MIGRAÇÕES E VIDA NAS RUAS: A MANIFESTAÇÃO DA
EXCLUSÃO SOCIAL NO PLANO PILOTO - BRASÍLIA∗
Sílvia Silva Cavalcante Leite♣
Palavras-chave: Exclusão social; perambulação; moradores de rua; Plano Piloto – Brasília.
RESUMO
A mudança no paradigma de acumulação capitalista e a crise no mundo do trabalho, a partir
da década de 80, têm sido associadas ao processo de recrudescimento da pobreza,
denominado como exclusão social. A presente pesquisa busca contribuir para a compreensão
da manifestação desse fenômeno no Brasil, enquanto geradora de moradores de rua e de
implicações específicas sobre os movimentos migratórios. Numa perspectiva mais ampla,
busca-se entender processos históricos de consolidação das desigualdades sociais em escala
nacional associados aos movimentos populacionais. Em seguida, analisa-se o contexto de
surgimento da exclusão social, seguindo o mesmo enfoque analítico. A pesquisa então, se
consolida através do estudo sobre a manifestação da exclusão social numa escala local, no
Plano
Piloto
Brasília.
∗
Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em CaxambúMG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006.
♣
Universidade de Brasília.
MIGRAÇÕES E VIDA NAS RUAS: A MANIFESTAÇÃO
EXCLUSÃO SOCIAL NO PLANO PILOTO - BRASÍLIA∗
DA
Sílvia Silva Cavalcante Leite♣
1 - INTRODUÇÃO1
O modelo econômico e social capitalista produz riquezas em proporções nunca
observadas em outro momento da história. Teorias clássicas, a princípio, indicavam que a
partir do livre jogo e expansão dos mercados a tendência seria que a acumulação de riquezas
levasse a construção da igualdade, como ressaltam BUARQUE (1993) e MARTINS (1993).
Todavia, hoje é fato que as riquezas geradas são desigualmente distribuídas, que o processo
de acumulação não proporciona desenvolvimento e igualdade social amplos.
O Brasil reflete bem tal realidade. Suas contradições sociais e econômicas possuem
raízes históricas, não suprimidas pelos modelos de desenvolvimento adotados pelo país. Os
frutos do desenvolvimento nacional vêm sendo repartidos de maneira desigual, significando
acúmulo de riquezas e acesso aos seus diversos benefícios por um grupo reduzido da
população, enquanto a maioria tem que dividir o que sobra e sofrer as conseqüências
negativas do próprio “desenvolvimento”. Os resultados disso têm sido a manutenção e
recrudescimento da pobreza, fazendo surgir nas últimas décadas o que estudiosos consideram
como a “nova exclusão social”.
De acordo com BURSZTYN (2000) e NASCIMENTO (2000) o aumento das
desigualdades sociais e o surgimento da nova pobreza estão diretamente ligados à
“fossilização” da estrutura social, pela perda crescente do movimento ascensional de
mobilidade social, ocorridas a partir da década de 80, “a década perdida”. As alternativas de
desenvolvimento adotadas pelo Brasil desde então, concentraram-se na abertura da economia,
redução das políticas sociais, além de crise no mundo do trabalho. Nesse contexto,
populações vulneráveis social e economicamente, encontram maiores obstáculos à inserção
minimamente digna no contexto socioeconômico de diferentes estados brasileiros.
Embora, as contradições sociais e econômicas sejam inerentes ao processo de
reprodução da sociedade capitalista, essas contradições na atualidade têm ocorrido com
menor regulação e controle, tendendo ao fortalecimento em escala mundial. No entanto,
gerando conseqüências sociais mais danosas em países em desenvolvimento. Desse contexto
surge a busca de reflexão sobre tal processo na atualidade e sua expressão em escala local.
1.1 - DEFINIÇÃO DO PROBLEMA
1.1.1- DESIGUALDADES SOCIAIS E AS MIGRAÇÕES
As desigualdades sociais e econômicas se estabelecem no espaço em função de um
“sistema de decisões” nacionais e internacionais. De acordo com esse sistema, ocorre um
processo seletivo dos lugares mais propícios à acumulação de capitais, gerando as
∗
Trabalho apresentado no XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em CaxambúMG – Brasil, de 18 a 22 de Setembro de 2006.
♣
Universidade de Brasília.
1
Este trabalho é baseado em Monografia de Graduação, realizada sob orientação da Profª. Dra. Cláudia
Andreoli Galvão, Dep. de Geografia – Universidade de Brasília.
1
desigualdades espaciais. Alguns lugares acabam acumulando vantagens e melhores condições
econômicas e sociais, enquanto outros são menos favorecidos por esses benefícios.
As desigualdades espaciais, de acordo com SANTOS (2004:294) podem ser
essencialmente de três ordens: disparidades regionais, desigualdades cidade-campo e
diferenciação entre tipos urbanos. Sendo “um dos resultados das situações de desigualdade
espacial o desencadeamento de migrações[...]” (SANTOS, 2004:301). Logo, as migrações
surgem, diante de um contexto socioeconômico desfavorável, como uma alternativa de busca
por melhores condições de vida.
1.1.2- MIGRAÇÕES PARA BRASÍLIA E REPRODUÇÃO DAS DESIGUALDADES
SOCIAIS
A construção de Brasília foi parte principal do projeto de interiorização do
desenvolvimento nacional pela União, responsável pelo seu planejamento, promoção e
construção (SILVEIRA, 1999:147). No período inicial de implantação da nova capital, a
cidade recebeu grandes fluxos de correntes migratórias, oriundos principalmente do Nordeste,
composto por trabalhadores em busca de trabalho na construção civil. Em função da intensa
migração para o espaço urbano em construção, houve um rápido e desorganizado crescimento
urbano.
Os trabalhadores formaram favelas e acampamentos nesse espaço para servir-lhes de
abrigo, o que não estava previsto nos planos originais. Buscando solucionar este problema
foram criadas as primeiras cidades-satélites, carentes de infra-estrutura e equipamentos
urbanos. O fluxo de migrantes continuou intenso. Na década de 80, políticas do governo local
criaram novas cidades-satélites com infra-estrutura inferior às observadas nas primeiras
cidades. Ao longo dessa política o fluxo para o Distrito Federal se intensificou, mas em
função dos altos custos de acesso à moradia na região, parte das correntes migratórias
começaram a se instalar em municípios goianos e mineiros vizinhos, dependentes de
Brasília2.
A construção civil e o setor de serviços formal e informal têm absorvido parte do
contingente migratório que se instala no Distrito Federal e no entorno. Ainda assim, a
população dos municípios vizinhos, carente de postos de trabalho suficiente e de infraestrutura, exercem forte pressão sobre os recursos urbanos da capital federal. Buscando
amenizar essa situação foram criados alguns planos de desenvolvimento regional visando
desenvolver a região de entorno do DF. Destaca-se nesse contexto a criação da RIDE (Região
Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno), em 1997, envolvendo o
Distrito Federal (DF) e Estados de Goiás e de Minas Gerais.
Todavia, nem todos os migrantes que aqui chegam são abarcados pelos efeitos de
políticas sociais e de desenvolvimento e têm condições mínimas de se inserirem na sociedade
e no mercado formal ou informal de trabalho. Em função do acúmulo de perdas na esfera
econômica, social e cultural, parte desses imigrantes são expressão concreta do que é
denominado hoje como “nova exclusão social”.
“Esses imigrantes vieram para Brasília expulsos pela modernização em suas
localidades de origem, atraídos pela modernização que fez a nova capital, mas nela não se
integram socialmente[...]” (BUARQUE, 1997:10). Ou seja, chegando a Brasília o processo de
reprodução dessa exclusão continua, sendo uma das causas da manutenção de populações de
rua na capital do Brasil.
