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JUNHO DE 2001
BOLETIM ON-LINE Nº 19
SUMÁRIO
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Editorial
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Ora, Direis - Carlos de Lima
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Pregoeiros de São Luís - Silvana Rayol
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Banquete dos Cachorros para São Lázaro - Sergio Ferretti
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Preto Velho na Umbanda e no Tambor de Mina - Mundicarmo Ferretti
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Xamanismo: cura e magia dos índios Kanela-Rankokamekra - Rose Panet
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Recordando o passado, planejando o futuro: notícia sobre rodas de conversa com grupos de bumba-meu-boi - Arinaldo Sousa
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I Encontro de Caixeiras da Região do Munim - Michol Carvalho
·
Valorização do passado: em busca de tradições remotas - Deusdédit Carneiro
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Teses, dissertações e monografias relacionadas à cultura popular maranhense
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Notícias
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Perfil Popular - Padre Haroldo Passos Cordeiro - Joila Moraes
COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE - CMF
DIRETORIA:
Presidente: Sérgio Figueiredo Ferretti
Vice-presidente: Carlos Orlando de Lima
Secretária: Izaurina Maria de Azevedo Nunes
Tesoureira: Maria Michol Pinho de Carvalho
CORRESPONDÊNCIA:
CENTRO DE CULTURA POPULAR DOMINGOS VIEIRA FILHO
Rua do Giz (28 de Julho), 205/221 – Praia Grande.
CEP 65.075–680 – São Luís – Maranhão
Fone: (098) 231-1557 / 231 9361
As opiniões publicadas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não comprometendo a CMF.
CONSELHO EDITORIAL:
Sérgio Figueiredo Ferretti
Carlos Orlando de Lima
Izaurina Maria de Azevedo Nunes
Maria Michol Pinho de Carvalho
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
Zelinda de Castro Lima
Roza Santos
EDIÇÃO:
Izaurina Maria de Azevedo Nunes
VERSÃO PARA A INTERNET:
Oscar Adelino Costa Neto
ENDEREÇO ELETRÔNICO:
www.cmfolclore.ufma.br
E-MAIL:
[email protected]
Editorial
Sob as luzes do Divino Espírito Santo e de São João. É assim que sai este número 19 do Boletim da Comissão Maranhense de Folclore e tomara que seja
impregnado de um lado, pela força do canto e do toque das caixeiras que louvam o Espírito Santo e, de outro, pelo entusiasmo das toadas e da tropeada dos
boieiros.
O estado do Maranhão vive com intensidade renovada essas duas fortes tradições da nossa cultura popular, que calam fundo no espírito festeiro, alegre
e contagiante de nossa gente.
Assim sendo, nos quatro cantos da cidade de São Luís e de grande número de municípios do interior do Estado a chegada de Pentecostes faz ressoar as
caixas do Divino Espírito Santo, numa louvação de fé e esperança. E, o alvorecer do mês de junho desencadeia os festejos comandados por Santo Antônio, São
João, São Pedro e São Marçal.
Haja fôlego para acompanhar essa rica e diversificada caminhada de sons, ritmos, cores, movimentos e brincadeiras. Seguindo o exemplo dos produtores
populares, o importante é buscar no pique do universo das nossas manifestações uma fonte de novas energias para enfrentar a luta do dia-a-dia com mais
coragem.
Uma das atividades importante participadas por membros de nossa Comissão nesse primeiro semestre foi a organização de Rodas de Conversas sobre
bumba-meu-boi, da qual temos notícia em matéria deste número.
A antropóloga Rose Panet apresenta oportuna análise do xamanismo entre os índios Canela, uma das nações indígenas no Maranhão cuja cultura e
práticas religiosas são pouco conhecidas pela sociedade envolvente.
É auspiciosa a apresentação de notícias sobre teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de conclusão de cursos de graduação, em
diversas áreas e em várias universidades, realizadas por estudiosos vinculados ao Maranhão, que abordam temas relacionados com a cultura popular e o
patrimônio histórico. A realização de trabalhos deste tipo, de conclusão de cursos de diferentes níveis é uma excelente oportunidade para a concretização de
estudos sobre nossa realidade cultural. Esperamos que alguns deles venham a ser publicados e se tornem disponíveis a um público mais amplo.
Nosso Boletim apresenta também o perfil do Padre Haroldo, o monge beneditino conhecido como padre "boieiro", que celebra missas ao ritmo do bumbameu-boi do Maranhão.
Neste ano, continuando a nossa parceria com o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho/Fundação Cultural do Maranhão, estamos
desenvolvendo uma atuação integrada num conjunto de atividades, entre as quais o II Tríduo Juanesco, em cujo decorrer se dá o lançamento deste número do
nosso Boletim. Temos certeza de que na dinâmica da sua programação vamos sentir a força de grupos que vêm do interior com o seu jeito peculiar de ser, de
brincar, de festejar, estabelecendo uma ponte com o "alto", através da qual transitam o sagrado e o profano, numa profunda unidade de vida.
Que possamos, também, continuar, através do conteúdo do nosso Boletim, resultante de uma soma de esforços, a contribuir para o desenvolvimento de
um processo de reflexão-ação sobre a nossa cultura popular.
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Ora, Direis...
Carlos de Lima
Quantas vezes já ouvimos tais palavras quando, numa conversa, alguém propõe um assunto que a todos parece absurdo por fugir à realidade, puro
devaneio dos poetas e dos loucos? Saberemos, no entanto, de onde provém? Do famoso soneto de Bilac: " - Ora, direis, ouvir estrelas... Certo perdeste o
senso!"
Assim vamos pela vida afora repetindo frases das quais até apreendemos o sentido, mas cuja origem desconhecemos. Do tipo: Ensinar Padre-nosso a
vigário, ou Primeiro eu! Pois esclareçamos as fontes: "Ensinar Padre-nosso a vigário" deriva da expressão latina piscem natare doces, que quer dizer: "Ensinar
o peixe a nadar". "Primeiro eu!" é a versão popular da frase que Fedro, filósofo ateniense do século V a.C., pôs na boca do leão, em uma de suas fábulas para
expressar o "direito" egoísta do que detém a força: Primo mihi.
Voltando à vaca fria repete o que diz o Mestre Patelin numa velha farsa francesa: "Revenous à nous moutons", ou seja: Voltemos aos nossos carneiros,
significando desprezar a digressão estranha ao assunto e o pedido a que se retorne ao principal motivo do encontro.
Releva-se o equívoco de um escritor dizendo que ele teve um cochilo de Homero sem saber que foi Horácio, na "Arte Poética", quem gravou a
expressão: O bom Homero dormita às vezes (Quandoque bônus dormitat Homero).
Deixemos de lado as frases-feitas, forjadas nos gabinetes tranqüilos dos historiadores e dos biógrafos e postas na boca dos heróis, do tipo "Quem for
brasileiro que me siga" ou "Treme, carcaça, e mais tremerás se souberes aonde te levo", etc., etc., para lembrar de onde proveio a locução terra de muro baixo,
aplicada com o sentido de que em cidade pequena, onde todos se conhecem e tratam da vida alheia, é difícil manter um segredo. Pois nasceu da seguinte
anedota: um cego, esmoler de feira, viu-se de repente acometido de fortes dores-de-barriga, pedindo a um transeunte que o pusesse num lugar reservado,
apropriado à satisfação da exigência que lhe fazia a Natureza. O moleque, fazendo-se de muito prestativo, conduziu o cego ao centro mesmo do largo da feira,
dizendo-lhe, perversamente, com intuito de divertir-se à custa da angústia do próximo: " – Aqui estará bem, meu velho, atrás deste muro, abrigado das
vistas... mas, abaixe-se bem porque o muro não é lá muito alto!" Afasta-se, e logo o pobre cego recebe a primeira repreensão: " - Oh! homem, então é aí que
você vai fazer suas necessidades?!" Agacha-se mais o cego e ouve novo protesto: " - O que é isto? Aí é lugar de alguém aliviar-se?" Encolhe-se mais o pobre
mendigo a esconder-se atrás da hipotética parede e nem assim se livra de outra reclamação: " – Mas, era só que faltava: você vir fazer isso bem aqui, no meio
de todos!" Novo esforço faz o velho para esconder-se e, por fim, desabafa: " – Mas, meu Deus, que terra de muro baixo!" Assim se costuma dizer quando certo
assunto que se pretendia sigiloso passa a ser do conhecimento de toda gente.
Quem já não ouviu o pedido a quem se retira de repente de uma agradável reunião: "Demora-te mais, o que é isto? Já te vais? Por que tanta pressa?
Vais tirar o pai da forca?" O porquê dessa expressão deve-se à lenda segundo a qual Santo Antônio fez o seguinte milagre, livrando o pai da morte: ao santo
português, que se chamava Fernando de Bulhões, estando em Lisboa, chegou a notícia de que seu pai, Martins Bulhões, injustamente acusado de crime de
homicídio, fora condenado à morte, numa outra cidade. Possuindo o poder da ubiqüidade, que lhe permitia estar em vários lugares ao mesmo tempo,
transportou-se Santo Antônio ao local da execução, fez falar o cadáver da vítima apontando o verdadeiro criminoso, justo em cima da hora, livrando assim o
pai do enforcamento. Daí a pergunta: - Por que a pressa? Vais tirar o pai da forca?
Quando alguém, opinioso, pretende impor aos outros um ponto-de-vista indefensável, torcendo os fatos, ou contrariando a razão, costuma-se, entre
nós, atalhar o absurdo, ponderando: "Isto é querer meter a Sé em Santaninha!" Pois tudo nasceu do fato de que no fim da rua do Sol, mais propriamente já na
praça Deodoro, na esquina da rua Salvador de Oliveira, existiu uma ermida pequenina, construída em 1791 pelo arcipreste Agostinho Aranha e demolida em
meados do século XX, sem quê nem pra quê. Chamava-se Igreja de Santana da Sagrada Família, mas o povo apelidou-a carinhosamente Igreja de Santaninha,
também para diferençá-la da outra Igreja de Santana, a da rua José Augusto Corrêa, que se conserva de pé apesar das ameaças. Assim, quando se está a
braços com um problema complexo cuja solução exige procedimentos difíceis, diz-se que a ação se torna tão complicada como pretender colocar o prédio
grandioso da Sé Catedral dentro do espaço exíguo do pequeno templo de Santaninha!
" – Ah! Isso são outros quinhentos!... ensina o mestre Cascudo que provém do fato de que os fidalgos de linhagem da Península Ibérica, quando alvos de
alguma ofensa ou injúria, podiam requerer do ofensor uma indenização de 500 soldos. Uma segunda ofensa, é óbvio, implicaria em nova cobrança, isto é, em
"outros quinhentos"!
Já "Uma mão lava a outra" vem do antigo dito romano: Manus, manum lavat e meu querido e saudoso professor Mata Roma, sempre que nos
encontrava juntos (a mim e ao inseparável amigo e colega do Liceu, Danúzio Costa) brincava conosco repetindo: Asinus Asinum fricat, em bom português, um
burro esfrega o outro!
Por hoje é só. E para concluir com latinório, vá lá: Acta est fabula!, que era como se anunciava no teatro antigo o fim da representação: fim.
Pregoeiros de São Luís
Silvana Rayol
No intuito de identificar ao leitor o que é "pregoeiro", é preciso enfatizar que esse nome vem de apregoar, alardear, anunciar. Os pregoeiros, porém,
desconhecem tal terminologia, uma vez que se denominam vendedores ambulantes. A referência da sua existência está localizada no meio urbano, a partir dos
romancistas. Parece que a expressão pregoeiro vem dos literatos, uma vez que se conseguiu localizá-la somente na literatura.
Os pregoeiros pertencem a uma categoria de vendedores ambulantes, que ficaram muito conhecidos em São Luís do Maranhão, notadamente a partir do
século XIX, sobretudo através da literatura, pela maneira quase poética e lírica de anunciar seus produtos, os mais diversos, utilizando-se de pregões
caracterizados por frases típicas, constituídas de versos rimados ou não, algumas vezes musicados, recursos esses destinados a auxiliar a venda das
mercadorias. Os pregoeiros são pessoas que fazem do comércio de rua uma fonte de renda, ou, pelo menos, uma das principais. Constituem-se, portanto, como
mão-de-obra informal, a qual se caracteriza por atividades não-produtivas, não sendo consideradas na mensuração dos índices econômicos, ou seja, não são
levados em conta quando do levantamento de índices ou renda nacional.
Pregoeiro é, pois, vendedor ambulante, geralmente do sexo masculino. Não se verifica na mesma proporção, mulher pregoeira, na nossa atualidade,
atuando nas mesmas condições dos pregoeiros. Supõe-se que é devido à atividade exigir maior esforço fisico, considerando a necessidade de se carregar, na
grande maioria, a mercadoria às costas, cerca de 20 a 40 quilos, sem parar. E também pelo fato de a atividade se realizar na rua, em horários, como pode-se
verificar através dos estudos de caso, não favoráveis à mulher, porque, mais vulnerável à violência física. E ainda, talvez, um dos fatos mais determinantes, o
da mulher estar mais envolvida nas atividades domésticas.
