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Por que os milionários brasileiros não doam suas fortunas a
universidades?
Nos Estados Unidos, ricos ajudam museus e instituições de ensino superior. No Brasil, a
burocracia atrapalha quem quer fazer o bem
FERNANDO SCHÜLER
07/06/2015 - 10h01 - Atualizado 07/06/2015 10h01
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GENEROSIDADE
O milionário Stephen Schwarzman (à esq.) com Peter Salovey, diretor de Yale. Ele doou US$
150 milhões à universidade (Foto: Divulgação)
Stephen Schwarzman costumava fazer suas refeições no Commons,
quando estudante em Yale
Yale, em meados dos anos 1960. Sujeito tímido, vindo
de escola pública, sentia-se bem naquele edifício de estilo neoclássico, situado
no coração da universidade. Formado em 1969, Schwarzman percorreu passo a
passo o sonho americano. Nos anos 1980, criou o grupo Blackstone
Blackstone, hoje um
dos maiores fundos de investimento dos Estados Unidos. Consta como o 122º
sujeito mais rico do planeta, na lista da Forbes. No último dia 11 de maio,
anunciou uma doação de US$ 150 milhões para a conversão do velho
Commons em um moderno centro de artes.
O centro levará o nome de Schwarzman. Há quem veja nisso um simples
desejo de “imortalidade através do dinheiro”, como li em uma crítica. Pouco
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importa. Talvez alguém tenha pensado o mesmo quando Lenand Stanford
criou a universidade que levaria seu nome, na década de 1880, na Califórnia
Califórnia.
Ou quando resolveram dar o nome de Solomon Guggenheim
Guggenheim, logo após sua
morte, ao museu projetado por Frank Lloyd Wright
Wright, no coração de
Manhattan
Manhattan. Quem sabe teria sido melhor, para os Estados Unidos, imitar o
exemplo brasileiro. Por aqui, pouca gente tenta perpetuar o próprio nome,
doando para universidades e museus. Talvez por isso lê-se, por estes dias, o
anúncio de fechamento da Casa Daros
Daros, primoroso espaço de artes, no Rio de
Janeiro, por falta de recursos.
DUAS REALIDADES
O Guggenheim, em Nova York (Foto: Sean Pavone Photo/Getty Images)
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Casa Daros, no Rio de Janeiro. Um museu prospera. O outro vai fechar as portas (Foto: Monica
Imbuzeiro/Ag. O Globo)
A tradição da filantropia americana vem de longe. É possível pensar que
Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor
conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na
segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias
ao banqueiro J.P. Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de
suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil
bibliotecas, nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of
Weath”, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da
cabeça a ideia de legar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro
para alguma causa, ou várias delas, a sua escolha, ainda em vida. O Estado
poderia dar um empurrãozinho, aumentando o imposto sobre a herança, mas
deveria evitar a tributação das grandes fortunas. O melhor resultado, para
todos, seria obtido se os próprios ricos distribuíssem sua riqueza, com cuidado
e responsabilidade. Recentemente, foi o argumento usado por Bill Gates
Gates, o
maior filantropo de nossa era, em oposição a Thomas Piketty e sua obsessão
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em tributar os mais ricos.
Gates não fala da boca para fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, ele lançou,
junto com Warren Buffett
Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo
à filantropia já visto: The Giving Pledge
Pledge. A campanha tem, até o momento,
128 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta
prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos
humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson,
criador da Oracle
Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje
avaliada em US$ 56 bilhões. Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem
observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que
acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o
mundo. Sloterdijt, por óbvio, não conhece bem o Brasil.
Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$
330 bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que
o montante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento
a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70%, no caso
americano. Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários no
Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge.
Consta que Jorge Paulo Lemann
Lemann, o número 1 da lista, foi convidado. Não
duvido que dia desses anuncie sua adesão. Seria um exemplo para o país.
Explicações não faltam para essa disparidade. Há quem goste de debitar o
fenômeno na conta de nossa “formação cultural”. Por essa tese, estaríamos
atados a nossas raízes ibéricas, sempre esperando pelos favores do Estado,
indispostos a buscar formas de cooperação entre os cidadãos para construir
escolas, museus e bibliotecas ou simplesmente para consertar os brinquedos e
plantar flores na praça do bairro.
