A PUBLICIDADE E O DIREITO À INTIMIDADE NO PROCESSO ELETRÔNICO Plínio Lacerda Martins Doutorando em Direito pela UFF Mestre em Direito pela UGF Promotor de Justiça Felipe Lacerda Moura Martins Mestrando em Direito pela UFF Especialista em Direito pela UFF Advogado I. INTRODUÇÃO. II. BREVE HISTÓRICO DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL. III. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS QUE NORTEIAM O PROCESSO ELETRÔNICO. IV. O DIREITO À INTIMIDADE E O DIREITO DE ESTAR SÓ. V. O ACESSO À INFORMAÇÃO E A PRIVACIDADE DOS AUTOS ELETRÔNICOS. VI. CONCLUSÃO RESUMO O presente estudo tem como principal preocupação discutir as alterações no processo de conhecimento tendo em vista a possibilidade de realização de atos processuais por meios eletrônicos e como tal exposição dos documentos pessoais das partes na rede mundial de computadores afeta o direito à intimidade. O estudo traz a evolução das normas que originaram a implantação do sistema eletrônico no Brasil, tal qual os princípios jurídicos que regem a sua aplicação e as regras que foram inseridas no ordenamento com a edição da Lei de Informatização do Processo Judicial. Por fim, apresentam-se as indagações que permeiam o acesso aos autos no sistema virtual, levantando a questão da implantação deste meio em detrimento da segurança das partes quanto à inviolabilidade de seus dados. Palavras-chave: Processo eletrônico. Publicidade processual. Acesso aos autos eletrônicos. Direito à intimidade. I. INTRODUÇÃO Parafraseando a Min. Nancy Andrighi, a respeito das novas tecnologias de informação, "a comunicação digital transformou o mundo. Redimensionou o fenômeno da globalização, lançando nova dinâmica sobre as relações negociais, que passaram a ocorrer em volume, formato e tempo jamais imaginadas". Com essa frase entendemos que o processo judicial brasileiro está mudando, mas uma mudança necessária, advinda de novos tempos, de uma nova era na qual a informação é rápida e facilmente acessada. Contribui para a celeridade de implantação de novos métodos a incapacidade de manter em um espaço físico o armazenamento de todos os processos que são protocolados diariamente em todos os municípios da nação. Desta incapacidade, surgiu a idéia de se colocar todos os processos em um espaço digital, contidos em um local eletrônico para serem acessados pelas partes interessadas ou por terceiros que tiverem acesso aos autos. Esta idéia norteou a criação do processo eletrônico: um ambiente controlado e "imaterial" para se manter os processos judiciais em razão de estar se esgotando o espaço físico dos cartórios, e pela necessidade urgente de se possibilitar maior facilidade de acesso aos autos às partes. Entretanto, a transparência e o livre acesso à informação advindos dessa digitalização dos processos judiciais são aspectos a merecer reflexão. Nesse sentido, leciona Ricardo Perlingeiro que estes aspectos têm duas finalidades básicas, a saber: o controle democrático do Poder Público e a facilitação do exercício de direitos subjetivos. A Constituição Federal assegura ao cidadão o direito à obtenção de informações dos órgãos públicos ao mesmo tempo em que assegura o direito à privacidade dos dados coletados. Assim, a informação deve respeitar o direito à privacidade e à intimidade do indivíduo, sendo que tanto o direito de informação e o direito à intimidade são direitos constitucionais do cidadão, deixando transparecer contradição. No entanto, questiona-se a função do processo eletrônico como um facilitador ao acesso dos dados particulares das partes, visto que após seu surgimento, houve uma !3 ampliação da divulgação das informações contidas nos autos após sua digitalização e inserção na web, onde podem ser consultados. Será abordado em um primeiro momento, as normas que possibilitaram a utilização de novas tecnologias nos procedimentos judiciais. Em seguida, os princípios processuais que se aplicam aos processos eletrônicos. Após, um estudo sobre o direito à intimidade e o direito de estar só, em contradição à exposição dos dados particulares no processo eletrônico. Por último, será abordado o acesso aos autos digitais, a publicidade dos atos judiciais e dos documentos eletrônicos, e sua divulgação na internet. O objetivo do presente trabalho, sem a pretensão de esgotá-lo, busca analisar a questão do direito à informação em contraponto ao direito à intimidade. II. BREVE HISTÓRICO DA INFORMATIZAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL A modernização destacada por Ulrich Beck é uma realidade atual que faz parte do contexto social.1 Em que pese a diversidade de previsões e inovações normativas sobre o dever de celeridade na tramitação dos processos, o processo judicial brasileiro sempre foi marcado por excessiva morosidade que, muitas vezes, acabava por inviabilizar a efetivação da decisão judicial. Cabe em primeira análise esclarecer que o processo eletrônico não vêm para substituir os ramos de processo já existentes. Trata-se apenas de uma nova roupagem dos procedimentos judiciais já existentes, podendo ser aplicados novos métodos ao processo civil, criminal, trabalhista e constitucional, com algumas pequenas mudanças. Em verdade, a informatização do processo judicial decorre de uma nova onda de reformas do Poder Judiciário brasileiro para facilitar o acesso à jurisdição. Estaria portanto incluído no que é chamada de terceira "onda renovatória", tendo a primeira decorrido das mudanças para garantir a assistência judiciária e a segunda à proteção dos direitos metaindividuais, se preocupando esta nova série de reformas com a ampliação e facilitação do "acesso à justiça", a qual se dá pela alteração dos procedimentos processuais e da estrutura dos órgãos judicantes. 1 BECK, Ulrich. O que é Globalização?; Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. !4 A possibilidade de tramitação dos processos judiciais pelo meio eletrônico veio somente com a lei 11.419/2006 (Lei de Informatização do Processo Judicial - LIPJ), a qual permitiu a comunicação dos atos processuais, a apresentação de peças e a transmissão do processo em um ambiente virtual, podendo ser utilizadas essas medidas indiscriminadamente aos processos civis, penais e trabalhistas, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição, segundo art. 1º, §1º da aludida norma. Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro já existiam tentativas de se atualizar os procedimentos processuais, sendo várias as iniciativas legais de incorporação gradativa de novas tecnologias para a prática dos atos processuais, que se tornaram marcos no processo de informatização dos serviços judiciários. De início, pode se destacar que, com a Lei do Inquilinato, Lei nº. 8.245, de 1991, surge a previsão de utilização de um meio eletrônico para a prática do ato processual, que é a citação por fac-símile. Contudo, a citação somente será possível desde que prevista contratualmente.2 Cabe também reportar-se à Lei nº. 9.492, de 10 de setembro de 1997, que regulamenta o protesto de títulos e outros documentos de dívida e que, no parágrafo único de seu artigo 8º, permitiu o apontamento de protesto de duplicatas mercantis por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados. Este teria sido o primeiro passo para a normatização de novas tecnologias para uso do operador do direito. A Lei nº. 9.800, de 26 de maio de 1999, denominada Lei do Fax, por sua vez, permitiu às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens do tipo fac-símile ou outro similar para o encaminhamento de petições escritas, sem, contudo, afastar a necessidade de apresentação dos originais em juízo e sua autuação no processo físico, a fim de comprovar a sua autenticidade. A doutrina encara esta lei como o primeiro marco definitivo para o início da modernização do processo judicial, eis que introduziu uma nova forma de se interagir no processo, ainda que necessária a cópia original. 2 Art. 58 da Lei 8.245/91: Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do artigo 1º, nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessórios da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, observar-se-á o seguinte: IV - Desde que autorizado no contrato, a citação, intimação ou notificação far-se-á mediante correspondencia com aviso de recebimento, ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, também mediante telex ou fac-símile, ou, ainda, se necessário, pelas demais formas previstas no Código de Processo Civil. !5 Já a Lei nº. 10.259, de 12 de julho de 2001, que tratou da instituição dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, permitiu o uso do meio eletrônico no recebimento de petições. Outro importante avanço foi o trazido pelo Decreto nº. 5.450, de 31 de maio de 2005, que, regulamentando a Lei nº. 10.520, de 17 de julho de 2002, - que instituiu o pregão no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios permitiu essa modalidade de licitação na forma eletrônica, mediante lances realizados na rede mundial de comunicação, para aquisição de bens e serviços comuns. De forma mais ampla e abrangente, a EC nº. 45/2004 introduziu, no título “Dos Direitos Fundamentais”, a garantia à razoável duração do processo e aos meios que garantem a celeridade de sua tramitação. Esse acréscimo trazido pela Emenda significou a consagração constitucional do princípio da celeridade processual e a sua elevação a direito e garantia fundamental, fundamentos de várias legislações posteriores. Nesse sentido, as Leis nº. 11.280, de 16 de fevereiro de 2006, nº. 11.341, de agosto de 2006, e nº. 11.382, trouxeram modificações a artigos do Código de Processo Civil, modificando o disposto nos art. 154, parágrafo único do CPC, permitindo aos tribunais a comunicação dos atos judiciais mediante certificação digital, acresceu a possibilidade de se utilizar de decisões publicadas em "mídia eletrônica" como prova de divergência jurisprudencial no parágrafo único do art. 541, e, por fim, criando os artigos 655-A, 685-C, §3º e 689-A, os quais, respectivamente, tratam de novas formas para obtenção de informações para proceder à penhora por meio eletrônico no processo de execução, a possibilidade dos Tribunais de expedir provimentos detalhando o procedimento de alienação por iniciativa particular em concurso de meios eletrônicos e ainda de efetuarem a alienação por meio da rede mundial de computadores via páginas virtuais criadas pelos próprios Tribunais. Vê-se que se tratava de legislações esparsas, que permitiam o uso de recursos tecnológicos e de informática nos tribunais; todavia, como bem ressalta Leonardo Greco, até então não havia ocorrido uma “mudança radical do modus operandi do processo ou do sistema normativo processual” 3. 