Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.135.807 - RS (2009/0071647-2) RELATOR RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO : MINISTRO HERMAN BENJAMIN : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL : MUNICÍPIO DE ESTEIO : LUIZ BERNARDO DE SOUZA FRONER E OUTRO(S) EMENTA PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PRAÇAS, JARDINS E PARQUES PÚBLICOS. DIREITO À CIDADE SUSTENTÁVEL. ART. 2º, INCISOS I E IV, DA LEI 10.257/01 (ESTATUTO DA CIDADE). DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL MUNICIPAL DE USO COMUM À UNIÃO PARA CONSTRUÇÃO DE AGÊNCIA DO INSS. DESAFETAÇÃO. COMPETÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 150/STJ. EXEGESE DE NORMAS LOCAIS (LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ESTEIO/RS). 1. O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra o Município de Esteio, em vista da desafetação de área de uso comum do povo (praça) para a categoria de bem dominical , nos termos da Lei municipal 4.222/2006. Esta alteração de status jurídico viabilizou a doação do imóvel ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, com o propósito de instalação de nova agência do órgão federal na cidade. 2. Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade , realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. 3. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os “indesejáveis”, sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. 4. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento –, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra de multidões de gente e veículos) e ecológico Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 de 14 Superior Tribunal de Justiça (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável , que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). 5. Na hipótese dos autos, entretanto, o Recurso Especial esbarra em óbice instransponível: a Súmula 280/STF impede, in casu, a análise da questão relativa à possibilidade de desafetação de bem público de uso comum por meio de lei ordinária, e não de emenda à lei orgânica municipal, visto que urge exegese de Direito local. Precedentes do STJ. 6. Ademais, inaplicável na espécie o disposto na Súmula 150/STJ, pois todos os precedentes que serviram de inspiração ao verbete tratam de questão diversa, não sendo caso em que o suposto interesse federal surge após a decisão de primeira instância e não é resolvido sem o pertinente incidente de Conflito de Competência ou o ingresso da União no feito. Insustentável o entendimento de que a competência por matéria, quando alterada por lei, deve determinar a remessa imediata dos processos sem sentença de mérito ao novo órgão destinatário da demanda. A regra do art. 87 do CPC consagra o princípio da perpetuatio jurisdictionis , ou seja, delimita a competência no momento da propositura da ação, sendo irrelevante ulterior modificação no estado de fato ou de direito. 7. De toda sorte, registre-se, em obiter dictum , que, embora seja de inequívoco interesse coletivo viabilizar a prestação de serviços a pessoas de baixa renda, não se justifica, nos dias atuais, que praças, jardins, parques e bulevares públicos, ou qualquer área verde municipal de uso comum do povo, sofram desafetação para a edificação de prédios e construções, governamentais ou não, tanto mais ao se considerar, nas cidades brasileiras, a insuficiência ou absoluta carência desses lugares de convivência social. Quando realizada sem critérios objetivos e tecnicamente sólidos, maldotada na consideração de possíveis alternativas, ou à míngua de respeito pelos valores e funções nele condensados, a desafetação de bem público transforma-se em vandalismo estatal , mais repreensível que a profanação privada, pois a dominialidade pública encontra, ou deveria encontrar, no Estado, o seu primeiro, maior e mais combativo protetor. Por outro lado, é ilegítimo, para não dizer imoral ou ímprobo, à Administração, sob o argumento do “estado de abandono” das áreas públicas, pretender motivar o seu aniquilamento absoluto, por meio de desafetação. Entender de maneira diversa corresponderia a atribuir à recriminável omissão estatal a prerrogativa de inspirar e apressar a privatização ou a transformação do bem de uso comum do povo em categoria distinta. Finalmente, tampouco há de servir de justificativa a simples alegação