Fundação Getúlio Vargas
Escola de Pós-Graduação em Economia
Mestrado em Finanças e Economia Empresarial
Modelos de Escoragem de Crédito Aplicados a
Empréstimo Pessoal com Cheque
Dissertação de Mestrado
Aluno: Rafael Soares Vasconcellos
Orientador: Marcelo Fernandes
Rio de Janeiro, 16 de Agosto de 2004
Rafael Soares Vasconcellos
Modelos de Escoragem de Crédito Aplicados a
Empréstimo Pessoal com Cheque
O presente trabalho tem como objetivos principais propor uma metodologia de
construção de modelos de escoragem de crédito e mostrar uma aplicação prática em
operações de empréstimo pessoal com pagamento em cheques. A parte empírica
utiliza dados reais de instituição financeira e duas metodologias estatísticas, análise de
regressão linear múltipla e análise de regressão probit. São comparados os resultados
obtidos a partir da aplicação de modelos de escoragem de crédito desenvolvidos com
cada metodologia com os resultados obtidos sem a utilização de modelos. Assim,
demonstra-se o incremento de resultado da utilização de modelos de escoragem e
conclui-se se há ou não diferenças significativas entre a utilização de cada
metodologia.
Rio de Janeiro
16 de Agosto de 2004
Dedicatória
Dedico ao Ser, a essência Divina que habita em cada Coração, não só este
trabalho, mas a realização deste ciclo e dos demais que estão por vir.
Agradecimentos
Os agradecimentos vão para Carlos e Cândida (‘Tiu’ e Mãe),
modelos de liderança pelo exemplo, para a Bia, minha mais nova
inspiração, para o Grupo BBM (principalmente os amigos da Creditec),
pelo aprendizado e desenvolvimento, para Franklin Gonçalves e Sergio
Braga, pela orientação e confiança e a todos os colegas de turma do
Mestrado em Finanças e Economia Empresarial.
Sumário
1. Introdução
2. Mercado de Crédito Brasileiro
2.1. Principais Modalidades de Financiamento
2.1.1. Pessoa Física
2.1.2. Pessoa Jurídica
3. O Modelo de Escoragem de Crédito
3.1. Histórico
3.2. Creditworthiness – O Objetivo Final da Análise de Crédito
3.3. O Modelo de Escoragem de Crédito
3.3.1. Levantamento da Base de Dados Histórica
3.3.2. Análises Preliminares
3.3.3. Estimação dos Coeficientes da Equação
3.3.4. Determinação dos Pontos de Corte
3.3.5. Implantação
4. Aplicação Prática: Regressão Linear versus Regressão Probit
4.1. Contexto – Empréstimo Pessoal com Cheque
4.2. A Base de Dados e Análises Preliminares
4.3. Descrição das Metodologias
4.3.1. Análise de Regressão Linear Múltipla
4.3.2. Análise de Regressão Probit
4.4. Estimação das Equações
4.5. Determinação dos Pontos de Corte
4.6. Comparação dos Resultados
5. Conclusão
6. Bibliografia
Introdução
1.
Empresas privadas vêm recorrendo cada vez mais a ferramentas quantitativas
de base matemática e estatística com o objetivo de maximizar os retornos em seus
respectivos mercados e se diferenciar em relação à concorrência. Com a evolução da
capacidade de processamento de dados e a possibilidade de automatização e uso de
modelos matemáticos em processos cotidianos, estas ferramentas vêm sendo
difundidas e implementadas em sistemas de suporte a decisão.
O presente trabalho tem como objetivo principal mostrar a aplicação prática de
ferramentas estatísticas no problema de previsão de risco de crédito no mercado de
crédito ao consumo, denominado “Credit Scoring” ou “Escoragem de Crédito” na
indústria de serviços bancários. Em primeiro lugar, será feita análise do mercado de
crédito ao consumo no Brasil, seus produtos, preços e canais de venda, bem como
volumes em termos de operações e valores financeiros e as respectivas evoluções no
tempo. Em seguida, serão descritas as principais etapas da construção de um modelo
de escoragem de crédito e então aplicaremos este método na prática.
A primeira parte desta aplicação tratará do contexto, empréstimo pessoal com
cheque. Além disso, tratará ainda da obtenção dos dados, seus tipos, dados do cliente
e de operações passadas, suas fontes, que podem ser internas ou externas, e os
cuidados a serem tomados no processo de extração. A segunda parte apresenta
metodologias estatísticas aplicáveis ao problema em questão, descreve brevemente
cada uma delas. Em seguida, serão comparadas as metodologias. Estas serão aplicadas
ao problema e os resultados estatísticos e financeiros dos diferentes modelos serão
contrastados com o objetivo de indicar qual das metodologias melhor se adequa ou é
mais eficiente no problema em questão. Por fim, apresentam-se conclusões e
considerações finais.
Capítulo 2 – Mercado de Crédito Brasileiro
2.
A partir de 1994, com a adoção do Plano Real, o mercado de crédito brasileiro
ganhou fôlego e cresceu a altas taxas. Com o fim da hiperinflação que assolava o país,
criou-se a possibilidade de vislumbrar e projetar cenários para o futuro com razoável
certeza. Neste novo cenário, empresas e indivíduos passaram a se planejar
financeiramente com maior clareza e houve um grande aumento da demanda por
crédito na economia brasileira.
Porém, o Plano Real também teve alguns efeitos colaterais, como o aumento
da dívida pública, o que tornou o Governo Federal o maior consumidor de crédito do
sistema financeiro nacional. O gráfico abaixo mostra a evolução dos volumes de
concessões de crédito ao longo do tempo desde o início do Plano Real (dados do
Banco Central do Brasil).
Figura 1: Evolução do Estoque de Crédito
Podemos observar que houve forte crescimento do mercado de crédito como
um todo, resultado da combinação de um novo cenário macroeconômico e uma
demanda por crédito reprimida. Por sua vez, este forte crescimento combinado com a
falta de experiência de credores e devedores em administrar crédito, resultou em
aumento da inadimplência. Os bancos brasileiros não tinham experiência em conceder
crédito no novo cenário e cresceram suas carteiras indiscriminadamente. As empresas
brasileiras e a população em geral não possuíam experiência em administrar contratos
de crédito e apesar do aumento de poder aquisitivo obtido na época, não conseguiram
em muitos casos evitar a inadimplência.
Após as lições aprendidas no início do Plano Real e a reestruturação do
sistema financeiro realizada a partir do projeto PROER do Banco Central, o mercado
de crédito no Brasil vem se consolidando e crescendo nos últimos anos. Hoje, o maior
empecilho à expansão do crédito é o seu preço, as taxas de juros cobradas pelas
instituições financeiras. Porém, estas taxas são definidas dados os níveis de
inadimplência e risco de crédito, a qualidade das garantias apresentadas, da cunha
fiscal e dos custos operacionais das instituições.
