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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 15 • Maio 2015
Edição Especial • Homenageado
ARYON DALL'IGNA RODRIGUES
ANÁLISE DE COMANDOS DE PRODUÇÃO TEXTUAL DO
GÊNERO CONTO EM LIVRO DIDÁTICO
Valéria Caimi Marquardt (PROFLETRAS-UNIOESTE)1
[email protected]
Terezinha Conceição Costa-Hubes (PPGL-UNIOESTE)2
[email protected]
RESUMO: O presente artigo visa discutir a partir de uma perspectiva/ abordagem sociointeracionista da
linguagem, os comandos de produção de texto do gênero conto na escola, por meio do livro didático. As
discussões teóricas retomam as concepções de linguagem que permeiam a prática docente e o cotidiano
escolar. O artigo visa, ainda, observar em que concepção e linguagem os documentos norteadores do
Ensino de Língua Portuguesa, no país, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes
Curriculares Estaduais (DCEs-PR), no Paraná. A partir dessas reflexões, serão analisados os comandos de
produção textual do gênero conto no Livro Didático Português: Linguagens, 9º Ano, do autores, William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, orientadas pela Concepção dialógica da Linguagem, a fim
de demonstrar a lacunas existentes nos comandos de produção de texto.
PALAVRAS-CHAVE: Livro didático, comandos de produção; concepção dialógica; prática docente.
ABSTRACT: This present article aims to discuss from a perspective / sociointeractionist approach of the
language, the production controls of the genre tale in the school, through the textbook. Theoretical
discussions are taken from the language concepts that permeate the teaching practice and the school
routine. The article is also intended to observe that design language and the guiding documents of the
Portuguese Language Teaching in the country, the National Curriculum Parameters (PCNs) and the State
Curriculum Guidelines (DCEs-PR), in Paraná. From this reflection, we will analyze the textual
production commands of the genre tale in the Portuguese Textbook: Languages, Ninth Year, from the
authors, William Roberto Cereja and Thereza Cochar Magalhães, guided by the dialogical conception of
language, in order to demonstrate the existent gaps in the commands of text production.
KEYWORDS: Textbooks, production controls; dialogical conception; teaching practice
INTRODUÇÃO
“Contar e ouvir histórias são atividades das mais antigas do homem. Pessoas de
todas as condições sociocultural tem o prazer de ouvir e contar histórias” (MESQUITA,
1994, p.7). Então, por que, na escola, especificamente nas aulas de Língua Portuguesa,
1 Aluna do programa do Mestrado Profissional pela UNIOESTE.
2 Docente do Programa de Mestrado/Doutorado e PROFLETRAS da UNIOESTE.
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contar histórias (de forma escrita) é um ato tão desagradável, para a maioria dos alunos?
Geralmente, os alunos não veem motivo ou justificativa naquilo que estão tentando
produzir. Ou seja, porque escrever uma história se ela não será lida por mais ninguém,
que não seja o professor:
“Quem escreve, na verdade, escreve para alguém, ou seja, está em
interação com outras pessoas. Essa outra pessoa, é a medida, é o
parâmetro das decisões que devemos tomar acerca do que dizer, do
quando dizer e de como fazê-lo” (ANTUNES, 2007, p. 46).
Porém na prática docente, nem sempre o professor consegue fazer valer a função
real da escrita, mantendo o processo de interação. Geralmente ele é o único interlocutor
do aluno que já sabe o que o professor “gostaria ou não” de ler.
O trabalho com a produção de texto é extremamente necessário nas aulas de
língua materna. No entanto, é, também, um dos mais difíceis. Com os estudos das
correntes linguísticas, advindas do Círculo de Bakhtin, o ensino da língua reconfigurouse nas últimas décadas e, a partir daí, a produção de texto ganhou novo enfoque dentro
do ensino da disciplina, porém essa reconfiguração é menos ampla do que espera-se.
