1 Rompendo armadilhas: matemática e texto literário. Ana Paula Gestoso de Souza. (PPGE) Rosa M. M. Anunciato de Oliveira. (DME) U F S C a r S ã o C a r lo s / S P . Quando pensamos na função da escola na sociedade contemporânea um dos consensos, que vão além da discussão sobre qual escola e qual sociedade estamos falando, apontam na direção da sua potencialidade para a compreensão global da r e a l i d a d e e d o s p r o b l e m a s a t u a i s . A ê n f a s e é p o s t a n a s c a p a c id a d e s d e r e f l e x ã o e d e p e n s a m e n t o c r í t i c o , a s e r e m d e s e n v o l v id a s p e l a educação, tendo em vista as possibilidades de mudança da sociedade que temos para a sociedade que queremos, qualquer que s e j a o p r o j e t o p o l í t ic o q u e s e t e n h a e m m e n t e . Um dos obstáculos a essa atuação da escola está relacionado c o m a h i p e r e s p e c i a l i z a ç ã o d o c o n h e c i m e n t o c i e n t í f ic o , q u e é t r a t a d o nos currículos escolares em uma estrutura disciplinar rígida, com p o u c a o u n e n h u m a i n t e g r a ç ã o e n t r e a s d if e r e n t e s á r e a s . I s s o a c a b a p o r p r e ju d i c a r a compreensão da realidade em toda sua c o m p l e x id a d e e s u a s v á r i a s f a c e s . A f r a g m e n t a ç ã o e x a c e r b a d a d o saber não contempla uma realidade multifacetada e complexa. Deste modo, faz-se necessário superar a especialização excessiva dos saberes e levar em consideração a importância dos saberes globais. Morin (2001) ao criticar setorização do conhecimento global, não ignora a importância do conhecimento das partes, o autor propõe a integração dessas dimensões do conhecimento, o que implica em uma relação de interdependência entre o todo e a parte e que não se perca a noção do todo. Essas idéias de Morin (2001) remetem a relação da escola com o conhecimento. Muitas vezes a escola se encontrada estruturada e m d i s c i p l i n a s q u e p o s s u e m u m a o r g a n iz a ç ã o r í g i d a , r i t u a l iz a n d o o s procedimentos das situações de ensino e aprendizagem não a d e q u a d o s a s n e c e s s i d a d e s d e s s a s s it u a ç õ e s e n e m r e l a c i o n a d o s com as experiências de vida dos estudantes. Nesse contexto, é urgente que escola concretize caminhos alternativos a um processo de ensino rígido, que não dá espaço à e l a b o r a ç ã o d o p e n s a m e n t o d o a l u n o , p o is e x i g e u m a ú n i c a f o r m a d e p e n s a r e q u e n ã o p r e v ê a i n t e r a ç ã o d a s d i s c i p l i n a s o c a s io n a n d o u m a e xc e s s i v a e s p e c i a l i z a ç ã o d o s c o n h e c i m e n t o s . U m a d a s a lt e r n a t i v a s d e a r t i c u l a ç ã o e n t r e á r e a s é o e s t a b e l e c i m e n t o d e u m a p r á t i c a e d u c a t iv a q u e c o n e c t e a l i t e r a t u r a i n f a n t i l e m a t e m á t ic a . A s p o t e n c i a l i d a d e s d e s s a p r o p o s t a s ã o apontadas nos trabalhos de Gailey (1993), Machado (2001), Smole (2000), Whitin e Gary (1994) entre outros, em que desenvolver situações de ensino e aprendizagem que trabalhem textos literários 2 juntamente com conteúdos matemáticos se contrapõem a um ensino estruturado de forma linear e rígida. Literatura e Matemática: Machado (2001) alerta para a fragmentação do conhecimento que está posto em muitas instituições escolares. Para o autor “o e n s i n o d e M a t e m á t ic a e o d a L í n g u a M a t e r n a n u n c a s e a r t i c u l a r a m para uma ação conjunta, nunca explicitaram senão relações triviais de interdependência.” (MACHADO, 2001, p.15). D e s t e m o d o , m u it a s v e z e s a e s c o l a d i s t a n c i a a li n g u a g e m matemática da língua materna criando uma grande muralha. Sendo que usar a literatura infantil nas aulas pode contribuir para a diminuição dessa barreira. O