3 GRECO, Leonardo. O processo eletrônico. In: SILVA JÚNIOR, Roberto Roland Rodrigues da (Org.). Internet e Direito - reflexões doutrinárias. Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2001, p. 12. !6 Foi com a Lei nº. 11.419/06, originária do Projeto de Lei nº. 5.828/01, apresentado como anteprojeto pela Associação dos Juízes Federais do Brasil - Ajufe -, que se pretendeu dar um grande passo na informatização do processo e na positivação do direito constitucional a um processo célere, introduzido pela EC nº. 45/2004. A referida lei previu a implantação de um processo judicial totalmente virtual, desde a petição inicial até o provimento jurisdicional, inclusive com a comunicação eletrônica dos atos processuais. Assim, com a recente implementação desta norma, os Tribunais vêm se adequando ao novo sistema de informatização, ainda que não no mesmo ritmo da protocolização de novas petições iniciais, mas focados no objetivo de extinguir o espaço físico ocupado pelos processos em papel, o que estima-se levar muitos anos devido ao tempo em que o processo judicial permaneceu "no papel". Uma das normas foi a Resolução nº. 14, de 28 de junho de 2013, do STJ, que regulamenta o processo judicial eletrônico no Superior Tribunal de Justiça, sendo que em 2011 já existia a Resolução nº. 10/2011 que determinou o peticionamento eletrônico, substituído pela atual Resolução 14. Por fim, cabe citar a promulgação do novo Código de Processo Civil, em 16 de março de 2015, que deu ao Processo Eletrônico uma efetividade para realização dos atos por meio eletrônico, consolidando o descrito na legislação anteriormente citada. É natural, a priori, a rejeição pela adoção de mecanismos eletrônicos, ao argumento de ferir alguns princípios clássicos que contrapõem o direito contemporâneo. Vale o registro, por exemplo, do doutrinador Wille Duarte Costa retratando a resistência dos títulos de credito eletrônicos, como a duplicata eletrônica, alegando a violação dos princípios básicos do direito cartular. Wille afirma que: Os títulos de crédito eletrônicos correspondem à grande novidade nos tempos atuais, principalmente pela preocupação daqueles que buscam as novidades decorrentes da tecnologia. É fascinante a questão, mas não podemos deixar de ter cuidados na análise dessas inovações. Em verdade, muita bobagem tem surgido confundindo o leitor iniciante em títulos de crédito e provocando uma balbúrdia sem tamanho na doutrina específica.4 4 COSTA, Wille Duarte. Títulos de Créditos Eletrônicos. (...) !7 Tal posicionamento, muito presente no meio jurídico, é observado pela resistência ao uso dos meios eletrônicos, e do reconhecimento da importância da Informática no mundo atual. Todavia, não pode-se negar que o processo eletrônico é uma grande ferramenta para o Poder Judiciário, considerando que as sentenças passam a ser arquivadas em meios magnéticos e disponibilizadas na internet através dos sites dos Tribunais. Neste diapasão, os Tribunais estão implantando, em prol da segurança do site as denominadas chaves públicas introduzidas pela MP 2200-2 de 2011, que será mais abordada em momento posterior. Vale a pena registrar que a introdução das chaves eletrônicas através das Medidas Provisórias 2200 e 2200-2, tais como explicitadas acima, não tiveram sua conversão em lei. Contudo, informatizar, em dimensão máxima, o nosso sistema de prestação jurisdicional passa a ser um imperativo inadiável, e indispensável para a solução dos problemas vivenciados na aplicação do Direito, nas palavras de José Eduardo Cardoso, consolidando assim a celeridade na prestação jurisdicional.5 O processo eletrônico traz um significativo avanço para o direito processual, inclusive para os Juizados Especiais Cíveis, estaduais e federais, considerando que os princípios da imediatidade, celeridade e informalidade, são básicos para os respectivos juizados. O TRF da 2ª Região dispõe de serviço de acompanhamento processual, encaminhando para os escritórios dos advogados e, mesmo para as partes que se cadastrarem, os andamentos processuais antes de serem publicados, aliado ao serviço de petição por meio eletrônico. O correio eletrônico encontra grande resistência por parte da maioria dos operadores do direito, contudo, o fax não sofreu tanta resistência assim, embora o papel pereça com o tempo. 5 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. apud. José Eduardo Cardoso. !8 III. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS QUE NORTEIAM O PROCESSO ELETRÔNICO Há na esfera do direito processual, alguns princípios que norteiam sua atividade e impõem condições essenciais para o bom funcionamento de exercício jurisdicional, visando a composição dos conflitos de interesses. Tais princípios constituem verdadeiros requisitos de validade de aprimoramento da atividade processual, podendo ser estendidos ao processo eletrônico. Diversas são as classificações doutrinárias dos princípios como na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, que preferem a classificação doutrinária entre princípios informativos e princípios gerais, sendo que ambos são indispensáveis ao aperfeiçoamento do processo. Outros preferem a classificação entre princípios constitucionais e infraconstitucionais, sendo que estes derivam da própria norma instrumental. Entre os princípios constitucionais aplicáveis ao processo eletrônico destacamse o princípio da Igualdade, do Contraditório e da Ampla Defesa, do Devido Processo Legal, da Publicidade, da Duração Razoável do Processo e do Acesso à justiça. Dentre os princípios processuais infraconstitucionais destacam-se: principio da Oralidade, da Imediação, da Instrumentalidade das formas, da Economia Processual, e da Lealdade Processual e Boa-fé. Para fins de uma análise mais resumida, optou-se por discorrer tão somente dos princípios constitucionais no âmbito do processo eletrônico, os quais seguem discriminados abaixo. O princípio da Igualdade, também denominado o princípio da isonomia processual, emana do preceito constitucional da igualdade de todos perante a lei (art. 5º caput da Constituição Federal). Nesse sentido, a carta magna ao enunciar "que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza..." proporciona às partes da relação processual igualdade de oportunidade e de tratamento. Com o mesmo intento, o código de processo civil, no art. 125, inciso I dispõe que o juiz dirigirá o processo, competindo-lhe "assegurar às partes igualdade de tratamento". É relevante destacar que a igualdade de tratamento corresponde à !9 igualdade nas oportunidades que serão oferecidas às partes, ou seja, que nenhum ato processual poderá ser praticado por qualquer das partes, sem que a outra possa também ter este mesmo direito. Assim, ao se falar em expansão do processo para o meio eletrônico, deve ser considerada a diversidade da sociedade brasileira, eis que no país grande parte da população não tem acesso a um computador e menor ainda é o número dos que podem entrar na internet. Desta forma, a utilização de meios exclusivamente eletrônicos para a tramitação dos processos poderá ser um empecilho para o acesso à justiça das pessoas chamadas de "excluídas digitais". Por conta disso, o legislador deve levar a efeito o princípio da igualdade no que diz respeito ao processo digital, apresentando alternativas para os indivíduos que não têm acesso às novas tecnologias. Porém, ainda que devam ser tomados os devidos cuidados citados, a informatização do judiciário não pode ficar paralisada até que toda a população possua um computador e acesso à internet. Normas que obrigam a tramitação de processos exclusivamente pela via eletrônica, entretanto, são exemplos de diretrizes que devem estar atreladas a uma política de inclusão digital, tal qual a formas alternativas de tutela dos indivíduos que ficaram legalmente obrigados a utilizar do meio eletrônico para promover o andamento da ação. Os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa, ambos derivados do princípio do devido processo legal, são reflexo do princípio democrático da estruturação do processo e correspondem à possibilidade de se defender das acusações apresentadas pela parte contrária (contraditório), utilizando-se de todos os instrumentos possíveis para a concretização desta defesa (ampla defesa), sendo estritamente relacionado ao princípio da igualdade. O art. 5º, LV dispõe "que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Observando os dispositivos legais do procedimento eletrônico de tramitação, percebe-se que os princípios foram rigorosamente respeitados, visto que a disponibilidade permanente dos autos processuais na rede mundial de computadores até mesmo valoriza tais institutos. !10 Tal valorização ocorre por todos os documentos e provas estarem sempre à disposição dos litigantes, podendo avaliá-los de forma mais adequada para elaboração de suas defesas. Além disso, os atos de comunicação processual tornaram-se mais céleres por não depender de órgãos intermediários como correios para notificar as partes via postal. A notificação ocorre também pelo meio eletrônico, facilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa. Outro princípio constitucional é o do Devido processo legal, previsto no art. 5º, inciso LIV da CRFB que prevê que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". A locução "devido processo legal" corresponde à tradução para o português da expressão inglesa "due process of law" sendo que law não significa direito e sim lei (statute law). Alexandre Freitas Câmara, lecionando sobre o princípio do devido processo legal, afirma que A garantia de acesso à ordem jurídica justa, assim, deve ser entendida como a garantia de que todos os titulares de posições jurídicas de vantagem possam ver prestada a tutela jurisdicional, devendo esta ser prestada de modo eficaz, a fim de se garantir que a já referida tutela seja capaz de efetivamente proteger as posições de vantagem mencionadas 6 Para a garantia do devido processo legal pela via eletrônica torna-se necessária a adoção de diversas novas diretrizes tais quais, na proteção das informações do processo virtual devem ser observados o uso da criptografia7 e o investimento em segurança virtual8 para evitar ataques e modificações do conteúdo dos autos eletrônicos. Em outro olhar, certos atos processuais passam a ser mais simples, como as intimações, notificações e citações que passam a ser realizadas via eletrônica, dispensando o custoso serviço postal sem, no entanto, perder a legalidade e adequação dos atos. 6 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. 1. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p.36. 7 Conjunto de técnicas que possibilitam a transcrição de uma mensagem através de cifras e códigos de forma a torná-la incompreensível para pessoas não autorizadas. 8 O uso de softwares e hardwares para bloqueio de ataques de crackers - especialistas em computação que utilizam seus conhecimentos em atividades ilícitas – que podem prejudicar a segurança de um banco de dados. !11 Além disso, dispensam-se certos procedimentos outrora dispendiosos como autuação de processos em pastas, numeração de páginas, costurar os anexos, juntada de petições e certidões, dentre outros, o que é feito automaticamente pelo sistema virtual, tornando tais procedimentos obsoletos mas respeitando o princípio processual do devido processo legal. O princípio da Duração Razoável do Processo, com previsão na convenção americana de direitos humanos, pacto de Sao José da Costa Rica, que consigna no art 8º, I, que "toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz no tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer apuração penal formulada contra ela ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza". Tal princípio foi internalizado na Constituição Federal por meio da EC 45/2004, que criou o inciso LXXVIII no art. 5º, que assim diz: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação." Em síntese, significa que o processo precisa ser concluído em prazo razoável sem dilações desnecessárias para alcançar o seu resultado útil e produzir justiça. Segundo doutrinador Edilberto Barbosa Clementino, "sem dúvida um dos principais objetivos do judiciário com a implantação de sistemas de processamento virtual é a promoção da celeridade processual. Esta medida contribui com a comunicação dos atos processuais, a tramitação das petições e recursos e a análise de documentos dos autos. Desta forma, o processo judicial virtual reduz o tempo de tramitação, abrevia a concretização do comando das decisões judiciais restituindo mais rápido a paz social e a justiça"9 Após a implantação do sistema de tramitação de processos por meio eletrônico, o número de processos julgados aumentou, mas tal fato não induz, por si só, que os litígios foram solucionados, visto que muitos processos podem ter sido extintos sem o julgamento do mérito, por exemplo. Tal prática deve ser evitada, de modo que a extinção sem o mérito não colabora com a celeridade processual já que a parte autora 9 CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. Processo Judicial Eletrônico. Curitiba: Juruá, 2009. p. 158. !12 terá que ingressar com nova ação para ver seu interesse satisfeito, trazendo novos custos ao Poder Judiciário. O princípio do Acesso à Justiça, também denominado princípio da inafastabilidade da jurisdição, tem previsão no art. 5º, inciso XXXV, " a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". É um dos pilares basilares da nova onda de reformas processuais, buscando que a sociedade tenha acesso a uma ordem jurídica justa, através da apresentação de novas alternativas que possibilitem aos cidadãos ingressar com demandas no judiciário. Posteriormente à introdução do processo eletrônico, os números de ações distribuídas aumentaram, tendo cumprido sua função de dar maior acesso ao poder judiciário. Com isso, infere-se que a informatização dos processos judiciais "diminui o tempo para a concretização da pretensão no judiciário, bem como contribui para que a população, principalmente a mais carente, litigue no judiciário uma vez que barateia as custas processuais e simplifica a prestação jurisdicional."10 Por fim, a Publicidade dos atos processuais é consagrada pelo art. 5º, inciso LX, que diz: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". Tal princípio é considerado como uma garantia fundamental de justiça, pois ele permite as partes o conhecimento de todos os atos do processo. O Código de Processo Civil consigna o princípio da publicidade dos atos processuais, afirmando no art. 155: Os atos processuais são públicos.11 Ada Pellegrini Grinover leciona que “o princípio da publicidade do processo constitui uma preciosa garantia do indivíduo no tocante ao exercício da jurisdição”.12 Todavia, é preciso comungarmos o princípio da publicidade com outro princípio também de natureza constitucional, que envolve a intimidade, ligado ao 10 CLEMENTINO, 2009, p. 153. 11 Novo CPC Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos..... 12 GRINOVER, Ada Pelegrini; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo: 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 72. !13 princípio da dignidade da pessoa humana. Ricardo Perlingeiro traz a seguinte preocupação em relação a publicidade dos atos processuais: (...) qual o real papel do princípio da publicidade processual e quais suas implicações em um sistema judiciário digital e inserido na Internet? Quais são as exceções ao livre acesso à informação e à informação judiciária? É razoável que um documento pessoal, uma vez judicializado, se torne público?13 O art. 5, LX, dispõe em relação a restrição a publicidade dos atos processuais, que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. O art. 92, inciso IX da Constituição Federal, sobre a publicidade dos Julgamentos, assim estabelece: todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. A lei 11.419/2006 permitiu a criação de diários oficiais eletrônicos na rede mundial de computadores para publicação de atos judiciais e administrativos, os quais eram tradicionalmente publicados em jornais oficiais. Com a disponibilização dos diários através dos sítios eletrônicos, o custo do processo foi reduzido e tornou mais fácil o acesso dos operadores do direito. Inicialmente, porém, havia o problema de existirem diversos sítios publicando os atos nos sistemas de cada Tribunal, o que foi solucionado com a criação do sistema Push14, pelo qual o causídico após o cadastramento é informado por e-mail de todas as publicações que ocorreram em seu nome nos diversos Tribunais Nacionais. Logo, a possibilidade de a qualquer momento os interessados na lide entrarem no sistema e verem a tramitação do processo garante o direito constitucional a publicidade dos atos. 13 PERLINGEIRO, Ricardo . O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade processual. Revista de Processo, v. 203, p. 149-180, 2012. p.150. 