de não uso ou pouco uso do espaço pela população, pois a finalidade desses locais públicos não se resume, nem se esgota, na imediata e efetiva utilização, bastando a simples disponibilização, hoje e sobretudo para o futuro – um investimento ou poupança na espera de tempos de melhor compreensão da centralidade e de estima pela utilidade do patrimônio coletivo. Assim, em tese, poderá o Ministério Público, se entender conveniente, ingressar com Ação Civil Pública contra o Município recorrido, visando obter compensação pelo espaço verde urbano suprimido, de igual ou maior área, no mesmo bairro em Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 2 de 14 Superior Tribunal de Justiça que se localizava a praça desafetada. 8. Recurso Especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon. Brasília, 15 de abril de 2010(data do julgamento). MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 3 de 14 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.135.807 - RS (2009/0071647-2) RELATOR RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO : MINISTRO HERMAN BENJAMIN : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL : MUNICÍPIO DE ESTEIO : LUIZ BERNARDO DE SOUZA FRONER E OUTRO(S) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEI nº 4.222/2006 do município de esteio. bem de uso comum do povo. desafetação. doação ao instituto nacional de seguridade social. competência da justiça estadual. legalidade. 1. É da competência da justiça estadual o julgamento de ação civil pública cujo objeto é anular lei municipal que desafeta bem público de uso comum do povo para bem de uso dominical e autoriza sua posterior doação ao Instituto Nacional de Seguridade Social. 2. A proclamação na Lei Orgânica do Município da inalienabilidade dos bens públicos destinados a áreas verdes e praças não cristaliza a natureza de tais bens, estando tal matéria submetida à autonomia do legislador municipal. Não é ilegal, portanto, a lei que revoga, em parte, a lei anterior e desafeta imóvel destinado à praça para doá-lo à autarquia federal. Decisão que se insere na autonomia do ente político sobre o destino dos bens públicos. Aplicação do princípio lex posterior derogat priori . Recurso desprovido. Agravo retido prejudicado. (fl. 224) O recorrente alega violação do art. 87 do CPC, por haver competência superveniente da Justiça Federal, e do art. 99, I, do CC, pois não se pode desafetar bem público inalienável, nos termos da lei orgânica municipal. Sustenta ser necessária a modificação prévia da lei orgânica do ente recorrido para que se possibilite a referida desafetação, não bastando mera edição de lei ordinária municipal. Requer a reforma do julgado para que se declare a nulidade: a) do processo por incompetência da Justiça estadual ou, sucessivamente, b) da Lei municipal 4222/2006, restabelecendo-se a destinação do imóvel (fls. 206-218). Contraminuta apresentada às fls. 235-239. Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 4 de 14 Superior Tribunal de Justiça O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso (fls. 416-421). É o relatório. Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 5 de 14 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.135.807 - RS (2009/0071647-2) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou Ação Civil Pública contra o Município de Esteio/RS, em vista da desafetação de área (praça) de uso comum do povo para a categoria de bem dominical, nos termos da Lei municipal 4222/06, permitindo-se a doação do bem ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal, para a instalação de nova agência. A distinção entre bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens dominicais, tradicional no nosso sistema jurídico e agasalhada no Código Civil e na legislação de Direito Público, é velha conhecida do Superior Tribunal de Justiça. Cito um dos precedentes mais recentes: (...) Os bens de uso comum e os de uso especial estão destinados a fins públicos; acham-se afetados a uma finalidade pública; enquanto que os dominicais não ostentam destinação pública definitiva (REsp 799765, rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJ de 27/08/2009). 