O gráfico a seguir mostra a evolução de taxas para algumas modalidades de
financiamento. Apesar da queda das taxas ocorrida nos últimos anos, os preços ainda
se mantêm em níveis muito altos.
Evolução de Taxas Pessoa Física
Cheque especial
350%
Crédito pessoal
Aquisição de veículos PF
300%
Aquisição de outros bens PF
Aquisição de bens PF
Total PF
250%
% ao ano
Total geral
200%
150%
100%
50%
0%
jan/93
jun/94
out/95
mar/97
jul/98
dez/99
abr/01
set/02
jan/04
mai/05
Figura 2: Evolução das Taxas Pessoa Física
2.1. Principais Modalidades de Financiamento
Dentre as principais modalidades de financiamento, podemos destacar
algumas oferecidas a empresas e outras relacionadas a pessoas físicas. Será dada
maior ênfase às modalidades de financiamento a pessoas físicas, já que este é o
objetivo principal do trabalho.
2.1.1. Pessoa Física
Dentre as operações de financiamento a pessoas físicas se destacam as
seguintes:
•
Empréstimo para compra de veículos: operações com prazo entre 12 e
60 meses vinculadas à compra de veículo. O objeto da compra fica
alienado como garantia do pagamento da dívida. Atualmente, são
basicamente operações pré-fixadas e com parcelas fixas, mas que possuem
em seu histórico muitas operações pós-fixadas, principalmente atreladas ao
dólar.
•
Empréstimo para compra de bens (CDC – Crédito Direto ao
Consumidor): operações com prazos que variam entre 2 e 24 meses
tradicionalmente. Nestes casos, o crédito é direcionado ao consumo e o
bem é mantido vinculado ao crédito. Funcionam como uma ferramenta de
fomento ao comércio. São operações essencialmente pré-fixadas e com
parcelas fixas. Os meios de pagamento podem ser cheque pré-datado,
carnê de pagamento ou mesmo os cartões chamados “Private Label”, que
são vinculados a estabelecimentos comerciais e que possibilitam que o
CDC seja feito de forma eletrônica. Com este instrumento, o cliente possui
um limite pré-aprovado, compra no estabelecimento e paga via faturas
mensais.
•
Empréstimo Pessoal: financiamento sem fim específico com prazos entre
1 e 24 meses. Nesta modalidade, não há um bem como garantia e o risco
de inadimplência é maior, o que torna as taxas praticadas mais altas que as
taxas do “CDC”. Existem dois tipos de empréstimo pessoal, definidos de
acordo com a origem do crédito. Há o empréstimo pessoal oferecido pelos
bancos aos seus correntistas, cujas taxas giram em torno de 4% ao mês e o
empréstimo pessoal oferecido por financeiras, que cobram entre 12% e
15% ao mês. A diferença básica é a relação existente entre a instituição
financeira e seus clientes de conta corrente no caso do empréstimo pessoal
oferecido por bancos.
•
Financiamento Imobiliário: financiamento para compra de bens imóveis
oferecido pelas instituições financeiras. Trata-se de um mercado com
regras específicas cujos recursos são direcionados no caso do Sistema
Financeiro da Habitação. Neste contexto, as taxas praticadas são de 12%
ao ano mais TR. Os prazos variam de 1 a 15 anos.
•
Cartão de Crédito: linha de financiamento pré-aprovada para compras e
saques embutido em cartão magnético. Há duas modalidades de crédito em
uma plataforma de cartão de crédito. Há a possibilidade de sacar espécie
ou fazer compras em parcelas fixas, obtidas aplicando-se taxa de juros de
aproximadamente 12% ao mês atualmente. Porém, o principal é o crédito
rotativo. A cada mês envia-se para cada cliente uma fatura composta de
todas as transações efetuadas, um extrato da conta do cartão. O
financiamento rotativo é contratado e concedido no momento do
pagamento da fatura ou no momento da escolha do cliente entre pagar toda
a fatura, ou apenas parte dela e financiar o restante. Os limites de crédito
podem chegar a até algumas vezes a renda do cliente.
Cada uma das principais características de operações de financiamento a
pessoas físicas possui evolução particular. No que diz respeito aos prazos, observa-se
estabilidade desde o ano 2000. Ver figura 3.
Prazo das Operações de Crédito a Pessoas Físicas
20
18
16
Prazo (meses)
14
Cheque especial
12
Crédito pessoal
Aquisição de veículos PF
10
Aquisição de outros bens PF
Cartão de crédito PF
8
6
4
2
ago/99
mar/00
out/00
abr/01
nov/01
mai/02
dez/02
jun/03
Figura 3: Evolução do Prazo das Operações a Pessoas Físicas
jan/04
ago/04
No que tange a inadimplência, percebe-se aumento nos índices relativos a
pessoas físicas e queda nos índices de pessoal jurídica. Ao abrir nos diversos produtos
de financiamento para pessoa física, conclui-se que houve aumento de inadimplência
principalmente nos produtos cartão de crédito, cheque especial e empréstimo pessoal.
Os índices indicam incremento significativo a partir do ano 2001 e manutenção em
novo patamar. Ver figuras 4 e 5.
Inadimplencia - Atraso maior que 90 dias
9
8
Percentual da Carteira
7
Total geral
Total PJ
Total PF
6
5
4
3
2
1
0
mar/00
out/00
abr/01
nov/01
mai/02
dez/02
jun/03
jan/04
ago/04
Figura 4: Evolução do Nível de Inadimplência I
Inadimplência Pessoa Fisica
Cheque especial
Crédito pessoal
Aquisição de bens veículos PF
Aquisição de outros bens PF
Cartão de crédito PF
18
16
Percentual da Carteira
14
12
10
8
6
4
2
0
mar/00
out/00
abr/01
nov/01
mai/02
dez/02
jun/03
Figura 5: Evolução do Nível de Inadimplência II
jan/04
ago/04
2.1.2. Pessoa Jurídica
Dentre os principais produtos de crédito para pessoa jurídica, destacam-se os
seguintes:
•
Hot money
•
Capital de giro
•
Vendor
•
Descontos de duplicatas e promissórias
•
Conta garantida
•
Aquisição de bens
•
ACC
Estes são operações padronizadas, os ditos produtos de prateleira das
instituições financeiras e bancos. Além destes, há operações estruturadas,
desenvolvidas especialmente para a situação e as necessidades do cliente em questão.
Por fim, podemos citar os títulos de prazos mais longos, os chamados
“Bonds”, principal instrumento de captação de longo prazo e altos valores de grandes
empresas e governos.
Capítulo 3 – O Modelo de Escoragem de Crédito
3.
A escoragem de crédito envolve modelos preditivos cujo objetivo é estimar o
risco de um cliente ou operação de crédito com base em dados cadastrais do cliente e
dados da operação em questão. Neste tipo de ferramenta, utiliza-se um sistema de
pontuação em que a presença de características correlacionadas positivamente ao risco
de inadimplência implica em ganho ou perda de pontos dependendo do caso, mas que
significam aumento do risco. Por outro lado, a ausência destas variáveis ou a presença
de outras correlacionadas negativamente com a probabilidade de inadimplência,
implica em redução do risco segundo a métrica adotada.