14 No direito brasileiro "consiste no cadastramento do advogado, ou de qualquer do povo, em sistema eletrônico do tribunal (página na Internet) para o fim de receber e-mails informativos do andamento de processos. O acompanhamento processual pelo sistema PUSH não implica em intimação relativa aos atos processuais, e, portanto, não gera prazo a ser cumprido pelos advogados". Está relacionado ao serviço chamado Push media pelo qual o cliente recebe informações da internet sem a necessidade de permanecer navegando todo o tempo. !14 Observa-se que o princípio da publicidade foi um dos princípios mais beneficiados com o advindo da informatização dos processos, eis que não somente as partes tem um melhor acesso aos processos como a população em geral, que utiliza deste princípio como fiscalizador da jurisdição. Além disso, em razão da promulgação do novo CPC, em março de 2015, deve ser avaliada a manutenção desse princípio, dada a sua importância para o tema aqui estudado. Assim, vemos que o princípio da publicidade previsto no art. 155 do CPC agora vem no novo CPC previsto no art. 189, que traduz: Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. § 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação. Ainda sobre o novo CPC, também cabe citar sobre o Princípio da Instrumentalidade das Formas, previsto no art. 154 do CPC, e mantido no art.188 do novo CPC, também importante, estabelecendo: Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Relevante destacar que o parágrafo único do artigo 154 convalida os atos processuais por meios eletrônicos em atenção ao aludido princípio, assim dispondo: Art. 154 - omissis Parágrafo único - os Tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil.15 15 Verificamos a presença de dispositivo semelhante no novo CPC nos artigos 193 e seguintes, que regulam a prática de atos processuais pelo meio eletrônico. !15 Todavia, o princípio da instrumentalidade das formas vem sendo aplicado de forma mitigada, obedecendo mais ao rigor do formalismo do que à própria intenção do ato processual. Nesse sentido, traz-se à colação o aresto do STJ cuja relatora foi a Ministra Nancy Andrighi que censurou a reprodução de uma assinatura, por meio do escanemanento, assim afirmando: A reprodução de uma assinatura, por meio do escaneamento, sem qualquer regulamentação, é arriscada na medida em que pode ser feita por qualquer pessoa que tenha acesso ao documento original e inserida em outros documentos. Não há garantia alguma de autenticidade, portanto. A aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, invocado pelas recorrentes, deve encontrar limites exatamente no princípio da segurança jurídica. Não se trata de privilegiar a forma pela forma, mas de conferir ao jurisdicionados, usuários das modernas ferramentas eletrônicas, o mínimo de critérios para garantir a autenticidade e integridade de sua identifcação no momento da interposição de um recurso ou de apresentação de outra peça processual. O disposto no artigo 365 do CPC não legitima a utilização da assinatura digitalizada para interposição de recursos no âmbito desta corte. Recurso Especial Não conhecido.16 Por fim, o novo Código de Processo também traz em seu artigo 11 que "Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos", mantendo o princípio para os processos futuros, dada a importância da transparência dos atos processuais. Entendidos os diversos princípios que atuam no processo eletrônico, e sua aplicação, cabe o enfoque quanto à publicidade dos atos processuais e sua importância quanto à divulgação das informações contidas no processo, cujo tema será abordado no próximo capítulo. IV. O DIREITO À INTIMIDADE E O DIREITO DE ESTAR SÓ Todo brasileiro tem direito ao respeito de sua intimidade. É o que determina o inciso X do art. 5º da Constituição Federal, e complementa: não só o cidadão brasileiro 16 STJ. REsp nº. 1.442.887-BA (2013/0080078-8). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado 06 de maio de 2014. !16 tem o direito à sua privacidade, como tal direito é inviolável, assim como a sua intimidade, sua honra, e sua imagem17. Há também dispositivo no atual Código Civil sobre o direito à privacidade, o qual em seu artigo 21 não só reitera a inviolabilidade da vida privada como também menciona que o juiz deve adotar as medidas cabíveis para impedir ou cessar ato contrário à privacidade, mediante requerimento de interessado que teve seu direito invadido.18 Pois bem, com base nessa proteção, deve ser avaliado o conceito de privacidade, tal qual o de intimidade, perante os diversos entendimentos doutrinários e adequá-los ao propósito do presente estudo. Segundo depreende-se da obra de Alexandre de Moraes, o direito à intimidade é espécie do gênero "vida privada", visto que este engloba todos os outros por possuir uma definição mais abrangente. Assim conceitua: Os direitos à intimidade e à própria imagem formam a proteção constitucional à vida privada, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. A proteção constitucional consagrada no inciso X do art. 5º refere-se tanto à pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à necessária proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa (televisão, rádio, jornais, revistas etc.). Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa , suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.19 O autor faz referência em mesma obra sobre decisão do STF sobre a utilização da imagem da pessoa sem autorização: Direito à proteção da própria imagem, diante da utilização de fotografia em anúncio com fim lucrativo, sem a devida autorização da pessoa correspondente. Indenização pelo uso 17 Artigo 5º, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. 18 Art. 21, CC - A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. 19 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 54. !17 indevido da imagem. Tutela jurídica resultante do alcance do direito positivo.20 Já Guilherme Peña de Moraes21, em seu livro, classifica os direitos contidos no inciso X (intimidade, privacidade, honra e imagem) como direitos à integridade moral, a qual se caracteriza como um valor social e moral da pessoa humana. Esta categorização, entretanto, se enquadraria apenas no que se refere à pessoa física, e não jurídica, a qual não seria passível de sentir uma lesão moral em seu âmago, visto que inumana e inanimada. Esse entendimento se depreende da expressão "humana" dada pelo autor, e que irá ser abordada separadamente pelo mesmo ao diferenciar a intimidade da privacidade. O direito à intimidade refere-se à exclusão do conhecimento de outros tudo que se refira ao comportamento do indivíduo, ao seu modo de ser, seus traços de personalidade, enquanto o direito à privacidade refere-se à guarida da convivência do indivíduo na sociedade que integra, sua relação com outras pessoas. Especifica, ainda mais, a intimidade em interior e exterior, sendo a primeira envolta em uma natureza física e mental, inerente ao homem fora da coletividade, visto que o "indivíduo afasta-se da multidão, recolhendo-se ao seu refúgio" enquanto a segunda trata da natureza psicológica, sendo inerente ao homem dentro da coletividade, posto que "mesmo imerso no tumulto coletivo, o indivíduo se isola, decretando-se alheio e impenetrável às solicitações dos que o rodeiam"22. Guilherme Peña leciona ainda que o direito à privacidade é relativo à convivência entre as pessoas delimitada por três esferas concêntricas e sobrepostas, a saber: a esfera social, a esfera privada, e a esfera individual ou íntima.23 Na esfera social, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros da sociedade, cujos fatos são suscetíveis de conhecimentos por 20 2ªT. - Rext. nº 91328/SP - v.u. - Rel. Min. Djaci Falcão, Diário da Justiça, Seção I, 11 dez.1981, p. 12.605. 21 MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 22 COSTA JUNIOR, Paulo José da. O Direito de Estar Só: Tutela da Intimidade in Revista dos Tribunais, n. 713. São Paulo: RT, 1995, p. 87. Apud. MORAES, Guilherme Peña de. 2014. p.566. 23 MORAES, Guilherme Peña. op. cit. p. 567. !18 todos. Já na esfera privada, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros de uma comunidade, compreendendo fatos que podem ser compartilhados com um número restrito de pessoas. Na esfera individual ou íntima, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses isoladas do grupo social, resguardadas as suas particularidades, contemplando fatos que estão subtraídos do conhecimento de todas as outras.24 Tércio Sampaio ratifica o entendimento acima exposto ilustrando: No que diz respeito à vida privada, é a informação de dados referentes às opções da convivência, como a escolha de amigos, a freqüência de lugares, os relacionamentos civis e comerciais, ou seja, de dados que, embora digam respeito aos outros, não afetam, em princípio, direitos de terceiros (exclusividade da convivência). Pelo sentido inexoravelmente comunicacional da convivência, a vida privada compõe, porém, um conjunto de situações que, usualmente, são informadas sem constrangimento. São dados que, embora privativos - como o nome, endereço, profissão, idade, estado civil, filiação, número de registro público oficial, etc.-, condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura.25 Ricardo Perlingeiro leciona que o acesso à informação não se limita ao Poder Legislativo nem ao Executivo, mas também se estende ao Poder Judiciário, não apenas quanto às suas funções administrativa atípicas, mas, especialmente, quanto à prestação jurisdicional.26 Contudo, uma questão ponderada por Perlingeiro merece reflexão, ou seja, um documento particular submetido ao Tribunal deve ser divulgado como público? Nesse sentido, vale trazer as lições de Stefano Rodotá, doutrinador italiano que ressalta: (...) parece cada vez mais frágil a definição de 'privacidade", demonstrando assim que indivíduos e grupos controlam o 24 JENNINGS, Charles. Direito à Privacidade São Paulo: Futura, 2000, p. 51. 25 SAMPAIO, Tércio. Sigilio de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do Estado. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/viewFile/67231/69841> Acesso em 12/04/2015. 