Ainda, inúmeros materiais didáticos, especialmente o livro didático, parecem não
apresentar de forma clara e objetiva alguns elementos essenciais para a produção de
textos, como aponta Reinaldo:
A partir da década de 90, o saber construído pela linguística de
texto/discurso, concebendo a língua como um conjunto de variedades
linguísticas que se atualiza na enunciação, passou a imprimir algumas
alterações nos manuais. Atualmente, muitas das coleções disponíveis
no mercado incorporam conceitos dessa perspectiva teórica e muitas
outras conservam a perspectiva teórica anterior. Val (2003), por
exemplo, verificou, nas coleções analisadas no PNLD/2002, a
predominância da sugestão de tema e da observação dos aspectos
relacionados à forma do texto (estrutura composicional e
conformidade à variação linguística padrão e às convenções da
escrita), sem a preocupação de explicitar, ou mesmo de mencionar os
componentes da situação de produção do texto solicitado.”
(REINALDO, 2006, p. 274)
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Atualmente, é consenso entre os educadores a necessidade de levar os educandos
a lerem e produzirem ampla variedade de gêneros, sendo que a produção implica em
conhecimento profundo de todos os elementos composicionais do gênero a ser
produzido. Porém, quando observa-se a prática pedagógica nota-se que há muito mais
recursos e métodos desenvolvidos para a leitura do que para a escrita dos mesmos.
Afirmação que é confirmada pelas produções dos CADERNOS PDE compostas pelas
Produções didático-Pedagógicas e pelos Artigos Científicos elaborados pelos
professores PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional-PR) que tem como
objetivo:
[...] o aprofundamento teórico e prático de forma a promover atuações
pedagógicas relevantes para o ensino-aprendizagem. Nesse sentido,
elaboram e implementam suas Produções Didático-Pedagógicas e,
após, sistematizam no Artigo Científico as experiências resultantes
daquela intervenção no âmbito escolar. Como culminância desse
processo de formação continuada inovador, a série CADERNOS PDE
tem a intenção de contribuir para a melhoria da Educação Básica e
pública via qualificação profissional.” (PARANÁ, 2008)
A partir das análise das sinopses dos Cadernos PDE de Língua Portuguesa dos
anos de 2007 e 20083 nota-se que o trabalho com a leitura é extremamente superior, em
termos quantitativo, do que com a escrita. Desta forma, destaca-se a dificuldade que há
na prática pedagógica em criar, desenvolver-se e descobrir formas, métodos de trabalho
e instrumentos que levem os alunos à escrita de textos, que realmente efetivem-se como
gêneros.
Tal Programa tem real importância, por levar o professor a torna-se um
pesquisador de sua prática, buscando alternativas para melhorá-la. Como destaca
Bortoni-Ricardo (2008), o professor pesquisador, além de usar o conhecimento
produzido em pesquisas, é, também, um “gerador de conhecimentos” dos problemas do
3 Foram consultados somente os dados de 2007 e 2008, pois os dos anos posteriores não estão
disponíveis no site da SEED-PR (SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO
PARANÁ)
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seu cotidiano escolar. Cabe a ele, portanto, estar atento a sua prática cotidiana, gerando
e implementando novas estratégias de ensino.
Porém, a maioria dos professores de Língua Materna, por inúmeras razões que
não cabe discutir neste momento, não se vê como um pesquisador de sua práxis, muito
menos, com um gerador de conhecimento. Busca no Livro Didático propostas de
produção pré-definida para trabalhar com a produção de texto.
No entanto, quando analisa-se, mais profundamente, os livros didáticos de
Língua Materna percebe-se a falta de alternativa com o trabalho de produção de textos.
Observa-se nos comandos de produção uma grande repetição de temas e fórmulas,
muitas vezes, sem criatividade e, nem sempre, focada nos gêneros.
O governo brasileiro, através do MEC pelo programa PNLD, distribuiu em
2011, 14,1 milhões de livros, número considerável para os avanços da Educação, no
país. Nas aulas de Língua Portuguesa, o livro didático é aliado do professor para aulas
de leitura, principalmente, porque barateia custos com materiais impressos. Porém,
quanto ao trabalho, com produção de texto, nem sempre o livro é o material de apoio
mais favorável ao trabalho de escrita com os gêneros.
