Tribunal de Contas ACÓRDÃO Nº 3 /14.FEV.2012 – 1ª S/PL Recurso Ordinário nº 19/2010 (Processo nº 810/2010) DESCRITORES 1. 2. 3. 4. Recurso de recusa de visto Prazo de vigência de contrato Prorrogação de vigência de contrato Alteração do resultado financeiro Mod. TC 1999.001 SUMÁRIO 1. O nº 1 do artigo 440º do CCP estabelece que “[o] prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que constituam o seu objecto, salvo se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. 2. No caso, a fixação de um prazo de oito anos para a vigência do contrato não contraria aquela disposição legal na medida em que se reconheceu que “um prazo de três anos de vigência do contrato, - incluindo prorrogações – (…) seria (…), um prazo demasiado curto e inadequado para garantir, quer a estabilidade do contrato, quer a amortização e a rentabilidade do investimento a efectuar (…)”. 3. Quanto à possibilidade de prorrogação do prazo de vigência por mais um período de oito anos, deve ter-se em conta que aquela disposição legal fixa um critério de necessidade e de conveniência “em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. 4. Assim, se a fixação de um prazo de oito anos para a vigência do contrato está estribada na lei, face às justificações apresentadas, nada no processo demonstra que a possibilidade de prorrogação daquela vigência, por um novo período de oito anos, obedece ao referido critério de necessidade e conveniência. 5. O ratio daquela disposição legal aponta para que os contratos devem ter a duração que a natureza do seu objeto justificar, devendo em regra ser no máximo de três anos. E que finda essa duração, deve ser de novo feita nova “consulta” ao mercado: só dessa forma se salvaguarda o funcionamento dos mercados, em concorrência, e se protegem os interesses públicos, mediante o surgimento de novas propostas. Tribunal de Contas 6. A referida violação constitui fundamento de recusa do visto estabelecido no artigo 44º, nº 3, al. c) da LOPTC que prevê “… ilegalidade que altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro”. 7. Ao Tribunal de Contas, com competências de jurisdição financeira, cabe também no âmbito da fiscalização prévia, velar pela observância pelos princípios a que se deve subordinar a gestão financeira pública e, pelas suas decisões, contribuir para que se obtenham ou, pelo menos não se alterem, os (melhores) resultados financeiros. 8. Nesta situação, o Tribunal pode fundamentadamente conceder o visto, mas com a formulação de recomendações ao abrigo do nº 4 do referido artigo 44º. Lisboa, 14 de fevereiro de 2012 O Juiz Conselheiro Mod. TC 1999.001 (João Figueiredo) –2– Tribunal de Contas ACÓRDÃO Nº 3 /14.FEV.2012 – 1ª S/PL Recurso Ordinário nº 19/2010 (Processo nº 810/2010) I – RELATÓRIO 9. A Câmara Municipal de Fafe (doravante também designada por Câmara Municipal ou por CMF), notificada do Acórdão nº 34/2010, de 14/10/2010 — 1ª. S/SS, que recusou o visto ao contrato de prestação de serviços celebrado em 28 de Maio de 2010, entre o Município de Fafe e o consórcio formado pelas empresas “Ecoambiente – Consultores de Engenharia, Gestão e Prestação de Serviços, SA” e “Horto Casimiro – Espaços Verdes, Lda.”, pelo valor de € 5.895.140,00 acrescido de IVA, tendo por objeto a “Recolha de resíduos sólidos e limpeza e higiene urbana do concelho de Fafe”, do mesmo veio interpor recurso. 10. O acórdão recorrido procedeu à recusa de visto, com base na alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC1, explicitando os seguintes fundamentos: “Concede-se que um prazo de três anos de vigência do contrato, - incluindo prorrogações – como estabelece o nº1, do artigo 440º do CCP, aplicável ex vi do artigo 451º do mesmo compêndio normativo, seria, no caso em apreço, um prazo demasiado curto e inadequado para garantir, quer a estabilidade do contrato, quer a amortização e a rentabilidade do investimento a efectuar com vista à prestação dos serviços que aqui estão em causa. Por isso, será possível recorrer ao disposto no nº1, do mencionado artigo 440º do CCP, que, contemplando a eventualidade de uma situação deste género, possibilita um alargamento deste prazo, quando tal se revele necessário ou conveniente, em face da natureza das prestações. (…) Mod. TC 1999.001 1 Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas: Lei nº 98/97, de 26 de agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 87-B/98, de 31 de dezembro, 1/2001, de 4 de janeiro, 55-B/2004, de 30 de dezembro, 48/2006, de 29 de agosto, 35/2007, de 13 de agosto, 3-B/2010, de 28 de abril, 