Com base nesse contexto busca-se responder às seguintes questões: Considerando a
relação entre a exclusão social e a concretização da migração como alternativa de
2
Fator que provoca a migração pendular entre esses municípios e a capital.
2
sobrevivência, quais configurações assumem a mobilidade humana de grupos populacionais
vítimas da “nova exclusão social”? Quais as principais áreas de origem dos migrantes em
processo de exclusão social que chegam em Brasília? Como os grupos excluídos se inserem
no contexto socioeconômico local?
2 - REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 - MIGRAÇÕES
O termo migrações corresponde à mobilidade espacial da população. BECKER (1997)
destaca que a análise das migrações tem sido realizada através de enfoques variados, sendo o
enfoque neoclássico e o neomarxista os principais. O enfoque neoclássico dá ênfase às
motivações pessoais como geradores das migrações, ao passo que, o enfoque neomarxista
considera os fatores históricos e econômicos.3
SANTOS (2004:306) considera que “o fenômeno das migrações aparece estreitamente
ligado ao da organização da economia e do espaço [...]. Essas migrações são uma resposta a
situações de desequilíbrios econômicos e espaciais, geralmente em favor de zonas já
evoluídas.”
BRITO (2000), num estudo sobre as migrações internas brasileiras, a partir da
segunda metade do século XX, propõe a identificação de padrões migratórios como
instrumento para o entendimento das transformações ocorridas nas migrações internas nos
últimos 50 anos. Em seu trabalho é desenvolvido o conceito de padrão migratório associado à
própria análise das migrações internas no período mencionado. Segundo o autor (2000:09)
um padrão migratório é constituído pela articulação entre as trajetórias migratórias4 e o
contexto histórico no qual se inserem as trajetórias, ou seja, que as impulsionam.
O padrão migratório, resultante da articulação entre as trajetórias e a dinâmica da
economia e da sociedade, tem que ter flexibilidade para se adaptar às novas necessidades
desta dinâmica, realinhando as suas trajetórias. Mas, como as trajetórias são caminhos
estruturais e têm, portanto, uma dimensão social e cultural, uma certa inércia pode
mantê-las, mesmo que as condições objetivas da economia já não precisem tanto da força
de trabalho que transita por elas. (BRITO, 2000:18)
No caso do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, as trajetórias migratórias têm
sido alimentadas pelos fortes desequilíbrios regionais e sociais, servindo como mecanismo de
transferência espacial do “excedente demográfico” mas também, ao processo de integração
social e cultural do território nacional.
No entanto, ressalta BRITO, como o espaço em que se organizam as trajetórias
migratórias não é economicamente nem socialmente homogêneo, o mercado de trabalho
nacional que se constitui, o espaço territorial que se integra e a nação que se constrói trazem
as marcas da diversidade e da desigualdade. Nessa perspectiva, as migrações podem
contribuir para a reprodução dos desequilíbrios regionais e das desigualdades sociais.
2.2 - EXCLUSÃO SOCIAL
3
O enfoque analítico adotado nessa pesquisa é o neomarxista.
O surgimento das trajetórias migratórias ocorre quando fluxos migratórios assumem regularidade estrutural em
função de sua importância para a dinâmica espacial da economia e da sociedade.
4
3
O termo exclusão social, de acordo, com LEAL (2004:02), ganha complexidade
teórica na atualidade uma vez que não é uma nova forma de se referir à pobreza, mas sugere
mudanças no fenômeno da pobreza urbana e está ligado à discussão sobre a crise do modelo
de sociedade centrada no trabalho.
Esse termo ganha força no Brasil na década de 1990. No entanto, sua origem é
francesa, sendo desenvolvido a partir dos estudos sobre a vulnerabilidade social que se
estabeleceu com a crise do Estado do Bem Estar Social naquele país. No Brasil, o tema
desigualdade social sempre esteve presente, em função das desigualdades socioeconômicas
predominantes no desenvolvimento histórico nacional. Mas, como destaca LEAL (2004:2)
entre as décadas de 1950 e 1960, a noção predominante para se referir à pobreza nacional e
em outros países latino-americanos, era marginalidade.
O uso do termo exclusão social no Brasil leva em consideração as raízes históricas da
pobreza e desigualdades sociais, acentuadas pela crise econômica do início da década de 80 e
pelas mudanças na lógica de acumulação capitalista e no mercado de trabalho. Naquele
período, segundo NASCIMENTO (2000:57):
ingressamos na era da fossilização da estrutura social, com perda crescente do
movimento ascensional de mobilidade social. Entramos no modelo econômico de aguda
dependência global [...], internacionalização de nossas empresas [...], processo acelerado
de inovação tecnológica e competitividade empresarial, criando o desemprego estrutural
e tecnológico [...]. Aderimos a hegemonia neoliberal, encolhendo o Estado e as políticas
sociais. O novo modelo de internacionalização da economia, associado à hegemonia
neoliberal, produziu um aumento considerável das desigualdades sociais.
BUARQUE (1993) denomina a situação de intensificação das desigualdades e ruptura
social em função de critérios socioeconômicos, como Apartação. Esta denominação se
baseia no termo apartheid, que referia-se a um sistema legal de separação econômica e social
sustentada em critérios raciais na África do Sul. O autor considera que na atualidade está
ocorrendo uma apartação em escala mundial, esta baseada na diferenciação de acesso ao
consumo, entre ricos e pobres.
SCOREL (1998) analisa a pertinência do emprego da categoria exclusão social no
Brasil e chega à conclusão que a mesma pode ser adotada como um processo que opera uma
interação excludente. Destaca ainda, que a sociedade brasileira é flexível, inclusiva na relação
entre grupos diversos, no entanto, “a ‘diferença’ que provoca interações de rejeição e
hostilidade é a pobreza” (SCOREL, 1998:61). Logo, a pobreza é um forte fator de
discriminação, de identificação de diferença e ruptura de laços sociais, em situações
extremas.
Em sua pesquisa sobre a condição dos excluídos, moradores de rua, SCOREL
considera que a exclusão social, enquanto um processo, envolve trajetórias de vulnerabilidade
que levam a rupturas parciais dos vínculos sociais em cinco dimensões da vida social,
podendo levar à ruptura total. São elas:
- O mundo do trabalho: as trajetórias de vulnerabilidade dos vínculos com essa dimensão
social ocorre num contexto de diminuição dos postos de trabalho, precarização, instabilidade
ocupacional e dificuldades de inserção da mão-de-obra não-qualificada. A exclusão do
mundo do trabalho se caracteriza especialmente pelo fato de que tem aumentado o
contingente populacional economicamente desnecessário e supérfluo ao sistema capitalista.
- A dimensão sócio-familiar: As transformações da esfera produtiva e financeira
vulnerabilizam o âmbito familiar e o vínculo com a comunidade, podendo inviabilizar o
suporte e a unidade familiar, conduzindo o indivíduo ao isolamento e à solidão.
- A dimensão política: a exposição a situações de vulnerabilidades socioeconômicas geram
precariedade no acesso a direitos legais e obstáculos ao exercício da cidadania. Embora os
4
direitos sejam iguais para todos, o acesso a eles é facilitado ou não por fatores inerentes a
posição social. Pessoas submetidas a carências extremas estão aprisionadas pela busca de
satisfação de necessidades imediatas, sendo isto um “obstáculo à apresentação na cena
política como sujeito portador de interesses e direitos legítimos.”