Diante do exposto, este trabalho busca analisar os comandos de produção textual
do gênero conto no Livro Didático Português Linguagens dos autores William Roberto
Cereja e Thereza Cochar Magalhães (ano). A escolha justifica-se pelo livro pertencer a
coleção mais distribuída, no ano de 2014, com 3.172.012 exemplares. A análise será a
partir de uma perspectiva/ abordagem sociointeracionista da linguagem. Essa
perspectiva de análise dos comandos de produção é enfatizada por Reinaldo:
A construção de uma proposta pedagógica sobre o componente
“produção de texto” exige a compreensão de dois campos de
referência científica – a linguagem e a aprendizagem. Uma forma
atual de compreensão da linguagem é a que a considera como um
modo de ação social, realizado por meio das práticas sociais de
compreender, falar e escrever. Essa compreensão centrada na natureza
enunciativa da linguagem tem construído um conjunto de noções
necessárias à explicação do ato de produzir um texto como um
processo construtivo, sócio interativo e situado. (REINALDO,2006, p.
273)
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Quando o aluno não tem as referências sociais básicas para a sua produção, ela tende a
ficar comprometida. As práticas de escrita na escola, não costumam favorecer à compreensão da
linguagem como modo de ação social.
A seguir apresentaremos as concepções da linguagem que permeia a prática docente,
posteriormente, analisaremos os comandos de produção textual do gênero conto no Livro
Didático Português: Linguagens, 9º Ano, do autores, William Roberto Cereja e Thereza
Cochar Magalhães, à luz dessas concepções.
DISCUSSÃO TEÓRICA
A escrita é um processo pelo qual os estudantes estão sempre em constante
contato. Mesmo assim, são muitos os que dizem não saber escrever, ou não ter ideias
perante a folha em branco. Também é fato observar estudantes que acreditam que a
arte de escrever bem é para alguns iluminados, ou aqueles que, ainda, pensam que para
um bom texto ser produzido é necessário, somente, o domínio de regras gramaticais da
língua (KOCH, 2012).
Essas concepções são produto de como eles (e, também, nós) concebem (e
concebemos) a escrita: “essa pluralidade de respostas nos faz pensar que o modo pelo
qual concebemos a escrita não se encontra dissociada do modo pelo qual entendemos a
linguagem, o texto e o sujeito que escreve” (KOCH, 2012, p.32).
A partir da visão que tem-se da linguagem, texto e escritor há um foco
diferenciado em relação a escrita. São três as abordagens que se dão a escrita: foco na
língua, no escritor e na interação.
Em relação a escrita com foco na língua, segundo Koch, “encontra-se uma
concepção de linguagem como um sistema pronto, acabado, devendo o escritor se
apropriar desse sistema e de suas regras” (KOCH, 2012, p.32).
E acrescenta:
Nessa concepção de sujeito como (pré)determinado pelo sistema, o
texto é visto como um simples produto de uma codificação realizada
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pelo escritor a ser decodificado pelo leitor, bastando a ambos, para
tanto, o conhecimento do código utilizado. (KOCH, 2012, p.33)
Em relação ao ensino de língua materna, durante muitos anos adotou-se essa
perspectiva nos processos de produção de texto.