Este sistema de pontos consiste de uma equação que relaciona variáveis da
operação e o risco de inadimplência e cujos coeficientes foram determinados ou
estimados por um processo de regressão. Esquematicamente:
S = ∑ Xβ
em que S é a métrica de risco ou escore, X é o vetor de variáveis explicativas e
beta é o vetor de coeficientes obtidos através de um processo de regressão.
O processo de desenvolvimento de um modelo possui 5 fases principais:
•
Levantamento da base de dados histórica
•
Análises preliminares e identificação das variáveis candidatas a
explicativas do modelo
•
Estimação dos coeficientes da equação de score
•
Determinação do ponto de corte
•
Implantação
Nas próximas seções, estas etapas serão descritas. O terceiro e quarto itens
serão tratados com maior ênfase, pois constituem o cerne deste trabalho. Inicialmente
discorreremos brevemente a respeito do histórico dos modelos estatísticos de
escoragem de crédito. Em seguida, serão tratados conceitos relacionados ao objetivo
final da análise de crédito e então entraremos nos modelos e suas etapas. Por fim,
serão realizadas aplicações práticas em uma base histórica de empréstimo pessoal com
cheque cedida por uma instituição financeira de primeira linha que opera neste
mercado há anos. Em outras palavras, serão construídos modelos de escoragem de
crédito para operações de empréstimo pessoal com cheque utilizando duas
metodologias estatísticas diferentes, regressão linear e regressão logística, e
comparados os resultados específicos de cada uma.
3.1. Histórico
O primeiro modelo de escoragem de crédito surgiu durante a Segunda Guerra
Mundial, quando um executivo americano sentiu a necessidade de ferramentas que
pudessem ser usadas por analistas mais jovens e inexperientes, já que a maioria de
seus analistas estava servindo na guerra. Alguns outros modelos foram desenvolvidos
nos anos 50, mas este tipo de ferramenta passou a ser largamente usada quando Fair,
Isaac & Company entrou no mercado fornecendo consultoria e desenvolvendo
modelos para as instituições financeiras daquela época. A Fair, Isaac and Company
continua desenvolvendo modelos para grandes instituições financeiras ao redor do
mundo.
Nos primeiros anos, o desafio era ganhar a confiança e aceitação do mercado
de crédito, o que não foi fácil, mas foi atingido após provas práticas de que a
metodologia desenvolvida funcionava e agregava valor. As primeiras experiências
aconteceram em empresas financeiras e em seguida passaram a ser utilizadas por
varejistas e grandes bancos. Administradoras de cartão de crédito foram os próximos
usuários.
Porém, à medida que os computadores foram sendo desenvolvidos e sistemas
de suporte a decisão se tornaram mais freqüentes, os modelos de escoragem de crédito
passaram a ser imprescindíveis nos processos de análise de crédito.
Hoje em dia, ferramentas de previsão, inicialmente introduzidas nas empresas
com os modelos de previsão de risco, são utilizadas em larga escala para otimização
de processos, aumento de eficiência de campanhas de marketing ou mesmo controle e
gestão de carteiras de clientes.
3.2. “Creditworthiness” – O Objetivo Final da Análise de Crédito
Qual a missão de um processo de avaliação de risco de crédito?
Esta pergunta pode ser respondida utilizando o conceito de Creditworthiness,
como apresentado por Edward M. Lewis em seu livro An Introduction to Credit
Scoring (1992). O conceito de Creditworthiness indica a viabilidade de um cliente ou
operação. Dizer que um cliente ou operação é digno de crédito significa que os
mesmos são financeiramente interessantes e devem ser aprovados em um processo de
concessão de crédito.
É importante compreender que o termo não se refere a uma característica
observável e absoluta do cliente. O conceito é relativo a uma determinada situação.
Um cliente pode ser viável em determinados momentos de sua vida e inviável em
outros. O mesmo cliente em um determinado momento pode ser viável se solicita uma
operação ou inviável se solicita uma operação com outras características. Portanto, a
missão de um processo de avaliação de crédito é identificar as operações
financeiramente viáveis ou que possuem valor esperado positivo levando em
consideração o cliente, a sua atual situação e as características da operação.
3.3. O Modelo de Escoragem de Crédito
Neste capítulo, trataremos do processo de construção de um modelo de
escoragem de crédito. Em primeiro lugar, em termos teóricos descrevendo as etapas
deste processo e depois através de aplicação prática.
3.3.1. Levantamento da Base de Dados Histórica
A primeira etapa consiste do levantamento da base de dados histórica
constituída de dados cadastrais do cliente e dados da própria operação, inclusive a
informação a respeito da performance do cliente, do resultado do crédito, se houve
inadimplência ou se o crédito foi integralmente quitado. Trata-se de uma fase crítica,
pois se a amostra não for representativa da população, se houver algum tipo de viés,
todo o projeto estará comprometido.
Em geral, são coletados dados de operações já encerradas de sucesso ou
insucesso e cujos resultados já são conhecidos. Por corresponderem a créditos
aprovados em algum momento do tempo e pelo fato de que neste momento havia
naturalmente restrições ao crédito concedido, a amostra coletada não corresponde ao
universo de solicitações de empréstimo. Surge então o grande problema dos modelos
de escoragem de crédito: bases de dados ou amostras filtradas.
Este problema não inviabiliza o desenvolvimento dos modelos, pois as
relações entre risco e as variáveis cadastrais do cliente ou da operação continuam se
manifestando. Porém, como veremos mais adiante, alguns cuidados são requeridos. O
tamanho da amostra na maioria dos casos não é um problema, pois quando se trata de
instituições financeiras de médio ou grande porte, há abundância de dados históricos.
3.3.2. Análises Preliminares
As primeiras análises a serem feitas com a amostra de operações têm por
objetivo a busca por variáveis candidatas ao modelo. Análises básicas de freqüência
que cruzam a variável candidata e o resultado do crédito, dicotômico em sucesso ou
insucesso ou bom e mau, são bastante eficiente.
A seguir segue exemplo ilustrativo deste tipo de análise.
Figura 6: Análise Preliminar
A métrica utilizada para identificar variáveis candidatas é a relação de boas e
más operações comparada à relação da amostra. No exemplo acima, podemos
observar que a relação da amostra de 5.000 operações é 1, ou seja, uma operação boa
para cada operação má ou de insucesso. Além disso, observa-se que os atributos 1 e 2
indicam menor risco quando presentes e os atributos 4 e 5 indicam maior risco,
enquanto o atributo 3 se mostra neutro.
Um insumo importante desta análise é a definição de um bom e um mau
crédito. Em geral, um mau crédito é aquele em que o cliente se torna inadimplente.
