IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO PARA
PROFESSORES DE LÍNGUA PORTUGUESA DA
REDE ESTADUAL DE ENSINO DO ESTADO DE
PERNAMBUCO-PE – AUSÊNCIA DE INTERAÇÃO
CURRICULAR COM O CURSO DE LETRAS?
Betânia Maria Lidington Lins
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO PARA PROFESSOR DE LÍNGUA
PORTUGUESA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO ESTADO DE
PERNAMBUCO – AUSÊNCIA DE INTERAÇÃO CURRICULAR COM OS
CURSOS DE LETRAS?
Betânia Maria Lidington Lins¹
RESUMO: O tema deste trabalho refletirá sobre as provas de concurso público para
professor de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino do Estado de Pernambuco
nos dois últimos certames realizados em abril e novembro de 2008, considerando os
baixos índices de aprovação dos candidatos (e egressos do curso de Letras, portanto),
resultado este amplamente publicado nas mídias escrita e falada do Estado à época de
sua divulgação. Nosso objeto de estudo coloca para a pesquisa acadêmica a inquietação
de analisar e discutir essas provas e buscar caminhos para entender o baixo rendimento
dos candidatos a professor de Língua Portuguesa. As provas foram analisadas em seus
conteúdos pedagógicos e específicos, levanodo-se em consideração as demandas
exigidas para o profissional da área e à luz da pedagogia histórico-crítica de Dermeval
Saviani e os conceitos de habitus e campo de Bourdieu. Ao final, teremos conclusões
que nos apontam um caminho a percorrer em relação à formação inicial do professor de
Língua Portuguesa e o seu melhor desempenho em provas de concursos públicos para a
área.
PALAVRAS-CHAVE: concurso público – professor de Língua Portuguesa – formação
de professor – currículo.
INTRODUÇÃO
Lançando um rápido olhar sobre o resultado dos dois últimos concursos
públicos1 para a Rede Estadual de Ensino do Estado de Pernambuco realizados em abril
e novembro de 2008, para a disciplina de Língua Portuguesa, constatamos que houve
um pequeno número de candidatos aprovados. Na área de maior concorrência da Região
Metropolitana do Recife, na Gerência Regional de Ensino – GRE/Recife-Norte –, no
concurso de abril/2008, de 106,5 candidatos que concorreram a uma vaga, sendo duas
2
Fonte: www.upenet.com.br [Acesso em 10.10.2008].
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vagas no total, apenas 23 foram aprovados.
Nessa mesma GRE, no concurso de
novembro/2008, de 167 candidatos que concorreram à única vaga disponibilizada para
essa área, apenas 45 foram aprovados.
Nas cidades do interior, o resultado foi ainda mais preocupante: em várias
cidades houve apenas um candidato aprovado ou então não houve candidato aprovado,
deixando, portanto, várias vagas por preencher.
Sobre o concurso de abril/2008, em virtude do grande número de professores
reprovados, os jornais locais da época destacaram diversas notícias, conforme trechos
de reportagens do Jornal do Commercio2, que lançam um olhar de preocupação sobre o
nosso tema (BASTOS, 2009).
O resultado da primeira etapa do concurso para professor da rede
estadual de ensino, divulgado ontem, revelou uma realidade
preocupante: a precária qualidade da formação dos docentes
(AZEVEDO, 2008).
Decidimos, neste concurso, aumentar o ponto de corte, porque
queríamos qualificar melhor a seleção. Em vez de a nota ser 3,5, como
foi em 2006, neste concurso passou para 6. Esperávamos suprir a
necessidade da rede, mas não conseguimos. Infelizmente, o resultado
foi este, observou o Secretário Estadual de Educação. (AZEVEDO,
2008).
Ainda sobre o resultado desse concurso de abril/2008, em relação ao
desempenho dos professores em todas as áreas do concurso, a Secretaria de Educação
do Estado de Pernambuco divulgou que o governo pretendia preencher as 1.702 vagas
disponibilizadas no Edital, além de criar um cadastro de reserva de 1.452 professores,
com a expectativa de nomear ao todo 3.154 docentes. Infelizmente, essa meta não foi
alcançada, já que 25.832 professores não obtiveram a pontuação mínima, ou seja, 60%
das questões das provas, levando ponto de corte na prova objetiva (BASTOS, 2009).
As afirmações acima levantam questões referentes à formação do egresso do
curso de Letras, sobre o currículo do curso, o programa das disciplinas, mas também
sobre as regras do concurso, o tipo de prova e das questões exigidas. Lança-nos, porém,
algo mais preocupante, que é o questionamento sobre a conquista da realização de
concurso público como única forma de ingresso no serviço público e que, quando são
2
Reportagem exibida em AZEVEDO, Margarida. Concurso reprova professores. Jornal do Commercio.
Cidades. Educação. Recife, 06/05/08.
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realizados, no caso específico para professores, estes não conseguem ser aprovados para
a carreira, em sua grande maioria, deixando espaço aberto para outros tipos de
contratação, como estágios e minicontratos.
Por que tal desempenho se deu? Por falta de estudos para as provas do concurso?
Por incompetência pessoal dos muitos professores reprovados? Seria mais uma vez a
distância entre a teoria e a prática se desnudando de forma escancarada, num concurso
público, cujo resultado é divulgado nas mídias escrita e falada e coloca os professores
de Língua Portuguesa diante da população desinformada sobre as questões da língua,
considerando-os incapazes mesmo de exerceram o magistério? Ou seria, na realidade,
uma falha, não do professor, mas da formação que ele recebeu na faculdade de Letras?
Formação inicial frágil e desconectada da realidade que o mercado de trabalho exige e
impõe aos candidatos a concursos públicos de professor?
Atualmente, professores da rede pública de ensino só ingressam no serviço
público via concurso, o que mostra a importância de analisarmos a questão aqui
colocada, uma vez que, se os professores não estão preenchendo as vagas
disponibilizadas, quem as preencherá?
Quem tomará o lugar desses professores?
Estagiários, ou seja, estudantes da graduação? Ou os chamados “minicontratados”
(professores formados que ingressam na rede pública de ensino, sem concurso público,
para cumprir contrato de trabalho temporário de 24 meses, geralmente), muitas vezes
despreparados para a docência? Essas são indagações que devem inquietar profissionais
da área de língua portuguesa, pesquisadores e autoridades governamentais, além de
demandarem estudos de ordem sócio-histórico-cultural da formação do professor.
CURRÍCULO E FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA
NA VISÃO DA TEORIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Segundo Pacheco (2005), “enquanto expressão de um projeto de escolarização, o
conceito de currículo tem sofrido, ao longo dos tempos, uma erosão natural que o tem
transportado desde uma concepção restrita de plano de instrução até uma concepção
aberta de projeto de formação, no contexto de uma dada organização.”
Diante do exposto, surge-nos o questionamento em relação à capacidade de ler,
interpretar e produzir um texto que o egresso do curso de Letras desenvolve ao longo de
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sua formação, bem como sobre questões ligadas ao currículo da instituição onde ele se
formou.
Verificamos que, num passado não muito distante, na formação que era dada nos
cursos de Letras ao futuro professor de Língua Portuguesa, este recebia ensinamentos
centrados na gramática normativa, através do esquema certo/errado, já que o currículo
desses cursos priorizava o estudo da língua sob essa ótica.
Porém, com o aparecimento da Linguística a partir do início do século XX e o
pleno desenvolvimento de suas diversas áreas (Linguística de Texto, Sociolinguística,
Análise do Discurso, Pragmática) na década de 80 do século passado, o ensino nos
cursos de Letras passou por algumas mudanças, não se exigindo mais do graduando o
conhecimento de regras gramaticais na ponta da língua e sim uma reflexão sobre o
funcionamento e os fenômenos da língua e o papel que ela exerce em nossa sociedade.
A língua deixou de ser concebida como representação do pensamento, vista na
perspectiva da gramática tradicional, e passou a ser vista como interação entre
interlocutores, materializada através de gêneros textuais em circulação na sociedade.
Ocorre que, à margem da mudança ocorrida nos currículos dos cursos de Letras,
e do que passou a ser exigido para um graduando desse curso, o já graduado em Letras e
agora professor de Língua Portuguesa se deparava com livros didáticos à moda antiga,
com grande quantidade de exercícios estruturadores baseados na norma padrão da
gramática tradicional, ao mesmo tempo em que também encontrava uma cultura escolar
que legitimava a norma de prestígio e requeria essa proposta de ensino nas salas de aula
de Língua Portuguesa, desconsiderando as variedades linguísticas, ou seja, a diversidade
linguística, resultado da chamada democratização do ensino (SOARES, 1989).
Nesse contexto, cabia ao professor traçar o caminho da reprodução desses
conhecimentos,
em oposição
ao
que recebeu
na
graduação,
considerando,
especialmente, o espaço institucional em que se deu sua formação e a ausência de uma
política de formação continuada que garantisse a reflexão sobre o seu fazer docente.
A partir da publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em 1997,
foi proposto um referencial de ensino de Língua Portuguesa pautado numa concepção
de língua como interação, cuja abordagem procurava contribuir para a formação de
sujeitos capazes de se relacionarem com as mais diversas situações de uso e de reflexão
sobre a leitura e a escrita.
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Esses pressupostos teórico-didáticos passaram a nortear as propostas oficiais de
ensino de língua, incluindo o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que passou
a avaliar e a estabelecer critérios de análise dos novos livros didáticos de Língua
Portuguesa a serem selecionados pelos professores, distribuídos nas escolas públicas
pelo governo e também para divulgação pelas editoras junto às escolas privadas,
pautando-se na reflexão sobre a língua e sua adequação aos diversos contextos em que o
ato comunicativo se dá.
Essas novas propostas teóricas, transformadas em saberes a serem ensinados,
parecem configurar-se em mais um desafio para o professor de Língua Portuguesa,
tendo que lidar com o antigo e o novo no ensino de língua.
Assim, diante de concursos públicos para selecionar professores de Língua
Portuguesa para atuarem em escolas públicas, verificou-se que o desempenho dos já
professores de Língua Portuguesa e dos recém-formados em Letras - considerando que
candidatos experientes e inexperientes podem concorrer a vagas de concurso público - ,
não correspondeu às expectativas de um aporte teórico assumido pela instituição
responsável pela elaboração do concurso, que deve ter primado, supomos, por uma
abordagem de reflexão da língua em que se exige do professor/candidato um maior
comprometimento com a criticidade que os aspectos linguísticos apontam, destoando de
uma abordagem mais tradicional da língua, com a qual o já professor ou candidato está
acostumado a lidar.
Lançando um rápido olhar sobre a formação do professor de Língua Portuguesa,
podemos aprofundar as discussões de como esse professor entende as concepções de
língua e linguagem no momento atual; de como ele compreende a leitura e a produção
de um texto; quais as estratégias das quais ele se utiliza para compreender e produzir um
texto. Podemos discutir também se a formação que ele recebe na faculdade, no curso de
Letras, prepara-o para o mercado de trabalho sob o domínio dos novos paradigmas de
ensino da Língua Portuguesa que surgiram nas últimas décadas do século passado.
Kramer (2001), analisando a história de vida de professores com idades e experiências
diversas, conclui que se deve dar ao professor a oportunidade dele se tornar leitor
“afetivo e efetivo”, oferecendo-lhe nas formações continuadas o contato com a literatura
de prazer, de fruição. Assim, acredita a autora, os professores poderão resgatar ou
construir o gosto pela leitura.
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Segundo a pedagogia histórico-crítica, aqui no Brasil tendo como um de seus
principais representantes Dermeval Saviani, cujas obras (2003, 1996, 1995) nos
apontam conceitos básicos para entendê-la, a formação docente deve se fundamentar em
bases teóricas sólidas apoiadas na reflexão filosófica e no conhecimento científico
(Saviani, 1995), conforme Marx preconizava, base teórica esta essencial para a
compreensão do homem como um conjunto de várias determinações (subjetivas, sociais,
econômicas), bem como das vinculações do trabalho educativo no contexto da prática
social.
De acordo com Saviani (2003, p. 13), a essência do trabalho educativo consiste
no “ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a
humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens.”
Nesse sentido, o trabalho educativo é uma atividade mediadora entre o indivíduo e a
atividade humana e deve ser realizado de forma intencional, regido pela finalidade de
garantir a universalização das muitas possibilidades geradas pelo processo histórico de
desenvolvimento do gênero humano a todos os indivíduos, de modo a contribuir de
forma afirmativa para a prática social dos educandos.
Saviani (1996) diz que a reflexão filosófica possibilita ao educador a superação
de uma compreensão sobre a prática pedagógica concebida de forma fragmentária,
incoerente, desarticulada e simplista, porque guiada pelo senso comum, por uma
compreensão unitária, coerente, articulada, intencional e cultivada, porque guiada pela
consciência filosófica. É a reflexão crítica sobre os problemas que se apresentam na
realidade educacional, fundamentada em um método de análise que atenda às
exigências, segundo o próprio Saviani, das categorias da radicalidade, do rigor e da
globalidade.
Marx diz que “ser radical é agarrar as coisas pela raiz” (MARX, 2005, p. 151),
ou seja, na categoria da radicalidade, é necessário um aprofundamento para se chegar à
raiz das coisas, aos fundamentos do problema que se apresenta ao educador, não
cabendo discussões superficiais ou fragmentárias para se chegar à base que lhe dá
sustentação e que determina sua manifestação como fenômeno da realidade.
Segundo Silva (2008), a categoria do rigor corresponde à exigência de
procedimentos sistemáticos e metódicos para o desenvolvimento da análise do
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problema, com a finalidade de questionar conclusões do senso comum e generalizações
indevidas.
A categoria da globalidadade refere-se à necessidade de um exame do problema
em seus vários aspectos e determinações, ou seja, é necessário termos uma visão geral
do problema, analisando-o em ralação aos demais aspectos do contexto no qual está
inserido.
Porém,
conforme
afirma
Saviani
(1996),
essas
categorias
não
são
autossuficientes nem devem ser compreendidas como justapostas umas às outras,
permitindo o surgimento da reflexão filosófica: “A profundidade [radicalidade] é
essencial à atitude filosófica do mesmo modo que a visão de conjunto [globalidade].
Ambas se relacionam dialeticamente por virtude da íntima conexão que mantêm com o
mesmo movimento metodológico, cujo maior rigor [criticidade] garante ao mesmo
tempo a radicalidade, a universalidade e a unidade da reflexão filosófica.” (SAVIANI,
1996, p. 17-18).
A reflexão acima está pautada no método dialético que possibilita ao educador o
desenvolvimento da capacidade de refletir com profundidade e rigorosidade sobre os
problemas educacionais. Essa capacidade de reflexão tem por finalidade favorecer a
compreensão desses problemas em sua totalidade, bem como analisar os condicionantes
do trabalho educativo para o encaminhamento de possibilidades efetivas para a
formação do educando, considerando a concepção histórico-social de formação humana
(Saviani, 1996).
Assim, o conhecimento científico e, com ele, o método dialético, se apresenta
como instrumento indispensável para o desenvolvimento do trabalho educativo, tanto
para a compreensão da realidade na qual se efetiva a prática pedagógica, considerandose as finalidades e os objetivos da educação escolar, quanto para o conteúdo do
conhecimento científico, como instrumento direto da formação humana, conforme
encontramos em Silva (2008).
BOURDIEU E A FORMAÇÃO DOCENTE – Os conceitos de habitus e campo
Podemos discutir as contribuições do sociólogo francês Pierre Bourdieu para a
formação docente através dos conceitos de habitus e campo, refletindo sobre a natureza
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dos saberes acionados pelo professor na sua prática cotidiana, considerando a
experiência cotidiana como um lugar de construção de saberes e estes saberes como
construções práticas organizadas e incorporadas como habitus ao longo da trajetória
pessoal e profissional do professor.
Desde o início de sua carreira e ao longo dela, Bourdieu tentou compreender a
ordem social distante do subjetivismo, ou seja, a ordem social vista como um produto
consciente e intencional do indivíduo, e do objetivismo, que considerava a ordem social
como exterior ao indivíduo, determinando de maneira inflexível as suas ações
individuais (Nogueira e Nogueira, 2004). Para superar essa dicotomia, Bourdieu propõe
uma teoria da prática, tendo como suporte o conhecimento por ele chamado de
praxiológico, centrado no conceito de habitus.
Bourdieu dizia que era possível conhecermos o mundo social através de três
formas: a fenomenológica, a objetivista e a praxiológica. O conhecimento
fenomenológico servia para captar a experiência primeira do mundo social, tal como os
membros de uma sociedade o viviam no cotidiano; o conhecimento objetivo promoveria
a ruptura sobre a experiência subjetiva imediata; e o conhecimento praxiológico, nas
palavras do próprio autor, “tem como objeto não somente o sistema das relações
objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também as relações
dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas, nas quais elas se atualizam
e que tendem a reproduzi-las.” (BOURDIEU, 1983, p. 47). Ou seja, segundo Nogueira e
Nogueira (2004), o conhecimento praxiológico não se restringiria a identificar estruturas
objetivas externas aos indivíduos, tal como o faz o objetivismo, mas buscaria investigar
como essas estruturas encontram-se interiorizadas nos sujeitos, constituindo um
conjunto estável de disposições estruturadas que, por sua vez, estruturam as práticas e as
representações das práticas. “Essa forma de conhecimento buscaria apreender, então, a
própria articulação entre o plano da ação ou das práticas subjetivas e o plano das
estruturas, ou, como repetidamente refere-se Bourdieu, o processo de ‘interiorização da
exterioridade e de exterioridade da interioridade’”. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004,
p. 26).
