V SEMINÁRIO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO BAIANO GT 2 – COMUNICAÇÃO, POLÍTICA E DESENVOLVIMENTO A POLÍTICA ATRAVÉS DA FREQUÊNCIA: INFLUÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DAS EMISSORAS DE RÁDIO NO COTIDIANO DA POLÍTICA LOCAL PÂMELLA SYNTHIA SANTANA SANTOS (Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFS) A POLÍTICA ATRAVÉS DA FREQUÊNCIA: INFLUÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DAS EMISSORAS DE RÁDIO NO COTIDIANO DA POLÍTICA LOCAL 1 Pâmella Synthia Santana Santos – PPGS/UFS2 ([email protected]) RESUMO Este artigo trata de uma parte do trabalho de conclusão de curso defendido no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe, sob o título “Ribeiros versus Reis: Um estudo sobre elites políticas, facções e carreiras”, onde foi tratado o embate político entre dois grupos políticos, denominados como Bole-Bole e Saramandaia encontrados no município de Lagarto-SE, comandados respectivamente pela família Ribeiro e pela família Reis que se encontram presentes desde o período da tutela militar. O objetivo deste artigo é o de traçar o papel desses grupos políticos no que concerne a utilização das emissoras de rádios no município de Lagarto-SE, e como elas são utilizadas a favor de cada grupo, pois ambos possuem sua própria emissora: o grupo Bole-Bole no comando da emissora Eldorado FM, e o grupo Saramandaia no comando da emissora Progresso AM como também a disputa de espaços com as novas rádios comunitárias. Palavras-chave: política local, emissoras de rádio, facções políticas Este artigo trata de uma parte do trabalho de conclusão de curso defendido no curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Sergipe, sob o título “Ribeiros versus Reis: Um estudo sobre elites políticas, facções e carreiras”, onde foi tratado o embate político entre dois grupos políticos, denominados como Bole-Bole e 1 Trabalho apresentado no V Seminário da Pós Graduação em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdade e Desenvolvimento - realizado entre os dias 02, 03 e 04 de dezembro de 2015, em Cachoeira, BA, Brasil. 2 Mestranda em Sociologia pelo Programa de Pós Graduação em Sociologia (PPGS) na Universidade Federal de Sergipe, bacharela em Ciências Sociais e integrante do Laboratório de Pesquisa do Poder e da Política (LEPP). Saramandaia encontrados no município de Lagarto-SE, comandados respectivamente pela família Ribeiro e pela família Reis que se encontram presentes desde o período da tutela militar. O objetivo deste artigo é o de traçar o papel desses grupos políticos no que concerne a utilização das emissoras de rádios no município de Lagarto-SE, e como elas são utilizadas a favor de cada grupo, pois ambos possuem sua própria emissora: o grupo Bole-Bole no comando da emissora Eldorado FM, e o grupo Saramandaia no comando da emissora Progresso AM como também a disputa de espaços com as novas rádios comunitárias. Devido a um grande histórico de disputa política entre esses dois grupos, ter uma emissora de rádio principalmente em um município em que metade da população se encontra na zona rural é importante, como um trunfo político. Importante também se destacar o período de concessões de emissoras de rádios que se deu nos anos de 1980 e que se davam principalmente através de alianças políticas, que foi o caso da emissora Eldorado FM, ao contrário da emissora Progresso AM, que tinha mais um viés empresarial do que político (isso em um primeiro momento), tendo sido a primeira emissora do município. Além de analisar a atuação dessas rádios no âmbito local, vale destacar também como que as alianças eram feitas para se conseguir o aval para certos políticos terem a sua própria rádio, onde nesse caso, a aliança com uma família da elite politica sergipana, a família Franco, foi essencial para a consolidação da emissora Eldorado FM no município de Lagarto. Até o ano de 2008, essas duas emissoras eram as únicas do município e conseguiam monopolizar para seus próprios interesses os programas transmitidos; com a chegada das emissoras comunitárias, foi possível a diversificação de conteúdo, como também quebrava o poderio das duas primeiras emissoras, todavia, a temática dessas novas emissoras não será tão diversificada como era de se esperar. Com isso, fica clara a necessidade de colocar em