26 PERLINGEIRO, Ricardo. O livre acesso à informação, as inovações tecnológicas e a publicidade processual. Revista de Processo, 2012. p. 156 !19 exercício de poderes baseados na disponibilização de informações.27 Destaca Rodotá que as novas formas de coleta e tratamento de informações possibilitadas sobretudo pelos recursos a computadores, no qual adiciona-se dados a instituições públicas e privadas é uma realidade comum a todas as organizações sociais modernas.28 Faz-se necessário delinear uma fronteira de proteção de dados frente às inovações tecnológicas para a tutela das liberdades individuais e também ao direito à informação. Ulrich Beck afirma que um dos pontos mais essenciais que distinguem a primeira modernidade da segunda é a "irreversibilidade do sucesso da globalidade".29 Anthony Giddens disserta que com o advento da modernidade, a reflexibilidade assume um caráter diferente, com a rotinização da vida cotidiana, não tendo nenhuma conexão intrínseca com o passado. A reflexivilidade da vida social moderna consiste assim no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, podendo ser alteradas a partir de descobertas sucessivas que passam a informá-las.30 Com o advento da sociedade de tecnologia de informação, vinculada à modernidade, os conflitos envolvendo o direito à informação e o direito à privacidade são cada vez mais constantes no nosso dia a dia. A crítica feita pelos doutrinadores envolvendo "a modernidade reflexiva" envolve o dinamismo da sociedade moderna que está acabando com os conceitos tradicionais relacionando a família como célula nuclear, os papéis do sexo, e inclusive o direito à privacidade, afirmando que o progresso pode transformar em auto-destruição dos conceitos, direitos e interesses. 27 RODOTÁ, Stefano. A vida na Sociedade de Vigilância: A privacidade hoje/ Maria Celina Bodim de Moraes (Org)/ Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda (trad). Rio de Janeiro. São Paulo. Recife: Renovar, 2008. p. 24. 28 RODOTÁ, op. cit. p.24. 29 BECK, Ulrich. O que é Globalização?; Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 203. 30 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade; Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Editora UNESP, 1991, p. 45. !20 No Brasil, o direito de acesso à informação está previsto no art. 5, inciso XXXIII que estabelece: (...) todos tem direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;31 O artigo 37, §3º, inciso II, da Constituição Federal, estabelece que a lei disciplinará a forma de participação do usuário na administração pública direta e indireta regulando especialmente o acesso dos usuários a registros administrativos e as informações sobre atos de governo, sendo certo que o artigo 216, §2º, do texto constitucional assevera que cabem à Administração Pública, na forma da lei a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. A lei 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional de acesso às informações públicas, sendo que essa norma entrou em vigor em 16 de maio de 2012, criando mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa física ou jurídica, sem necessidade de apresentar motivo, o recebimento de informações públicas dos órgãos e entidades, valendo esta lei para os três poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Contudo, cumpre destacar que o "direito ao esquecimento" ou o "direito de estar só" é um direito que o cidadão possui que determinado fato seja exposto ao público, causando sofrimento ou transtornos em sua vida.32 E certo a frase que a internet não esquece. Este direito ao esquecimento vem sendo reconhecido pela Jurisprudência estrangeira, conforme decisão da Corte Européia de Justiça reconhecendo que os usuários tem o direito de pedir a exclusão de sites de busca que apresente informações pessoais desatualizadas ou imprecisas. Nesse caso específico, foi requerido ao Tribunal de Justiça da União Européia (TJUE) que os resultados de busca pelo nome de usuário, relacionados à venda de uma 31 32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. O direito ao esquecimento também é chamado de "direito de ser deixado em paz" ou "direito de estar só". Nos Estados Unidos, o direito ao esquecimento é conhecido como "the right to be left alone" e está relacionado intimamente ao direito à privacidade, "right to privacy". http://jus.com.br/artigos/28362theright-to-be-let-alone-consideracoes-sobre-o-direito-ao-esquecimento#ixzz3QfBT2mc !21 casa para pagar dívidas ocorrida há vários anos fossem apagados, denominando assim de direito de ser esquecido ou right to be forgotten.33 O STJ também vem proferindo decisões envolvendo o tema direito ao esquecimento, como por exemplo, reportagens veiculadas no programa Linha Direta, da TV Globo, como a Chacina da Candelária, no qual a pessoa obteve o direito à indenização por danos morais por ter seu nome veiculado no programa citado que tratava do episódio ocorrido em 1993, no Rio de Janeiro. Conforme a decisão, a menção ao nome do acusado, que acabou absolvido, causou danos à sua honra, já que ele teve o direito de ser esquecido reconhecido.34 Por outro lado, o próprio STJ reconheceu que não deve ser aplicado esse direito em detrimento do direito à divulgação, como no caso envolvendo o processo da Xuxa em face da Goggle. Na década de 1990 a apresentadora Xuxa conseguiu tirar das locadoras do país "Amor Estranho Amor" (1979), no qual ela protagoniza cenas eróticas com uma criança. Entretanto, as imagens foram parar na internet, e, em 2010, a apresentadora entrou com uma ação que buscava impedir o site de buscas de listar resultados referentes aos termos "Xuxa", "pedofilia" e semelhantes. Em 2012, o STJ considerou que a Goggle não deve fazer controle prévio dos conteúdos publicados na web por meio da eliminação de resultados de busca. Logo, prevalece o direito à livre divulgação sobre o direito ao esquecimento. Em artigo publicado em livro coordenado por Guilherme Magalhães Martins, a Profª. Thaita Campos Trevizan traz outra decisão do STJ na qual foi deferida a retirada de conteúdo ofensivo da rede mundial de computadores dentro do prazo de 24 horas pelo provedor, sob pena de responder solidariamente com o autor do dano por se tratar de omissão praticada.35Segue a ementa desta decisão: RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. REDES SOCIAIS. MENSAGEM OFENSIVA. CIÊNCIA PELO PROVEDOR. REMOÇÃO. PRAZO. 1. A velocidade com que as informações 33 GUTIERREZ, Felipe. Venci o Google. Publicado em 23 de maio de 2014. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/167235-venci-o-google.shtml.> 34 BARAN, Katna. Os limites do direito de ser esquecido. Publicado em 14 de junho de 2013. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/justica-direito/conteudo.phtml?id=1381368&tit=Oslimites-do-direito-de-ser-esquecido> 35 TREVIZAN, Thaita Campos. A tutela da imagem da pessoa humana na internet na experiência jurisprudencial brasileira. in MARTINS, Guilherme Magalhães (coord.). Direito Privado e Internet. São Paulo: Atlas, 2014, p. 190. !22 circulam no meio virtual torna indispensável que medidas tendentes a coibir a divulgação de conteúdos depreciativos e aviltantes sejam adotadas célere e enfaticamente, de sorte a potencialmente reduzir a disseminação do insulto, minimizando os nefastos efeitos inerentes a dados dessa natureza. 2. Uma vez notificado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do ar no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 3. Nesse prazo de 24 horas, não está o provedor obrigado a analisar o teor da denúncia recebida, devendo apenas promover a suspensão preventiva das respectivas páginas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o perfil ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso. 4. O diferimento da análise do teor das denúncias não significa que o provedor poderá postergá-la por tempo indeterminado, deixando sem satisfação o usuário cujo perfil venha a ser provisoriamente suspenso. Cabe ao provedor, o mais breve possível, dar uma solução final para o conflito, confirmando a remoção definitiva da página de conteúdo ofensivo ou, ausente indício de ilegalidade, recolocando-a no ar, adotando, nessa última hipótese, as providências legais cabíveis contra os que abusarem da prerrogativa de denunciar. 5. Recurso especial a que se nega provimento.36 O assunto do direito ao esquecimento foi alvo de debate na 6ª Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no ano de 2013, criando o Enunciado 53137. Assim, o direito fundamenta à inviolabilidade da sua intimidade, vida privada, honra, e imagem, são direitos assegurados no inciso X do art. 5º da carta magna, conforme evidenciado anteriormente, sendo certo que essa proteção também é trazida no art. 21 do CC e na Lei 12.965/2014, também conhecida como Marco Civil, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no Brasil, destacando o art. 7º desta, que fala sobre a inviolabilidade da intimidade e da vida privada sob sua tutela, trazendo a possibilidade de indenização decorrente de sua violação. 36 STJ. REsp nº. 1.323.754/RJ (2013/0080078-8). Relator: Min. Nancy Andrighi. Julgado em 12 de junho de 2012. 