia e na produção agrícola regional. Houve também o aumento dos movimentos populacionais rumo ao Centro-Oeste e à região Norte, que emergiram como novas áreas de expansão agrícola, estimuladas pelas políticas de ocupação e colonização do Governo Federal. Nesse período houve crescimento do parque industrial nacional, expansão do emprego industrial, melhorias nos indicadores de renda, instrução e alfabetização. Verificou-se o fenômeno da mobilidade social, principalmente entre trabalhadores migrantes provenientes de regiões geográficas menos desenvolvidas e para segmentos sociais que conseguiram elevar a escolaridade. Em contrapartida, ampliaram-se as desigualdades socioeconômicas e o Brasil terminou a década com elevada dívida externa, resultante da alta das taxas de juros no momento de crise internacional. A respeito da mobilidade social CAMPOS et. al. (2004:37) afirmam que: o capitalismo brasileiro apresentou um grande charme, explicitado pelo fenômeno da mobilidade social. Esta, por sua vez, funcionou como uma espécie de anestesia, capaz de ocultar o violento processo de crescimento na desigualdade de renda e a incapacidade de banir a velha exclusão social. Ou seja, apesar de relativa mobilidade de renda em função de melhorias sociais, considerando-se situação anterior no tempo, o acesso que a população teve aos resultados do progresso econômico foram muito aquém aos ganhos obtidos pela classe média e pela elite. Isso acarretou na manutenção das desigualdades de renda, de acesso a terra e à cidadania e na concentração da pobreza nas áreas urbanas, em especial nas metrópoles e grandes cidades. 8 A esse respeito ver LAGO (2000). 8 Os anos 80, denominados de a década perdida, assinalam o esgotamento do modelo de substituição de importações, o fim da ditadura militar e o início do processo de abertura da economia, sob o paradigma neoliberal. Com a crise do fordismo, contraiu-se o investimento externo por partes dos países centrais nos países em desenvolvimento, como se verificava desde a década 1930, no Brasil (MELO, 1995:250). Os choques sofridos pelo Brasil no final da década de 70 e início da década de 80 resultaram em estagnação da economia brasileira, conseqüência da crise internacional e das decisões equivocadas dos dirigentes nacionais. Ocorreram a crise do petróleo, a elevação das taxas de juros do dólar americano e a conseqüente crise da dívida externa na América Latina, recessão mundial entre 1980 e 1982 e colapso do mercado financeiro internacional. Essa conjuntura de crises internacionais era reflexo do esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista adotado desde o pós-guerra, o “fordismo-keynesianismo”. A solução para a crise mundial foi direcionada com base no renascimento da ideologia liberal, com novas nuances, sendo denominada de neoliberalismo. Em síntese, a premissa era de que o Estado deveria abandonar as intervenções, que tendiam a limitar o “livre jogo do mercado”, a fim de que fossem estimulados os investimentos nos novos setores abertos pela revolução tecnológica em andamento. “A interferência do Estado, segundo os teóricos neoliberais, retardava a realocação de capitais até então investidos em setores econômicos estagnados” (MAGNOLI, 1996:154). As últimas décadas têm sido caracterizadas por crises conjunturais e conseqüente mudança de paradigma de acumulação capitalista significando para o Brasil em alternâncias de períodos de crescimento e estagnação econômica. Visando a estabilização e o crescimento econômico têm sido tomadas medidas de ajustes estruturais, que tem significado redução de investimentos em políticas sociais, avanço da flexibilização e precarização do trabalho, desemprego associados à redução dos custos do trabalho e ao emprego de novas tecnologias, aumento da informalização etc. O Consenso de Washington9 que orienta a política econômica dos países que “almejam a superação da crise, estabilidade e desenvolvimento econômico” retrata bem a linha de desenvolvimento capitalista atual, com ênfase na globalização e no neoliberalismo, que se materializa com o processo de expansão da financeirização das