61/2011, de 7 de dezembro e 2/2012, de 6 de janeiro. –3– Tribunal de Contas Todavia, a possibilidade de prorrogação da vigência do contrato é que é manifestamente excessiva, face ao espírito e à letra do mencionado artigo 440º, nº1, do CCP. Com tal prorrogação, o prazo de vigência do contrato poderia atingir os 16 (dezasseis) anos, o que ultrapassa largamente o período consentido pela lei, sendo que tal prazo já deverá incluir as suas eventuais prorrogações. A eternização da vigência do contrato tem como consequência a compressão do princípio da concorrência, e, por arrastamento, a possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato. Efectivamente, nada garante que, após os oito anos iniciais de vigência do contrato, e após o adequado procedimento pré-contratual, e com a publicidade que este asseguraria, não apareceria um ou mais concorrentes a apresentar propostas mais convenientes e atractivas para a prestação dos serviços aqui em causa. Deve, até, acrescentar-se que, num tempo em que é acentuado o desenvolvimento tecnológico, e forte a concorrência entre as empresas, é grande a probabilidade de virem a ser obtidas, após os oito anos, melhores condições (quer económicas, quer tecnológicas e de eficiência) de prestação dos serviços ora contratados. Estamos, pois, perante a violação do disposto no artigo 440º, nº1 do CCP - aplicável por força do disposto no artigo 451º do mesmo código - bem como no artigo 1º, nº4, ainda do mesmo diploma legal. Atendendo ao que se referiu atrás, esta ilegalidade tem potencialidade suficiente para alterar o resultado financeiro do contrato, com agravamento do seu valor. Ora, deve referir-se que o fundamento de recusa do visto estabelecido no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto, se verifica no caso de existência de “… ilegalidade que … possa alterar o respectivo resultado financeiro” do contrato. (…) É, pois, este o caso sub judice”. Mod. TC 1999.001 11. A CMF, na sua petição, requer que se dê provimento ao recurso e se revogue a decisão recorrida, essencialmente, nos seguintes termos: “(…) Tendo em conta: 13- Que no caso concreto a prestação de serviços implicou para os particulares um investimento financeiro avultado nos meios humanos e técnicos, nomeadamente através da aquisição de veículos de reco1ha de resíduos e veículos de limpeza das vias urbanas e de colectores de lixo. 14-Que no caso de o contrato ter a duração de 3 anos a remuneração a pagar pela entidade adjudicante por esse serviço seria absolutamente incomportável. 15- Que para assegurar o equilíbrio financeiro sustentável de contrato pretendido acarretava um custo avultado para o Município que teria de ser compensado com –4– Mod. TC 1999.001 Tribunal de Contas uma receita repercutida nos munícipes através do pagamento da tarifa. Facto esse que seria lesivo do interesse público. 16- Que o Município não dispõe de meios técnicos e humanos e financeiros para prestar o serviço público em causa, sendo obrigado a recorrer à contratação destes serviços. 17- Que o Município, tal como toda a Administração Pública, deve procurar as melhores soluções possíveis, na prossecução do interesse público, do ponto de vista administrativo e, na sua vertente técnica e financeira. 18- Que o legislador consagrou que os prazos de vigência dos contratos devem ser fixados em função de tempo necessário para a amortização e remuneração do investimento que o particular tem de realizar para a adequada prestação do serviço. 19- Entendeu, a Câmara enquadrar o contrato celebrado na previsão do artigo 440°, n° 1 do CCP, estabelecendo um prazo de vigência de oito anos, eventualmente prorrogáveis (…). 20- Se os Meritíssimos Juízes Conselheiros (…) parecem aceitar como justificado o prazo de oito anos para a vigência do contrato em apreço, a verdade é que vêem na sua eventual prorrogação, uma violação do disposto no artigo 440º, n°1 do CCP, por entenderem que tal prorrogação “ultrapassa largamente o período consentido pela lei” e que há uma “possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato”. 21- Salvo o devido respeito, não comungamos do entendimento de que a eventual prorrogação viola o disposto no artigo 440°, n°1, já que este normativo, não fixa, face à excepção expressa na sua parte final, qualquer limite temporal, mas apenas exige que o tal prazo se deve revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução. 22- Da mesma forma, a parte final do n° 1 do artigo 440° do CCP não condiciona a sua aplicabilidade à existência de possibilidade de alteração do resultado financeiro do contrato (…). 