Quando o perigo é grande, não podemos fugir. Não é, por isso, de certeza, o momento de abdicar. É precisamente num momento assim que temos de resistir e passar pela situação difícil. Esta é a minha opinião. Podemos abdicar num período tranquilo ou quando simplesmente já não podemos mais. Mas, face ao perigo, não podemos fugir e dizer que um outro o resolva. Existe então uma situação concebível em que considera apropriada a resignação do Papa? Sim. Quando um Papa tenha a clara percepção de que física, psíquica e espiritualmente já não consegue levar a cabo a missão do seu cargo, tem o direito, e em determinadas circunstâncias também o dever, de se retirar. Quem naqueles dias acompanhou os meios de comunicação social deve ter ficado com a impressão de que a Igreja Católica é o único sistema onde há injustiça e delitos sexuais. Havia, assim se dizia em tom de ataque, uma relação imediata entre a doutrina sexual católica, o celibato e o abuso. Para segundo plano passou a existência de incidentes semelhantes em estabelecimentos que não são católicos. Segundo o criminólogo Christian Pfeiffer, cerca de 0,1% dos abusadores pertencem ao círculo de colaboradores da Igreja Católica; 99,9% vinham de outras áreas. De acordo com um relatório do Governo americano, em 2008, nos EUA, a percentagem de padres envolvidos em casos de pedofilia foi de 0,03%. A publicação protestante Christian Science Monitor divulgou um estudo segundo o qual as igrejas protestantes americanas apresentam uma percentagem de casos de pedofilia muito superior. Neste tema do abuso, será que a Igreja Católica é vista e avaliada de modo diverso? No fundo, já respondeu. Se olharmos para a realidade nas suas verdadeiras proporções (embora isso não nos dê o direito de olhar para o lado ou de subestimar), temos de constatar que este é um assunto que não é específico do sacerdócio católico nem da Igreja Católica. Infelizmente, ele está simplesmente enraizado na situação pecaminosa – 39 – do homem, a qual também está presente na Igreja Católica e conduziu a estes terríveis resultados. É, além disso, igualmente importante não perder simultaneamente de vista todo o bem que provém da Igreja. É importante não perder de vista quantas pessoas são ajudadas no seu sofrimento, a quantos doentes e quantas crianças se dá acompanhamento, quanta ajuda é prestada. Penso que do mesmo modo que temos de reconhecer penosamente que não podemos subestimar o mal, da mesma forma temos também de estar agradecidos e tornar visível toda a luz que emana da Igreja Católica. Todo um conjunto de espaços vitais sucumbiria se ela já não existisse. E, contudo, nos dias que correm, tem-se revelado difícil para muitos permanecerem na Igreja. Consegue compreender que as pessoas protestem saindo? Posso compreender. Penso, naturalmente, sobretudo nas vítimas. Consigo compreender que lhes seja difícil continuarem a acreditar que a Igreja é a fonte do bem e que ela transmite a luz de Cristo que as ajuda a viver. E outros, que só recebem essas percepções negativas, já não conseguem ver o todo, a vida da Igreja. Tanto mais terá ela de se esforçar para que essa vivência e essa grandeza se tornem novamente visíveis, apesar de todos os aspectos negativos. Enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, imediatamente depois de os casos de abusos nos EUA terem vindo a lume, produziu directrizes sobre como proceder no tratamento desses casos. Aqui, trata-se também da colaboração com as autoridades judiciais, bem como das medidas preventivas a tomar. Todo e qualquer encobrimento deveria ser impedido. As directrizes voltaram a ser endurecidas em 2003. Que consequência extrai o Vaticano dos novos casos que se tornaram agora conhecidos? Essas directrizes foram agora, uma vez mais, revistas e publicadas recentemente numa última versão. Sempre no seguimento das experiências vividas, a fim de poder reagir melhor, de forma mais precisa – 40 –