APONTAMENTOS SOBRE A PORTARIA N.º. 1 COLOG DE 16 DE JANEIRO DE 2015 Dr. Belizário Antônio de Lacerda1 EMENTA: PORTARIA Nº 1 DE 16/01/2015. REGULAMENTO DE REGULAMENTO. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. COMPLEMENTAÇÃO DE LEI. REGULAMENTO DE PROCEDIMENTO. FIGURAS JURÍDICAS INEXISTENTES. DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO E JUDICIAL. AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA. DIREITO DE PROPRIEDADE. RESTRIÇÃO SEM CONTRAPRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. INADMISSIBILIDADE. DIREITO DE PETIÇÃO. PRAZO DE RESPOSTA. DESOBEDIÊNCIA. PASIVIDADE DE CORREIÇÃO JUDICIAL. - Inexiste em matéria de direito constitucional no que tange à etiologia da lei a figura jurídica de complementação de lei e regulamento de procedimento. - No direito brasileiro, porque positivo, ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, no sentido material e formal, isto é, norma genérica, abstrata e duradoura, emanada do Congresso Nacional, portadora de sanção e destinada a viger indefinidamente, salvo se lei temporária. - A portaria que regula e complementa procedimento não tem força cogente no sistema constitucional brasileiro. - Modernamente o processo administrativo passou a fazer parte do devido processo legal brasileiro por força de específico mandamento da Constituição da República Federativa do Brasi (art, 5,º., item LV), de tal modo que a administração pública somente pode exigir do particular o cumprimento de determinada obrigação após o devido processo legal, assegurando-se-lhe defesa ampla, contraditório e recurso a este inerente. 1 Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Mestre e doutor em direito administrativo pela Faculdade de Direito da Universidade Federal em Minas Gerais em 1982 e 1998, respectivamente. Foi professor das Faculdades de Direito da UFMG, Fundação Monsenhor Messias de Sete Lagoas, Fundação Mineira de Educação e Cultura – Fumec, Cândido Mendes e autor dos livros com edições já esgotadas: Do direito e da ação de preferência (Ed. Saraiva), Da retrocessão (Ed. Forense), Natureza jurídica da reaquisição do bem expropriado (Ed. Del Rey), Direito Adquirido (Ed. Del Rey) e Comentários à lei de arbitragem (Ed. Del Rey). O autor também é Colecionador, Atirador e Caçador com Certificado de Registro – SFPC 4º RM nº15.618. - Nenhuma restrição ao direito de propriedade pode ser imposta pelo Estado ao particular sem a devida contraprestação pecuniária. -Além da instância administrativa, a todo cidadão que se julgar lesado em seu direito é assegurado o acesso ao Poder Judiciário em decorrência do princípio da inafastabilidade da jurisdição judicial. - A administração pública tem o prazo de trinta (30) dias para responder o direito de petição do cidadão, pena de correição judicial via mandado de segurança. Os apontamentos alcançam disposições que não se abrigam somente sob o Capítulo da Coleção, levando-se em conta tratar-se de legislação compilada, como tal entendida aquela que abriga disposições que tutelam direitos diferentes. Ademais a pretensão de tais apontamentos não é tornar tese jurídica, mas interpretar objetivamente suas disposições sem afastar do tecnicismo que o direito impõe à moderna hermenêutica jurídica. 1 - No preâmbulo da Portaria constata-se seu primeiro ponto vulnerável. Padece de ilegitimidade a figura jurídica de complementação de lei e regulamento de procedimento. eis que figuras jurídicas sem qualquer eficácia para o direito, uma vez que este institucionaliza apenas a regulamentação de lei no sentido formal (ato emanado do Congresso Nacional) e jamais a complementação de lei ou regulamentação de procedimento. 2 - No artigo 3.º. padece de vício insanável de inconstitucionalidade a expressão “precedida, quando for o caso, de processo administrativo”. O sistema jurídico brasileiro atualmente institui duas instâncias de processos, quais sejam, a administrativa e a judicial. Neste artigo a Portaria torna letra morta o artigo 5.º. LV da Constituição da República Federativa do Brasil [2]. 2 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: .... 2 Como tenho sustentado em meus livros e publicações científicas esparsas, deixar a autorização para o exercício de um direito, ainda que seja discricionário e precário este direito, ao juízo subjetivo da pública administração e fora do “due process of law” (devido processo legal), é de uma ilegitimidade constitucional gritante.[3] Ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, cuja concreção somente se viabiliza juridicamente dentro do devido processo legal. 3 - No artigo 85 há uma odiosa restrição ao direito de propriedade sem qualquer contraprestação pecuniária, malferindo a mais não poder o disposto no art. 5.º. itens XXII e XXIV da Constituição da República Federativa do Brasil [4]. A única restrição imposta pela Constituição da República Federativa do Brasil ao direito de propriedade é a desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, e assim mesmo mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos em lei (indenização mediante indenização em título da dívida pública) conforme se infere da norma contida no ítem XXIV do art. 5.