uso da literatura nas aulas é importante, pois a leitura implica em uma ação de compreensão e de formação do sujeito. Abramovich (1989) afirma que o ato de ler é uma das ações que influenciam a formação do pensamento do ser humano, suas idéias, suas concepções, seus desejos, sua visão da realidade. Ferreira e Dias (2005, p.324) assinalam que o ato de ler é uma a ç ã o d e c o m p r e e n s ã o c o g n i t i v a , i n d i v i d u a l e t a m b é m s o c i a l. É c o g n i t i v o , p o i s e xi g e d e c o d i f i c a ç ão , m e m o r i z a ç ã o e p r o c e s s a m e n t o e s t r a t é g ic o . É u m a t o i n d i v i d u a l p o r c o n t a d e o l e i t o r c o n s t r u ir sentidos próprios ao texto, e é uma ação social uma vez que o leitor irá adquirir conhecimentos elaborados e construídos pela sociedade, bem como poderá refletir, criticar, tomar decisões sobre a realidade, abrindo caminhos para a modificação da mesma. Assim, a leitura deveria ser trabalhada em todas as disciplinas uma vez que “se há uma intenção de que o aluno aprenda através da leitura, não basta pedir para que ele leia. Também não é suficiente relegar a leitura às aulas de língua materna” (SMOLE, 2000, p.71). Considerando essas potencialidades da leitura e tendo em vista que a literatura é uma alternativa metodológica, pois possui uma diversidade de linguagens permitindo ao professor desenvolver situações de ensino que proporcionem a evolução da aprendizagem do aluno, desenvolvendo suas capacidades e habilidades cognitivas e p e s s o a i s . É q u e s e e n c o n t r a u m a d a s j u s t if i c a t i v a s p a r a d e s e n v o lv e r s i t u a ç õ e s d e e n s i n o e a p r e n d i z a g e m q u e a l i e m t e x t o s literários e a matemática. É f a t o q u e t r a b a l h a r e s s a c o n e x ã o n ã o i m p l i c a e m u m a s im p l e s j u n ç ã o d e d is c i p l i n a s , m a s s i m n u m a e f e t i v a c o n e x ã o q u e s e apresenta como uma proposta que pode romper com as armadilhas de um ensino que muitas vezes se estrutura em uma organização rígida, desconectado de outras áreas de conhecimentos e das 3 experiências de vida dos alunos. E m s e u a r t i g o , C a r e y ( 1 9 9 2 ) m o s t r a q u e a l i t e r a t u r a i n f a n t il p o d e s e r u m r i c o c o n t e x t o p a r a t r a b a lh a r c o m r e s o l u ç ã o d e problemas. A história infantil permite o apontamento de várias questões aos alunos, questões que estão explícitas no livro, ou que são criadas pelo professor. Assim, uma pequena parcela da história pode conter uma variedade de conceitos a serem trabalhados pela c l a s s e . A a u t o r a t a m b é m a f ir m a q u e p o r c a u s a d o s p r o b l e m a s advirem de um contexto diferente dos livros-didáticos, os alunos acabam se sentindo mais dispostos a utilizarem estratégias variadas que são construídas a partir de seus próprios conhecimentos. K l i m a n e R ic h a r d s ( 1 9 9 2 ) v ã o u m p o u c o a l é m d a p r o p o s t a d e Carey (1992) e apontam que os alunos podem criar suas próprias “ h is t ó r i a s m a t e m á t i c a s ” s o b r e s i t u a ç õ e s q u e l h e s ã o f a m i l i a r e s e envolvem um problema a ser resolvido apoiando-se em idéias matemáticas. Deste modo, a conexão da literatura com a matemática permite q u e o a l u n o r e s o l v a p r o b l e m a s m a t e m á t ic o s , d e s e n v o l v e n d o s u a capacidade de formular hipóteses e estratégias para solucionar q u e s t õ e s m a t e m á t ic a s , b e m c o m o a c a p a c i d a d e p a r a c o n s t r u i r outros problemas e também de elaborar histórias matemáticas. Indo além, essa conexão não se limita a colocar problemas matemáticos, ela permite colocar problemas da vida e relacionados a outras áreas do conhecimento. Afinal, a literatura também aborda problemas humanos, fornecendo espaço para a