37 Enunciado 531: a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Justificativa: os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vem-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de pagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado ao fatos pretéritos, mas especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados. !23 Tércio Sampaio entende que alguns dados do indivíduo, embora privativos,, condicionam o próprio intercâmbio humano em sociedade, pois constituem elementos de identificação que tornam a comunicação possível, corrente e segura. Contudo, deve haver segredo sobre outros, conforme leciona: Por isso, a proteção desses dados em si, pelo sigilo, não faz sentido. Assim, a inviolabilidade de dados referentes à vida privada só tem pertinência para aqueles associados aos elementos identificadores usados nas relações de convivência, as quais só dizem respeito aos que convivem. Dito de outro modo, os elementos de identificação só são protegidos quando compõem relações de convivência privativas: a proteção é para elas, não para eles. Em conseqüência, simples cadastros de elementos identificadores (nome, endereço, R.G., filiação, etc.) não são protegidos. Mas cadastros que envolvam relações de convivência privadas (por exemplo, nas relações de clientela, desde quando é cliente, se a relação foi interrompida, as razões pelas quais isto ocorreu, quais os interesses peculiares do cliente, sua capacidade de satisfazer aqueles interesses, etc.) estão sob proteção. Afinal, o risco à integridade moral do sujeito, objeto do direito à privacidade, não está no nome, mas na exploração do nome, não está nos elementos de identificação que condicionam as relações privadas, mas na apropriação dessas relações por terceiros a quem elas não dizem respeito. Pensar de outro m o d o seria tornar impossível, no limite, o acesso ao registro de comércio, ao registro de empregados, ao registro de navio, etc, em nome de uma absurda proteção da privacidade.38 Depreende-se da leitura de Tércio que o sigilo não deve recair sobre as informações privadas, como dados de registro da pessoa (identificação civil, matrícula em órgão público, etc.) mas sim sobre aquelas íntimas, as quais tratam de relações entre indivíduos que caso divulgadas, trariam constrangimento e causariam dano de natureza moral de difícil ou impossível reparação aos envolvidos. O referido sigilo, neste sentido, deve recair sobre quaisquer documentos tragam conteúdo de intimidade, ainda que possuam certo viés de publicidade, como por exemplo, declaração de imposto de renda, cujas informações devem ser cedidas tão somente ao órgão fiscalizador governamental e a ninguém mais. V. O ACESSO À INFORMAÇÃO E A PRIVACIDADE DOS AUTOS ELETRÔNICOS Conforme mencionado no capítulo anterior, os atos processuais são públicos, obedecendo assim o princípio da publicidade. 38 SAMPAIO, Tércio. op. cit. !24 O processo eletrônico não é exceção a tal princípio, devendo os registros consignados através de meios eletrônicos atingir ampla transparência. Contudo, o sigilo da documentação nos autos é possível no processo eletrônico? Cabe aqui trazer um acórdão em processo cujo relator foi o Min. Ricardo Lewandowski, no qual foi reconhecida a necessidade de restrição de acesso aos autos por terceiros, cabendo o acesso aos documentos instrutórios somente aos legitimados com base no art. 155, I do CPC, conforme segue: Aprecio, em primeiro lugar, o pedido da empresa requerente para que seja atribuído tratamento sigiloso aos documentos internos a estes autos de suspensão de tutela antecipada. A razão para a restrição de acesso consiste no fato de, nos documentos anexos, haver uma série de informações de parceiros comerciais cujos dados podem ser considerados sigilosos, circunstância indicativa de que não devem ser acessados publicamente. Entendo que essa razão é suficiente para justificar a restrição de acesso àqueles documentos, dada a necessidade de preservar a relação da requerente com seus parceiros comerciais. Aplica-se aqui o contido no inc. I do art. 155 do CPC. Nesse contexto, atento ao embasamento legal do pedido da requerente, decreto a restrição de acesso aos documentos instrutórios apenas às partes, aos advogados da ação e ao Procurador-Geral da República, mas permanece público o acesso às petições e decisões.39 Esta restrição, de dar tratamento sigiloso aos documentos internos, é necessária para manter a privacidade e impedir de ser acessados publicamente? Ate que ponto impedir o cidadão de ter acesso a estes documentos internos resguarda as particularidades de uma esfera privada, sendo que o interesse é público? Conforme citado por Guilherme Peña, na esfera social, as pessoas humanas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros da sociedade, cujos fatos são suscetíveis de conhecimentos por todos. Já na esfera privada, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses enquanto membros de uma comunidade, compreendendo fatos que podem ser compartilhados com um número restrito de pessoas. Na esfera individual ou íntima, as pessoas procuram satisfazer os seus interesses isoladas do grupo social, resguardadas as suas particularidades, contemplando fatos que estão subtraídos do conhecimento de todas as outras.40 39 Diário da Justiça Eletrônico. Processo 00355171020148080024. STF. Relator Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em: <https://www.stf.jus.br/arquivo/djEletronico/DJE_20141218_250.pdf> Acesso em 16/04/2015. 40 JENNINGS, Charles. Direito à Privacidade. São Paulo: Futura, 2000, p. 51. !25 O novo Código de Processo Civil conforme citado, ressalta a importância da publicidade dos atos processuais, in verbis: Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores. § 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou separação. O professor Ricardo Perlingeiro, conforme acima descrito, reflete qual o limite da divulgação dos atos processuais por meio eletrônico, considerando que a constituição federal assegura o direito do cidadão à informação, e o mesmo texto constitucional também tutela o direito à privacidade de dados pessoais. Contudo, para avaliar a publicidade dos autos eletrônicos, necessário se faz destacar o conceito do que seria um documento eletrônico. O processo eletrônico, como já dito, trata-se de uma inovação tecnológica para armazenamento dos documentos físicos no ambiente digital, de modo a ter um fácil acesso aos autos. Dessa forma, desde a digitalização dos documentos físicos até a sua inserção no sistema eletrônico do Tribunal Entretanto, não se limita à digitalização das provas obtidas no mundo físico, podendo se valer de conteúdo produzido em ambiente virtual. Humberto Dalla diz que a publicidade dos atos processuais, trazida pela Constituição em seus artigos 5º, LX e 93, IX, constitui uma projeção do direito constitucional à informação e suporte para a efetividade do contraditório, garantindo o controle da sociedade sobre a atividade jurisdicional desenvolvida. Todavia, o conceito de publicidade abordado aqui não engloba tão somente o contido na norma quanto aos atos processuais legítimos. Para uma análise mais aprofundada, e adequação ao tema aqui trazido, deve-se entender como público não somente os atos processuais proferidos pelo Juízo no decorrer do processo, mas também !26 tudo aquilo que pode ser acessado por terceiros não interessados no processo após o seu upload para o ambiente digital. Assim, entende-se que quaisquer documentos constantes dos autos eletrônicos, seja ele fornecido pelas partes ou digitado em cartório, faz parte de um ambiente virtual que pode ser facilmente acessado por terceiros que não possuem qualquer interesse nos autos. Para melhor compreensão, deve ser evidenciado como o Direito brasileiro trata o documento eletrônico, pois, trazendo entendimento das idéias de Leonardo Greco, na obra de Marco Aurélio Greco, Direito e Internet41, um dos caminhos a serem seguidos para a consecução do Processo Eletrônico seria a regulamentação do que seria o documento eletrônico. Em primeiro momento, podemos ver a definição de documento eletrônico trazida pelo PLS nº. 672/99, que em seu art. 2º o define como "a informação gerada, enviada, recebida, armazenada ou comunicada por meios eletrônicos, ópticos, optoeletrônicos ou similares", mas tal definição não torna o conceito de documento eletrônico rígido, eis que, advindo novas formas de tecnologia, a norma teria de sofrer alteração. A virtualização do documento ou a criação do mesmo no meio eletrônico não ilide sua força probante, conforme afirmam José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier: "Considera-se documento qualquer representação material de um fato. Assim, filmes, fotografias, documentos eletrônicos (considera-se ex vi legis, documentos), são cada um ao seu modo, documentos"42. Logo, não só a cópia digital de documentação física passa a ser considerada como documento para a constituição dos autos eletrônicos como também quaisquer documento produzido virtualmente, tais como telas "congeladas" de páginas de sites, arquivos de vídeos postados na web, ou mesmo um link que direciona para um local na web onde podem ser encontradas as provas informadas. 41 GRECO, Marco Aurélio; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Direito e Internet - Relações Jurídicas na Sociedade Informatizada. São Paulo: RT, 2001. 