Habitus seria, então, a mediação entre a estrutura (objetivismo) e a prática
(subjetivismo). “Cada sujeito vivenciaria uma série de experiências, em função de sua
posição nas estruturas sociais, que efetivariam sua subjetividade, constituindo uma
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espécie de “matriz de percepções e apreciações”, que orientaria suas ações nas situações
posteriores. O habitus seria, então, produto da incorporação das estruturas sociais e da
posição de origem pelo sujeito, que passaria a “estruturar as ações e representações dos
sujeitos” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 28).
As marcas da posição social que o indivíduo ocupa na sociedade e os símbolos,
as crenças, os gostos e as preferências que caracterizam essa posição social são
incorporadas pelos sujeitos, nem sempre de forma consciente, tornando-se parte da
natureza do próprio indivíduo, constituindo-se num habitus.
Nogueira e Nogueira (2004, p. 30) ressaltam a incorporação do habitus quando
dizem que “os sujeitos agiriam de acordo com o que aprenderam ao longo de sua
socialização no interior de uma posição social específica e, dessa forma, confeririam às
suas ações um sentido objetivo que ultrapassa o sentido subjetivo diretamente percebido
e intencionado.”
O conceito de habitus, então, superaria a dicotomia entre a subjetividade e a
objetividade. A subjetividade seria superada pela noção de que as práticas, atitudes e
comportamentos dos sujeitos não são definidos por eles próprios, mas são produzidos
socialmente, considerando que esses aspectos da subjetividade dos sujeitos estão
configurados de acordo com a posição social específica ocupada originalmente pelos
sujeitos na estrutura social. A objetividade, por outro lado, seria superada considerando
que as estruturas sociais deixariam de ser vistas como produtoras de comportamento de
forma mecânica, determinista, de fora da estrutura para dentro do sujeito. Como
afirmam Nogueira e Nogueira (2004, p. 31) “A posição que o sujeito ocupa na estrutura
social não o conduziria, diretamente, a agir em determinada direção, mas faria com que
ele incorporasse um conjunto específico de disposições para a ação que o orientariam,
ao longo do tempo, nas mais diversas situações sociais.”
Bourdieu classifica o habitus de duas maneiras: o primário, que é transmitido de
maneira implícita e inconsciente pela educação recebida na família e pela regras de
classe; e o secundário, que é explícito e metodicamente organizado, proveniente da
educação escolar, da indústria cultural e dos meios de comunicação de massa.
O habitus também se modifica e incorpora outros esquemas de percepção e ação,
à medida que as condições sociais e históricas são alteradas. Ou seja, habitus tem
aspecto transitório, já que é uma construção sócio-histórica.
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Sobre o conceito de campo, ele é o local de mediação entre o sujeito e a
estrutura. Os sujeitos estão localizados num determinado campo e procuram se ajustar à
sua lógica específica, que é o conhecimento prático herdado da socialização familiar do
sujeito, para lidar com as situações de sua posição social. As ações dos sujeitos são,
portanto, produtos da interiorização das estruturas desse campo e de outros que venham
a participar.
Nogueira e Nogueira (2004) dizem que Bourdieu considera que cada campo
possui hierarquias e disputas, entre dominantes e dominados, por determinados bens
simbólicos e consequentemente por posições sociais. No interior de cada campo, os
indivíduos passariam a lutar pelo controle da produção e legitimação dos bens
produzidos. Nesse sentido, Bourdieu amplia o conceito de bem para capital cultural,
econômico e social, que teria graus de importância diferenciados dentro de cada campo.
O campo literário é analisado por Nogueira e Nogueira (2004) para verificar
como a disputa se dá em um determinado campo, considerando que editores, escritores,
críticos e pesquisadores das áreas de língua e literatura disputam espaço e
reconhecimento para si mesmos e suas produções. Eles afirmam que as definições do
que seja a boa ou a má literatura é que estão em jogo nesse campo, além de quererem
saber quais são as produções artísticas, as de vanguarda, as comerciais; quais são os
escritores maiores ou menores.
Assim como há a disputa no campo de produção simbólica, a exemplo do campo
literário visto acima, também existe no conjunto da sociedade uma luta travada entre os
agentes para legitimar certos padrões culturais como sendo superiores ou inferiores.
Fazemos distinções entre a alta e a baixa cultura, entre o clássico e o popular, entre a
religiosidade e a superstição, entre a ciência e senso comum, entre o falar culto e o
popular, só para citar alguns aspectos dessa classificação, e o que se dá, enfim, é que os
grupos dominantes da cultura mantêm-se na posição privilegiada e impõem seus bens
culturais como os mais valorizados, legitimando-os como superiores.
Porém, por parte dos dominados, há estratégias de que eles se utilizam para
superar essa posição de inferioridade.
Eles adotariam a estratégia de ou se
reconhecerem como inferiores, aceitando essa condição, ou contestariam essa posição e
partiriam para o combate à desigualdade, conforme eles tenham ou não condições de
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enfrentar os grupos dominantes. Bourdieu deu o nome de “movimentos heréticos” a
essas estratégias de permanência ou mudança na posição social.
Enfim, a posse de capitais culturais, econômicos e sociais, em graus
diferenciados e em campos específicos, determina as posições sociais dos indivíduos, e
estes ganham maior prestígio e poder na sociedade à medida que forem capazes de
produzir, identificar, apreciar e usufruir das produções consideradas superiores.
INGRESSO NA PROFISSÃO DOCENTE – O CONCURSO PÚBLICO
O ingresso do professor nas redes públicas de ensino é assegurado por concurso
público, conforme a Constituição Federal de 1988, exigência esta já prevista na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nº 5.672/71.
Segundo a Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII – Da Administração
Pública - Seção I – Disposições Gerais, Art. 37, temos:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Embora os concursos públicos sejam previstos em lei, o que temos observado é
um grande número de contratos temporários espalhados por todo o Brasil, como
podemos observar através da matéria da Revista Nova Escola “Uma profissão, várias
realidades”, de Arthur Guimarães e Fabiana Faria, publicada em abril de 2007,
mostrando que em alguns estados brasileiros, mais da metade da categoria não é
concursada, a exemplo do Piauí, com 75% e o Ceará com 68% (BASTOS, 2009).
Nesse sentido, ao buscarmos o entendimento sobre o desempenho do candidato
egresso do curso de Letras em concurso público para professor de Língua Portuguesa,
pressupomos uma abordagem sobre sua formação e quais as condições que o levam a
ser aprovado num concurso público.
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AS PROVAS DOS CONCURSOS PÚBLICOS PARA PROFESSOR DE LÍNGUA
PORTUGUESA DA REDE ESTADUAL DE ENSINO DE PERNAMBUCO
Ambos os concursos, o de abril/2008 e o de novembro/2008, foram realizados
em duas etapas cada um: a primeira, constituída pela prova objetiva e a dissertação; a
segunda, pela prova de títulos. Nosso objeto de estudo são as provas objetivas, nos
aspectos de conteúdo que consideramos importante analisar.
A prova do concurso de abril/2008 conteve 60 questões objetivas de múltipla
escolha com cinco alternativas cada, sendo 30 questões destinadas aos Conhecimentos
Pedagógicos e 30 referentes aos Conhecimentos Específicos da área de Língua
Portuguesa, conforme previa o Edital (que regeu o referido concurso, e que
transcrevemos abaixo:
“CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS : 1. Fundamentos da Educação; 2.
Concepções e tendências pedagógicas contemporâneas; 3. Relações sócio-econômicas e
político-culturais da educação; 4. Educação e Direitos Humanos, Democracia e
Cidadania; 5. A função social da escola; Inclusão educacional e respeito à diversidade;
6. Diretrizes Curriculares Nacional para a Educação Básica; 7. Didática e organização
do ensino; 8. Saberes Escolares, processos metodológicos e avaliação da aprendizagem;
9. Novas tecnologias da informação e comunicação e sua contribuição com a prática
pedagógica; 10. Projeto Político Pedagógico da escola e o compromisso com a
qualidade social do ensino; 11. Lei no 9394-1996 Lei de Diretrizes e Base da Educação
Nacional; Lei no 8069-1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente; 12. Lei nº 10.6392003 Historia e Cultura Afro- Brasileira e Africana; 13. Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos/2007. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS:
Concepções de
língua-linguagem como discurso e processo de interação: conceitos básicos de
dialogismo, polifonia, discurso, enunciado, enunciação, texto, gêneros discursivos; 2.
Oralidade: concepção, gêneros orais, oralidade e ensino de língua, particularidades do
texto oral; 3. Leitura: concepção, gêneros, papel do leitor, diferentes objetivos da
leitura, formação do leitor crítico, intertextualidade, inferências, literatura e ensino,
análise da natureza estética do texto literário; 4. Escrita: produção de texto na escola,
papel do interlocutor, contexto de produção, gêneros da escrita, fatores lingüísticos e
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discursivos da escrita, o trabalho da análise e revisão de reescrita de textos; 5. Análise
Lingüística: o texto (oral e escrito) como unidade privilegiada na análise-reflexão da
língua(gem), os efeitos do sentido provocados pelos elementos lingüísticos, a norma
padrão e as outras variedades lingüísticas.”
Além das questões objetivas, também foi exigida uma Questão Dissertativa, em
que o candidato deveria escrever um texto dissertativo versando sobre algum tema de
educação proposto, com no mínimo 25 e no máximo 30 linhas.
Sobre a prova de Conhecimentos Pedagógicos e tomando por base o conteúdo
programático do Edital do concurso, verificamos que foram apresentadas ao candidato
três questões ligadas às concepções e tendências pedagógicas contemporâneas; três
sobre a função social da escola; uma sobre educação inclusiva; três sobre saberes
escolares; três sobre didática e organização do ensino; quatro sobre avaliação da
aprendizagem; duas sobre as novas tecnologias da informação e comunicação; quatro
sobre projeto político-pedagógico da escola; uma sobre a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional; três sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; uma sobre a Lei
10.639/03; e duas sobre o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos/2007,
totalizando 30 questões.
Consideramos que foram apresentados no conteúdo programático do concurso
18 temas ou subtemas e que na prova objetiva 12 deles foram abordados, havendo,
portanto, um certo equilíbrio entre a quantidade proposta e o que foi exigido ao
candidato, mesmo que alguns temas tenham ficado de fora.
Na prova de Conhecimentos Específicos, verificamos que foram colocadas seis
questões relacionadas à interpretação do único texto apresentado para análise; duas
sobre gêneros textuais; duas sobre a norma padrão da língua (pontuação); seis sobre
concepções de língua-linguagem como discurso e processo de interação, com os
conceitos básicos de dialogismo, polifonia, discurso, enunciado, enunciação, texto,
gêneros discursivos; quatro sobre aspectos relacionados à literatura; quatro sobre o texto
(oral e escrito) como unidade privilegiada na análise-reflexão da língua(gem); uma
sobre leitura/escrita; uma sobre fala/escrita; e quatro sobre análise lingüística,
totalizando 30 questões.
Betânia Maria Lidington Lins
1357
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
Nesta prova, verificamos que praticamente todos os temas apresentados no
conteúdo programático foram abordados na prova.
No concurso que se realizou em novembro/2008, a prova constou de 40 questões
também de múltipla escolha com cinco alternativas cada, sendo 10 questões de
Conhecimentos Pedagógicos e 30 referentes aos Conhecimentos Específicos da área de
Língua Portuguesa, além da Prova Dissertativa sobre um tema relacionado à educação,
com no mínimo 25 e no máximo 30 linhas.
Transcrevemos
abaixo
os
conteúdos
programáticos
das
provas
de
Conhecimentos Pedagógicos e Conhecimentos Específicos, conforme apresentados no
Edital do concurso.
“CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS: 1. Fundamentos da Educação; Concepções
e tendências pedagógicas contemporâneas; 3. Relações socioeconômicas e políticoculturais da educação; 4. Educação e Direitos Humanos, Democracia e Cidadania; 5. A
função social da escola; Inclusão educacional e respeito à diversidade; 6. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Básica; 7. Didática e organização do ensino; 8.
Saberes Escolares, processos metodológicos e avaliação da aprendizagem; 9. Novas
tecnologias da informação e comunicação e sua contribuição com a prática pedagógica;
10. Projeto Político Pedagógico da escola e o compromisso com a qualidade social do
ensino; 11. Lei no 9394-1996 Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional; Lei no
8069-1990- Estatuto da Criança e do Adolescente; 12. lei nº 10.639-2003 História e
Cultura Afro Brasileira e Africana; 13. Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos/2007. CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS: 1. Concepções de língualinguagem
como
discurso
e processo
de interação:
conceitos
básicos de
dialogismo,polifonia, discurso, enunciado, enunciação, texto, gêneros discursivos; 2.
Oralidade: concepção, gêneros orais, oralidade e ensino de língua, particularidades do
texto oral; 3. Leitura: concepção, gêneros, papel do leitor, diferentes objetivos da
leitura, formação do leitor crítico, intertextualidade, inferências, literatura e ensino,
análise da natureza estética do texto literário; 4. Escrita: produção de texto na escola,
papel do interlocutor, contexto de produção, gêneros da escrita, fatores lingüísticos e
discursivos da escrita, o trabalho da análise e revisão de reescrita de textos; 5. Análise
Lingüística: o texto (oral e escrito) como unidade privilegiada na análise-reflexão da
Betânia Maria Lidington Lins
1358
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
língua(gem), os efeitos do sentido provocados pelos elementos lingüísticos, a norma
padrão e as outras variedades lingüísticas; 6. Linguagem oral e linguagem escrita: Relações entre fala e escrita: perspectiva não dicotômica; – Relações de independência,
de dependência e de interdependência; 7. O ensino de leitura e compreensão de textos: Estratégias de leitura.”
Na prova de Conhecimentos Pedagógicos deste concurso, verificamos que as
questões se referiam aos seguintes conteúdos: uma sobre a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional; uma sobre Projeto Político-Pedagógico; uma sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente; duas sobre as tecnologias da informação e comunicação; uma
sobre a Lei 10.639/03; uma sobre a função social da escola; uma sobre tendências
pedagógicas; uma sobre avaliação e uma sobre didática; perfazendo dez questões.
Comparando o conteúdo programático das provas de Conhecimentos
Pedagógicos nos dois concursos realizados, verificamos que eles se repetem.
Considerando que na prova de abril/2008 houve 30 questões e que na deste último, em
novembro/2008, houve apenas 10, concluímos que a primeira prova abarcou uma maior
abrangência de temas.
Na prova de Conhecimentos Específicos, houve sete questões de interpretação
de texto; duas sobre gêneros textuais; uma sobre oralidade; uma sobre escrita; uma
sobre gêneros discursivos; cinco sobre o ensino da língua portuguesa; uma sobre coesão
textual, uma sobre coerência textual; uma sobre variação lingüística; duas sobre o texto;
duas sobre leitura; uma sobre enunciação/enunciado; duas sobre movimentos literários
(pré- modernismo e modernismo); uma sobre o ensino de literatura; uma sobre a norma
padrão da língua (oração subordinada adverbial condicional); e uma sobre produção de
texto, num total de 30 questões. Observamos que, diferentemente da prova de
abril/2008, nesta de novembro foram colocados três textos para análise e não apenas
um, justificando a quantidade de sete questões de interpretação de texto colocadas nesta
última prova.
De um modo geral, as provas dos concursos realizados apresentaram um
equilíbrio entre o conteúdo programático disponibilizado para conhecimento do
candidato e os temas abordados em cada uma das questões das provas.
Betânia Maria Lidington Lins
1359
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
Observamos que os assuntos exigidos para os concursos são atuais e devem ser
motivo de estudo, presumimos, na maioria dos cursos de Letras do país. O que nos
causa surpresa, porém, é que apenas cinco questões de conhecimentos específicos sobre
literatura ou norma padrão da língua foram exigidas dos candidatos (duas de pontuação,
duas sobre movimentos literários e uma sobre sintaxe), num universo de 100 questões.
Isso, talvez, aponte um possível caminho para entendermos o baixo desempenho desses
candidatos a professor de Língua Portuguesa nos concursos analisados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das contribuições da teoria histórico-crítica, através das ideias de Marx e
Saviani, e dos conceitos de habitus e campo de Bourdieu para o campo educacional,
concluímos que a atividade educativa comprometida com uma educação de qualidade,
que forme cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, baseia-se na formação do
educador em bases sólidas, fundadas na reflexão filosófica e no conhecimento
científico. A formação do docente assim estruturada leva-o a refletir sobre sua
identidade enquanto ser sócio-historicamente construído, seu habitus, e sobre a
realidade que o cerca e determina sua posição na sociedade de classes, dividida entre
dominantes e dominados, e marcada pelas desigualdades sociais, enxergando também a
possibilidade de transformar essa sociedade nos diversos campos específicos que a
compõem.
