Síntese de triacilgliceróis, fosfolipídeos e glicolipídeos; Rui Fontes
Síntese de triacilgliceróis, fosfolipídeos e glicolipídeos
1. Durante a digestão intestinal dos triacilgliceróis (os mais abundantes lipídeos da dieta) forma-se
maioritariamente 2-monoacilglicerol e ácidos gordos que são absorvidos. Os ácidos gordos de
cadeia longa e muito longa são esterificados nos enterócitos regenerando-se os triacilgliceróis: os
ácidos gordos são activados (sintétase de acil-CoA: ácido gordo + CoA + ATP → acil-CoA + AMP
+ PPi) e os resíduos acilo dos acis-CoA transferidos para as posições 1 e 3 do 2-monoacilglicerol
por acção catalítica de duas transférases de acilo.
2. No fígado, no rim, na glândula mamária activa e no tecido adiposo o aceitador de resíduos acilo no
processo de síntese de triacilgliceróis não é o 2-monoacilglicerol mas o glicerol-3-P. No fígado, no
rim e na glândula mamária activa, a presença de uma cínase do glicerol permite a formação de
glicerol-3-P a partir de glicerol e ATP (ATP + glicerol → glicerol-3-P + ADP) enquanto no tecido
adiposo a formação do glicerol-3-P resulta da redução da dihidroxiacetona-P (desidrogénase do
glicerol-3-P: dihidroxiacetona-P + NADH ↔ glicerol-3-P + NAD+). O glicerol-3-P aceita (por
acção catalítica de duas transférases de acilo que actuam sequencialmente) dois resíduos acilo de
acis-CoA formando-se, primeiro, o 1-acil-glicerol-3-fosfato e a seguir o 1,2-diacilglicerol-fosfato
(ou ácido fosfatídico ou fosfatidato). De seguida uma fosfátase catalisa a formação do 1,2diacilglicerol (ácido fosfatídico + H2O → 1,2-diacilglicerol + Pi) que aceita outro acilo formando-se
o triacilglicerol (acil-CoA + 1,2-diacilglicerol → triacilglicerol + CoA). A equação soma que
descreve a síntese de triacilglicerol a partir de glicerol-3-P e acis-CoA é a equação 1.
(1)
glicerol-3-P + 3 acil-CoA + H2O → triacilglicerol + 3 CoA + Pi
Os triacilgliceróis constituem a mais abundante forma de reserva de energia num indivíduo normal
encontrando-se maioritariamente no tecido adiposo (95% dos lipídeos de um homem jovem normal
encontram-se no tecido adiposo). A gordura de um indivíduo normal (10-15 Kg) permite custear as
suas necessidades energéticas durante cerca de 2 meses.
3. Os fosfolipídeos são lipídeos que contêm um ou mais resíduos de fosfato. São substâncias
anfipáticas constituintes das membranas das células e das lipoproteínas plasmáticas. Alguns contêm
também um ou mais resíduos de glicerol e são designados por glicerofosfolipídeos mas outros, em
vez de glicerol, contêm esfingol (também chamado esfingosina), e são designados de
esfingofosfolipídeos. Os glicerofosfolipídeos contêm, normalmente, dois ácidos gordos ligados por
ligações éster nos carbonos 1 e 2 do glicerol; no carbono 3 do glicerol está ligado um fosfato
(ligação fosfoéster) que estabelece uma ponte entre o glicerol e uma base que pode ser a colina
(fosfatidil-colina ou lecitina), a etanolamina (fosfatidil-etanolamina), a serina (fosfatidil-serina)
ou o polialcool inositol (fosfatidil-inositol): os glicerofosfolipídeos contêm um resíduo fosfatidato
(1,2-diacilglicerol-3-fosfato) ligado por uma ligação éster a uma base ou um polialcool. Os
plasmalógenos são também glicerofosfolipídeos mas, em vez do ácido gordo, contêm ligado
(ligação éter) no carbono 1 do glicerol um álcool gordo insaturado; a base mais frequente nos
plasmalógenos é a etanolamina. A cardiolipina (difosfatidil-glicerol) também é um
glicerofosfolipídeo e pode ser descrita como contendo dois ácidos fosfatídicos ligados entre si por
um resíduo glicerol. A esfingomielina é um esfingofosfolipídeo que pode ser descrito como
constituído por esfingol ligado (por uma ligação amida) a um ácido gordo (constituindo no seu
conjunto a ceramida) e (por uma ligação fosfoéster) a um grupo fosfato que estabelece uma ponte
entre o esfingol e a colina.