economias. Dentre as recomendações do Consenso estão: abertura comercial e financeira do país, privatizações, desregulamentação do mercado de trabalho, aumento das taxas de juros, reforma tributária, administrativa e da previdência social e, diminuição dos gastos sociais, conforme destaca GUIMARÃES (2003: 86). Com o processo de reestruturação da economia alguns setores da indústria nacional sucumbiram ou foram absorvidos pelas transnacionais. Por outro lado, outros se modernizaram, tornando-se mais competitivos internacionalmente. Ocorreram também, benefícios para os consumidores, principalmente para aqueles de maior poder aquisitivo, ao terem disponível uma gama maior de bens e serviços com melhores preços e qualidade. Porém, o acesso a esses benefícios de consumo não atinge toda população. Os efeitos negativos são amplos e se destacam principalmente no âmbito social, como o enfraquecimento do fenômeno da mobilidade social, o aumento das desigualdades sociais e conseqüente recrudescimento da pobreza. Vários são os autores que estudam e defendem a reprodução de uma “nova pobreza” no berço da sociedade capitalista a partir das últimas décadas, fruto do processo de reestruturação econômica em curso. Segundo CAMPOS et. al.(2004:49): 9 documento elaborado em Washington pelos representantes diretos do mercado financeiro internacional Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial,sob a égide do EUA. 9 O desemprego e a precarização das formas de inserção do cidadão no mercado de trabalho são as fontes ´modernas’ de geração de exclusão, tendo como subproduto a explosão da violência urbana e a vulnerabilidade juvenil, acentuadas pela maior flexibilidade ocupacional e dos níveis de renda. A respeito dos movimentos migratórios, de acordo com os dados do Censo de 1991 e 2000, expressos por BAENINGER (2003), o Sudeste apresenta ligeira diminuição em seu saldo migratório, embora continue sendo o maior pólo da migração nacional.10 Verifica-se também um aumento dos movimentos emigratórios da região, com destino principalmente para o Nordeste (migração de retorno), que se verifica desde o início dos anos de 1980.11 A autora considera que as migrações de retorno para o Nordeste, devem-se a ampliação e diversificação da estrutura econômica nordestina e ao crescente desemprego no Sudeste, região onde a crise dos anos 80 foi mais intensa. Embora tenha sido verificado o aumento de entrada de migrantes no Nordeste e uma relativa retenção populacional, a região continua com potencial emigratório significativo.12 Minas Gerais, um dos grandes reservatórios de força de trabalho, continuou a tendência de redução de emigração, observada desde 1970, sendo os movimentos imigratórios bastante alimentados pela migração de retorno, cujas causas, de um modo geral, têm sido semelhantes às do Nordeste. Observa-se a partir de 1980, tendência a deslocamentos intra-regionais, migrações de curta distância e de retorno e, um menor crescimento das metrópoles em relação às cidades de porte médio (PATARRA, 2003) e (BAENINGER, 2003). Na região Sul e Centro-Oeste as dinâmicas intra-regionais traduzem-se em trocas entre os estados do Paraná e Rio Grande do Sul com Santa Catarina, e entre Goiânia e Distrito Federal, respectivamente (BAENINGER, 2003:281). As mudanças no mercado de trabalho e os obstáculos à mobilidade social tem provocado um esvaziamento do conteúdo social e cultural das trajetórias migratórias dominantes. BRITO (2000) defende que a permanência dos fluxos, embora em menor proporção, nessas trajetórias, são mais resultado da inércia social e péssimas condições que ainda persistem em parte dos grandes reservatórios de força de trabalho, do que frutos da possibilidade de mobilidade social nos lugares de destino. O autor defende que: a articulação entre o contexto histórico e as trajetórias migratórias foram alterados. Este novo contexto, que emerge com profunda “crise de transição”, pela qual o Brasil tem passado, contém a principal marca da mudança em direção a um outro padrão migratório, que ainda não se constituiu de forma nítida (...).Deste modo, elas [as trajetórias migratórias] são hoje muito mais o resultado da inércia social e por elas trafegam, na sua maioria, os migrantes dispostos a superar os obstáculos da seletividade, não para melhorar a sua posição social, mas para conseguir, com altos riscos, apenas a sua sobrevivência (2000:43). 