Sobre a formação do candidato-professor colocado neste artigo, cabe-lhe tomar
consciência de sua identidade, enquanto ser que constrói e incorpora saberes ao longo
de sua trajetória pessoal e profissional, apre(e)ndidos na família, na escola e na
sociedade, ou seja, antes mesmo de sua entrada no ensino superior.
Considerando a atualidade e pertinência dos conteúdos das provas e do possível
aparecimento desses conteúdos nos currículos dos cursos de Letras, alguns
questionamentos ainda nos inquietam: por que então o baixo desempenho dos
candidatos? Será que os egressos dos cursos de Letras e pretendentes a professores de
Português via concurso público ainda estão presos ao antigo ensino da língua e
dominam mais os conhecimentos relacionados à literatura e à gramática normativa em
detrimento dos conhecimentos mais recentes sobre as novas abordagens linguísticas e
Betânia Maria Lidington Lins
1360
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
literárias e as tendências pedagógicas, que veem a língua como interação social e espaço
de discussão da realidade e tomada de consciência? Ou será que está havendo uma falha
na sua formação inicial, com o distanciamento entre os conteúdos exigidos nas provas
dos concursos e os conteúdos dos currículos dos cursos de Letras? Para chegarmos a
uma conclusão desse aspecto do desempenho dos egressos de cursos de Letras em
concursos públicos, será preciso empreendermos novo trabalho de pesquisa, sob a ótica
dessa problemática. Consideramos que há muitas variantes no desempenho de
candidatos a concursos públicos, com sucesso ou fracasso, e que comparar os conteúdos
programáticos com os conteúdos das provas é apenas uma delas, impedindo-nos,
portanto, de tecermos generalizações mais elaboradas. Fizemos apenas um recorte da
realidade e, por ora, fica-nos a impressão de que há algo de desconexo entre a realidade
da formação dos professores e as exigências de um concurso público, considerando
esses dois certames que analisamos.
Enquanto pesquisadores sociais, cabe-nos a preocupação de lançarmos um olhar
científico sobre as problemáticas aqui levantadas, bem como termos a inquietação
própria dos que buscam ir ao encontro das respostas que procuram.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Elisângela. Profissão – professor de matemática. Dissertação (Mestrado em
Educação) – UFPE, Recife, 2009.
BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, R. (org.) Pierre
Bourdieu: Sociologia. São Paulo: ática, 1983.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Língua Portuguesa. Brasília: Secretaria de Ensino Fundamental, 1997.
KRAMER, Sonia. Alfabetização, leitura e escrita: formação de professores em curso.
São Paul: Ática: 2001.
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.
Betânia Maria Lidington Lins
1361
Provas de Concurso Público para Professores de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino de
Pernambuco-PE – ausência de interação curricular com os cursos de letras?
NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu & a educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PACHECO, José Augusto. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 12. ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
_________________. Escola e democracia. 30. ed. Campinas, SP: Autores Associados,
1995.
_________________. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8. ed.
Campinas, SP: Autores Associados, 2003.
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agosto, 2008.
Disponível em: www.sinprominas.org.br/imagensDin/arquivos/483.pdf.
Acesso em:
30. ago. 2009.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 7. ed. São Paulo: Ática,
1989.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
Betânia Maria Lidington Lins
1362
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ABORDAGEM DA CARTA ARGUMENTATIVA NO
LIVRO DIDÁTICO: O ENSINO DO GÊNERO
DISCURSIVO
Danielle Bezerra de Paula
Maria da Penha Casado Alves
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
ABORDAGEM DA CARTA ARGUMENTATIVA NO LIVRO DIDÁTICO:
O ENSINO DO GÊNERO DISCURSIVO
Danielle Bezerra de Paula
Maria da Penha Casado Alves
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
RESUMO: Documentos oficiais sobre organização curricular referentes ao ensino de
língua materna, como os PCN, versam sobre gêneros discursivos, apontando a
imprescindibilidade de sua abordagem na/pela escola. Diante disso, nossa proposta
consiste em: a) discutir a perspectiva bakhtiniana de gêneros do discurso; e b) analisar a
abordagem de um gênero discursivo em um livro didático de Língua Portuguesa. Na
sequência, teceremos algumas considerações, com base, principalmente, nas leituras de
Bakhtin e seu Círculo (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006; BAKHTIN, 1990, 2003, s/d)
a respeito das formas típicas de enunciados e escrita dialógica; e nas reflexões teóricas
de Schneuwly e Dolz (2004), bem como nas contribuições de Geraldi (1997; 2006)
acerca do desenvolvimento da escrita no espaço escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Gêneros do discurso. Livro didático. Acabamento estético.
Carta argumentativa.
O enunciado é representado por ecos como que
distantes e mal percebidos das alternâncias dos
sujeitos do discurso e pelas tonalidades dialógicas,
enfraquecidas ao extremo pelos limites dos
enunciados, totalmente permeáveis à expressão do
autor.
(BAKHTIN)
1 Situando a problemática
Desde a publicação e distribuição dos Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa realizada pelo MEC, no final da década de 90, os gêneros discursivos
passaram a integrar o discurso pedagógico e, a partir disso, ocuparam centralidade nas
discussões sobre políticas curriculares de língua materna. Presenciamos, em
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1366
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
decorrência, uma diversidade teórica que se desdobra em uma pluralidade metodológica
orientadora do ensino dos gêneros do discurso.
Observamos que, dentre essa multiplicidade teórico-metodológica, a perspectiva
bakhtiniana permeia tal documento através das noções basilares de interação verbal,
dialogismo e gênero discursivo, mesmo que implicitamente e combinada a outras
teorias, como evidenciamos em uma nota de rodapé – a única referência explícita: “O
termo ‘gênero’ é utilizado aqui como proposto por Bakhtin e desenvolvido por Bronkart
e Schneuwly” (BRASIL, 1998, p. 26). Pela ampla divulgação dessas diretrizes, os
gêneros do discurso, em especial, tiveram entrada nas salas de aula e nos livros
didáticos. A problemática fundamental dessa constatação é, entretanto, o dissenso
existente entre a abordagem realizada nos livros e as propostas apresentadas no manual
do professor. Diante disso, objetivamos: a) discutir as considerações bakhtinianas a
respeito de gêneros discursivos; e b) analisar a abordagem de um gênero discursivo em
um livro didático (doravante LD) de Língua Portuguesa, a partir de uma concepção
dialógica e sociológica da linguagem (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006; BAKHTIN,
1990, 2003, s/d).
2 Gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana: formas de enunciados
Em Os gêneros do discurso, Bakhtin (2003) explica que a heterogeneidade dos
diferentes modos de enunciados (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006) deve-se à
multiplicidade de atividades humanas, em razão de ser a linguagem mediadora das
práticas sociais. Nessa formulação inicial, o teórico esboça uma “definição” para os
gêneros discursivos: estas formas de enunciar atendem a objetivos específicos da
interação verbo-social e variam conforme os lugares e as épocas em que ocorrem. Os
gêneros, desse modo, refletem as condições de produção de um determinado campo
discursivo. Ou seja, essas asserções apontam mais para uma infinidade e uma
plasticidade dos gêneros – por sua natureza viva, dinâmica, e social – que,
propriamente, para uma limitação e uma imobilidade. Segundo Machado (2005, p. 133),
o gênero não pode ser concebido senão como um conceito
plural: reporta-se às formações combinatórias da linguagem em
suas dimensões verbal e extraverbal. Além disso, articula formas
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1367
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
discursivas criadoras da linguagem, de visões de mundo e de
sistema de valores configurados por pontos de vista
determinados.
E, mesmo sendo multiformes as atividades humanas, o filósofo da linguagem
defende a necessidade de se estudar os gêneros discursivos, pois se estes não existissem,
a comunicação seria quase impossível. Para Bakhtin (2003), é pela experiência que
abstraímos tipos relativamente estáveis os quais se configuram por um estilo, ou pela
seleção e combinação de recursos expressivos da língua, um conteúdo – um
determinado assunto – e uma estrutura composicional, que, em outros termos, pode ser a
configuração espácio-textual, o acabamento discursivo. Isso nos conduz a uma
pressuposição básica de que simplesmente conhecer as estruturas gramaticais não é
garantia de conseguir se expressar adequadamente. Ademais, se é pela experiência que
organizamos formas típicas de enunciados, significa dizer que nosso conhecimento
dos/sobre os gêneros do discurso amplia e se complexifica quanto mais nos engajamos
nas práticas discursivas. Em outras palavras, a verdadeira substância da língua é a
interação verbal (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006).
Bakhtin (2003) ainda distingue os gêneros primários dos secundários, de acordo
com o nível de elaboração e com as esferas discursivas nas quais circulam, apesar de
apresentarem-se sob extrema heterogeneidade. Aqueles são os mais simples e fazem
parte da esfera de comunicação cotidiana, como o diálogo corriqueiro. E estes, os de
maior complexidade e constituem as esferas de comunicação de códigos culturais mais
elaborados, como o romance. Entretanto, como o aspecto fronteiriço compõe os estudos
desse teórico, nem sempre a distinção é consensual, tendo em vista que os gêneros
secundários (pelo menos a maior parte) absorvem e assimilam os primários. Com base
nisso, podemos afirmar que os gêneros se definem contrastivamente porque vivem nas
correlações de fronteiras (FARACO, 2009). Ademais, essa heterogeneidade é reflexo
das práticas interacionais, pois “a língua passa a integrar a vida através de enunciados
concretos (que a realizam); [e] é igualmente através de enunciados que a vida entra na
língua” (BAKHTIN, 2003, p. 265).
3 Abordagem de um gênero do discursivo em um livro didático – objeto
esteticamente acabado
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1368
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
Os gêneros, de acordo com a concepção que adotamos, organizam e
materializam as práticas discursivas ao mesmo tempo em que são por estas constituídos.
Nesse sentido, as formas típicas de enunciados apresentam uma certa tipicidade1 em
decorrência de sua constituição histórica (por esse motivo, percebemos ressonâncias,
ecos de seu processo de criação),
embora sejam flexíveis às diferentes interações
sociais. Isso porque, por serem resultado de uma atividade intersubjetiva – que é sempre
contextualizada e se realiza em um tempo e um espaço determinados –, os gêneros do
discurso são dotados de valor, de acentuação.
Mais uma vez ressaltamos que os gêneros têm funções sociodiscursivas e, por tal
peculiaridade, podemos afirmar que não devem ser compreendidos apenas como
produtos totalmente acabados, estáveis e impassíveis às mudanças, por vezes
necessárias. Uma leitura precipitada e fragmentada dos escritos de 1952-1953, Os
gêneros do discurso, além do desconhecimento das especificidades do enunciado
podem ser as razões centrais para uma possível fossilização, como o próprio Bakhtin
(2003, p. 265) antecipa:
O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação
diferente com as peculiaridades das diversidades de gênero do
discurso em qualquer campo da investigação lingüística
redundam em formalismo e em uma abstração exagerada,
deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações
da língua com a vida.
Soma-se a isso o destaque feito por Faraco (2009a) em relação aos atos
singulares, observando precisamente aquilo que, muitas vezes, é secundarizado: “Ao
dizer que os tipos são relativamente estáveis, Bakhtin está dando relevo, de um lado, à
historicidade dos gêneros; e, de outro, à necessária imprecisão de suas características e
fronteiras” (p. 127). As definições dos manuais didáticos e dos guias de redação, porém,
seguem um “modelo” formalista – apagando a historicidade e a ligação com o mundo da
vida – com a finalidade de sistematizar o conhecimento, mesmo sob o risco de serem
reducionistas, limitadores. É o que acontece, por exemplo, com o nosso objeto de
1
Ou seja, na verdade, vislumbramos uma “tipificação social dos enunciados que apresentam certos traços
(regularidades) comuns, que se constituíram historicamente nas atividades humanas, em uma situação de
interação relativamente estável, e que é reconhecida pelos falantes” (RODRIGUES, 2005, p. 164).
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1369
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
análise, a carta argumentativa2, apesar de existirem poucos trabalhos a esse gênero
relacionados. Encontramos em um livro didático algumas orientações de como fazê-la a
partir do que Cochar e Magalhães (2003) têm chamado de características básicas, quais
sejam:







Constitui um texto de natureza argumentativa, que tem por
finalidade defender o ponto de vista do locutor e persuadir o
interlocutor;
Apresenta formato constituído pelas seguintes partes: data,
vocativo, corpo do texto (assunto), expressão cordial de
despedida e assinatura;
O corpo é constituído por três partes essenciais: exposição
do ponto de vista do autor (ou idéia principal);
desenvolvimento (com argumentos) desse ponto de vista;
conclusão;
Linguagem culta, formal, impessoal, clara e objetiva;
Verbos geralmente no presente do indicativo;
Predomínio da 1ª ou da 3ª pessoa;
Formas verbais geralmente no presente do indicativo e às
vezes no imperativo (p. 418).
De imediato podemos fazer algumas observações. O primeiro ponto destacado é
assaz abrangente, pois, mesmo fazendo parte da constituição da carta argumentativa, ele
é também evidenciado no artigo de opinião, por exemplo. O segundo fica restrito aos
aspectos formais, provavelmente, um dos motivos pelos quais os alunos, em sua
maioria, acreditam que manter o processo de interlocução é totalmente dispensável;
desenvolvem, assim, um conceito de gênero somente em seu aspecto estrutural, devendo
este, dessa maneira, prevalecer sobre os recursos estilísticos e temáticos. As “partes
essenciais” apontadas no terceiro tópico são recorrentes em outros gêneros,
especialmente nos de seqüência argumentativa, o que não particulariza a carta. Em
seguida, há a sugestão de que tipo de linguagem é mais apropriado a esse gênero,
desconsiderando a situação comunicativa e os interlocutores reais, além de anular as
variações de formalidade, quando acentua que a linguagem empregada seja a culta, e
2
Selecionamos este gênero por constituir-se nosso objeto de estudo. A pesquisa está sendo desenvolvida
em nível de mestrado e está vinculada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da
UFRN. O nosso foco é, principalmente, o processo interlocutivo nas cartas argumentativas (produzidas
em situação de avaliação, especificamente no PSV) por entender que esse aspecto tem sido pouco
investigado. Configura-se, ainda, como recorte de uma investigação maior desenvolvida, sob a
coordenação da Profa. Dra. Maria da Penha Casado Alves, pela mesma universidade: “Gêneros
discursivos: produção, circulação, leitura e análise em sala de aula”.
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1370
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
consolidar a idéia de que somente a impessoalidade garante o distanciamento crítico e
confere credibilidade ao que se diz. E, nos três últimos tópicos, a ênfase incorre sobre a
forma verbal e pessoa do discurso predominantes, engessando também o acontecimento
interacional.
Admitimos, contudo, que os gêneros enquanto objetos de ensino sofrem
influência do contexto em que está inserido, como apontamos. Neste caso, os limites da
escola integram essa prática específica da linguagem, isto é, o espaço-tempo é fator
constitutivo e constituinte das práticas discursivas, simultaneamente. Reconhecemos,
portanto, que, como a realização de qualquer acontecimento verbal é situada, a
composição do gênero não acontece em um vácuo social, tampouco são destituídos de
valores, porque os fios que o tecem estão entrelaçados ao mundo ético, ao mundo da
ação, dos sujeitos. O conceito de cronotopo, discutido por Bakhtin (1990) em suas
considerações sobre o romance, pode ser também aplicado às demais relações que
envolvem linguagem nos variados campos de atividade humana. Fazendo uma
transposição dessa categoria para os estudos na Linguística Aplicada, especificamente
para a esfera escolar, Alves (2009) avalia a relevância de se compreender o cronotopo
como elemento indissociável das interações verbo-sociais:
o cronotopo não pode ser retirado das relações dialógicas e do
axiológico sob o risco de se tornar apenas e tão-somente uma
referência a um determinado espaço e a um tempo específico,
concebido como exteriores ao indivíduo, não constituinte e
constitutivo do sujeito histórico em sua eventicidade (p. 5).
Essa explicação dialoga com uma perspectiva sociocultural ou sócio-histórica
(FREITAS, 2002, 2007; ROJO, 2006) e discursiva da linguagem que é da ordem do
acontecimento, do evento, do inacabamento, do irrepetível, dos sentidos, bem como da
ordem da compreensão ativamente responsiva e do posicionamento axiológico.