Porém, esta não é uma discussão simples e a definição deve contemplar as
peculiaridades do produto financeiro em questão.
3.3.3. Estimação dos Coeficientes da Equação
Identificadas as variáveis candidatas, a próxima etapa é a estimação dos
coeficientes da equação de risco. Em primeiro lugar, deve-se optar por uma
metodologia estatística de regressão e aplicá-la aos dados de forma a obter os
coeficiente e a equação.
Ao contrário de modelos econométricos formais, por trás dos modelos de
escoragem de crédito não há teoria formal que sustente as relações encontradas,
apesar de fazerem sentido econômica e intuitivamente. Faz sentido, por exemplo, que
quanto maior a renda do cliente menor seja o risco do cliente se tornar inadimplente,
ou ainda, o fato do cliente ser aposentado e ter um fluxo de caixa estável deve estar
correlacionado com o risco de crédito.
3.3.4. Determinação dos Pontos de Corte
A definição do ponto de corte é a etapa em que aplica-se o conceito de
“Creditworthiness” na prática. Quais as operações que faz sentido aprovar? Aquelas
que possuem valor esperado ou resultado esperado positivo! Portanto, o ponto de
corte é definido como o ponto de lucro máximo ou ponto de lucro marginal zero.
A partir da equação de risco, é possível ordenar as operações ou clientes por
nível de risco e calcular a partir dos dados, o resultado esperado de cada um dos
níveis. É esperado que quanto maior o risco previsto pelo escore, maior a
inadimplência observada e menor o resultado ou lucro esperado. Portanto, o processo
de definição do corte tem por objetivo buscar o ponto em que o risco é tão alto que a
inadimplência se torna não sustentável e o resultado é negativo. As figuras 7 e 8
ilustram este processo.
Inadimplência por Nível de Risco
60,0%
50,0%
Inadimplência
40,0%
30,0%
Inad. Suportada – 18%
20,0%
10,0%
Corte
0,0%
0
2
4
6
8
10
12
14
16
Nível de Risco
Figura 7: Definição do Ponto de Corte I
Na figura 7, vemos que o corte corresponde ao ponto de inadimplência
suportada da operação em questão, ou o nível de inadimplência de break-even, lucro
zero. Alternativa e equivalentemente, pode-se pensar em termos de lucro, como na
figura 8.
Lucro Acumulado por Nível de Risco
R$ 12.000
R$ 10.000
Inadimplência
R$ 8.000
Lucro Máximo
R$ 6.000
R$ 4.000
Corte
R$ 2.000
R$ 0
2
4
6
8
10
12
14
16
Nível de Risco
Figura 8: Definição do Ponto de Corte II
O importante é perceber e ressaltar que ambos os critérios se equivalem e o
ponto de corte obtido com cada um dos critérios é o mesmo.
Ponto de Corte = ponto de lucro máximo
Ou
Ponto de Corte = Ponto de lucro marginal zero
Porém, para que todo este cálculo seja feito, é necessário definir o conceito de
lucro. Em linhas gerais, propõe-se que lucro seja o valor presente das receitas menos o
valor presente dos custos envolvidos nas operações na data do contrato.
Lucro = Valor Presente(Receitas) – Valor Presente(Custos)
3.3.5. Implantação
A implantação do modelo na prática não corresponde aos objetivos principais
deste trabalho e por isso será tratado de forma breve.
As principais etapas da implantação são:
•
Preparação de plataforma tecnológica adequada
•
Desenvolvimento dos procedimentos matemáticos
•
Validação e testes
•
Desenvolvimento de relatórios de acompanhamento
Uma das questões mais importantes na implantação do modelo é garantir que
as operações ou propostas de crédito sejam avaliadas nas mesmas condições em foram
avaliadas as operações que constituíram a amostra utilizada no desenvolvimento.
Deve-se garantir que a variável coletada no passado seja obtida em condições
semelhantes no momento da análise de novas propostas.
Capítulo 4 – Aplicação Prática:
Regressão Linear versus Regressão Probit
4.
Neste capítulo, trataremos da construção de um modelo de escoragem de
crédito em todas as suas principais etapas e da avaliação e comparação de duas
metodologias estatísticas aplicadas ao problema. Em primeiro lugar, será descrito o
contexto e o produto financeiro em questão, empréstimo pessoal cujo instrumento de
liquidação é o cheque do cliente. Em seguida, serão apresentadas a base de dados
obtida de uma instituição financeira brasileira de médio porte, suas variáveis e
características gerais. A construção do modelo propriamente dita, a definição da
equação e a determinação dos pontos de corte serão objetos de estudo das seções
subseqüentes e realizadas para cada metodologia proposta. Por fim, serão comparados
os resultados obtidos com cada uma das metodologias e esta comparação se dará
segundo indicadores estatísticos e financeiros.
4.1. Contexto – Empréstimo Pessoal com Cheque
A aplicação prática a ser apresentada neste trabalho consistirá da construção
de modelos de escoragem de crédito para operações de empréstimo pessoal. Mais
especificamente, trataremos da modalidade de empréstimo pessoal com cheque.
Empréstimo pessoal é uma operação cujo crédito concedido não está
vinculado a um bem ou um fim específico e que não envolve garantia. O valor
financiado gira em torno de alguns milhares de reais, com mínimo de 200 reais e
máximo de aproximadamente 5.000 reais dependendo da instituição financeira. Os
prazos são de 1 a 12 ou até 18 meses e também dependem da instituição. A
combinação entre valor, prazo e taxa resulta em parcelas fixas mensais a serem
liquidadas pelo cliente.
Há diversas modalidades de empréstimo pessoal que se diferenciam segundo a
origem e o tipo de instrumento utilizado para saque e liquidação. A distinção segundo
a origem se dá entre bancos e financeiras. Enquanto os bancos oferecem o crédito
pessoal como uma extensão do relacionamento de conta corrente a clientes de longo
prazo e cujo comportamento é conhecido, as financeiras concedem a clientes
desconhecidos e por isso as operações tornam-se mais arriscadas.
O empréstimo pessoal dos bancos é geralmente concedido na própria conta
corrente do cliente e liquidado via débitos nesta mesma conta. Os instrumentos
utilizados para saque ou obtenção do dinheiro em empréstimos pessoais de financeiras
são depósitos em conta corrente ou cartões magnéticos utilizados em terminais do tipo
“ATM”. O instrumento de liquidação pode ser carnê, fatura no caso de cartão
magnético ou cheques pré-datados, sendo o último o objeto de estudo deste trabalho.