3.3 - EXCLUSÃO SOCIOECONÔMICA NO ESPAÇO URBANO Conforme já mencionado, as crises e transformações estruturais que o Brasil vem sofrendo desde a década de 80 acarretaram o surgimento da “nova pobreza” ou exclusão social que associado aos antigos fenômenos de consolidação de “velha exclusão social”, vem afetando sobremaneira as classes mais vulneráveis na hierarquia social. Significativas 10 Entre 1986-1991 o saldo migratório foi de 640 mil e entre 1995-2000, foi de 595 mil. Da região emigraram aproximadamente 785 mil pessoas (1986-1991), aumentando para 950 mil pessoas (1995-2000). 12 O aumento da saída de população da região foi de 1,354 milhão de pessoas entre 1986-1991, para 1,457 milhão entre 1995-2000. 11 10 parcelas desses grupos acabam encontrando como único espaço de moradia e/ou meio de sobrevivência as ruas. De acordo com VIEIRA (1992:10): “É voz corrente que esta população está aumentando nas ruas de São Paulo e de outros grandes centros do país. (...) associando-a a um fenômeno, o internacional – aumento crescente dos ´homeless’ nos grandes centros urbanos no primeiro mundo -, fruto do processo econômico recessivo, onde imigrantes pobres e desempregados passam a usar a rua como alternativa de moradia.” Ainda segundo a autora, estar na cidade como população de rua significa, de um lado, estar excluído da habitação, do emprego regular, dos direitos e serviços, mas por outro lado, é estar integrado ao mundo social a partir de uma inserção peculiar, a de utilização das sobras do excedente social no que se refere ao consumo, ao trabalho, aos espaços públicos. A partir disso, é possível perceber como o espaço da rua se constitui como um meio de sobrevivência aos excluídos sociais, sendo a relação desses grupos com o espaço, estabelecida não através do regime de propriedade, mas sim de ocupação. No entanto, com bases em estudos anteriores, é possível perceber que a situação de rua, como estratégia de sobrevivência, se liga a outra estratégia de sobrevivência para os excluídos - a migração - que assume características peculiares nesse contexto. A trajetória de deslocamento, de cidade em cidade, em busca de melhoria de vida ou apenas condições mínimas de sobrevivência é denominada como perambulação: fruto da evolução do capitalismo, em sua fase atual, que torna parte da população desnecessária economicamente. BUARQUE (1997:110) denomina esses grupos de modernômades, por serem nômades criados pela modernidade. Em função da desnecessidade ao mundo do trabalho e da extrema pobreza, esses indivíduos “trafegam pelo país, a pé, de carona, de carroça, sem um destino determinado e definitivo. São levados pelo acaso, por notícias de alguma oportunidade, em algum lugar” (BURSZTYN, 2000:48). Devido à precariedade das relações com as localidades onde aportam, não ficam num mesmo lugar por um longo período de tempo, logo, “não criando raízes em qualquer destino” (BURSZTYN, 2000: 47). É desenvolvido um controle social e territorial que busca preservar o território aos investimentos produtivos, à população habitante, sedentária e trabalhadora. As prefeituras das pequenas e médias cidades adotam posturas de “expulsar” ou convencer o migrante pobre a partir. No contexto urbano a impossibilidade de sobrevivência mesmo nas periferias se torna ao migrante, o incentivo a contínua busca de um lugar. E a instalação na rua em função de ser um espaço público, o único abrigo e meio de sobrevivência. 