1. Importância de praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos Praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos constituem uma das mais expressivas manifestações do processo civilizatório, porquanto encarnam o ideal de qualidade de vida da cidade, realidade físico-cultural refinada no decorrer de longo processo histórico em que a urbe se viu transformada, de amontoado caótico de pessoas e construções toscas adensadas, em ambiente de convivência que se pretende banhado pelo saudável, belo e aprazível. Tais espaços públicos são, modernamente, objeto de disciplina pelo planejamento urbano, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), e concorrem, entre seus vários benefícios supraindividuais e intangíveis, para dissolver ou amenizar diferenças que separam os seres humanos, na esteira da generosa Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 6 de 14 Superior Tribunal de Justiça acessibilidade que lhes é própria. Por isso mesmo, fortalecem o sentimento de comunidade, mitigam o egoísmo e o exclusivismo do domínio privado e viabilizam nobres aspirações democráticas, de paridade e igualdade, já que neles convivem os multifacetários matizes da população: abertos a todos e compartilhados por todos, mesmo os “indesejáveis”, sem discriminação de classe, raça, gênero, credo ou moda. Em vez de resíduo, mancha ou zona morta – bolsões vazios e inúteis, verdadeiras pedras no caminho da plena e absoluta explorabilidade imobiliária, a estorvarem aquilo que seria o destino inevitável do adensamento –, os espaços públicos urbanos cumprem, muito ao contrário, relevantes funções de caráter social (recreação cultural e esportiva), político (palco de manifestações e protestos populares), estético (embelezamento da paisagem artificial e natural), sanitário (ilhas de tranquilidade, de simples contemplação ou de escape da algazarra para os que pretendem fugir de multidões de gente e veículos) e ecológico (refúgio para a biodiversidade local). Daí o dever não discricionário do administrador de instituí-los e conservá-los adequadamente, como elementos indispensáveis ao direito à cidade sustentável , que envolve, simultaneamente, os interesses das gerações presentes e futuras, consoante o art. 2º, I, da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade). Realço aqui o pensamento de José Afonso da Silva, ao definir e delimitar o papel dessas áreas nas cidades modernas: (...) A cidade industrial moderna com seu cortejo de problemas colocou a exigência de áreas verdes, parques e jardins, como elemento urbanístico, não mais destinados apenas à ornamentação urbana, mas como uma necessidade higiênica, de recreação e até de defesa e recuperação do meio ambiente em face da degradação de agentes poluidores (...). Daí a grande preocupação do Direito Urbanístico com a criação e preservação das áreas verdes urbanas, que se tornaram elementos urbanísticos vitais. Assim, elas vão adquirindo regime jurídico especial, que as distinguem dos demais espaços livres e de outras áreas 'non aedificandi', até porque admitem certos tipos de construção nelas, em proporção reduzidíssima, porquanto o que caracteriza as áreas verdes é a existência de vegetação contínua, amplamente livre de edificações, ainda que recortada de caminhos, vielas, brinquedos infantis e outros meios de passeios e divertimentos leves, quando tais áreas se destinem ao uso público (Direito Urbanístico Brasileiro , 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 1995, pp. 244 e 246). Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 7 de 14 Superior Tribunal de Justiça Na mesma linha segue José Carlos de Freitas: (...) As praças, jardins, parques e áreas verdes destinam-se à ornamentação urbana (fim paisagístico e estético), têm função higiênica, de defesa e recuperação do meio ambiente, atendem à circulação, à recreação e ao lazer. (Bens Públicos de Loteamentos e sua Proteção Legal , in Revista de Direito Imobiliário, v. 22, n. 46, jan./jun. 1999, p. 188). 