- O mundo de subjetivação e construção de identidade: a exposição à exclusão social
conduz a trajetórias de desvinculação dos valores simbólicos, ocasionando a experiência de
não encontrar nenhum estatuto e nenhum reconhecimento nas representações sociais. Nos
processos de exclusão social a escala de ‘estranheza’ atinge o limite de retirar o caráter
humano do outro” (ESCOREL, 1998:69). Ou seja, a pobreza é um fator de intensificação das
diferenças, a partir da qual as interações sociais são marcadas pela estigmatização, medo,
criminalização do pobre ou indiferença, não interpelando responsabilidades individuais ou
coletivas.
- O mundo da vida: a exclusão social pode atingir o limite da existência humana, em que os
grupos que dela são vítimas limitam suas potencialidades a esfera da sobrevivência. Pela
ausência de vínculos com o mundo do trabalho esses indivíduos são considerados
desnecessários, sendo passíveis de eliminação. Logo, sua sobrevivência é uma preocupação
exclusivamente individual.
BURSZTYN (2000:43-44) defende que no contexto atual a reprodução do capital
deixa de exigir grande quantidade de trabalho humano, fazendo surgir os “desnecessários” ao
mundo do trabalho. Dessa forma, esses indivíduos não exercem nem mesmo a função de
exército reserva de mão-de-obra para a sociedade capitalista.
O autor ressalta que a manifestação da exclusão varia de país a país em função do
grau de desenvolvimento econômico e da evolução das políticas sociais. No caso de países
como o Brasil, que não conseguiram resolver os problemas antigos de desigualdade sociais e
pobreza, se manifesta de forma mais agressiva, empurrando para a miséria populações mais
vulneráveis. Segundo o autor, a possibilidade de ascensão na hierarquia social para aqueles
indivíduos que se encontram na esfera da exclusão social é mínima.
3. CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
A escolha dos temas expostos abaixo é resultante de serem considerados como os
fatores mais marcantes às mudanças no âmbito social, econômico e espacial brasileiro no
século XX, alimentando sobremaneira os fluxos migratórios e dando-lhes características
específicas, além de serem responsáveis pela manutenção das desigualdades sociais no país.
3.1 - A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA5
A penetração do capitalismo no campo ficou conhecida pelo nome de modernização
conservadora, como destaca FARIA (1998:149). Esse processo consistiu no aumento de
insumos, por unidade de área cultivada, e emprego maciço de inovações técnicas na
produção, cujo objetivo imediato era o aumento da produtividade agrícola para favorecer a
acumulação de capital. Tal processo foi considerado conservador porque embora tenha
significado desenvolvimento econômico para o país, não acarretou redução das desigualdades
sociais e manteve intocada a grande propriedade.
No Brasil a modernização da agricultura se intensificou em meados da década de 60,
como opção de desenvolvimento econômico, sob a égide do Estado autoritário. Os
investimentos no meio rural tinham como objetivo tornar a produção agrícola fonte de
riquezas para financiar o setor urbano e o desenvolvimento industrial. Como a estrutura
5
O tema abordado se insere no contexto histórico do sub-item 3.2.
5
produtiva vigente era pouco eficiente para atender a esse novo contexto, os grandes
produtores ou grupos capitalizados foram os mais beneficiados pelas políticas de apoio ao
desenvolvimento agrícola, por serem mais aptos a satisfazerem as exigências do governo e
por constituírem-se historicamente a base do poder político e econômico brasileiro.
Os primeiros efeitos desse processo [...] foi a destruição da unidade familiar e a
transformação da relação do produtor familiar com a terra. A modernização, por um lado,
separou o camponês de sua terra, ‘fazendo dele um proletário’; por outro lado, ‘lança o
germe da dissolução da família camponesa primitiva’, ao deslocar parte de seus membros
para o setor urbano (FARIA, 1998:149).
O emprego de novas tecnologias no processo produtivo provocou a redução da
necessidade de mão-de-obra e conseqüentemente, a redução dos salários. Como os interesses
do grande capital tinham o aval do Estado, o processo de apropriação do espaço ocorreu por
diversos meios, legais e ilegais, provocando a expulsão de pequenos proprietários e posseiros.
Logo, a pobreza no campo se espalhou atingindo as famílias menos capitalizadas – que
alimentaram correntes migratórias para as cidades ou para as fronteiras agrícolas -, enquanto
os benefícios da modernização atendiam de forma restrita a sociedade, como ressalta
BECKER & EGLER (1993:199), ao afirmarem que “a modernização conservadora é em si
limitada, privilegiando grupos sociais, setores de atividades e lugares selecionados.”
Naquele momento as condições desfavoráveis no campo, paralelas, a atração exercida
pelos grandes centros urbanos provocaram intenso êxodo rural.
O processo migratório resultou não só na ampliação da margem de pobreza, mas na
emergência de novas frações sociais que compõem o universo da sociedade capitalista.
Simultaneamente, intensificaram-se a rotatividade do emprego e a ‘polivalência’, isto é,
o exercício de múltiplas tarefas ou múltiplos empregos por um mesmo indivíduo
(BECKER & EGLER, 1993:178).
A urbanização se desenvolveu com ritmo acelerado, fortemente determinada pelo
intenso fluxo migratório do campo para as cidades, como também, pelo reforço da
espacialização ou territorialização do controle e acumulação de capital, que se intensificaram
com o projeto autoritário do Brasil-Potência.
Contribuíram para a manutenção da pobreza nas cidades e principalmente entre
grupos sociais mais vulneráveis (caracterizados por precárias condições de vida, baixa
qualificação profissional ou nenhuma, ausência de vínculos familiares nas cidades de destino
etc) a exploração sofrida no mercado de trabalho; o acesso inadequado e desigual aos
serviços públicos e; os custos altos de manutenção da vida nas cidades (aluguel, transporte,
saúde, alimentação etc).
Em suma, a modernização conservadora configurou–se pela dinamização da economia
brasileira, favorecendo a complexificação e diversificação do parque industrial brasileiro e a
mecanização do campo. Concomitantemente, resultou na exclusão de significativa parcela da
população dos benefícios do crescimento econômico e no crescimento acelerado das cidades.
3.2 – URBANIZAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO BRASILEIRA
O processo de urbanização e industrialização nacional começou a se consolidar e a se
aprofundar a partir de 1930, quando os interesses urbano-industriais conquistaram a
hegemonia na política econômica, como ressalta MARICATO (2003:175). No entanto,
diferentemente do ocorrido em outros países, a industrialização nacional não foi
desencadeada com base em rupturas com a ordem social anterior, cuja maior expressão seria
6
a reforma agrária. No Brasil houve a acomodação de interesses, beneficiando a manutenção
das estruturas interessantes à elite nacional.
O modelo de desenvolvimento urbano-industrial baseado na substituição de
importações dependia da formação de um mercado consumidor e de mão-de-obra abundante,
logo os fluxos migratórios campo-cidade eram funcionais ao processo de desenvolvimento
em curso. Disseminaram-se pelo território as idéias de valorização do meio urbano e de
incentivo ao consumo, significando a generalização de novas necessidades.
“As condições do ambiente construído, acumuladas ao longo do tempo, localizavamse pontualmente em determinados lugares, principalmente na faixa litorânea”(FERREIRA,
2003:106). Dessa forma, as indústrias e a infra-estrutura necessária a sua acomodação foram
implantadas e/ou melhoradas nessas localidades, por ser mais viável e favorável ao
desempenho econômico, o que provocou a acentuação das desigualdades regionais. De
acordo com FERREIRA (1985:46), a região Sudeste passou a ser dinamizadora do sistema
econômico, ocorrendo a partir dela a articulação do espaço nacional.