discussão de c o n f l i t o s , t r i s t e z a s , m e d o s , d ú v i d a s e o u t r o s d e s a f io s q u e i m p r e g n a m a v i v ê n c i a d o s e r h u m a n o . P a r a A b r a m o v ic h ( 1 9 8 9 , p.99), os livros de literatura, e não os didáticos, apresentam “um ou vários problemas – que a criança pode estar atravessando ou p e l o q u a l p o d e e s t a r s e in t e r e s s a n d o . [ . . . ] O n d e e le f l u i n a t u r a l e límpido, dentro da narrativa - que evidentemente não tratará apenas disso." Outro estudo que ponta mais potencialidades dessa articulação é o de Conawaye Midkiff (1994). Para elas articular textos literários c o m a m a t e m á t ic a p o d e p r o p o r c i o n a r r e s u l t a d o s p o s i t i v o s n a aprendizagem dos alunos. As autoras descrevem como essa conexão é útil para os alunos aprenderem os conceitos e as relações matemáticas envolvidas no conteúdo “frações”, pois possibilita que os alunos estabeleçam determinadas relações concretas entre suas experiências e conceitos abstratos, bem como p e r m i t e q u e e l e s d e s e n v o lv a m a c o m u n i c a ç ã o m a t e m á t i c a . E s s a c o m u n i c a ç ã o m a t e m á t i c a i m p l ic a n o d e s e n v o l v i m e n t o d e atividades nas quais os alunos poderão falar e escrever sobre o v o c a b u l á r i o , p e r m i t i n d o a f a m i l i a r iz a ç ã o d a l i n g u a g e m m a t e m á t i c a . 4 Para essas autoras, trabalhar com os conceitos de frações juntamente com a literatura fornece aos alunos uma base para que e l e s c o m p r e e n d a m o s c o n c e it o s f r a c i o n á r i o s e a o t e r e m c o n t a t o c o m situações que envolvam os conceitos trabalhados, os alunos u t i l iz a m s u a s d e f i n i ç õ e s p e s s o a i s s o b r e o c o n t e ú d o r e l a c i o n a n d o - a s c o m a s id é i a s m a t e m á t ic a s f o r m a i s d o m e s m o . S e n d o a s s i m , s e a l i t e r a t u r a p e r m it e u m a m e l h o r c o m p r e s s ã o d o c o n t e ú d o d e f r a ç õ e s , pode proporcionar um melhor entendimento de outros conceitos matemáticos. A s s i m s e n d o , o a l u n o p o d e r á d e s e n v o l v e r u m c o n t a t o m a is ativo com os conhecimentos matemáticos e o uso deles. Permitindo a e l a b o r a ç ã o d o p e n s a m e n t o r e a li z a n d o u m t r a b a l h o d e c o n c e i t o s m a t e m á t i c o s q u e v a i a l é m d a r e a l i z a ç ã o d e a t i v i d a d e s m e c â n ic a s que treinam as habilidades matemáticas dos alunos. W h i t i n e G a r y ( 1 9 9 4 ) t a m b é m a p o n t a m q u e u t i l iz a r a l i t e r a t u r a infantil para trabalhar com conteúdos matemáticos auxilia aos alunos em uma melhor compreensão dos conceitos e idéias m a t e m á t i c a s , t e n d o e m v is t a q u e p o r m e i o d a l i t e r a t u r a o s a l u n o s podem relacionar seus próprios interesses e experiências vividas com a matemática, e consequentemente percebe-la não como uma linguagem formal distante, mas sim como uma maneira de pensar sobre a e na realidade em que vive. Na perspectiva de Gailey (1993), um trabalho que desenvolve a c o n e x ã o d o s l i v r o s i n f a n t is c o m a m a t e m á t ic a , p e r m i t e q u e o a l u n o fale sobre o conteúdo matemático que é ensinado. Além disso, esse trabalho enriquece a aprendizagem do aluno, uma vez que ele ao e s c u t a r , l e r , e s c r e v e r e f a l a r s o b r e i d é i a s e c o n c e it o s m a t e m á t ic o s que perpassam uma história infantil está desenvolvendo tanto as h a b i l i d a d e d a l í n g u a m a t e r n a q u a n t o a s m a t e m á t ic a s . Uma experiência de ensino conectando literatura infantil e matemática O p r e s e n t e t r a b a l h o t e m c o m o o b j e t i v o i d e n t i f ic a r e a n a l i s a r a i n t e r a ç ã o d o s a l u n o