A deposição de material particulado diminui as trocas gasosas em folhas inundáveis de Abarema sp. (Fabaceae) Kátia Fernanda Rito Pereira, Sara Lodi de Carvalho, Alêny Lopes Francisco, Thiago Gechel Kloss e Thiago de Azevedo Amorim custo. Assim, as plantas que vivem Introdução Florestas são nestas áreas normalmente possuem caracterizadas por regimes anuais de pouco incremento de biomassa na fase inundação que fazem com que as de inundação. Esse baixo incremento espécies vegetais presentes nestas áreas pode ser devido à perda de carboidratos fiquem total ou parcialmente submersas durante a respiração, de estruturas pela por longos períodos (Parolin et al. decomposição 2004). A pressão ambiental exercida atividade pelos pode estudos mostram que em algumas favorecer ou até mesmo permitir o espécies amazônicas o crescimento estabelecimento com pode ser favorecido pela inundação (e.g. (Parolin 2001). Isso ocorre porque a lenticelas e desenvolvimento de novas época de cheia é um período onde a folhas) e fisiológicas (e.g. alteração na disponibilidade de luz e a temperatura atividade fotossintética) capazes de podem ser considerados ideais para o mitigar os efeitos da imersão (Larcher crescimento de algumas espécies. ciclos características inundáveis de inundação de plantas morfológicas 1986). e pela redução fotossintética. na Entretanto, Para que ocorra o crescimento, é A anoxia do fundamental que a planta realize trocas alagamento é uma das condições a gasosas. Além da anoxia, um efeito serem enfrentadas pelas plantas que direto do alagamento, podem haver ocupam os (Lambers manutenção et resultante ambientes inundáveis efeitos indiretos que influenciam estas al. Porém a trocas. atividades desconsideram 2008). normal das Em geral os os efeitos trabalhos indiretos fisiológicas em ambientes de baixa (Parolin & Wittmann 2010), que podem oxigenação podem representar um alto ter uma influência significativa na 1 atividade fotossintética das plantas. A produtividade baixa e condição ácida. A deposição de material particulado sobre produtividade baixa é decorrente do tipo folhas do de solo pobre em nutrientes da bacia alagamento (Larcher 1986, Parolin et al. hidrográfica que forma o rio Negro. 2004). pode Essa bacia está sujeita a inundação influenciar a realização de fotossíntese anual que pode durar até 270 dias (Junk por constituir uma barreira mecânica 2000). O nível da água apresenta uma que reduz a incidência luminosa sobre oscilação média de 8 m entre os as folhas e a eficiência das trocas períodos de cheia e seca (Walker 1995), gasosas. gerando um pulso de inundação, que é um efeito Esta Em observamos indireto sedimentação uma planície alagável, caracteriza essa floresta como alagável. que em Abarema sp. As florestas alagadas por água preta são (Fabaceae) as folhas recém-emersas no caracterizadas como igapó. período apresentam-se período de cheia do rio, as árvores cobertas por material particulado. Dessa localizadas próximo à margem do rio maneira, hipotetizamos que a deposição ficam total ou parcialmente submersas. de material particulado sobre as folhas Na vazante, as folhas dessas árvores, dessa espécie limite as trocas gasosas. anteriormente submersas, apresentam Esperamos que a presença de material uma deposição de material particulado particulado nas folhas de Abarema sp. em sua superfície. da vazante E no aumente a resistência estomática e reduza a transpiração. Coleta de dados Nós selecionamos uma mancha de arbustos de Abarema sp. (Fabaceae) Métodos na margem de uma das ilhas. Identificamos nessa mancha 11 folhas Área de estudo Desenvolvemos o estudo no emersas, que estavam a cerca de 20 cm arquipélago de Anavilhanas, localizadas da lâmina d’água e apresentavam no rio Negro, na Amazônia brasileira material particulado sedimentado; e 11 (02º47’ S-60º48’ O). As águas do rio folhas Negro são classificadas como água submersas na cheia desse ano. Em cada preta folha, (Sioli 1985) e apresentam maduras nós que medimos não a foram resistência 2 estomática e a transpiração foliar com Para avaliar se a presença do um porômetro de equilíbrio dinâmico Li material 1600 Nós influencia a resistência estomática e a consideramos como par uma folha com transpiração foliar, realizamos um teste material particulado e uma sem material t particulado, e realizamos as medições variáveis de forma consecutiva, iniciando sempre estomática e a transpiração foliar e pela folha com material particulado. como variável independente a presença Desta forma, realizamos 11 amostras de material particulado nas folhas. (Licor, pareadas em NE, USA). horários particulado