Fotos: Divulgação Nutrição Dura de beber Bovinos localizados em regiões de água dura necessitam de programa nutricional especial H á tempos muitos pecuaristas acreditam que os bovinos dessedentados com água salobra ou água dura não precisam receber mineralização no cocho, por esta supostamente já ser salgada. Entretanto, o gosto salgado não significa que ela realmente contenha os nutrientes necessários para o correto desenvolvimento do rebanho. Possivelmente, esse equívoco já vem prejudicando há décadas a pecuária nas várias regiões brasileiras onde existe esta realidade, pois a suplementação mineral deficiente pode estagnar a produção e até mesmo levar ao consumo de água em quantidades insuficientes ou exageradas. A água salobra não contém altos teores de sal (cloreto de sódio), como se acredita e, sim, de cloreto de cálcio e magnésio, que promovem outras reações no organismo. Esse composto químico torna-a pesada e aumenta fortemente a 56 - AGOSTO 2011 salinidade, dando-lhe o gosto salgado e induzindo o produtor a acreditar que o suplemento mineral seja desnecessário. E mesmo quando os minerais são fornecidos de maneira apropriada, o consumo do sal no cocho pode ser afetado, já que a procura do bovino por sódio fica deprimida pela presença dos sais de cálcio na água. Entre os riscos mais comuns, o consumo de água dura pode causar deficiências momentâneas ou até mesmo permanentes na absorção de outros minerais essenciais para o organismo dos bovinos, como fósforo, enxofre, zinco, cobre, cobalto e potássio. O fósforo, por exemplo, é um item indispensável para a reprodução, podendo reduzir o número de prenhezes na estação de monta. A deficiência de potássio prejudica o crescimento, reduz a eficiência alimentar, causa fraqueza muscular, desordem nervosa e muitos outros males. O efeito mais negativo é exatamente a irregularidade de consumo tanto de água como de suplemento mineral. Ora o animal reduz a ingestão do líquido e ora tem surtos explosivos de sede, que desregulam a fermentação ruminal e a capacidade de absorção de nutrientes no intestino delgado, especialmente microminerais como o zinco, cobre e selênio. O nível de salubridade da água pode ser medida pelo teor de carbonato de cálcio (CaCO3) presente nas amostras colhidas, que, no Brasil, varia de 5 a 500 mg por litro. Se a fonte hídrica de uma propriedade, após análise, apresentar de 0 a 75 mg de carbonato de cálcio por litro, será considerada leve ou macia; de 75 a 150 mg/l, parcialmente dura; de 150 a 300 mg/l, dura, e acima desse valor, muito dura. Desde a nascente até as zonas de captação, a água atravessa diversos REVISTA AG - 57 Nutrição solos, dissolvendo muitos sais minerais pelo caminho. Quando permeia um solo calcário, a água tem maior concentração de sais de cálcio e magnésio. Em ambientes “rochosos calcários”, contém mais calcita-carbonato de cálcio (CaCO3) e/ou dolomita-carbonato de cálcio/magnésio (Ca/MgCO3). Se ela atravessa um solo granítico ou basáltico, terá uma menor concentração de sais de cálcio e magnésio, e por esse motivo fica caracterizada por água macia. Geralmente, as águas das Serras são mais ácidas e leves e a dos vales mais alcalinas e duras. Águas mais profundas tendem a ser mais ricas em sais dissolvidos do que as águas superficiais, que são mais duras. Como há sensíveis variações nas composições químicas das rochas por onde a água transcorre, é de se esperar uma certa relação entre a sua composição e a das rochas preponderantes na área. Os prejuízos do consumo de água dura vão além das perdas de produtividade, podendo comprometer, inclusive, o estado de saúde do gado. “Há experimentos que a correlacionam com a maior incidência 58 - AGOSTO 2011 de cálculos renais em bovinos no Brasil, Austrália, Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, e em ovinos na Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra”, relata o médicoveterinário Fernando Antônio Nunes Carvalho, técnico da CATI (Coordenadoria de Assistência Técnica Integral) e consultor da Matsuda. No Brasil, constatou-se o problema na região Nordeste, em gado Nelore e Guzerá. O veterinário