2. Óbices processuais intransponíveis ao Recurso Especial O primeiro ponto do Recurso Especial cinge-se à competência do juízo para apreciar matéria que envolve suposto interesse superveniente da União. Em regra, inegável que se deve provocar a Justiça Federal para que ela decida sobre a existência do interesse da União nos feitos, positiva ou negativamente. Esse é o teor da Súmula 150/STJ. A ratio do mencionado Verbete, contudo, merece especial atenção. Ocorre que todos os precedentes que serviram de inspiração da súmula cuidam de hipótese em que a) a União ingressa no feito como assistente, pugnando pela remessa (ou manutenção) dos autos à Justiça Federal (CC 7570, CC 2311, CC 2753, REsp 51822 e REsp 52726); b) o juízo estadual suscita de ofício o conflito (CC 11149, CC 6170 e CC 2157); c) a Justiça Federal levanta a questão ex officio , para fins de remessa do processo ao juízo do Estado (CC 171). Consequentemente, nenhum precedente trata da situação presente, na qual o suposto interesse da União é alegado após a decisão de primeira instância, sem a provocação de qualquer ente federal, nem a interposição do pertinente incidente de Conflito de Competência , o que evidencia a inaplicabilidade do Enunciado 150/STJ à espécie, diante das peculiaridades que apresenta. Além disso, embora incontroverso que o bem passou a ser de domínio do INSS por doação do Município recorrido, mister destacar que o objeto da Ação Civil Pública era a anulação de lei municipal por violação a dispositivo da Lei Orgânica . Assim, a doação em concreto apenas representou o efeito da desafetação (modificação da categoria de bem imóvel da municipalidade), previsto na lei Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 8 de 14 Superior Tribunal de Justiça questionada. Portanto, o recorrente deveria ab ovo ter ajuizado a Ação Civil Pública diretamente na Justiça Federal, ou, pelo menos, suscitado a matéria antes da prolação da decisão monocrática. Como não o fez ao longo de toda a instrução, houve anuência tácita com a competência da Justiça Estadual, o que não se pode elidir somente em razão da improcedência da demanda. O art. 87 do CPC, tido por violado, em verdade endossa exatamente outro entendimento, que é consagrar a regra da perpetuatio jurisdictionis , ou seja, determinar que a competência seja delimitada no momento da propositura da ação. Nesse sentido, não importa que o estado de fato ou o de direito sejam modificados após o ajuizamento, excetuando-se as situações em que órgão judiciário seja suprimido ou ocorra modificação de competência ratione materiae , ou ainda em razão da hierarquia. Desse modo, não se verifica ofensa ao art. 87 do Código de Processo Civil. Relativamente à alegada violação do art. 99, I, do Código Civil, ao argumento de que não se pode desafetar bem público inalienável por meio de lei ordinária sem haver ofensa à lei orgânica municipal, o Recurso Especial vai além da competência do STJ, por incursionar pelo terreno da legislação local. A presente demanda, no entanto, em vez de ser decidida pela aplicação isolada ou preponderante do art. 99, I, do Código Civil, assenta-se claramente em exegese normativa municipal , o que, no âmbito do STJ, esbarra no óbice da aplicação, por analogia, da Súmula 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe Recurso Extraordinário". Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DAS SÚMULAS 282 E 356/STF. OFENSA AO ARTIGO 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO MANIFESTA. AUSÊNCIA. CONCLUSÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO DECISUM. PRECEDENTES. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEI LOCAL. SÚMULA 280/STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 9 de 14 Superior Tribunal de Justiça (...) IV - O manejo do recurso especial reclama violação ao texto infraconstitucional federal, sendo defeso ao Superior Tribunal de Justiça reexaminar a aplicação de legislação local, a teor do verbete Sumular 280/STF. V- Agravo interno desprovido. (AgRg no Ag 715.367/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, DJ 13/03/2006 p. 361). Igualmente concluiu o STJ em situação análoga: (...) Por oportuno, no que tange aos arts. 66, I e 67 do Código Civil e 17 da Lei nº 6.766/76, o acórdão recorrido manifestou-se com base na interpretação de leis locais, no sentido de que a desafetação de bem público de uso comum é permitida de acordo com legislação estadual. No ponto, vejamos fragmentos do julgado objurgado, os quais reforçam este entendimento, verbis : "A questão nodal do litígio está em saber da possibilidade da alteração da destinação do bem público de uso comum do povo por via de desafetação e, em conseqüência, sua cessão em comodato. Induvidosamente afirmativa é a resposta, sobretudo quando ambas as medidas, desafetação tanto quanto o comodato, obtiveram autorização da lei. Inicialmente, a vedação que se levanta, com