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Agentes engajados
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Cuidar menos da doença e mais da saúde é a chave para tornar sustentáveis os sistemas de saúde em vigor tanto
no Brasil como em outros países. O modelo centrado no tratamento, depois que a doença está instalada, resulta
em gastos cada vez mais elevados, sem o equivalente em ganhos significativos para o bem­estar das pessoas. Por
isso, é consenso entre especialistas que o desenho atual precisa ser substituído por um sistema baseado em ações
preventivas.
"O foco da saúde, na última década, foi muito centrado na ciência da doença, uma visão equivocada. Muito mais
importante é poder não ficar doente", disse Giovanni Guido Cerri, presidente do conselho diretor do Instituto de
Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Inrad/HCFUSP) e
vice­presidente do Instituto Coalizão Saúde, no workshop "Cuidar da Saúde, não da Doença", promovido pelo
Valor, quarta­feira, em São Paulo.
Agravada pelo envelhecimento da população, com o consequente aumento dos casos de doenças crônicas não­
transmissíveis, a sobrecarga de custos para os sistemas de saúde é um problema debatido no mundo todo. Nos
Estados Unidos, os gastos com saúde atingem hoje 17% do PIB americano e a projeção é que o percentual alcance
30% em 2030. Não à toa, esse foi um dos principais argumentos para aprovação do chamado Affordable Care Act
(ACA), ou Obamacare, a reforma do sistema de saúde instituída pelo presidente americano, em vigor desde 2014.
"A inflação da saúde está sempre acima da inflação geral, com tratamentos cada vez mais complexos e caros.
Tudo isso quebra o sistema global", explicou Carlos Eduardo K. Nogueira, diretor geral da Intersystems para a
América Latina. Para ele, o sistema brasileiro está no limite. Tanto que a recente quebra da Unimed Paulistana
não foi surpresa no setor.
A reversão desse quadro, disse Nogueira, requer mudança de paradigma na saúde para um modelo preventivo,
passando por todos os níveis, incluindo governo e CEOs das empresas. Para ele, a base dessa transformação é
eletrônica. Só 23% dos agentes privados, como hospitais, adotam o prontuário eletrônico no Brasil, e boa parte
das informações, segundo ele, é coletada para faturamento.
Nesse novo modelo, a forma de gestão também se modifica. Em vez de remuneração pelo atendimento à doença, o
pagamento passa a ser feito pelos resultados com a prevenção.
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O desenho, já utilizado nos Estados Unidos, prevê um trabalho proativo do médico, que passa a ser responsável
por uma carteira de pacientes, os quais monitora e acompanha periodicamente, com programas de prevenção,
para que mantenham situação estável. "Esse é o pano de fundo do Obamacare", diz Nogueira.
Com um modelo de atendimento verticalizado, que compreende médicos, hospitais, clínicas e laboratórios
próprios, a operadora Hapvida, maior do setor de saúde suplementar no Norte e Nordeste, com 3,25 milhões de
usuários, tem na prevenção um de seus principais diferenciais. Com sede em Fortaleza e 221 unidades próprias, a
empresa adota o acompanhamento dia e noite de todos os atendimentos realizados, por um núcleo de controle de
qualidade, com 30 pessoas.
O objetivo é acompanhar todo o trajeto dos pacientes, desde a chegada, até a saída. Os usuários contam com
médicos, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, pediatras e enfermeiros, para
monitoramento contínuo de seu quadro médico. Para evitar fraudes e facilitar o atendimento, todos os clientes
têm as digitais cadastradas por biometria.
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A medicina preventiva adotada pela Hapvida completou 17 anos e oferece, além de medidas preventivas,
orientação para hipertensos, diabéticos, pessoas com sobrepeso, nível elevado de LDL, o chamado colesterol ruim,
idosos, gestantes e recém­nascidos. São oito núcleos de medicina preventiva, distribuídos por sete Estados
(Ceará, Bahia, Pernambuco, Amazonas, Rio Grande do Norte, Pará e Sergipe). "Nós conseguimos o alinhamento
dos interesses de todos os atores para dar exatamente o que o paciente necessita", afirmou Henning Von Koss,
vice­presidente do Hapvida. O sistema adota recursos como o prontuário eletrônico e a telemedicina.