A outra abordagem da escrita tem como foco o escritor:
Nessa concepção de língua como representação do pensamento e de
sujeito como senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é
visto como um produto-lógico- do pensamento (representação mental)
do escritor. A escrita, assim, é entendida como uma atividade por
meio da qual aquele que escreve expressa seu pensamento, suas
intenções, sem levar em conta as experiências e os conhecimentos do
leitor ou a interação que envolve esse processo. (KOCH, 2012, p.33)
A terceira concepção tem como foco a interação e concebe a escrita como:
[...] produção textual, cuja realização exige do produtor ativação de
conhecimentos e a mobilização de várias estratégias. Isso significa
dizer que o produtor, de forma não linear, “pensa” no que vai escrever
e em seu leitor, depois escreve, lê o que escreveu, revê ou reescreve o
que julga necessário, em um movimento constante e on-line guiado
pelo princípio interacional. (KOCH, 2012, p.35)
Atualmente os documentos norteadores do Ensino de Língua Portuguesa, no país
e no estado, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Diretrizes Curriculares
Estaduais (DCEs-PR), respectivamente, fundamentam-se nas reflexões de Bakhtin em
relação ao aspecto interacional da linguagem, e o estudo do gênero. Sendo assim, há um
grande empenho por parte dos professores em escolher livros didáticos que estejam
pautados, nessa visão. Como afirma Marcuschi:
Hoje a cena já é bastante mudada em relação às últimas gerações de
manuais didáticos, tendo em vista o processo de avaliação por parte do
MEC, no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Já se cuida
mais da presença uma maior diversidade de gêneros, de um tratamento
mais adequado da oralidade e da variação linguística, bem como de
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um tratamento mais claro da compreensão. (MARCUSCHI,2008,
p.53)
Para Bakhtin: “Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao
uso da linguagem” (BAKTHIN, 2010, p.262). Sendo que “A riqueza e a diversidade dos
gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da
multiforme atividade humana.” (BAKTHIN, 2010, p.262). Desta forma, deve-se
entender que o gênero não foi inventado para a aula de Língua Materna, mas ele está
presente na atividade humana de muitas formas, se configurando e reconfigurando
através dos tempos.
O trabalho com o gênero já não é mais novidade entre estudiosos, pesquisadores,
e professores de Língua Materna. Em termos teórico são grande os avanços
conseguidos: muito se escreve, se fala sobre gênero; no entanto, há uma enorme
dificuldade na prática docente para que os textos produzidos em sala de aula não fiquem
somente como uma atividade de pratica de escrita. Os próprios livros didáticos buscam
apontar alternativas para o trabalho com a produção de texto de forma que ela efetive-se
em gêneros que circulam socialmente. Mas isso nem sempre é possível.
Uma vez apresentadas as concepções que podem orientar a escrita, nosso passo
seguinte consiste na análise do LD à luz dessas concepções.
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO
Neste artigo analisamos os comandos de produção textual do gênero conto, na
Unidade 2 do livro didático Português Linguagens, 9º. Ano, dos autores William
Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. O livro é dividido em 4 unidade
temáticas, que se subdivide em três capítulos. Na Unidade 2, cada capítulo possui um
subtítulo com textos referentes ao tema “Amor”. O trabalho com a produção de textos,
nessa unidade, é focada no gênero conto, que aparece em todos os capítulos das
unidades, como os seguintes subtítulos: O Conto (I), O Conto (II) e O Conto (III).
Pode-se considerar que o Livro Português: linguagens apresenta conceitos pautados nas
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concepções interacionista de Bakhtin e construtivista de Vygotsky. Sendo destaque o
trabalho com a leitura e produção de textos.
O livro atual (2012), na 7ª. Edição reformulado, os autores ampliam o olhar
sobre a questão da produção de texto: “uma proposta de produção textual apoiada na
teoria do gêneros textuais ou discursivos e na linguística textual.” (CEREJA;
MAGALHÃES, 2012, p.4). Observa-se que, os autores, tentam dar sentido à produção
de textos, criando situações de interlocução para as produções das unidades. Para isso,
há no livro uma secção denominada “Intervalo” ao final de cada unidade, que se baseia
sempre na execução de um projeto relacionado aos conteúdos estudados.
Com afirmamos anteriormente, o livro organiza-se em temáticas. Na Unidade 2,
logo no Primeiro Capítulo o conto para leitura e estudo é “Felicidade Clandestina”, de
Clarice Lispector, (p.70-71) que traz uma abordagem diferente do tema amor à que os
adolescentes estão acostumados. No item “Produção de texto” “O Conto (I)” (p. 75),
através das questões, há uma retomada dos elementos da narrativa como base para a
produção que o aluno terá que realizar em “Agora é sua vez” (p.75-76). Nesse item,
comando de produção textual apresenta o início de três contos de escritores brasileiros e
sugere: “Escolha um deles e dê continuidade à narrativa. Se preferir, escreva um conto
com um assunto diferente dos propostos.”