pareado. nas Consideramos dependentes a folhas como resistência ligeiramente distintos. Nós adotamos esse protocolo Resultados para controlar o efeito do horário do dia Como esperávamos, a presença nos pares avaliados (folhas com e sem de sedimento em folhas de Abarema sp. material particulado), pois as funções influenciou a transpiração foliar e a fisiológicas geralmente resistência estomática. A transpiração variam no decorrer do dia. Isto é foliar foi 5,47 µg.cm-2.seg-1 maior na conseqüência da oscilação de variáveis ausência de material particulado do que básicas para o desenvolvimento da na presença de material particulado planta luminosa, (t(10)=-2,45; p=0,03; Figura 1a). Já a carbônico, resistência estomática foi 0,98 seg.cm-1 das folhas (intensidade disponibilidade de gás temperatura e umidade relativa do ar) menor na ausência do que na presença de sedimento na folha (t(10)=3,06; Análise estatística p=0,01; Figura 1b). 3 a b Figura 1: Transpiração foliar (a) e resistência estomática (b) em relação à presença e ausência de material particulado sedimentado em folha de Abarema sp em uma floresta inundada na Amazônia. 2 durante a fase de alagamento são Discussão Os nossos resultados indicam favoráveis ao crescimento de algumas que a deposição de material particulado espécies na região amazônica (Parolin limita as trocas gasosas nas folhas de 2001). Indivíduos de Abarema sp. , por Abarema sp. Este achado representa exemplo, poderiam apresentar uma uma nova evidência sobre os efeitos grande produção de folhas no período indiretos dos pulsos de inundação em de vazante mesmo com a limitação de ambientes alagáveis e suas implicações luz e gás carbônico decorrente do na limitação da atividade fotossintética. material particulado depositado sobre as Revisões recentes sobre este tema não folhas. Poderíamos esperar também que se referem a esse mecanismo que pode as folhas com material particulado ser freqüente nas áreas inundadas da fossem perdidas pela planta devido à Amazônia. sua A limitação das trocas gasosas documentadas neste estudo baixa atividade fotossintética. Contudo, a produção de novos órgãos pode demanda gasto de energia. Do ponto de decorrer do fato que a camada de vista energético, a deciduidade não é material particulado impõe uma barreira um processo econômico em ambientes mecânica reduzindo a difusão de gás de baixa disponibilidade de recursos carbônico e atenuando a incidência como os igapós (De Simone et al. luminosa sobre a folha (Taiz & Zeiger 2002). Dessa maneira, pode ser menos 2002). O gás carbônico é fonte essencial custoso para a planta investir na para a produção de carboidratos, por manutenção das folhas com material isso a limitação dele compromete o particulado sedimentado e compensar as crescimento. Por outro lado, a luz é perdas fundamental para a ocorrência das produção de folhas novas. trocas gasosas, pois estimula a abertura fotossintéticas através da Além disso, as folhas com estomática e promove a excitação material eletrônica nos fotossistemas, o que permanecem com aspectos normais de desencadeia o processo da fotossíntese coloração e turgidez, e por isso é (Larcher 1986, Taiz & Zeiger 2002). provável que retomem os níveis de Tem sido proposto que particulado sedimentado a atividade fotossintética normais se a condição de luminosidade e temperatura camada de sedimento particulado for 1 retirada. Em síntese não há evidências Parolin, P., O. De Simone, K. Haase, D. de que a redução de fotossíntese Waldhoff, experimentada pelas folhas cobertas por Kuhn, J. Kesselmeier, B. Kleiss, W. material seja Schmidt, M.T.F. Piedade & W.J. afetar Junk. 2004. Central Amazonian negativamente a aptidão do indivíduo e floodplain forests: tree adaptations da população, todavia estudos devem in a pulsing system. The Botanical investigar outras possibilidades. Review, 70(3):357–380. sedimentado suficientemente grande para S. Rottenberger, U. Parolin, P. & F. Wittmann. 2010. Referências Struggle in the flood: tree responses De Simone, O., E. Müller, W.J. Junk & to flooding stress in four tropical W. Schmidt. 2002. Adaptations of floodplain systems. AoB Plants, Central Amazon tree species to 2010:1-19. prolonged flooding: morphology Peel, M.C., B.L. Finlayson & T.A. and leaf longevity. Plant Biology, McMahon. 2007. Updated world 4:515-522. map of the Köppen-Geiger climate Junk, W.J. 2000. Fish communities in central Amazonian white and black water Environmental floodplains. Biology of Lambers, H., F.S. Chapin III & T.L Pons. 2008. Plant Physiological vegetal. 1986. 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