aceno ao disposto no art. 180, VII, da Constituição do Estado, com a devida vênia, não é de chegar ao ponto onde se a levou. Com toda a certeza, o que a disposição constitucional assegurou foi a inalterabilidade da destinação original das áreas institucionais, enquanto perdurasse essa condição jurídica. Não por outro motivo é que o art. 67, do Código Civil, condiciona a perda da inalienabilidade dos bens públicos aos casos e forma que a lei prescrever. Na hipótese em exame, o imóvel dado em comodato, por lei local, foi antes desafetado, perdendo sua natureza de bem público de uso comum do povo para coisa patrimonial, e assim autorizada sua cessão gratuita. Escorreita, portanto, a alteração da destinação, assim a cessão à entidade privada, para uso determinado, tudo por meio de legítima medida representativa da autonomia municipal, traduzida em lei" (fls. 616/617). Com efeito, consoante entendimento sedimentado nesta Corte, em sede de recurso especial revela-se inadmissível discutir matéria de direito local (Súmula n.º 280/STF). (...) (RESP 436908, Ministro FRANCISCO FALCÃO, DJ de 17/06/2004, decisão monocrática). Ressalto, por fim, que a nova agência do INSS já foi inaugurada no Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 0 de 14 Superior Tribunal de Justiça local, conforme se pode verificar na seguinte notícia da Câmara de Vereadores: Ministro da Previdência inaugura nova agência do INSS em Esteio A nova agência do INSS de Esteio, localizada na rua Machado Lopes, 256, foi inaugurada na manhã de hoje, 5 pelo ministro da Previdência Social, José Barroso Pimentel. A agência, que também atende Sapucaia do Sul, vai oferecer atendimento com 17 guichês, para atender a demanda diária de cerca de 300 usuários das duas cidades, além de seis salas de perícia e uma de assistência social. O prédio ganhou mobiliário novo, equipamentos de informática, dispositivos de segurança, acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência e sinalização interna. Até o dia 8 de dezembro, a agência estava funcionando no prédio da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). A placa de inauguração foi descerrada pelo ministro, além do presidente da entidade, Valdir Moisés Simão, do presidente da Câmara, Sirlon Ribeiro (PMDB), e a superintendente regional do INSS, Eliane Luzia Schmidt, além de outras autoridades. Na ocasião, o presidente da Câmara de Vereadores lembrou o movimento do Legislativo e Executivo de Esteio e Sapucaia do Sul pela permanência da agência do INSS em Esteio. A atividade também contou com a presença dos vereadores Felipe Costella (PMDB), Ari da Center (PSB), Jane Battistello (PDT), Therezinha Heller (PPS) e Tânia Marli Rodrigues (PTB). A obra está avaliada em R$ 1,4 milhão, com recursos do Ministério de Estado em terreno doado pela prefeitura – antiga Praça da Legalidade –, através de aprovação da Câmara de Vereadores. Conforme informações do ministro, no Rio Grande do Sul serão construídas 24 novas agências pelo Plano de Expansão da Rede de Atendimento (PEX). Com a expansão, a rede fixa de atendimento da Previdência Social no estado será composta por 117 unidades. Além disso, das novas agências, estão sendo executadas 30 obras de recuperação da rede de atendimento já existente. O total de investimento no estado soma R$ 29 milhões. A previdência social é responsável pela manutenção de 31.577 benefícios, sendo 14.824 de beneficiários esteienses, com o pagamento mensal total de R$ 24 milhões. A agência inaugurada tem capacidade para atender 320 pessoas por dia e realizar 2.070 perícias por mês. O horário de atendimento é de 8h às 18h, de segunda a sexta-feira. (Disponível em: www.camaraesteio.rs.gov.br . Acesso em 10.2.2010. Data da notícia: 05/1/2010, grifei). 