4 - ASPECTOS METODOLÓGICOS Para a realização da pesquisa foram estabelecidas duas etapas: a primeira consolidouse a partir de pesquisas bibliográficas necessárias ao aprofundamento do conhecimento a respeito das raízes das desigualdades sociais e do surgimento da “nova exclusão social” no Brasil. A segunda etapa consistiu em pesquisa sistemática, concretizada a partir da aplicação de questionário para a população de rua. Esta etapa serviu para responder às questões centrais sobre a manifestação da exclusão social no Plano Piloto. Foram considerados como população de rua as pessoas que sobrevivem da rua e a utilizam de forma permanente ou circunstancial como moradia. A aplicação dos questionários ocorreu em alguns pontos do centro de Brasília – o Plano Piloto: em terrenos baldios próximos à Esplanada dos Ministérios, na Rodoviária do Plano Piloto, no Setor de Indústrias 11 Gráficas e na Rodoferroviária. Foram entrevistadas pessoas a partir de 15 anos de idade. No total foram respondidos 25 questionários13. Vale ressaltar que nem todas as pessoas que moram nas ruas estão nessa situação por desvinculação com o mundo do trabalho. Existem vários outros fatores que podem levar a essa situação como, problemas com drogas, alcoolismo, doenças mentais, problemas familiares etc. No entanto, a pesquisa busca caracterizar e entender o processo que gera moradores de rua em função de fatores socioeconômicos, com ênfase na desvinculação com o mundo do trabalho. A situação de rua como resultante de um processo de exclusão socioeconômica é um fenômeno complexo, por isto, a pesquisa não consegue abranger e decifrar toda essa complexidade. Mas, ainda assim é relevante por possibilitar uma aproximação e melhor entendimento sobre um fenômeno social que está ocorrendo na atualidade e que é preocupante pela gravidade de suas conseqüências e razões de ocorrência. 5 - ANÁLISE DOS RESULTADOS (QUESTIONÁRIO) Tabela 1 Sexo Feminino 30% Masculino 70% Tabela 2 Cor Negro 45% Pardo 30% Branco 25% A maioria dos entrevistados são homens (70%) e de cor negra (45%) - seguida pela cor parda (30%) e a branca (25%). A partir desse quadro é possível inferir que a população negra - que acumulou perdas históricas em função da escravidão e apesar do seu fim, perdas pela continuidade da discriminação racial - tem menos oportunidades socioeconômicas e culturais e nessas condições, são mais vulneráveis aos processos que levam a exclusão social. Tabela 3 Idade De 15 a 25 anos 21% De 26 a 35 anos 26% De 36 a 45 anos 21% De 46 a 55 anos 16% Acima de 56 anos 16% 2º grau incompleto -- 2º grau completo -- Tabela 4 Escolaridade Sem escolaridade 32% 1º grau incompleto 68% 1º grau completo -- A maior parte da população de rua analisada tem até 45 anos. Pode-se inferir disso que, embora estejam em idade satisfatória ao exercício do trabalho e conseqüentemente, de potencial utilidade ao mundo do trabalho, os mesmos sofrem as conseqüências da desnecessidade ou elo frágil com o mesmo, em função da vulnerabilidade social em que se encontram. Ao tornarem-se moradores de rua, uma das possíveis conseqüências, à medida que o tempo passa, é de ocorrer a ruptura com o mundo da subjetivação e identidade (SCOREL,1998). Nesse processo esses grupos passam a ser vistos negativamente pela 13 Limitações financeiras e de tempo inviabilizaram o estudo com base numa amostra maior. 12 sociedade fazendo com que a mesma busque o distanciamento, como forma de proteção. Logo, o indivíduo em processo de exclusão, à medida que se afasta do processo produtivo, encontra maiores obstáculos sociais, simbólicos e financeiros, que dificultam a sua reinserção na sociedade. A escolaridade entre a população de rua pesquisada é muito baixa. Dos entrevistados, nenhum conseguiu concluir o 1º Grau. É possível perceber, com o auxílio da primeira etapa da pesquisa, que o fenômeno da pobreza, desigualdade de renda e exclusão não é resultado da falta de escolaridade ou outro elemento mais imediato. Mas principalmente dos caminhos de desenvolvimento que foram sendo traçados no país e, em certa medida, dos caminhos que foram sendo impostos em função de interesses externos ao país. O que significou concentração de benefícios sociais e econômicos nas mãos de alguns em detrimento da maioria, e em espaços selecionados do território. Logo, reduzindo as chances para muitos de ter acesso à educação, à formação profissional, à renda etc. Observa-se que, com as mudanças nas relações tradicionais de trabalho no campo para relações modernas condizentes