O pregoeiro, para vender os seus produtos, tem que se valer da voz como instrumento de trabalho, de modo que possibilite a seus clientes, transeuntes,
ou supostos compradores, escutá–lo a uma certa distância. Daí a resistência impressionante desse trabalhador, porquanto, além da voz, a maioria percorre
inúmeros quarteirões, bairros os mais distantes possíveis, faça sol ou chuva, cobrindo, em média, cerca de quatro horas de caminhadas por dia, sem
interrupção. Todavia, o mais interessante é que o pregoeiro não anda aleatoriamente, mas tem um percurso já traçado que vira rotina, lembrando uma época
passada, devido à repetição dos fatos. Estes estão relacionados à propaganda, aos pregões e à própria presença física do pregoeiro, o qual consegue obedecer
ao horário de sua passagem nos locais do seu percurso, ou seja, se o vendedor de peixe passa às 08 horas, em determinada rua, com certeza, no outro dia
passará no mesmo horário, claro com diferenças de minutos de um dia para outro.
A contínua permanência dos pregoeiros em certos locais, totalizando cerca de 15 a 20 anos de exercício, decorre da demanda de fregueses que não
perderam tal hábito, apesar de terem fornecimento de outro tipo.
O trabalho do pregoeiro e a sua relação de trabalho se concretizam na rua, tendo aí mais um elemento que reforça a discriminação, representando uma
categoria marginalizada.
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São muitos os produtos que têm sido comercializados em São Luís, por intermédio dos pregoeiros. É verdade que escassearam de alguns anos para cá,
embora, ainda hoje, se façam presentes, dia e noite, nas ruas da cidade. É o caranguejo, o camarão, o peixe, o rolete de cana, o mingau de milho, a juçara, o
pirulito e tantos outros. Uns persistem (verdureiro, carvoeiro, camaroeiro), a maioria desapareceu (derressó, água de cheiro, vendedor de beiju), alguns novos
surgiram, como o cuscuz ideal e o algodão doce, e o mais interessante, alguns ressurgiram como o comprador de garrafas e o vendedor de latas velhas.
Com base no livro de Antonio Vieira e Lopes Bogéa, havia em São Luís os pregoeiros de "banho cheiroso" (atualmente vendido nas bancas dos
mercados), também vendedores de ervas bentas que eram utilizadas para tirar morfina, a coíra ou mau olhado.
Usava-se um tabuleiro para carregar as ervas e, também, havia as negras vendedoras de caruru com bola. Estas usavam uma rodilha de pano na
cabeça, sobre a qual carregavam um tabuleiro leve de madeira com dois alguidares, um com caruru e outro com angu de fubá de arroz com que faziam bolas.
Um dos pregões mais conhecidos em São Luís tornou-se o nome de um doce que era vendido nas ruas e vielas da cidade: o derressó, cocada feita com
coco seco ralado e mel de cana, sendo preparado em tacho de cobre até que tomasse consistência de melado. Depois era despejado num tablado em camada
fina até esfriar, para, em seguida, ser cortado em quadradinhos uniformes na dimensão de dois centímetros, arrumados e sobrepostos em camadas de cinco.
O nome derressó é uma corrutela pelo fato de na época custar cada camada de cinco tabletes, dez réis, só, como era conhecido no pregão do qual vem o
nome derressó. Os doces eram vendidos em pequenos baús de flande, com tampa envidraçada.
Existia ainda a venda do "arroz de cuxá", que é um prato típico da culinária maranhense. O prato completo é composto por arroz branco, peixe frito e o
cuxá, recebendo impropriamente o nome de arroz de cuxá. O cuxá é feito com os seguintes ingredientes: gergelim, farinha seca (branca), camarão seco,
vinagreira (espécie de verdura) e, como tempero, cheiro verde, cebola e pimenta.
Havia duas exceções quanto aos tipos de pregoeiros, os quais, em vez de vender os produtos, comprava-os. Tratava-se do garrafeiro e do "compra tudo".
Ele passava de porta em porta, com um saco de estopa às costas, gritando "garrafeiro... compro garrafas, meias garrafas, litros e vidros...freguês!...", depois
revendia-os nas fábricas de bebidas e farmácias de São Luís; o "compra tudo" comprava, realmente tudo: ouro, prata, chumbo, roupa velha, sombrinha.
Comprava ainda latas vazias de óleo, de leite em pó, de massa de tomate, para aproveitá-las na confecção de pás-de-lixo, lamparinas etc. e finalizava seus
anúncios dizendo que até bicho comprava. Enfim, transformava o material velho em novo, revendendo-o por um preço maior, ou as sucatas em objetos úteis,
pelos quais adquiria um preço compensador.
Verifica-se que usavam como instrumento de trabalho, para lhes auxiliarem na venda, além da voz em forma de verso ou não, utensílios bem
rudimentares, em que carregavam os produtos, utensílios estes feitos artesanalmente, como o cofo e o cesto de palha de buriti. Ainda hoje presenciam-se
pregoeiros, como o peixeiro, utilizando cofos de palha, no centro de São Luís.
Vale ressaltar que os pregoeiros são figuras importantes na história econômica de São Luís, pois no passado não muito distante, década de 60 e 70 do
século XX, eram os abastecedores do centro de São Luís. Complementavam as necessidades básicas de alimentação. A importância dos pregoeiros está
assinalada em muitos romancistas, cronistas e poetas. Não são, de fato, poucos os que teceram comentários, ou, simplesmente, se referiram aos pregoeiros e
seus pregões, ora para focalizá-los de modo especial, ora para descrever uma paisagem que eles compunham, constituindo-se em figuras folclóricas.
Banquete dos Cachorros para São Lázaro
Sergio Ferretti
O banquete dos cachorros é um ritual do catolicismo popular realizado em pagamento de promessa a São Lázaro. Câmara Cascudo dá notícias de sua
ocorrência no Ceará, Piauí e Maranhão. Soubemos que é também realizado em Goiás, no Rio de Janeiro, em Sergipe e na Amazônia. Sua realização no Piauí é
comentada por Raimundo Rocha e no Amazonas, Mário Ipiranga Monteiro apresenta vários exemplos de sua ocorrência em diversos municípios, durante o
século XX. A origem dessa festa não é conhecida. Deriva provavelmente de rituais do catolicismo em louvor a São Lázaro e São Roque, que são associados, a
quem são dedicados os cães e cujas estórias costumam ser confundidas, como menciona Câmara Cascudo (1988). Acredita-se popularmente, que a saliva dos
cães cura feridas e doenças de pele. Esses animais aparecem junto às imagens populares desses santos, invocados para proteção contra a peste. São Roque
atendia aos doentes da peste e um cão lambia suas feridas. São Lázaro é protetor dos leprosos e os cães são dedicados a ele.
Até inícios do século XX, epidemias castigavam severamente as populações urbanas de norte a sul do País. No Maranhão, existem notícias de uma
grande epidemia de peste bubônica ocorrida em 1904 e de muitas outras, durante o século XIX. Devido a esse grave problema, a devoção aos santos protetores
contra a peste foi amplamente desenvolvida. Entre os negros minas jeje do Daomé, que se organizaram na Casa das Minas do Maranhão, a divindade protetora
contra a peste denomina-se Acossi Sakpatá, da família de Dambirá, que protege contra doenças da pele, varíola e outras epidemias. Acossi é devoto de São
Lázaro. São Lázaro e São Roque também são sincretizados, nas religiões afro-brasileiras principalmente, com Omolu ou Obaluaê, divindades nagôs associadas à
varíola. A data da festa desses santos é móvel, variando com a região. São cultuados em agosto, 11 fevereiro, ou em 17 de dezembro. Na Casa das Minas do
Maranhão, são associados à festa de São Sebastião, realizada no dia 20 de janeiro.
O banquete dos cachorros é organizado quando um devoto deseja pagar uma promessa a São Lázaro. Pode ser feito em casa ou sítio e muitas vezes é
realizado em terreiros de culto afro, o que é comum no Maranhão e na Amazônia. Temos acompanhado sua ocorrência em terreiros de tambor de mina em São
Luís e temos notícias de sua ocorrência no interior.
O banquete aos cachorros costuma ser oferecido a um número ímpar de cães (7, 9, 11 ou 13), cuja razão não é explicada. É comum também que os
cães comam intercalados por crianças, cada qual comendo em seu prato. Organiza-se uma mesa no chão, forrado com esteiras de meaçaba, cobertas por toalha
bordada. Pequena imagem do santo é colocada à cabeceira, ladeada por velas acesas. Os cães devem vir banhados, sendo-lhes colocado um laço de fita
vermelho no pescoço. São presos por coleira, permanecendo seguros pelo dono.
O promesseiro costuma servir os pratos e às vezes permanece de pé ou de joelhos, podendo também estar segurando um dos cães, ou comer entre os
convivas. Vimos um promesseiro deitado no chão, comendo como cachorro, com a boca no prato, sem segurar os alimentos com as mãos ou talheres. Também
temos notícias de caso em que o promesseiro e o cão comem no mesmo prato, ou de casos em que os cães ficam sobre bancos e são servidos numa mesa, em
vez de comerem no chão. A promessa costuma ser em pagamento pela cura de uma pessoa, ou pelo restabelecimento de um cachorro.
Quando realizada nos terreiros, o ritual costuma ser presidido por entidades incorporadas em seus devotos no estado de transe, paramentadas de branco
ou branco e vermelho, de pé ou sentadas à cabeceira da mesa. Antes e depois da comida, as entidades e devotos costumam cantar cânticos relacionados ao
ritual. Terminada a refeição principal ainda é costume oferecer aos cães, vinho ou refrigerante e sobremesa, geralmente goiabada em pedaços. O banquete
dura pouco tempo, não sendo raro a ocorrência de brigas entre os cães.
Costuma haver também, nos terreiros, após o banquete dos cachorros, no dia 20 de janeiro, a distribuição ritual de alimentos, chamada de comida de
obrigação, oferecida aos devotos e fiéis, que na oportunidade pedem proteção contra doenças graves. As características e tipo desses alimentos variam
conforme a casa. Na Casa das Minas, a comida de obrigação contém mamão, aluá de milho, fubá de arroz, dendê, banana, batata doce, abobó de feijão e milho
e acarajé. Em outras casas os alimentos oferecidos são outros. Depois da mesa dos cachorros e dos alimentos rituais, é oferecido um jantar aos presentes, com
o mesmo tipo de comida que foi oferecida aos cachorros. Consta geralmente de arroz, salada com batata, carne, torta de camarão, macarrão, galinha
desossada, comidas bem feitas, que se oferecem normalmente nas festas de terreiros, havendo sempre do bom e do melhor. O banquete dos cachorros costuma
se acompanhado, nos terreiros, por três dias de toques de tambores.
Na cerimônia banquete dos cachorro é importante destacar o sincretismo com o catolicismo popular, que costuma estar presente nas religiões
afro-brasileiras. Verifica-se a presença do culto aos santos, ladainha, hinos católicos, participação em missas e procissões. A história dos santos aproxima-se e
se confunde com elementos dos mitos de entidades africanas. Entidades que protegem contra a varíola assemelham-se aos santos que protegem contra pestes.
Em janeiro de 2001, assistimos à missa pela manhã bem cedo, na Igreja de Santo Antônio, com a participação de uma vodunsi, que foi comungar descalça
incorporada com seu vodum. Depois da missa, o vodum voltou para a casa e ajudou a servir um chocolate com bolo de tapioca e depois um mingau de milho.
Na tarde do mesmo dia houve o banquete dos cachorros.
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No ritual do banquete dos cachorros constatamos uma inversão simbólica. Os cães, que cotidianamente costumam comer restos de comida no chão,
neste dia são servidos com distinção, em primeiro lugar, como se fossem seres humanos. Quando doentes, as pessoas podem se sentir rejeitadas, como se não
fossem humanas, e depois de curadas sentem a obrigação de servirem aos cães um banquete, como se eles fossem humanos. A inversão simbólica pode ser
interpretada como uma purificação, ou uma catarse que proporciona o alívio das emoções.
O sincretismo e a presença de fortes elementos simbólicos despertam curiosidade e o interesse por esse ritual, pouco conhecido e comentado na
literatura. O banquete dos cachorros é uma cerimônia da religiosidade popular, que para alguns parece estranha, mas faz parte de costumes antigos,
preservados, sobretudo, em algumas regiões do Nordeste. Expressa o sincretismo entre tradições afro-brasileiras e o catolicismo popular, envolvendo a crença
em elementos simbólicos e relacionando epidemias do passado com doenças atuais que continuam nos afligindo.
Bibliografia
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia/EDUSP, 1988.
FERRETTI, Sergio. Repensando o Sincretismo. São Paulo/São Luís: EDUSP/FAPEMA, 1995.
_________. Querebentã de Zomadonu. Etnografia da Casa das Minas. São Luís: EDUFMA, 1996, 2ª Ed. Revista.
GODINHO, Victor. A Peste no Maranhão. Relatório apresentado ao Snr. Coronel Alexandre Collares Moreira Júnior, Governador do Estado. Maranhão:
Typogravura Teixeira, 1904.
MONTEIRO, Mário Ypiranga. Cultos de Santos & Festas Profano-Religiosas. Manaus: FUNCOMIZ, 1983.
ROCHA, Raimundo. A festa dos cachorros. In: Bando: Fortaleza: Ano V, Vol III, nº 5, mai-jun 1954.