Fragmento 1
O telefonema pegou-a de surpresa. Atendeu com impaciência, os
olhos presos a um livro que tinha nas mãos, uma história policial que
não conseguia parar de ler. Era bom estar sozinha, lendo um livro de
suspense numa noite de ventania. O sábado já estava quase no fim e
ela ali, presa naquelas páginas. O som do telefone era uma
intromissão, um estorvo. Atendeu a contragosto.
(Heloísa Seixas. Contos mínimos. Rio de Janeiro: Record, 2001.p. 43)
Fragmento 2
—Até que enfim chegou a minha vez, Camila.
Tatá reclamou com razão. Quase todo mundo já tinha respondido as
perguntas do caderno de Camila. Ele esperou, esperou, esperou com
paciência, com calma, com o canto do olho, com uma vontade doida
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de pegar aquele caderno espiral de capa ensebada de tanto passar de
mão. Às vezes, ficava com a ligeira impressão de que Camila sabia
dessa sua ansiedade-e, pior, sabia do motivo da ansiedade e por isso
negava silenciosamente o direito de Tatá registrar suas respostas no
caderno dela.
—A tá que enfim...
(Edson Gabriel Garcia. Contos de amor novo. 3.ed, São Paulo: Atual,
1999, p. 50)
Fragmento 3
Este barulho todo é o Nilo chegando. Jogou os livros e cadernos no
sofá e gritou para a mãe que queria comer.
—Como se eu não soubesse—disse ela. —Mas primeiro, ó—apontou
para os livros no sofá-e depois, ó: lavar as mãos.
—É para já. —ele disse. Pegou os livros, levou-os para o quarto e
voltou correndo. E enquanto enxugava as mãos se olhando no espelho
da pia, gritou para a cozinha: —Mãe, tenho uma novidade...
(José J. Veiga. Torvelinho dia e noite. São Paulo: Difel,1985. p. 11)
Na sequência da atividade os autores buscam dar sentido a produção,
apresentando em três itens (a, b e c) a sequência de produção:
No item a apresentam-se os interlocutores/leitores e o suporte:
a) Tenha em mente que seu conto será lido por colegas, professores,
familiares e amigos, pois ele fará parte do livro que seu grupo irá
produzir e expor na mostra Que conta um conto aumenta um
ponto, proposta no Capítulo Intervalo desta unidade. ( p.76)
No item b os autores retomam os elementos da narrativa como introdução,
complicação, clímax e desfecho. Afim de que o aluno tenha claramente o gênero que
será produzido, ou seja elabore seu projeto de dizer.
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b) Antes de escrever, imagine o conflito, ou seja, a situação
problemática que as personagens viverão, e como ocorrerá sua
superação. Além disso, planeje a organização dos fatos,
estruturando o enredo em partes (introdução, complicação, clímax
e desfecho) ou encontrando uma maneira de subverter essa
estrutura. No caso de sua escolha ter recaído sobre um dos inícios
sugeridos, a introdução já está feita. ( p.76)
Já no item “c” desenvolve-se o projeto de dizer:
c) Ao redigir, empregue uma variedade de acordo com a normapadrão da língua. Faça um rascunho e, antes de passar seu conto a
limpo, revise-o cuidadosamente, seguindo as orientações do boxe
Avalie seu conto. Refaça o texto quantas vezes achar necessário. (
p.76)
O boxe para avaliação da produção apresenta os seguintes critérios:
Observe se seu conto é uma narrativa ficcional curta; se apresenta
poucas personagens, poucas ações e tempo e espaço reduzidos; se o
enredo está estruturado em introdução, complicação, clímax e
desfecho (ou subverte intencionalmente esse estrutura); se a
linguagem empregada está de acordo com a norma-padrão da língua.