reforça a interferência negativa da água dura na absorção do zinco e de outros micronutrientes, como já foi comprovado em humanos, principalmente crianças, pela Universidade de Purdue (USA), e de cobre, pelo CSIRODPI, da Austrália. “Além disso, o grau de dureza tem efeito direto na própria ingestão de água pelo animal, formando ciclos de consumo irregulares. O maior agravante é o prejuízo que causa a ruminação, que perde eficiência. O inconveniente hídrico no rúmen altera, ainda, a procura diária dos bovinos pelo próprio suplemento mineral”, lembra Fernando. Consumo irregular O consumo desequilibrado de mi- nerais pelos bovinos causa deficiências momentâneas ou mesmo permanentes de minerais essenciais, que poderão tornar-se grandes gargalos para a produção zootécnica de bovinos criados nas regiões atingidas. Para o técnico, o controle de quanto e o que o animal ingere por dia pode mudar radicalmente os índices produtivos e reprodutivos dos rebanhos atingidos. E adverte os pecuaristas para terem em mente que, nesta situação, seus animais precisam, sim, de uma suplementação mineral, e que esta é totalmente diferenciada da tradicional. Na Fazenda El Amin , propriedade do médico cardiologista Nabih A El Aouar, em Carlos Chagas, no noroeste de Minas Gerais, a água é bastante salobra. Por décadas, apesar de não faltar sal no cocho, as vacas consumiam apenas 14 a 25g do suplemento por cabeça/dia. Com o uso de uma formulação específica, passaram a comer 65-75g/cabeça/dia. Depois disso, notou-se que o número de bezerros por estação de monta aumentou mais de 55% e a mortalidade de bezerros desmamados ficou abaixo de 1%, devido à melhora do padrão imunológico dos Falta pesquisa Fernando Carvalho ressalta também que falta ainda muita pesquisa no Brasil sobre a criação de bovinos em regiões de água dura. Mas é enfático ao afirmar que o consumo baixo e irregular de suplementos minerais pelos ruminantes “não é uma ‘benção’ como muitos acreditam e, sim, uma ‘maldição’ que coloca um obstáculo enorme ao desenvolvimento e implantação de uma pecuária moderna e eficiente em muitas e extensas regiões pastoris brasileiras”, esclarece. É importante que os pecuaristas façam análise da água e enviem ao departamento técnico de Nutrição Animal, para que os veterinários orientem quanto ao programa nutricional mais adequado para o rebanho da propriedade. Água é fundamental A água é essencial para que o bovino tenha uma vida saudável e produtiva. A quantidade e a qualidade ofertada é peça fundamental em qualquer sistema de produção, seja de gado de corte ou de leite. É essencial para o equilíbrio hídrico celular, regulação da temperatura corporal e ingestão de matéria seca, por meio da produção de saliva. Além disso, controla Fotos: Divulgação animais, que ficam menos suscetíveis a doenças por receberem um colostro mais rico em células de defesa e em microminerais, como zinco, selênio, cobre e manganês. Essa melhoria se refletiu também no peso à desmama, que apresentou um aumento de 14%. Os experimentos em Carlos Chagas apontaram que, após a suplementação específica, a taxa de fertilidade do plantel Nelore subiu de 63% para 87%, o que significa um excelente incremento na quantidade de bezerros nascidos. Além disso, a idade ao primeiro parto caiu de 48 para 38 meses. Em fazendas de cria, o peso à desmama dos bezerros saltou de 6,5 para 8 arrobas, em média. “Além do gado começar a lamber o sal, o aumento nas taxas de enxertio também refletiu na maior bonificação da mão de obra da minha fazenda, que também passou a ter mais trabalho. Os funcionários passaram a receber 13 salários e meio por ano”, conta Nabih Aouar. Nabih divulgou os ganhos de peso e de taxa de prenhez na Feicorte após fornecer suplemento ao rebanho o apetite dos ruminantes pelos ciclos de ruminação que, ao “esvaziarem” o rúmen, têm ação direta no “centro da fome”, no cérebro do animal, que faz com que ele tenha ou não apetite. Ela é importante também para a digestão, transporte e metabolismo de nutrientes (proteínas, açúcares, gorduras, vitaminas e minerais), entre outros inúmeros benefícios. REVISTA AG - 59