Preto Velho na Umbanda e no Tambor de Mina do Maranhão
Mundicarmo Ferretti
No dia 13 de maio, data em que, no ano de 1888, a Princesa Isabel assinou a "Lei Áurea", abolindo o regime escravocrata no Brasil, muitos terreiros de
Umbanda e religião afro-brasileira realizam uma homenagem aos que um dia foram escravos. Nessa data costuma haver incorporação de entidades espirituais
conhecidas como "pretos-velhos" e eles, com seus tradicionais cajados, cachimbos e linguajar característico ("meu fio"), se comunicam com os
afro-descendentes e outros membros da comunidade religiosa.
A categoria de entidade espiritual denominada "preto-velho" surgiu na religião afro-brasileira depois de 1908, quando Zélio de Moraes abriu um centro
espírita para que ancestrais indígenas e africanos (ou de origem indígena e africana) pudessem se manifestar como "espíritos de luz" e começou a organizar a
Umbanda. Mas antes disso, em várias partes do Brasil, havia médiuns que entravam em transe com encantados que se apresentavam como indígenas, caboclos
e pretos velhos. De acordo com a memória do Tambor de Mina e do Terecô, no Maranhão, bem antes da abolição da escravatura, já se entrava em transe na
capital com Caboclo Velho - o índio Sapequara (na Casa de Nagô) e em Codó, no interior de Estado, com Légua Bogi Boá da Trindade, conhecido em São Luís
como um vodum cambinda e apresentado pela saudosa Mãe Antuninha, do Terecô de Codó, como um preto-velho angolano (FERRETTI, M., 2000).
Os pretos-velhos da Umbanda, embora tenham nomes próprios (Pai Antônio, Mãe Maria Conga) e possuam características individuais (CONCONE, 2001),
aparecem aos "não iniciados" de modo muito estereotipado. Na home page Saravá Umbanda, Manoel Lopes afirma que o preto-velho lembra a escravidão, que
a sua imagem frágil e humilde nos traz a simplicidade e a paciência e que os seus cabelos brancos lembram que o conhecimento e a sabedoria virão com o
tempo e com a vivência, através do estudo, dedicação e amor ao próximo . Mas o estereótipo de preto-velho apresenta-se coerente com a visão de Nina
Rodrigues a respeito dos últimos africanos (ex-escravos) que viviam na Bahia no início do século XX, que ele estimava não passarem de quinhentos. Segundo
informa, eles viviam isolados dos crioulos e mestiços, junto com os de sua terra (de sua ‘nação’). Dedicavam-se ao pequeno comércio e a fretes - vendiam
produtos da Costa, de suas roças, comidas prontas; carregavam palanquins (cadeirinhas) e água; trabalhavam como criados e eram encarregados da limpeza
de grandes prédios. Eram sempre "submissos, ordeiros, zelosos e econômicos" (RODRIGUES, 1977, p.101).
Fala-se que a elaboração do perfil do preto-velho na Umbanda foi muito influenciada pelo romance abolicionista americano "A cabana do Pai Tomás"
(SALES, 1969), no qual o personagem principal adotou o cristianismo e, embora algumas vezes se revoltasse com a escravidão e com os sofrimentos que ela o
fez passar, se recusou a fugir da senzala e a fazer qualquer coisa contra o seu senhor. Com efeito, na Umbanda os pretos-velhos são geralmente humildes,
pacientes, bondosos, submissos e resignados como o Pai Tomás. Geralmente se apresentam encurvados pelo peso da idade, com bengala e cachimbo e são
normalmente representados como alguém que se acostumou com o sofrimento. Embora alguns pesquisadores chamem a atenção para a existência de alguns
que se distanciam daquele modelo (SANTOS, E., 1998; SANTOS, E., 1991; CONCONE, 2001), eles nunca são revoltados e ameaçadores como os quilombolas e
como os Exus da Quimbanda, de quem fala Lapassade e Marco Aurélio Luz (LAPASSADE e LUZ, 1972). Por isso mesmo são freqüentemente chamados para
exercer uma função de controle nos rituais de Quimbanda.
Em São Luís, o 13 de maio não é comemorado nos terreiros mais antigos, fundados por africanos (Casa das Minas-Jeje e Casa de Nagô), apesar de, até
bem pouco tempo, se receber nessa última uma entidade denominada Preto Velho, que se apresentava como "vaqueiro do Rei Sebastião", daí porque era
homenageado com uma brincadeira de "Bumba-boi". Mas essa data é festejada na capital maranhense em vários terreiros de Mina e de Umbanda com um
toque, quando ocorre a "descida" de entidades espirituais e com um Tambor de Crioula (do folclore maranhense), onde as mulheres dançam, às vezes
incorporadas, segurando na cabeça a imagem de São Benedito, patrono dos negros. Fala-se que foi com essa brincadeira que os negros festejaram no
Maranhão o fim da escravidão.
Tivemos oportunidade de assistir a essa festa várias vezes no terreiro de Pai Jorge Itaci, na Travessa Fé em Deus (entre 1984 e 1999) e na Casas de
Mariinha, no bairro do Angelim (entre 1995 e 1999) - o primeiro de Mina e o segundo de Umbanda. E, em 1999, assistimos à festa de 13 de maio nas casas de
Pai Odilon, em São Cristóvão, e na de Pai Lincoln, no Araçagi. Em geral, nas festas de 13 de maio realizadas em terreiros maranhenses, se homenageia em
especial uma entidade espiritual recebida pelo pai ou mãe-de-santo que se enquadra na categoria "preto-velho" ou de ex-escravo: Pai Joaquim (em Jorge),
Preto Velho (em Mariinha), Ouro Preto (em Odilon), Chica Baiana (em Lincoln). É possível que algumas dessas entidades tenham "nascido" ou começado a se
manifestar na Umbanda e sejam também conhecidas fora da Mina e de sua área de difusão. Mas algumas, embora tenham nome ou perfil semelhante ao de
pretos-velhos da Umbanda, se apresentam como "mineiras" (da Mina), como é o caso do preto-velho Ouro Preto e outras parecem conhecidas apenas na Mina e
em sua área de difusão, como é o caso de Chica Baiana.
13 de maio no terreiro de Jorge - Fé em Deus
No dia 13 de maio, Pai Jorge Itaci recebe Pai Joaquim, que geralmente chega primeiro. Os outros pretos-velhos são chamados pelos médiuns que,
usando roupa estampada e, as mulheres, turbante, cantam de mãos dadas, dispostos em círculo, até que todos tenham incorporado:
"Ele é preto crioulo, ele é rei dos pretos,
ele é preto crioulo".
Depois de incorporados com pretos-velhos, os médiuns ficam encurvados, de "beiço arreado", dando risadas e andando pelo barracão geralmente
descalços, com apoio em bengalas. Fumam charuto ou cachimbo, bebem vinho numa cuia, sentam no chão e algumas pretas-velhas tentam dançar Tambor de
Crioula com a imagem de São Benedito na cabeça, sempre resmungando, que já não se sabe mais tocar Tambor de Crioula, e querendo ir embora. Mas, nunca
protestam quando chega a hora de "subir". Segundo nos explicou o preto-velho Pai Joaquim, muitos querem ir embora logo por medo de levar chibatadas de
brancos, pois "já sofreram muito na mão deles e eles continuam machucando os negros". Explicou-nos também que eles não podem ficar "em Terra" depois que
"as horas cruzam" (depois de meia noite), pois só participam de festa ou ritual da Casa uma vez por ano, no dia 13 de maio, e, a partir da meia noite, já é
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outro dia.
Os pretos-velhos que se manifestam na Casa se afastam do "modelo Pai Tomás" e do estereótipo de preto-velho de Umbanda pois geralmente são muito
impacientes e, vez por outra, ameaçam bater em alguém com a bengala. É possível que venham ali só para receber uma homenagem, pois nunca vimos
nenhum deles benzendo ou atendendo a alguém, embora entre eles se encontre a Mãe Maria de Guarapirá que, conforme Pai Euclides (da Casa Fanti-Ashanti),
tem ajudado a muitas mulheres em trabalho de parto e que, segundo Légua Bogi em Pai Jorge, mora em uma encantaria que fica defronte ao porto do Itaqui e
costumava chegar no terreiro do Egito (já desaparecido) com uma barca cheia de velhos.
13 de maio no terreiro de Mariinha – Angelim
Preto Velho é homenageado no terreiro de Mariinha no dia 13 de maio, com uma gira (toque de Umbanda), quando é servida aos médiuns, numa
cuinha, uma bebida de obrigação, e com um toque de Tambor de Crioula. Vem ali como um "preto-velho de Umbanda": abaixado, com bengala branca e preta,
fumando cachimbo, mas consegue dançar um pouco. Costuma usar naquele dia uma toalha branca especial, como uma de seda branca que tem uma figura
clássica de um preto-velho pintada, e sentar em um banquinho para abençoar os filhos da casa. A comunidade do terreiro o recebe jogando perfume e oferece a
ele uma mesa de doces, decorada com miniaturas de preto-velho, de tocadores e instrumentos musicais de Tambor de Crioula, etc., e canta para ele o
tradicional parabéns para você.
De acordo com letra de música cantada em sua homenagem, Preto Velho veio de Codó, do interior do Maranhão:
"Preto Velho codoense onde é sua morada?
É na mata, é na mata, é na mata de Codó
Onde é sua morada?
É na mata, é na mata de Codó"
Não sabemos se esse Preto Velho codoense é o mesmo Preto Velho que vinha na Casa de Nagô e/ou o mesmo Preto Velho de Holanda, para quem se
cantava ali em 1999, antes da sua chegada, e que, segundo Pai Jorge Itaci, é um preto que veio da Guiana Holandesa para o Maranhão:
"Preto, preto, preto de Holanda,
sangue de Cristo te banhou"
13 de maio no terreiro de Odilon - São Cristóvão
O preto-velho Ouro Preto, que é homenageado na Casa de Pai Odilon, adota uma postura corporal e expressão facial "típicas" de um negro velho e
semelhantes às adotadas por pretos-velhos em terreiros de Umbanda, mas se apresenta ali como "de Mina". Gosta de café amargo, usa chapéu "de Panamá" e
anda com um cajado de cerca de 2 metros. Afirma ter sido escravo "de canaviá do Egito", ter mais de 950 anos e ser conhecido ali como Pai Joaquim. Não
sabemos se ele é o mesmo Pai Joaquim, recebido por Jorge Itaci. Mas, como tem o mesmo nome e é muito mais velho, pode ser aquele em outra encarnação e
ter vivido na África (Egito) antes de ser "crioulo" no Brasil. Em 1999, incorporado em Pai Odilon, Pai Joaquim nos explicou que preto-velho é "quem foi escravo
por esse mundo a fora" e não apenas os que foram escravos no Brasil.
13 de maio no terreiro de Licoln - Araçagi
A Chica Baiana, festejada no terreiro de Pai Lincoln no dia 13 de maio, não se apresenta como velha e nem como mansa. Em 1999, além de não ter
usado cajado, não ter fumado cachimbo e não ter adotado uma postura corporal de pessoa idosa (encurvada), foi muito severa para com um filho desobediente,
que ousou cortar o cabelo de modo estranho, sem o seu consentimento, exigindo, para perdoá-lo, que ele rastejasse aos seus pés. Chica Baiana é representada
no terreiro de Pai Licoln como uma negra bonita e vaidosa, como se pode constatar na letra de música cantada ali para ela:
"Se você saiu da cidade prá olhar negro na roça,
veja o que encontrou, uma negra linda e formosa"
Por essa razão, apesar de homenageada no dia 13 de maio, o que sugere ter sido escrava, não pode ser enquadrada na categoria "preto-velho", como o
Pai Joaquim, o Preto Velho e o Ouro Preto homenageados na mesma data em outros terreiros da capital maranhense.
Conclusão
Embora se costume classificar como "preto-velho" toda entidade espiritual que foi escrava, algumas entidades homenageadas em São Luís no dia 13 de
maio fogem a essa categoria, como é o caso de Chica Baiana. Os pretos-velhos homenageados em terreiros da capital maranhense no dia da libertação dos
escravos nem sempre se aproximam do "modelo do Pai Tomás". Enquanto alguns são mansos e pacientes, como o Preto Velho de Mariinha, outros são
rabugentos e, às vezes, até agressivos, como vários dos que "baixam" naquele dia no terreiro de Jorge Itaci.
Apesar da festa de 13 de maio ser geralmente realizada em terreiros da capital em homenagem a entidade espiritual recebida pelo pai ou mãe-de-santo,
no de Jorge Itaci (na Fé em Deus), como depois da chegada de Pai Joaquim várias pessoas recebem pretos-velhos e esses são objeto de atenção especial da
comunidade, ele não tem o mesmo destaque que tem a entidade recebida pelo pai ou mãe-de-santo em outras Casas. Em outros terreiros observados aquelas
entidades, além de chegarem sós, costumam receber os cumprimentos da comunidade, abençoar os filhos da Casa e, não raramente, cortar um bolo de
aniversário, carreando em alguns momentos toda a atenção dos presentes.
Bibliografia
CONCONE, Maria Helena Villas Bôas. Caboclos e pretos-velhos da Umbanda. In: PRANDI, Reginaldo (org.). Encantaria brasileira: o livro dos mestres, caboclos e
encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001 (p. 281-303).
FERRETTI, Mundicarmo Maria R. Desceu na guma: o caboclo do Tambor de Mina em um terreiro de São Luís - a Casa Fanti-Ashanti. 2.ed., São Luís: EDEFMA,
2000.
LAPASSADE, G. e LUZ, Marco Aurélio. O segredo da macumba. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972.