O preço atual, julho de 2004, do empréstimo com cheque gira em torno de 12%1 ao
mês e a partir da solicitação do cliente de valor e prazo, calculam-se as parcelas
formando o seguinte fluxo esquemático:
Taxa de 12% ao mês
Valor
Financiado
Número de parcelas solicitado
Figura 9: Fluxo de Operação de Empréstimo Pessoal
No caso de uma operação de 1.000 reais em 6 parcelas teríamos:
Taxa de 12% ao mês
R$ 1.000
6 Parcelas de R$ 243
Figura 10: Fluxo de Operação de Empréstimo Pessoal II
1
No mercado de empréstimo pessoal há muitos competidores de portes diversos. A taxa do empréstimo
ou o preço do dinheiro foi considerada fixa no curto prazo, já que o impacto das estratégias dos
competidores sobre o preço pode ser considerado nulo. Além disso, não há segmentação de preço,
todos os clientes recebem a mesma oferta . Esta prática é fruto de interpretação legal da prática de
segmentação. Segundo esta leitura, clientes não devem ser discriminados segundo suas próprias
características e, portanto, devem ser ofertados os mesmos preços.
O processo de concessão e análise de crédito desta operação tem as seguintes
fases principais:
•
Atendimento e preenchimento de proposta de crédito – captura
das informações cadastrais do cliente e sua solicitação de
crédito.
•
Verificação de políticas básicas – enquadramento da operação
em políticas de crédito básicas como valor financiado mínimo e
máximo.
•
Análise por modelo de escoragem – aplicação do modelo de
previsão do risco de crédito e decisão sobre aprovação.
•
Consulta a bureaus de crédito (SPC e Serasa) – verificação da
situação do proponente no mercado de crédito e busca por
informações negativas do cliente. Cabe ressaltar aqui que não
há no Brasil um bureau de crédito positivo em que as empresas
e instituições financeiras poderiam informações de bons
clientes.
•
Verificação de documentação – comprovação das informações
obtidas do cliente através de documentos ou contatos com
referências.
•
Resposta – comunicação ao cliente do resultado da análise da
proposta de crédito (aprovado ou negado).
A cada etapa da análise, se o proponente é negado, encaminha-se a proposta
para a fase de resposta e comunica-se o resultado negativo da análise.
Resultado da operação de empréstimo pessoal com cheque.
O lucro obtido com uma operação deste tipo é obtido de forma simplificada e
direta trazendo as parcelas pagas a valor presente pelo custo de oportunidade da
instituição financeira para a data do contrato e descontando o valor financiado e o
custo de contrato. Esquematicamente temos:
“Lucro Operacional” = VP(parcelas pagas) – Valor Financiado – Custo Contrato
em que
•
VP(parcelas pagas) é o valor presente das parcelas pagas na
data do contrato trazida pelo custo de oportunidade da
instituição, que no caso de grandes bancos é próxima da taxa
básica de juros da economia, a Selic.
•
Valor Financiado é o valor concedido ao cliente na operação.
•
Custo Contrato é o custo marginal de conceder um novo
contrato.
•
“Lucro Operacional” é o resultado gerencial obtido em uma
operação.
Voltando ao exemplo anterior, qual o resultado do contrato se o cliente paga
todas as parcelas do contrato? O resultado de um contrato de 1.000 reais em 6
parcelas mensais a uma taxa de 12% ao mês pago integralmente seria 360 reais como
vemos na figura a seguir:
Figura 11: Resultado Gerencial
Portanto, o spread ou retorno da operação é 360/1000 ou 36% no prazo médio
da operação, aproximadamente 3,5 meses. Porém, este não é o único tipo de contrato
em uma carteira de clientes de uma instituição financeira. Há contratos em parcelas
não são pagas e cujo resultado é inferior ao do caso estudado.
O resultado do exemplo anterior no caso de inadimplência pode ser visto na
figura a seguir:
Figura 12: Resultado Gerencial II
A partir de 4 parcelas pagas, o resultado gerencial da operação se torna
negativo e pode ser negativo em 1.030 reais no caso do não pagamento de todas as
parcelas. Neste caso podemos dizer que houve 100% de inadimplência em termos dos
valores previstos para receber. Definiremos inadimplência como o percentual não
pago dos valores das parcelas contratadas.
Inadimplência = Total não Pago/Valor das Parcelas
No caso em que uma parcela não é paga, a inadimplência é de 1/6 ou 17%,
mas ainda assim, o resultado é positivo em 137 reais, retorno de 14%. No caso de um
contrato, a inadimplência assume valores discretos, como 1/6, 2/6, etc., no caso de 6
parcelas e 1/12, 2/12, etc., no caso de 12 parcelas. Porém, quando tratamos de um
conjunto de contratos de valores diversos e parcelas de valor distinto, o índice de
inadimplência pode assumir qualquer valor e torna-se uma variável contínua.
Este índice será muito utilizado ao longo do trabalho e daqui por diante
quando o termo inadimplência for mencionado, estaremos tratando do conceito acima
descrito. Outro conceito importante é o Percentual de Sinistro, definido como o
percentual de contratos não pagos integralmente.
Sinistro = número de contratos não pagos/total de contratos
Definidos
os
conceitos
desenvolvimento dos modelos.
específicos
e
o
contexto,
passaremos
ao
4.2. A Base de Dados e Análises Preliminares
A base de dados foi obtida através de um processo aleatório de consulta ao
banco de dados de instituição financeira. Os contratos selecionados constituem uma
amostra aleatória dos primeiros contratos de clientes ou contratos de clientes novos,
até então desconhecidos da empresa2. Como resultado, há apenas um contrato de cada
cliente.
A base está organizada por operação. Ou seja, cada registro da base
corresponde a um contrato de empréstimo pessoal com cheque, o que abre a
possibilidade de um cliente aparecer mais de uma vez na amostra. Neste caso
portanto, estaremos avaliando o risco de uma operação de empréstimo pessoal e não
de um cliente.
A base de dados é constituída de variáveis cadastrais do cliente, dados da
operação e algumas outras informações da situação do cliente no mercado, além do
resultado dos créditos concedidos. A amostra contém informações de 66.736
operações de empréstimo pessoal com cheque. A seguir serão descritas as variáveis
coletadas.
Variáveis cadastrais do cliente:
•
Idade
•
Estado Civil
•
Ocupação – aposentado, assalariado, funcionário público, etc.
•
Sexo
•
Estado (UF) de residência
•
Tempo na residência
•
Tempo no emprego
•
Tempo de conta corrente
•
Cartão de crédito – se cliente possui ou não
Variáveis da operação:
2
•
Plano – número de parcelas contratado
•
Valor Financiado
A amostragem aleatória de primeiros contratos dos clientes resulta em uma base que contém apenas
um contrato de cada cliente, o que torna desnecessária a correção por cluster.
•
Carência – número de dias entre a data da contratação do crédito e a
data do vencimento da primeira parcela.
•
Taxa do financiamento
Outras:
•
Número de passagens no SPC – a cada vez que um cliente solicita
crédito, é feita uma consulta no banco de dados do Serviço de Proteção
ao Crédito. Estas consultas são registradas “passagem” do CPF pelo
SPC e a informação de quantas vezes um determinado CPF passou
pelo SPC pode ser obtida através de consulta ao mesmo órgão.
