LEITURA AUTOMÁTICA DE INSTRUMENTOS ANALÓGICOS DE MEDIÇÃO
Rynaldo Z. H. Almeida, Flavius P. R. Martins
Laboratório de Equipamentos Elétricos e Ópticos
Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Av. Prof. Almeida Prado, 532 – Cidade Universitária – CEP 05508-901
E-mail: [email protected], [email protected]
Oswaldo Horikawa
Departamento de Engenharia Mecatrônica e Sistemas Mecânicos
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Av. Prof. Mello de Moraes, 2231 – Cidade Universitária – CEP 05508-900
E-mail: [email protected]
Abstract: A computer vision system for automatic reading of analogical measurement devices is
proposed. Such a system can be especially useful to the automation of calibration processes or other
tests that require repetitive readings. The approach is based on the comparison between the slopes of
the pointer and the display scale marks. Several automatic reading tests were carried out and the
uncertainties obtained were equivalent to the human ones. The process success rate was around 99%.
1 Introdução
Neste trabalho apresenta-se um sistema de visão computacional para leitura de mostradores de
instrumentos analógicos, desenvolvido com o propósito de se automatizar processos que requerem o
registro em série das medidas de instrumentos que não disponham de quaisquer interfaces de
comunicação digital. Tais processos permeiam parte significativa dos trabalhos realizados por muitos
dos laboratórios do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo), mas a mesma
necessidade é identificada junto aos demais operadores da Rede Brasileira de Metrologia.
Embora apresente grande potencial de utilização no país, essa aplicação não tem sido muito abordada
na literatura. Sablatnig e Kropatsch (1994) implementaram um sistema dedicado à leitura automática de
hidrômetros analógicos, cujo escopo pretendiam estender a outros instrumentos com características
similares. Posteriormente, Alegria e Serra (2000) desenvolveram algoritmos de visão computacional
para a leitura de voltímetros com mostradores analógicos e digitais, mas sem interface de comunicação
digital.
Apesar de apresentarem algumas semelhanças, os sistemas referidos acima utilizam algoritmos de
visão computacional especializados para um particular tipo de instrumento, o que dificulta muito a sua
extensão ao grande espectro de mostradores analógicos existentes. Neste trabalho procurou-se evitar
essas limitações, mediante o desenvolvimento de algoritmos de interpretação de cenas que concebem a
leitura do instrumento como um processo de identificação da posição relativa entre o ponteiro, que
descreve um movimento de rotação, sobre um background onde se destacam as marcas fixas de
variadas categorias de escalas, conforme ilustrado, por exemplo, nas figuras 1 e 2.
Embora mostradores semelhantes ao da figura 1 também tenham sido abordados por Alegria e Serra
(2000), muitas melhorias foram introduzidas no método original, cabendo destaque para as seguintes:
determinação do ângulo do ponteiro independente de qualquer referência às bordas horizontais do
painel, as quais não constituem marcas fiduciais confiáveis;
capacidade de identificação de todas as marcas de escala e não apenas das marcas-limite, o que
permite a leitura sobre escalas de funções desconhecidas (não-lineares e não-logarítmicas);
extensão de aplicação da leitura automática sobre escalas retilíneas como a da figura 2.
Figura 1 – Luxímetro Gossen modelo Panlux
Figura 2 – Luxímetro Metra modelo PU150
O sistema desenvolvido pressupõe a necessidade de se fornecerem os seguintes dados do painel do
instrumento: classe da escala (circular ou retilínea), número de escalas, número de marcas principais e
seus valores associados. Uma vez inseridas em um banco de dados, referem-se a todo o conjunto de
instrumentos a serem calibrados.
Os ensaios são realizados posicionando-se o instrumento sobre uma bancada de testes iluminada por
fonte de luz difusa. Após a captura da imagem por uma câmera CCD monocromática marca JAI
(modelo CVM10BX) com resolução de 640 x 480 pixels e 256 tons de cinza, conectada a uma placa de
aquisição de imagens da Data Translation (modelo DT-3120), aplica-se um algoritmo de visão
computacional escrito em C++ com auxílio da ferramenta SCIVA (Sistema Computacional de Inspeção
Visual Automática), desenvolvida no IPT. Os principais passos desse algoritmo são discutidos a seguir.