42 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno. São Paulo: RT, 2009, v. 1, p. 217. !27 Tal façanha pode ser feita inclusive pelo serviço de dropbox, onde os documentos ficam armazenados nas "nuvens" dos servidores e a pessoa que tiver acesso a esse link irá ser direcionada ao documento desejado. Nesse sentido, poderia uma parte apresentar como prova uma tela de uma página sua em uma rede social, a qual possui base para o fundamento de seu pedido, sem que esta prova fosse refutada pelo Juízo, desde que relevante para o processo. Entende-se, portanto, que ao se tratar de documento eletrônico, deve ser dada uma abrangência maior ao seu conceito, não podendo limitá-lo apenas àquele produzido a partir de processador de texto, visto que a fotografia digital ou o conteúdo de um site não são produzidos por tal programa e ainda assim devem ser considerados como documento eletrônico. Desse modo define João Batista Lopes: "uma representação de um ato ou um fato, por meio de suporte material eletrônico, ou seja, que tenha sido produzido eletronicamente"43. A lei 11.419/06 determina em seu artigo 11 que os documentos eletrônicos serão considerados originais para todos os efeitos legais, legitimando o pensamento aqui exposto.44 Tarcisio Teixeira informa que o regulamento jurídico para os documentos eletrônicos se deu pela Medida Provisória 2.200/01, que criou a infra-estrutura das chaves públicas brasileiras - ICP-Brasil, a fim de garantir autenticidade, integralidade e validade jurídica em documentos eletrônicos, composta de uma autoridade estatal, gestora, da política, e das normas técnicas de certificação.45 O art. 4º da Lei 12.527 de 2011, que regula o acesso à informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal define o documento eletrônico como uma unidade de registro de informações, qualquer que seja o suporte ou formato, dando uma abrangência maior à sua interpretação. 43 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 185/186. 44 Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais. 45 TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico: doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Saraiva, 2013, op. cit., p. 106. !28 Em adendo, o novo CPC, Lei 13.105 de 2015, também dispõe sobre os documentos eletrônicos, tanto sua utilização nos processos convencionais (físicos) quanto nos processo eletrônicos, tratando sobre aquele nos artigos 439 a 441, e sobre estes apenas quanto à sua força probante no artigo 422, §1º, e somente se tratando de fotografia extraída da rede mundial de computadores. O novo código traz também os procedimentos acerca da prática eletrônica de atos processuais, em sua Seção II do Capítulo I do Título I do Livro IV, que dita sobre os atos processuais, e sua forma. A referida seção apresenta no art. 193 a possibilidade dos atos processuais serem totalmente digitais, "de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei". O artigo 194 versa sobre a publicidade dos atos e o acesso das partes ao processo eletrônico, devendo o sistema de automação processual respeitar tais preceitos, inclusive observando as "garantias da disponibilidade, independência da plataforma computacional, acessibilidade e interoperabilidade dos sistemas, serviços, dados e informações que o Poder Judiciário administre no exercício de suas funções". Em seguida, devemos entender como pode ser acessado o documento eletrônico no servidor do tribunal, o que também é trazido pelo Código promulgado, no art. 195 e seguintes, cabendo aqui uma análise individual dos artigos 195 e 196, dada sua importância: Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei. Conforme trazido pelo artigo acima, os atos processuais eletrônicos devem ser perpetuados através da utilização das chaves públicas, inovação que foi implementada no sistema jurídico brasileiro pela MP 2.200 de 2001. Através da ICP-Brasil, é concedida autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos em forma eletrônica, tal qual às aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, e ainda à realização de transações eletrônicas seguras, que deve ser tratada de forma uniforme em prol da segurança jurídica. Tal posicionamento foi adaptado do veto presidencial com enfoque !29 na MP 2200-2/2001, ao impedir a inclusão do parágrafo único no art. 154 do CPC/73, que somente veio a ser inserido 5 anos após, em 2006, com o advento da Lei nº. 11.280, que trouxe a utilização da ICP-Brasil para o processo civil. Art. 196. Compete ao Conselho Nacional de Justiça e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos e editando, para esse fim, os atos que forem necessários, respeitadas as normas fundamentais deste Código. O art. 196 reitera a importância da uniformização do sistema de infraestrutura de chaves públicas brasileiras para todos os atos processuais eletrônicos, atribuindo ao CNJ, prioritariamente, a regulamentação da prática e comunicação dos atos processuais e a compatibilidade dos sistemas, tendo os tribunais um controle supletivo de tais sistemas. O CNJ de fato vem sendo o grande patrono das mudanças tecnológicas no processo brasileiro, editando atos que implementam os diversos sistemas eletrônicos utilizados pelos tribunais (ou SGBD), como o PROJUDI, eSAJ, PJe, EJUD, DPC, dentre outros. Em 18 de dezembro de 2013, o CNJ editou a Resolução nº 185, a qual oficializou o software PJe - Processo Judicial Eletrônico, já utilizado em 11 Estados brasileiros no ano de 2014, como o sistema eletrônico que deve ser utilizado para a prática dos atos judiciais, de modo a estabelecer a supracitada uniformidade dos sistemas processuais eletrônicos. No entanto, o PJe não exclui a utilização dos demais sistemas já em uso, de modo que ambos conviverão em harmonia, até um eventual momento em que terão de se fundir, que ainda resta indeterminado pela dificuldade de tal ato. Por fim, deve ser analisada a extensão dos conceitos trazidos pela Lei 12.527/2010 aos autos eletrônicos. Inicialmente, a norma institui em seu artigo 3º a finalidade de que "os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública", tal qual apresenta diretrizes para embasar tal objetivo, dentre as quais destacam-se a observância da publicidade como preceito geral e do !30 sigilo como exceção e a divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações. Outro aspecto relevante refere-se à necessidade do causídico possuir um certificado eletrônico para o exercício da advocacia. Nos Tribunais Superiores, como STJ e STF, que adotam o processo digital, o advogado sem esta ferramenta terá dificuldade de acesso à informação, muito embora os atos processuais sejam públicos, exige aquisição desta ferramenta que é indispensável à modernização da profissão. Verifica-se ainda que a promulgação dos atos processuais pela via eletrônica hoje é uma realidade, não só consolidada pelo novo Código de Processo Civil, mas pela prática forense. Da mesma forma, a validade da intimação eletrônica traduz um avanço, celeridade, e concretude, e não estabelece uma violação ao direito processual da parte. Não verifica-se ilegalidade na comunicação dos atos processuais pelo meio eletrônico, não só pelo princípio da instrumentalidade das formas previsto no art. 154 do CPC/73, ratificado no art. 188 do novo CPC, não se cogitando de nenhuma nulidade processual, conforme já explicitado anteriormente. Logo, trata-se de um avanço no direito processual. A validade da intimação eletrônica atende ao princípio da publicidade do ato processual, não sendo possível o requerimento de devolução de abertura de novo prazo processual ao argumento de que a parte não foi devidamente notificada. Necessário o cadastramento do causídico no portal do processo eletrônico do sítio do Tribunal de Justiça para os fins de validade da intimação eletrônica. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça editou a Resolução nº 16 de 2009 do Órgão Especial, buscando assim se ater aos termos do art. 5º da Lei Federal nº. 11.419 de 2006.46 Nesse sentido, traz-se à colação o acórdão da lavra da Des. Denise Levy Tredler, cujo julgamento foi proferido em 27/02/2015, na 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cuja ementa é a seguinte: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE INDEFERIU O REQUERIMENTO DE DEVOLUÇÃO DO PRAZO RECURSAL. Validade da intimação eletrônica, o que dispensa a publicação do ato processual no Diário Oficial, 46 Dispõe o artigo 10 da Resolução nº 16 de 2009: Art. 10. As intimações dos Membros do Ministério Público, dos Defensores Públicos, dos Procuradores dos entes Públicos, dos Advogados e das partes, serão feitas por meio eletrônico através do sítio do Tribunal de Justiça na internet, na forma regulamentada por Ato da Presidência, de acordo com o estabelecido no art. 5º da Lei nº. 11.419/2006. !31 quando o advogado da parte é cadastrado no portal do processo eletrônico do sítio do Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 5º, da Lei Federal nº 11.419, de 2006, e do art. 10, da Resolução nº 16, de 2009, do col. Órgão Especial. Ônus do patrono da parte, em acompanhar as intimações eletrônicas, tal como exige o inciso VI, do art. 22, da aludida Resolução. Desinfluente o argumento de ter sido a sentença publicada no D.O, vez que não invalida a intimação eletrônica realizada na forma da lei, a par de ter havido outras intimações eletrônicas realizadas nestes autos. Precedentes jurisprudenciais do egr. Superior Tribunal de Justiça e desta col. Corte de Justiça. Recurso a que se nega seguimento, com base no caput, do art. 557 do Código de Processo Civil. Nos termos do art. 5º, inciso XII, da CF, "é inviolável o sigilo (...) de dados (...) salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal". A doutrina entende que um banco de dados na internet é um conjunto de conhecimentos que, para o usuário, é visto como uma única ação. A integridade de uma transação depende de cinco propriedades conhecidas como ACID, correspondendo à atomicidade, corretude, consistência, isolamento e durabilidade. A respeito da atomicidade, é entendido como uma transação que não pode ser executada pela metade, é o denominado princípio do "tudo ou nada". Corretude é uma transação que deve ser efetuada com o programa que preserva a consistência do banco de dados, de responsabilidade do programador que codifica a transação. Já a Consistência é uma transação que se executa se o estado do banco de dados permanecer consistente após o seu fim. Isolamento surge da necessidade de execuções concorrentes. Por fim, a durabilidade, quando ocorrer falha no banco de dados, após a execução com sucesso de uma transação, a durabilidade garante por algum mecanismo, a recuperação das informações perdidas.47 Dito isto, deve-se atentar que o banco de dados deve ser protegido pelo SGBD - Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados, que se trata de um conjunto de programas de computador (softwares) responsáveis pelo gerenciamento de uma base de dados. Tem como objetivo retirar da aplicação cliente a responsabilidade de gerenciar o acesso, a manipulação e a organização dos dados. O SGBD possui uma interface para que seus clientes possam incluir, alterar ou consultar dados previamente armazenados. 