Portanto, esta variável pode ser considerada uma aproximação do
endividamento do indivíduo no mercado em geral.
•
Número de parcelas pagas – corresponde ao número de parcelas pagas
pelo cliente e será utilizada para definir se a operação foi de sucesso ou
insucesso, se foi boa ou má.
Definição de Bom e Mau
Um insumo importante para a continuação das análises e da modelagem
propriamente dita é a definição do conceito de operação boa e má. No caso em
questão, diremos que uma operação boa é aquela que foi integralmente paga, ou seja,
os casos em que todas as parcelas foram pagas:
Bom: número de parcelas do contrato é igual ao número de parcelas pagas
Mau: caso contrário
Análises Preliminares
Descritas as variáveis e definido o critério de operação boa, passemos à busca
por variáveis explicativas. A amostra em questão possui 66.736 registros ou operações
de empréstimo pessoal com cheque. Foram realizadas análises cruzando cada variável
ou atributo com o resultado da operação. A seguir são expostos os resultados por tipo
de variável. Inicialmente, os resultados relativos a variáveis cadastrais dos clientes.
Variáveis cadastrais discretas:
Figura 13: Análise Preliminar da Variável Estado Civil
Figura 14: Análise Preliminar da Variável Cartão de Crédito
Figura 15: Análise Preliminar da Variável Ocupação
Figura 16: Análise Preliminar da Variável Sexo
Figura 17: Análise Preliminar da Variável Estado
Segundo os resultados obtidos, a amostra possui a seguinte composição de
créditos bem ou mal sucedidos:
Figura 18: Bons e Maus
Resultados da análise de variáveis cadastrais contínuas:
Figura 19: Análise Preliminar da Variável Tempo de Serviço
Figura 20: Análise Preliminar da Variável Tempo de Residência
Figura 21: Análise Preliminar da Variável Renda
Figura 22: Análise Preliminar da Variável Idade
Figura 23: Análise Preliminar da Variável Tempo de Conta Corrente
A partir dos resultados obtidos, identificam-se aquelas que se tornarão as
principais variáveis do modelo. Dentre as variáveis discretas, destacam-se a ocupação
do cliente principalmente e o estado em que reside. Dentre as contínuas, o tempo de
conta corrente, a idade e renda do cliente demonstram correlação com o sucesso ou
insucesso da operação.
Por outro lado, algumas variáveis não se mostram fortes explicadoras do risco
de crédito, como o fato do cliente possui ou não cartão de crédito, o estado civil e os
tempos na residência e no emprego.
No caso da variável cartão de crédito, observa-se que o número de clientes
cadastrados como possuidores de cartão é extremamente baixa, o que indica mau
preenchimento da variável no momento da coleta dos dados no passado.
A seguir os resultados relativos às variáveis da operação:
Figura 24: Análise Preliminar da Variável Valor Financiado
Figura 25: Análise Preliminar da Variável Plano
Uma das variáveis mais fortes dentre todas as analisadas é o plano, o número
de parcelas contratado. Existe uma relação direta entre o risco de crédito e o plano,
quanto maior o número de parcelas, maior o risco. Porém, como veremos mais
adiante, à medida que o plano aumenta, não só o risco aumenta, mas o retorno
também, já que a mesma taxa é aplicada em um período de tempo maior. Isto implica
que planos maiores sustentam inadimplências maiores.
Por fim, o resultado obtido com a variável número de passagens no SPC:
Figura 26: Análise Preliminar da Variável Número de Passagens
Esta é outra variável com alta correlação com o risco de crédito e certamente
se dará relevante contribuição às previsões.
4.3. Descrição das Metodologias
Nesta seção, serão exploradas duas das metodologias aplicáveis ao problema
de previsão do risco de crédito no varejo e mais especificamente no mercado de
empréstimo pessoal. O objetivo é descrever conceitualmente cada uma das
metodologias, explicar brevemente como funcionam, como devem ser interpretados
os resultados e por fim, mostrar a adequação entre cada metodologia e as situações ou
em que situações cada uma é mais indicada.
Trataremos de duas metodologias estatísticas, Regressão Linear Múltipla e
Regressão Probit. Em primeiro lugar, trataremos da Regressão Linear, por ser a base
teórica para as demais técnicas. Em seguida, será tratada a Regressão Probit.
4.3.1. Análise de Regressão Linear Múltipla
O objetivo de uma análise de regressão é buscar e comprovar estatisticamente
relações lineares entre variáveis de qualquer natureza, sejam elas econômicas,
questões de negócio, fenômenos naturais ou eventos corriqueiros, e estimar esta
relação através de dados empíricos.
A análise de regressão linear múltipla pode ser usada para analisar a relação
entre uma variável dita dependente ou explicada e variáveis independentes ou
explicativas. Encontrada esta relação, é possível estimar ou prever a partir das
variáveis independentes e cujos valores são conhecidos o valor da variável explicada
ou dependente.
Como o próprio nome já indica, esta técnica procura estimar relações lineares
segundo a seguinte estrutura básica:
m
Yi = ∑ β j X ij + ε
j =0
em que
•
Y é a variável dependente ou explicada,
•
As variáveis X são as variáveis independentes ou explicativas
•
Os β’s são os coeficientes que determinam as relações entre as
variáveis e ilustram a contribuição de cada variável para a variação
da variável dependente,
•
índice “i” se refere aos n elementos da amostra,
•
índice j se refere às m variáveis explicativas
•
E o ε é o termo de erro, que absorve variações da variável
dependente causadas por variáveis ausentes ou por aleatoriedades
intrínsecas ao processo em questão. Ilustram, portanto, as variações
em torno do valor previsto.
O processo de regressão estima a partir de uma amostra de dados históricos a
respeito do fenômeno em questão, a combinação de coeficientes (β’s) que melhor se
adequa a estes dados. A partir destes coeficientes e do valor das variáveis explicativas
é possível prever o valor esperado da variável dependente. Além da estimativa
pontual, é possível estimar um intervalo de confiança tanto para os coeficientes Beta
estimados quanto para as estimativas obtidas com a equação obtida. Desta forma, é
possível mensurar a incerteza acerca do valor estimado.
Para maiores informações sobre regressão linear ver Maddala (2001).
4.3.2. Análise de Regressão Probit
Um processo de regressão probit é um processo de regressão especifico para
modelos cuja variável dependente é discreta, dicotômica (0 ou 1) ou discreta em
vários níveis (0, 1, 2, 3, ...). Os conceitos envolvidos são basicamente os mesmos
envolvidos em um processo de regressão linear, porém, a regressão probit pressupõe
uma estrutura diferente da linear entre as variáveis independentes e dependentes.