3. Desafetação de praças, jardins, parques e bulevares públicos urbanos Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 1 de 14 Superior Tribunal de Justiça De toda sorte, registre-se, em obiter dictum , que, embora seja de inequívoco interesse coletivo viabilizar a prestação de serviços a pessoas de baixa renda, não se justifica, nos dias atuais, que praças, jardins, parques e bulevares públicos, ou qualquer área verde municipal de uso comum do povo, sofram desafetação para a edificação de prédios e construções, governamentais ou não, tanto mais ao se considerar, nas cidades brasileiras, a insuficiência ou absoluta carência desses lugares de convivência social. Ontem, na cidade medieval e até na antiga, como hoje, a praça (do mercado ou não), o poço e as fontes de abastecimento de água destinavam-se ao “uso comum, publicamente acessíveis, loci communes , loci publici ” (Jürgen Habermas, Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigações quanto a uma Categoria da Sociedade Burguesa , trad. de Flávio R. Kothe, 2ª ed., Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 2003, p. 18). Retirar da praça a natureza de loci communes , loci publici não é um banal ato de governo municipal. Significa grave opção administrativa reducionista do componente público, de repercussões imediatas, mas também com impactos, normalmente irreversíveis, no futuro próximo e remoto da evolução da cidade. Daí que, quando efetivada sem critérios objetivos e tecnicamente sólidos, adequada consideração de possíveis alternativas, ou à míngua de respeito pelos valores e funções nele condensados, a desafetação de bem público transforma-se em vandalismo estatal , comportamento mais repreensível que a profanação privada, pois a dominialidade pública encontra, ou deveria encontrar, no Estado, o seu primeiro, maior e mais combativo protetor. Como precisamente indica Victor Carvalho Pinto, “o desafio do Direito Urbanístico é reduzir as falhas de mercado sem ampliar as falhas de governo” (Direito Urbanístico: Plano Diretor e Direito de Propriedade , 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 71). Sem dúvida, a cidade sustentável acha-se permanentemente sitiada pela especulação imobiliária, de um lado, e, de outro, pela incompetência ou apatia, quando não por pura e criminosa má-fé do administrador municipal perante o destino da urbe no médio e longo prazo. Dupla ameaça essa que se torna irresistível, como sucede com infeliz frequência quando os interesses privados Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 2 de 14 Superior Tribunal de Justiça e os governantes de momento decidem coordenar esforços, amiúde propagando, paradoxal e enganosamente, a destruição da qualidade de vida na cidade como se fosse sua salvação ou cura milagrosa de seus males. Por outro lado, é ilegítimo, para não dizer imoral ou ímprobo, à Administração, sob o argumento do “estado de abandono” das áreas públicas, pretender motivar o seu aniquilamento absoluto, por meio de desafetação. Entender de maneira diversa corresponderia a atribuir à recriminável omissão estatal a prerrogativa de inspirar e apressar a privatização ou a transformação do bem de uso comum do povo em categoria distinta. Finalmente, tampouco há de servir de justificativa a simples alegação de não uso ou pouco uso do espaço pela população, pois a finalidade desses locais públicos não se resume, nem se esgota, na imediata e efetiva utilização, bastando a simples disponibilização, hoje e sobretudo para o futuro – um investimento ou poupança na espera de tempos de melhor compreensão da centralidade e de estima pela utilidade do patrimônio coletivo. Assim, em tese, poderá o Ministério Público, se entender conveniente, ingressar com Ação Civil Pública contra o Município recorrido, visando obter compensação pelo espaço verde urbano suprimido, de igual ou maior área, no mesmo bairro em que se localizava a praça desafetada. No entanto, não custa enfatizar, essa questão não diz respeito ao objeto do presente Recurso Especial, razão por que a referência é feita a latere . Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial. É como voto. Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 3 de 14 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2009/0071647-2 REsp 1135807 / RS Números Origem: 10700002551 200801175939 70021748264 70023095474 PAUTA: 13/04/2010 JULGADO: 15/04/2010 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. MARIA CAETANA CINTRA SANTOS Secretária Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI AUTUAÇÃO RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL : MUNICÍPIO DE ESTEIO : LUIZ BERNARDO DE SOUZA FRONER E OUTRO(S) ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Castro Meira e Humberto Martins (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon. Brasília, 15 de abril de 2010 VALÉRIA ALVIM DUSI Secretária Documento: 964804 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 08/03/2012 Página 1 4 de 14