debate a interferência das emissoras na vida política municipal, pois as mesmas colocam em evidência os grupos políticos e assim, a política não acaba só aparecendo nos períodos eleitorais, ou melhor, no “tempo da política”, mas passa a fazer parte do cotidiano da política e também do cotidiano do município. A rede de base familiar faz parte da constituição do desenvolvimento de todo o país. Em Sergipe, tanto na Capital como no Interior, várias famílias se sobressaem na política, e criam uma maior projeção para a dinâmica local, como também para o Estado. É fato que o principal nome de família que logo se associa à política em Sergipe é o da Família Franco; todavia, várias outras conseguiram ocupar seu espaço, mas à sombra dos Franco (em Aracaju, a união com a família Franco ocorreu através de vários matrimônios como também com a família Rollemberg3, Prado e Pimentel), Reis e Ribeiro (Lagarto), Teles de Mendonça (Itabaiana), Fonseca e Mitidieri (Boquim), Valadares (Simão Dias), Monteiro (Salgado), Passos (Ribeirópolis) Góis (Riachão do Dantas). Além dessas famílias, há outras que se encontram em suas redes, com aliados e apadrinhados como algumas que se concentram na Capital, vide a família Alves e a família Amorim. As famílias citadas acima, sozinhas, não podem fazer muita interferência na política sergipana, pois um indivíduo da cidade de Lagarto não recebe nenhuma influência da família Passos de Ribeirópolis. Mas, no atual momento, todas essas famílias fazem parte do quadro político geral do Estado, pois cada uma tem pelo menos um integrante na elite parlamentar sergipana. Ainda assim, no background dessas famílias, é observada a relação e a participação da família Franco, como mediadora desde os anos da ditadura militar. Já com um breve levantamento histórico, fica perceptível que a família Franco não conseguiu sozinha assumir o governo do Estado se não tivesse essas e várias outras famílias políticas interioranas em suas redes de relações. Com isso, será colocado também a participação da família Franco na política lagartense. Política e Parentela: a disputa entre Ribeiros versus Reis e Bole-Bole versus Saramandaia. Em Sergipe, na Assembleia Legislativa todos optaram pela ARENA, fato raro, senão único, na federação. Apenas entre os deputados federais o bloco que inicialmente optou pelo MDB foi relativamente elevado. O poder nesta cidade sempre esteve concentra nas mãos de duas facções, sem dar espaços a uma terceira força. Começando com os cabaús e pebas, ou conservadores e liberais representados respectivamente pelo Coronel José Cirilo e a família de Silvio Romero na década de 1890. Posteriormente assume o poder, ainda representando os “pebas e cabaús” a família Garcez e Hipólito Emílio dos Santos (1900-1930). Com o passar do tempo (década de 60) a representatividade sofre alterações, ficando a cargo de Acrísio D’Avila Garcez e Dionísio de Araújo Machado, o primeiro representando o PSD (Partido Social 3 Leandro (2011) Democrático), já o segundo estava a representar a UDN (União Democrática Nacional) (FONSECA, 2002). Entre o final dos anos 1960 e por quase meio século, evidenciou-se a saga saramambolista, que até então não ainda eram “Pebas e Cabaús” através dos governos que ocuparam o executivo municipal, entre eles, os chefes políticos Rosendo Ribeiro Filho, o Ribeirinho (1963-1966) e Artur de Oliveira Reis, o Artur do gavião (19831989). Em 21 de abril de 1963, Ribeirinho toma posse frente ao executivo municipal, despontando-se naquele momento como uma terceira força política na cidade. Era a chamada ala independente, apesar de sua origem referir-se diretamente à liderança de Dionísio Machado, líder mor da UDN em Lagarto, mas alheia, a partir de então, aos dois líderes políticos tradicionais. Ribeirinho como é conhecido até hoje, iniciou sua vida pública na eleição municipal de 1954, quando Dionísio de Araújo Machado (UDN) candidatara-se a prefeito e o convidara para ingressar na política, primeiro acompanhando-o em eventos políticos e depois se candidatando a vereador. Nessa eleição ambos saíram vitoriosos: Ribeirinho foi eleito vereador e Dionísio prefeito (SANTOS, 2014). Na eleição seguinte, 1958, ainda pela UDN, aos trinta anos de idade, Ribeirinho resolve ir ais além à política candidata-se a deputado estadual, juntamente com seu