No caso de uma variável dependente dicotômica, que assume valor 0 ou 1, a
regressão linear poderia resultar em valores superiores a 1 ou inferiores a 0, o que não
faz sentido, já que estes valores da variável dependente são impossíveis. No exemplo
a seguir, vemos a representação da relação entre uma variável dicotômica e uma
variável explicativa contínua.
Figura 27: Variável Dependente Dicotômica
Na segunda figura, vemos a representação das regressões linear e probit
aplicadas ao problema. Enquanto a reta corta o eixo horizontal e o nível de 1 da
variável dependente na regressão linear, a função que relaciona as variáveis obtida
através de regressão probit possui formato curvo e se localiza acima de 0 e abaixo de
1.
Regressão Linear
Regressão Probit
Figura 28: Regressão Linear e Regressão Probit
Para maiores informações sobre regressão probit ver Kennedy (1998) e Greene
(2002). Para aplicação da metodologia ao problema de previsão do risco de crédito
ver Gonçalves e Issler (1996).
4.4. Estimação das Equações
Ao aplicar ambas as metodologias descritas anteriormente à amostra, obtemos
as equações de escore, que relacionam o risco de crédito com as variáveis cadastrais
do cliente, variáveis da operação e da situação do cliente no mercado. A seguir são
expostas as variáveis de cada uma das equações obtidas com regressão linear e
regressão probit.
Figura 29: Variáveis da Equação de Escore por Regressão Linear
Na equação acima, podemos ver as variáveis que compõem o modelo linear, o
sinal de seus coeficientes, o p-valor, que indica a existência de relação entre a variável
e o risco, e o tipo da variável. Existem dois tipos de variáveis, “dummy” e contínua.
Variáveis dummy são variáveis dicotômicas, que assumem os valores 0 ou 1 e são
usadas para indicar a presença de atributo qualitativo e não quantificável, como um
estado civil, ocupação ou mesmo cada um dos planos possíveis. Deve-se interpretar a
equação
da
seguinte
forma.
Os
coeficientes
positivos
indicam
variáveis
correlacionadas negativamente com o risco de crédito, enquanto coeficientes
negativos indicam o contrário. Quanto maior o plano, por exemplo, mais negativo é o
coeficiente e maior o risco de crédito esperado. Por outro lado, quanto maior o tempo
de conta corrente (coeficiente positivo), menor o risco de crédito. Como esperado,
algumas variáveis se mostram fortes como o número de passagens, o plano, o tempo
de conta corrente e a renda.
Por sua vez, a regressão probit aplicada nos dados resultou na seguinte
equação de risco:
Figura 30: Variáveis da Equação de Escore por Regressão Probit
A interpretação da equação obtida através da regressão probit possui suas
peculiaridades. Neste modelo, estamos buscando a probabilidade de um crédito ser
mau sucedido. Portanto, quanto maior o score, maior a probabilidade de
inadimplência. Desta forma, coeficientes positivos indicam aumento do risco à
medida que a variável assume valores maiores. Coeficientes negativos indicam
variáveis negativamente correlacionadas com o risco. É importante observar que as
variáveis chave de ambos os modelos são as mesmas, apesar de possuírem pesos
distintos. A seguir, serão determinados os pontos de corte de ambos os modelos e
compararemos os resultados obtidos com cada um.
4.5. Determinação dos Pontos de Corte
Como visto anteriormente, a definição do ponto de corte tem por objetivo
responder a perguntas como:
1. Qual o nível de risco suportável?
2. Quais operações devem ser aprovadas e quais devem ser negadas?
3. Quais níveis de risco possuem valor esperado ou resultado positivo?
O processo de definição de ponto de corte pode ser didaticamente dividido em
algumas etapas principais. Em primeiro lugar, deve ser calculado o resultado
financeiro de cada operação. Em seguida, as operações devem ser agrupadas em
níveis de risco e seus resultados somados de modo a obter o resultado esperado de
cada nível de risco. Ordenando estes níveis do menos arriscado para o mais arriscado,
calcula-se o lucro acumulado e então se define o ponto de corte como o ponto de lucro
acumulado máximo, ou lucro marginal (do nível de risco) igual a zero.
A lógica por trás desta definição está na premissa de que a medida que o risco
previsto aumenta, maior são os custos com inadimplência até um ponto em que estes
custos tornam negativo o resultado esperado de determinados níveis de risco.
No caso do empréstimo pessoal com cheque, é preciso definir pontos de corte
específicos para cada plano. Já que o preço é o mesmo para todos os planos, 12% ao
mês aproximadamente, cada plano possui o um nível de perdas com inadimplência
suportável. Planos longos como 11 e 12, suportam inadimplência maior que planos
curtos. Em outras palavras, o nível de inadimplência que resulta em lucro igual a zero
para planos longos é maior do que o nível de perdas que tornam o lucro igual a zero
em planos curtos.
A figura a seguir exemplifica a determinação de ponto de corte para o plano 6
no casa da regressão probit.
Figura 31: Determinação do Ponto de Corte
Na coluna da esquerda, temos a probabilidade de inadimplência ou níveis de
risco. Nas demais colunas, vemos a relação de bons e maus que decresce a medida
que o risco aumenta, a inadimplência em termos financeiros (ver seção 4.1. Contexto
– Empréstimo Pessoal com Cheque), que aumenta com o risco previsto, com exceção
das duas faixas de maior risco em que há poucas observações. Por fim, há duas
colunas de lucro, o lucro do nível de risco e o lucro acumulado.
À medida que evoluímos nos níveis de risco e agregamos resultados positivos,
maior é o lucro acumulado. Porém, quando passamos do nível de risco entre 67,5% e
72,5% para o nível de risco entre 72,5% e 77,5% cujo resultado é negativo, o lucro
acumulado decresce, o que indica que o corte deve estar em torno de 72,5% e 77,5%.
De fato, ao fazer a mesma análise com um número maior de níveis de risco, chegamos
ao corte de 76,2% de probabilidade de inadimplência.
Este mesmo procedimento foi aplicado a todos os planos para ambas as
metodologias, linear e probit. Os pontos de corte obtidos foram os seguintes:
Figura 32: Pontos de Corte
4.6. Comparação dos Resultados
Ambos os modelos, linear e probit, estão prontos para serem utilizados na
prática, já que sabemos como avaliar o risco de crédito e até que nível de risco é
interessante aprovar as propostas. Porém, qual o melhor modelo?
As análises a seguir fornecem insumos para responder a pergunta acima. Os
modelos serão comparados segundo dois critérios. O primeiro é um teste estatístico, o
coeficiente KS, que indica o poder do modelo separar as duas populações, bons e
maus. O segundo critério é financeiro e corresponde ao lucro após o corte ou o
acréscimo de lucro obtido com a utilização dos modelos.
O teste KS indica a separação ou diferença máxima entre as distribuições
acumuladas de bons e maus. Os gráficos a seguir ilustram o teste.