23- Também não podemos concordar com os argumentos aduzidos pelos Meritíssimos Juízes para a fundamentação da possibilidade e alteração do resultado financeiro do contrato. Isto porque, 24- Para nós, a probabilidade de findo o prazo dos oito anos da vigência do contrato, poderem aparecer propostas mais convenientes e atractivas para a prestação do mesmo serviço, tem tanta validade e consistência como o contrário, ou seja, a probabilidade de aparecerem propostas mais onerosas para o Município. 25- Estamos aqui no mundo das probabilidades que só o decurso do prazo o demonstrará. 26- Mas será, por certo, nesse decurso da vigência do prazo, que as regras do mercado, o desenvolvimento tecnológico e demais circunstâncias supervenientes, levarão a aferir o interesse público adjacente ao contrato, levando, se for o caso o Município a lançar mão do exercício do direito de denúncia previsto na referida cláusula 5ª do contrato. –5– Mod. TC 1999.001 Tribunal de Contas 27- Acrescentamos, ainda, e reproduzindo aqui o por nós já respondido e transcrito no Acórdão, que no nosso entender, alterar a cláusula 5ª do contrato que reproduz o estipulado no Programa de Procedimento, implica pôr em causa os interesses da transparência e da objectividade acautelados no concurso, o que a acontecer só se justificaria por razões iminentes de interesse público, as quais o Município ainda não detém, nem tão pouco por indícios. 28- Para além de se alterar um dos pressupostos que estiveram na base do procedimento competitivo, com violação dos princípios constitucionais e legais da concorrência, igualdade, transparência. E não se pode considerar que o prazo contratual seja um elemento neutro relativamente aos interesses envolvidos no procedimento. 29- Por tudo o supra referido, discordamos dos fundamentos da recusa do visto, já que não basta uma simples eventual probabilidade da existência de uma ilegalidade, terá de haver, pelo menos, indícios sérios que nos leve a admiti-la. No caso concreto, dos termos do contrato resulta a mera possibilidade de, decorrido o prazo de oito anos, o Município proceder ou não à renovação do contrato, atento o melhor interesse público. O que será feito tendo por base a ponderação — em face do contexto à data — do custo financeiro do contrato ser o que melhor se adequa ao interesse público ou — em alternativa — considerar-se o lançamento de um novo concurso, caso se afigure como provável o surgimento de propostas mais vantajosas para o Município. 30- Acresce que, em sede de contratação pública, o princípio da concorrência está subordinado (é instrumental) ao princípio da prossecução do melhor interesse público. Esta é a ponderação que o Município terá que fazer findo o prazo de vigência do contrato, com vista a decidir ou não pela sua renovação. 31- Mas, ainda que se vislumbre a existência de risco financeiro, no caso em apreço, sempre o Douto Tribunal poderá lançar mão, nos termos do artigo 44° da LOPTCpor estar em causa, no seu entender, a violação de norma financeira - de uma decisão fundamentada no sentido de o Município de Fafe, findo o prazo de oito anos do contrato, não fazer uso da prorrogativa de proceder à sua prorrogação, o que por certo acatará, retirando a possibilidade de o contrato ser renovado por mais oito anos. 32- Estarão assim, também nesta última hipótese, salvaguardados o interesse público e o interesse privado aqui em jogo, sem que o Município tenha de indemnizar o adjudicatário pelos danos decorrentes da ineficácia do contrato, nomeadamente pelos prejuízos patrimoniais decorrentes das despesas realizadas com a preparação da proposta e a aquisição dos equipamentos necessários à execução do contrato, nos termos contratados, bem como pelos prejuízos decorrentes da extinção dos postos de trabalho de colaboradores contratados para assegurar as prestações dos serviços já em execução. –6– Tribunal de Contas 33- Refira-se, a propósito, que a orientação da 1ª secção do Tribunal de Contas tem sido a de concessão de visto com recomendações nos casos em que tal situação é susceptível de repor a legalidade da norma financeira atingida e em caso de inexistência de historial de incumprimento, por parte da entidade visada, das recomendações formuladas por esse Douto Tribunal, situação que se aplica ao Município de Fafe. 34- Indica-se, a título de exemplificativo, alguns dos Acórdãos proferidos em Plenário da 1ª Secção que atestam o que anteriormente se alegou: - Acórdãos n°s :- 002-2002;003-2004,007-2004; 026-2009, entre outros. TERMOS em que se deverá considerar procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida como é de DIREITO e de JUSTIÇA, concedendo-se o Visto ao contrato em fiscalização, sendo que o Município de Fafe dará cabal execução às recomendações que o Douto Tribunal considerar oportunas”. 