ESCOLA DA FÉ
Paróquia Santo Antonio do Pari
Aula 14
Creio em Deus Pai - 1.
Frei Hipólito Martendal, OFM.
São Paulo-SP, 13 de setembro de 2012.
revisão
da aula anterior.
1- Introdução
Gostaria que esta aula levasse cada um de vocês lá às origens da Fé em sua
infância. Lembro-me de uma estorinha que meu professor Frei Boaventura
Klopenburg, grande teólogo, perguntado certa vez a quem ele devia sua fé cristã,
respondeu prontamente:
“aos joelhos da minha mãe”.
Nem à Bíblia, nem aos grandes teólogos, nem os longos anos de seminário foram
lembrados. Para ele a fonte formadora principal da sua fé era a mãe.
Quando no final do ano de 1965 apareci na capela de minha comunidade,
capelinha pobre, dedicada a São José, minha primeira catequista, Dona Sofia,
estava às portas do Céu, tal a sua felicidade por um aluno seu ter chegado ao
sacerdócio. Preciso ainda acrescentar que tínhamos apenas uma missa por mês.
Portanto, este vivente que lhes fala, por muitos anos, era um cristão apenas de
missa mensal.
2- Fé em Deus Pai.
Vimos em muitas aulas anteriores nossa fé em Jesus Cristo. Seria lógico termos
começado as exposições pelo início de tudo, que é Deus Pai. Mas Jesus é o
revelador oficial do Pai. É o nosso Redentor e nós acabamos chegando a um
Deus de Verdade através de Jesus.
Por isso, na verdade, começamos por Ele.
Na origem do Cristianismo praticamente todos os convertidos vinham do
Judaísmo. Deus já fazia parte das crenças de todos eles. Então, seu primeiro
objeto de conhecimento tinha de ser a figura de Jesus Cristo.
Como vimos numa das primeiras aulas, o conteúdo básico da Fé aceito pela Igreja
tinha poucos itens. Vamos tentar recordar?
Mas a Igreja foi crescendo com a conversão de centenas de milhares de pagãos.
Muitas questões foram surgindo e causando dificuldades para explicar coisas
importantes, tais como:
- a Encarnação do Verbo;
- a natureza da relação entre o divino e o humano em Jesus Cristo;
- a morte redentora de Cristo;
- a Ressurreição e muitas outras questões.
Assim, chegou o tempo em que a Igreja precisou dizer com clareza qual era o
conteúdo básico de todas as crenças cristãs.
É importante para cada um de nós saber exatamente no que precisamos crer para
manter a integridade do Cristianismo e a nossa pertença à Igreja de Cristo.
Depois de muitas discussões em vários concílios, finalmente, foi aprovado o texto
oficial do conteúdo indispensável da Fé Católica.
Foi assim aprovado em 381 na cidade de Constantinopla o texto que conhecemos
sob o título “Símbolo Niceno-Constantinopolitano”. O Niceno entrou aqui porque a
maior parte das definições fixadas em 381, já estava nas atas do concílio de
Nicéia, 325.
Chama-nos à atenção a concisão do texto, breve e enxuta: incluindo tudo, de
substantivos a artigos e conjunções, contém 207 palavras apenas.
Outra curiosidade: o texto que se refere a Deus Pai tem só 21 palavras. Cristo foi
contemplado com 127 palavras e o Espírito Santo com 32.
Por esse critério pode parecer que o Cristianismo importava-se mais com uma das
3 Pessoas da Santíssima Trindade, Pessoas aclamadas como de igual
importância e Majestade. Acontece que a doutrina sobre Jesus é mais ampla e
havia gerado um número muito maior de polêmicas.
3- “Creio em um só Deus, Pai todo poderoso, Criador do céu e da terra, de
todas as coisas visíveis e invisíveis”.
Eis aí o texto oficial sobre Deus Pai.
Meditemos um pouco sobre cada palavra.
Creio  Já vimos no início de nossas aulas que o nosso crer não é apenas
assunto de convicção.
Crer envolve compromisso, adesão , aceitar sua exigência transformadora sobre
nossas atitudes e comportamentos em geral. É uma adesão de vida.
Um só Deus  Em nossos dias parece óbvio falar em um só Deus. Afinal, na
civilização ocidental cristã, bem como na civilização islâmica, não existem
praticamente pessoas que acreditem em deuses. Mas no Judaísmo do A.T. e no
Cristianismo dos primeiros séculos a convivência com politeístas era coisa de
cada dia.