É possível que haja alguma verdade nisso. O rei Dom João III, lá por volta de
1530, dividiu o país em capitanias hereditárias e as dividiu entre fidalgos e
amigos da corte portuguesa. Fazer o quê? Enquanto isso, os peregrinos do
Mayflower desembarcaram nas costas da Nova Inglaterra, movidos pela fé e
pelo amor ao trabalho, para construir um novo país. Uma bela história, sem
dúvida. Muito parecida com a de meus antepassados alemães, que
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desembarcaram em 1824 nas margens do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul.
Há muitas histórias, há muitos tipos de formação cultural, no Brasil, assim
como nos Estados Unidos. Não é difícil escolher uma delas para justificar
qualquer coisa.
De minha parte, desconfio da tese do caráter cultural. Ela é abstrata demais,
difícil de mensurar e, pior, tende a levar à acomodação. Prefiro concentrar o
foco na variável sobre a qual – ao menos em boa medida – temos controle. E
essa variável é institucional. Minha tese é: o modelo institucional e de
incentivos que adotamos simplesmente não favorece o desenvolvimento da
filantropia. Ele incentiva que as pessoas esperem que o Estado resolva seus
problemas. E é o que elas fazem, em geral.
Vamos a um exemplo: nossos sistemas de incentivo fiscal a doações
doações. Nos
Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu
de Arte Moderna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu rendimento
tributável. Para algumas instituições, esse percentual sobe a 50%
50%. No Brasil,
seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de Renda
Renda, se o contribuinte
fizer a declaração completa.
O pior, no entanto, acontece do outro lado do balcão. Para receber a doação, o
museu brasileiro deverá ter um projeto previamente aprovado pelo
Ministério da Cultura, em Brasília. Serão meses em uma via crucis, listando
minuciosamente o gasto futuro com o projeto, e depois mais alguns meses
para a prestação de contas detalhada do que foi gasto com sua execução. Fico
imaginando o que o MoMA faria se, para receber doações, tivesse de enviar
previamente um projeto para ser analisado em Washington, linha a linha, por
um grupo de funcionários públicos. Os Estados Unidos nem sequer têm um
Ministério da Cultura. As doações e os incentivos são diretos, sem
burocracia
burocracia. Por isso, funciona.
Vamos a outro exemplo: os americanos adotam como principal estratégia de
financiamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou
orquestras sinfônicas – os chamados “fundos de endowment”
endowment”. A ideia é
bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a
ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio.
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Simplesmente nenhuma grande instituição universitária ou cultural
americana vive sem seu endowment. Há 75 universidades com fundos de
mais de US$ 1 bilhão
bilhão. O maior de todos, de Harvard, tem US$ 36 bilhões
em caixa
caixa.
Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses, decidido
a doar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele gosta de artes
visuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum
incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe
que um museu brasileiro apresente um projeto para receber doações para
endowments. Em segundo lugar, não haveria nenhum endowment para ser
apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, e bastaria escolher
algum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, os
incentivos inexistem, as instituições não estão organizadas para receber as
doações. E a culpa segue por conta de nossa “formação cultural”.
Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas instituições. O Brasil
teima, em pleno século XXI, a manter uma malha obsoleta de universidades
estatais. Elas consomem perto de 30% dos recursos do Ministério da Educação,
mas nenhuma se encontra entre as 200 melhores do mundo, no último
levantamento da revista Times Higher Education. Enquanto isso, os Estados
Unidos dispõem de 48 das 100 melhores universidades globais. Princeton, Yale,
Columbia, MIT seguem, em regra, o mesmo padrão: instituições privadas, sem
fins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e oferecendo
um amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em
uma rede de alumni e parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que
ocorre com museus e instituições culturais.
O ponto é que o Brasil pode mudar. Há exemplos de líderes empresariais que
fazem sua parte. Há o caso exemplar do banqueiro Walter Moreira Salles
Salles,
fundador do Instituto Unibanco
Unibanco, voltado à educação, e do Instituto
Moreira Salles
Salles, voltado à cultura. Há a Fundação Maria Cecília Souto
Vidigal
Vidigal, há o Museu Iberê Camargo
Camargo, criado por Jorge Gerdau
Gerdau, e há a
Fundação Roberto Marinho
Marinho, à frente do maior projeto cultural do Brasil,
nos dias de hoje, que é o Museu do Amanhã
Amanhã, no Rio de Janeiro. Há uma
imensa generosidade e espírito público, no país, ainda bloqueados pelo
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anacronismo dos modelos de gestão pública que adotamos. Instituições, mais
do que a história. Incentivos, mais do que uma suposta genética cultural. Essa
deve ser nossa aposta.
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