Logo, o crescimento urbano começou a se acelerar com características de
concentração industrial no Sudeste, com ênfase em São Paulo e Rio de Janeiro. Por serem os
estados mais industrializados, dinâmicos economicamente e com melhor infra-estrutura
urbana, da mesma forma que os investimentos econômicos, os movimentos populacionais - a
maior parte oriundos do Nordeste e de Minas Gerais - se dirigiam para lá, caracterizando-se
como sendo as trajetórias migratórias dominantes6, entre 1940 e 1960, segundo BRITO.
“As políticas públicas de transporte e telecomunicações provocaram um enorme
progresso na integração produtiva, bem como na articulação social e cultural das diferentes
regiões, com fortes repercussões sobre as migrações internas” (BRITO, 2000:11), ao facilitar
a circulação dos migrantes em direção às áreas mais dinâmicas.
Entre 1960 e 1980 observou-se o melhor desempenho econômico do Brasil até então,
com
variação
do
PIB
de
aproximadamente
7,5% ao ano7. Foi o período em que, principalmente a partir de 1970, a evolução da
urbanização brasileira se intensificou ligada à modernização de base científico-tecnológica
informacional, atingindo o campo e a cidade, como ressalta FERREIRA (2003:109). O
emprego das novas tecnologias no campo proporcionou a modernização agrícola e o
desenvolvimento de atividades em padrões industriais. Houve forte expansão das indústrias
de bens duráveis e de capital e transformações no processo produtivo que favoreceram o
aumento da produtividade.
A política de modernização agrícola e a manutenção da estrutura fundiária provocou o
forte êxodo rural. Logo, ocorreu um crescimento muito intenso da população urbana e a
abertura de novos espaços urbanos, nem sempre acompanhados pela implantação de infraestrutura. As demandas sociais e econômicas pela população em expansão aumentaram,
porém não tiveram respostas eficazes por parte do Estado. Diante das condições
desfavoráveis à reprodução da população pobre, uma das estratégias de sobrevivência
adotada, foi a queda na fecundidade, observada de forma intensa a partir de meado de 1960 e
a crescente mobilidade do trabalho (BECKER, 1993).
“As áreas desvalorizadas e deficitárias em infra-estrutura tornaram-se local de moradia
dos pobres. Criando as desigualdades internas no espaço das cidades. As soluções para as
6
BRITO (pp. 7-8) destaca que caracterizando as trajetórias migratórias do período de 1940 a 1960, além dos
movimentos populacionais rumo a São Paulo e Rio de Janeiro, o Paraná e a região Centro Oeste se mostraram
com forte grau de concentração dos destinos de migrantes em função da expansão da fronteira agrícola nesses
lugares.
7
CAMPOS et. al. (2004:35).
7
demandas insatisfeitas e o atendimento das camadas pobres vieram com a informalidade
da habitação, do comércio e especialmente dos serviços.” (FERREIRA, 2003:108)
Ocorreu ainda, nesse período o fenômeno da formação de várias metrópoles, em
função do dinamismo econômico de algumas cidades, fazendo com que seus processos
urbanos abrangessem municípios vizinhos. A situação de dinamismo era atrativa aos grupos
populacionais pobres, que buscavam uma oportunidade de trabalho. No entanto, se viram
excluídos da inserção na parte central de tais cidades, passando então por um processo
seletivo e excludente, que resultou na fixação desses em áreas menos dinâmicas da região
metropolitana - fenômeno denominado como periferização e segregação sócio-espacial.8
Como o crescimento econômico não foi acompanhado pelo desenvolvimento social
amplo, desencadeou-se o surgimento de movimentos sociais no campo e na cidade em busca
de reformas estruturais. Diante do cenário de crise social e econômica a resposta política foi a
Ditadura Militar, que BUARQUE (1993) considera como sendo a base política para a
construção da sociedade da apartação no Brasil. A ditadura provocou a “paz social” no
campo e na cidade e retração salarial, condição exigida pela burguesia nacional e
internacional para a retomada dos investimentos no país. Nesse período, houve farta captação
de poupança externa, favorecida pela liquidez e baixa taxa de juros internacionais que
favoreceram o crescimento econômico, como ressalta MIRAGAYA (2003), e que resultou no
final da década de 1970 em crise da dívida externa nacional, pelo aumento das taxas de juros.
BRITO (2000) ressalta que entre 1960 e 1980 o contexto social e econômico reforçou
as trajetórias migratórias dominantes entre os dois grandes reservatórios de força de trabalho
e os estados de maior crescimento industrial. São Paulo recebeu o maior volume de
imigrantes de sua história e começaram a reduzir os fluxos para o Rio de Janeiro, em função
da construção da “nova capital”, Brasília. O Paraná que antes era foco de atração começou a
expulsar população em função de mudanças na economia e na produção agrícola regional.
Houve também o aumento dos movimentos populacionais rumo ao Centro-Oeste e à região
Norte, que emergiram como novas áreas de expansão agrícola, estimuladas pelas políticas de
ocupação e colonização do Governo Federal.
Nesse período houve crescimento do parque industrial nacional, expansão do emprego
industrial, melhorias nos indicadores de renda, instrução e alfabetização. Verificou-se o
fenômeno da mobilidade social, principalmente entre trabalhadores migrantes provenientes
de regiões geográficas menos desenvolvidas e para segmentos sociais que conseguiram elevar
a escolaridade. Em contrapartida, ampliaram-se as desigualdades socioeconômicas e o Brasil
terminou a década com elevada dívida externa, resultante da alta das taxas de juros no
momento de crise internacional. A respeito da mobilidade social CAMPOS et. al. (2004:37)
afirmam que:
o capitalismo brasileiro apresentou um grande charme, explicitado pelo fenômeno da
mobilidade social. Esta, por sua vez, funcionou como uma espécie de anestesia, capaz de
ocultar o violento processo de crescimento na desigualdade de renda e a incapacidade de
banir a velha exclusão social.
Ou seja, apesar de relativa mobilidade de renda em função de melhorias sociais,
considerando-se situação anterior no tempo, o acesso que a população teve aos resultados do
progresso econômico foram muito aquém aos ganhos obtidos pela classe média e pela elite.
Isso acarretou na manutenção das desigualdades de renda, de acesso a terra e à cidadania e na
concentração da pobreza nas áreas urbanas, em especial nas metrópoles e grandes cidades.
8
A esse respeito ver LAGO (2000).
8
Os anos 80, denominados de a década perdida, assinalam o esgotamento do modelo
de substituição de importações, o fim da ditadura militar e o início do processo de abertura da
economia, sob o paradigma neoliberal. Com a crise do fordismo, contraiu-se o investimento
externo por partes dos países centrais nos países em desenvolvimento, como se verificava
desde a década 1930, no Brasil (MELO, 1995:250).
Os choques sofridos pelo Brasil no final da década de 70 e início da década de 80
resultaram em estagnação da economia brasileira, conseqüência da crise internacional e das
decisões equivocadas dos dirigentes nacionais. Ocorreram a crise do petróleo, a elevação das
taxas de juros do dólar americano e a conseqüente crise da dívida externa na América Latina,
recessão mundial entre 1980 e 1982 e colapso do mercado financeiro internacional. Essa
conjuntura de crises internacionais era reflexo do esgotamento do modelo de
desenvolvimento capitalista adotado desde o pós-guerra, o “fordismo-keynesianismo”.
A solução para a crise mundial foi direcionada com base no renascimento da ideologia
liberal, com novas nuances, sendo denominada de neoliberalismo. Em síntese, a premissa era
de que o Estado deveria abandonar as intervenções, que tendiam a limitar o “livre jogo do
mercado”, a fim de que fossem estimulados os investimentos nos novos setores abertos pela
revolução tecnológica em andamento. “A interferência do Estado, segundo os teóricos
neoliberais, retardava a realocação de capitais até então investidos em setores econômicos
estagnados” (MAGNOLI, 1996:154).