Então, acentuar “um só” era muito importante; era tudo!
Pai  Falar de Deus como Pai é falar do óbvio, pois em toda a Escritura
aparecem passagens em que Ele fala de seu amor de pai para com o seu povo.
Contudo, foi Jesus quem mais gostava de referir-se a Deus como “Meu Pai”,
“Vosso Pai que está nos céus”.
Quando Ele aborda o tema oração e ensina aos seus Apóstolos como eles devem
orar, diz:
“Portanto, orai desta maneira:
Pai Nosso que estais no céu ...” (Mt 6, 9).
Nós também cremos que Deus é a fonte de toda a Vida. Como tal, a paternidade é
um conceito inerente à própria idéia de Deus.
Essa palavra aplicada a Deus tem consequências que vão além do que falamos
até aqui.
Trata-se de nos movimentarmos entre a inatingível transcendência e a
permanência mais íntima imaginável.
Por transcendência entendemos tudo aquilo que em Deus está acima, além de
tudo que podemos pensar de grande e de belo na Criação e no ser humano.
Temos a tendência de atribuir a Deus todas as virtudes e qualidades boas que
admiramos, mas nós as imaginamos em grau absoluto, ou infinito.
Mas por outro lado, esse mesmo Deus que nos diz “tanto quanto estão os céus
acima da terra, estão os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos”
(fonte?);
diz também com infinita doçura:
“Eu Javé, teu Deus, te seguro pela mão e te digo: nada temas, eu venho em teu
auxílio. Portanto, nada de medo, Jacó, pobre vermezinho, Israel, meu filhinho” (Is
41, 13-14).
Estamos no Catecismo Holandes, já citado, p. 565.
Qual era o momento histórico?
Israel estava num parto traumático, dele nasceria o Judaísmo, em pleno exílio de
Babilônia. O povo renascia das cinzas e adquiria nova identidade.
Israel estava descobrindo cada vez mais a grandeza transcendente de Deus e sua
regência não só sobre seu povo, mas sobre todos os povos.
É o Deus de tudo e de todos que se inclina sobre os destroços de Israel, como
uma mãe se inclinaria sobre o seu bebe em grave perigo de vida.
Mas, agora não é mais o povo de Israel, é o povo judeu. Nasce a consciência do
Judaísmo. Poderíamos dizer que agora ele é o povo de Deus, mas Deus é o Deus
de todos os povos. É só questão de autoconsciência.
todo poderoso  Uma experiência fantástica e indescritível que eu tive do poder
Criador de Deus passou-se numa simples sala de cinema.
Ocorreu quando via o documentário Hubble.
Numa sala Imax, em 3D, voce dá um passeio entre corpos celestes e galáxias ...
Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis 
É importante para nossa Fé termos consciência bem clara que só Deus é criador.
Embora não digamos abertamente, certas afirmações podem levar pessoas
menos avisadas (incautas) a imaginar que certas coisas devem sua existência a
forças malignas, por exemplo.
Fico devendo a vocês uma reflexão sobre a origem do Mal. É uma questão
inevitável.
Se Deus é Amor, como surgiu o Mal no mundo?
2.1- Deus Todo Poderoso.
Dei uma só e rápida pincelada sobre o infinito poder criador de Deus.
Fiquei meio perdido e acabei falando muito pouco.
Daí a necessidade de retomar o tema.
No mundo criador de Deus há coisas que não podemos esquecer:
-o tamanho do Universo;
-distâncias medidas em bilhões de ano-luz;
-o tempo acaba também atingindo a escala dos bilhões de anos;
-a idade da atual fase do Universo seria de mais de 13 bilhões de anos.
Podemos olhar em direção oposta: do “infinitamente” grande para o “infinitamente”
pequeno.
Encontramos o átomo e as partículas sub-atômicas.
Se voce quer por um filho ou um neto a estudar uma das ciências modernas “mais
loucas” , recomendo nano-engenharia.
Dê agora uma mirada no espelho. As células de seu corpo são contadas em
muitos bilhões.
Agora vem cientistas a dizer que microorganismos, como bactérias, pegaram
carona em seu organismo e seriam dez vezes mais numerosos que todas as suas
células. Para eles nosso corpo seria mais ou menos como um enorme planeta.
Outro ponto riquíssimo para nossa meditação é a doutrina católica que afirma que
tudo quanto existe deve sua existência a uma contínua manutenção divina.
Ou seja, eu só existo neste momento porque Deus me sustenta na existência.