s à c o n e x ã o : m a t e m á t ic a e l i t e r a t u r a . A metodologia envolveu o desenvolvimento de uma situação de ensino e aprendizagem numa 3ª série do Ensino Fundamental, tendo como base a fábula A menina do leite de Monteiro Lobato (apud SMOLE et al, 2004) e englobando conteúdos de diferentes áreas do conhecimento: Adição; Subtração; Divisão; Multiplicação; H i s t ó r i c o d a s d i f e r e n t e s m o e d a s u t i l i z a d a s n o B r a s i l; I n t e r p r e t a ç ã o de texto; Gênero literário - fábula; Elementos que constituem uma carta pessoal. Nessa fábula, a personagem pretende vender o leite de sua v a c a p a r a c o m p r a r o v o s , o q u e l h e r e n d e r á g a l i n h a s e g a lo s q u e 5 s e r ã o v e n d i d o s p a r a a c o m p r a d e p o r c o s e c a b r i t a s . L a u r i n h a r e a l iz a várias projeções de quantos galos e galinhas nascerão e de quanto poderá ganhar nas vendas. Porém ela derruba o leite e não consegue realizar suas idéias (seus sonhos). B a s ic a m e n t e n a s a u l a s f o r a m d e s e n v o l v i d a s a s s e g u i n t e s a t i v i d a d e s : l e i t u r a d o t e xt o , p e l a p e s q u is a d o r a ; c o n v e r s a i n f o r m a l com os alunos sobre a fábula; elaboração de listas dos produtos que a p e r s o n a g e m p r e t e n d i a v e n d e r e c o m p r a r e d a s i d é i a s m a t e m á t ic a s contidas no texto; atividades de interpretação de trechos do texto; problemas matemáticos (apud Smole,2004); escrita de uma carta c u j o d e s t i n a t á r i o f o i u m c o le g a d e o u t r a s a l a . N e s s a c a r t a o s a l u n o s deveriam relatar as aulas desenvolvidas, descrevendo os conteúdos, s u a s p e r s p e c t i v a s s o b r e o m é t o d o u t i l i z a d o e s u a s a p r e n d iz a g e n s . Nesse contexto, os instrumentos de coleta foram: realização de notas de campo sobre o projeto e análise das cartas dos alunos. Apresentação dos resultados: N a c o n v e r s a i n ic i a l s o b r e a f á b u l a , o s a l u n o s t e c e r a m comentários e questionamentos sobre o comportamento de Laurinha, o t i p o d e m o e d a p o r e l a u t il i z a d o e a m o r a l d a h i s t ó r i a . Os alunos elaboraram as listas de produtos a serem comprados e vendidos com facilidade. Entretanto, houve d i f i c u l d a d e s n a e l a b o r a ç ã o d a l i s t a d a s i d é i a s m a t e m á t ic a s a p r e s e n t a d a s n o t e x t o . T r e c h o s n o s q u a i s a p a r e c ia o t e r m o " d ú z i a " e e s c r i t a s n u m é r ic a s e r a m f a c i l m e n t e i d e n t if i c a d o s c o m o : c o n t é m idéias matemáticas. A principal dificuldade foi perceberem o r a c i o c í n i o m a t e m á t ic o p r e s e n t e e m t r e c h o s c o m o p o r e x e m p l o “ c i n c o frangas e cinco frangos e crio as frangas que crescem e viram ó t im a s b o t a d e ir a s d e d u z e n t o s o v o s p o r a n o c a d a u m a . C i n c o ; m i l ovos!”. Ao observar os estudantes na realização das atividades p r o p o s t a s , p e r c e b e u - s e a d i f i c u l d a d e d e le s e m i n t e r p r e t a r e m o s trechos pedidos. Constata-se também que eles estranharam os tipos de problemas trabalhados. Muitos ao lerem os enunciados imediatamente questionavam qual operação matemática deveria ser realizada. Assim nas atividades que requisitavam a interpretação de trechos da história, como “O que significa Laurinha dizer que antes de um mês já tem uma dúzia de pintos, sendo que ela vai comprar 12 ovos?”, ou naquelas cuja solução se dava pela averiguação de qual raciocínio contempla a situação descrita, por exemplo “Observe o trecho: "[...] cinco frangas e cinco frangos. Vendo os frangos e c r i o a s f r a n g a s q u e c r e s c e m e v i r a m ó t im a s b o t a d e i r a s d e 2 0 0 o v o s p o r a n o c a d a u m a . C i