As últimas décadas têm sido caracterizadas por crises conjunturais e conseqüente
mudança de paradigma de acumulação capitalista significando para o Brasil em alternâncias
de períodos de crescimento e estagnação econômica. Visando a estabilização e o crescimento
econômico têm sido tomadas medidas de ajustes estruturais, que tem significado redução de
investimentos em políticas sociais, avanço da flexibilização e precarização do trabalho,
desemprego associados à redução dos custos do trabalho e ao emprego de novas tecnologias,
aumento da informalização etc.
O Consenso de Washington9 que orienta a política econômica dos países que
“almejam a superação da crise, estabilidade e desenvolvimento econômico” retrata bem a
linha de desenvolvimento capitalista atual, com ênfase na globalização e no neoliberalismo,
que se materializa com o processo de expansão da financeirização das economias. Dentre as
recomendações do Consenso estão: abertura comercial e financeira do país, privatizações,
desregulamentação do mercado de trabalho, aumento das taxas de juros, reforma tributária,
administrativa e da previdência social e, diminuição dos gastos sociais, conforme destaca
GUIMARÃES (2003: 86).
Com o processo de reestruturação da economia alguns setores da indústria nacional
sucumbiram ou foram absorvidos pelas transnacionais. Por outro lado, outros se
modernizaram, tornando-se mais competitivos internacionalmente. Ocorreram também,
benefícios para os consumidores, principalmente para aqueles de maior poder aquisitivo, ao
terem disponível uma gama maior de bens e serviços com melhores preços e qualidade.
Porém, o acesso a esses benefícios de consumo não atinge toda população. Os efeitos
negativos são amplos e se destacam principalmente no âmbito social, como o
enfraquecimento do fenômeno da mobilidade social, o aumento das desigualdades sociais e
conseqüente recrudescimento da pobreza.
Vários são os autores que estudam e defendem a reprodução de uma “nova pobreza”
no berço da sociedade capitalista a partir das últimas décadas, fruto do processo de
reestruturação econômica em curso. Segundo CAMPOS et. al.(2004:49):
9
documento elaborado em Washington pelos representantes diretos do mercado financeiro internacional Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial,sob a égide do EUA.
9
O desemprego e a precarização das formas de inserção do cidadão no mercado de
trabalho são as fontes ´modernas’ de geração de exclusão, tendo como subproduto a
explosão da violência urbana e a vulnerabilidade juvenil, acentuadas pela maior
flexibilidade ocupacional e dos níveis de renda.
A respeito dos movimentos migratórios, de acordo com os dados do Censo de 1991 e
2000, expressos por BAENINGER (2003), o Sudeste apresenta ligeira diminuição em seu
saldo migratório, embora continue sendo o maior pólo da migração nacional.10 Verifica-se
também um aumento dos movimentos emigratórios da região, com destino principalmente
para o Nordeste (migração de retorno), que se verifica desde o início dos anos de 1980.11 A
autora considera que as migrações de retorno para o Nordeste, devem-se a ampliação e
diversificação da estrutura econômica nordestina e ao crescente desemprego no Sudeste,
região onde a crise dos anos 80 foi mais intensa. Embora tenha sido verificado o aumento de
entrada de migrantes no Nordeste e uma relativa retenção populacional, a região continua
com potencial emigratório significativo.12
Minas Gerais, um dos grandes reservatórios de força de trabalho, continuou a
tendência de redução de emigração, observada desde 1970, sendo os movimentos
imigratórios bastante alimentados pela migração de retorno, cujas causas, de um modo geral,
têm sido semelhantes às do Nordeste. Observa-se a partir de 1980, tendência a deslocamentos
intra-regionais, migrações de curta distância e de retorno e, um menor crescimento das
metrópoles em relação às cidades de porte médio (PATARRA, 2003) e (BAENINGER,
2003). Na região Sul e Centro-Oeste as dinâmicas intra-regionais traduzem-se em trocas entre
os estados do Paraná e Rio Grande do Sul com Santa Catarina, e entre Goiânia e Distrito
Federal, respectivamente (BAENINGER, 2003:281).
As mudanças no mercado de trabalho e os obstáculos à mobilidade social tem
provocado um esvaziamento do conteúdo social e cultural das trajetórias migratórias
dominantes. BRITO (2000) defende que a permanência dos fluxos, embora em menor
proporção, nessas trajetórias, são mais resultado da inércia social e péssimas condições que
ainda persistem em parte dos grandes reservatórios de força de trabalho, do que frutos da
possibilidade de mobilidade social nos lugares de destino. O autor defende que:
a articulação entre o contexto histórico e as trajetórias migratórias foram alterados. Este
novo contexto, que emerge com profunda “crise de transição”, pela qual o Brasil tem
passado, contém a principal marca da mudança em direção a um outro padrão migratório,
que ainda não se constituiu de forma nítida (...).Deste modo, elas [as trajetórias
migratórias] são hoje muito mais o resultado da inércia social e por elas trafegam, na sua
maioria, os migrantes dispostos a superar os obstáculos da seletividade, não para
melhorar a sua posição social, mas para conseguir, com altos riscos, apenas a sua
sobrevivência (2000:43).
3.3 - EXCLUSÃO SOCIOECONÔMICA NO ESPAÇO URBANO
Conforme já mencionado, as crises e transformações estruturais que o Brasil vem
sofrendo desde a década de 80 acarretaram o surgimento da “nova pobreza” ou exclusão
social que associado aos antigos fenômenos de consolidação de “velha exclusão social”, vem
afetando sobremaneira as classes mais vulneráveis na hierarquia social. Significativas
10
Entre 1986-1991 o saldo migratório foi de 640 mil e entre 1995-2000, foi de 595 mil.
Da região emigraram aproximadamente 785 mil pessoas (1986-1991), aumentando para 950 mil pessoas
(1995-2000).
12
O aumento da saída de população da região foi de 1,354 milhão de pessoas entre 1986-1991, para 1,457
milhão entre 1995-2000.
11
10
parcelas desses grupos acabam encontrando como único espaço de moradia e/ou meio de
sobrevivência as ruas. De acordo com VIEIRA (1992:10):
“É voz corrente que esta população está aumentando nas ruas de São Paulo e de outros
grandes centros do país. (...) associando-a a um fenômeno, o internacional – aumento
crescente dos ´homeless’ nos grandes centros urbanos no primeiro mundo -, fruto do
processo econômico recessivo, onde imigrantes pobres e desempregados passam a usar a
rua como alternativa de moradia.”
Ainda segundo a autora, estar na cidade como população de rua significa, de um lado,
estar excluído da habitação, do emprego regular, dos direitos e serviços, mas por outro lado, é
estar integrado ao mundo social a partir de uma inserção peculiar, a de utilização das sobras
do excedente social no que se refere ao consumo, ao trabalho, aos espaços públicos. A partir
disso, é possível perceber como o espaço da rua se constitui como um meio de sobrevivência
aos excluídos sociais, sendo a relação desses grupos com o espaço, estabelecida não através
do regime de propriedade, mas sim de ocupação.
No entanto, com bases em estudos anteriores, é possível perceber que a situação de
rua, como estratégia de sobrevivência, se liga a outra estratégia de sobrevivência para os
excluídos - a migração - que assume características peculiares nesse contexto. A trajetória de
deslocamento, de cidade em cidade, em busca de melhoria de vida ou apenas condições
mínimas de sobrevivência é denominada como perambulação: fruto da evolução do
capitalismo, em sua fase atual, que torna parte da população desnecessária economicamente.