líder mor de então que pleiteava o cargo de vice-governador. Mais uma vez os dois conseguem êxitos: Ribeiro Filho vai para a assembleia legislativa e Dionísio é eleito vice-governador e no período de 06/06/1962 a 31/01/1963 assume em definitivo o executivo estadual, em decorrência da desincompatibilização de Luís Garcia que se candidatara a senador na eleição de 7 de outubro de 1962. A sucessão municipal de 1962 iria reunir alguns atrativos até então não muito comuns no município, o principal deles, sem dúvida, foi o surgimento de três candidatos a prefeito, quebrando, desse modo, uma tradição partidária de poder entre dois grupos. Para se ter uma noção exata da especificidade desse acontecimento, basta mencionar que além da eleição de 1962, onde três candidatos concorreram, somente na eleição de 1988 foi que a sucessão municipais foi decidida por mais de dois candidatos. Nesta, além das candidaturas dos dois grupos tradicionais surgiram as candidaturas do PT e do PDT (recém criados no município, assim como no Brasil, após o fim da ditadura militar), fato que será comentado mais a frente (FONSECA, 2002). Os três personagens que se apresentaram como candidatos a prefeito nesta eleição dispunham de reais instrumentos que lhes credenciavam a possibilidade de vitória: um, José Monteiro de Carvalho (UDN), foi apoiado por Dionísio Machado e o então prefeito Antônio Martins de Menezes (UDN), aliado de Dionísio; o outro, Pedro Batalha de Góis (PSD), era apoiado pelo influente coronel Acrísio Garcez; e o terceiro candidato era Rosendo Ribeiro Filho, discípulo político de Dionísio que acabara de romper relações com este e integrara-se ao PRT. Ribeirinho, através de retórica objetiva e com bastante apelo popular, pregava o discurso de renovação na política municipal, dizendo ser “a salvação do povo” e estava tendo eco após dois sonoros mandatos: vereador (1954-1958) e um de deputado estadual (1959-1962). A trajetória política de Ribeirinho foi, até aquele momento, amplamente vitoriosa. Após conseguir, em duas eleições consecutivas, se eleger como vereador e como deputado estadual, entraria para essa disputa, no mínimo fazendo muito barulho e com “muita agilidade política”. E sua presença também se fazia sentir na imposição da força. De qualquer forma, o fato é que pelo menos no imaginário coletivo, ele também se impusera sobre esse aspecto. Tudo isso contribuiu para expansão da fama de ser um politico polêmico (FONSECA, 2002). As previsões de um processo eleitoral complicado realmente se concretizaram. O resultado da eleição foi decidido dias após a realização do pleito através de julgamento do TRE, confirmando a vitória do candidato udenista José Monteiro de Carvalho que ganhou a eleição com apenas trinta votos de vantagem sobre Ribeirinho. O PSD também entraria na discussão em 6 de dezembro de 1962 entra com recurso junto ao TRE contra a diplomação do prefeito eleito, mas este tribunal ratificou a vitória da UDN na sucessão municipal. Mas mesmo após a diplomação de José Monteiro e a confirmação da sua vitória pelo TRE as discussões em torno da luzira da eleição continuavam calorosas. E há poucos dias da posse José Monteiro não suportou as pressões e veio a falecer (21/01/1963). Os mais exaltados aliados do grupo de Dionísio Machado alegam que a morte foi provada em virtude do terrorismo verbal de Ribeirinho. Com isso, uma nova eleição foi feita, entre Pedro Batalha de Góis (PSD) e Ribeirinho (PRT), este último consagra-se vitorioso com uma diferença de 1525 votos. Assumindo a posição de prefeito uma semana após só deixa-a em setembro de 1966 quando retornaria à Assembleia Legislativa (MODESTO, 1998). Chega a década de 1970, e no final desta, as denominações são alteradas, os grupos políticos passam a ser identificados como Bole-Bole e Saramandaia, em que os representantes ainda detinham características fortes do decadente coronelismo. Essa nomenclatura veio da novela da Rede Globo, “Saramandaia”. Não foi algo inusitado, visto que já houve em Lagarto, outras nomeações. Todavia, essa mudança se teve porque como já havia mudado os chefes políticos, a população via a necessidade de fazer referencia aos grupos, que já não eram os mesmo no tempo de Dionísio e Acrísio. Sendo transmitida na mesma época e a identificação dos atores políticos e sociais pelas suas