n c o ; m i l o v o s ! Q u a l é o r a c i o c í n i o m a t e m á t ic o 6 d e L a u r i n h a ? ” , o s a l u n o s n ã o c o m p r e e n d ia m c o m o u m p r o b l e m a n a aula de matemática deveria ser resolvido sem uma solução numérica. Em outro problema: “Como você pode explicar esse trecho: " V e n d o o s g a l o s . A d o is c r u z e ir o s c a d a u m - d u a s v e z e s c i n c o , d e z . . . M i l c r u z e i r o s ! . . . ” Q u a l a e x p r e s s ã o m a t e m á t ic a q u e p o d e m o s escrever para expressar esse raciocínio?” não havia a possibilidade d e e f e t u a r o c á lc u l o d e u m a o p e r a ç ã o m a t e m á t i c a , s e n d o q u e solução exigia apenas a escrita da operação que envolve o raciocínio.Mas os alunos pareciam inconformados com a i m p o s s ib i l i d a d e d e e f e t u a r a s o p e r a ç õ e s : “ e u n ã o e s t o u e n t e n d e n d o i s s o , n ã o d á p a r a f a z e r a c o n t a ” “ é s ó is s o ? S ó d i z e r o t i p o d e c o n t a ? ” , “ n ã o p r e c i s a d e c o n t a ? “ , “ m a s j á t á d i z e n d o o r e s u lt a d o d a conta”. Em outro caso o seguinte problema “Se todos os galos, na história, são vendidos a mil cruzeiros e a menina compra doze p o r c o s e u m a c a b r it a , q u a n t o p o d e t e r c u s t a d o c a d a b i c h o ? ” , possibilitava várias soluções, entretanto os alunos não se atentaram a i s s o e e n c o n t r a r a m u m a ú n i c a s o l u ç ã o . A o s e r e x p l ic a d o a possibilidade de outras soluções uma aluna se mostrou indignada, pelo fato dessa explanação não ter ocorrido antes dela raciocinar por vários minutos a resolução do problema, outros alunos não se conformavam da resolução ser mais fácil do que aparentava. Em certo problema era pedido que se escrevesse a quantidade de galos nascidos, tendo como dados: mil ovos foram chocados e nasceram 85,5 galinhas. Porém de imediato os alunos não p e r c e b e r a m q u e h a v i a e s s a p r o b l e m á t ic a , s i m p l e s m e n t e e f e t u a r a m u m c á lc u l o p a r a e n c o n t r a r a s o l u ç ã o . A p e n a s d o i s a l u n o s m e questionaram: “Tem alguma coisa errada!”, “Professora Ana, como e u f a ç o ? N ã o p o d e n a s c e r m e i a g a l in h a ! ” . S e n d o a s s i m , n a r e s o lu ç ã o d o s p r o b l e m a s , c o n s t a t o u - s e novamente a dificuldade dos alunos em investigarem e explicarem o raciocínio envolvido. Das 24 cartas escritas, sete relatam que os problemas foram difíceis e duas que não gostaram das aulas por conta do alto grau de dificuldade dos mesmos: “Mas os problemas que ela deu numa folha foram muito difíceis”; “fez perguntas muito d i f í c e is d o t e x t o d e L a u r i n h a ” ; “ E r a c o n t i n h a s d if í c e i s e l e g a is porque eu aprendi todas elas”. S e g u n d o a p r o f e s s o r a d a s a l a e s s a s d if i c u l d a d e s e comportamentos de estranheza aos problemas, é conseqüência dos alunos não estarem acostumados com esse estilo de atividade, pois d e m o d o g e r a l e l e s t r a b a lh a m c o m p r o b l e m a s p a d r ã o q u e e x i g e u m raciocínio mecânico e “fechado”. Porém, a professora assinalou ser fundamental desenvolver um ensino que enfoque problemas não 7 c o n v e n c io n a i s , p o i s “ a u x i l i a m a d e s e n v o l v e r o r a c i o c í n i o m a t e m á t i c o dos alunos”. As cartas apresentaram as idéias e percepções dos alunos sobre a metodologia do projeto e a dinâmica da sala de aula. Deste m o d o , n o v e a l u n o s r e l a t a r a m s u a s a p r e n d iz a g e n s m a t e m á t ic a s e n f a t i z a n d o q u e r e a l iz a r a m c á l c u lo s a p r e n d e n d o a o p e r a ç ã o d e d i v is ã o . U m a l u n o r e l a t o u q u e a p r e n d e u o e n s i n a m e n t o d a m o r a l d a f á b u l a e d o is a p o n t a r a m q