RAMOS, Arthur. O folclore negro do Brasil. São Paulo: Ed. Carioca, 1954.
RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. 5 ed. São Paulo, Nacional, 1977. ed. original de 1905.
SALES, Herberto. A cabana do Pai Tomás. Baseado na obra original de Herriet B. Stowe. Rio de Janeiro, Tecnoprint/Ediouro, 1969.
SANTOS, Eufrásia Cristina M. Preto Velho, as várias faces de um personagem religioso. UFSE, 1998. Monografia de Mestrado em Antropologia Social.
SANTOS, Micênio. 13 de maio, 20 de novembro: uma descrição da construção de símbolos raciais e nacionais. Rio de Janeiro, 1991. Dissertação de Mestrado.
UFRJ.
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Xamanismo: cura e magia dos índios Kanela-Ramkokamekra
Rose Panet*
Religião, Mitologia e Xamanismo
Para explicar o funcionamento do mundo e da sociedade em que vive, o homem elabora um sistema intelectual coerente que determina igualmente
condutas apropriadas a seguir. Essas condutas estão associadas às instituições que o homem cria para viver em sociedade. Assim, a agressividade dá origem às
leis, à política e ao direito; o desejo sexual provoca a invenção da família, do incesto, do casamento e do parentesco; a fome que sente conduz à descoberta do
trabalho e do valor dos alimentos; o frio e a insegurança material dá ensejo a construções de abrigos; os eventos inexplicáveis como a coincidência, a morte, o
sonho e a desgraça levam à religião.
Assim, o xamanismo não será trabalhado aqui apenas como uma reação instrumental aos acontecimentos inexplicáveis, mas como reação cultural aos
eventos que estão fora do nosso controle, ou seja, cheio de simbolismo próprio e características culturais peculiares à sociedade a qual está inserido. Afinal,
mesmo inserido em uma categoria universal de religião e possuir características comuns, o xamanismo e sua prática se diferenciam de uma sociedade para
outra.
Como já foi dito em outras palavras, o xamanismo é um dos grandes sistemas simbólicos imaginados pelo espírito humano para dar sentido aos
acontecimentos inexplicáveis e para agir sobre eles. Ele implica uma representação particular da pessoa e do mundo e pressupõe uma aliança específica entre
os homens e os deuses. Associa-se a um sistema religioso, uma espécie de religião dentro da qual estariam inseridas as práticas xamânicas e sua função
terapêutica.
Um dos grandes princípios do xamanismo é a concepção dualista da pessoa e do mundo, segundo o qual o ser humano é feito de um corpo e de uma
alma. Quanto ao mundo, ou melhor, "mundos", existe o mundo cotidiano visível, profano e o outro mundo, que é invisível aos homens comuns. É o mundo dos
espíritos e dos mestres animais, explorado pelos mitos. É o mundo do sagrado em oposição ao mundo profano.
O sentido deste mundo é dado pelo "outro-mundo" que é antropomorfizado, pois ele é uma projeção deste mundo. O papel do xamã é o de obter do
"outro-mundo"a liberação da alma de seu paciente no caso de tratar-se de uma doença.
Sabemos que a religião se caracteriza pela crença em um ou mais seres que podem ser sobrenaturais, como os espíritos, ou humanos, como o messias.
A crença nesses seres também está ligada a uma atitude emocional, assim como um modo formal de dirigir-se a eles. De acordo com o pensamento de
Durkheim, essa atitude emocional compartilhada pela comunidade caracteriza o aspecto religioso.
O xamanismo é um tipo de religião, na condição ainda, de considerar uma religião como uma representação do mundo que não pode ser separada dos
atos decorrentes da crença que estas representações põe em prática. Para a religião cristã, por exemplo, as representações são expressas pelas santas
escrituras.
Para o xamanismo indígena, as representações são expressas pelos mitos que contam a origem e as transformações do mundo e põem em prática o
"outro-mundo". O xamã representa o mito. É ele quem põe o mito em prática. A mitologia, junto com a religião, as relações entre homens e mulheres e os
rituais em geral, se insere no conjunto de um sistema simbólico e definem as relações sociais.
O xamanismo dos Kanela-Ramkokamekra
Os índios Kanela-Ramkokamekra ocupam as savanas, na região central do Estado do Maranhão. Falam uma variante (ou dialeto) da língua Timbira,
pertencente à família lingüistica Jê que por sua vez pertence ao tronco lingüístico Macro-Jê. Os Kanela-Ramkokamekra praticam o xamanismo que para eles
constitui-se em um fato social que envolve toda sociedade e suas instituições. Um fato que é ao mesmo tempo religioso, simbólico, econômico e político.
Em língua Kanela-Ramkokamekra cai significa xamã ou curandeiro. Na aldeia do povo Kanela, o cai é um homem querido e temido ao mesmo tempo,
pois da mesma forma que é capaz de curar, tem também o poder de matar. E é esse poder de matar que o torna um homem temido e por isso poderoso,
possuindo, inclusive, grande influência política dentro de sua sociedade. Um cai exerce a função de terapeuta, psicólogo, e, às vezes, até de estrategista
político, mas uma coisa é certa, ele é um especialista e se diferencia dos homens comuns, além de normalmente ser quem melhor conta os mitos.
O poder de matar do cai o aproxima de uma outra função ou categoria, ou seja, a de feiticeiro.
Estágios da formação de um cai na aldeia dos Ramkokamekra
Alguns requisitos são necessários para tornar-se um cai, além de muita força de vontade e de uma certa vocação. O aspirante a cai deve cumprir
rigorosamente as condições das quais a primeira delas é a abstinência sexual. Quem quiser ser cai deve passar pela primeira prova: suportar ficar sem sexo
durante pelo menos 8 meses.
Um regime alimentar também deverá ser rigorosamente observado. Pela manhã, o interessado deverá comer apenas uma mão de farinha branca
misturada com água. À noite apenas um mingau de arroz. Esse regime precisa durar 6 meses. Deve-se ainda ingerir o chá amargo da folha de sucupira durante
quatro dias e o chá da folha de sabão por também quatro dias. É necessário ainda lamber o látex vegetal de um tronco que eles chamam de pau-de-leite.
Essa dieta alimentar limpa o corpo e a mente do indivíduo, permitindo-lhe transcender. Só assim será possível compreender a linguagem dos animais e
comunicar-se com os espíritos. Depois há uma morte simbólica seguida de uma ressuscitação e, ao abrir os olhos, o futuro cai estará cercado por espíritos e
animais de quem receberá os ensinamentos para a cura. Um parente morto ou um animal serão seus mestres. Esses mestres dirão quais as doenças que ele
será apto a curar e os procedimentos necessários para a cura, o que pressupõe que existem especialidades específicas e que cada cai tem a sua, tal como as
especialidades médicas.
Mas a formação não acaba por aí. É preciso passar ainda 6 meses em segredo, sem dizer nada a ninguém, até o dia determinado pelos mestres, quando
os poderes xamânicos serão revelados publicamente. Esses 6 meses em segredo correspondem a uma espécie de estágio secreto. A formação só será concluída
com uma cura em público no pátio da aldeia.
A revelação durante a prisão Kêtuwajê
Existem duas vias de acesso para se tornar um curandeiro: pela vontade própria do indivíduo ou por uma "indicação divina", que pode tomar a forma de
um sonho. Os sonhos são sinais de vocação do xamã, pois são concebidos como uma linguagem. Aquele que sonha muito já possui a semente que pode levar ao
xamanismo. Para algumas populações indígenas, aquele que sonha bastante, já é uma espécie de xamã, pois o sonho, nessas sociedades, é encarado como um
tipo de premonição e muitas vezes não se diferencia da realidade.
Várias vocações são reveladas durante a prisão Kêtuwajê: a de cantador, a de corredor, a de caçador e, inclusive, a de curandeiro. Essa "prisão" é,
segundo os próprios Kanela, uma espécie de curso para os meninos crescerem mais rápido. Na prisão, eles aprendem a perder o medo, a espantar a preguiça, a
caçar, a cantar, além de conhecerem mais profundamente as leis da comunidade. A prisão corresponde a um rito de iniciação.
Nesse ritual, o menino "esfria" no quarto por quatro períodos de seis meses. É assistido por homens adultos, mas em seu quarto isolado não pode ser
visto nem pela mãe, que lhe passa o prato de comida por uma janela estreita.
Descrição de cenas de cura
Enquanto não está exercendo sua função, o xamã Kanela é um homem comum, um homem como os outros, que sai para caçar, trabalhar na roça etc,
com a diferença que a qualquer hora do dia ou da noite pode ser chamado para exercer sua função mais importante: a de curandeiro.
Durante a pesquisa de campo realizada na aldeia Escalvado, dos índios Kanela-Rankokamekra, acompanhei com freqüência um cai e tive várias vezes a
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oportunidade privilegiada de assistir aos procedimentos utilizados nas curas. Uma noite chegou uma mulher tristonha trazendo duas crianças pelo braço. A
mulher queixava-se de alguma coisa e chorava enquanto falava. O curandeiro escutou atenciosamente, como um médico escutando seu paciente.
Depois de falar, a mulher pôs a criança mais nova, de uns 3 anos, deitada entre suas pernas dobradas. Começava a sessão de cura. Primeiro um trago
em seu cigarro de palha e em seguida uma baforada dentro do umbigo da criança. Depois uma cuspida. Essa operação foi repetida umas 3 vezes. Depois tocou
a barriga da pequena paciente, tragou novamente e soprou para dentro do umbigo da menina, depois cuspiu. Terminados os procedimentos, a criança se
levantou. A mãe da criança prometeu pagá-lo para garantir o tratamento da filha, agradeceu e saiu levando as duas crianças.
Perguntado sobre os procedimentos da cura, o xamã me explicou que a barriga da criança estava podre. A criança, suponho, estava com diarréia. Nas
palavras do xamã ela estava "obrando" fininho e fazendo barulho". Contou-me que a criança havia adoecido porque sentiu a "catinga" de um morto. O mau
cheiro sentido pela criança fez a barriga apodrecer. Disse-me ainda que "cheirar catinga de cu" também pode deixar uma pessoa doente. Soprar a fumaça
dentro da barriga do paciente faz com que o mau cheiro, ou a "catinga" dê lugar à fumaça, deixando a pessoa curada.
Na aldeia Escalvado é assim. A prática do xamanismo se acentua sempre que os medicamentos alopáticos do mundo dos brancos faltam nas prateleiras
da enfermaria. Assim, quando não há outra alternativa, recorre-se aos poderes xamânicos. Dias de enfermaria fechada e remédios faltando nas prateleiras são
dias de muito trabalho para os xamãs da aldeia, verdadeiros médicos de família.
Em uma única noite, o xamã que eu acompanhava visitou três pacientes.
A segunda paciente foi uma criança do sexo feminino, de aproximadamente 4 anos. A menina dormia mal à noite. Tinha pesadelos, acordava chorando,
gritava, esperneava e pulava durante a noite. O xamã escutou atentamente os sintomas explicados pelo pai da criança e depois perguntou-lhe:
- Atirou em macaco em cima de árvore?
- A menina anda se olhando no espelho?
O pai da menina confirmou que havia atirado em um macaco que estava em cima de uma árvore. Feriu o animal mas não o matou. E que a menina
andava se olhando no espelho. Quando acontece de se atirar em animal em cima de árvore e este não morrer, o espírito do macaco pode se vingar e perseguir
o filho do caçador. E não se recomenda às crianças pequenas se olharem no espelho, pois, à noite, podem se assustar com a lembrança de sua imagem e ter
pesadelos. Foi o que aconteceu, segundo o curandeiro. Duas regras sócio-religiosas foram rompidas e isso causou a enfermidade da menina.
Depois de fumar e soprar a fumaça sobre o corpo da criança, o curandeiro passou levemente as mãos sobre a cabeça da criança e, em seguida, virou-se
para o pai e recomendou um remédio: o chá de uma única folha de raminho que deverá lavar a cabeça da menina para que ela volte a dormir bem, sem
pesadelos e sem que os espíritos a incomodem.
É importante salientar que determinados medicamentos utilizados nas curas só são eficazes quando se segue o ritual apropriado de uso.
Medicina alopática e Xamanismo
Apesar do xamanismo existir e ainda ter força e influência sobre os indivíduos da sociedade, os índios Kanela, em sua maioria, preferem a medicina
alopática, pois acreditam que as doenças adquiridas do homem branco só serão curadas com os remédios do homem branco. Salvo em alguns casos específicos,
o tratamento é feito inteiramente pelo curandeiro da aldeia que, ao lado das práticas mágico-religiosas, faz uso de um campo considerável de tratamentos
práticos à base de plantas medicinais. Segundo a professora Terezinha Rêgo 75 espécies de plantas são utilizadas pelos índios Kanela.
A diferença básica entre o xamã e o médico tradicional é que o xamã, além de possuir conhecimentos fitoterapêuticos, tem a convicção de ter com ele
poderes mágicos de cura enquanto o médico da nossa sociedade tem a convicção de ter a ciência e a arte da medicina.
Para entender a escolha por um ou por outro, basta conhecer a origem da enfermidade. Como citei acima, doença de homem branco só mesmo remédio
de homem branco para curar, a não ser que o remédio falte nas prateleiras da enfermaria. Aí apela-se aos poderes do xamã. Já para as enfermidades
adquiridas depois da contravenção de alguma regra, só o cai pode resolver.