próprias características e com as dos personagens e grupos fictícios, foi mais fácil a nova nomeação (MESQUITA, 2012). Como fala o ex-deputado e ex-prefeito de Lagarto Jerônimo Reis (filho de Artur Reis), os próprios integrantes do Saramandaia que colocaram esses novos nomes para identificar os grupos. No momento, quem administrava o município era Zé Vieira Filho (1977 a 1982)4, aliado de Ribeirinho (Bole-Bole). A oposição “determinou” que o então prefeito era do Bole-Bole e que como eles eram da oposição e tinham o desejo de mudar a cidade, eles seriam os Saramandaia. E assim, segundo esse ator político, ficou essa nomenclatura. Os ditos “coronéis” não detinham o cargo político em suas mãos. Entretanto, estes não só influenciavam como patrocinavam os seus sucessores, já que para ser candidato era preciso ter muito dinheiro 5. A utilização do paternalismo e do assistencialismo, por si só não eram suficientes, vez por outra se fazia necessária uma aparição pública, corpo a corpo ou através da imprensa escrita. Mostrar as habilidades do candidato tornou-se fundamental para uma maior persuasão daqueles que ainda estavam indecisos, e até mesmo, a confirmação da paixão existente em seus eleitores. Apesar de haver perseguições, abusos de autoridade, dificilmente alguém ficava “em cima do muro”, pois, em sua maioria, a cidade estava imbuída de todo um tradicionalismo, o qual perdurou de longas datas. Não obstante, essa paixão moldou a política lagartense, de forma que não se via siglas partidárias sem o acompanhamento do Bole-Bole ou Saramandaia, O coronelismo deixou sua marca através dos tempos. O amor pelos grupos nessa população que não se contentou apensas com a identificação com cada grupo, mas sim, em lutar, fazer representar-se por cada um deles, passando de geração em geração (SANTOS, 2014). Algo que era comum e que era seguido à risca, era a não mistura entre grupos, ou seja, quem era Saramandaia não poderia em hipótese alguma se relacionar com alguém do Bole-Bole. A paixão política dos cidadãos lagartenses extrapolava a 4 Momento em que a novela “Saramandaia” é transmitida pela Rede Globo. A figura do coronel típico: chefe político, proprietário de terras, de imóveis, comerciante, médico, advogado; homem rico, poderoso, abastado financeiramente (DANTAS, 1987. 1997). 5 racionalidade6. Durante entrevistas feitas para a dissertação de mestrado, vários vereadores expuseram casos em que esse entrave entre ambos os grupos acabavam por até mesmo separar casais de namorados, pois suas famílias eram de grupos políticos diferentes. Somente em 1982, aconteceu o embate mais esperado desde o surgimento dos grupos políticos – Saramandaia e Bole-Bole. Até então, Artur de Oliveira Reis só apoiava os representantes do Saramandaia, grupo o qual comandava; estava saindo de um discreto mandato de deputado estadual e após algumas tentativas sem sucesso finalmente conseguiria candidatar-se a prefeito; mas, no ano de 1982, ele enfrenta o Ribeirinho – defensor dos pobres. Este último era seu primeiro pleito após a cassação de seu mandato parlamentar. E pela nova conjuntura partidária, o partido escolhido por ambos agora era o PDS, o único a participar da eleição, e como os dois não podiam ser candidatos em uma única legenda, a exemplo do que aconteceu em muitas outras localidades, a solução era subdividir o partido situacionista. Assim, Rosendo Ribeiro Filho e Edson Freire Hora (um proprietário de farmácia no município) ficaram no PDS I e Artur de Oliveira Reis e Antonio Martins de Menezes, um fazendeiro que já tinha sido prefeito, acomodaram-se no PDS II.O Bole-bole perde pela primeira vez uma eleição. A explicação para esta derrota é a relação entre Artur Reis com o público urbano, mais instruído, que crescia na cidade de Lagarto na década de 80. A população da cidade naquela época era de 52% contra 48% da zona rural (FONSECA, 2002). O conteúdo elementar da eleição anterior se repetiria acentuadamente nesse novo pleito: Ribeiro Filho se autodenomina o representante dos pobres, No último comício da campanha realizado na Praça da Piedade, num emocionante discurso dizia que “se fosse eleito, construiria a Praça do Bolachão”, uma apologia aos mais necessitados. Por outro lado, Artur do Gavião vestia a carapuça de candidato dos mais favorecidos, tendo visto que era