4. Os glicolipídeos são também lipídeos constituintes das membranas. Nos mamíferos, contêm
esfingol (são esfingoglicolipídeos) mas, ao contrário do caso da esfingomielina, a ceramida está
ligada a um resíduo glicídico (ligação glicosídica de tipo O) ou a uma cadeia de resíduos glicídicos.
Os glicolipídeos mais simples contêm um resíduo de galactose ou glicose e designam-se por
cerebrosídeos. Quando um resíduo glicídico contém sulfato (ligação sulfoéster) diz-se que o lipídeo
é um sulfolipídeo. Os gangliosídeos são esfingoglicolipídeos em que a cadeia glicídica contém,
para além de galactose e glicose, um ou mais resíduos de um ácido siálico (em geral, o ácido Nacetil-neuramínico).
Página 1 de 4
Síntese de triacilgliceróis, fosfolipídeos e glicolipídeos; Rui Fontes
5. Tal como no caso da síntese dos triacilgliceróis, também na síntese dos fosfolipídeos e glicolipídeos,
um papel importante é desempenhado pelas transférases de acilo em que o dador de ácido gordo é
sempre um acil-CoA (ácido gordo “activado”). Na síntese dos fosfolipídeos também desempenham
papéis importantes as transférases de fosfo-colina, de fosfo-etanolamina e de fosfatidato. Nestas
transférases o substrato dador é sempre um derivado da citidina-difosfato (CDP-colina, CDPetanolamina e CDP-diacilglicerol) e um dos produtos é o CMP. A activação dos ácidos gordos e a
activação da colina, etanolamina e diacilglicerol (formação de acil-CoA, CDP-colina, CDPetanolamina e CDP-diacilglicerol) envolvem enzimas distintas mas em todos os casos um dos
produtos é o PPi. Enquanto a activação dos ácidos gordos envolve sintétases (de acil-CoA) nos
outros casos as enzimas envolvidas são pirofosforílases (exemplos: CTP + fosfo-colina → CDPcolina + PPi; CTP + fosfatidato → CDP-diacilglicerol + PPi). Na síntese dos glicolipídeos as
transférases de glicídeos têm papel importante. Aqui o dador do resíduo glicídico é um derivado da
uridina-difosfato (casos do UDP-glicose, do UDP-galactose ou do UDP de N-acetil-galactosamina)
ou da citidina-monofosfato (caso do CMP de N-acetil-neuramínico).
6. A síntese de fosfatidil-colina ou de fosfatidil-etanolamina envolve a activação prévia da colina a
CDP-colina (citidino-difosfato de colina) ou da etanolamina a CDP-etanolamina. Esta activação
ocorre em dois passos: no primeiro uma cínase catalisa a fosforilação da base formando-se fosfobase (ATP + base → fosfo-base + ADP); no segundo, a fosfo-base é aceitador do resíduo de
citidilato (CMP) do CTP numa reacção catalisada por uma pirofosforílase (CTP + fosfo-base →
CDP-base + PPi). As bases activadas (CDP-base) são substratos dadores das bases na reacção
seguinte: por acção catalítica de transférases o resíduo fosfato-base do CDP-base (substrato dador) é
transferido para o 1,2-diacilglicerol que funciona como substrato aceitador (CDP-base + 1,2diacilglicerol → fosfatidil-base + CMP). A equação soma que descreve a síntese de fosfatidiletanolamina a partir de diacilglicerol e etanolamina é a equação 2.
diacilglicerol + etanolamina + ATP + CTP → fosfatidil-etanolamina + ADP + CMP + PPi (2)
A síntese de fosfatidil-serina envolve a transferência do resíduo fosfatidato da fosfatidiletanolamina para a serina (fosfatidil-etanolamina + serina → fosfatidil-serina + etanolamina). A
formação de fosfatidil-colina também pode ocorrer por metilação da fosfatidil-etanolamina; o dador
de metilo é a S-adenosil-metionina que passa a S-adenosil-homocisteína (fosfatidil-etanolamina + 3
S-adenosil-metionina → fosfatidil-colina + 3 S-adenosil-homocisteína).