12. Posteriormente à interposição do recurso, veio a CMF juntar aos autos ofício dirigido ao consórcio adjudicatário em que “no uso da prerrogativa prevista na Cláusula Quinta do Contrato (…) e tendo em atenção a recusa de visto” lhe comunica que “o Município de Fafe denuncia, desde já, o referido contrato de prestação de serviços a partir do final do seu período de execução de oito anos”. 13. O Ministério Público pronunciou-se inicialmente pela improcedência do recurso, em bem fundamentado parecer. Contudo, na sequência da junção referida no número anterior, e ouvido novamente, veio o MP tomar posição no sentido da procedência do recurso, considerando que “afastar a possibilidade de prorrogação do prazo inicial de vigência, é uma alteração superveniente que remove a ilegalidade que fundamentou a decisão de recusa do Visto”. 14. Foram colhidos os vistos legais. II – FUNDAMENTAÇÃO Mod. TC 1999.001 15. No recurso interposto não foi impugnada a matéria de facto elencada na decisão recorrida. Dá-se pois por assente tal matéria. Estabelecida a matéria de facto, passe-se às questões de direito. 16. A questão central que se suscita na apreciação do presente recurso é a de saber se a cláusula quinta do contrato, na parte relativa à eventual prorrogação do período de vigência do contrato, é conforme ao direito aplicável. –7– Tribunal de Contas 17. A cláusula quinta do contrato prevê que este “vigorará por um período de oito anos, prorrogável por igual período, desde que não seja denunciado por nenhum dos outorgantes até doze meses da data de conclusão prevista, nos termos do artigo 5º do Programa do Procedimento”. 18. O artigo 5º do Programa do Procedimento estabelecia igualmente que “o contrato a celebrar vigorará pelo prazo de 8 (oito) anos, podendo ser prorrogado por uma única vez por igual período desde que não seja denunciado por nenhum dos outorgantes até doze meses da data de conclusão prevista”. 19. O nº 1 do artigo 440º do CCP 2 – aplicável ao caso concreto por força do disposto no artigo 451º do mesmo código – estabelece: “O prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações expressas ou tácitas do prazo de execução das prestações que constituam o seu objecto, salvo se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. 20. Ficou claro na decisão recorrida, que a fixação de um prazo de oito anos para a vigência do contrato não contrariava aquela disposição legal na medida em que se reconheceu que “um prazo de três anos de vigência do contrato, - incluindo prorrogações – (…) seria, no caso em apreço, um prazo demasiado curto e inadequado para garantir, quer a estabilidade do contrato, quer a amortização e a rentabilidade do investimento a efectuar com vista à prestação dos serviços que aqui estão em causa”. 21. Efetivamente, a questão controvertida diz respeito à possibilidade prevista na cláusula quinta do contrato – em cumprimento do disposto no programa do procedimento – de prorrogação do período de vigência do contrato, por um novo período de oito anos. Mod. TC 1999.001 Refere a CMF que o nº 1 do artigo 440° do CCP ”não fixa, face à excepção expressa na sua parte final, qualquer limite temporal, mas apenas exige que o tal prazo se deve 2 Código dos Contratos Públicos aprovado pelo Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, retificado pela Declaração de Retificação n.º 18-A/2008, de 28 de março e alterado pela Lei nº 59/2008, de 11 de setembro, pelos Decretos-Lei nºs 223/2008, de 11 de setembro, 278/2009, de 2 de outubro, pela Lei nº 3/2010, de 27 de abril, e pelo Decreto-Lei nº 131/2010, de 14 de dezembro. –8– Tribunal de Contas revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. Vejamos. Aquela disposição legal é bem clara quando dispõe que o “prazo de vigência do contrato não pode ser superior a três anos, incluindo quaisquer prorrogações expressas ou tácitas” e permite que tal prazo pode ter outra dimensão “se tal se revelar necessário ou conveniente em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. Assim, é correta a afirmação da CMF de que a lei ”não fixa (…) qualquer limite temporal”. Contudo, é preciso também sublinhar-se que a lei fixa um critério para o estabelecimento de outro prazo maior: um critério de necessidade e de