Para entendermos melhor, ilustrarei com mais um caso que presenciei. Desesperado, o pai de um bebê muito doente foi buscar-me para que eu visse
seu filho. Contou-me no caminho que a criança estava muito doente e que estava precisando de gelol. Perguntei-lhe se a criança havia caído e o pai negou.
Então expliquei-lhe o uso do gelol e os casos em que essa pomada poderia ser útil. Chegando lá encontrei um bebê de mais ou menos um ano. Respirava com
dificuldades e quase não havia brilho e movimentos nos seus olhos. Toquei o peito da criança para sentir o coraçãozinho e ele batia muito acelerado. Disse aos
pais que eu nada poderia fazer e que o quadro era grave. O bebê deveria ser levado à cidade de Barra do Corda e internado imediatamente, caso contrário
poderia morrer.
Por uma feliz coincidência, no mesmo dia um carro chegou na aldeia para deixar o cacique e voltaria logo em seguida. Estava certa de que a criança
receberia tratamento adequado no hospital da cidade. Escutando o motor da Toyota voltando à cidade respirei aliviada. Algumas horas depois, soube que os
pais não estavam naquele carro à caminho da cidade e que permaneciam com a criança doente na aldeia.
Na realidade, os pais jamais levariam a criança ao hospital pois acreditavam que o mal do filho não se resolveria propriamente com os conhecimentos
médicos, mas sim com a intervenção de um cai, pois quando a mãe da criança estava grávida o pai cortou uma cobra ao meio. Contaram que a parte da cabeça
conseguiu escapar entrando em um buraco de tatu. A outra extremidade da cobra ficou se contorcendo e sangrando. Dizem que o sangue da cobra é
amaldiçoado e pode fazer adoecer e morrer o filho do caçador que ainda estiver na barriga.
Assim, para eles o que havia causado a doença do filho tinha sido o sangue da cobra e por isso não acreditavam encontrar a cura nas mãos de um
médico. Nenhum argumento os convenceria do contrário. Um cai especialista em doenças infantis visitou a criança várias vezes, mas em vão. Por volta da duas
horas da madrugada do dia seguinte (17.03.99), o menino veio a falecer.
Considerações Finais
Como já percebemos, os Kanela acreditam que algumas doenças têm alma e só o curandeiro pode falar com elas. Assim, muitos não acreditam nos
poderes médicos se o problema estiver relacionado com as crenças e tabus de ordem religiosa, ou seja, se a causa da enfermidade estiver relacionada com o
rompimento de certas regras sócio-religiosas. As crenças e os tabus de ordem religiosa são fundamentais para o equilíbrio da sociedade, pois suprem de
respostas os "porquês" da vida e dos acontecimentos sem explicação como a morte, a doença e a desgraça.
O conjunto dessas crenças e tabus é nada mais nada menos que respostas culturais elaboradas pelo homem para explicar a ordem das coisas e dos
acontecimentos que o perturbam. No entanto, é preciso que fique claro que não estamos considerando o homem como o ser da resposta instrumental, aquele
que apenas responde aos impulsos externos como um cão de Pavlov. Ora, os antropólogos não vêem o homem por seus critérios unicamente biológicos. O
xamanismo é um exemplo que deixa claro que "o homem" dos antropólogos é criativo e diferente, caracterizando-se como o ser da resposta cultural que vive
em um mundo carregado de sentido simbólico.
Bibliografia
KEESING, Felix. Antropologia Cultural. Rio de Janeiro, Ed. Fundo de Cultura, 1972.
PERRIN, Michel. Le chamanisme. Paris, PUF, 1995.
MAUSS, Marcel. Sociologie et Anthropologie. Paris, PUF.
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Recordando o passado, planejando o futuro: notícia sobre as rodas de conversa com grupos de bumba-meu-boi
Arinaldo Sousa*
A Comissão Maranhense de Folclore - CMF organizou, com o apoio do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho - CCPDVF, de 14 a 18 de maio
deste ano, rodas de conversa por sotaques com os grupos de bumba-meu-boi. O evento, que contou com a participação de pelo menos 90 representantes de
grupos de Bumba-meu-boi do Maranhão, além de universitários e professores da Universidade Federal do Maranhão, imprensa e representantes da Fundação
Municipal de Cultura-FUNC, nas pessoas de Nélson Britto e José de Ribamar Morais, foi realizado num clima informal, no qual os representantes puderam se
sentir à vontade para expressar suas opiniões a respeito das constantes inovações que essa manifestação cultural vem sofrendo ultimamente.
Para esse evento singular, o qual faz parte de uma preocupação existente desde o ano de 2000, quando se realizou o Seminário Bumba-meu-boi Hoje:
mudanças e perspectivas, no que diz respeito ao que se convencionou chamar dialética entre tradição e modernidade, a CMF realizou uma reunião no dia 22 de
março do ano em curso e decidiu formar uma Comissão Especial para viabilizar as rodas, que iniciou os trabalhos na semana imediatamente posterior à citada
reunião, tendo realizado, dentre outras providências, quatro reuniões preparatórias. Contava ela com a participação dos representantes da CMF, Maria Michol
Carvalho, Izaurina Nunes, Lenir Oliveira, Joila Moraes, Therezinha Jansen e Sérgio Ferretti; e mais dois graduados em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Maranhão-UFMA, que defenderam trabalhos sobre o bumba-meu-boi: Adriano Rios e Isanda Canjão, além de dois estagiários de Ciências
Sociais/UFMA do CCPDVF, interessados em fazer monografias sobre o bumba-meu-boi: Arinaldo Sousa e Olímpio Araújo.
Ficou acertado nas reuniões que a primeira roda de conversa a acontecer reuniria representantes dos grupos do sotaque de Matraca, seguida pelas rodas
de Orquestra, Baixada, Zabumba e Costa de Mão e, por fim, a roda de conversa dos grupos chamados alternativos. Talvez por ser o sotaque que mais possui
grupos cadastrados no CCPDVF, a roda dos grupos de Orquestra teve uma expressiva participação.
A Roda de Matraca, embora se lamente a falta de muitos grupos, dentre eles os maiores, foi uma ocasião importante na qual os representantes desse
sotaque trocaram experiências, discutiram o que consideravam tradicional e moderno e, de um modo geral, comentaram inovações bastante conhecidas, como
a introdução de novos tipos de pena na indumentária; pandeirões de nylon; personagens do bumba, como As Marias, Catirina e Pai Francisco, e suas funções
no Auto do bumba-meu-boi, ou Comédia, como eles próprios preferem chamar. Segundo um representante de grupo, antes a Catirina entrava em cena nas
apresentações, com uma lamparina posta sobre uma estaca, depois de Pai Francisco, que entrava gritando um parafraseado. Por trás dela, o couro do Boi era
trocado, em apresentações marcadas para as 21:00 horas, entrando pelas 23:00 horas e o Boi não chegando, vindo este aparecer somente às 04:00 horas da
manhã do dia seguinte.
Apesar de notarmos uma tentativa dos produtores culturais do bumba-meu-boi sotaque de Matraca de quererem resguardar uma tradição, e de muitos
elegerem determinadas razões para considerarem-se tradicionais, pode-se perceber também uma visão positiva de determinados elementos modernos, como a
amplificação da voz do Cantador; a utilização de ônibus, mais seguros que os caminhões; pandeiro de nylon, que permite a apresentação sem problemas em
noites de chuva, etc..
Os Grupos de Orquestra mostraram-se muito preocupados no que diz respeito à apresentação do Auto. Segundo eles, há uma cobrança com relação a
isso e eles próprios sentem a necessidade de preservá-lo, mas denunciaram que as pessoas que procuram assistir a apresentações de bumba-meu-boi em São
Luís não têm por interesse assistir ao Auto, considerando-o, segundo um representante de grupo, "cansativo como um casamento de quadrilha". Com relação a
isso, muitos anunciaram que iriam trazer para este ano alternativas de Auto mais atraentes e com menor tempo de duração, para não consumir todo tempo da
apresentação dos grupos, que se daria em uma hora.
Ressaltamos que existe, para este ano, uma louvável preocupação da FUNC por resgatar, em determinadas apresentações, o Auto. Segundo Nélson
Britto, presidente da Fundação, dos anos 70 para cá, a possibilidade dos bumba-bois apresentarem-se em arraiais cresceu bastante, devido ao grande número
de grupos que foram surgindo. Isso, segundo ele, enriqueceu deveras o visual, a musicalidade e os aspectos da dança dos grupos, mas, por outro lado,
empobreceu muito o teatro. A iniciativa da FUNC, destarte, procura contemplar a uma preocupação toda especial com o resgate desse aspecto teatral, até
mesmo para que a população ludoviscense possa, de fato, conhecer o Auto, que sempre foi um importante elemento de identidade da manifestação cultural do
bumba-meu-boi.
O Sotaque da Baixada lamenta, muito mais do que as questões relacionadas à apresentação do Auto, o fato de seu personagem mais característico, só
existente nesse sotaque, o Cazumbá, não mais ser feito para rasgar-se, quebrar-se, etc., em clima de festa e regozijo. Segundo eles, os Cazumbás atuais são
feitos de tal forma que chegam a brilhar mais até que o próprio Boi, e os brincantes têm que dançar com cuidado para não prejudicar a roupa, produzida hoje
com esmero e com luxo. Segundo eles, "onde que eles vão hoje querer quebrar aquela careta?". De acordo com isso, o que eles sentem falta é das brincadeiras
de bumba-boi em que os Cazumbás tinham por função rolar pelo chão e produzir risos entre os presentes. Dentre os elementos que compunham a fabricação
de um Cazumbá, existia a "caçamba de palmito", a "embira" e o "paletó velho"; as máscaras eram feitas de madeira, não existindo o isopor, e podiam
quebrar-se nas apresentações. Foi mencionado também que esses personagens se vestiam de "folha de bananeira". Os grupos do interior do Estado
lamentaram a falta de incentivo de suas prefeituras para garantir a sua permanência no São João da capital. Alguns deles até pediram que, caso haja poucos
contratos com a FUNCMA, que seja feito um esforço para que ocorram, se possível, no mesmo dia, assim poderão não gastar muito tempo ocioso na capital e
voltar para o interior. Disseram, ainda, que são grupos que possuem custos muito altos com relação à alimentação, transporte e estadia dos brincantes.
Para o Sotaque de Zabumba, o importante é preservar o luxo e não permitir que "qualquer lambudo, querendo bagunçar" entre numa roda de Boi de
Zabumba. Alguns recordaram o modo como eram feitas as Mortes do Bois, em que estes eram cortados e divididos entre as pessoas. Hoje, por causa do valor
de uma armação de Boi, não se pode mais fazer esse tipo de coisa. Com relação aos gastos realizados, foi mencionado que os responsáveis precisam sempre
providenciar todas as fantasias dos brincantes. Alguns até precisam trazer brincantes do interior do Estado para os seus grupos. Foi mencionado, além disso, o
fato de que no passado não existiam mulheres no Boi de Zabumba. As índias eram homens vestidos com "tangas de lenço" e "embira de buriti", como cabelos
que iam até as pernas. Hoje, existem mulheres e as índias são vestidas, segundo eles, "com gala". As toadas também tiveram que mudar; antes eram longas,
"hoje se o cantador começa a cantar dois ou três minutos, eles (os que assistem) pegam a gritar: cadê a batucada?". A zabumba era feita de "touro de pau"
coberto com couro. Havia também reco-reco como instrumento de percussão. Ficou muito evidente nesse sotaque a preocupação com a indumentária: não se
entra numa roda de Boi de Zabumba para dançar caso se esteja, como eles dizem, "à paisana". Até mesmo nas sedes desses bumba-bois, no dia da Matança, se
alguém entra sem camisa é convidado gentilmente a vestir-se, pois, ali naquela casa se exige respeito.
O Sotaque Costa de Mão possui poucos grupos conhecidos em São Luís e na roda de conversa dedicada a esse sotaque e ao de Zabumba, só compareceu
um representante, o qual disse que, assim como os Bois de Zabumba, no seu grupo, indivíduo à paisana não entra para bagunçar. Segundo ele, realizar
bumba-meu-boi desta forma é muito dispendioso, mas, ele assume que não quer ver no seu grupo um sujeito "catingando fumaça". Para garantir isso, ele
fornece aos brincantes a indumentária.
Os Grupos Alternativos são aqueles que mais trazem ao bumba-meu-boi inovações. Alguns até dizem que não se trata de bumba-bois, mas de
companhias de teatro de rua, grupos de dança etc.. Há, por parte de alguns de seus representantes uma preocupação com uma forma de apresentação que leve
em consideração um "visual" mais vibrante, o "artístico" aprendido em cursos e/ou com auxílio de assessores técnicos formados ou reconhecidos por seu
"talento" (isso também se encontra presente em alguns Bois de Orquestra), a produção voltada para um mercado cada vez maior, a busca pelo elemento
jovem, etc.. Não é difícil encontrar, no discurso de alguns deles, a menção ao número de cópias de CD’s vendidas ou a termos técnicos, como "arranjos
musicais", "coreografia", "corpo de baile", etc.. Alguns de seus representantes possuem nível elevado de educação (alguns até assumem cargos importantes em
empresas ou mesmo nos órgãos públicos). Segundo eles, seu trabalho está voltado para o que seria o tradicional no bumba-meu-boi e daí é extraído algo que
possa resultar em um proposta diferente, não compromissada em preservar uma tradição. Alguns dividem suas apresentações em momentos dedicados aos
sotaques de "Zabumba, Matraca, Pandeirões e Orquestra", respeitando, em cada um dos momentos, os personagens e a forma de se fazer bumba-meu-boi
característicos de cada um dos citados sotaques; outros não vêem necessidade de se fazer a diferenciação, alegando uma proposta de fazer algo que mescle,
sem qualquer divisão, os variados elementos do que seria o bumba-meu-boi e/ou a cultura popular. A preocupação com o que, no seu entendimento, é uma
proposta esteticamente "interessante" é tamanha que um deles chegou a afirmar que o Estado presta um desfavor ao ajudar determinados grupos que não
apresentam um " retorno interessante".