º. daquela referida Carta Política. Não é diferente o trato que o Código Civil dispensa à propriedade irrestrita conforme se infere de seu art. 1228 e seu § 3.º.[5] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” 3 Sobre o tema vide artigo de minha autoria intitulado “O Mito do Mérito Administrativo”, Jurisprudência Mineira, a. 63, n.200, p. 37-50, jan/mar 2012. 4 Art. 5º [...] XXII - é garantido o direito de propriedade; XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; 5 Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. ... 3 Vedar a transferência de armas do acervo de coleção para acervo de atirador, de caçador ou de cidadão restringe flagrantemente o direito de propriedade do CAC ao impor-lhe condição a seu direito de usar, gozar e dispor de sua propriedade sem qualquer contraprestação pecuniária. Nenhuma dúvida pode restar a qualquer hermeneuta do direito que usando de qualquer método (hermenêutica literal ou gramatical, hermenêutica teleológica ou finalística, hermenêutica histórica ou hermenêutica finalística) chegaria à outra conclusão que impor ao proprietário a forma pela qual poderá usar sua propriedade impõe-lhe odiosa restrição ao exercício do respectivo direito. E aí pergunta-se “quid iuris”, ou seja onde está o direito?. A servidão administrativa (qualquer limitação imposta ao uso, gozo e disposição da propriedade) é indenizável segundo a doutrina e legislação pertinentes. O Estado democrata de direito não transige com quaisquer restrições ao direito de propriedade fora do devido processo legal e sem a prévia e justa indenização em dinheiro ou título da dívida pública resgatável a prazo diferido e certo devidamente corrigido monetariamente. 4 - Outro ponto muito vulnerável, para não dizer omisso da Portaria n.º. 048 COLOG, de 31 de dezembro de 2014 é a questão do prazo para expedição de documentos pertinentes ao CAC pelo COLOG e pela DFPC, pois o atirador praticante é preciso estar municiado dos documentos (CR e GTE) para viajar legalmente para dentro do território nacional até sair de sua zona limítrofe para o exterior para competição internacional. Eu mesmo já tive ocasião de utilizar arma de outro atirador porque meu CR e GTE não ficaram prontos a tempo e modo para embarcar-me rumo ao local de competição. § 3o O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. 4 A mesma Constituição da República Federativa do Brasil a que tanto tenho reportado assegura em seu art. 5º. ítem XXIV, alínea “a”, o direito de petição aos Poderes Públicos.6 A Lei 9.784/99, que regula o processo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece o prazo de 30 (trinta) dias para que as demandas dos administrados sejam respondidas, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada [7]. Hoje já é consolidado na jurisprudência o entendimento de ser passível de correição via mandado de segurança a omissão da pública administração em se pronunciar no prazo legal sobre a petição do particular. [8] 6 Art. 5º [...] XXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; 7 Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada. 8 V.g. as seguintes ementas de acórdão do col. Superior Tribunal de Justiça: “MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. DEMORA NA RESPOSTA. PRAZO RAZOÁVEL PARA APRECIAÇÃO.INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA E DA GARANTIA À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO. OMISSÃO CONFIGURADA. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 49 DA LEI N. 9.784/99. [...] 3. Não é lícito à Administração Pública prorrogar indefinidamente a duração de seus processos, pois é direito do administrado ter seus requerimentos apreciados em tempo razoável, ex vi dos arts. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e 2º da Lei n. 9.784/99. 4. O prazo a ser fixado para o julgamento do pedido de anistia pela autoridade coatora, na linha da orientação firmada por esta Terceira Seção, deve ser de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, desde que expressamente motivado, conforme estabelecido no art. 49 da Lei 9.784/99, dispositivo aqui aplicado de forma subsidiária.[...]”(MS 13.584/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 26/06/2009); “MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO DE PETIÇÃO - PRONUNCIAMENTO. - O DIREITO DE PETIÇÃO TEM COMO COROLARIO O DIREITO AO PRONUNCIAMENTO DA AUTORIDADE DESTINATARIA DO PEDIDO. O SILENCIO EM TAL PRONUNCIAMENTO CONSTITUI OMISSÃO ILICITA, DANDO ENSEJO A 5 Em apertada síntese Sr. General eram estes os apontamentos que faço sobre a Portaria n.º. 048 COLOG, de 31 de dezembro de 2014. Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2015 Dr. Belizário Antônio de Lacerda CR N.º. 15618 MANDADO DE SEGURANÇA.” (MS 5.203/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/12/1997, DJ 25/05/1998, p. 4). 6