com as necessidades da sociedade urbano-industrial, a busca por uma renda, por uma remuneração do trabalho tornou-se imprescindível. Esses fatores tornaram-se elementos propulsores à busca de meios de satisfação de necessidades imediatas, obrigando as pessoas a entrarem no mercado de trabalho mais cedo. Logo, é preciso dar prioridade ao trabalho em relação à educação – apesar de ser cada vez mais valorizada pela sociedade. A partir desse processo surgem as dificuldades de acesso à educação, e a falta de educação torna-se um fator de manutenção da situação de pobreza, gerando um círculo vicioso. Tabela 5 Local de nascimento Local de nascimento (Estado) Bahia Pernambuco Paraíba Alagoas Ceará Minas Gerais Goiás % 37 5 11 11 5 26 5 É possível confirmar a partir dos dados de nascimento a tendência de fluxos de saída do Nordeste para outras localidades, confirmando que essa região continua sendo a principal reserva de força de trabalho para outras regiões, embora com destino principalmente para o Sudeste. Da população de rua entrevistada, 69% nasceu no Nordeste, sendo a maioria baiana, configurando a forte atração que Brasília exerce sobre algumas cidades da Bahia. A segunda região de nascimento foi o Sudeste, cujos entrevistados eram todos de Minas Gerais, o que indica a sua importância ainda, como fonte de reserva de mão-de-obra. A região CentroOeste assume uma importância muito reduzida na origem de nascimento. Pode-se inferir que as regiões do Brasil onde se concentra a pobreza são as principais fontes de grupos populacionais em processo de exclusão social, que na atualidade migram para outras localidades em busca de recursos mínimos de sobrevivência. A região Nordeste sempre foi um lugar de concentração de pobreza no país. Embora, na atualidade ofereça à sua população melhores oportunidades e condições sociais e econômicas, as mesmas são desigualmente distribuídas, e parte da riqueza produzida na região é enviada para outras regiões do país e do mundo. 13 Tabela 6 Tempo de moradia no DF14 Menos de 6 meses 32% De 2 a 3 anos 13% De 4 a 5 anos 5% Mais de 5 anos 50% Tabela 7 Realização de outras migrações, anteriores à moradia atual no DF Sim 53% Não 47% Tabela 7.1 Cruzamento das informações das tabelas 6 e 7 (primeira classe – resposta “Sim”)15 Tempo de moradia no DF (após última procedência) Menos de 6 meses De 2 a 3 anos De 4 a 5 anos Mais de 5 anos Mais de uma migração realizada 30% 10% 50% Tabela 8 Última área de procedência Rural. 32% Urbana 68% Tabela 9 Motivo das últimas migrações Emprego. 68% Saúde -- Moradia 11% Educação -- Objetivo não defin. 16% Do grupo amostral 32% (Tabela 6) são migrantes recentes (até 6 meses de chegada), 13% dos migrantes podem ser considerados intermediários (2 a 3 anos), enquanto as duas últimas classes, que representam no total, a maioria da amostra (55%) já estão em Brasília há um tempo relativamente longo (mais de 4 anos). Logo, o tempo de moradia em Brasília não significa necessariamente melhoria nas condições de vida e ascensão social, podendo ao contrário significar rebaixamento na hierarquia social se não houver engajamento no mercado de trabalho, por um período muito longo, o que acaba acarretando em dificuldade de acesso à moradia regular. Outras migrações, anteriores à moradia atual em Brasília, foram feitas por 53% dos entrevistados (Tabela 7), sendo que a última procedência da maioria dessas pessoas foi a área urbana (Tabela 8). Das pessoas que migraram mais de uma vez, 30% estão no DF há menos de 6 meses e 10% estão no DF há entre 2 e 3 anos (Tabela 7.1). Tais informações podem ser associadas ao fenômeno migratório da perambulação, que significa a busca por alternativas de sobrevivência através da migração, que no entanto, leva ao freqüente deslocamento espacial em função da não obtenção de condições de sobrevivência satisfatórias a fixação espacial por muito tempo em um mesmo lugar. A desvinculação com o mundo do trabalho impulsiona outras desvinculações e como BURSZTYN ressaltou pode levar ao movimento descendente na hierarquia social, havendo condições remotas de retorno ao mundo dos incluídos. 