Todavia, e apesar de ser defendido pelo LD uma perspectiva bakhtiniana dos gêneros,
as orientações estão limitadas a apenas uma possibilidade, como se houvesse um leitor
pré-discursivo. De acordo com as características elencadas, o estudo da carta
argumentativa está sendo fundada em sua composição, em sua estrutura. Ademais, está
sendo ignorada a dimensão interlocutiva que define, fundamentalmente, os recursos
estilísticos, visto que é para o outro que se orienta o discurso e esse outro se insere,
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1371
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
inevitavelmente, no momento de produção (GERALDI, 1997). As indicações das quais
dispomos no referido LD rompem os vínculos com a situação concreta de comunicação
e recusam a base sociológica da linguagem – o principal eixo de análise das discussões
do Círculo de Bakhtin3. A causa disso pode ser explicada
pelo fato de que o gênero funciona num outro lugar social,
diferente daquele em que foi originado, ele sofre, forçosamente,
uma transformação. Ele não tem mais o mesmo sentido; ele é,
principalmente, sempre [...] gênero a aprender, embora
permaneça gênero para comunicar. É o desdobramento [...] que
constitui o fator de complexificação principal dos gêneros na
escola e de sua relação particular com as práticas de linguagem.
Trata-se de colocar os alunos em situações de comunicação que
sejam o mais próximas possível de verdadeiras situações de
comunicação, que tenham um sentido para eles, a fim de
melhor dominá-las como realmente são, ao mesmo tempo
sabendo, o tempo todo, que os objetivos visados são (também)
outros (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 81).
Como objeto ensinável, os gêneros são estáveis e esteticamente acabados,
invariáveis aos contextos e aos sujeitos. A carta argumentativa, que poderia ter a
intenção de reclamar, contra-argumentar a respeito de um determinado ponto de vista,
exigir solução para um problema, etc., deixa de ter essas funções, porque o contexto
imediato é outro, é uma prática social com objetivo diferente dos usuais na vida
cotidiana – aprender a composição do gênero que passa de formas típicas de enunciados
a objeto de ensino, porque o “que é visado é o domínio, o mais perfeito possível, do
gênero correspondente à prática de linguagem para que, assim instrumentado, o aluno
possa responder às exigências com as quais ele é confrontado” (SCHNEUWLY; DOLZ,
2004, p. 79).
Em decorrência dessa instrumentalização da língua, as formas típicas de
enunciado perdem sua dinamicidade, sua concretude e sua historicidade. Com base,
pois, nas idéias de Schneuwly e Dolz (2004), construímos o seguinte quadro
comparativo a partir dos propósitos “comunicar” e “aprender”:
3
Grupo de intelectuais russos que se reuniam, conforme Brait e Campos (2009), do final do século XIX
ao início do século XX, para discutir questões relacionadas à filosofia, lingüística, literatura e demais
assuntos de interesse na época. Referimo-nos, neste artigo, aos nomes dos pensadores Mikhail Bakhtin e
Valentin Voloshinov.
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1372
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
GÊNERO PARA COMUNICAR
 Instável
 Processa-se na interação verbal
 Inacabado
 Interlocutor definido

Surge de uma necessidade
comunicativa
GÊNERO PARA APRENDER
 Estável
 Produto de uma interação
 Acabado
 Interlocutor indefinido
 Não surge de uma necessidade
específica de comunicação
Visualizamos dois pólos de compreensão dos gêneros. De um lado, situado no
plano discursivo, compreendemos o gênero associado às suas raízes (SIGNORINI,
1998), em outras palavras, o percebemos como evento ou como forma de enunciado,
que está necessariamente vinculado às circunstâncias de produção, circulação e
recepção e, por isso mesmo, é instável – porque dependente da interação, o que exige
interlocutores definidos –, inacabado, plástico, e, obviamente, decorrente de uma
necessidade específica da interação. Do outro, com vistas à aprendizagem,
consideramos apenas a estabilidade – o que é recorrente nos acontecimentos verbais –,
somente o produto, o que já recebeu acabamento estético em dada situação, e, a partir
disso, estendido a qualquer contexto como se os interlocutores fossem sempre idênticos,
uma espécie de universalização do destinatário; e, assim concebido, o gênero não surge
de uma necessidade comunicativa, isto é, apresenta-se como uma forma pré-discursiva,
como objeto esteticamente acabado, anterior à interação, à ação dos sujeitos.
Sob a segunda ótica, o gênero resume-se a uma configuração/formatação,
motivo pelo qual, especialmente em contexto escolar, os enunciadores se esquecem de
projetar seus possíveis interlocutores4 (GERALDI, 2006; BRITTO, 2006) para que, de
tal forma, possam adequar – na medida do possível – a linguagem, o estilo. Por isso, as
práticas de escrita com finalidade explícita, com clareza de quem seja o interlocutor do
texto produzido e das condições de produção, têm tornado o trabalho em sala de aula
muito mais significativo, porque propicia ao educando a construção do próprio
conhecimento, ele reconhece a singularidade de um evento interacional, mas isso
somente é viável quando os alunos são inseridos nas mais variadas práticas de
letramento. Dizendo de outra forma, “Escrever bem é resultado de um percurso
4
Isso também se deve ao modo como a prática de produção textual é conduzida na escola. Muitas vezes,
nesse contexto, o (único) interlocutor do texto do aluno é o professor que está, na verdade, assumindo
uma posição de avaliador (BRITTO, 2006).
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1373
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
construído de muita prática, muita reflexão e muita leitura. É uma ação em que o sujeito
se envolve de forma total com sua bagagem de conhecimentos e experiências sobre o
mundo e sobre a linguagem” (GARCEZ, 2001, p. 6).
Brait (2000) reconhece, contudo, a impossibilidade de se fazer uma transposição
didática dos gêneros – seguindo a vertente bakhtiniana – de uma forma mecânica, uma
vez que, no plano discursivo, pressupõe-se um movimento dialógico, o que implica,
necessariamente, um retorno ao já-dito e uma antecipação do ainda não-dito. Isso
porque os eventos são marcados pela interlocução, pela tensão de vozes sociais, e
porque, entre os enunciados, existem relações dialógicas de graus vários (FREITAS,
2007).
4 Considerações finais
A divulgação do conceito de gêneros do discurso tem sido, de fato, ampla e tem
possibilitado sua entrada e sua abordagem nos livros didáticos. A problemática, ou a
privação sofrida, no dizer de Rojo (2006), que envolve tal divulgação deve-se, como
anunciamos, à coerência entre o que se propõe no manual do professor e o que se
efetiva nos e por meio dos exercícios. Se a atenção é exclusivamente textual, os gêneros
são concebidos como produto, e, por isso, inflexíveis aos objetivos e às contingências;
configuram-se, pois, como objetos de ensino-aprendizagem que não têm vida e não
implicam resposta, pertencem, assim, ao domínio do estético, mesmo entendendo, neste
caso, que esses modos diferentes de discursos não são um simples artefato – cujos
elementos, que seriam constitutivos, são externos a si, tais como a história e a cultura –,
mas como resultado de uma
atividade estética [que] isola (recorta) elementos da realidade,
ou seja, do mundo da vida e da cognição, e os transpõe para um
plano externo a esse mundo, dando a eles um acabamento (uma
unidade intuitiva e concreta) que se corporifica numa forma
composicional apoiada, no caso da arte literária, no material
linguístico conquistado pelo autor-criador (FARACO, 2009b, p.
104 [grifo do autor]).
Vale salientar que, apesar de ser conseqüência de uma atividade de, pelo menos,
duas consciências, dois sujeitos situados na história, o gênero – da maneira descrita – é
Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1374
Abordagem da Carta Argumentativa no Livro Didático: o Ensino do Gênero Discursivo
levado a um outro plano e objetivado, apagando-se o devir. O reconhecimento dessa
particularidade é essencial para uma proposta diferenciada na escola, aquela que
devolva aos alunos o direito à voz.
Diferentemente, quando adotado um viés discursivo, a preocupação se volta para
o processo de criação dos gêneros, para os valores que atravessam a língua e, por
conseguinte, para o mundo da vida – o da responsabilidade dos sujeitos que, por ocupar
um lugar insubstituível no universo, devem por ele responder (BAKHTIN, s/d).
Não desejamos, com isso, que os gêneros discursivos sejam vistos apenas sob o
ângulo de um domínio da cultura humana, em uma condição alternativa – ou cognitivo,
ou estético, ou ético. Pelo contrário, aderindo à tripla articulação de Bakhtin (2003) e na
tentativa de promover uma leveza de pensamento (ROJO, 2006), somos convidados a
pensar em uma integração necessária e responsiva entre ciência, arte e vida, por meio da
qual o ser atinge sua unicidade.
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Danielle Bezerra de Paula & Maria da Penha Casado Alves
1377
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
CURRÍCULO E LINGUAGEM: UM POR FAZER E
QUE FAZER NA SALA DE AULA
Ester Maria de Figueiredo Souza
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
CURRÍCULO E LINGUAGEM: UM POR FAZER E QUE FAZER NA SALA
DE AULA
Ester Maria de Figueiredo Souza - UESB1
RESUMO: A questão da linguagem vem sendo extensamente discutida nas pesquisas
educacionais, atravessando aspectos de identidade, subjetividade da cultura. Nesse
cenário, as relações entre currículo e linguagem no contexto escolar tem sido uma
centralidade nas pesquisas em educação. Questiona-se qual abordagem conceitual de
currículo e de linguagem que se elege para problematizar essa relação. Este estudo
assume a concepção teórica da linguagem como forma de interação (Geraldi, 1984) e
Bakhtin (1982), a concepção de currículo como suportada nas teorias pós-criticas de
educação, Silva(1999). O currículo não é expressão, antes disso, é construção e trabalho
que, por meio da linguagem, imprime marcas de subjetividades e cultura. É um dos
elementos que compõe redes de interações entre os protagonistas da sala de aula, nos
papéis de professores e alunos. Retomando estudos já concluídos e ampliando a
investigação, expõem-se questões sobre os limites e interfaces do currículo e da
linguagem, entendendo este e essa como práticas de significação, atos do discurso,
efeitos de produção de sentido, a fim de se inscrever e polemizar sobre a intrínseca
relação entre práticas curriculares e práticas discursivas. Conclui-se apresentando
contribuições para a reflexão sobre o discurso pedagógico, indicando a quebra de
circularidade desse discurso, apoiando essa análise nos conceitos de práticas discursivas
de Michel Foucault, e seus desdobramentos para o currículo, e também, no referencial
da linguagem como forma de interação, postulado por Mikhail Bakhtin.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo. Discurso. Educação. Linguagem.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No ano de 19962 conclui dissertação de mestrado que verticalizava estudos sobre
práticas discursivas na sala de aula. Em 20033, defendi tese de doutorado, interrogando
1
Doutor em educação. Professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. E-mail:
[email protected]
2
SOUZA. E. M. F. Sala de aula: Práticas discursivas no cotidiano. Dissertação de Mestrado.
UFBA/FACED, 1996.
3
SOUZA. E. M. F. Pontos para uma teoria do currículo. Tese de Doutorado. UFBA/FACED, 2003.
Ester Maria de Figueiredo Souza
1381
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
aspectos acerca da construção de uma teoria do currículo para o segmento da educação
de jovens e adultos.
Registro, pontualmente, esse dois fatos constitutivos de minha experiência
profissional na academia, como ilustração para, nesse espaço de quase uma década,
expor, em perspectiva e prospectiva, as minhas incursões sobre currículo e linguagem.
Este estudo, de natureza ensaística, é uma reconsideração de aspectos traçados naquela
produção científica.
Quando afirmo que currículo não é expressão, - conforme resumo desta
comunicação - essa declarativa assenta-se na negação da linguagem como expressão do
pensamento, no arcabouço estruturalista que orientou e ainda orienta os estudos da
linguagem. Quando, também, afirmo que currículo e linguagem são práticas de
significação, estou reconhecendo e vivendo a linguagem como constitutiva nos
processos de interação verbal, processos esses que ocorrem em tempos e espaços
determinados.
No continum da formação, das leituras constantes e inquietações dos conceitos
trabalhados nas atividades de ensino e nas indagações sobre o currículo que
orienta/forma a profissionalidade de licenciados do curso de Letras, busquei/busco
construir reflexões sobre essa relação. Dessa focalização, trata este estudo.
CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E DE CURRÍCULO
Situamos-nos no mundo mediados por linguagens. Mas, não é a linguagem no
sentido lato que nos orienta. É a linguagem, como trabalho constitutivo de e constituído
de sujeitos, eivada de ideologia e subjetividades. Quando indicamos escolher trabalhar
com esse ou aquele conteúdo de ensino, elaborar objetivos didáticos estamos exercendo
o nosso espírito linguajeiro. De igual modo, também quando se recusa a expor
conteúdos, (como, por exemplo, a teoria evolucionista e o criacionismo), ou até mesmo
debater sobre temas emergentes de direitos humanos. Essa contradição, marcas
singulares do modo de agir comunicativo e interativo do sujeito, ratifica a compreensão
de que a forma como concebemos um objeto, define a nossa relação objeto/mundo.
Grosso modo, o currículo é essa rede de concepções que define o modo e as atitudes que
sustenta a práxis educacional, os processos de ensino e aprendizagem no ambiente
Ester Maria de Figueiredo Souza
1382
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
escolar. A linguagem é por ela mesma produzida e revificada, sendo a sua essência a
incompletude, inconclusão e o inacabamento. Será assim, a concepção de linguagem ou
a concepção de currículo que determina o modo como o professor se relaciona com o
seu objeto de trabalho?
Para o profissional de Letras, a linguagem é o seu objeto de trabalho. Ele disserta,
no seu ofício, sobre formas, métodos, práticas de língua/linguagem. Ao mesmo tempo
em que é objeto, é por ela que se fala do objeto. Para outros profissionais, a linguagem é
apenas meio de se expor teorias, conceitos, equações, etc.
Rotineiramente, ao me situar nessa dimensão linguagem/ensino e currículo,
sempre sou movida em citar Osakabe (1991) Rezende (1992) e Geraldi (1984). O que
esse intertexto e diálogo com esses autores me referenciam? Eles me dizem da
linguagem que perpassa o ensino é e por ele atravessado. Citemos,pois:
Pensar a educação enquanto linguagem é pensar, portanto, a educação
enquanto processo constitutivo (de) e constituído (por) sujeitos. E,
como tal, como um processo que tem a densidade, a precariedade e a
singularidade do acontecimento. Daí que não se pode pensar num
processo educacional consistente sem admiti-lo como tenso, instaurado
sobre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição e sobre a
precariedade da própria temporalidade que o específico do momento
implica. (OSAKABE, 1991, p.8 )
E o que nos diz Rezende:
A simultaneidade que colocamos acima, dizendo que duas
concepções (educação e linguagem) nascem juntas, fica explícita
pela não necessidade de uma ordem intrínseca, ou seja, o que vem
primeiro a educação ou a linguagem? Embora coloque neste texto a
concepção de educação antes da concepção de linguagem, a
elaboração da concepção de educação, foi, no meu caso particular,
posterior à concepção de linguagem e dela derivada. Poderia ter sido
o inverso: a concepção de linguagem derivada de uma concepção de
educação. Essa ausência de ordem intrínseca ocorre justamente
porque existe um elemento comum que faz a passagem de um
Ester Maria de Figueiredo Souza
1383
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
conteúdo para outro. Processos teóricos e metodológicos, entendidos
como
esquemas
formais
e
operacionais,
que
permitem a
configuração de um conteúdo ou matéria de um determinado modo.
(REZENDE,1992, p.153)
E Geraldi quando afirma: “Uma diferente concepção de linguagem constrói não só
uma nova metodologia, mas, principalmente um novo conteúdo de ensino.”
(GERALDI; 1984. p.46).
Desse mosaico de citações, extraí-se a centralidade da linguagem com a educação
e o ensino. Como elemento presente no cotidiano escolar, há de se concordar que a
diferentes práticas curriculares, atrelam-se concepção de linguagem específica.
A constante reflexão das leituras desses autores sobre o caráter constitutivo,
incompleto, mediador e histórico da linguagem, extrapola o horizontes e impele-me a
considerar atos e ações que se processam na sala de aula. Considero os atos de
linguagem como enunciados que se especificam quer vinculado a uma ou outra
concepção. Assim, esses podem ser tidos equivocadamente como expressão, ou se
configurarem como ação e interação. Defino como diretriz teórica o postulado de que o
sujeito não expressa ou traduz uma língua, ele a produz em um lugar de interação
verbal. Define-se, para a quebra de artificialidade da linguagem e do currículo tecidos
nas aulas, a proposta de se adotar uma concepção de linguagem que a considera como:
( ...) forma de interação: mais do que possibilitar a transmissão de
informação de um emissor a um receptor, a linguagem é vista como
um lugar de interação humana: através dela o sujeito que fala pratica
ações que não conseguiria praticar a não ser falando; com ela o
falante age sobre o ouvinte, constituindo compromisso e vínculos
que não preexistiam antes da fala. (GERALDI, 1984, p. 43)
Mikhail Bakhtin (1895 - 1975), filósofo russo, em seu livro Marxismo e Filosofia
da Linguagem, apresentou o subjetivismo idealista e objetivismo abstrato, como
correntes lingüísticas, para, ao desconstruí-las, afirmar que : não é a atividade mental
que organiza a expressão verbal , mas é “a expressão que organiza a atividade mental,
que modela e determina a sua orientação (BAKHTIN, 1982, p 112). Bakhtin inaugura,
Ester Maria de Figueiredo Souza
1384
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
pois, um novo modo de objetivar a interação verbal, situando a linguagem como
trabalho, contrapondo-se ao subjetivismo abstrato, denotando o caráter materialista da
linguagem, conhecida no discurso educacional como concepção socio-intercionista da
linguagem, que tem orientado e servido de suporte teórico para o desenvolvimento de
pesquisas sobre interação na sala de aula..