apoiado pela maioria das pessoas influentes economicamente da cidade, onde o mesmo era um grande empresário e bastante relacionado com pessoas do mesmo patamar, porém pregava o discurso “que Lagarto voltaria a normalidade” numa ofensiva ao opositor que era acusado de desordeiro e a sua campanha era, até certo ponto, agressiva, em um dos seus jingles políticos dizia “agora tá tudo mudado durante essa eleição, é um tal de pinto pelado (referindo-se à 6 Não que esse fenômeno seja irracional por completo. Irracional por não ter embasamento ideológico, mas somente guiados pela paixão pelos grupos e seus líderes. calvice de Ribeirinho) correndo com medo do gavião (referindo-se ao apelido de Artur Reis, Artur do Gavião)”. Durante o processo eleitoral, todos os ingredientes do fenômeno do clientelismo estavam presentes em ambas as candidaturas. Nos três últimos dias antes do pleito criase um clima tenso a exemplo do que acontece em todos os pleitos: na cidade espalha-se o comentário que o um candidato está distribuindo dinheiro e/ou presentes aos eleitores e isso faz com que o grupo adversário saía à procura desse candidato para impedir tal atitude, para isso utiliza os mais variados métodos desde furar o pneu do carro que executará esse serviço ou se apresentar com arma para impedir que o doador distribua “o presente ao eleitor” (SANTOS, 1999). Mas o pleito de 1988, o primeiro após o fim efetivo da ditadura militar, traria alguns elementos novos na política municipal. Uma delas foi o surgimento de candidaturas tradicionais do Bole-Bole, Ribeirinho e José Viera Filho (PMDB), do Saramandaia, José Rodrigues dos Santos (Zezé Rocha) e Jerônimo Reis (PFL), surgiram mais duas candidaturas: Elinos Sabino e Hernani Domingos (PT) e José de Paixão e Everaldo Gomes (PDT). Era a primeira eleição após a de 1962 que concorreriam mais de dois candidatos, contudo os candidatos do PT e do PDT não somariam mil votos diante de um universo composto por mais de 30 mil eleitores. Uma outra foi o surgimento de mais partidos, além daqueles (MODESTO, 1998). Tal fato fez existir pela primeira vez no município coligações entre partidos. A chamada redemocratização do país fazia-se sentir no município, pelo menos se a considera-la em criação de partidos. Assim, Zezé Rocha encabeçou a Coligação Aliança Liberal Trabalhista composta pelos partidos PTB, PDC, PL, PFL e PSB; Ribeirinho estava à frente da Coligação União Progressista Democrática composta pelos partidos PDS, PJ, e PMDB. Ambas as coligações eram para prefeito e vereador. Desta forma, a política local viria a conhecer outros partidos além de UDN/PSD, Arena I/II, PDS I/II, entretanto o peso fundamental era dado pelos partidos aos quais os dois líderes políticos dos grupos rivais, Ribeiro Filho e Artur Reis, e neles, estavam suas principais lideranças políticas. Com o tempo, a mudança de alguns nomes e a permanência de outros mostra como estava sendo lidada a política profissional nessas facções, ou seja, quais estratégias estavam sendo feitas para conseguirem manter ou conquistar mais mandatos para os grupos políticos. A criação das rádios e sua representação política Além da nova configuração na política em Lagarto, outro fator iria contribuir para uma mudança significativa na história do município: a chegada das emissoras de rádio AM e FM7. Um veículo de comunicação importante, pois muitos ainda não tinham as grandiosas televisões e tendo uma emissora local, podendo transmitir tudo o que acontece tanto na cidade como no seu interior. Algo que sempre era visto foram os debates políticos entre as facções políticas Bole Bole e Saramandaia nas praças que eram os locais escolhidos para tais “eventos”. Todavia, foi em 1983 que o palco das discussões mudaria; surgiria então a primeira emissora de rádio da cidade, a Progresso AM (implantada pelo grupo dos Saramandaia) e, no ano seguinte, foi instalada a Eldorado FM (do grupo Bole-bole). A partir daí, os palanques desses políticos se estendem às emissoras radiofônicas8. Voltemos um pouco à história para podermos saber como que esses veículos de comunicação chegaram ao município e em que contexto eles estavam inseridos. Já no final da década de 70, um empresário bastante conhecido no município, José Corrêa Sobrinho, foi comunicado pelo então diretor da empresa Vigorelli informando