Isto é o Amor Permanente e Imutável de Deus!
Outro tema rico é explorado pelo citado Catecismo Holandês. Refere-se à
dinâmica da Criação e da Ação criadora de Deus. “Quanto mais extenso o
Universo, tanto mais ampla torna-se nossa idéia de Deus ... ampliam ainda, todos
os
dias, nossa compreensão do incompreensível poder criador de Deus ...
A gênese do Universo desenrola-se diante de nossos olhos e nós a sentimos em
nossas vidas. Isto aprofunda a idéia do que se anunciava desde sempre, mas
ganhava, em geral, pouca atenção: Deus não criou o Universo, mas, antes, o está
criando” (Cat. Hol. p. 562).
A seguir fala do “Deus-oleiro” da Bíblia; fala do artesão que passa adiante o seu
produto; do poeta que não sobrevive aos seus lindos poemas e conclui:
“se Deus retirasse por um momento seu poder criador ... , nada subsistiria” (op. cit.
p. 562).
Mas Deus não é só todo poderoso enquanto cria e mantem a criação na
existência.
Ser todo poderoso significa também que nenhum outro poder pode existir capaz
de concorrer com o poder de Deus. Só Ele é capaz de poder fazer tudo o que
quiser. Imagine agora nosso projeto de vida e salvação eternas na lista das coisas
desejadas por Deus! Ninguém pode destruir tais coisas e frustrar a vontade de
Deus.
É isto que entendo por “ter a vida nas mãos de Deus”. Ouvimos então Jesus falar
“ninguém pode arrancar nada das minhas mãos” (fonte?). Só eu mesmo tenho o
poder de desistir e destruir tal projeto de vida em e com Deus.
Jesus tem a participação total na plenitude do poder do Pai. Para os apóstolos a
pregar e a converter o mundo, Ele, Jesus, lhes dá como garantia seu próprio
poder e autoridade.
“Toda autoridade sobre o Céu e sobre a Terra me foi entregue. Ide, portanto, ...”
(Mt 28 18).
2.2- E o mal, de onde vem?
Nossa fé em Deus como criador de todas as coisas traz consigo um complicador.
Vamos partir, sem discussões, da certeza que o mal existe.
Deus criou também o mal?
“Se Deus Pai Todo Poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, cuida de todas
as suas criaturas por que então o mal existe”? (CIC, n. 309).
Olhe bem para quem levantou essa questão.
É o Magistério oficial da Igreja Católica, assistido e iluminado pelo Espírito Santo.
Nosso catecismo fala em duas categorias de mal: o físico e o moral.
Acontece que nenhum dos dois a Igreja aceita como vindo de Deus.
Ao que parece, o ponto de partida para explicar a origem do mal moral deve ser
procurado no mau uso do dom da liberdade com que o ser humano foi agraciado.
Por mal moral precisamos entender tudo o que de ruim brota do mau uso desta
liberdade. Até onde eu posso entender, isso se deve à natureza do ato do Amor.
Para o Amor ter sentido é essencial que seja expresso livremente. Sem liberdade
o Amor seria expresso por necessidade, como necessárias são a respiração e a
alimentação.
Tal coisa não seria Amor.
Para criar um homem capaz de Amor, Deus precisava correr o risco desse homem
ser capaz de não amar, capaz de odiar.
A questão é uma espécie de armadilha metafísica. Deus não criou o mal, mas
aceitou que o mal surgiria com grande probabilidade de seu projeto.
No entanto, por mais numerosos que sejam os desdobramentos e consequências
do pecado dos seres humanos, nem todos os males podem ser atribuídos ao
pecado. Existem dores, doenças mortais, sofrimentos terríveis que acometem
pessoas inocentes. Crianças são atingidas por cânceres que as matam após
sofrimentos atrozes.
Outras vem ao mundo com deficiências que tornam sua vida posterior um
verdadeiro suplício lento e contínuo para si e para os seus.
Estamos falando de males físicos desvinculados da moral. De onde eles vem?
Não acredito que alguém tenha respostas satisfatórias para todas essas questões.
O CIC, nos números 311 e 312, afirma “Deus não é de modo algum, nem direta
nem indiretamente, a causa do mal moral. Todavia permite-o, respeitando a
liberdade da sua criatura e, misteriosamente, sabe auferir dele o bem: pois o Deus
Todo Poderoso ..., por ser soberanamente bom, nunca deixaria qualquer mal
existir nas suas obras se não fosse bastante poderoso e bom para fazer resultar o
bem do próprio mal.