Se no ensino de línguas não se deve (é prescritivo?) trabalhar com as formas
abstratas de língua, por que o currículo soa e ressoa artificialidade?
A centralidade do fazer pedagógico deve partir da real produção da linguagem,
dos enunciados concretos4, com uma estrutura puramente social, marcada contextual
mente e historicamente.
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através a enunciação
ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade
fundamental da língua. (...) Enquanto um todo, a enunciação só se
realiza no curso da comunicação verbal, pois o todo é determinado
pelos seus limites, que se configuram pelos pontos de contato de uma
determinada enunciação com o meio extraverbal e verbal ... (
BAKHTIN, 1982 p. 123 - 125)
Geraldi (1991) sintetiza as idéias de Bakhtin ao situar o espaço no qual se dão as
interações entre os sujeitos.
Não se dão "metafisicamente", sem constrições [...] As
sociedades organizam e controlam, numa rede de sistemas, as
interações possíveis [...] As interações não se dão fora de um
contexto social e histórico mais amplo; na verdade, elas se
tornam possíveis enquanto acontecimentos singulares, no
interior e nos limites de uma determinada formação social,
sofrendo as interferências, os controles e as seleções impostas
4
Conceito tratado por Mikhail Bakhtin.
Ester Maria de Figueiredo Souza
1385
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
por esta. Também não são, em relação a estas condições,
inocentes. São produtivas e históricas, e como tais, acontecendo
no interior e nos limites do social, constroem por sua vez
limites novos. (Geraldi,1991, p. 67)
Muitos estudiosos das concepções de currículo pós-estruturalista, a exemplo de
SILVA( 1991) remete a Michel Foucault contribuições para se problematizar o cenário
discursivo da aula. A Foucault é creditado o conceito de práticas discursivas,
selecionado e aplicado por mim em pesquisas que desenvolvo, para depreender
interações e o jogo discursivo da aula. Assim, cito Foucault
Não a podemos confundir com a operação expressiva pela qual um
indivíduo formula uma idéia, um desejo, uma imagem; nem com a
atividade racional que pode ser acionada num sistema de inferência;
nem com a "competência" de um sujeito falante quando constrói
frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas, históricas,
sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, numa
dada época, e para uma determinada área social, econômica,
geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função
enunciativa. (FOUCAULT, 1995, p. 136)
Em sua aula inaugural no Collège de France, em dois de dezembro de 1970,(
(FOUCAULT, 2004 ) indaga sobre procedimentos de exclusão e interdição e
disciplinação, que remodelam o falar, o dizer, o enunciar, o próprio discurso sobre o que
pode e deve ser falado em determinadas situações sócio-enunciativas.
No percurso de complexificar as relações entre currículo e linguagem, pano de
fundo deste texto, explicito a categoria de atos de currículo, postulada por Macedo (
2007) . Nas suas indagações sobre currículo e multireferencialidade, compreende que os
atos do currículo são
todas as atividades que se organizam e se envolvem visando uma
determinada formação, operacionalizadas via seleção, organização,
formulação, implementação, institucionalização e avaliação de
Ester Maria de Figueiredo Souza
1386
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
saberes, atividades, valores, competências, mediados pelo processo
ensinar/aprender ou sua projeção. (MACEDO, 2007, p.38).
A apropriação deste conceito de Macedo (2007) estabelece pontes com a
concepção sócio-interacionista da linguagem, ao considerar que o conhecimento do
mundo resulta de um processo mediado. Nesse sentido, o sujeito e a linguagem são
produções sociais, o currículo não é um trabalho a priori, é um ato de currículo, que se
dá pelas interações que se processam entre os sujeitos, sofrendo as interferências,
modulações, os controles e seleções da situação sócio-comunicativa já estabelecida, que
também se sujeita a transgressões e (desconstruções pela produção de novos/outros atos
do currículo.
As implicações da concepção de linguagem sócio-interacionista para o currículo
escolar busca situar o lugar do sujeito no discurso pedagógico, (des)revelar a
artificialidade da linguagem, como objeto de ensino. Implica, ainda, em expor a
artificialidade do currículo escolar, onde não se configura o espaço de produção, mas de
reprodução. Assim, podemos concordar com Geraldi (1991) os alunos não lêem textos,
fazem apenas exercícios de compreensão, a leitura que se prevalece é a da voz da
professora, e quando ainda, essa voz se mimetiza na do livro didático. É possível que
essa artificialidade das aulas de português, também se remeta às outras disciplinas
escolares.
Em se tratando de currículo e linguagem, a economia de tempo e dos gastos,
representa negação da palavra autoral, e assujeitamento do sujeito. Na expansão
polissêmica da aula como acontecimento discursivo, a palavra é um trato de coresponsividade entre os sujeitos. Se enuncio, define-se a quem me dirijo, o quem e ao
que me reporto.Foucault (1995) imprime à imagem da instituição escolar um “bloco”,
com organização espacial arquitetônica e múltiplas dinâmicas discursivas do poder.
Para ele, a centralidade não deve estar em saber o que é o poder, ou qual a sua origem,
de onde ele provém. Enfatiza a preocupação de saber como o poder se exerce e qual o
mecanismo de seu funcionamento na engrenagem dos discursos, efeitos de sentidos.
Há também blocos (...) seja, por exemplo, uma instituição escolar:
sua organização espacial, o regulamento meticuloso que rege a vida
interior, as diferentes atividades aí organizadas, os diversos
Ester Maria de Figueiredo Souza
1387
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
personagens que aí vivem e se encontram, cada um com sua função,
um lugar,um rosto bem definido – tudo isto constitui um “bloco” de
capacidade-comunicação-poder. A atividade assegura o aprendizado
e a aquisição de aptidões ou de tipos de comportamento aí se
desenvolve através de todo um conjunto de comunicações reguladas
(lições, questões e respostas, ordens, exortações. Signos codificados
de obediência, marcas diferenciais do “valor” de cada um dos níveis
de saber) e através de toda uma série de procedimentos de poder
(enclausuramento, vigilância, recompensa e punição, hierarquia
piramidal) (FOUCAULT, 1995, p.241).
Como denominar esse sistema? No nosso discurso educacional, aplica-se,
genericamente, à compreensão de currículo, entendendo-se este como rede de interação
de conhecimento e cultura, que se vivifica por meio das interações discursivas entre os
sujeitos, assentadas em condições de produção do discurso determinadas e conformadas,
sujeitas aos atravessamentos de subjetividades. De tal modo, o currículo escolar produz
verdades, mentiras, assentimentos e negações, por fim: é um exercício da palavra.
E como Bakhtin (1982) nos questiona acerca da natureza dialógica da linguagem,
é imperioso refletir se os alunos e os professores estão de fato exercendo o seu direito de
autores e produtores de discurso.
Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se
dirige para alguém. Ela se constitui justamente o produto da interação
do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em
relação ao outro (BAKHTIN, 1982, p. 113).
Com essas referências, construí as relações entre currículo e linguagem.
Reconheça-se que, como olhar inicial, este texto, não se pretende, nem pretendeu
sujeitar o currículo a linguagem ou esse a essa. As referências são tapetes de
conhecimento, nos quais podemos nos sentar, deitar ou voar, a depender de nosso afã
investigativo. Ante essas considerações até aqui traçadas, registro a necessidade
exigência revolucionária de construção e apropriação de uma práxis pedagógica de
Ester Maria de Figueiredo Souza
1388
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
cunho interacionista na sala de aula, facultando aos alunos e professores assumirem-se
nos papéis de interlocutores da aula, fazendo uso do conhecimento como um bem
material, público, de direito de todos, já que só se aprende na medida em que se desloca
de si e se abre para o diálogo com o outro e com o mundo, experimentando-se novos
modos de construção e de significação do estar no mundo.
NA INTENÇÃO DE CONCLUIR
Conclui-se o estudo pela necessidade de se instaurar na sala de aula uma prática de
interação com a linguagem, a fim de se configurar o currículo escolar como processo
cultural e histórico.
Para tanto há de se levar em conta a exigência teórica e
metodológica de se quebrar com a refletir a artificialidade do currículo e das práticas de
linguagem no escola; há de se considerar a necessidade de se compreender a Linguagem
e Currículo na perspectiva discursiva. Também, há de se buscar desconstruir a pseudo
autonomia da linguagem, quando entendida como nato e essência do humano, visto que
esta é processo e produto material, já que a autonomia da linguagem e do currículo é
exercida até certo ponto, visto que não é uma produção já acontecida. A delimitação da
aula como acontecimento discursivo e do currículo como um dos espaços de
materialização do discurso pedagógico, também se impõe considerar.
Por fim, sob a perspectiva discursiva, toda discussão sobre currículo e linguagem
abarca a compreensão de que se produzem no processo de interação verbal, cunhado
por Bakhtin. Reinstalam-se no acontecer da aula as condições de produção do discurso,
às quais dizem respeito às situações, aos atos, às falas, aos enunciadores e constituem a
base dos processos de interação. Numa relação de interação entre os sujeitos não se dá
assenta em bases puramente formais, lingüísticas, estruturais da linguagem. Essa
relação supõe um conhecimento mútuo, um compartilhar de significações, que sustenta
os encontros entre os sujeitos. O currículo e a linguagem, perspectivados e
multifacetados pelo paradigma sócio-interacionista de produção de conhecimento,
quebra com a rigidez da práxis educacional. Toda ação humana procede da interação,
existe um currículo escolar porque há pessoas que se interagem com saberes, com
pessoas e com objetos. Da mesma forma, existe linguagem, porque as pessoas
interagem entre si, consigo mesma e com objetos do mundo. As várias maneiras de
Ester Maria de Figueiredo Souza
1389
Currículo e Linguagem: um Por Fazer e que Fazer na Sala de Aula
substantivar e subjetivar o currículo e a linguagem na sala de aula é o a ação educativa
que nos conforta, no sentido, de afirmar, que “ a interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua” ( Bakhtin, 1982, p. 123.).
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FOUCAULT, M. Arqueologia do saber. Trad Luiz F. B. Neves. São Paulo: Editora
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São Paulo: Ed. Loyola. 2004.
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REZENDE,T. Educação e Sociedade: o ensino de línguas. Didática. N0 28. São Paulo:
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Ester Maria de Figueiredo Souza
1390
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
POLÍTICA DE CURRÍCULO, PRECONCEITO E
ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NA ESCOLA
PÚBLICA
Fabiana Querino Xavier
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
POLÍTICA DE CURRÍCULO, PRECONCEITO E ENSINO DE LÍNGUA
INGLESA NA ESCOLA PÚBLICA
Fabiana Querino Xavier
RESUMO: Partindo de um processo de observação de aulas e análise de alguns
documentos oficiais que regem a educação brasileira, o presente estudo buscará
entender as políticas de ensino de línguas na escola pública. O processo de ensino é
fator indispensável ao desenvolvimento intelectual humano. O saber possibilita no
aprendiz a capacidade de crescimento pessoal no meio social onde vive. A tentativa de
levar o saber construído nos centros de pesquisa até o meio social se depara com uma
grande ignorância sobre a importância do ensino, tal ação consegue uma considerável
invisibilidade na escola pública. O aluno não tem estado convencido da importância de
investir nos estudos, estudar uma língua, nem no fato de que o conhecimento de uma
língua estrangeira significa exercer a própria cidadania e tomar posse do patrimônio
intelectual da humanidade. “São direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, a
assistência aos desamparados na forma da lei” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Art. 6º).
Sendo assim, este trabalho buscará através de uma revisão bibliográfica dos documentos
oficiais que norteiam o ensino no Brasil e a formação de professores, confrontar os
posicionamentos críticos da literatura dos estudos da língua com as reais ações
observadas pela experiência entre professora e observadora
PALAVRAS-CHAVE: Língua Inglesa, observação, documentos oficiais, formação de
professores.
Considerações Iniciais
Partindo de um processo de auto-avaliação e observação de aulas, o presente
estudo buscará entender o ensino de línguas na escola pública e observar as
interferências causadas pelo mesmo com referência à construção de competências
lingüísticas nos alunos. Este trabalho consta das primeiras análises que constituirão o
corpo de minha dissertação de mestrado.
Fabiana Querino Xavier
1394
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
Neste trabalho será empregada uma metodologia diferenciada, um tripé, ou
seja, análise bibliográfica dos estudos críticos da língua, dos documentos oficiais que
norteiam o ensino no Brasil, como também a busca de dados em minhas aulas através de
observações em conjunto com minha observadora.
Deste modo a prática de observação de minhas aulas pela observadora,
professora envolvida, e do imediato registro, em uma caderneta destinada a fins de livre
escrita, dos pontos relevantes encontrados pela mesma, segue uma discussão a respeito
dos dados que eu considero importante e que já tenham sido escritos por mim em um
diário profissional, este também de livre escrita. Esta etapa ocorre acompanhada da
análise da literatura dos estudos da língua, para que haja um suporte teórico aos estudos
que estarão sendo realizados, como também dos documentos oficiais.
Este trabalho terá como objeto de estudo as aulas de língua estrangeira, Inglês,
realizadas por mim no ensino fundamental em uma escola municipal do município de
Guarabira/PB.
O Ensino de Língua Inglesa e os Documentos Oficiais
O processo de ensino é fator indispensável ao desenvolvimento
intelectual humano. O saber possibilita no aprendiz a capacidade de autopromoção e
crescimento pessoal no meio social onde vive. Apesar dos fins nobres aos quais se
destina a educação, esta tem sido observada e, portanto, aplicada de forma alienada e
mal entendida. No que diz respeito mais especificamente ao ensino de Língua
Estrangeira, ao aluno de escola pública lhe falta aptidão para adquirir tal conhecimento.
Como nos mostra o documento oficial referente à formação de professores do Brasil:
É consensual a afirmação de que a formação de que dispõem os
professores hoje no Brasil não contribui suficientemente para que seus
alunos se desenvolvam como pessoas, tenham sucesso nas
aprendizagens escolares e, principalmente, participem como cidadãos
de pleno direito num mundo cada vez mais exigente sob todos os
aspectos.
(REFERENCIAIS
PARA
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES, 2002, P. 16).
Muito se comenta nos dias atuais sobre a importância do ensino, de estudar
uma língua estrangeira e também da necessidade de se trazer os avanços científicos das
Fabiana Querino Xavier
1395
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
novas reflexões das questões envolvidas no processo de ensino para o espaço escolar. O
conhecimento científico precisa deixar o ambiente acadêmico e mergulhar nas reais
carências sociais do ensino ao qual se dirige, para isso a escola precisa de políticas de
currículo que estejam aptas a ingressar no meio escolar, que garantam o acesso dos
alunos a educação.
A tentativa de levar o saber construído nos centros de pesquisa até o meio
social se depara com uma grande ignorância sobre a importância do ensino, tal ação
consegue uma considerável invisibilidade na escola pública. O aluno não tem estado
convencido da importância de investir nos estudos, estudar uma língua, nem no fato de
que o conhecimento de uma língua estrangeira significa exercer a própria cidadania e
tomar posse do patrimônio intelectual da humanidade. Entendendo a cidadania como
pertença ativa e passiva, interna e externa de indivíduos em estado nação com direitos e
garantias universais em um nível específico de igualdade. “São direitos sociais, a
educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e a infância, a assistência aos desamparados na forma da lei”
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Art. 6º), ou como nos afirma a LDB (9.394/96), sendo a
mesma a Lei que disciplina a educação escolar:
Artigo 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Artigo 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por
finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
O ensino de Inglês como língua estrangeira desta forma deve ser sempre
repensado em termos de realidade da escola pública brasileira, tendo como ponto de
partida a análise do perfil dos envolvidos neste processo de ensino, contudo o
aparecimento de preconceitos inseridos na prática docente, como também a relevância
destes no processo de ensino e construção de políticas de currículo.
O trabalho educativo requer certas exigências constantes para atualização e
aprendizagem de novas temáticas que surgem com o tempo, das mudanças sociais e das
necessidades da comunidade onde o professor está inserido. Ao professor da atualidade
Fabiana Querino Xavier
1396
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
exige-se uma formação continua que complemente, suplemente e aperfeiçoe sua
formação inicial. Como elenca Perrenoud (2000, p. 160):
 Formar-se não é – como uma visão burocrática poderia, às vezes, fazer
crer – fazer cursos (mesmo ativamente); é aprender, é mudar, a partir
de diversos procedimentos pessoais e coletivos de autoformação.
 Entre esses procedimentos, podem-se mencionar a leitura, a
experimentação, a inovação, o trabalho em equipe, a participação em
um projeto de instituição, a reflexão pessoal regular, a redação de um
jornal ou a simples discussão com os colegas;
 Sabe-se cada vez mais claramente que o mecanismo fundamental
depende do que se chama agora com Schön (1994, 1996) de prática
reflexiva.