14 Considera os não nascidos no DF. A tabela 7.1 considera a relação entre as pessoas que realizaram outras migrações, anteriores a estadia atual no DF (tabela 7) e o tempo de moradia no DF após a última procedência (tabela 6). 15 14 Pode-se considerar a perambulação como causa e conseqüência de uma exclusão geográfica também, uma vez que a condição de excluído não lhe permite fixar-se, devido a demandas próprias, como também devido à pressão da sociedade e do governo que incomodados com a presença dos excluídos buscam tomar medidas para que saiam do lugar que estão ocupando. A busca por emprego (Tabela 9) – considerado como qualquer atividade formal ou informal com alguma remuneração - foi o principal fator desses movimentos, logo, de não fixação espacial. Os obstáculos que se constituem a partir da não inserção no mercado de trabalho em determinado lugar, acabam não permitindo a obtenção regular de recursos necessários à sobrevivência. Logo, a perambulação se reinicia com o objetivo de se obter um meio de obtenção de renda para a sobrevivência. Tabela 10 Situação de moradia na última área de procedência Alugada 11% Residência própria 42% Residência emprestada 11% Sem morada fixa 36% Tabela 11 Motivo de vinda para Brasília Emprego. 74% Saúde -- Moradia 16% Educação -- Objetivo não definido 10% Observa-se que as condições de instalação e moradia na última procedência (Tabela 10) para 36% dos entrevistados foram instáveis e provavelmente precárias, caracterizada pelo uso da rua como alternativa de moradia e sobrevivência. É importante destacar o fato de que 42% moravam em residência própria, o que não é possível desvendar com segurança, com base nas informações colhidas. A moradia alugada e em residência emprestada foram 11% cada uma. Tais formas de moradia caracterizam-se por certa instabilidade de tempo de permanência porque dependem de fatores como, recursos financeiros e empatia por parte do dono do imóvel. O motivo de vinda para Brasília, entre os entrevistados, (Tabela 11) também foi a busca por emprego (74%), tendo um peso muito alto como motivação de deslocamento, o que é difícil de se obter, como já foi enfatizado, devido aos obstáculos de acesso ao mercado de trabalho pelos excluídos. A busca por moradia ficou em segundo plano (16%). O restante dos entrevistados (10%) não tinha um objetivo claramente definido quando decidiram migrar para Brasília. Tabela 12 Lugar de moradia atual Em pequena invasão em Brasília ou proximidades 47% Nas ruas de Brasília Em cidade satélite ou no entorno 21% 32% Tabela 13 Tipo de moradia Tipo de moradia casa de madeira/madeirite casa de alvenaria de material plástico Sob marquise de edificações urbanas, praças ou lugar não-fixo 15 % 16 16 21 47 Tabela 14 Atividade de obtenção de renda atual: Tipo de Atividade catador de papel / materiais recicláveis “flanelinha” vendedor ambulante esmola Outros % 47 21 11 5 16 Em Brasília os excluídos entrevistados moram (Tabela 12) principalmente em localidades as mais próximas possíveis do centro de Brasília, o Plano Piloto - correspondendo a 79% do total de entrevistados. Isso se deve a maior possibilidade, nesse espaço, de sobreviver do que sobra de suas atividades econômicas e recursos sociais. A proximidade de moradia com as áreas mais dinâmicas também se deve a dificuldade de deslocamento e aumento dos custos caso tivessem que se deslocar constantemente da periferia para o centro e vice-versa. Há também os que moram em cidades satélites ou no entorno do DF que realizam migrações pendulares periódicas entre seus lugares de moradia e o centro, onde encontram fontes de obtenção de renda. A maioria dos entrevistados que moram nas ruas do Plano Piloto ou em suas proximidades (Tabela 13) vivem em abrigos feitos de material plástico em pequenas invasões e sob marquises, praças (ou outros lugares não-fixos), correspondendo respectivamente a 21% e 47% dos entrevistados. A maior parte dos entrevistados (Tabela 14) vive da cata e seleção do lixo (47% do total) para venda nas empresas locais de reciclagem, sendo Brasília um espaço favorável a essa atividade devido à concentração