47 Orientações de José Carlos de Araújo Almeida Filho. op. cit. p.306/307. !32 Esse sistema de gerenciamento, ou gestão, de banco de dados varia entre os Tribunais, conforme já explicado, tendo sido criados sistemas variados para suprir cada necessidade, podendo coexistir, por exemplo, um sistema para o peticionamento eletrônico de 1º grau na Justiça Cível, outro para a Justiça Trabalhista e outro para a Federal. Logo, observa-se que seria esta uma forma de restrição ao acesso de dados, visto que o advogado que não tiver cadastro naquele órgão não terá acesso aos autos dos processos sob seu sistema de banco de dados. Contudo, o acesso é realmente restrito somente aos processos que tramitam sob segredo de justiça, cujos autos tenham sido decretados como sigilosos pelo Juízo da causa. Do contrário, qualquer advogado devidamente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil pode acessar os documentos internos de qualquer processo. É sabido que os advogados possuem a prerrogativa de obter informações de qualquer processo, esteja este em andamento ou mesmo findo, desde que não esteja sob segredo de justiça, direito este estabelecido na Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, inciso XIII48. Tal prerrogativa seria uma afronta ao direito à privacidade e intimidade estabelecidos na Constituição, mas, ainda que pareça existir uma controvérsia, entendo que o princípio da intimidade, por ser hierarquicamente superior, deve ser privilegiado, quando posto em cheque com a prerrogativa do causídico não habilitado nos autos do processo. Sobre o tema, leciona o Prof. Ricardo Perlingeiro, ao dispor sobre a aplicação do princípio da publicidade no processo administrativo: A publicidade, no procedimento administrativo brasileiro, restringe-se aos atos e às decisões administrativas, de modo que o acesso aos autos processuais na íntegra, compreendendo documentos e outros escritos, somente pode ser exercido pelos interessados (arts. 3º, 11 e 46) e, eventualmente, pelos advogados. Isto significa dizer que é direito do interessado que não sejam reveladas as informações em poder da Administração, referentes à vida pessoal, sigilos profissionais 48 Lei nº 8906/94. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Barasil. Art. 7º São direitos do advogado: (...)XIII - examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos; !33 ou comerciais, a exemplo da lei alemã de procedimento administrativo.49 E acrescenta, ao tratar sobre o processo judicial, que, o princípio da publicidade vem sendo interpretado a ponto dos autos e dos documentos das partes serem disponibilizados integralmente a qualquer pessoa, com ou sem interesse na causa. Seguindo a crítica apontada por Perlingeiro, entendo que esta restrição, de dar tratamento sigiloso aos documentos internos, é necessária para manter a intimidade das partes no processo, tal qual impedir seus dados de serem acessados publicamente, não cabendo a sua violação por mero capricho. Nesse sentido, deve sim o Judiciário salvaguardar o interesse particular em quaisquer casos, não somente aqueles que entender se tratar de assunto que não tenha repercussão geral, isto porque a lei tão somente refere-se à publicidade dos atos processuais, e não de seus documentos instrutórios. VI. CONCLUSÃO Na sociedade de informação em que vivemos, toda e qualquer informação passa a ser privilegiada, e de rápido e fácil acesso. Esta passa a ser uma questão a qual o Judiciário tem de lidar para proteger o interesse das partes e separar o privado do público. Ademais, diante dos fatos narrados e da análise apresentada, constata-se que o processo de informatização somente conseguirá repetir as mesmas violações a direitos e prerrogativas antes já existentes, agravando-se, pelo advento da complexidade telemática, a prestação jurisdicional. Com isso, agregado à facilidade de acesso aos autos por meio de bancos de dados eletrônicos, compreende-se que o Judiciário deve fortificar o sistema de gerenciamento de banco de dados de modo que apenas as partes envolvidas no processo, tal como seus patronos, possuam direito a visualizar os documentos instruídos nos autos digitais, cabendo a publicidade apenas às decisões do Juízo. 49 PERLINGEIRO, Ricardo. Revista de Processo, 2012. !34 Assim, pode-se dizer que o meio eletrônico tenta tão somente reproduzir o ambiente originário, do foro e das secretarias ou cartórios, obviamente que guardadas as devidas proporções que o ambiente virtual exige, não se propondo a quebrar os já estabelecidos paradigmas do processo judiciário brasileiro. A título de exemplificação, seguem alguns casos evidenciados no dia-a-dia forense, tais quais: as reclamações de advogados, eventualmente veiculadas na imprensa, de que um determinado sistema de diversos estados não funciona com a presteza suficiente ou ainda pedidos da OAB de alguns estados para a paralisação da expansão deste sistema; a existência de dificuldades técnicas como o cumprimento por instituições financeiras de ordens judiciais documentadas por meio de alvará judicial eletrônico; as dificuldades de acesso à internet no país por advogados nos interiores e pelos próprios jurisdicionados, onde segundo dados do IPE – Instituto de Pesquisa Econômica, menos de 7% (sete por cento) dos lares brasileiros têm acesso à internet por meio de conexão de banda larga. A própria OAB tem se preocupado com a realização de cursos e simpósios relacionados com o treinamento de advogados e estagiários para a utilização dos sistemas de inclusão digital, mas pouco tem sido feito, escrito ou discutido, sobre o dano marginal imposto pela implantação do sistema e suas dificuldades, assim como sobre como este sistema se propõe a sanar os problemas anteriormente existentes, e em que medida estes não estão sendo agravados. No aspecto dos dados e documentos digitais contidos no processo eletrônico constata-se que vigora o principio da publicidade previsto não somente no art. 155 do CPC(art. 189 do Novo CPC), não sendo lícita a restrição de acesso, salvo os casos que envolve o direito a intimidade, que deverão ser preservados na forma do art. 5, LX da CF. No Brasil, o direito de acesso à informação está previsto no art. 5, inciso XXXIII que estabelece que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. !35 Já a publicidade dos atos processuais é consagrada pelo art. 5º, inciso LX, que diz: "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". No meu entendimento, os atos processuais devem ser públicos, mas não os documentos que estão submetidos ao crivo do Poder Judiciário, para não incidir na violação do direito à intimidade, preservado pela Carta Magna. No processo eletrônico, os dados e documentos digitalizados devem ser resguardados pois o Judiciário como guardião não pode ceder às curiosidades populares, que poderão ser utilizadas de forma constrangedora. Assim, o princípio da substitutividade deve prevalecer no sentido de substituir a vontade das partes sem contudo causar danos à intimidade das mesmas que estão sub-rogadas ao poder judicante. Não obstante o dever de guarda dos documentos devidamente depositados em juízo, não deve prosperar em face dos advogados que devem ter livre acesso, sob pena de responder por responsabilidade pela má utilização ou mau uso destes dados em prol do princípio maior da ampla defesa. Conclui-se portanto, com o pensamento de que o processo de informatização do judiciário foi implementado para adequar-se a apenas um problema: a falta de espaço nos cartórios tal qual possibilitar maior acesso aos autos. No entanto, acabou criando outro, que seria a falha na proteção para os dados digitalizados visto o crescente número de processos judiciais, que podem facilmente ser violados por qualquer advogado portador de um certificado digital, não havendo sido estabelecido um limite para o acesso descontrolado, afora a imposição do sigilo. VII. REFERÊNCIAS !36 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 10. ed. São Paulo: RT, 2006, v. 1. ARBIX, Daniel do Amaral. Processo eletrônico (Lei n. 11.419/06) in As novas reformas do CPC e de outras normas processuais. org. Maurício Giannico e outro. São Paulo: Saraiva, 2009. BARAN, Katna. Os limites do direito de ser esquecido. Publicado em 14 de junho de 2013. 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