BUARQUE (1997:110) denomina esses grupos de modernômades, por serem nômades
criados pela modernidade.
Em função da desnecessidade ao mundo do trabalho e da extrema pobreza, esses
indivíduos “trafegam pelo país, a pé, de carona, de carroça, sem um destino determinado e
definitivo. São levados pelo acaso, por notícias de alguma oportunidade, em algum lugar”
(BURSZTYN, 2000:48). Devido à precariedade das relações com as localidades onde
aportam, não ficam num mesmo lugar por um longo período de tempo, logo, “não criando
raízes em qualquer destino” (BURSZTYN, 2000: 47).
É desenvolvido um controle social e territorial que busca preservar o território aos
investimentos produtivos, à população habitante, sedentária e trabalhadora. As prefeituras das
pequenas e médias cidades adotam posturas de “expulsar” ou convencer o migrante pobre a
partir. No contexto urbano a impossibilidade de sobrevivência mesmo nas periferias se torna
ao migrante, o incentivo a contínua busca de um lugar. E a instalação na rua em função de ser
um espaço público, o único abrigo e meio de sobrevivência.
4 - ASPECTOS METODOLÓGICOS
Para a realização da pesquisa foram estabelecidas duas etapas: a primeira consolidouse a partir de pesquisas bibliográficas necessárias ao aprofundamento do conhecimento a
respeito das raízes das desigualdades sociais e do surgimento da “nova exclusão social” no
Brasil. A segunda etapa consistiu em pesquisa sistemática, concretizada a partir da aplicação
de questionário para a população de rua. Esta etapa serviu para responder às questões centrais
sobre a manifestação da exclusão social no Plano Piloto.
Foram considerados como população de rua as pessoas que sobrevivem da rua e a
utilizam de forma permanente ou circunstancial como moradia. A aplicação dos questionários
ocorreu em alguns pontos do centro de Brasília – o Plano Piloto: em terrenos baldios
próximos à Esplanada dos Ministérios, na Rodoviária do Plano Piloto, no Setor de Indústrias
11
Gráficas e na Rodoferroviária. Foram entrevistadas pessoas a partir de 15 anos de idade. No
total foram respondidos 25 questionários13.
Vale ressaltar que nem todas as pessoas que moram nas ruas estão nessa situação por
desvinculação com o mundo do trabalho. Existem vários outros fatores que podem levar a
essa situação como, problemas com drogas, alcoolismo, doenças mentais, problemas
familiares etc. No entanto, a pesquisa busca caracterizar e entender o processo que gera
moradores de rua em função de fatores socioeconômicos, com ênfase na desvinculação com o
mundo do trabalho.
A situação de rua como resultante de um processo de exclusão socioeconômica é um
fenômeno complexo, por isto, a pesquisa não consegue abranger e decifrar toda essa
complexidade. Mas, ainda assim é relevante por possibilitar uma aproximação e melhor
entendimento sobre um fenômeno social que está ocorrendo na atualidade e que é
preocupante pela gravidade de suas conseqüências e razões de ocorrência.
5 - ANÁLISE DOS RESULTADOS (QUESTIONÁRIO)
Tabela 1
Sexo
Feminino
30%
Masculino
70%
Tabela 2
Cor
Negro
45%
Pardo
30%
Branco
25%
A maioria dos entrevistados são homens (70%) e de cor negra (45%) - seguida pela
cor parda (30%) e a branca (25%). A partir desse quadro é possível inferir que a população
negra - que acumulou perdas históricas em função da escravidão e apesar do seu fim, perdas
pela continuidade da discriminação racial - tem menos oportunidades socioeconômicas e
culturais e nessas condições, são mais vulneráveis aos processos que levam a exclusão social.
Tabela 3
Idade
De 15 a 25 anos
21%
De 26 a 35 anos
26%
De 36 a 45 anos
21%
De 46 a 55 anos
16%
Acima de 56 anos
16%
2º grau incompleto
--
2º grau completo
--
Tabela 4
Escolaridade
Sem escolaridade
32%
1º grau incompleto
68%
1º grau completo
--
A maior parte da população de rua analisada tem até 45 anos. Pode-se inferir disso
que, embora estejam em idade satisfatória ao exercício do trabalho e conseqüentemente, de
potencial utilidade ao mundo do trabalho, os mesmos sofrem as conseqüências da
desnecessidade ou elo frágil com o mesmo, em função da vulnerabilidade social em que se
encontram. Ao tornarem-se moradores de rua, uma das possíveis conseqüências, à medida
que o tempo passa, é de ocorrer a ruptura com o mundo da subjetivação e identidade
(SCOREL,1998). Nesse processo esses grupos passam a ser vistos negativamente pela
13
Limitações financeiras e de tempo inviabilizaram o estudo com base numa amostra maior.
12
sociedade fazendo com que a mesma busque o distanciamento, como forma de proteção.
Logo, o indivíduo em processo de exclusão, à medida que se afasta do processo produtivo,
encontra maiores obstáculos sociais, simbólicos e financeiros, que dificultam a sua reinserção
na sociedade.
A escolaridade entre a população de rua pesquisada é muito baixa. Dos entrevistados,
nenhum conseguiu concluir o 1º Grau. É possível perceber, com o auxílio da primeira etapa
da pesquisa, que o fenômeno da pobreza, desigualdade de renda e exclusão não é resultado da
falta de escolaridade ou outro elemento mais imediato. Mas principalmente dos caminhos de
desenvolvimento que foram sendo traçados no país e, em certa medida, dos caminhos que
foram sendo impostos em função de interesses externos ao país. O que significou
concentração de benefícios sociais e econômicos nas mãos de alguns em detrimento da
maioria, e em espaços selecionados do território. Logo, reduzindo as chances para muitos de
ter acesso à educação, à formação profissional, à renda etc.
Observa-se que, com as mudanças nas relações tradicionais de trabalho no campo para
relações modernas condizentes com as necessidades da sociedade urbano-industrial, a busca
por uma renda, por uma remuneração do trabalho tornou-se imprescindível. Esses fatores
tornaram-se elementos propulsores à busca de meios de satisfação de necessidades imediatas,
obrigando as pessoas a entrarem no mercado de trabalho mais cedo. Logo, é preciso dar
prioridade ao trabalho em relação à educação – apesar de ser cada vez mais valorizada pela
sociedade. A partir desse processo surgem as dificuldades de acesso à educação, e a falta de
educação torna-se um fator de manutenção da situação de pobreza, gerando um círculo
vicioso.
Tabela 5
Local de nascimento
Local de nascimento (Estado)
Bahia
Pernambuco
Paraíba
Alagoas
Ceará
Minas Gerais
Goiás
%
37
5
11
11
5
26
5
É possível confirmar a partir dos dados de nascimento a tendência de fluxos de saída
do Nordeste para outras localidades, confirmando que essa região continua sendo a principal
reserva de força de trabalho para outras regiões, embora com destino principalmente para o
Sudeste. Da população de rua entrevistada, 69% nasceu no Nordeste, sendo a maioria baiana,
configurando a forte atração que Brasília exerce sobre algumas cidades da Bahia. A segunda
região de nascimento foi o Sudeste, cujos entrevistados eram todos de Minas Gerais, o que
indica a sua importância ainda, como fonte de reserva de mão-de-obra. A região CentroOeste assume uma importância muito reduzida na origem de nascimento.