de órgãos públicos e de serviços, que geram muito lixo do tipo papel. No entanto, o mesmo é caracterizado como muito degradante à saúde, devido ao contato com todo tipo de lixo e devido ao esforço físico exigido, uma vez que o catadores precisam deslocar-se por grandes distância a procura de material, sendo necessário grande esforço físico para carregar o material até os locais de seleção e depois até os locais de venda. Outro espaço favorável a obtenção de renda é o trabalho de “flanelinha”(21 % do total) devido a enorme frota de veículos na cidade, que cresce mais a cada dia, gerando problemas de demanda por estacionamento. Logo, os “flanelinhas” trabalham nos estacionamentos como vigias, manobristas e “guardadores de vaga”. A outra atividade é a de vendedor ambulante (11%) e há os que vivem de esmola (5%). Outras formas de obtenção de renda não identificadas corresponderam a 16% dos entrevistados. Tabela 15 Meios de alimentação diária Compra 73% Doação 11% Outros meios 16% Tabela 16 Recebimento de ajuda material ou de outro tipo em Brasília Sim 37% Não 63% 16 Tabela 16.1 Origem da Ajuda Origem da ajuda Pessoas desconhecidas Pessoas conhecidas Igrejas Governo Entidades filantrópicas % 43 57 - Tabela 17 Já foi vítima de algum tipo de violência ou repressão? Sim 32% Não 68% Tabela 17.1 Responsáveis pela ação de repressão ou violência Governo (polícia, fiscais etc) 33% Pessoas desconhecidas 67% As últimas questões tiveram como objetivo identificar a interação da população de rua entrevistada com a sociedade, no sentido de obtenção de algum tipo de assistência ou não por parte dos excluídos. Quanto à alimentação (Tabela 15), a maioria disse comprar seu alimento (73%) através da realização de alguma das atividades remuneradas mencionadas anteriormente. O recebimento de alimentos por meio de doação foi mencionado por 11% dos entrevistados, enquanto 16% obtém sua alimentação por meios não identificados. Nunca receberam nenhuma forma de assistência (Tabela 16) 63% dos entrevistados, enquanto o restante (37%) disse já ter recebido algum tipo de assistência, sendo a mesma oriunda de (Tabela 16.1) de igrejas (57%) e de pessoas desconhecidas (43%). O governo não aparece como fonte de assistência, independente do tipo, aos excluídos entrevistados. Quanto à violência (Tabela 17) 32% disse já ter sofrido algum tipo de violência, enquanto 68% disse nunca ter sofrido violência. Entre os que sofreram violência 33% sofreram por parte de representante do governo, enquanto 67% por pessoas desconhecidas. Na questão relativa à repressão percebe-se a menção à participação do governo, representado por seus agentes. De acordo com relatos, representantes do governo como fiscais e policiais agem para desmanchar invasões e retirar os moradores de ruas de locais considerados não apropriados à sua permanência. De acordo com a análise do questionário, é possível verificar que a maiorias das pessoas entrevistadas estão num processo de empobrecimento e exclusão social que remete aos seus locais de origem, associado às sucessivas migrações em busca de emprego. Verificase ainda, que a inserção espacial e ocupacional em Brasília é caracterizada pela precariedade e instabilidade. Embora, alguns moradores de rua consigam se inserir em algumas atividades ocupacionais, percebe-se que a relação entre o morador de rua e o usuário de seus serviços é muito frágil, uma vez que para esses não há uma necessidade extrema dos serviços prestados pelos moradores de rua. Como o lado mais fraco da relação é o morador de rua, o mesmo acaba não tendo nessas atividades ocupacionais oportunidades de ascensão social, sendo essa situação um reforço ao processo de exclusão social reproduzida no Plano Piloto e em várias cidades brasileiras. 