conveniência “em função da natureza das prestações objecto do contrato ou das condições da sua execução”. Ora, aceita-se a inconveniência da fixação do prazo legal, como ficou bem demonstrado no processo, quer na decisão recorrida - como acima se viu nos nºs 2 e 11 - quer pelos fundamentos apresentados pela entidade adjudicante nas alegações de recurso, dado “que no caso de o contrato ter a duração de 3 anos a remuneração a pagar pela entidade adjudicante por esse serviço seria absolutamente incomportável”, já que “implicou para os particulares um investimento financeiro avultado nos meios humanos e técnicos, nomeadamente através da aquisição de veículos de reco1ha de resíduos e veículos de limpeza das vias urbanas e de colectores de lixo”. Isto é: o critério de necessidade e conveniência e aqueles factos suportam a opção de fixação de um prazo de oito anos para a vigência do contrato. Mod. TC 1999.001 Mas nada, no processo, demonstra a necessidade da consagração da possibilidade de prorrogação por mais oito anos da vigência do contrato. 22. Nesta avaliação deve ir-se mais longe: qual o ratio daquela disposição legal? É óbvio que é entendimento da lei que os contratos devem ter a duração que a natureza do seu objeto justificar, devendo em regra ser no máximo de três anos, prazo que a lei considerou razoável. E que finda essa duração, deve ser de novo feita nova “consulta” ao mercado: só dessa forma se salvaguarda o funcionamento dos mercados, em –9– Tribunal de Contas concorrência, e se protegem os interesses públicos, mediante o surgimento de novas propostas. Dirá a CMF que a prorrogação que consagrou de mais oito anos, é uma mera possibilidade: mas a lei é clara quando fala em “quaisquer prorrogações expressas ou tácitas”. E a cláusula quinta ao prever a possibilidade de prorrogação “desde que não seja denunciado por nenhum dos outorgantes até doze meses da data de conclusão prevista”, consagra efetivamente a possibilidade de uma prorrogação de um contrato para além da atual necessidade e conveniência demonstradas, dispensando nova consulta ao mercado, quando o prazo fixado com aquele critério se esgotar. 23. Em conclusão: a disposição do programa do procedimento e a cláusula contratual que lhe deu cumprimento violam a lei. Concorda-se pois com a decisão recorrida. 24. Recorde-se que, na primeira instância, no exercício de competências que a lei confere, o Tribunal sugeriu que aquela cláusula fosse alterada ou retirada do texto contratual. Opôs-se a isso a CMF, com argumentos que então expôs e que agora repetiu na sua petição de recurso: “no nosso entender, alterar a cláusula 5ª do contrato que reproduz o estipulado no Programa de Procedimento, implica pôr em causa os interesses da transparência e da objectividade acautelados no concurso, o que a acontecer só se justificaria por razões iminentes de interesse público, as quais o Município ainda não detém, nem tão pouco por indícios” (…) “[p]ara além de se alterar um dos pressupostos que estiveram na base do procedimento competitivo, com violação dos princípios constitucionais e legais da concorrência, igualdade, transparência. E não se pode considerar que o prazo contratual seja um elemento neutro relativamente aos interesses envolvidos no procedimento”. Mod. TC 1999.001 É verdade que a cláusula referida reproduzia o que a CMF se tinha vinculado fazer no programa do procedimento. É verdade igualmente que as entidades adjudicantes não podem, em regra, alterar esses compromissos que aliás tem verdadeira natureza e relevância regulamentares. Contudo, deve sublinhar-se que já no programa do procedimento se previa uma mera possibilidade de prorrogação. Isto é: os potenciais interessados e concorrentes sabiam – 10 – Tribunal de Contas que tal possibilidade poderia ou não concretizar-se e, portanto, não podiam, em segurança, conformar o essencial das suas propostas a uma longínqua possibilidade de prorrogação. Em substância, o que o Tribunal sugeriu que se fizesse, não era uma alteração de compromissos assumidos. Era uma explicitação, junto da entidade adjudicatária, de que a possibilidade prevista na cláusula em causa – prorrogação por mais oito anos – não iria ocorrer. Isto é: constituía uma antecipação da execução da cláusula e do compromisso assumido feita num sentido permitido pela cláusula e pelo programa do procedimento: não haveria prorrogação. Concorda-se por isso também com a posição assumida, na primeira instância, nessa matéria. E tal posição constituiu uma tentativa de aperfeiçoamento do contrato, visando a concessão do visto, que infelizmente se frustrou. 