Não é nosso dever emitir juízos de valor ou quaisquer que sejam pré-conceitos, ou ditar normas sobre o que seria certo ou errado. Até consideramos
interessante uma proposta tão pretensamente profissional. Mas, alegar que o Estado cumpre um desfavor ao auxiliar a cultura popular é uma afirmação
perigosa, sobretudo por que há elementos no bumba-meu-boi que não se dirigem somente à produção para um mercado e para uma demanda por um
"espetáculo". Historicamente, o bumba-boi tem sido uma alternativa de lazer para muitas comunidades carentes e tem sido também elemento de identificação
de determinadas camadas da população maranhense, que vêem nessa manifestação uma forma de expressar uma religiosidade e uma cultura própria. Querer
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limitar-se à visão empresarial é empobrecer o bumba-meu-boi. O que se pode alegar é que o Estado precisa fornecer alternativas aos grupos menores e
incapazes de oferecer "propostas interessantes", mas que possuam essa dimensão comunitária e identitária (que faz um brincante passar o ano inteiro à espera
do São João para poder brincar, e se o seu Boi não sair ele sofre de depressão; aquele brincante "velho", aquela índia "feia", mas que tem o direito de brincar
por gostar do bumba-meu-boi e nele ver uma alternativa de lazer), para que eles cresçam e adquiram um pouco dessa visão profissional, através de cursos e
infra-estrutura necessária.
O SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) está com uma iniciativa interessante nesse sentido. O Centro de Cultura Popular e a
Comissão Maranhense de Folclore já foram contactados e existe a possibilidade de realização de parcerias entre os órgãos no que diz respeito à prestação de
assessoria técnica aos grupos de bumba-meu-boi (não só a eles, mas aos produtores culturais de um modo geral), no sentido de, neles, desenvolver uma visão
empresarial, para que o bumba-meu-boi passe a fazer parte da vida do povo, também como um sustento seguro, como fonte de renda. Há previsão de cursos e
treinamentos.
Com relação às rodas de conversa, o trabalho da Comissão Especial ainda não terminou. Pretendemos continuar a todo pique, no sentido de terminar o
trabalho de transcrição das fitas gravadas durante as rodas para que seja elaborado um documento com esse material, a ser encaminhado aos respectivos
órgãos de interesse, e para que, em agosto deste ano, seja realizada uma nova fase das rodas, agora como uma espécie de balanço do São João de 2001. Essa
foi uma sugestão dos próprios grupos, que se sentiam sós no meio da multidão, isto é, como a quantidade de grupos hoje existentes tem crescido
vertiginosamente, fica difícil para um grupo de bumba-meu-boi conhecer outro e, por isso, eles acharam a proposta da CMF interessante e que deveria
continuar. Esperamos que tudo corra bem e que os nossos festejos juninos sejam sempre abençoados pelo Senhor São João. Um abraço a todos.
I ENCONTRO DE CAIXEIRAS DA REGIÃO DO MUNIM
Maria Michol Pinho de Carvalho*
O’ Deus mandou cantar
O’ nas hora de Deus, será
Eu vou falar, eu vou dizer
Que hoje eu quero guiar
Quando eu me for no céu direi
Que lá no céu correu uma luz
O’ tem cama, tem travesseiro
Aonde se deitou Jesus
Nas horas de Deus, nas horas
Nas horas de Deus será...
E assim foi. Sempre regido pelo som forte das vozes das caixeiras e das caixas por elas tocadas com sábia maestria o Encontro ocorreu nos dias 26 e 27
de maio de 2001, na sede de Icatu, reunindo cerca de 50 (cinqüenta) caixeiras participantes da Festa do Divino Espírito Santo nesse município (na própria
sede, em Mamuna, Entre Rios, Itatuaba e São Paulo).
A proposta de reunir caixeiras de toda a região não se viabilizou nesse I Encontro, sobretudo pelas dificuldades de transporte, apesar dos esforços D.
Angélica Ramos - a conhecida D. Santinha – que, com um ardor missionário, muito andou, às vezes, até a pé, pelos municípios e suas localidades, na tentativa
de chamar as companheiras de caixa para viverem essa importante experiência conjunta, cuja idéia ela lançou, assumindo a sua maternidade a todo custo.
Mas, a dimensão municipal do Encontro não tirou a diversidade e riqueza do seu conteúdo, pois as caixeiras dos festejos do Divino de Icatu, promovidos
por Maria Paula, Terezinha, Angélica, Domingas e Dionézia, "deram conta do recado", no sentido de mostrarem, com vigor, a sua sabedoria na arte de cantar e
tocar caixa em louvor ao Espírito Santo. De quebra foram ajudadas, nesse mister, por um grupo de caixeiras da Casa das Minas, de São Luís, que, sob a batuta
de D. Celeste, marcaram destacada presença nas atividades do evento, num proveitoso intercâmbio.
As caixeiras da Casa das Minas fizeram parte do grupo de participantes que se deslocou de São Luís para tomar parte nesse I Encontro, no caso
funcionários e bolsistas do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho/Fundação Cultural do Maranhão, membros da Comissão Maranhense de Folclore,
pesquisadores e estudiosos da cultura popular maranhense, para os quais, com certeza, a oportunidade se apresentou como uma valiosa convivência com o
saber dessas mulheres (em sua maioria, pois havia só um caixeiro) dedicadas a cantar e a tocar para o Divino.
A programação de atividades do I Encontro contemplou um conjunto de componentes presentes na melhor tradição dos Festejos do Divino Espírito Santo
do Maranhão. E assim, tivemos os Impérios - com as figuras vistosas dos Imperadores, Imperatrizes, Mordomos e Mordomas, tendo acesso a uma tribuna
especialmente montada para a ocasião e onde o assentamento se deu com base num ritual de cantoria e toque conjunto das caixeiras; o cortejo das figuras da
corte, com bandeireiros, bandeirinhas, toques de caixa e banda de música, pelas ruas da cidade, levando as "Salvas do Divino" até a Igreja, onde foram
recebidos com grande receptividade pelo Padre Antônio José; a Missa, que teve cada uma das suas partes (entrada, liturgia do perdão, glória, meditação entre
as leituras da liturgia da palavra, ofertório, comunhão e ritos finais) cantadas e tocadas pelos grupos de caixeiras envolvidas no evento; a apresentação dos
diversos tipos de toques de cantigas usados nas diferentes etapas do ritual da Festa do Divino Espírito Santo, que fizeram sentir as variações de ritmo
existentes; a dança das caixeiras, frente à tribuna, com passos leves e graciosos e, no final, a descontração do carimbó que a todos sacudiu, num vivo e
contagiante entrosamento. Não faltou, é claro, o chocolate acompanhado do bolo confeitado e doces.
A Festa do Divino de Alcântara esteve presente nas belas imagens de vídeo de Murilo Santos, projetado para os participantes, e as manifestações locais
da cultura popular, mostradas em apresentações do Tambor de Crioula, Boi de Orquestra Infanto-Juvenil e Dança Portuguesa, numa programação paralela,
realizada à noite e na tarde do encerramento.
Na parte dos depoimentos, as respostas às perguntas "O QUE É A FESTA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO" e "POR QUE PARTICIPO DESSA FESTA DO
DIVINO"? deixaram patente a sua profunda inserção no dia-a-dia das festeiras e das caixeiras. Ao afirmarem, na sua simplicidade, mas com grande firmeza:
"Ora, para mim o Divino é tudo" ou "Ele é a minha vida" ou "A gente se junta para homenagear o Divino", as depoentes assumem a devoção ao Espírito Santo
com parte do seu cotidiano e a festa que o homenageia como uma construção coletiva. E, numa atitude de fé e de confiança na força do Divino constata-se que
se dá uma entrega plena para homenageá-lo, mesmo com dificuldade e sacrifício. O resultado final de ver o Espírito Santo louvado compensa e deixa muito
felizes suas festeiras.
Por tudo isso valeu a pena o envolvimento no I ENCONTRO DE CAIXEIRAS DA REGIÃO DO MUNIM que integrou a série de ações do Projeto "DIVINO
MARANHÃO 2001", desenvolvido pelo Governo do Estado, através da FUNCMA/CCPDVF, e que nesse evento contou com apoio da Comissão Maranhense de
Folclore, da Prefeitura Municipal de Icatu, através da Secretaria de Educação e Cultura, sendo palpáveis os seus resultados positivos, que contribuem para a
preservação/dinamização da Festa do Divino no interior maranhense. Nesse processo, as caixeiras-mirins de Entre-Rios, no seu jeito juvenil de tocar e
improvisar versos, ao lado das mestras, representam uma esperança de continuidade desse ofício, cujas executoras nos saúdam divinamente:
Minhas senhoras e meus senhores
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Com licença, queira ficar
Ê, ô, ê, Ave Maria (refrão)
Ê, ô, ê, Ave Maria
No meio desse Salão
Com licença me queira dar
Eu não sou caixeira-mestra
Eu só vim me apresentar
Eu vou saudar minha coroa
Ô do lugar de onde está
Eu vou saudar esta família
Da Santa Croa a guiar...
* Pesquisadora da cultura popular maranhense, chefe do Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, participante da equipe de Coordenação do
Projeto "Divino Maranhão 200" e do "I Encontro de Caixeiras da Região do Minim".
Valorização do passado: em busca de tradições remotas
Deusdédit Carneiro Leite Filho
O Maranhão tem se destacado no contexto cultural brasileiro como guardião de suas tradições populares através da valorização, reconhecimento e apoio
das manifestações folclóricas regionais. Por outro lado, a nível nacional, apresenta uma grande lacuna no que diz respeito ao resgate e gerenciamento de sua
herança cultural pregressa, seu patrimônio arqueológico, legado dos primeiros grupos humanos que habitaram a região e desenvolveram, antes da chegada do
colonizador, um universo cultural particular, que ficou impresso em inúmeros testemunhos significativos, registros e evidências materiais deixados ao longo do
tempo no território maranhense.
É importante salientar que o acervo pré-colonial local é oriundo de sítios arqueológicos, ainda não cadastrados, localizados no litoral, ao longo dos rios e
no interior, encontrando-se algumas peças em coleções particulares, sob a tutela de curiosos, arqueólogos amadores, e leigos que coletaram aleatoriamente
instrumentos de pedra como: pontas de flechas, lâminas de machados, pilões; recipientes cerâmicos ou artefatos similares utilizados ritualisticamente na caça,
pesca, armazenamento e preparo de alimentos.
Até o presente momento, além da inexistência de uma política sistemática de resgate, proteção e preservação do patrimônio pré-histórico e histórico, o
estado carece de instituições acadêmicas que incrementem, apóiem e gerenciem a atuação de profissionais na área. Do ponto de vista legal, os sítios
arqueológicos brasileiros estão oficialmente protegidos pela Lei Federal nº 3.924 de 26 de julho de 1961, além de serem declarados bens da união, pelo artigo
20, da atual Constituição Federal.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é o órgão responsável pela segurança, cadastramento e licenciamento de pesquisas
arqueológicas, embora nesses 40 anos de vigência da lei nenhuma política concreta de gerenciamento dos sítios tenha sido implantada no nosso Estado,
havendo total descontrole e negligência, ocasionando a perda irreparável dos suportes da memória pré-histórica maranhense. Quanto aos bens arqueológicos
de interesses históricos, existem princípios teóricos e práticos que normalizam e fundamentam as intervenções nos sítios representativos do patrimônio cultural
edificado, em áreas urbanas e rurais, através das recomendações e compromissos internacionais assumidos pelo Governo Federal a partir da assinatura de
documentos como a Carta de Veneza, a Carta de Burra, Carta de Arqueologia do ICOMOS etc; compromissos estes que obrigariam cidades como São Luís e
Alcântara a terem um comprometimento maior com o patrimônio arqueológico durante as intervenções efetuadas em ruínas, arruamentos, imóveis tombados e
edificações de interesse histórico, o que paradoxalmente nunca ocorreu no estado, mesmo após o reconhecimento da cidade de São Luís como patrimônio
cultural da humanidade.
A recente criação do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão vem de encontro às expectativas da comunidade maranhense,
ciosa de sua tradição, estabelecendo-se como elemento catalisador e mantenedor do desenvolvimento no estudo e sistematização de conhecimentos nos
campos da arqueologia, como também nas áreas de paleontologia, biologia e outras áreas afins da história natural. A instituição prevê o estabelecimento de um
núcleo de pesquisas que sirva de referência regional, propiciando a organização e montagem de exposições de caráter didático sobre a paisagem pré-histórica
maranhense, ilustrando a evolução das espécies com base nos achados de fósseis de animais e plantas encontrados em pesquisas de campo desenvolvidas nos
últimos anos por pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão. Também, pretende delinear um painel indicativo da presença dos primeiros grupos
humanos que habitaram a região, caracterizando sítios, artefatos e modos de vida pré-coloniais, assim como a inserção do elemento colonizar na paisagem
local, caracterizando a evolução da vida rural e urbana ocorrida desde o período colonial até a história recente.