Assim, com o passar do tempo, pode-se descobrir que Deus, na sua providência
todo poderosa, pode extrair um bem das consequências de um mal, mesmo moral,
causado pelas suas criaturas:
continua
‘não fostes vós, diz José, que me enviastes para cá, foi Deus; ... o mal que tínheis
a intenção de fazer-me, o desígnio de Deus o mudou em bem a fim de ... salvar a
vida de um povo numeroso’ ” (Gn 45 , 8; 50 , 20).
Posso facilmente ver esta “volta por cima” de Deus na história de José do Egito.
Mas há muitas histórias pessoais em que não conseguimos vislumbrar nada de
bom vindo do mal.
Pessoalmente, gosto de argumentar que nem sempre temos condições para saber
se certos problemas físicos são males ou bens travestidos de mal.
A dor? Muitas vezes ela é essencial para sinalizar a necessidade de socorros ao
organismo e conservar-lhe a vida. É o alarme tocando. Uma doença pode
fortalecer todo o sistema de defesa e tornar um corpo mais resistente e saudável.
Para outras pessoas que vivem a graça e a união com Deus, meditando o Cristo
na cruz, a doença pode tornar-se fator poderosíssimo de superação e de
santificação.
Até mesmo tratando-se de males morais já encontrei pessoas que encontraram
neles pontos de partida e forte motivação para crescimento na virtude e
conversão.
Mas o que me revolve por dentro e coloca em cheque qualquer explicação e
compreensão é o sofrimento de pessoas inocentes e sem recursos, ao menos
conhecidos, para encontrar sentido e qualquer esperança ligada ao sofrimento.
Claro que não tenho condições de saber como Deus lida com tais situações.
Ele sabe tudo e tudo pode, enquanto eu “pobre vermezinho” só tenho que ter a
graça de acreditar na sua palavra quando diz:
“Eu, teu Deus, te seguro pela mão e te digo: nada temas, Eu venho em teu auxílio”
(Is 41,13).
Daqui para frente prevalece o que o Cristianismo tradicional, na boca de seus
mestres, convencionou chamar de “mistério do mal”.
Creio que ter a pretensão de entender tudo a respeito do mal seria como
pretender compreender tudo a respeito de Deus.
1- Trindade Criadora (CIC, nn 290-292)
A primeira frase da Bíblia diz:
“No princípio Deus criou o Céu e a Terra” (Gn 1,1).
O próprio catecismo deixa bem claro que por Céu e Terra entende tudo quanto
existe fora de Deus. Isso traz algumas consequências adicionais.
Diz que só Deus existia. Só Deus é eterno no sentido completo, olhando-se para o
começo e para o fim. Olhando para trás descobrimos que toda a Criação começou
no tempo (“no princípio”), não na eternidade. Olhando-se para o futuro,
percebemos que Deus quer que sejamos eternos. “Creio na vida eterna” é parte
essencial do conteúdo de nossa fé.
Acreditar que a Criação, agora entendida como o Universo, não tenha fim, pode
caber bem no universo de nossas crenças. Afinal, o vidente de Patmos diz: “Vi
então um Céu novo e uma nova Terra” (Ap 21,1).
Um certo problema pode vir à mente de pessoas que afirmam que tudo quanto
existe no Universo teve início no “Big-Bang”.
Calculam os cientistas que essa mega explosão inicial teria acontecido há mais de
13 bilhões de anos. Mas não implica isso em negar que o Universo teve início no
tempo, ou negar que foi criado por Deus. O Nada não explode e nada gera.
“No princípio era o Verbo ... e o Verbo era Deus ... Tudo foi feito por Ele, e sem
Ele nada foi feito” (Jo 1, 1-3 cit. por CIC n 291).
O N.T. nos diz que tudo foi criado por Deus através de Seu Filho bem amado.
E o Espírito Santo?
Claro, se a Trindade é eterna as Tres Pessoas não são criadas, mas igualmente
eternas.
Logos e Espírito são consubstanciais ao Pai. Portanto, não é concebível qualquer
ação divina sem envolver as Tres Pessoas.
O Símbolo Niceno-Constantinopolitano fala do Espírito Santo como o “doador da
vida”. O magnífico hino “Veni, Creator Spiritus” está incorporado pela Igreja
Católica no tesouro de nossa Fé. O Espírito Santo é Criador.