2 Seqüência de processamento e análise
A leitura é realizada em duas etapas. Na primeira (processamento do background), as marcas de escala
são reconhecidas e associadas aos valores armazenados no banco de dados. Na segunda (medição)
identifica-se a posição do ponteiro em relação ao background ao longo do processo de calibração.
Utilizando-se três imagens do mesmo instrumento, com o ponteiro em posições distintas, determinamse as marcas de escala adotando-se o seguinte algoritmo:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
eliminação dos objetos móveis da cena (ponteiro);
detecção do eixo medial do ponteiro em cada uma das imagens;
identificação do centro de rotação do ponteiro;
mapeamento da cena de objetos fixos do painel para um espaço onde as escalas se tornam retilíneas
com marcas orientadas segundo a direção vertical;
limiarização e filtragem mediante operadores morfológicos;
aplicação de regras heurísticas para identificação das marcas de escala;
mapeamento dos centros destas marcas para o espaço original da imagem;
cálculo das inclinações das marcas de escala.
A cena contendo apenas objetos fixos (vide figura 3) é obtida por meio de um filtro de mediana
temporal (Huang e Hsu, 1981) aplicado à seqüência de três imagens acima referida. Mediante
subtração, isolam-se as imagens do ponteiro, às quais se aplicam operações de limiarização adotandose o algoritmo de Otsu (1979) e esqueletonização por meio de operadores morfológicos (Haralick e
Shapiro, 1991). Nas imagens resultantes desse processo (vide figura 4) detectam-se as retas associadas
ao ponteiro, utilizando-se para tanto a Transformada de Hough (Illingworth e Kittler, 1988), combinada
com o Método dos Mínimos Quadrados (Niblack e Petkovic, 1990).
Figura 3 – Fundo do dispositivo mostrador
Figura 4 – Imagem do ponteiro esqueletonizado
Uma vez obtidos os parâmetros dessas retas determina-se o centro de rotação do ponteiro mediante a
aplicação do Método dos Mínimos Quadrados à resolução de um sistema linear de equações
redundantes com três equações e duas incógnitas, descrevendo a intersecção das três retas
consideradas. Esse ponto é, então, adotado como origem de um sistema de coordenadas utilizado nas
transformações geométricas subseqüentes.
Para instrumentos com escalas circulares e marcas radiais (vide figura 1), aplica-se uma transformada
polar (equações (1)) que produz uma imagem com escalas retilíneas horizontais e marcas verticais
(Alegria e Serra, 2000), conforme ilustrado na figura 5.
ρ = sign( x ) x 2 + y 2
(1)
Caso o instrumento possua escalas retilíneas com marcas radiais (vide figura 2) aplica-se inicialmente
uma transformação (equações (2)) que mapeia as retas horizontais em circunferências concêntricas em
torno do centro de rotação do ponteiro, mantendo constante o comprimento das linhas. Como tais
imagens são equivalentes às de instrumentos com escalas circulares e marcas radiais (vide figura 6), as
mesmas são submetidas em seguida à transformação (1).
θ = sign( x )arctg( y / x )
x2
v = tg ( y / x ) ⋅ u
(2)
1 + tg 2 ( y / x )
As imagens mapeadas pelas transformações (1) e (2) são submetidas a uma seqüência de operações de
limiarização (Otsu, 1979), inversão e abertura morfológica com um elemento estruturante (Haralick e
Shapiro, 1990) de altura 5 e largura unitária. Como esta última operação tem o objetivo de desconectar
as marcas de escala mediante a eliminação das linhas horizontais que as unem, a altura do elemento
estruturante deve ser maior que a espessura das linhas horizontais e menor que a altura das marcas de
escala. Nas figuras 7 e 8 apresentam-se exemplos de imagens antes e após a operação de abertura.
u = sign( x )
Após a rotulação da imagem aberta, realiza-se uma busca orientada por padrão (Winston, 1980),
baseada em uma regra heurística que identifica objetos de alturas próximas, alinhados segundo a
horizontal e mantendo espaçamentos quase eqüidistantes ou continuamente decrescentes. A aplicação
desse algoritmo permite identificar as marcas principais de escala (vide figura 9), após o quê os demais
objetos delimitados por elas são classificados como marcas secundárias de escala (vide figura 10).