A referida instituição tem como proposta principal garantir a salvaguarda do acervo já existente e incentivar o desenvolvimento de pesquisas
sistemáticas nas áreas mencionadas, servindo também como veículo de divulgação e valorização da herança cultural maranhense, reafirmando o interesse por
parte do Estado em subsidiar e incentivar o aprofundamento no conhecimento dos diversos componentes culturais formadores da identidade regional,
enriquecendo nosso patrimônio e caracterizando-o como elemento representativo da atuação do homem como agente construtor e modificador de uma
identidade cultural multifacetada.
Bibliografia
Cartas Patrimoniais. IPHAN. Brasília, 1995.
GASPAR, Eliane. Machado de Pedra no Maranhão .Comissão Maranhense de Folclore. Boletim nº11 Agosto 1998.
LEITE Fº. Deusdédit. Cerâmica: Perpetuando Nosso Saber Ancestral. Comissão Maranhense de Folclore. Boletim 14, Agosto 1999.
Teses, monografias e dissertações relacionadas à cultura popular e ao patrimônio histórico do Maranhão
Teses de Doutorado
CORRÊA, Alexandre Fernandes. Vilas, parques, bairros e terreiros: novos patrimônios na cena das políticas culturais em São Paulo e São Luís. Tese de
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Doutorado em Ciências Sociais - Antropologia Cultural. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. São
Paulo, 2001, p. 211. Orientação: Profa. Dra. Terezinha Bernardo.
Resumo
A presente tese tem como objeto de estudo as políticas de tombamento e do patrimônio cultural efetuadas por órgãos públicos de cultura em São Luís incluída na lista da UNESCO/97 como patrimônio cultural da Humanidade - e em São Paulo, metrópole poli-industrial sul-americana. Num sentido mais amplo,
tem como temática as recentes mudanças de perspectivas e paradigmas na preservação, conservação e promoção dos chamados "novos patrimônios".
A pesquisa constata a necessidade urgente de novas ações de preservação da memória social e de novas prospectivas de investigação científica na área
da etnologia do patrimônio. Entretanto, para evitar dispersões em domínio tão vasto, centrou-se o estudo basicamente nas relações da memória com a
identidade cultural, no que tange especialmente aos processos de tombamento históricos e etnográficos.
De um ponto de vista crítico, apresenta-se uma breve história das idéias de preservação do patrimônio cultural, até suas mais recentes transformações,
quando incorpora noções cada vez mais abrangentes. Através de uma meta-etnologia discute-se as possibilidades de fundação de novos paradigmas que
rompam com as dicotomias clássicas ainda hoje dominantes, as quais separam a natureza da cultural, o material do imaterial, o tangível do intangível.
Palavras chaves: Herança cultural, Proteção, Memória Étnica.
SILVA, Carlos Benedito Rodrigues da. Ritmos da Identidade: mestiçagens e sincretismos na cultura do Maranhão. Tese de doutorado em Ciências Sociais.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. São Paulo, 2001, 213 p. Orientadora: Profa. Dra. Terezinha
Bernardo.
Resumo
Estudo sobre as influências provocadas pelos movimentos rítmico-musicais, veiculados pelos sistemas midiáticos no contexto da cultura popular em São
Luís do Maranhão. A proposta é analisar as alternativas de identificação apresentadas a grupos e segmentos sociais locais que atuam tanto como consumidores
das novas alternativas que a mídia apresenta, quanto como dinamizadores das tradições culturais regionais.
Palavras-chave: Música, identidade, etnicidade, cultura, tradição, modernidade.
Dissertações de Mestrado
CANJÃO, Isanda Maria Falcão. Bumba-meu-boi, o rito pede "passagem" em São Luís do Maranhão - Dissertação de Mestrado em Antropologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Porto Alegre - RS,
2001, 246 p. Orientação: Profa. Dra. Cornélia Eckert
Resumo
Essa dissertação trata do ritual do bumba-meu-boi na cidade de São Luís, no Maranhão. Por estar o bumba-meu-boi situado no interior de uma prática
social de tradição, comporta códigos e convenções simbólicas que estão fundamentadas num universo de relações de sentidos, num sistema simbólico que
articula significados.
Portanto, como expressão de um universo simbólico, revela concepções de mundo, valores, crenças e sentimentos. Nesse contexto, analisa o bumbameu-boi como produção simbólica e como experiência definidora de sentido dos indivíduos.
Palavras-Chave: Bumba-meu-boi, ritual, memória.
AMORIM, Cleides Antônio. Casa das Minas do Maranhão: vozes que "calam", conflito que se estabelece. Dissertação de Mestrado em Antropologia.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social. Porto Alegre, 2001,
169 p. Orientador: Prof. Dr. Ari Pedro Oro.
Resumo
Este texto antropológico trata da sociabilidade de uma comunidade religiosa e é resultado da experiência etnográfica desenvolvida junto às pessoas da
Casa das Minas em São Luís/MA. Intenciona-se apreender os códigos simbólicos e os referenciais a partir dos quais os membros do terreiro negociam e
repensam sua identidade cultural, através da observação dos rituais públicos e de entrevistas com seus principais conhecedores. O grupo declara que ser
"mineiro" não é apenas participar dos cultos religiosos, mas é, antes de tudo, resultado da fusão do ethos e visão de mundo, da soma de um estilo de vida e de
atitudes quotidianamente vivenciadas a partir de um conjunto normativo de regras e proibições.
Palavras-chave: Tambor de Mina, Memória, Conflito, Ethos e Visão de Mundo, Tradição e Modernidade.
GOUVEIA, Cláudia Rejane Martins. As esposas do Divino. Poder e prestígio feminino nas festas do Divino em Terreiros de Tambor de Mina em São Luís
do Maranhão. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de
Ciências Sociais, Pós-Graduação em Antropologia. Recife, PE, 2001, 160 p. Ilust. Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Brandão.
Resumo
O presente trabalho procura mostrar a importância da festa do Divino Espírito Santo como uma das festas fundamentais da cultura popular no Estado do
Maranhão. Ritual do catolicismo popular, largamente difundido no Brasil, essa manifestação foi incluída no calendário das casas de culto afro-maranhenses,
sendo em São Luís organizada especificamente pelos grupos de Tambor de Mina ou pessoas ligadas a essa religião, estando diretamente relacionada com as
divindades espirituais cultuadas nesses locais sagrados. Procura-se mostrar as principais características da festa como: fartura, devoção e simbologia,
ressaltando o papel de um importante personagem: as caixeiras do Divino.
Pessoas com grande conhecimento sobre a Festa do Divino Espírito Santo, as caixeiras são de primordial importância para a mesma, sendo elas as
responsáveis por toda a parte ritualística da festa. Através dos toques nas caixas e dos variados cânticos entoados, elas vão louvando o Divino Espírito Santo e
saudando crianças que compõem o império e todos os visitantes. Presentes e fundamentais em todas as etapas da festa, as caixeiras reforçam o compromisso
assumido com o sagrado em cada festa que participam, fazendo dessa função o principal objetivo de suas vidas e ajudando os festeiros a cumprir suas
obrigações espirituais, ganham reconhecimento social.
BRAGA, Ana Socorro Ramos. Folclore e Política Cultural. A Trajetória de Domingos Vieira Filho e a Institucionalização da Cultura. Dissertação de
Mestrado. Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. São Luís, 2000, 164 p. Orientador: Prof. Dr. Sergio F. Ferretti.
Resumo
Este trabalho parte da trajetória de Domingos Viera Filho para analisar o processo de emergência do folclore nos espaços reconhecidos como legítimos
para a promoção das políticas oficiais voltadas para a cultura e a arte no estado do Maranhão. Recorre aos conceitos de "trajetória intelectual" e "projeto
criador" para desvendar como o folclore emerge e se constitui em paradigma explicativo e definidor de uma ação específica no espaço da produção intelectual.
Propõe desvendar como os agentes participam na produção de representações práticas, valores e projetos naturalizados no mundo social.
CARVALHO, José Antônio Ribeiro de. Projeto Viva Madre Deus: gestão pública de política cultural. Dissertação de Mestrado em Administração Pública
(Políticas e Gestão Institucional). Universidade Federal de Santa Catarina/ Universidade Estadual do Maranhão. São Luís, 2001. 110 p. Orientador: Prof. Dr.
Nelson Colossi.
Resumo
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Neste trabalho apresenta-se o estudo sobre os efeitos da presença do poder público na comunidade da Madre de Deus em São Luís do Maranhão, um
bairro de grande diversidade de manifestações populares, configuradas em seu calendário festivo durante o ano todo. Ressalta-se a questão da modernidade e
tradição relacionadas à identidade cultural e às mudanças percebidas se processando nesse novo espaço a partir da implantação do Projeto Viva, considerado
como uma intervenção pública na cultural popular pelo Governo do Estado.
A especificidade do tema estudado inicialmente exige um entendimento das concepções e definições de culturas. Destaca-se a teoria de massa e
indústria cultural como explicações do processo de mercantilização da cultura na sociedade capitalista. Enfoca-se o papel do Estado na preservação e
tombamento do patrimônio histórico nacional e a cidade na discussão sobre identidade nacional como políticas públicas. Aponta-se a instituição do Ministério de
Cultura do Brasil como resultantes dos Fóruns de Secretários de Cultura dos Estados para a definição de políticas de uma cultura nacional. Possibilita-se
também a análise da concepção da implementação do projeto e as expectativas da comunidade. A relação do Governo do Estado com a comunidade é
identificada como uma política populista intervindo na cultura, visando o mercado turístico e a apropriação dos bens culturais. As concepções de políticas
públicas referentes à discussão do papel do Estado nas políticas locais não contemplam com clareza a questão da cultura popular nas organizações
comunitárias.
Monografias de conclusão de cursos de graduação
BORGES, Raimunda Rocha. Tambor de Crioula em São Luís e Bacurituba. Monografia de Conclusão de Curso de Graduação. Universidade Federal do
Maranhão, Centro de Ciências Humanas, Curso de Licenciatura em Educação Artística. São Luís, 2000, 99p. Ilustr. Orientador: Prof. Dr. Sergio F. Ferretti.
Resumo
Abordagem sobre as manifestações que envolvem dois grupos de tambor de crioula, um em São Luís e outro no município de Bacurituba, tendo como
ponto central a dança de Tambor de Crioula e o pagamento de promessas a São Benedito. Partindo-se de uma contextualização dos municípios, são focalizados
dados informativos de seus aspectos-chaves. Enfoque das fases preparatórias e executiva dos eventos que têm como motivações a homenagem a São Benedito
como pagamento de promessas. Identificação dos elementos básicos que tornam a festas distintas em ambiente urbano e rural.
CARDOSO JÚNIOR, Sebastião. Nagon Abioton. Um estudo sobre a Casa de Nagô. Monografia de conclusão de curso de graduação. Universidade Federal
do Maranhão, Centro de Ciências Humanas. Curso de Ciências Sociais. São Luís, 2001, 156 p. Ilustr. Orientador: Prof. Dr. Sergio F. Ferretti.
Resumo
Estudo sobre a Casa de Nagô como grande centro formador e difusor do Tambor de Mina do Maranhão. Trata-se da trajetória da cultura Nagô desde suas
origens e sua tradição naquele terreiro, dando ênfase à estrutura física e social da Casa. Refere-se às entidades espirituais cultuadas, as festas e rituais
realizados pelo grupo ao longo dos anos.
NOTÍCIAS
Projeto "Divino Maranhão 2001"
Considerando a representatividade e importância da Festa do Divino Espírito Santo no Maranhão, o Governo do Estado, através da Fundação Cultural do
Maranhão/Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, intensificou, neste ano 2001, o seu apoio e incentivo a esse festejo, com o desenvolvimento do
Projeto "Divino Maranhão 2001", cujo lançamento aconteceu em 26 de abril, pela governadora Roseana Sarney, durante a cerimônia de inauguração do novo
prédio da Escola de Música do Estado do Maranhão.
Já no dia seguinte - 27 de abril - foi comemorado esse lançamento com uma programação festiva, com o envolvimento de 10 Impérios: Casa das Minas,
Casa de Nagô, Terreiro de Iemanjá (de Jorge Itacy), Terreiro Fé em Deus (de Mãe Elzita), Terreiro de Mina Santa Bárbara (de Justina Baima), Casas de Dona
Nilza Barros (do Goiabal) e de Raimundo Araújo (da Liberdade), além das Festas de Alcântara, Paço do Lumiar e Periá/Humberto de Campos. Nessa ocasião, os
membros desses Impérios, juntamente com representantes de diversas outras festas do Divino, participaram de uma missa, na Igreja do Desterro, celebrada
pelo Padre Cláudio Correia, pároco da Sé, a qual contou, em suas partes principais, com o canto/toque dos grupos de caixeiras presentes. Após a missa, os
impérios saíram em cortejo, com grande acompanhamento pelas ruas do Centro Histórico até a sede do CCPDVF, onde houve uma confraternização geral, com
chocolate e mesa de doces.