O Ofício Divino das Vésperas de Pentecostes da Liturgia Bizantina diz que o
Espírito Santo é “fonte de todo o bem”.
A nossa Igreja também incorpora essa expressão à Fé Católica (CIC, n 291).
Conclusão:
“a Criação é obra comum da Santíssima Trindade” (CIC, n 292).
2- O Genesis e a evolução; ou Ciência x Fé.
2.1- Introdução.
Trata-se de um tema cuja atualidade é recente e de importância crescente.
É a principal bandeira dos que poderíamos chamar de “os cientificistas”, que
combatem uma visão religiosa do universo.
Trata-se de uma armadilha (Jesus qualificaria de “escândalo”) na caminhada da fé
para muita gente. O modo como as coisas são apresentadas ajuda a gerar uma
suposta dicotomia, onde se acredita que duas determinadas coisas não podem
existir e ser verdadeiras ao mesmo tempo.
Prometo ser o mais breve possível para não cansar ninguém.
2.2- Teoria científica (Evolucionismo) x “Teoria Religiosa” (Criacionismo).
Essa é a forma mais comum como o suposto problema é apresentado.
As principais vítimas dessa armadilha são nossos alunos de todos os níveis. Os
principais agentes armadores desse falso problema são professores também de
todos os níveis, incluindo-se
nossos professores de religião, catequistas e muitos e muitos pregadores. Não
estou a acusar de desonestidade ou má vontade a ninguém.
As maiores fontes desse problema são ignorância, pouca formação filosófica e
fundamentalismo religioso. Esses fundamentalistas são os maiores responsáveis
pelos estragos causados em nossas crianças e jovens.
Para começar, todos que falam do problema, em termos de “teoria científica x
teoria religiosa”, precisariam voltar para seus bancos escolares e preencher vazios
em sua formação de professores, catequistas ou pregadores.
De saída percebemos aí uma confusão imperdoável de conceitos. Todos os que
ensinam tem a obrigação moral de empregar conceitos verdadeiros e corretos.
A palavra teoria significa um conjunto organizado de idéias e hipóteses
explicativas de uma área de conhecimento que ainda não atingiu um estágio de
verdade aceita por toda a comunidade científica. A melhor teoria é aquela que
melhor explica a realidade. A teoria evolucionista, sem dúvida, é a que melhor
explica, pelo menos, a grande diversidade e constantes modificações observadas
nos seres vivos.
Teoria só tem sentido quando empregada no universo da linguagem científica.
Não existem teorias em religião.
As religiões lidam com crenças e os conteúdos dessas crenças, sem esquecer os
valores.
2.3- Releitura do Genesis.
Falo em releitura porque todos conhecem o Genesis.
Mas vamos ler de novo e com olhos melhorados.
Precisaríamos repassar os principais elementos estudados numa introdução à
leitura bíblica em geral e do Genesis em particular.
Não vai ser possível fazê-lo aqui.
Contudo, é necessário dizer que não podemos ler textos bíblicos em geral,
sobretudo os textos apresentados em forma de relatos, e entendê-los ao pé da
letra. Normalmente, sem perceber, tendemos a entender um relato bíblico da
mesma forma que costumamos entender relatos dos dias em que vivemos. Mas
se tomarmos relatos dos dias de hoje, quanta variação existe.
Imagine uma experiência sua.
Voce presencia o atropelamento de uma criança. Em pouco tempo voce é
convidado a relatar o que viu a um repórter. Pouco depois chega a equipe médica
e voce , como principal testemunha, é convidado a fazer um relato à equipe. Não
demora muito e voce precisa também fazer um relato para um inquérito policial.
Por fim, voce também é convidado a contar à mãe o que voce viu.
Creio que todos podem imaginar que cada um desses relatos vai variar bastante
em termos de palavras empregadas, de detalhes, aqui omitidos, ali ressaltados,
sem contar a variação no colorido emocional.
No mínimo tentamos ler relatos bíblicos com idéias que temos de História em
nossos dias. Ora, a História como uma ciência é muito recente.
E muitas narrações bíblicas são anteriores à invenção da escrita e tem raízes e
linguagem mitológicas. Ler e entender ao pé da letra tais conteúdos antigos pode
ser verdadeira falsificação do que o texto quer nos falar.
Voltando ao Genesis, o Catecismo Holandês afirma “a narrativa da Criação”, por
exemplo, com seus seis dias é um poema!