Figura 5 – Escalas retilíneas com marcas verticais
Figura 6 – Escalas circulares com marcas radiais
Figura 7 – Resultado da limiarização e inversão
Figura 8 – Resultado da operação de abertura
Figura 9 – Seleção de marcas principais de escala
Figura 10 – Seleção final das marcas de escala
Com auxílio das transformações geométricas inversas referentes às equações (1) e (2), as marcas de
escala isoladas no passo anterior são localizadas nas imagens originais e a inclinação de cada uma delas
é calculada a partir do ângulo formado pela reta definida pelo baricentro da marca e pelo centro de
rotação do ponteiro. Finalmente, associam-se às marcas principais de escala os correspondentes valores
de leitura armazenados no banco de dados, calculando-se os demais para as marcas secundárias.
Concluída a etapa de processamento do background, que visava obter uma interpretação adequada e
precisa do conjunto de objetos fixos relevantes da cena, (ou seja, as marcas de escala e suas interrelações quantitativas), procede-se à ‘leitura’ propriamente dita de cada nova imagem capturada. Para
essa etapa, de medição, adota-se o seguinte procedimento:
(a) calcula-se o ângulo de inclinação do ponteiro por meio de passos idênticos àqueles utilizados na
etapa anterior para detecção de retas;
(b) identificam-se as duas marcas de escala com inclinações mais próximas à inclinação do ponteiro;
(c) determina-se a medida indicada pelo ponteiro a partir de interpolação linear baseada nas medidas
das marcas de escala adjacentes identificadas no passo b.
3. Resultados experimentais
Foram realizados diversos testes de validação adotando-se a seguinte metodologia:
1)
2)
3)
4)
capturavam-se 5 imagens com o ponteiro em posições distintas;
tomavam-se 3 dessas imagens como referência para a etapa de processamento do background;
realizava-se a leitura sobre todas as escalas das 5 imagens;
repetiam-se os passos 1-3 para cada uma das C5,3=10 combinações possíveis de imagens;
Utilizando-se esse procedimento pôde-se avaliar a influência que a seleção das imagens utilizadas para
identificar o background exercem sobre o processo medição. Nas tabelas 1 e 2 apresentam-se os
resultados obtidos referentes às imagens das figuras 1 e 2 1. A última coluna de cada tabela fornece a
razão entre a faixa de variação das leituras (diferença entre os valores máximo e mínimo) e a resolução
das escalas, indicativo da dispersão das leituras automáticas frente à resolução de escala. Valores de até
50% são considerados bons por apresentarem dispersões menores que a repetitividade de leitura
humana (Waeny, 1985).
Escala
µ
σ
min
max
(max-min) / resolução
1
53,3
0,3
52,7
53,7
19%
2
116,1
0,6
114,6
116,9
11%
3
420
3
413
424
23%
4
1136
Escala
µ
σ
min
max
(max-min) / resolução
1
145,79
0,15
145,48
145,97
5%
2
3611
6
3601
3618
17%
3
5,87
0,02
5,84
5,89
10%
9
1115
1148
Tabela 1. Leituras baseadas na imagem da figura 1.
16%
Tabela 2:Leituras baseadas na imagem da figura 2
Observa-se que, pelo critério da dispersão de leituras acima mencionado, os resultados obtidos
excederam as expectativas. Testes com dois outros instrumentos  fontes de tensão marca Minipa
modelo MPS-3003 e marca Tectrol modelo TC 50-015  também conduziram a resultados similares.