O Projeto em pauta engloba o apoio financeiro a 98 Festas do Divino Espírito Santo de 17 municípios: São Luís, Alcântara, Paço do Lumiar, São José de
Ribamar, Santa Rita, Rosário, Viana, Anajatuba, Icatu, Caxias, Pinheiro, Humberto de Campos, Cajari, Penalva, Cedral, Bequimão e Codó. Os recursos foram
diretamente entregues, pela FUNCMA/CCPDVF, a 10 festeiros de Alcântara no dia 16 de maio e aos responsáveis pelas festas dos demais municípios em evento
realizado a 25 de maio.
Ao lado do apoio financeiro, o Projeto tem como outras ações a divulgação da festa (com a veiculação de materiais específicos como cartazes, folders,
bandeirinhas e ventarolas), promoção de exposição de componentes do universo do festejo, na galeria Zelinda Lima do CCPDVF, apoio à produção de CD’s com
cantos e toques das caixeiras, produção de vídeos, com o registro das várias etapas do ritual tradicional do festejo, cobertura fotográfica, e promoção de
Encontros e Oficinas de Caixeiras.
Ainda dentro da especial atenção dada ao Divino, a FUNCMA/CCPDVF apoiou a Palestra "Festas do Divino em Santa Catarina, Portugal e Açores",
proferida pela Profa Lélia Pereira da Silva Nunes (socióloga e superintendente da Fundação Franklin Cascaes/Secretaria Municipal de Cultura de Santa
Catarina), no auditório Rosa Mochel, no dia 31 de maio de 2001. Nessa promoção, o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão estabeleceu parceria com o
CCPDVF/FUNCMA, que também acompanhou a visita da pesquisadora catarinense à Alcântara, onde a mesma fez uma observação "in loco" do ritual da Festa do
Divino nessa cidade.
Treinamento no Nina Rodrigues
Com o objetivo de viabilizar o funcionamento sistemático do Espaço Antônio Martins, do Hospital Nina Rodrigues, com abertura para visitação pública, o
CCPDVF, com o apoio da CMF, promoveu um Treinamento em Serviço para Monitores e Guias do Espaço Antônio Martins, do HNR nos dias 29 e 30 de março e
03 de abril. O treinamento foi dividido em 8 módulos que abrangeram um Breve Histórico do CCPDVF e do acervo do Hospital, o Trabalho de Ressocialização
realizado no HNR, História da Arte do Inconsciente, Relações Humanas, Noções de Divulgação, Questões Práticas e uma simulação de uma visita guiada pelo
espaço.
O Espaço Antônio Martins foi criado a partir de um acordo firmado entre o hospital psiquiátrico Nina Rodrigues e o CCPDVF e que resultou na cessão, em
regime de comodato, do acervo doado pelo Hospital ao Centro de Cultura, resultante de trabalho de terapia ocupacional realizado na década de 60 naquele
hospital pelos seus pacientes. Esse acervo compõe a exposição permanente do Espaço, que mostra, também, aos seus visitantes, o trabalho realizado
atualmente em oficinas pelos usuários da psiquiatria.
Curso "História e Memória: Método e Técnicas da História Oral"
Aproveitando a presença, em São Luís, do Professor Dr. Antônio Torres Montenegro, que veio desenvolver trabalho no Projeto "Memória de Velhos:
Depoimentos - uma contribuição à memória oral da cultura popular maranhense", realizou-se o curso "História e Memória: Método e Técnicas da História Oral"
de 14 a 18 de maio de 2001, no auditório "Rosa Mochel", com carga horária de 20 horas. Contando com participantes, o programa incluiu abordagens sobre
construtivismo na História, Memória em Bergson e Halbwachs, Memória Voluntária e Involuntária, Técnicas de Entrevistas, Edição e Memória e Escrita da
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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE
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http://www.cmfolclore.ufma.br/Htmls/Boletim%2019.htm
História.
II Tríduo Juanesco
Com base no sucesso alcançado no ano passado, a FUNCMA/CCPDVF, com o apoio da CMF, realizou, de 13 a 15 de junho, o II Tríduo Juanesco, com a
proposta de mostrar a diversidade das manifestações juninas maranhenses, trazendo grupos juninos do interior do Estado.
A programação se iniciou no dia 13, dia de Santo Antonio, com a abertura da exposição "Fagulhas e Estrelas" uma mostra de instrumentos de percussão
afinados a fogo nas brincadeiras de bumba-meu-boi do Maranhão, na Galeria Zelinda Lima, do CCPDVF.
Como parte da programação de apresentação de grupos, participaram do II Tríduo Juanesco, no pátio de exposições do CCPDVF, os grupos de bumbameu-boi: Bumba-meu-boi do município de Central/MA, do sotaque de zabumba, que traz carneirinho para São João e apresenta uma comédia; Bumba-meu-boi
Brilho do Delta, do sotaque de orquestra, de Tutóia; Bumba-meu-boi Vencedor, de Boa Vista/Santo Amaro e Bumba-meu-boi União do Povo, do sotaque da
Baixada, do município de Penalva.
O Tríduo contou, também, com a participação das danças do Baião, com o grupo "Baião de Dois", e do Lili, de Caxias; e Dança da Mangaba, de Coroatá.
Para animar ainda mais o arraial junino do Centro de Cultura Popular, foram convidados o conjunto de Forró do município Belágua e o Conjunto da Mucura, de
Cocalzinho/São Benedito do Rio Preto que promoveram um grande arrasta-pé.
Apoio a Eventos
Turnê Nacional do Bloco Afro Baiano "Ilê Ayê" em São Luís
Considerando a forte presença africana no Maranhão o bloco "Ilê Ayê" optou por iniciar em nosso Estado a sua Turnê Nacional por 26 capitais brasileiras
e o Distrito Federal, em comemoração aos seus 27 anos, com o patrocínio do Ministério da Cultura/Petrobrás.
A Turnê Nacional "Ilê Aiyê, , o mais belo dos belos" desenvolveu sua programação de atividades, nos dias 8, 9 e 10 de março de 2001, sendo realizadas,
no CCPDVF, exposição de fotografias, instrumentos e indumentárias do bloco; mostra de livros e penteado afro; apresentações dos grupos de dança afro
Abanjá, do Centro de Cultura Negra, Tambor de Crioula Mocidade Independente, de Anivol Santos, e do bloco "Ilê Ayê"; coquetel e duas palestras. No CCN e no
GDAM, também parceiros nessa promoção, foram realizadas oficinas de dança e percussão, além de oficina livre de música e de dança, no Bairro de Fátima. O
encerramento aconteceu no CEPRAMA, com um grande Show de bandas/cantores dos blocos afro-maranhenses Akomabu, GDAM e Abibimã e do bloco "Ilê
Aiyê".
Debate Cultura e Meio Ambiente
O evento, numa promoção da Associação em Áreas de Assentamento no Estado do Maranhão – ASSEMA, ocorreu nos dias 05 e 06 de junho de 2001, no
prédio de exposições do CCPDVF, com uma programação de atividades que englobou a exposição "Babaçu Livre", com produtos do babaçu; a palestra "Como os
povos da Amazônia constróem suas alternativas", proferida pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida; a mesa redonda "Agricultura Ecológica
Orgânica e o Extrativismo como alternativa ao uso dos transgênicos", com representantes da ASSEMA, ACTION AID, MST, Mestrado em Agroecologia e FASE;
apresentações de artistas de Pedreiras e São Luís e do Tambor de Crioula de Monte Alegre/São Luís Gonzaga e Coquetel Alternativo.
Oficina de Miniaturas de Cazumbás
A oficina foi promovida como parte da programação São Luís do Circuito Cultural Banco do Brasil, de 11 a 16 de junho de 2001, no Shopping São Luís,
tendo como instrutor o artesão Abel Teixeira, com carga horária de 15 horas, dirigida a 20 adolescentes, na faixa etária de 14 a 16 anos, de
grupos/movimentos/associações envolvidos na Rede Amiga da Criança.
PERFIL POPULAR
Padre Haroldo: o Padre Boieiro do Maranhão
Joila Moraes
"Desde pequeno sempre apreciei todas as manifestações culturais da minha terra,
de São Luís, mas o Bumba-meu-Boi... esse eu já nasci com ele no sangue".
Pe. Haroldo
Padre Haroldo Passos Cordeiro é pároco da Paróquia do Divino Espírito Santo, do bairro Liberdade, em São Luís. Para o grande público é conhecido como
Padre Boeieiro, cognome que exibe com orgulho. Em entrevista para este artigo afirmou: "Eu me acostumei e gosto muito quando vou passando e as pessoas
dizem: lá vai o padre boeiro..."
Esse maranhense identificado com as raízes culturais do Maranhão nasceu em São Luís, em maio de 1939, em uma área de sítios denominada Turu. Ali
reinava a paz e a tranqüilidade, como lembra o padre. Barulho só dos pássaros e das folhagens. Porém, no mês de maio, a sonoridade do sítio se alternava. Era
o ronco do tambor onça do seu pai que se unia às matracas e aos pandeiros para os ensaios que se prolongavam até meados de junho. O bumba-meu-boi era
do Senhor Rezende Venâncio e o cantador era Marcos.
O ensaio redondo (último ensaio da temporada) acontecia quase sempre no segundo sábado de junho e a partir desse dia os preparativos
intensificavam-se para o batizado que acontecia, como até hoje, no dia 23 de junho, véspera de São João. Na casa de Dona Raimunda, mãe do menino Haroldo,
o movimento não parava, pois ali eram confeccionadas as roupas dos brincantes de fita.
Ainda menino, Haroldo acompanhava tudo com atenção e entusiasmo, mas a idéia do sacerdócio não lhe saía da cabeça nem do coração. Com um sorriso
aberto e expressão saudosa, o padre fala da sua família e do bumba-meu-boi: "A nossa família era pobre e numerosa, nós éramos sete homens e sete
mulheres, minha mãe e meus irmãos apreciavam o bumba-meu-boi, mas não se envolviam tanto como eu. Mesmo assim, quando o Boi chegava tarde da noite
e nós já estávamos dormindo, mamãe nos acordava e nós todos íamos apreciar aquela beleza no meio da noite... Eu já sentia naquela época (entre 9 e 11
anos) uma profunda ligação com o bumba-meu-boi... Era um sentimento que brotava de dentro de mim. Por outro lado porém, eu também me sentia
comprometido com o sacerdócio... Isso para mim não se constituía um problema. Embora sem ter argumentos para explicar o que poderia ser considerado uma
contradição, eu sentia que era possível servir a Deus e ao Santo" (referindo-se aí a São João).
Ainda bem pequeno, costumava acompanhar seu pai aos ensaios de boi e ao final recolhia as matracas abandonadas ao chão para mais tarde, em casa,
brincar e construir capelinhas.
Padre Haroldo iniciou seus estudos em São Luís, mas antes de concluir o ginásio foi para São Paulo estudar no Seminário Menor da Freguesia do "O". De
São Paulo seguiu para Europa. Foi o 1º monge brasileiro entre os monges da Hungria e, na Itália, foi servente do papa João Paulo II. E, cumprindo essa
trajetória, passou 15 anos sem vir ao Maranhão.
Ainda fora do Maranhão, Pe. Haroldo programava suas visitas a São Luís para o período junino. Assim aliviava a saudade da terra e de sua cultura.
Sempre exerceu religiosidade sem preconceito e afirma que o homem se fortalece na relação com sua cultura, pois sendo um ser religioso, é um ser social e
portanto cultural. Diz ainda que a tradição popular invoca São João como padroeiro do bumba-meu-boi, pois São João apresenta o Cordeiro de Deus.
Pe. Haroldo tornou-se conhecido do grande público principalmente através do programa "Raízes", do apresentador José Raimundo, que também o
convidou para algumas celebrações no Terreiro da Cidade (anos 80). A sua postura de Padre Boeiro foi aceita com muita simpatia pela comunidade
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COMISSÃO MARANHENSE DE FOLCLORE
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maranhense. Hoje não se abre o arraial, o oficial da cidade, sem a bênção do Pe. Haroldo, o qual acredita que Boi organizado é a união de amor e fé.
Pe. Haroldo apela para que as autoridades mantenham vivas as tradições culturais do nosso Estado sem perder a visão de mundo, mas valorizando a
nossa visão particular. Acredita ainda que essa tradição será fortalecida na medida em que seja transmitida sucessivamente de pais para filhos. Por fim,
afirmou: "... no período junino me entrego ao Boi, pois quanto mais vou ao bumba-meu-boi, mais padre eu me sinto".
A agenda do Pe. Haroldo é cheia o ano inteiro. Além de constantes convites para cumprir uma programação extraordinária, ele mantém, em sua
paróquia, intensa programação. Todo dia 19 do mês celebra missa ao meio dia. Ás quartas-feiras, cumpre obrigação na capelinha da família no bairro da Cohab.
No verão, realiza missas campais em frente à igreja e pelo menos uma vez ao ano celebra uma missa estilo reggae para os regueiros da liberdade, além da
missa da juventude bastante freqüentada. Lidera também trabalho de cunho social junto à pastoral da família e da juventude.
Ocupa seu tempo também pintando telas, escrevendo e compondo músicas para o bumba-meu-boi, como o trecho de uma toada transcrita a seguir:
São João, meu Senhor São João
Faça esse povo feliz
Quero saudar a boiada
Da ilha de São Luís...
28/9/2008 20:42
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Comissão Maranhense de Folclore