Neste sentido da prática docente vêm se exigindo algo mais que conhecimentos
técnicos e metodológicos do fazer pedagógico, uma prática de observação da própria
prática a fim de construir meios, políticas de currículo que favoreçam o
desenvolvimento de competências que garantam o sucesso da prática educativa.
A força motriz que me motivou a pesquisar tal assunto em minha própria
prática está intimamente ligada a frases ditas por mim e cenas vivenciadas - a serem
citadas na análise dos dados - no âmbito da escola pública onde exerço a função de
professora das séries da educação básica, partindo primeiramente de minha autoobservação. Sobre educação básica assim se refere à LDB (9.394/96): “Artigo 22. A
educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir
no trabalho e em estudos posteriores”.
Ao meu entender a forma como o professor opera o currículo em sala de aula
de línguas estrangeiras na escola pública gera preconceito oriundo da compreensão de
ensino e de língua possuído pelos próprios professores, este em decorrência de uma
ideologia nacional de que o aluno de escola pública é carente de habilidades
indispensáveis à aprendizagem de uma língua estrangeira.
Isto porque não se considera a importância do fator qualitativo de
conhecimento da língua sob o aspecto quantitativo. O ensino para muitos profissionais
refere-se ao programa de ensino, a lista de conteúdos de um determinado livro didático,
Fabiana Querino Xavier
1397
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
e a língua é o fator comunicativo. “A educação pública tem sido descrita como uma
escola contra o povo, ao invés de atendê-los.” (SOARES, 1986 p. 20).
O problema do fracasso do ensino de línguas é geralmente mascarado pelo
fracasso do aluno. Desta maneira a pesquisa sobre os problemas da escola pública
muitas vezes toma caminhos diferentes, ou seja, onde há profissionais capacitados e
preparados o índice de fracassos, certamente será quase nulo. Sobre a formação dos
profissionais da educação assim menciona a LDB (9.394/96):
Artigo 61. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos
profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos
estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
I-ingresso exclusivamente por concurso público de provas e título;
II- aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico remunerado para esse fim;
II- piso salarial profissional;
III- progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na
avaliação do desempenho;
V- período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na
carga de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho.
O ingresso no cargo de professor na rede pública de ensino deve acontecer
mediante a aprovação do mesmo em concurso público, o que de certa maneira
comprova os conhecimentos da área que se destina a lecionar, ou seja, “a investidura em
cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas
ou de títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de comissão declarada em lei livre
de nomeação e exoneração”. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, Art. 37)
Uma grande questão surge a despeito do sistema de avaliação utilizado em tal
aprovação, se são dignos de aceitação científica ou se simplesmente procuram medir
conhecimentos acumulados. Ou seja, o que tem estado ausente ou presente no processo
de formação de professores de língua estrangeira, que atuam na rede pública, se
comprova através de concurso público que são capazes de exercer tal cargo, que lhes
tem dado espaço ao surgimento de preconceitos?
Entretanto, não se pode desconsiderar que uma formação em nível
superior não é, por si só, garantia de qualidade. É consenso que
nenhuma formação inicial, mesmo em nível superior, é suficiente para
o desenvolvimento profissional, o que torna indispensável à criação de
Fabiana Querino Xavier
1398
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
sistemas de formação continuada e permanente para todos os
professores.
(REFERENCIAIS
PARA
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES 2002, p. 17).
Tem repercutido bastante o preconceito por parte do professor com relação à
capacidade de aprender de seus alunos, como também a crença de que existe um aluno
ideal proveniente de uma família perfeita, estruturada e organizada, de posse de todos
materiais escolares dos quais necessita na escola, bem vestido, comportado e consciente
de seus deveres enquanto aluno.
Muitas vezes o fato de o aluno de escola pública não ter acesso, ou não possuir
a cultura de buscar, aos bens informativos que a classe majoritária detém como: jornais,
revistas, Internet e outros geram uma certa crença de que o não acesso de meios que
expõem a língua materna pode causar deficiência no processo de ensino de uma língua
estrangeira. Em contrapartida há algo realmente importante e que quase não se
considera é que enquanto não se tem acesso a certas leituras ele está se apropriando de
uma outra linguagem própria de seu contexto social, pois somos seres necessariamente
comunicativos, desta maneira não há comprometimento do desenvolvimento cognitivo
das competências lingüísticas, tornando-se, pois um aliado do professor que deve ter
como base as capacidades lingüísticas, isto é, a linguagem de seus alunos.
Uma linguagem diferente não implica em ser deficiente, ou seja, não há razão
para se entender uma linguagem diferente como deficiente (LABOV apud LOPES, 1969
p. 68). Observa-se, portanto que tal questão possui proveniência ideológica, onde a
classe majoritária da sociedade é tida como modelo perfeito para ser e seguir, possuindo
as melhores qualidades e exemplos a serem seguidos.
O cunho ideológico dos preconceitos sobre o ensino de línguas na escola
pública revela que a escola possui professores com ideologias diferentes das que a
escola necessita para fornecer a seus alunos conhecimentos por meio do ensino, ou seja,
o preconceito inicialmente considerado lingüístico é ideologicamente social.
Assim sendo, o que a escola - enquanto instituição do sistema
capitalista – tem feito é impedir o reconhecimento das relações de
exploração, colocado para que as classes subalternas acreditem nas
suas deficiências que, por serem próprias de sua natureza, as impedem
de alterar o processo da história. (LOPES, 1996, p. 70).
Fabiana Querino Xavier
1399
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
O processo de ensino que o sistema capitalista revela é responsável por,
historicamente, fragmentar a sociedade contemporânea em duas classes: a hegemônica e
a subalterna, de maneira que se a classe menos favorecida não tem êxito pressupõe-se
que a mesma não possui conhecimentos base que determinariam seu sucesso. Os
preconceitos ocorridos neste processo explicam parcialmente o não rendimento do aluno
da escola pública, ou seja, ocorre uma considerável carência de desenvolvimento
intelectual humano.
Sendo assim, este trabalho buscará através de uma revisão bibliográfica dos
documentos oficiais que norteiam o ensino no Brasil e a formação de professores,
confrontarem os posicionamentos críticos da literatura dos estudos da língua com as
reais ações observadas pela experiência entre professora e observadora.
Análise e apresentação das observações
A observação da prática educativa no Brasil ainda é algo muito recente. A
maioria dos livros de didática e manuais de educação buscam propor métodos e
concepções de ensino generalizadores. A pesquisa na própria prática, vai mais além em
sua proposta, buscando aspectos mais abstratos que revelem a identidade da sala de aula
em um modo geral e em outro mais específico, características que embora presentes em
caráter especial tenham correlação com características globais presentes em qualquer
outra sala de aula.
Ou seja, em um aspecto geral a sala de aula possui um professor, alunos,
contexto, prática docente, metodologias, recursos e outros, e isto é o que deve ser levado
em consideração na construção do currículo escolar. A forma dinâmica de estes
interagirem em um contexto escolar é o que uma sala de aula possui de identitário e
específico.
Sob certos aspectos, a escola pode parecer imóvel: um professor,
alunos carteiras, um quadro-negro. Às blusas cinzentas sucederam os
jeans, aos tamancos, os tênis; há um computador no canto da sala de
aula, mas isso pode parecer secundário em relação à permanência de
um grupo-classe, de uma relação pedagógica, de uma grade horária, de
programas, de lições, de exercícios escolares, de provas, de boletins.
(PERRENOUD, 2000, p. 156)
Fabiana Querino Xavier
1400
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
Levando-se em consideração a especificidade de um contexto escolar, a busca de
um gesto apenas generalizador o faria perder sua diferença que vai além do horizonte
escolar, que permite uma homologia entre o que a sala de aula possui de específico e
geral. O específico constitui o geral e o geral constitui o específico. Uma ‘sala de aula’
não é apenas um conceito fechado, algo determinado para ser o que é, mas sim uma
unidade de ensino que pode possuir diferentes interpretações frente à observação e
reflexão do professor. “Resta aprender a analisar, a explicitar, a tomar consciência do
que se faz”. (PERRENOUD, 2000, p. 160)
O processo de formação incial do professor está muito voltado ao ensino de
componentes curriculares que lhe garantirão proficiência na área específica de sua
licenciatura e se esquece que o professor não apenas necessita de conhecimentos
específicos de seu campo de atuação, mas também de conhecimentos didáticopedagógicos, ou seja, os saberes teóricos e práticos deve andar lado a lado, um
respaldando o outro, trazendo sentido e eficiência a prática.
Conforme sua prática fica estável ou restritiva, seu conhecimento na
prática se torna mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento
profissional que lhe permite confiar em sua especialização. Porém, à
medida que os casos reflitam diferenças, ou lhe criem dúvidas [...].
Seu conhecimento profissional acumulado e tácito se mostra
insuficiente para dar conta deste caso e são outros os recursos que irá
utilizar. Necessita refletir, confrontar seu conhecimento prático com a
situação para a qual o repertório disponível de casos não lhe
proporciona uma resposta satisfatória. (Contreras, 2002, p. 107-108).
O ensino precisa atender a real necessidade dos que procuram à escola. O fato
de não existir um único modelo de sala de aula, dispensando assim a descrição e
construção de um único método que possa corresponder a todos os lugares e clientela,
vem, pois despertar no meio acadêmico e consequentente escolar a prática de
observação. Deste modo cada professor pesquisa sobre sua própria prática, buscanndo
entendê-la e encontrar soluções para as peculiaridades em seu lugar específico de
atuação, sua sala de aula. Sobre observação assim refere-se Roca (2009, p. 162):
Com a criação de um canal entre a leitura e a sala de aula, a
observação se transformou também em uma prática que
contextualizava leituras aparentemente longínquas. A história,
entendida como uma evolução da consciência em forma espiralada,
Fabiana Querino Xavier
1401
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
virou metodologia de trabalho, permitindo entender o que acontecia
em sala de aula.
As universidades, responsáveis na maioria das vezes pela formação inicial dos
educadores, precisam promover uma cultura de pesquisa que alcance o professor ainda
aluno para habituá-lo a observar e refletir sobre sua própria prática quando então
professsor. A reflexão neste sentido atuará como formação continuada, pois manterá o
professor em constante análise e pesquisa de suas ações, conduta e conceitos. Cabe
então a academia não fornecer apenas conceitos e receitas prontas, mas a cultura da
renovação do que se pensa e do que se faz. Como diz Cavalcanti e Moita Lopes (1991,
p. 134):
(...) a graduação concluída parece implicar o término do processo de
formação do professsor. (...) O professor como qualquer profissional,
deveria ter uma educação continuada que propiciasse sua autoformação e que fosse oportunizada de várias maneiras, por exemplo,
cursos de extensão, especialização, e pós-graduação oferecidos pelas
universidades. A crítica que aqui se coloca ás universidades é que não
há planejamento efetivo de apoio ao professor que deixa de ser alunoprofessor. Os cursos de extensão e especialização que existem deixam
a desejar uma vez que enfatizam regra geral, conteúdos que não
favorecem a discussão da questão da interação professor-aluno (...).
A prática de observação deve promover discussões relevantes que contribuam
no processo de ensino-aprendizagem, de cunho investigativo e crítico. O professor
precisa deixar de ser apenas objeto de pesquisa e passar a ser sujeito, observador e
crítico de sua prática.
A constante observação precisa iniciar-se de ‘cabeça limpa’ para que
preconceitos e hipóteses não venham a contaminar subjetivamente os resultados da
pesquisa, manipulando e impondo paradigmas. É preciso focalizar a prática de
observação em como o professor provoca a aprendizagem e que políticas de currículo
possui, analisar se estas provocam preconceito ou facilitam a aprendizagem de seus
alunos e não apenas se os alunos aprendem ou o que aprendem.
As citações abaixo revelam a experiência vivenciada por mim juntamente com
a minha observadora, comprovando a existência de meus preconceitos no ensino de
línguas na escola pública.
Fabiana Querino Xavier
1402
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
O professor de línguas, quando de escola pública, possui preconceitos
referentes à: limitações decorrentes do nível social, forma como o ensino público é visto
indisponibilidade de recursos e a incapacidade dos alunos em aprender. Tais conceitos
formam um verdadeiro ciclo vicioso, já que, não se promove uma política de formação
voltada ao avanço e ao crescimento docente nas instituições as quais pertencem. Ou
seja, uma prática que busque vincular a realidade ao que se necessita aprender.
Fragmento 1: anotações da observadora.
Durante a elaboração do plano de aula a professora se questiona se seus alunos serão
capazes de aprender determinado assunto: ”Não sei o que fazer, na escola não há
livros de inglês, nem dicionários, além do fato desses alunos não saberem nem
Português. Na aula passada houve um aluno que me perguntou o que era ‘boy’. Fico
apavorada, pois considero esta palavra tão fundamental, e estou lidando com uma
turma de 9º ano do ensino fundamental. No plano anual tem que devo começar o
Future, mas ainda estou revisando o verbo to be, pois percebi que eles ainda não o
conheciam. Antes do concurso a professora que os ensinava era formada em história,
segundo eles só levava músicas e um micro system para a aula. Talvez porque estejam
muito ligados a zona rural e suas mentes estejam fechadas para tais assuntos como:
aprender uma língua estrangeira. Então, o que faço? Sem livros, sem dicionários, sem
alunos para aprender. Sinto-me como se falasse em uma língua estrangeira todo o
tempo, pois até quando falo Português sinto que não me entendem”.
O ensino de língua estrangeira na escola pública resume-se em aulas de
gramática e tradução, podendo este ser decorrente da carência de suporte teórico e
prático, como também da incapacidade na resolução de problemas que o mesmo
encontra em sala de aula. Os cursos de formação de professores estão desvinculados da
real necessidade da escola pública, se tendo como base falta de meios concretos para se
obter os objetivos do ensino, com referencia a formação de competências lingüísticas no
aluno, como também no não incentivo no avanço do processo de formação do professor.
Fragmento 2: Anotações da professora.
Fabiana Querino Xavier
1403
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
A única coisa que consigo ensinar é gramática, sinto a necessidade de criar algo, como
se fosse uma fórmula matemática para eles associarem respostas, ensino inglês
(gramática) mecanicamente. Eles precisam através de alguma marca na frase descobrir
a resposta correta, porque não conhecem as palavras, o contexto de uso de alguma
regra gramatical, faço exercícios de preencher lacunas ou marcar X, às vezes dou um
voccabulário prévio com as respectivas traduções ao Português e peço para estudarem
(decorarem) em casa e ponho na prova. Sinto vergonha de mim, às vezes, pois não foi
isso que aprendi na faculdade, mas não disponho de outros meios, talvez ano que vem
tenhamos um DVD e uma TV, mas, então me pergunto como vou elaborar uma
atividade se meus alunos possuem este nível.
Há uma grande distância entre o que se propõe e o que se facilita ao educador
alcançar. Muitas vezes o perfil do “ótimo” professor de línguas revela um ser que
obedece e repete as regras de um sistema. Quando não se investe na formação se perde
qualidade na educação. Isto não significa palavras, mas sim atitudes.
A função de professor é hoje uma profissão muito desvalorizada, não
só pelos baixos níveis salariais, mas também pelo tratamento que o
professor recebe, seja do poder público, seja da sociedade de forma
geral, ainda muito presa à concepção de que o professor é um mero
técnico e que ensinar é algo simples, que depende apenas de boa
vontade e treinamento. É preciso desencadear ações que viabilizem
condições adequadas ao trabalho, carreira e salário, desenvolvimento
pessoal e profissional. (REFERENCIAIS PARA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES, 2002, p. 17).
A falta de oportunidade e as barreiras que o professor encontra quando decide
estudar e elevar seu nível de conhecimentos seja da própria direção ou até mesmo da
representação institucional de uma edilidade, promovem uma série de conflitos internos,
os quais interferem na atuação do mesmo na sala de aula, ou seja, o docente perde as
razões que lhe instigam a investir na própria profissão.
Fragmento 3: Anotações da professora.
Sinto que deve haver outros caminhos, sim, mas me falta algo para poder enchergá-los,
talvez um curso ou uma orientação mais prática, nas reuniões se fala muito, até
Fabiana Querino Xavier
1404
Política de Currículo, Preconceito e Ensino de Língua Inglesa na Escola Pública
aconselhei a montarem um projeto de leitura com jornais, revistas e livros da
biblioteca, na reunião mencionei o problema que encontro na sala de aula e que culpo,
muitas vezes, a falta de conhecimentos prévios dos alunos, de coisas que considero tão
fundamental. Falei olhando para os outros professores, e expliquei que isso poderia
ajudar em todas as disciplinas, porque aumentaria a capacidade comunicativa,
aumentaria a visão dos alunos e os ajudariam a compreender bem mais as disciplinas
que estudam, tudo faria sentido para eles. Todos concordaram, mas até hoje não se fez
nada, e o projeto que a coordenadora disse que conosco ia elaborar ficou no
esquecimento.
Pedi autorização para realizar este trabalho e me foi negada, tive que recorrer a
secretária de educação, pois a diretora disse: “Não quero este negócio de trabalho de
mestrado aqui não, faça em outra escola, você trabalha em outras também, isso me
incomoda muito”.