Pretende ensinar que Deus criou todas as coisas. A forma de apresentação
literária é uma ‘invenção’ genial, não um relatório histórico. Já Santo Tomás, no
século 13, chamou a atenção sobre esse fato” (op. cit. p 62).
2.4- Algumas conclusões.
Do que foi dito acima aqui podemos anotar e gravar bem algumas afirmações.
-> Um religioso, enquanto religioso, nada tem o que criticar em teorias científicas.
-> O cientista, enquanto cientista, nada tem a opinar sobre o campo da fé
religiosa.
-> Não existe conflito entre linguagem científica e religiosa se ambas forem
empregadas corretamente.
-> Não há antagonismo entre conteúdos ou pensamentos das ciências e das
religiões. Assim, se um autor religioso afirma algo sobre a natureza, e as ciências
naturais descobrem que não é assim, deve prevalecer a verdade da ciência.
A Bíblia fala em dragões.
Cientistas mostram que dragões nunca existiram.
-> As Ciências estudam a natureza de toda a Criação.
O cristão crê que tudo quanto existe está aí pelo poder criador de Deus.
-> O religioso acredita na origem de toda a Criação. Cabe ao cientista pesquisar e
descobrir onde e quando cada ser se formou.
-> O cientista pode dizer que todo o universo que aí está surgiu de um Big-Bang.
Mas não consegue explicar como e de onde surgiu o material que explodiu!
-> Por fim, não há oposição ou conflito entre evolucionismo e Fé. O naturalista
tenta provar que todo ser vivo está em constante evolução. O religioso afirma
apenas que toda vida vem de Deus. O cientista só pode dizer que a vida evolui.
Aliás, isso combina melhor com a história de nosso planeta que está em constante
mudança.
Na aula passada afirmávamos que:
“Deus não criou,
mas está agora criando o Universo”!
revisão
da aula anterior.
Nas aulas 3 e 4 já falamos um pouco sobre o Reino de Deus (RD). Mas
precisamos de uma abordagem mais abrangente.
1- Conceito, Definição.
“Apresentação da atuação salvífica de Deus no mundo sob a imagem de um
domínio régio” (Dicionáriop Enciclopédico da Bíblia de A.van den Born, Vozes).
“O termo grego βάσιλέίά (também o hebraico) significam em primeiro lugar a
dignidade, e sobretudo o governo ativo de um rei e apenas em segundo lugar o
território” (idem).
“Entrar no R” (Mt 5, 20; etc.) e “entrar na vida” (Mt 18, 8; 19, 17) são imagens
equivalentes. Significado? “Participar dos bens messiânicos que Deus reservou
para o novo mundo” (idem).
Nas teologias do Egito e Oriente Médio, em geral, o deus supremo é criador e
reina sobre sua criação e os outros deuses.
Nos textos bíblicos muitas vezes este pensamento parece invadir
a mente de autores sagrados que colocam Javé como o maior e acima de todos
os deuses.
O já conhecido Catecismo Holandes (CH) afirma que o RD corresponde à própria
realeza de Deus, sua dominação soberana (p. 117). Nós, voces que me
acompanham e eu, poderíamos dizer que o Reinado de Deus é o mesmo que o
exercício da própria onipotência divina.
Voltando ao CH: “O termo, formado no AT, era como a recapitulação da fé judaica:
Deus é o Senhor deste mundo; um dia, isto é, no ‘Dia de Javé’, há de aparecer
para acabar com qualquer injustiça e miséria na existência humana, tão cheia de
amargas interrogações. É este o núcleo puro da esperança antigo-testamentária”
(p. 118).
2- Sinais do Reino.
De todos os sinais, o mais importante está no fato de que ele se manifesta na
pessoa de Jesus. Como o novo Adão, Jesus é o protótipo acabado que vive sob o
RD.
Se nós partirmos da visão realista do mundo nos seus desvarios mais diversos,
com todas as formas de males e pensarmos na infinita bondade de um
Deus todo poderoso, então dá para imaginar que Ele, Deus, exercendo sua
“dominação soberana” sobre o mundo dos homens, deveria gerar uma
humanidade muito melhor. Tudo seria mais de acordo com o coração de Deus.
Mas as iniciativas de Deus são sempre surpreendentes e respeitadoras da
liberdade concedida ao parceiro humano.