que o Ministério das Comunicações tinha colocado Lagarto na lista dos quais poderiam receber uma emissora de rádio. Para isso, deveria ser formada uma equipe para assim valer a concorrência, sendo essa equipe formada pelos empresários. Assim, foi pedido para que além do diretor paulista e o empresário lagartense, fosse formado um grupo com mais quatro pessoas. E em 1983, surge a primeira rádio da cidade, numa sociedade formada por alguns empresários, tais como Vanderlan Teixeira de Almeida, Aloisio Natal da Fonseca, o líder do Saramandaia, Artur de Oliveira Reis e Hernani Romero Libório. No mesmo tempo em que José Correia montou sua equipe, José Raimundo Ribeiro, Cabo Zé, procurou também concorrer à uma rádio am, mas perdeu para o grupo do Saramandaia (MESQUITA, 2012). Já em 1984, a história muda para o lado do Bole-Bole, até então sem emissora: surge a primeira emissora FM da cidade, a Eldorado, com Ribeirinho e Cabo Zé no comando da mesma. Ribeirinho diz que conseguiu a emissora através do então governador do Estado, Augusto Franco. 7 A diferença entre rádios AM e FM é que a primeira consegue ter um alcance maior, já a segunda é sujeita a menos interferência causada por ruídos ou emissões de estações de TV, rádio, etc 8 O trabalho monográfico de Mesquita (2012), mostra com mais precisão esse fato importante para a expansão da mídia em Lagarto/SE. Logo, com a criação das emissoras de rádios, os grupos políticos Saramandaia e Bole-Bole que já tinham um grande embate político, partem para a utilização dos seus veículos de comunicação como forma de dar maior voz aos seus grupos e seus líderes. Esses veículos têm uma programação mista a qual mescla programação musical com a jornalística. A emissora Eldorado FM, assim que foi inaugurada, fugiu dos padrões das FM’s que surgiram na década de 80, que eram estritamente musicais. Nela além de programas musicais foi inserida também programação jornalística, destacando-se os comentaristas, que emitiam opinião sobre os mais diversos assuntos. Mesmo assim, nada impediu de utilizarem suas emissoras para levar às casas dos ouvintes mais do que programas jornalísticos ou musicais. A exemplo do que acontece nas emissoras em quase todo o Estado, a Progresso Am e a Eldorado FM de Lagarto apresentam programas jornalísticos pela manhã, que duram entre duas e quatros horas. Nesses programas ao vivo, marcados por uma série de entrevistas e participação do ouvinte, o clima sempre esquenta, com críticas e relato de “denúncias” contra o adversário político de cada emissora. Esse tipo de programa nas rádios foi crucial para eleger e tirar políticos e, consequentemente, propagar o acirramento da disputa na cidade entre os dois grupos, Saramandaia e Bole-Bole. (MESQUITA, 2012:38) A disputa pelas emissoras foi além dos bastidores. O sentimento caloroso que a política emana em Lagarto toma conta da população fazendo com que eles aumentem mais ainda esse acirramento entre os grupos. Algo comum que é praticado até os dias atuais são as “disputas de som”: cada vizinho ouve a sua emissora com o volume mais alto que puder, numa tentativa de mostrar o poderio político, seja em frente de suas casas com os carros ligados com o som ou nos bares e praças. “Tem que estar dois, um ligado na Progresso, o outro na Eldorado, [...] isso é um fato que acontece, ainda hoje, na política de Lagarto”, conta o político Jerônimo Reis.9 Os locutores das emissoras deixavam bem claro a que grupo pertenciam e eram efusivos nas discussões. Os insultos e as ofensas tornaram-se algo comum. Eles utilizavam vários recursos sonoros para movimentar a disputa nas rádios: músicas, zombarias, trechos de depoimentos ou conversas gravadas, entre outros. Em 1996, por exemplo, quando Jerônimo Reis pleiteava o cargo de prefeito de Lagarto, (o prefeito à época, Cabo Zé), colocava na Progresso músicas que afirmavam a falta de pagamento do gestor “o nosso adversário, que hoje é o proprietário da Eldorado, não gostava de pagar. E nós colocamos na nossa emissora, que é a Progresso, [...] aquela música: Pague meu dinheiro”. (MESQUITA, 2012:40) Um fato que com certeza mudou de rumo a política de Lagarto foi a união entre parte do grupo Bole-Bole, na pessoa de Cabo Zé com o Saramandaia para as eleições de 9 Ver MESQUITA (2012) 2012, tudo isso, como estratégia política