Pode-se inferir que as regiões do Brasil onde se concentra a pobreza são as principais
fontes de grupos populacionais em processo de exclusão social, que na atualidade migram
para outras localidades em busca de recursos mínimos de sobrevivência. A região Nordeste
sempre foi um lugar de concentração de pobreza no país. Embora, na atualidade ofereça à sua
população melhores oportunidades e condições sociais e econômicas, as mesmas são
desigualmente distribuídas, e parte da riqueza produzida na região é enviada para outras
regiões do país e do mundo.
13
Tabela 6
Tempo de moradia no DF14
Menos de 6 meses
32%
De 2 a 3 anos
13%
De 4 a 5 anos
5%
Mais de 5 anos
50%
Tabela 7
Realização de outras migrações, anteriores à moradia atual no DF
Sim
53%
Não
47%
Tabela 7.1
Cruzamento das informações das tabelas 6 e 7 (primeira classe – resposta “Sim”)15
Tempo de moradia no DF (após última procedência)
Menos de 6 meses
De 2 a 3 anos
De 4 a 5 anos
Mais de 5 anos
Mais de uma migração realizada
30%
10%
50%
Tabela 8
Última área de procedência
Rural.
32%
Urbana
68%
Tabela 9
Motivo das últimas migrações
Emprego.
68%
Saúde
--
Moradia
11%
Educação
--
Objetivo não defin.
16%
Do grupo amostral 32% (Tabela 6) são migrantes recentes (até 6 meses de chegada),
13% dos migrantes podem ser considerados intermediários (2 a 3 anos), enquanto as duas
últimas classes, que representam no total, a maioria da amostra (55%) já estão em Brasília há
um tempo relativamente longo (mais de 4 anos). Logo, o tempo de moradia em Brasília não
significa necessariamente melhoria nas condições de vida e ascensão social, podendo ao
contrário significar rebaixamento na hierarquia social se não houver engajamento no mercado
de trabalho, por um período muito longo, o que acaba acarretando em dificuldade de acesso à
moradia regular.
Outras migrações, anteriores à moradia atual em Brasília, foram feitas por 53% dos
entrevistados (Tabela 7), sendo que a última procedência da maioria dessas pessoas foi a área
urbana (Tabela 8). Das pessoas que migraram mais de uma vez, 30% estão no DF há menos
de 6 meses e 10% estão no DF há entre 2 e 3 anos (Tabela 7.1). Tais informações podem ser
associadas ao fenômeno migratório da perambulação, que significa a busca por alternativas
de sobrevivência através da migração, que no entanto, leva ao freqüente deslocamento
espacial em função da não obtenção de condições de sobrevivência satisfatórias a fixação
espacial por muito tempo em um mesmo lugar. A desvinculação com o mundo do trabalho
impulsiona outras desvinculações e como BURSZTYN ressaltou pode levar ao movimento
descendente na hierarquia social, havendo condições remotas de retorno ao mundo dos
incluídos.
14
Considera os não nascidos no DF.
A tabela 7.1 considera a relação entre as pessoas que realizaram outras migrações, anteriores a estadia atual no
DF (tabela 7) e o tempo de moradia no DF após a última procedência (tabela 6).
15
14
Pode-se considerar a perambulação como causa e conseqüência de uma exclusão
geográfica também, uma vez que a condição de excluído não lhe permite fixar-se, devido a
demandas próprias, como também devido à pressão da sociedade e do governo que
incomodados com a presença dos excluídos buscam tomar medidas para que saiam do lugar
que estão ocupando.
A busca por emprego (Tabela 9) – considerado como qualquer atividade formal ou
informal com alguma remuneração - foi o principal fator desses movimentos, logo, de não
fixação espacial. Os obstáculos que se constituem a partir da não inserção no mercado de
trabalho em determinado lugar, acabam não permitindo a obtenção regular de recursos
necessários à sobrevivência. Logo, a perambulação se reinicia com o objetivo de se obter um
meio de obtenção de renda para a sobrevivência.
Tabela 10
Situação de moradia na última área de procedência
Alugada
11%
Residência própria
42%
Residência emprestada
11%
Sem morada fixa
36%
Tabela 11
Motivo de vinda para Brasília
Emprego.
74%
Saúde
--
Moradia
16%
Educação
--
Objetivo não definido
10%
Observa-se que as condições de instalação e moradia na última procedência (Tabela
10) para 36% dos entrevistados foram instáveis e provavelmente precárias, caracterizada pelo
uso da rua como alternativa de moradia e sobrevivência. É importante destacar o fato de que
42% moravam em residência própria, o que não é possível desvendar com segurança, com
base nas informações colhidas. A moradia alugada e em residência emprestada foram 11%
cada uma. Tais formas de moradia caracterizam-se por certa instabilidade de tempo de
permanência porque dependem de fatores como, recursos financeiros e empatia por parte do
dono do imóvel.
O motivo de vinda para Brasília, entre os entrevistados, (Tabela 11) também foi a
busca por emprego (74%), tendo um peso muito alto como motivação de deslocamento, o que
é difícil de se obter, como já foi enfatizado, devido aos obstáculos de acesso ao mercado de
trabalho pelos excluídos. A busca por moradia ficou em segundo plano (16%). O restante dos
entrevistados (10%) não tinha um objetivo claramente definido quando decidiram migrar para
Brasília.
Tabela 12
Lugar de moradia atual
Em pequena invasão em Brasília ou
proximidades
47%
Nas ruas de Brasília
Em cidade satélite ou no
entorno
21%
32%
Tabela 13
Tipo de moradia
Tipo de moradia
casa de madeira/madeirite
casa de alvenaria
de material plástico
Sob marquise de edificações urbanas,
praças ou lugar não-fixo
15
%
16
16
21
47
Tabela 14
Atividade de obtenção de renda atual:
Tipo de Atividade
catador de papel / materiais recicláveis
“flanelinha”
vendedor ambulante
esmola
Outros
%
47
21
11
5
16
Em Brasília os excluídos entrevistados moram (Tabela 12) principalmente em
localidades as mais próximas possíveis do centro de Brasília, o Plano Piloto - correspondendo
a 79% do total de entrevistados. Isso se deve a maior possibilidade, nesse espaço, de
sobreviver do que sobra de suas atividades econômicas e recursos sociais. A proximidade de
moradia com as áreas mais dinâmicas também se deve a dificuldade de deslocamento e
aumento dos custos caso tivessem que se deslocar constantemente da periferia para o centro e
vice-versa. Há também os que moram em cidades satélites ou no entorno do DF que realizam
migrações pendulares periódicas entre seus lugares de moradia e o centro, onde encontram
fontes de obtenção de renda.
A maioria dos entrevistados que moram nas ruas do Plano Piloto ou em suas
proximidades (Tabela 13) vivem em abrigos feitos de material plástico em pequenas invasões
e sob marquises, praças (ou outros lugares não-fixos), correspondendo respectivamente a
21% e 47% dos entrevistados. A maior parte dos entrevistados (Tabela 14) vive da cata e
seleção do lixo (47% do total) para venda nas empresas locais de reciclagem, sendo Brasília
um espaço favorável a essa atividade devido à concentração de órgãos públicos e de serviços,
que geram muito lixo do tipo papel. No entanto, o mesmo é caracterizado como muito
degradante à saúde, devido ao contato com todo tipo de lixo e devido ao esforço físico
exigido, uma vez que o catadores precisam deslocar-se por grandes distância a procura de
material, sendo necessário grande esforço físico para carregar o material até os locais de
seleção e depois até os locais de venda. Outro espaço favorável a obtenção de renda é o
trabalho de “flanelinha”(21 % do total) devido a enorme frota de veículos na cidade, que
cresce mais a cada dia, gerando problemas de demanda por estacionamento. Logo, os
“flanelinhas” trabalham nos estacionamentos como vigias, manobristas e “guardadores de
vaga”. A outra atividade é a de vendedor ambulante (11%) e há os que vivem de esmola
(5%). Outras formas de obtenção de renda não identificadas corresponderam a 16% dos
entrevistados.