7. No caso da síntese do fosfatidil-inositol (ou dos seus derivados fosforilados como o fosfatidilinositol-4,5-bisfosfato) é o ácido fosfatídico que é activado a CDP-diacilglicerol (acção catalítica de
pirosfosforílase do CDP-diacilglicerol). No passo seguinte, por acção catalítica de uma transférase, o
resíduo fosfatidato do CDP-diacilglicerol é transferido para o inositol que funciona como substrato
aceitador (CDP-diacilglicerol + inositol → fosfatidil-inositol + CMP). A equação soma que descreve
a síntese de fosfatidil-inositol a partir de fosfatidato e inositol é a equação 3.
fosfatidato + inositol + CTP → fosfatidil-inositol + CMP + PPi
(3)
O processo acima descrito tem semelhanças com a síntese de cardiolipina. Também aqui o
substrato dador é o CDP-diacilglicerol; num primeiro passo o substrato aceitador de fosfatidato é o
glicerol-3-P (CDP-diacilglicerol + glicerol-3-P → fosfatidil-glicerol-fosfato + CMP) e num segundo
passo é o fosfatidil-glicerol (CDP-diacilglicerol + fosfatidil-glicerol → cardiolipina + CMP). A
transformação de fosfatidil-glicerol-fosfato em fosfatidil-glicerol é catalisada por uma fosfátase. A
equação soma que descreve a síntese de difosfatidil-glicerol a partir de fosfatidato e glicerol-3-P é a
equação 4.
2 fosfatidato + glicerol-3-P + 2 CTP + H2O → difosfatidil-glicerol + 2 CMP + 2 PPi + Pi
(4)
8. A via metabólica de síntese dos plasmalógenos inicia-se com a transferência de acilo do acil-CoA
para a dihidroxiacetona-P formando-se o 1-acil-dihidroxiacetona-3-P. De seguida o resíduo
dihidroxiacetona-P do 1-acil-dihidroxiacetona-3-P é transferido para um álcool gordo saturado
formando-se 1-alquil-dihidroxiacetona-3-P. Só nesta fase é que o grupo cetónico do resíduo de
dihidroacetona é reduzido (pelo NADPH) para se formar o 1-alquil-glicerol-3-P. Este composto é
Página 2 de 4
Síntese de triacilgliceróis, fosfolipídeos e glicolipídeos; Rui Fontes
aceitador de acilo do acil-CoA para originar 1-alquil-2-acil-glicerol-3-P que é desfosforilado por
acção catalítica de uma fosfátase. A adição de grupo fosfato-base no carbono 3 do resíduo glicerol
implica a prévia formação de bases activadas: CDP-etanolamina ou CDP-colina. Num último passo
uma oxídase (semelhante ao descrito no caso da dessaturação dos acis-CoA; 1-alquil-2-acilglicerol3-fosfo-base + NADPH + O2 → plasmalógeno + 2 H2O + NADP+) introduz uma dupla ligação no
resíduo do álcool gordo ligado no carbono 1. A equação soma que descreve a síntese de um
plasmalogeno a partir de dihidroxiacetona-P, acil-CoA, álcool gordo e etanolamina activada é a
equação 5.
dihidroxiacetona-P + 2 acil-CoA + álcool gordo + CDP-etanolamina + 2 NADPH + O2 →
plasmalógeno + 2 CoA + ácido gordo + 2 NADP+ + CMP + Pi + H2O
(5)
9. Os glicerofosfolipídeos podem sofrer a acção de hidrólases denominadas fosfolípases; de acordo
com o local de actuação denominam-se A1, A2, C e D. As fosfolípases A1 e A2 actuam,
respectivamente, nas ligações éster dos carbonos 1 e 2 do glicerol dos glicerofosfolipídeos; o
glicerofosfolipídeo com menos um ácido gordo que resulta destes processos é denominado de
lisofosfolipídeo (fosfolípase A1 ou A2: fosfatidil-base + H2O → lisofosfolipídeo + ácido gordo).