u e n ã o p o s s u í a m c o n h e c i m e n t o a n t e r i o r sobre o fato da moeda brasileira ter tido várias denominações. Sete alunos relataram explicitamente o fato de nas aulas terem s i d o t r a b a l h a d o s c o n t e ú d o s m a t e m á t ic o s a p a r t i r d e u m t e x t o literário, sendo que seis afirmaram gostarem dessa conexão, por t o r n a r a a u l a m a i s i n t e r e s s a n t e : “ M u it o l e g a l , p o r q u e f o i p o r t u g u ê s e matemática juntos nessa história”; “Eu aprendi que uma história pode ter conta de matemática”; “[...] e ela não separou Português e Matemática eu gostei de aprender com as duas matérias”; “Eu gostei muito, porque no texto tinha umas continhas.” P o r é m u m n ã o g o s t o u c o n s i d e r a n d o q u e f i c o u m a is d i f í c i l : “ e u gostaria que ela separasse a matéria porque assim eu acho que f ic a r i a mais fácil separando a matéria”. Três assinalaram a importância da ajuda da pesquisadora aos alunos na realização das atividades: “Eu não sabia alguns ( p r o b l e m a s ) e e l a ( p e s q u is a d o r a ) a j u d o u n a s c o n t i n h a s q u e e u n ã o sabia”; “A professora Ana ajudou a gente”; “A professora quer ajudar nós”. U m a p o n t o u q u e g o s t o u d e r e a l i z a r a s a t i v i d a d e s e m d u p la s , pois há ajuda do colega: “Gosto de ajuntar, porque um ajuda o outro”. Das 24 cartas, 13 afirmam que gostaram das aulas. Assim, os a l u n o s d e s c r e v e r a m s u a s p e r s p e c t i v a s s o b r e o p r o je t o : “ F o i l e g a l , porque foi português e matemática juntos nessa história”;“Foi um pouco difícil, só que eu gostei do projeto e não achei ruim”; “[...] fiquei triste porque hoje é o último dia do projeto”; “não separou Português e Matemática eu gostei de aprender com as duas matérias”; “Eu gostei muito, porque no texto tinha umas continhas”. Não obstante, as cartas não revelaram apenas as aprendizagens e percepções dos alunos sobre a intervenção realizada. Mostraram também uma parcela do mundo das crianças q u e m u it a s v e z e s e s t á o c u l t o d o s a d u l t o s o u q u e e s s e s c o n s i d e r a m pueril e sem valor. Em cinco cartas os alunos expuseram seus s e n t i m e n t o s s o b r e o d e s t in a t á r i o : “ L ê v o c ê é m u i t o l e g a l ” ; “ E u e s t o u 8 escrevendo estar carta porque você é minha melhor amiga”; “Fran v o c ê é m i n h a m e lh o r a m i g a ” . Dois alunos relataram que gostam dos amigos da escola: “Meu a m i g o s s ã o m u i t o m a n e i r o s , e u g o s t o m u i t o d e l e s ” ; “ E u v o u t e f a la r sobre a minha querida classe”. Três apontaram gostarem da escola: “Olá Murilo a 3ª série é legal você que está na 4ª série deve ser mais legal.”; “de manhã é m u i t o l e g a l , m a s d e t a r d e é m a is l e g a l ” ; “ H o j e e u a p r e n d i m u i t o . Gostei da escola”. Oito mostraram suas opiniões sobre a pesquisadora,três sobre a professora da sala, e uma referiu-se também as professores de educação física e educação artística: “Minha querida irmã eu gosto de todas as minhas professoras. A professora A. P., a professora J., a professora V. e a professora A.”; “ s e v o c ê f o s s e d a m i n h a c l a s s e v o c ê i r i a c u r t ir a s p r o f e s s o r a s . ” ; “ A professora Ana ela é muito legal e a minha professora V.também é muito legal”; “Na minha sala eu estudei com a professora Ana ela é muito legal”. Discussão dos resultados: P e r c e b e n d o a s d i f ic u l d a d e s d o s a l u n o s e m in t e r p r e t a r e m determinados trechos da fábula e os enunciados dos problemas, p o d e - s e a s s i n a l a r q u e é n e c e s s á r i o t r a b a l h a r c o m le i t u r a e m o u t r a s disciplinas, além da de língua portuguesa, porém não basta que o a l u n o l e ia e q u e o t e xt o s e j a u s a d o c o m o