Tabela 15
Meios de alimentação diária
Compra
73%
Doação
11%
Outros meios
16%
Tabela 16
Recebimento de ajuda material ou de outro tipo em Brasília
Sim
37%
Não
63%
16
Tabela 16.1
Origem da Ajuda
Origem da ajuda
Pessoas desconhecidas
Pessoas conhecidas
Igrejas
Governo
Entidades filantrópicas
%
43
57
-
Tabela 17
Já foi vítima de algum tipo de violência ou repressão?
Sim
32%
Não
68%
Tabela 17.1
Responsáveis pela ação de repressão ou violência
Governo (polícia, fiscais etc)
33%
Pessoas desconhecidas
67%
As últimas questões tiveram como objetivo identificar a interação da população de rua
entrevistada com a sociedade, no sentido de obtenção de algum tipo de assistência ou não por
parte dos excluídos. Quanto à alimentação (Tabela 15), a maioria disse comprar seu alimento
(73%) através da realização de alguma das atividades remuneradas mencionadas
anteriormente. O recebimento de alimentos por meio de doação foi mencionado por 11% dos
entrevistados, enquanto 16% obtém sua alimentação por meios não identificados.
Nunca receberam nenhuma forma de assistência (Tabela 16) 63% dos entrevistados,
enquanto o restante (37%) disse já ter recebido algum tipo de assistência, sendo a mesma
oriunda de (Tabela 16.1) de igrejas (57%) e de pessoas desconhecidas (43%). O governo não
aparece como fonte de assistência, independente do tipo, aos excluídos entrevistados.
Quanto à violência (Tabela 17) 32% disse já ter sofrido algum tipo de violência,
enquanto 68% disse nunca ter sofrido violência. Entre os que sofreram violência 33%
sofreram por parte de representante do governo, enquanto 67% por pessoas desconhecidas.
Na questão relativa à repressão percebe-se a menção à participação do governo, representado
por seus agentes. De acordo com relatos, representantes do governo como fiscais e policiais
agem para desmanchar invasões e retirar os moradores de ruas de locais considerados não
apropriados à sua permanência.
De acordo com a análise do questionário, é possível verificar que a maiorias das
pessoas entrevistadas estão num processo de empobrecimento e exclusão social que remete
aos seus locais de origem, associado às sucessivas migrações em busca de emprego. Verificase ainda, que a inserção espacial e ocupacional em Brasília é caracterizada pela precariedade
e instabilidade. Embora, alguns moradores de rua consigam se inserir em algumas atividades
ocupacionais, percebe-se que a relação entre o morador de rua e o usuário de seus serviços é
muito frágil, uma vez que para esses não há uma necessidade extrema dos serviços prestados
pelos moradores de rua. Como o lado mais fraco da relação é o morador de rua, o mesmo
acaba não tendo nessas atividades ocupacionais oportunidades de ascensão social, sendo essa
situação um reforço ao processo de exclusão social reproduzida no Plano Piloto e em várias
cidades brasileiras.
17
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dinâmica das forças capitalistas tem se manifestado cada vez mais desumanas. O
acúmulo de capital vem permitindo a maior reprodução do lucro e a maior concentração das
riquezas. É possível verificar que esse movimento quase natural “por que (re)naturalizado” –
através do neliberalismo - tem conseqüências negativas no âmbito social. Observa-se que em
países como o Brasil, cujo desenvolvimento se estabeleceu, baseado na preservação dos
privilégios da classe dominante, as desigualdades sociais e econômicas se consolidaram.
A territorialização do capitalismo, a partir da década de 30, se estabeleceu de forma
seletiva no espaço – através da formação da sociedade urbano-industrial - e a expansão das
relações capitalistas no campo fez com que as populações tradicionais perdessem seu espaço
de vida e reprodução. Logo, os movimentos migratórios surgiram como meio de busca de
uma alternativa de sobrevivência e de melhorias nas condições de vida pela população
brasileira. Todo esse processo proporcionou novas configurações espaciais, nova dinâmica
social, novos modos de vida e mobilidade social. Todavia, um dos resultados mais expressivo
desse período foi a consolidação das desigualdades sociais e o aumento da pobreza nos
centros urbanos.
O período seguinte iniciado na década de 80, tornou-se a marca das intensas
transformações na sociedade capitalista, geradas pelo esgotamento do modelo de
desenvolvimento capitalista adotado desde o pós-guerra, o “fordismo-keynesianismo”, além
da crise no mercado do trabalho. Uma das conseqüências foi o surgimento da “nova exclusão
social”. Tal contexto tem empurrado para a exclusão social e vida nas ruas populações pobres
e vítimas do desemprego por longo período de tempo. Essas pessoas por não aceitarem
passivamente sua situação, buscam na migração – perambulação - alternativas de
sobrevivência e trabalho.
A partir do estudo da situação de moradores de rua de Brasília foi possível identificar
a ocorrência desse processo na capital federal. Com base nos dados obtidos foi possível
perceber que as dificuldades de inserção socioeconômica na esfera local, os motivos de
expulsão e de atração para Brasília e o motivos das constantes perambulações estão
associadas à não inserção no mundo do trabalho que são conseqüências das desigualdades de
acesso aos bens sociais e econômicos. Esse fenômeno estudado diretamente no Plano Piloto,
permite conhecer melhor essa realidade, que se desenvolve em várias cidades do país, apesar
de guardar especificidades inerentes ao contexto em que se inserem.
Embora a solução de tal problema não seja fácil diante das prioridades econômicas e
sociais definidas com base no novo paradigma capitalista, o Estado deve agir de forma
reguladora sobre esse sistema, uma vez que a intensificação da pobreza gera conseqüências
negativas à própria nação. Como no caso da exclusão social a situação dos excluídos
caracteriza-se pelas carências extremas, devem ser tomadas medidas emergenciais, aliadas a
políticas de inserção das populações pobres e que resultem no não avanço da exclusão social,
além das indispensáveis reformas estruturais. É necessário que os estados e municípios atuem
de forma integrada buscando solucionar o problema, ao invés de passá-lo sempre para frente,
não
assumindo
responsabilidades
diante
da
necessidade
de
solução.
Embora, tal problema se expresse em escala local, se multiplicando nas diversas cidades do
país, ele é resultado de problemas estruturais, para os quais medidas estruturais devem ser
pensadas e colocadas em ação.
18
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAENINGER, Rosana. Redistribuição espacial da população e urbanização: mudanças e
tendências recentes. In: GONÇALVES, Maria Flora, BRANDÃO, Carlos Antônio &
GALVÃO, Antônio Carlos Filgueira. (orgs.). Regiões e cidades, cidades nas regiões: o
desafio urbano-regional. São Paulo: Unesp / Anpur, 2003. p. 271-288.
BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G.O legado da modernização conservadora e
a modernização do território. In: BECKER, Bertha K. & EGLER, Cláudio A. G. Brasil:
Uma nova potência regional na economia-mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,1993. p.
1669-213.
BECKER, Olga Maria Schild. Mobilidade espacial da população: conceitos, tipologia,
contextos. In: CASTRO, Iná, CORRÊA, Roberto Lobato & GOMES, César Costa. (orgs).
Explorações Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 319-367.
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exclusão: vivendo nas ruas de Brasilia. Rio de Janeiro: Garamond / Brasília: Codeplan,
1997. p. 11-18.
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MIGRAÇÕES E VIDA NAS RUAS: A MANIFESTAÇÃO DA