Uma fosfolípase que actua sobre o lisofosfolipídeo catalisando a hidrólise do ácido gordo restante
designa-se de fosfolípase B. A fosfolípase C actua na ligação fosfoéster que liga o glicerol ao fosfato
(fosfatidil-base + H2O → diacilglicerol + fosfo-base) enquanto a fosfolípase D “separa” o
fosfatidato da base (fosfatidil-base + H2O → fosfatidato + base). Para além de poder resultar da
acção das fosfolípases A1 e A2, a formação de lisofosfolipídeos também pode ocorrer por
transferência do ácido gordo da posição 2 de um glicerofosfolipídeo para o colesterol (fosfatidilbase + colesterol ↔ lisofosfolipídeo + éster de colesterol).
10. Na síntese da esfingomielina e de outros esfingolipídeos forma-se primeiro a ceramida (o esfingol
ligado ao ácido gordo por uma ligação amida). Na origem do resíduo esfingosina estão o palmitilCoA e a serina e o processo de síntese envolve a transferência do resíduo palmitil para a serina com
descarboxilação concomitante, a redução de um grupo cetónico (dependente do NADPH) e uma
dessaturação em que ocorre a formação de uma dupla ligação entre os carbonos 4 e 5 do esfingol
[1]. A ligação do ácido gordo envolve, como sempre, uma transférase de acilo. A equação soma que
descreve a síntese da ceramida a partir de palmitil-CoA, um acil-CoA e serina é a equação 6.
Palmitil-CoA + serina + acil-CoA + 2 NADPH + O2 →
ceramida + CO2 + 2 CoA + 2 NADP+ + H2O
(6)
No caso da síntese da esfingomielina, a ceramida é aceitador do resíduo colina-fosfato sendo que o
substrato dador é a fosfatidil-colina (ceramida + fosfatidil-colina → 1,2-diacilglicerol +
esfingomielina).
11. Na síntese dos glicolipídeos o percursor é também a ceramida que funciona como aceitador de
resíduos glicídicos em reacções catalisadas por transférases; o substrato dador é, em geral, um UDPglicídeo. Quando a cadeia glicídica cresce ocorrem também reacções catalisadas por transférases em
que o substrato dador pode ser um UDP-glicídeo ou o derivado citidino-monofosfato (CMP) de um
ácido siálico (caso dos gangliosídeos). Na formação dos sulfolipídeos intervém sulfotransférases
em que o dador de sulfato é o PAPS (3’-fosfo-adenosil-5’-fosfosulfato).
1. Michel, C., van Echten-Deckert, G., Rother, J., Sandhoff, K., Wang, E. & Merrill, A. H., Jr. (1997) Characterization of ceramide
synthesis. A dihydroceramide desaturase introduces the 4,5-trans-double bond of sphingosine at the level of dihydroceramide, J Biol
Chem. 272, 22432-7.
Página 3 de 4
Síntese de triacilgliceróis, fosfolipídeos e glicolipídeos; Rui Fontes
1-acildihidroxiacetona-P
Dihidroxiacetona-P
1-alquil-2-acil-glicerol
1-alquildihidroxiacetona-P
1-alquil-2-acil-glicerol-P
1-alquil-glicerol-P
1-alquil-2-acil3-fosfoetanolamina
Plasmalógeno
glicerol-3-P
Etanolamina
1-acil-glicerol-3-P
Difosfatidil-glicerol
ou Cardiolipina
(colina)
Fosfo-etanolamina
diacil-glicerol-3-P
ou fosfatidato
(fosfo-colina)
CDP-etanolamina
Fosfatidil-inositol
Diacilglicerol
(CDP-colina)
Fostatidil-etanolamina
Triacilglicerol
(Lecitina)
Fostatidilserina
CDP-diacilglicerol
Lecitina
Palmitil-CoA
serina
acil-CoA
2 NADPH
O2
Ceramida
UDP-glicose
(UDP-galactose)
Esfingomielina
Cerebrosídeo
PAPS
Sulfolipídeo
Página 4 de 4
Download

ppi2 ppi2