(p.76)
Os encaminhamentos dessa seção de produção de texto apontam para as
afirmações de Koch (2012), em relação a escrita:
A escrita é um trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz
sempre em relação ao outro (o seu interlocutor/leitor) com um certo
propósito. Em razão do objetivo pretendido (para que escrever?), do
interlocutor/leitor (para que escrever?), do quadro espacial-temporal
(onde? Quando?) e do suporte de veiculação, o produtor elabora um
projeto de dizer e desenvolve esse projeto recorrendo a estratégias
linguísticas, textuais, pragmáticas, cognitivas, discursivas e
interacionais, vendo e revendo, no próprio percurso da a atividade, a
sua produção. (KOCH, 2012, p. 34)
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Sendo assim, a forma como são conduzidos os comandos de produção
confirmam a concepção interacional dialógica da língua, adotada pelos autores.
Nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que
escreve como aquele para quem escreve são vistos como
atores/construtores sociais, sujeitos ativos que- dialogicamente- se
constroem e são construídos no texto, este considerado um evento
comunicativo para o qual concorrem aspectos linguísticos, cognitivos,
sociais e interacionais. (KOCH, 2012, 34 apud Beaugrande, 1997)
Percebe-se a intenção de oferecer aos docentes um material, embasado nas
correntes ligadas a análise do discurso e ao interacionismo, que defendem que interação
ocorre por meio da linguagem, daí sua dimensão discursiva.
No Capítulo “O Conto (II) (p. 92-93) destaca-se o trabalho como os elementos
do enredo tempo, espaço e a técnica do flashback desse gênero. Como texto base para
estudo, apresenta-se “Pausa” (Moacyr Scliar). Na sequência, há uma exposição teórica
dos tipos de tempo e espaço e a proposta 1 de produção com o seguinte comando:
“Escolha um dos inícios de conto a seguir e dê continuidade, à história, empregado o
tempo cronológico.” ( p.95). Como na proposta de “O Conto (I)” são apresentados três
fragmentos iniciais de contos. Porém, nesse comando não são observadas relação com a
concepção interacional (dialógica) da língua. Já na proposta dois é retomada essa
concepção:
Escreva um conto empregando a técnica do flashback. O assunto
pode ser, por exemplo, um acontecimento na escola, um presentesurpresa, uma discussão familiar, um encontro inesperado, uma
viagem, uma comemoração e família. Inicie a narração com fatos que
se dão no tempo presente. Apresente a(s) personagem (ns), faça
referências ao tempo e ao espaço em que acontece a história. Depois
introduza na narração fatos do passado, empregando a técnica do
flashback. Feito isso, retome o tempo presente e encaminhe a narração
dos fatos para o desfecho, que pode ser surpreendente, engraçado,
trágico, absurdo, etc. (p. 95).
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“Ao escrever seus textos, siga as instruções, apresentadas na proposta de produção de
texto do capítulo anterior, na página 76” (p. 95).
As instruções para a produção, já citadas anteriormente, seguem os
apontamentos feitos por Irandé Antunes:
Lembro que, em toda atividade de escrita, o aluno deve ser levado a
vivenciar a experiência de: a) primeiro, planejar; b) depois, escrever –
o que seria a primeira versão de seu texto; c) e, em seguida, revisar e
reformular seu texto, conforme cada caso, para deixa-lo na versão
definitiva. (ANTUNES, 2003, p.115-116).
No terceiro e último capítulo sobre produção de texto “O Conto” (III), mais uma
vez é desenvolvido o trabalho com a leitura. Há 5 contos para a leitura: “Me responda,
sargento” (Dalton Trevisan); “Vigília” (João Anzanello Carrascoza); “Teste de vista”
(Moacyr Godoy Moreira); “O Espelho de Narciso” (Modesto Carrone); “Fumaça”
(Ronaldo Correia de Brito). Todavia, contraditoriamente ao título do Capítulo, não há
nenhuma solicitação de produção de texto. “Da época das narrativas orais feitas pelos
povos antigos em volta da fogueiras até os dias atuais, o conto sofreu muitas alterações.”
Modernamente, essa forma de narrativa tornou-se mais concentrada, e
a estruturação de seu enredo em apresentação, complicação e clímax
nem sempre se mantém. Com frequência, tal estrutura chega mesmo a
ser substituída pela de outros gêneros textuais.