Considerações Finais
Este trabalho mostrou através de dados de observação de aulas, a existência de
preconceitos por parte dos professores em salas de aula de língua inglesa na escola
pública e a interferência dos mesmos na construção de um currículo de acesso a escola.
Através da análise de documentos que doutrinam o ensino, o conceito de
educação, este estudo mostrou a diferença existente entre o que propõe a lei, como se
posiciona a literatura do ensino de línguas e o que de fato acontece na sala de aula.
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Fabiana Querino Xavier
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Fabiana Querino Xavier
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IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
EVOLUÇÕES DA CIDADANIA: DA CONCEPÇÃO
BURGUESA À PERSPECTIVA DE PRÁXIS
SOCIAL, DE LIBERDADE DE EDUCAÇÃO
PÚBLICA E DE QUALIDADE
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Evoluções da Cidadania: da Concepção Burguesa à Perspectiva de Práxis Social, de Liberdade de Educação
Pública e de Qualidade
EVOLUÇÕES DA CIDADANIA: DA CONCEPÇÃO BURGUESA À
PERSPECTIVA DE PRÁXIS SOCIAL, DE LIBERDADE DE EDUCAÇÃO
PÚBLICA E DE QUALIDADE
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho1
RESUMO: O presente trabalho é recorte e, ao mesmo tempo, continuação de uma
pesquisa em nível de doutorado, apresentada em 2003 na Universidade Federal do
Ceará, que trata da construção curricular de Línguas Estrangeiras – L.E. em escolas
públicas de ensino médio em Teresina-Piauí, ausente até 2004, quando foram
elaboradas as Diretrizes Curriculares, implantadas em início de 2009. Apontamos as
mudanças no processo ensino aprendizagem de L.E ocorridas a partir dos anos 60 do
século passado, que acompanharam a transformação da concepção de currículo, embora
a visão tecnicista prevaleça, até o momento, nas escolas piauienses. Ressaltamos, ainda,
a importância atribuída aos livros didáticos, considerados o currículo formal por parte
considerável de docentes, por representarem a base para o planejamento e a prática
pedagógica, sem que tenham conhecimento de critérios de avaliação dos mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Línguas Estrangeiras, Currículo, Livro Didático.
Introdução
O presente Texto versa sobre a questão da Cidadania na innfância e na
adolescência. Compreendemos que a questão do acesso à escola, da universalização do
ensino constitui a base na construção da cidadania, particularmente entre crianças e
adolescentes pobres. Se não fosse o terreno arisco, no qual a clientela das instituições de
ensino público estão inseridas, poderíamos somente dizer que a função da escola é
ensinar e propor a discussão das regras que organizam o convívio social dos alunos no
espaço escolar, considerando a escola, a sala de aula, como um dos primeiros espaços,
de experimentações das atitudes e dos valores humanos.
Contudo, este cotidiano, no entanto, necessitará ainda de um outro tipo de
comprometimento. Atualmente, nossas crianças e jovens adolescentes são oriundos de
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Professora Adjunta da Universidade de Pernambuco - FACETEG e Líder do Grupo de Pesquisa em
Políticas Públicas e Educação [email protected]
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
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Pública e de Qualidade
contextos pobres, violentos, estressantes e neurotizados pela disputa pela sobrevivência
na vida em comunidade, em sociedade. Na escola, faz-se necessário desenvolver
trabalhos que possibilitem, aos alunos, um ambiente mais livre de preconceitos. Um
lugar de experimentação, de reflexões e de aquisição de conhecimentos. Para tanto, o
empenho deveria ser em torno de um fazer pedagógico, compartilhado, livre de antigas
formulações conservadoras e autoritárias.
Neste sentido, o objetivo deste texto é analisar a evoluções da cidadania : da
concepção burguesa à perspectiva de práxis social, de liberdade de educação pública e
de qualidade
Sabemos que a escola é um dos primeiros espaços de experimentação dos
valores, dos sentimentos humanos, é um dos poucos lugares, dentro do espaço societário
de socialização e multiplicação de conhecimentos. Urge superar os problemas ainda
existentes, uma vez que, estudos e pesquisas acadêmicas realizadas nos anos 90,
apontavam para uma escola pública com dificuldades em fazer valer o direito à
educação pública e de qualidade e assim fortalecer a cidadania. Pesquisadores e
Planejadores da Unicef, em seus últimos relatórios referentes aos anos de 1997 a 2003,
apontam para a continuidade e a reprodução, sobre nossas crianças e jovens, de velhos
padrões de desigualdade, já amplamente discutidos no Brasil. A concentração de renda
persiste e é, claramente, influenciada pela cor, pelo sexo e por fatores regionais.
Cidadania no mundo moderno
Se em Roma o escravo é o homem sem direitos por oposição ao cidadão, na
República Moderna, os direitos civis são reconhecidos, são direitos naturais e sagrados
do homem. Conforme consagrado na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução
Francesa, “todos os homens nasceram livres e iguais em dignidade e direitos”
(FUNARI, 2003, p.63). Dentro da concepção moderna, podemos cogitar que, na
Revolução Francesa, os ideais de ‘igualdade, fraternidade e liberdade’, ampliam, ainda
mais, as discussões no que se refere à cidadania. Neste sentido, é um conceito derivado
deste momento histórico para designar o conjunto de membros da sociedade que têm
direito e decidem o destino do Estado, diz o referido autor.
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Podemos perceber nas idéias de Rousseau (1979) que a concepção de política, de
Estado e de sociedade da era Moderna já iniciava um processo de reordenamento. O
contrato social substitui o poder dos monarcas, mudando o conceito que, de vontade
singular do príncipe, passava para a vontade geral do povo. Assim, o referido filósofo
propõe a participação popular. Podemos observar que, de fato, tais perspectivas não
aconteceram. No século XVIII e início do século XIX a educação e a cidadania eram
muito restrita, uma vez que meninas, mulheres, brancos pobres e negros não estavam
nela incluídos.
Os ideais de liberdade conviveram com a instituição da escravidão, que duraria
até a Guerra da Secessão (1861 – 1865). Como era possível falar em cidadania em um
sistema que excluía a maioria absoluta da população e, ainda, estabelecia a propriedade
pessoal de um homem sobre outro ? O autor, em questão, afirma que, na verdade, o
termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusão:
Dizer quem era cidadão – ao contrário de hoje, em que supomos se
tratar da maioria – era uma maneira de eliminar a possibilidade de a
maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria. Admitir o
conceito de cidadania como um processo de inclusão total é uma
leitura contemporânea. No entanto, não podemos esquecer que os
fundadores da República falavam de igualdade e liberdade para
seiscentos mil seres humanos escravizados e analfabetos (KANAL,
2003, p. 144).
A partir de então, a legitimidade de uma sociedade hierarquizada, fundada em
privilégios de nascença, perdeu a força . A crítica interna dos religiosos da Reforma e a
“crítica externa dos cientistas do Renascimento inviabilizaram a continuidade absoluta
de uma maneira transcendente de compreender as histórias. O Homem passou não
apenas, a traçar o seu destino, mas também, a ter total capacidade de explicá-lo.
A decadência da noção de predestinação, de resignação, amplamente definida
pelas teorias de São Tomás, pelo Neotomismo, contribuiu com o avanço irresistível da
modernidade, emoldurada pelos acontecimentos que se desenrolaram entre a crise da
sociedade feudal no século XIV e as revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII,
que defenderam outras concepções para a cidadania.
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O princípio da cidadania moderna
fundada sobre a idéia de humanidade
enfrentou muitas dificuldades de aplicação. Para
evitar o despotismo, o princípio
republicano consagra a idéia do controle popular pelo sufrágio universal, inspirando-se
na visão de soberania popular defendida por Rousseau, que já compreendia a
importância da educação para a formação e o
desenvolvimento humano e social.
Vejamos: nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos
necessidades de assistência; nascemos estúpidos, precisamos de juízo. Tudo o que não
temos ao nascer, é - nos dado pela educação (ROUSSEAU, 1979, p.10). Nessa
perspectiva, Rousseau considera que para não correr atrás de quimeras, não
esqueçamos o que convém a nossa condição. A humanidade tem seu lugar na ordem das
coisas; a criança tem o seu na ordem da vida humana; é preciso considerar o homem no
homem e a criança na criança. Vejamos o que nos diz o autor em questão: “ensinar a
cada um o seu lugar e nele fixá-lo, ordenar as paixões humanas segundo a construção
do homem é tudo o que podemos fazer para seu bem-estar” (p. 62). O processo
educativo na França tinha como objetivo formar o cidadão. Entre 1762 e 1789, o
processo educativo é dominado por uma luta constante e sem tréguas entre a Igreja e o
Iluminismo. Entre o clero, havia unanimidade sobre este assunto, pois, embora alguns
considerem a Ciência válida na promoção dos negócios humanos, ela precisa de
orientação, papel que compete à Igreja, à Doutrina Cristã.
A Assembléia do Clero, de 1762, considera que o processo educativo pode ter
um competente secular, mas este deve subordinar-se à religião cristã. Com a publicação
do livro Emílio2, a luta torna-se mais acirrada de ambos os lados. Todavia, é a ala mais
radical do Iluminismo que terá maior força e influência na reformulação do processo
educativo, através da legislação e de sua implementação pela Revolução.
Nos Estados Unidos, a educação era voltada para o republicanismo. O problema
com que os cidadãos da Nova República se defrontam é o problema da identidade
nacional. Apesar do termo Estados Unidos, faltava uma base de união real. Para Giles
(1987), entre a Declaração de Independência em 1776, e o Tratado de Versailles, em
1783, que a ratifica e assinala o fim da Revolução, a situação não sofre modificação
substancial.
2
Livro sobre o processo educativo sem o domínio da Igreja escrito por Rousseau, J.J no século XVIII :
Emílio ou da Educação.
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Um dos signatários da Constituição, Benjamin Rush, considerava a educação
como pedra de toque da nova sociedade e, em 1795, apresenta um plano para um
sistema de educação nacional. A finalidade deste projeto resumia-se na afirmação de
que o processo educativo deve tornar as crianças e adolescentes “máquinas
republicanas”.
Na Rússia, o processo educativo era compreendido como
instrumento de
controle. Assim registra-se na literatura que:
O sistema escolar russo evolui distante das correntes e das
forças culturais que convulsionam os grandes centros da Europa.
Isso inclui o movimento humanista do século XII, a Renascença
e as revoluções religiosas dos séculos XVI e XVII. O impacto
de todos esses movimentos sobre a Rússia foi mínimo. Em
termos históricos, o país permanecia isolado dos grandes
movimentos intelectuais e sociais do restante da Europa
(GILES, 1987, p.218).
Um dos resultados desse fato é o desinteresse pelo processo educativo. A
primeira referência em termos oficiais data, apenas, do final do século XV. Mesmo
numa data tão tardia como o século XV, só havia referências à instrução tutorial
particular e às escolas conventuais, sob o patrocínio da igreja Ortodoxa. Nas maiores
aldeias, a igreja já mantinha escolas primárias. Mas, em grande parte, os esforços em
prol da educação foram esparsos e dispersos, sem qualquer tentativa de expandir o
processo educativo ou torná-lo um direito.
Durante o século XVIII e nas primeiras décadas do século seguinte, a burguesia
foi porta-voz do sonho humano de um mundo igualitário, fraterno e livre. O lugar que
ocupava a nova ordem social gerou e disseminou a crença de que este sonho se
concretizaria na sociedade industrial capitalista liberal. No entanto, em meados do
século XIX, o sonho havia acabado.
O século XIX, em todas as suas manifestações e fenômenos, é o resultado da
dupla revolução que se deu na Europa Ocidental no final do século XVIII: a Revolução
Política Francesa (1789 – 1794) e a Revolução Industrial Inglesa, que tem como marco
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a construção, em 1780, do primeiro sistema fabril do mundo moderno, onde o trabalho
escravo de crianças e adolescentes pobres, nas fábricas, confiscava o direito à educação
e à vida de qualidade, à cidadania na infância e na adolescência pobres.
A pesquisa histórica revela que uma política educacional, em seu sentido estrito,
como a ação sistemática e permanente do Estado tem início no século XIX e decorre
de três vertentes da visão de mundo dominante na nova ordem social: de um lado, a
crença no poder da razão e da ciência, legado do Iluminismo; de outro, o projeto liberal
de um mundo onde a igualdade de oportunidades viesse a substituir a indesejável
desigualdade baseada na herança familiar; finalmente, a luta pela consolidação dos
estados nacionais, meta do nacionalismo que impregnou a vida política européia nos
séculos XVIII e XIX. Mais do que os dois primeiros, a ideologia nacionalista parece ter
sido a principal propulsora de uma política mais ofensiva de implementação de redes
públicas de ensino em parte da Europa e da América do Norte, nas últimas décadas do
século XIX .
Sabemos que o tráfego de negros foi intenso, mesmo considerando as pressões
existentes após meados do século XIX, conforme estatísticas relativas ao total de
“entradas” ou “importações”: dos livros da alfândega consta que nos anos de 1620,
1621, 1622 e 1623, num quadriênio, só do Porto de Angola foram trazidos para a
capitania de Pernambuco, 15.430 “ peças”. A este propósito expressa Carvalho (2004):
As crianças brasileiras, negras e pobres, desta época, quando
deixavam de ser percebidas como crianças, aos sete (7) anos, já
passavam a ser vistos como escravos, portanto, não teriam o direito à
educação. A idade era referenciada pela Igreja, quando afirmava que,
aos sete anos, a criança iniciava na idade da razão, a idade da
consciência e da responsabilidade (CARVALHO, 2004p.74).
Por sua vez, o Código Civil, o Código Filipino, mantido em vigor durante todo
o século XIX, fixava a maioridade aos doze anos, (12), para as meninas, e aos quatorze,
(14) para os meninos. Todavia, era a partir dos sete (07) anos que a criança negra e a
pobre ingressavam, não no mundo da escola, mas no mundo do trabalho, na condição
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de “moleque” e aos doze anos, ou mesmo antes, já se constituía, plenamente, como
força de trabalho escravo.
Sabemos que nem a Independência nem o fim da escravidão significaram o fim
das limitações à cidadania dos negros.
As revoluções da Inglaterra e da França
assinalavam para o mundo em transição:”a vontade coletiva dos homens apontava para
novos dias. É a inquietação de uma época de transformação que se aprofunda à medida
que ele toma consciência de seu papel de sujeito da sua própria existência” (MARX,
1975, p.37). As velhas ideologias mantiveram fortes influências na América Latina e no
Brasil. A desigualdade social não foi superada, as oportunidades de emprego atingiram
baixos índices, deixando 1/3 da população com baixa escolarização e desempregada, no
final do século XX.
A fase de transição ainda não foi terminada, a universalização da educação e da
cidadania foi somente iniciada: ela terá pela frente, outras etapas a serem cumpridas;
essas envolvem, fundamentalmente, o estabelecimento e a estabilização de padrões de
interação política, qualitativamente distintos das regras autoritárias, capazes de
institucionalizar a participação dos cidadãos na vida pública, assim como o
funcionamento de mecanismos de controle da ação dos que exercem o poder.
Cidadania da Contemporaneidade aos dias atuais
Sabemos que a sociedade contemporânea é composta de duas classes sociais: a
dos proprietários e a dos trabalhadores. Assim, somente os membros da classe
privilegiadas são sujeitos de direitos. Para Singer (2003) são os direitos sociais, direitos
condicionais vigentes apenas para quem depende deles, para ter acesso à parcela da
renda social, condição muitas vezes fundamental para sua sobrevivência física e social.
A presença dos direitos sociais na cena política dos trabalhadores, por sua vez,
desempenhou papel central na concretização de mecanismos mais amplos de
participação da vida pública e na busca por uma divisão mais justa e igualitária da
riqueza social. No Brasil, a instauração do mercado livre de trabalho, com a Abolição
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da Escravatura (1888), logo em seguida pela Proclamação da República (1890), não
conseguiu avançar muito no que se refere à cidadania, ao direito à educação pública
para todos. A nova ordem política consagrada na Constituição de 1891 estendeu o
direito de votar e de ser votado a todo cidadão brasileiro do sexo masculino, maior de
21 anos, excetuando-se mendigos, analfabetos e religiosos sujeitos a voto de obediência
que implicasse na renúncia da liberdade individual.
Podemos, assim, observar que mesmo na sociedade contemporânea, a cidadania
sofre restrições, cabendo, apenas, a uma parcela não bastante expressiva de brasileiros.
Basta dizer que, na década de 20, as taxas de analfabetismo chegavam a 70%, neste
sentido, os direitos civis e políticos eram uma ficção.
O Serviço de Estatística educacional da Secretaria Geral de Educação registrava
53,52% de retidos no 1o ano em 1936. Dados do INEP (1941) registram 58,83% de
perdas do 1 o para o 2o ano em 1938. Nessa direção Lorenço Filho (1941) referia-se com
entusiasmo ao crescimento quantitativo da rede de ensino primário de 1932 a 1939 e
expressava duas novas preocupações, em primeiro lugar, com os altos índices de evasão
e em segundo, com a repetência que se registrava nos primeiros anos da escola pública
primária.