Também para Cláudio Lottenberg, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein,
mantenedora do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, a mudança deve envolver todos os agentes do
sistema de saúde, de hospitais a fornecedores de insumos. A visão atual, centralizada na doença, segundo ele,
premia a doença. "Eles ganham quando as pessoas ficam doentes", argumentou.
A tecnologia pode ajudar no desenvolvimento do novo modelo, com a ampliação do uso de ferramentas como o
prontuário eletrônico Segundo Lottenberg, 99% da informação do sistema de saúde brasileiro sequer foram
processadas no país. "Hoje a gente recebe pela incompetência e pelo sinistro. Quando a mudança acontecer,
vamos perceber quanta coisa equivocada estamos oferecendo", disse Lottenberg.
Como comparação, o presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein citou o custo do
desperdício com saúde nos Estados Unidos, um total de U$ 700 bilhões em 2013, dos quais 20% só devido a
fraudes. Ao remunerar por evento, o atual modelo torna­se também mais suscetível a desvios como esse.
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Estudos internacionais, citados por Lottenberg, indicam que a assistência à saúde é responsável por apenas 10%
dentro do conjunto de fatores que influenciam a saúde e o bem estar das pessoas, contra 40% de padrões de
comportamento, 30% de predisposição genética, 15% de condições sociais e 5% de exposição ambiental. Os
principais fatores comportamentais relacionados às doenças crônicas não­transmissíveis são dieta inadequada,
falta de atividade física e fumo.
Mudar esses hábitos é decisivo para a prevenção das doenças que atingem a população de idosos e cujo
tratamento pesa cada vez mais nos custos da saúde. A vida sedentária tem cobrado um preço alto do sistema de
saúde. De acordo com dados citados por Lottenberg, 200 mil mortes por doenças cardiovasculares por ano, nos
Estados Unidos, são atribuídas à inatividade física, enquanto o fumo é causa de 435 mil mortes/ano e o álcool
provoca cerca de 100 mil mortes/ano. A falta de atividade física é responsável por 6% das despesas médicas no
Canadá, Austrália, Suíça, Holanda e Estados Unidos, potencial comparável aos custos provocados pelo tabaco.
A obesidade moderada diminui a expectativa de vida entre dois e quatro anos. Na obesidade severa, essa redução
atinge entre oito e dez anos de vida. "A inatividade está desempenhando um papel na epidemia de obesidade e a
promoção de atividade física pode contribuir com soluções", disse o médico.
Para Giovanni Cerri, hoje se premia quem trata a doença e não quem preserva a saúde. 'É preciso inverter essa
lógica e premiar quem promove a saúde e custa menos para o sistema de saúde", disse. O problema é que a
população encontra­se atualmente entre duas gerações. A dos mais jovens, que cultiva hábitos de vida mais
saudáveis, e a das pessoas mais velhas, que já foram "atropeladas" pela cultura da doença. O acesso a mídias
eletrônicas, como as redes sociais, onde os hábitos saudáveis são amplamente divulgados, tem influência
significativa na mudança da cultura dos mais jovens.
A transformação do sistema de saúde demanda também o engajamento do paciente. Para André Almeida,
presidente da Associação Brasileira de Saúde (ABCIS), o paciente hoje ainda não tem noção de que a informação é
dele e que ele precisa ter acesso a informações como as relativas ao prontuário eletrônico. "Talvez esteja na hora de
incluir outras mídias, como celular e smartphone nesse processo", propôs. Já Cláudio Lottenberg acredita que
essa ferramenta é extremamente útil para o desenvolvimento de um modelo baseado na promoção só será
amplamente utilizada no país se o paciente se engajar nessa demanda. "O 'patient engagement' na saúde é o que
de fato vai trazer a grande transformação", previu.
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