A iniciativa de Deus parece pequena, pois resume-se na Encarnação do Logos na
pessoa de Jesus, sem estardalhaço, sem trombetas tocando e nenhuma
manifestação da glória divina. O Logos se “humaniza” em Jesus tão bem, que
ninguém nota. Ninguém pode dizer que isso é pouca coisa. A Encarnação do
Logos, como vimos em aulas anteriores,
é realmente surpreendente, impensável,
absolutamente grandiosa como manifestação do amor de Deus por nós. Contudo,
essa grandeza toda está oculta “aos sábios e entendidos”, mas “revelada aos
pequeninos”, àqueles que se fazem como crianças, confiam no Pai, aceitam e
crêem em Jesus.
“Mas, em que sentido é que Jesus entende o ‘Reino’? Pois acontece que ninguém
pega em armas e
estrela alguma cai do céu. Qualquer forma de esperança nacionalista e
apocalíptica fica decepcionada. O inesperado em sua pregação é, em primeiro
lugar: que não acontece nada” (CH, p. 118-119).
Esta é a segunda forma com que Jesus decepciona muita gente que esperava
uma intervenção gloriosa e espetacular de Deus no mundo.
Mas tudo começa de forma tão pequena e despretensiosa que Jesus chega a
comparar esse início com a semeadura de um grãozinho de mostarda.
Vamos repetir o conceito de R do início dessa aula. Jesus claramente fala que o
poder salvífico de Deus está atuando Nele, Jesus. Os milagres e expulsões de
demônios são sinais claros dessa atuação.
“... mas, se é pelo dedo (poder) de Deus que Eu expulso demônios, então o
Reinado de Deus já vos alcançou” (Lc 11, 20; Mt 12, 28). Isso é o mesmo que
afirmar que o “R chegou a vós de surpresa”!
3- Mas, é só isso?
Há muitas descrições apocalípticas de uma intervenção total e arrasadora de
Deus no final dos tempos e a vinda gloriosa do Filho de Homem. Jesus também
fala disso. Mas evita as descrições dos autores apocalípticos. Jesus fala
claramente de duas intervenções de Deus no mundo e na história dos homens. Na
primeira Deus começa a exercer seu poderio,
seu reinado, suavemente e através da pessoa e atuação de Jesus.
É compreensível que a caminhada da humanidade sobre o nosso planeta
necessariamente terá um fim. A Terra um dia deixará de ser habitável. Mas como
e quando será esse fim? O fim virá lentamente ou será por morte súbita da
espécie humana num colapso? Jesus fala pouco sobre esse tema.
Afirma que o fim virá, mas que só o Pai sabe quando. “Toda a sua mensagem está
concentrada, não em um acontecimento externo, mas no próprio fato de Deus
reinar” (CH, p. 119).
Repetindo, Jesus anuncia o R presente na pessoa Dele e que começa atuar.
Doentes são curados, demônios são expulsos. Ele, Jesus, portador da realeza de
Deus (pode-se ler poderio) invade os espaços de Satanás e vence seu poder de
todas as formas. É “o mais forte” que chegou (Lc 11, 21-22). A sementinha de
mostarda está plantada! Jesus vive 100% sob a realeza do Pai. Seu lema
preferido é “meu alimento é fazer a vontade de Meu Pai”. Os primeiros discípulos
vieram e seu número está crescendo. Os doze apóstolos
foram escolhidos, largaram tudo e estão toda hora com Ele. Por sua vez, Jesus
garantiu que estará com os seus “até o fim dos tempos”. O R começou para ficar.
É definitivo.
4- Algumas características do Reino fundado por Jesus.
4.1- Milagres e ou Sinais.
Em primeiro lugar precisamos ter em mente que os milagres de Jesus tem como
finalidade essencial mostrar, sinalizar, ao mundo que o poder de Deus (= Realeza
de Deus) está atuando. João no 4º Evangelho não fala em milagres, só fala em
sinais.
Mais para frente falaremos em sinais do Reino na Igreja Católica (IgC).
4.2 - Toda a humanidade é convidada.
Não só o povo de Israel é destinatário do R, embora seja o primeiro a receber seu
anúncio. Foi também ele quem gerou o fundador do R, Jesus. Contudo, sem
privilégios, sem nacionalismos, o R é anunciado para todos os povos
(Mt 10, 5-7; 8,11; 28, 19).
4.3- O Reino se firma entre pobres e pequenos, “isto é, aos que o acolheram com
um coração humilde. Jesus é enviado para ‘evangelizar os pobres’ (Lc 4, 18).
