De Veneta Mário Salvador Há tempos não ouvia a expressão usada outrora rotineiramente pelas pessoas, com a maior naturalidade: "Hoje ele está de veneta." Ou a forma mais corriqueira: "Quando me dá na veneta..." Pois a palavra veneta apareceu, esses dias, em uma nota de jornal, a propósito de um assunto qualquer. Veneta seria um acesso súbito de loucura, um impulso repentino, uma vontade louca de fazer algo, às vezes, complicado. É, também, uma idéia que brota repentinamente na cabeça, sem mais nem menos, capaz de levar o cidadão a fazer alguma coisa fora do normal. "Me deu na veneta e eu fiz, pronto!" Tal expressão era freqüentemente ouvida, em tempos idos, e queria o autor dizer que "me deu na idéia..." Havia, para o caso, a admoestação de alguém: "Deixe de veneta, filho!" E a ordem poderia ser traduzida como: "Deixe de capricho..." Então temos que veneta é um acesso de loucura, uma idéia de momento, um capricho. Aliás, todas as pessoas, tanto as de antigamente como as que hoje, tiveram e têm seus momentos de infantilidade ou loucura, os seus caprichos e as boas ou más idéias. E por qual razão a palavra veneta teria deixado a rotina do povo? Ou, pelo menos por que razão não seria mais tão empregada como em outros tempos? A verdade é que a nossa língua se veste e se despe de palavras quando lhe dá na veneta e é bem provável que muitos jovens não conheçam a tal palavra, nunca a tenham ouvido. Bom, isso eu digo por mim, que, fazendo tempo que me afastara da veneta, ao tomar conhecimento de que ela ainda existe até que fiquei satisfeito, pois o meu convívio com ela havia sido muito salutar. Embora eu não seja mais um jovem, vamos esclarecendo. Não poucas vezes ouvi a meu respeito dizerem que "este menino é cheio de venetas". E não era cheio de loucuras ou de caprichos, mas de boas idéias. O reencontro recente com a palavra acabou por me trazer boas recordações de um tempo que longe vai. Afinal o tempo, acreditem, é cheio de venetas. Se muita gente é atacada por uma veneta política, o resultado é tal qual o que está acontecendo nos dias atuais. E político de veneta é um cidadão muito estranho, capaz de cometer loucuras no poder. A veneta pode, também, impulsionar muitos negócios, tornar a pessoa famosa ou jogá-la no buraco. "Me deu na veneta escrever um livro e eu escrevi. Está pronto!" Assim pode nascer um livro: de um momento de loucura, de uma idéia repentina. Por outro lado, a veneta pode atrapalhar a vida de muita gente: "Deu na veneta dele e ele passou a roubar." Por causa da veneta, alguém atrapalhou a própria vida e a dos outros. Enfim, matamos a saudade da veneta. E, pensando bem, nem sei por qual razão escrevi sobre este assunto... Já sei: "Me deu na veneta!"