Leia os contos a seguir. O primeiro “Me responda, sargento” é
construído por meio de um diálogo em que não existe a fala do
interlocutor; “Vigília” “Teste de vista”, “O Espelho de Narciso”,
“Fumaça”, são minicontos.” (CEREJA; MAGALHÃES, 2012, p.111)
O comando é de leitura e não de produção, neste capítulo, o que não deixa claro
o objetivo da proposição.
Se observarmos atentamente, percebemos que o trabalho com a leitura é
realizado de maneira satisfatória no livro, no entanto, no que tange a escrita, ainda, fica
aquém do razoável. Apenas o texto que emprega a técnica do flashback, (p. 95), dos três
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produzidos, será inteiramente de autoria do aluno, Os outros dois serão continuação de
contos já existentes e servem como pretexto para observar se o aluno realmente sabe
aplicar os elementos da narrativa, abordados em cada propostas: complicação, clímax e
desfecho e o uso do tempo cronológico.
Da forma como são propostos os textos, não é possível efetivar a proposição do
capítulo “Intervalo”, nesta unidade, relacionada à publicação de um livro de contos:
“Individualmente, você deverá montar um livro com os contos que produziu no
transcorrer desta unidade e outros, também de sua autoria, que queira publicar”
(CEREJA; MAGALHÃES, 2012, p.132).
Nesse momento, deve haver a interferência do professor. Cabe-lhe fazer a adaptação da
proposta do livro didático para a sua prática docente. Talvez a produção e publicação de um
único livro pela turma fosse o mais adequado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São consideráveis os avanços do Ensino da Língua Materna nas últimas décadas.
Inclusive os Livros didáticos tem procurado adequar-se as tendências atuais dos estudos
interacionistas da linguagem. No entanto, ainda percebe-se algumas lacunas no LD em
relação aos comandos de produção de textos e a efetivação destas produções como
gêneros textuais.
Vale aqui fazer uma ressalva sobre o livro Português: Linguagens. É notória a
busca dos autores para a adequação do trabalho com a diversidade dos gêneros textuais
em toda a coleção, tanto do Ensino Fundamental, quanto do Ensino Médio. No livro
analisado, observa-se a tentativa do desenvolvimento de uma proposta pautada nas
concepções interacionistas e do gênero textual. Todavia, como destacamos
anteriormente, nem sempre isso acontece. São mais comandos de prática de escrita, do
que de autoria.
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Web-Revista SOCIODIALETO • www.sociodialeto.com.br
Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 5 • Número 15 • Maio 2015
Edição Especial • Homenageado
ARYON DALL'IGNA RODRIGUES
Para que o ensino da Língua Materna esteja em consonância com as concepções
interacionistas (dialógicas) da linguagem requer um novo olhar do professor sobre tudo
o que envolve a sua prática docente. Principalmente, sobre os processos de produção de
texto presentes nos materiais didáticos, adaptando e adequando-os a sua realidade de
sala de aula.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola
Editorial, 2003.
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da Criação Verbal. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2010.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. 2008. O professor pesquisador: introdução à
pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola
CEREJA, William Roberto, Português: Linguagens, volume 3 /Willian Roberto
Cereja, Thereza Cochar Magalhães – 7. ed. Reform. – São Paulo: Saraiva, 2012.
GOTLIB, Nádia Battela. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2003.
KOCH, Ingedore V. e ELIAS, Vanda M. Ler e Escrever – estratégias de produção
textual.2. ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2012.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção de texto, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação: Fundo Nacional De Desenvolvimento Da Educação.
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD-2014. Disponível em:
<http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/125-guias?download=8499:colecoes-maisdistribuidas-por-componente-curricular-ensino-fundamental> Acesso: 20 de nov. 2014.
REINALDO, Maria Augusta de Macedo Saberes sobre produção de texto e avaliação de
material didático na formação continuada. Trab. Ling. Aplic., Campinas, 45(2): 271292, Jul./Dez. 2006
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação do Paraná. CADERNOS PDE
<http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=623)>
Acesso em: 28 de janeiro de 2014.
Recebido Para Publicação em 28 de fevereiro de 2015.
Aprovado Para Publicação em 30 de abril de 2015.
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análise de comandos de produção textual do gênero conto em livro