25. Como acima se viu, já após a interposição do recurso, veio a CMF fazer precisamente isso que antes se sugeriu: juntou aos autos cópia de carta remetida ao consórcio adjudicatário em que no uso da prerrogativa prevista na cláusula quinta do contrato o Município de Fafe denuncia, desde já, o referido contrato de prestação de serviços a partir do final do seu período de execução de oito anos. 26. Deve, no entanto, ainda referir-se um aspeto final que a análise dos autos suscita: contestou a CMF os fundamentos da recusa de visto ainda noutro aspeto: “não podemos concordar com os argumentos aduzidos (…) para a fundamentação da possibilidade e alteração do resultado financeiro do contrato. Isto porque (…) [p]ara nós, a probabilidade de findo o prazo dos oito anos da vigência do contrato, poderem aparecer propostas mais convenientes e atractivas para a prestação do mesmo serviço, tem tanta validade e consistência como o contrário, ou seja, a probabilidade de aparecerem propostas mais onerosas para o Município. (…) Estamos aqui no mundo das probabilidades que só o decurso do prazo o demonstrará”. Mod. TC 1999.001 De facto, a decisão recorrida tinha apresentado “o fundamento de recusa do visto estabelecido no artigo 44º, nº3, al. c) da Lei nº 98/97 de 26 de Agosto” que “se verifica no caso de existência de “… ilegalidade que … possa alterar o respectivo resultado financeiro” do contrato”. A questão é muito simples: a lei prevê como regra um prazo de vigência para os contratos e, excecionalmente, mediante certo critério, admite prazo maior. Já se analisou toda essa matéria. Se se fixa prazo maior, com violação de lei, é provável que os resultados financeiros que se obtêm no procedimento, já ou no futuro, sejam diferentes dos que se obteriam caso a lei tivesse sido rigorosamente cumprida. – 11 – Tribunal de Contas È uma mera probabilidade, certamente. Mas é uma probabilidade que pode ferir interesses financeiros públicos. E o Tribunal de Contas é um tribunal financeiro. Relembre-se que a este Tribunal, com competências de jurisdição financeira, cabe também no âmbito da fiscalização prévia, velar pela observância pelos princípios a que se deve subordinar a gestão financeira pública e, pelas suas decisões, contribuir para que se obtenham ou, pelo menos não se alterem, os (melhores) resultados financeiros. Por isso, a lei lhe confere poderes para recusar o visto a atos e contratos cuja desconformidade com a lei implique “ilegalidade que … altere ou possa alterar o respectivo resultado financeiro”. 27. Em conclusão: a) Concorda-se com a decisão recorrida quando identificou violação do disposto no nº 1 do artigo 440° do CCP; b) Concorda-se com a decisão recorrida quando identificou ilegalidade que poderia alterar o resultado financeiro do procedimento, como fundamento para recusa de visto; c) Concorda-se com o tribunal recorrido na tentativa de aperfeiçoamento do contrato, visando a concessão do visto. 28. Contudo: Mod. TC 1999.001 a) Mantendo-se a posição de que o programa do concurso e o texto do contrato violaram o disposto no nº1, do artigo 440º do CCP, aplicável por força do artigo 451º; b) Havendo portanto fundamento para manutenção de recusa de visto, ao abrigo da alínea c) do nº 3 do artigo 44º da LOPTC; c) Face aos factos referidos acima nos nºs 4 e 17, e à posição assumida pelo Ministério Público, estão reunidas as condições para conceder o visto ao contrato, fazendo uso da faculdade prevista no nº 4 do mesmo artigo da LOPTC. III – DECISÃO 29. Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes, em plenário da 1ª Secção, em conceder provimento ao recurso: – 12 – Tribunal de Contas a) Conceder o visto ao contrato acima referido; b) Recomendar à CMF que, em futuros procedimentos, dê cumprimento rigoroso ao disposto no nº 1 do artigo 440º do CCP; c) Dar orientações aos Serviços de Apoio no sentido de alertarem este Tribunal para ser ponderada uma ação de fiscalização concomitante na CMF no último ano de execução do contrato; d) Fixar emolumentos nos termos do nº 3 do artigo 17º do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas 3. Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012 Os Juízes Conselheiros, (João Figueiredo - Relator) (Helena Ferreira Lopes) (Carlos Alberto Morais Antunes) O Procurador-Geral Adjunto, Mod. TC 1999.001 (José Vicente) 3 Aprovado pelo Decreto-Lei nº 66/96, de 31 de maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 139/99, de 28 de agosto, e pela Lei nº 3-B/00, de 4 de abril. – 13 –