17 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A dinâmica das forças capitalistas tem se manifestado cada vez mais desumanas. O acúmulo de capital vem permitindo a maior reprodução do lucro e a maior concentração das riquezas. É possível verificar que esse movimento quase natural “por que (re)naturalizado” – através do neliberalismo - tem conseqüências negativas no âmbito social. Observa-se que em países como o Brasil, cujo desenvolvimento se estabeleceu, baseado na preservação dos privilégios da classe dominante, as desigualdades sociais e econômicas se consolidaram. A territorialização do capitalismo, a partir da década de 30, se estabeleceu de forma seletiva no espaço – através da formação da sociedade urbano-industrial - e a expansão das relações capitalistas no campo fez com que as populações tradicionais perdessem seu espaço de vida e reprodução. Logo, os movimentos migratórios surgiram como meio de busca de uma alternativa de sobrevivência e de melhorias nas condições de vida pela população brasileira. Todo esse processo proporcionou novas configurações espaciais, nova dinâmica social, novos modos de vida e mobilidade social. Todavia, um dos resultados mais expressivo desse período foi a consolidação das desigualdades sociais e o aumento da pobreza nos centros urbanos. O período seguinte iniciado na década de 80, tornou-se a marca das intensas transformações na sociedade capitalista, geradas pelo esgotamento do modelo de desenvolvimento capitalista adotado desde o pós-guerra, o “fordismo-keynesianismo”, além da crise no mercado do trabalho. Uma das conseqüências foi o surgimento da “nova exclusão social”. Tal contexto tem empurrado para a exclusão social e vida nas ruas populações pobres e vítimas do desemprego por longo período de tempo. Essas pessoas por não aceitarem passivamente sua situação, buscam na migração – perambulação - alternativas de sobrevivência e trabalho. A partir do estudo da situação de moradores de rua de Brasília foi possível identificar a ocorrência desse processo na capital federal. Com base nos dados obtidos foi possível perceber que as dificuldades de inserção socioeconômica na esfera local, os motivos de expulsão e de atração para Brasília e o motivos das constantes perambulações estão associadas à não inserção no mundo do trabalho que são conseqüências das desigualdades de acesso aos bens sociais e econômicos. Esse fenômeno estudado diretamente no Plano Piloto, permite conhecer melhor essa realidade, que se desenvolve em várias cidades do país, apesar de guardar especificidades inerentes ao contexto em que se inserem. Embora a solução de tal problema não seja fácil diante das prioridades econômicas e sociais definidas com base no novo paradigma capitalista, o Estado deve agir de forma reguladora sobre esse sistema, uma vez que a intensificação da pobreza gera conseqüências negativas à própria nação. Como no caso da exclusão social a situação dos excluídos caracteriza-se pelas carências extremas, devem ser tomadas medidas emergenciais, aliadas a políticas de inserção das populações pobres e que resultem no não avanço da exclusão social, além das indispensáveis reformas estruturais. É necessário que os estados e municípios atuem de forma integrada buscando solucionar o problema, ao invés de passá-lo sempre para frente, não assumindo responsabilidades diante da necessidade de solução. Embora, tal problema se expresse em escala local, se multiplicando nas diversas cidades do país, ele é resultado de problemas estruturais, para os quais medidas estruturais devem ser pensadas e colocadas em ação. 18 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAENINGER, Rosana. Redistribuição espacial da população e urbanização: mudanças e tendências recentes. In: GONÇALVES, Maria Flora, BRANDÃO, Carlos Antônio & GALVÃO, Antônio Carlos Filgueira. (orgs.). Regiões e cidades, cidades nas regiões: o desafio urbano-regional. São Paulo: Unesp / Anpur, 2003. p. 271-288. BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G.O legado da modernização conservadora e a modernização do território. In: BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G. Brasil: Uma nova potência regional na economia-mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1993. p. 1669-213. BECKER, Olga Maria Schild. Mobilidade espacial da população: conceitos, tipologia, contextos. In: CASTRO, Iná, CORRÊA, Roberto Lobato & GOMES, César Costa. (orgs). 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