para enfrentar o então prefeito Valmir Monteiro que tinha apoio da outra parte do Bole-Bole, a vice do mesmo viria a ser Luiza Ribeiro, filha do “velho guerreiro” Ribeirinho, e sua outra filha Acácia Ribeiro, candidata a vereadora. Nas emissoras, a facção do Bole-Bole liderada por Cabo Zé apelidava o irmão de ‘Bole-Bole do Paraguai’10. Todavia, como mostra Mesquita (2012), apesar dessa união de Cabo Zé e o Saramandaia, houve situações difíceis para o Cabo Zé; foi acusado por Valmir Monteiro de fazer propaganda política para o Saramandaia, fato que é ilegal de acordo com o Código Brasileiro de Telecomunicações: Nenhuma estação de radiodifusão [...] poderá ser utilizada para fazer propaganda política ou difundir opiniões favoráveis ou contrárias a qualquer partido político, seus órgãos, representantes ou candidatos, ressalvado o disposto na legislação eleitoral. (Código Brasileiro de Telecomunicações, capítulo V, § 6º. Art. 47) Com esta união entre o Bole-Bole Cabo Zé e o grupo do Saramandaia, pode-se supor que essa nova junção totalmente inesperada viria a representar o enfraquecimento da acirrada disputa entre os atores tradicionais dos grupos Bole-Bole e Saramandaia. Na tentativa de se manter no poder, os atores políticos, desgastados pelo tempo, buscam se aliar a novos personagens, como formas de estratégias políticas. Todavia, não significa que seja o fim das facções. Muito pelo contrário, o cotidiano da política sobrevive a partir de novas configurações, pois não se trata de ideologia, mas sim do “aqui” e do “agora”: como se manter no poder agora; como fazer com que eu possa me reeleger ou eleger um aliado que me trará prestígio e poder político. Considerações finais Conforme a proposta apresentada, o artigo trouxe a realidade das facções políticas no município de Lagarto-SE e como elas conseguem se manter através da utilização de suas emissoras de rádios. O cotidiano da política não existe somente no período eleitoral; os grupos políticos sempre estão em busca de formas para continuarem vivos e expostos no dia-dia do município, mantendo assim a identidade faccional tanto de seus integrantes como também do resto da população. Logo, no momento em que as facções políticas deixarem de ter uma efetiva participação no cotidiano da política, necessariamente as emissoras também deixarão de 10 Ver MESQUITA (2012). terem o mesmo espaço. Para isso acontecer, somente com o passar do tempo e uma maior consciência democrática e a necessidade do “novo” e da “mudança” que vem surgindo a cada eleição, e com o surgimento de novos atores políticos. Mas isso só poderá acontecer quando as principais famílias políticas do Estado não tiverem mais como se sustentarem politicamente. Bibliografia DANTAS, Ibarê. A tutela militar em Sergipe 1964/1984: partidos e eleições num estado autoritário. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. ______________. Coronelismo e dominação. Aracaju: UFS, PROEX / CECAC, 1987. FONSECA, Adalberto. História de Lagarto. Governo de Sergipe, 2002. LEANDRO, Hélio. A política como vocação familiar: “os Rollemberg” e a dinâmica política em Sergipe (1885-1964). Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Sergipe, 2011. MESQUITA, Jefferson. Radiodocumentário Progresso Am E Eldorado Fm: Palanques eletrônicos dos Saramandaias e dos Bole-Boles no município de Lagarto-Se. Monografia (Graduação Comunicação Social – Jornalismo), Universidade Tiradentes. Aracaju/SE, 2012. MODESTO, Alailson Pereira. Saramandaia e Bole Bole: Ainda Coronelismo? Estudo de Caso de Dominação Local no Município de Lagarto (1964-1988). Monografia (Graduação Ciências Sociais), Departamento de Ciências Sociais, Centro de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão/SE, 1998. SANTOS, Raylane do Nascimento. Em Busca da Imagem Perfeita... Imagem, Legitimidade e Representação do Poder Público Local (Lagarto – Sergipe, na Década de 1960). Monografia (Graduação em História) Departamento de História, Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão/SE, 1999. SANTOS, Pâmella Synthia Santana. Ribeiros versus Reis: Um estudo sobre Elites Políticas, Facções e Carreiras. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) Departamento de Ciências Sociais, Centro de Educação e Ciências Humanas. Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2014.