É importante aqui ressaltar que, pelo fato de o eixo óptico da câmera ser perpendicular ao plano do
instrumento, apresentando tolerância da ordem de 5 graus, o erro de paralaxe implícito no método é
desprezível (Almeida, 2006). Nessas condições, a variação da posição aparente do centro de rotação do
1
As outras 4 imagens utilizadas em cada teste foram omitidas devido a limitações do espaço de edição.
ponteiro é muito pequena face à distância entre ele e as marcas de escala, de modo que o cálculo da
inclinação das mesmas não é afetado de maneira significativa. Além disso, as variações de inclinação
aparentes do ponteiro e das marcas de escala oriundas da não-perpendicularidade entre o eixo óptico e
o plano do mostrador do instrumento são correlacionadas e não afetam o resultado final de leitura
obtido por interpolação.
Nem todas as tentativas de pré-processamento do background foram bem sucedidas. Em poucos casos,
não mais do que duas marcas de escala deixavam, eventualmente, de ser identificadas pelo algoritmo
de busca orientado por padrão, fato esse que impedia a realização da segunda etapa do processo.
Contudo, tal dificuldade era facilmente eliminada mediante a escolha de um conjunto diferente de
imagens iniciais destinadas à identificação do background. Para 13 testes de validação realizados, com
lotes de 5 imagens, cada qual referente a um tipo diferente de instrumento, obteve-se índices de 97,6%
de sucesso na identificação das marcas de escala e 98,9% de leituras corretas.
4. Conclusões
O sistema de visão computacional desenvolvido apresenta características de desempenho e de interface
homem-máquina que o tornam bastante adequado à automação de ensaios de calibração de variados
tipos de instrumentos dotados de mostradores analógicos, realizados pelos laboratórios de metrologia
do país. As medidas obtidas durante os ensaios de validação apresentam pouca dispersão e
repetitividade superior à da leitura humana. O arranjo experimental requerido é simples e poucas
informações são solicitadas ao operador humano.
A ampliação do escopo de utilização desse sistema pode ser atingida mediante o desenvolvimento de
algoritmos robustos de visão computacional, capazes de realizar o reconhecimento das marcas de
escala sob condições de iluminação menos controladas. Em tais condições poder-se-ia, por exemplo,
construir instrumentos portáteis de leitura automática de medidores de consumo residencial de água e
de energia elétrica.
Referências Bibliográficas
1. Alegria, F. C., Serra, A. C. “Computer vision applied to the automatic calibration of measuring
instruments”. Measurement, v.28, p.185-195, 2000.
2. Almeida, R. Z. H., “Leitura automática de dispositivos mostradores analógicos de instrumentos de
medição utilizando visão computacional”. Dissertação de mestrado. São Paulo, EPUSP, 2006.
3. Haralick, R.M.; Shapiro, M. Computer and Robot Vision. Reading, MA, Addison Wesley, 1991.
4. Huang, T. S., Hsu, Y. P. “Image Sequence Enhancement”. Image Sequence Analysis, chapter 4,
p.289-309, 1981.
5. Illingworth, J., Kittler, J. “A Survey of the Hough Transform”. Computer Vision, Graphics and
Image Processing, v.44, p.87-116, 1988
6. Niblack, W., Petkovic, D. “On Improving the Accuracy of the Hough Transform”. Machine Vision
and Applications, v.3, p.87-106, 1990
7. Otsu, N. A. “Threshold Selection Method from Gray-Level Histograms”. IEEE Transactions on
Systems, Man, and Cybernetics, v. SMC-9, n.1, p.62-66, 1979
8. Sablatnig, R., Kropatsch, W. G. “Automatic Reading of Analog Display Instruments”. Proceedings
of the 12th ICPR International Conference on Pattern Recognition. Jerusalem. v. 1, pp.794-797,
1994.
9. Waeny, J. C. C., “Noções básicas de confiabilidade metrológica”. Relatório Técnico IPT, 1985.
10. Winston, P. H., Artifical Intelligence. Reading, MA, Addison-Wesley, 1984.
Download

LEITURA AUTOMÁTICA DE INSTRUMENTOS ANALÓGICOS DE