Segundo este indicador, não há diferenças significativas entre o poder de
discriminação de cada um dos modelos. O KS do modelo linear é de 29,5% enquanto
o KS do modelo probit é de 29,7%. Conclui-se, portanto, que os modelos se
equivalem no quesito discriminação.
KS - Regressão Linear
Separação entre as Populações de Bons e Maus
100,0%
90,0%
80,0%
Distribuição
70,0%
60,0%
% Bons Acum.
% Maus Acum.
50,0%
Diferença
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
1
3
5
7
9
11
13
Níveis de Risco
Figura 33: KS Regressão Linear
KS - Regressão Probit
Separação entre as Populações de Bons e Maus
100,0%
90,0%
% Bons Acum.
% Maus Acum.
80,0%
Diferença
Distribuição
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Níveis de Risco
Figura 34: KS Regressão Probit
A análise financeira a ser realizada possui como indicadores o lucro marginal
obtido com a utilização do modelo e o retorno obtido. Como vimos na seção sobre
empréstimo pessoal com cheque, o lucro de uma operação deste tipo é a diferença
entre o valor presente das receitas efetivamente obtidas e o valor presente dos custos.
O lucro marginal é calculado pela diferença do resultado obtido com o modelo
subtraído do resultado obtido sem modelo ou se todas as operações fossem aprovadas.
O retorno tem como objetivo avaliar a eficiência da concessão do crédito é definido
como a razão entre lucro e valor financiado.
Lucro marginal = Lucro com modelo – Lucro sem modelo
Retorno = Lucro/(Valor Financiado)
A tabela abaixo mostra o resultado que seria obtido se não houvesse restrição
ao crédito, ou seja, na ausência de modelos de escoragem de crédito. Neste cenário, o
resultado seria de 11,157 milhões e o retorno 16,9%.
Figura 35: Resultado na Ausência de Modelo
Ao aplicarmos o modelo probit, obtemos os seguintes cortes e resultados
financeiros:
Figura 36: Resultado com Modelo Probit
A utilização do modelo incrementa o lucro em 7,7% para 12,012 milhões e o
retorno atinge 24,12%, aumento de 42,4%.
A seguir os resultado obtidos com o modelo linear.
Figura 37: Resultado com Modelo Linear
O incremento de lucro obtido com a utilização do modelo linear é de 7,9%
para 12,039 milhões. Já o aumento do retorno é de 41,8% para o nível de 24,02%.
A comparação dos dois modelos mais uma vez nos leva a concluir que os
mesmo são equivalentes também no que diz respeito a resultado financeiro. Enquanto
o lucro obtido pelo modelo linear é ligeiramente maior, 0,2% a mais de incremento, o
retorno do modelo probit é um pouco maior, incremento de 42,4% contra 41,8% do
modelo linear. As diferenças são, portanto, muito pequenas e não significativas.
O desempate poderia se dar no nível da aprovação das propostas. O modelo
que trouxesse mais negócios ou que aprovasse mais seria o preferido de uma
instituição financeira. Porém, a análise da aprovação esperada indica percentuais
muito próximos para ambas as metodologias em torno de 80% de aprovação.
A conclusão final destas análises é que existem ganhos relevantes na utilização
de modelos de escoragem de crédito, porém, não há diferenças significativas entre os
resultados alcançados com cada uma as metodologias, tanto em termos estatísticos,
quanto em termos financeiros.
Conclusão
O presente trabalho apresentou conceitos de avaliação do risco de crédito no
varejo e mais profundamente conceitos relacionados aos modelos estatísticos que
sustentam estas previsões e as decisões relacionadas à aprovação das propostas,
denominados modelos de escoragem de crédito. Em sua primeira parte, descrevemos
o contexto do mercado de crédito brasileiro, os produtos financeiros disponíveis e
suas principais características. Em seguida, foram descritas as principais etapas da
construção de modelos de escoragem de crédito e testadas duas metodologias ao caso
de operações de empréstimo pessoal com cheque, regressão linear e probit.
Os resultados obtidos da construção e aplicação dos modelos demonstraram os
benefícios quantitativos da utilização deste tipo de ferramenta. O incremento de lucro
obtido com é da ordem de 8% e o incremento de retorno é de aproximadamente 40%.
Outros benefícios estão ligados à própria viabilidade do negócio, que requer avaliação
de crédito ágil e padronizado. Modelos de escoragem de crédito garantem estas
características ao processo de concessão de crédito no varejo. As avaliações passam a
ser iguais para todas as propostas e deixam de estar vulneráveis ao humor de analistas
de crédito e critérios subjetivos. Além disso, ao serem implantados em sistemas de
suporte à decisão e sistemas de informação, garantem análises e pareceres
automáticos.
A conclusão final a respeito das duas metodologias aplicadas ao problema
indica não haver diferenças significativas nos resultados alcançados com cada uma
das metodologias. Enquanto o modelo probit gera 12,012 milhões de reais de lucro e
24,12% de retorno na amostra selecionada, o modelo linear gera 12,039 milhões de
lucro e 24,02% de retorno.
Atualmente, modelos de escoragem de crédito não são as únicas ferramentas
estatísticas de previsão utilizadas por empresas e instituições financeiras.
Metodologias inicialmente utilizadas exclusivamente com foco em risco têm sido
utilizadas em outras áreas. Modelos de propensão à aceitação de um determinado
produto ou de qualquer tipo de comportamento, modelos de gestão de carteira e
ferramentas de segmentação de clientes estão muito difundidas em instituições de
ponta em todo o mundo.
Existem ainda outros ramos de pesquisa em risco de crédito. Em assuntos
conceituais que formam o pano de fundo para que ferramentas estatísticas possam ser
criadas, mas principalmente estudos sobre risco de crédito de empresas e países. Há
modelos de previsão do risco ou da probabilidade de falência de empresas e governos,
modelos de determinação de “ratings”, modelos de apreçamento de títulos de longo
prazo, além de toda a literatura existente sobre o desenvolvimento de produtos
financeiros derivativos relacionados a crédito, Duffie e Singleton (2003).
Porém, para instituições atuantes no setor de serviços financeiros no varejo,
ferramentas de escoragem são fundamentais para otimizar os resultados, melhorar a
eficiência e obter vantagem comparativa em relação à concorrência.
Bibliografia
Greene, William H. Econometrics Analysis. 5th Edition. EUA, Prentice Hall, 2002.
Kennedy, Peter. A Guide to Econometrics. 4th Edition. EUA, MIT Press, 1998.
Lewis, Edward M. A Introduction to Credit Scoring. EUA, Fair, Isaac and Co.,
1992.
Maddala, G. S. Introduction to Econometrics. Third Edition. EUA, John Wily &
Sons, 2001.
Dufie, Darrell; Singleton, Keneth J. Credit Risk – Pricing, Measurement and
Management. EUA, Princeton, 2003.
Gonçalves, Franklin de O.; Issler, João Victor. A Probit Model for Credit Risk. Rio
de Janeiro, 1996.
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