Declara-os bem aventurados pois ‘o Reino dos Céus é deles’ (Mt 5, 3); foi aos
‘pequenos’ que o Pai se dignou revelar o que permanece escondido ‘aos sábios e
entendidos’ (Mt 11, 25).
Jesus compartilha a vida dos pobres desde o estábulo até a cruz; conhece a fome,
a sede e a indigência (Lc 9, 58). Mais ainda, identifica-se com os pobres e faz do
amor ativo para com eles a condição para se entrar no seu R (Mt 25, 31-46)”,
conforme CIC n. 544.
4.4- Pecadores são convidados.
Isso choca? Creio que nem todos os católicos sentem-se inteiramente à vontade
com esse aspecto. Mas é tão lógico. Jesus fala em justos e pecadores. Os justos
em muitos aspectos já fazem a vontade de Deus e estão mais ou menos afinados
com as exigências do R. Ora, supõe-se que os pecadores estejam em posição
oposta. Ouvida e aceita a palavra de Jesus, a senha mágica agora é “converterse”.
Ora, é exatamente o pecador que necessita de conversão (Mc 2 ,17; 1Tm 1,15; Lc
15, 7; Lc 15, 11-32; CIC n. 545).
4.5- Parábolas e outras características do Reino.
- O joio (Mt 13, 24-30). É resposta aos impacientes. O R precisa de tempo para
crescer e só a Deus compete julgar, sendo sua vontade garantida.
- O grão de mostarda (Mt 13, 31-32; Mc 4, 30-32; Lc 13, 18-19). Acentua o
crescimento do R que vai de um início tão pequeno que não é percebido pela
maioria das pessoas, e chega a um fim esplendoroso! Subentendida está a força
interna própria do R.
- O fermento (Mt 13, 33; Lc 13, 20-21). Mais uma vez a energia transformadora e o
poder de atingir todos os povos são acentuados. O fim é grandioso. Toda a massa
cresce.
- O tesouro e a pérola. (Mt 13, 44-46). Aqui Mateus acentua o valor único e maior
que tudo do R, e sua capacidade de ser o maior sonho de alegria e felicidade de
alguém. Isso impõe a quem o descobre a determinação de abrir mão de tudo para
chegar ao tesouro.
Aliás, esse abrir mão de tudo é repetido exaustivamente por Jesus em toda a sua
pregação. Quando Ele aponta as duras condições
de renúncia a quem quer segui-lo (largar todos os bens; colocar sua relação com
Ele acima de todas as relações de sangue; tomar a cruz e segui-lo), está falando
de coisas que a adesão ao R pode cobrar da gente.
- A rede (Mt 13, 47,50). Em comum com a parábola do joio esta fala que, apesar
do R estar implantado, nele conviverão, até o fim dos tempos, bons e maus. A
ameaça sobre os que não prestam (no versículo (v) 38 qualificados de “súditos do
Maligno”) é pesada.
5- Reino e Igreja.
Apesar da clareza dos elementos aqui descritos, a IgC chegou a acalentar a idéia
de que ela e só ela era a concretização do R na Terra. Daí a expressão da crença
de que fora da IgC não haveria possibilidade de salvação.
Até impérios e reinos cristãos chegaram a sonhar que seus mandatários poderiam
encarnar o
poder de Deus para eles regerem toda a cristandade (Sacro Império RomanoGermânico; o Sebastianismo em Portugal).
O Concílio Vaticano II enfrentou esse problema de forma suave e firme. Até seu
início (11/10/1962), exatamente há 50 anos, a expressão “extra Ecclesia nulla
salus” (fora da Igreja não existe salvação) era quase dogma de fé.
O Vaticano II afirma que a Igreja nasceu da pregação do R feita por Jesus Cristo.
“Recebeu a missão de anunciar o Reino de Cristo e de Deus, de estabelecê-lo em
todos os povos e deste R constituiu na Terra o germe e o início” (Compêndio
Vaticano II, nº 6). Não podia a assembléia mundial dos bispos com o Papa dizer
outra coisa.
Mas, pouco adiante, no nº 21, afirma a não exclusividade da IgC em encarnar a
única Igreja de Cristo e também diz que elementos do RD podem existir e atuar
fora dos limites visíveis de nossa IgC. “Esta Igreja (Ig de Cristo), constituída e
organizada neste mundo como uma sociedade, subsiste na IgC ... embora fora de
sua visível estrutura se encontrem vários elementos de santificação e verdade.
Estes elementos, como dons próprios à Igreja de Cristo, impelem à unidade
católica” (op. cit. n. 21).
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