m e r o p a n o d e f u n d o , o fundamental é a mediação do professor. Assim, o trabalho com t e x t o s l it e r á r i o s p o d e c o n t r i b u i r p a r a a f o r m a ç ã o d e l e i t o r e s q u e saibam efetivamente compreender o que lêem, pois a variedade de linguagens “possibilita ao educador t r a b a lh a r alternativas metodológicas” (Silva e Rêgo, 2006, p.230). Outro ponto a ser destacado é o fato dos alunos terem estranhado os tipos de atividades trabalhadas. Silva e Rêgo (2006) relatam que inicialmente na intervenção realizada por eles,os alunos mostraram resistência à proposta de desenvolver um ensino q u e a r t i c u l e m a t e m á t i c a e t e xt o s l i t e r á r i o s . O s p e s q u i s a d o r e s a c r e d i t a m q u e t a l a t it u d e d o s e s t u d a n t e s é d e c o r r e n t e d e l e s e s t a r e m habituados a um ensino que não estabelece relações entre as disciplinas escolares. Contudo, eles relatam que no decorrer da p e s q u i s a e s s a r e s i s t ê n c i a c e d e u e s p a ç o a c u r i o s id a d e e a o d e s e j o d e c o m p r e e n s ã o d o t e x t o , i n c l u s i v e d a s i d é i a s m a t e m á t ic a s o c o r r e n d o a t it u d e s c o m o l e i t u r a c a u t e l o s a e r e f l e x ã o s o b r e a s informações e conceitos expostos nos livros. S e n d o a s s i m , a p e r s p e c t iv a d a p r o f e s s o r a d e q u e p r o b l e m a s não convencionais devem ser introduzidos aos poucos parece ser válida. Afinal, mudar os hábitos é difícil, todavia, mudanças são 9 necessárias para romper com as armadilhas de um ensino no qual não há espaço para a expressão e nem elaboração por parte do aluno, sendo admitido apenas um modo de pensar. Um outro elemento destacado são as relações de afeto que envolvem as interações dos alunos entre si e com os professores, abordadas de modo espontâneo nas cartas. Elas não podem ser c o n s i d e r a d a s i n f a n t is e s e m v a l o r , p o i s a s e m o ç õ e s e a f e t i v i d a d e s são intrínsecas à relação pedagógica, sendo que de acordo com Perrenoud (2000, p.48) os dispositivos didáticos melhor elaborados irão chocar-se com uma parede se o aluno sentir-se mal-reconhecido, mal-amado, maltratado, se a aprendizagem separá-lo de seus próximos ou mergulhá-lo em tensões ou em angústias, ou até mesmo se ele não encontrar prazer nisso”. Assim, também são relevantes as opiniões dos alunos a f ir m a n d o t e r e m g o s t a d o d o p r o j e t o . Analisando as interações dos alunos com as aulas e suas cartas, concluímos que trabalhar a literatura infantil e matemática é um caminho importante para desenvolver os conhecimentos matemáticos, habilidades de resolução de problemas e de compreensão efetiva da leitura, ainda que os resultados não sejam imediatos e exijam continuidade do trabalho. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 3ed. São Paulo: Scipione, 1989. CAREY, D. The patchwork quilt: a context for problem solving. Arithmetic Teacher. v. 39 nº4. p. 199-203. dez. 1992. CONAWAY, Betty e MIDKIFF, Ruby B. Connecting literature, language, and fractions. (teaching fractions to elementary students). Arithmetic Teacher. v.41 ,nº8, p.430 - 433 Abril. 1994. FERREIRA, Sandra Patrícia Ataíde; DIAS, Maria da Graça B. B. Leitor e leituras: considerações sobre gêneros textuais e construção d e s e n t id o s . P s i c o l o g i a . R e f l e x ã o e C r í t i c a , P o r t o A l e g r e , v . 1 8 , n. 3, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. >. Acesso: 10 Jan 2007. GAILEY, Stavroula K. The m a t h e m a t i c s - c h i l d r e n 's literature connection. Arithmetic Teacher. v.40, nº5, p. 258-259. jan. 1993. GRANELL, Carmén Gómez. A aquisição da linguagem matemática: 10 símbolo e significado. In: TEBEROSKY, Ana. & TOLCHINSKY, Liliana. (orgs.) 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