Na era Vargas, os direitos
foram assegurados em função da categoria
profissional a que pertencia o indivíduo, ou seja, somente aqueles que integravam o
universo das profissões reconhecidas
no sistema. Assim, ficavam excluídos do
exercício da cidadania, os trabalhadores rurais, domésticas, autônomos, desempregados,
além de todos aqueles que exerciam profissões não regulamentadas como as crianças e
os adolescentes pobres e menores de idade que não tinham o direito ao trabalho em
detrimento do direito à educação.
Tratava-se de uma cidadania regulada, ou seja, eram cidadãos todos aqueles
membros da comunidade localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e
definidas por lei. Neste sentido explica Singer (2003):
A extensão da cidadania se fazia, pois, por via de regulamentação de
novas profissões e ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante
ampliação do escopo dos direitos associados a essas profissões, antes
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que por extensão dos valores inerentes ao conceito de membros da
comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do
cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo
produtivo, tal com reconhecido por lei (SINGER, 2003, p.191).
As implicações imediatas desse ponto é clara: seriam pré-cidadãos todos os
trabalhadores da área rural, que fazem parte ativa do processo produtivo e
desempenham ocupações difusas, para efeito legal, assim como, seriam pré-cidadãos os
trabalhadores urbanos em iguais condições, isto é, cujas ocupações não tenham sido
reguladas por lei. Podemos notar que a cidadania figurava-se como resultado de lutas
políticas, mas dependia da benemerência do Estado. E no que se referia ao direito à
educação para a criança e adolescente, os Estados ainda mantinham um relação de
negligência, uma vez que somente as crianças negras e pobres eram excluídas, uma vez
que os determinantes sociais e econômicos já obrigavam este contingente de pessoas ao
trabalho precoce, e às vezes, ilegal.
A partir da segunda metade do século XIX, tanto na Europa como na América
do Norte implantava-se o ensino público e universal às custas dos cofres públicos, em
grande parte devido às exigências da Revolução Industrial. Esta obrigava o próprio
Estado a assumir a responsabilidade de erradicar o analfabetismo, pois as tarefas
demandavam, ao menos, um mínimo de qualificação para o maior número de
trabalhadores possível..
O próprio mercado de trabalho exigia o crescimento do sistema educativo. O
crescimento na demanda social faz pressões sobre o processo educativo existente e, no
Brasil, é a Revolução de1930 que determinou a formulação dessa nova demanda e
modifica o papel do próprio Estado nesse processo. Observemos o autor abaixo
referido:
A modificação básica é representada pelo impulso sofrido pelo parque
manufatureiro que, apesar de débil, passa a ter papel indispensável no
conjunto da economia brasileira, Se em 1907 existiam no Brasil 3. 258
estabelecimentos industriais, 150,000 operários e um capital de
666.000 contos de reis; em 1920 estes números haviam aumentado
para 13.336, 276 e 1.816.000 (RIBEIRO, 1984, p.101).
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O ensino, nesse momento histórico, mesmo sendo gratuitos não garantia o
direito à educação e à cidadania para todos, uma vez que seu principal compromisso era
em profissionalizar crianças e jovens para o trabalho nas indústrias. A criança e o
adolescente não eram reconhecidos como sujeitos de direito, e sua sobrevivência era,
muitas vezes, vinculada a trabalhos no sistema industrial. A educação era considerada
em todos os graus, como uma função social e um serviço essencialmente político, que o
Estado era chamado a realizar com cooperação de todas as instituições sociais.
O restabelecimento do jogo democrático e a elaboração de uma nova
Constituição, em 1946, recolocaram em cena os direitos civis e políticos: “os partidos
políticos foram reorganizados, com destaque para o Partido Social Democrático
Nacional (PSDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), União Democrática Nacional
(UDN), e Partido Comunista Brasileiro (PCB), cujo registro foi cassado pouco tempo
depois, em 1947, tendo seus deputados perdido o mandato.
Para ter certeza do caráter ainda conservador desse período histórico e do seu
tênue compromisso com a cidadania, podemos perceber que, além do combate ao
Partido Comunista Brasileiro e a seus integrantes, ainda encontramos a lei que garantia
o direito de todos os brasileiros ao voto, todavia, deixando de fora os analfabetos que,
ainda, eram quase 60% dos habitantes, incluídas as crianças e os adolescentes, em 1950.
A esse propósito afirma Ribeiro (1984):
O desenvolvimento econômico – social propicia uma diversificação
cada vez maior das atividades econômicas, criando mais empregos,
quer seja pelas novas especialidades surgidas, como pelo crescimento
das já existentes, diversificando a mão de obra e ampliando o setor
social médio que é integrado ao processo de desenvolvimento. No
entanto, mantém-se a exploração do trabalhador como forma de
acumulação (RIBEIRO, 1984, p.134).
A queda de Getúlio Vargas e do regime do Estado Novo, em 1945, representam
uma oportunidade para a normalização democrática do país. É promulgada uma nova
Constituição, em 1946, inspirada em ideais liberais e democráticos, estabelecendo
garantias de direitos individuais, o que inclui a livre manifestação do pensamento, a
extinção da censura, a livre publicação de livros e periódicos. Proclama-se, sobretudo, a
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inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença. Ainda mais, o cidadão não pode
ser perseguido ou privado de nenhum de seus direitos por causa das suas convicções
religiosas, filosóficas ou políticas.
Esses direitos estão diretamente ligados ao processo educativo, mas a Carta
Magna é, ainda, mais específica, quando afirma que se é garantido a liberdade de
cátedra, que as Ciências, as Letras e as Artes são livres, mas o direito à educação
pública mostrava-se ainda incipiente. A Constituição de 1946 estipulava que à União,
cabe legislar sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o que resulta na
afirmação de que a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Esta deve
inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. O ensino
primário é obrigatório e será ministrado na língua nacional, ou seja, em Língua
Portuguesa.
No que se refere à cidadania na infância e na adolescência pobres, no século XX
não se observa no Brasil o seu fortalecimento. O fato é que o trabalho precoce foi
contemplado de fato e de direito. Alguns dispositivos legais foram instituídos,
observemos:
O primeiro foi o Decreto N. 5.542 de 1 de maio de 1930, que
consolidou as leis do trabalho (CLT). Em seguida, foi o
estabelecimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e
Industrial (SENAC E SENAI). As escolas de aprendizagem ofereciam
treinamentos especializados, capacitando a infância e a juventude para
a inserção precoce no mundo do trabalho (RIZZINI, 1995, p.139).
Durante o governo Goulart (1961-64), a mobilização dos trabalhadores urbanos
e rurais assumiu proporções até então desconhecidas, envolvendo sindicatos, ligas
camponesas, setores da Igreja Católica, estudantes, intelectuais, sargentos, soldados e
marinheiros. Todavia, multiplicavam-se as greves, tal como ocorreu entre agosto e
setembro de 1961, quando se exigiu a posse do vice presidente, e no movimento de
julho do ano seguinte, em favor da formação do ministério democrático e nacionalista.
Para Luca, (2003) todas as manifestações públicas seriam indícios de que diferentes
setores sociais desejavam participar, mais ativamente, do debate em torno das grandes
questões nacionais.
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Pública e de Qualidade
O momento que vem em seguida, o golpe de 1964, suprimiu, definitivamente, os
direitos civis e políticos, extinguiu os partidos, cassou mandatos, esvaziou o poder
legislativo, instituiu eleições indiretas para cargos executivos, impôs forte controle aos
meios de comunicação de massa, vigiou, perseguiu e eliminou fisicamente os inimigos
do regime autoritário,
estabelecendo uma grande diminuição no que se refere à
cidadania, ao direito à educação pública e de qualidade.
Freire, professor pernambucano, foi exilado nesse período histórico pelo regime
autoritário instituído. Ele criou, em 1962, uma proposta de alfabetização libertadora,
comprometida com a vida de qualidade e consciente. Seu pensamento consistia num
esforço totalizador da práxis humana, buscar, na interioridade desta, retotalizar-se como
prática da liberdade, é o autor em questão quem destaca:
Em sociedades cuja dinâmica estrutural conduz à dominação de
consciências, a pedagogia dominante é a pedagogia das classes
dominantes. Os métodos da opressão não podem, contraditoriamente,
servir à libertação do oprimido. Nessas sociedades, governadas pelos
interesses de grupos, classes e nações dominantes, a educação como
prática da liberdade postula, necessariamente, uma pedagogia do
oprimido (FREIRE, 1987, p. 09).
Para o autor, não existia uma pedagogia para o aluno, mas dele. “Os caminhos
da liberdade são os do oprimido que se libera: ele não é coisa que se resgate, é sujeito
que se deve autoconfigurar responsavelmente. Assim, A educação proposta era a
educação libertadora, incompatível como sistema autoritário instalado no Brasil, no pós
64, e com a educação dominadora instituída por eles.
A prática da liberdade só
encontrará adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de,
reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação
histórica.
A Fundação Mobral foi criada no Brasil de 1969 e, ao contrário da proposta
freireana, instituía uma proposta de educação dominadora e desvinculada da realidade.
O Movimento Brasileiro de Alfabetização pode ser considerado uma medida de
cooptação e contenção do operário. Tratava-se da Lei 5.379, de 15-12-1967, que
propunha a alfabetização funcional a jovens e adultos.
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Pública e de Qualidade
A programação do MOBRAL compreendendo cursos de alfabetização e de
educação continuada, foi precedida de uma avaliação das prioridades educacionais,
sociais e econômicas do País. “De acordo com as prioridades estabelecidas, o
atendimento do MOBRAL incidiu, inicialmente, sobre a população urbana analfabeta e
na faixa etária de 15 a 35 anos” (FREITAG, 1980, p. 91). O fato de os militares terem
iniciado o fim do autoritarismo pode ser explicado devido ao caráter liberal conservador
do governo do general Geisel. De acordo com Carvalho, (2004) havia, ainda, outras
razões para a abertura política. O fato é que em 1973 tinha acontecido o primeiro
choque do petróleo, isto é, um aumento brusco no preço do produto promovido pela
OPEP, Organização dos Países Exportadores de Petróleo. A triplicação do preço atingiu
o Brasil com muita força, pois 80% do consumo dependia do petróleo importado.
O autor a pouco mencionado, ainda salienta que nesta conjuntura seria melhor
para o governo e para os militares promover a redemocratização, “enquanto ainda
houvesse prosperidade econômica do que aguardar para fazê-lo em época de crise,
quando os custos da manutenção e controle dos acontecimentos seriam muito mais
altos” (CARVALHO, 200, p. 174). A liberdade de imprensa garantiu a vitória da
esquerda. Tancredo Neves, do PMDB, em janeiro de 1985 venceu as eleições, no
entanto morreu, e o seu vice, José Sarney, antigo servidor dos militares, assume a
presidência do Brasil. Chegava ao fim o regime militar, apesar de permanecerem
resíduos do autoritarismo nas leis e nas práticas sociais e políticas. Apesar de tudo,
renasciam os movimentos de oposição e o reordenamento da esquerda fazia surgir, mais
uma vez, a esperança de vivenciar, no cotidiano da vida, da sociedade brasileira, a
cidadania.
A crença generalizada de que chegara o momento de uma vida social igualitária
e justa era o cimento ideológico que unia forças e punha em relevo a necessidade de
instituir mecanismos sociais que garantissem a transformação dos súditos em cidadãos.
Para isto, a constituição determinaria direitos e deveres; o aparelho judiciário,
considerado um poder independente, garantiria a cada cidadão a defesa de seus direitos;
a imprensa livre ficaria encarregada da denúncia e da crítica dos desvios; as eleições
garantiriam a participação popular nas decisões, através da escolha de seus
representantes e da rejeição dos maus governantes.
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
1422
Evoluções da Cidadania: da Concepção Burguesa à Perspectiva de Práxis Social, de Liberdade de Educação
Pública e de Qualidade
Para garantir a soberania nacional e popular, que, então, se supunha possível
numa sociedade de classe, a educação escolar recebe, segundo Zanotti (1972), uma
fundamental missão: a ilustração do povo, ilustração pública universal e obrigatória, a
alfabetização como instrumento que atingirá o resultado procurado. A escola universal,
obrigatória, comum – e, para muitos, leiga – será, também, o meio de obter a grande
unidade nacional.
Para a concepção da escola como instituição redentora da humanidade foi um
passo pequeno, o que não significa afirmar que os sistemas nacionais de ensino tenham
assumido proporções significativas de imediato; ao contrário, do final do século XVIII
até meados do século seguinte, a presença social da escola é muito mais intenção de um
grupo de intelectuais da burguesia do que realidade.
A Constituição de 1988, conhecida como a constituição mais liberal e
democrática que o país já teve, merecendo, por isso, o nome de constituição cidadã, não
conseguiu, entretanto, efetivar-se na prática. Os problemas econômicos mais sérios
como a concentração de renda e a ausência quase absoluta de oportunidades
de
trabalho, não foram erradicados ou amenizados. E mesmo com todos os avanços
políticos, em 1990, ainda tínhamos 8% dos eleitores analfabetos, observemos o que diz
este estudioso sobre essa questão:
É sabido que apesar da resistência e da reorganização da esquerda
brasileira na década de 90, o Brasil era o oitavo país do mundo em
termos de produto interno bruto. No entanto, em termos de renda per
capita, é a trigésima quarta. Segundo Relatório do Banco Mundial
(CARVALHO, 2004, p.207).
A cidadania homologada contracena com a desigualdade social que é regional e
racial. É ainda o referido autor que diz:
Em 1997, um ano depois da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDB (Lei 9.394/96), a taxa de analfabetismo no Sudeste
era de 8,6%; no Nordeste, de 29,4%. O analfabetismo funcional no
Sudeste era de 24,5%, no Nordeste era de 56% e no Nordeste rural,
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
1423
Evoluções da Cidadania: da Concepção Burguesa à Perspectiva de Práxis Social, de Liberdade de Educação
Pública e de Qualidade
de 72%. A mortalidade infantil era de 25% no Sudeste em 1997, e de
59% no Nordeste (CARVALHO, 2004, p. 208).
E ainda em 1997, esse índice permanecia inalterado. Pior, segundo dados do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a desigualdade econômica cresceu,
ligeiramente, entre 1990 e 1998. “Na primeira data, os 50% mais pobres detinham
12,7% da renda nacional: na segunda, 11,2%. De outro lado, os 20% mais ricos tiveram
sua parcela da renda aumentada de 62,8% para 63,6% no mesmo período”
(CARVALHO, 2004, p.208). Para o autor em questão, o caráter discriminatório e
racista, também, combatido legalmente, era alarmante. O analfabetismo, em 1997, era
de 90% entre os negros e de 22% entre os brancos; os brancos tinham 6,3% de
escolaridade, os negros e pardos 4,3; entre os brancos, 33% ganhavam até um salário
mínimo; entre os negros, 58% estavam nessa situação.
O mesmo autor demonstra que do ponto de vista da garantia dos direitos civis, os
cidadãos brasileiros podem ser divididos em classe: Há os de primeira classe, os
privilegiados, os “senhores”, que sempre conseguem defender seus patrimônios. Mas
considera que, ao lado dessa elite privilegiada, existe uma grande massa de cidadãos
“simples”, de segunda classe, que são a classe média modesta e os trabalhadores
assalariados. E, ainda, um terceiro tipo de cidadão, o denominado pela polícia de
“elemento”. Na maioria, destaca Carvalho (2004), esses cidadãos, de terceira classe,
são invariavelmente pardos e negros, mulheres,
analfabetos,
ou com educação
fundamental incompleta.
Os primeiros documentos legais reconhecendo a criança e o adolescente como
sujeito de direito no Brasil são: a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e
do Adolescente, este último aprovado pelo Congresso Nacional, em junho de 1990. No
Estatuto, crianças e adolescentes são definidos, simultaneamente, como pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento – justificando, assim, a necessidade da proteção
integral e prioritária de seus direitos e por parte da família, da sociedade e do Estado.
E no capítulo IV e V, ainda reforça o direito à educação pública e de qualidade.
No entanto, é fato, que, hoje, século XXI, as instâncias públicas, ainda, não apresentam
condições eficazes para a construção da cidadania na infância e na adolescência pobres.
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
1424
Evoluções da Cidadania: da Concepção Burguesa à Perspectiva de Práxis Social, de Liberdade de Educação
Pública e de Qualidade
Considerações Finais
Sabemos que a construção da cidadania, particularmente, na infância e na
adolescência pobres, passa pela emancipação da população, pelo reconhecimento, pela
garantia e pela divulgação de seus direitos. Observemos o trecho, a seguir: “Trata-se de
um exercício constante e necessário à viabilização da democracia, dentro de um
processo pedagógico de construção de verdadeiros cidadãos” (DEMO, 1996, p.1).
Segundo esse autor, a cidadania é a qualidade social de uma sociedade organizada, sob a
forma de direitos e deveres majoritariamente reconhecidos. Assim, pensar em cidadania
é pensar, primeiramente, no alargamento deste conceito dado à infância e à adolescência
pobres, e entendê-lo como construção cotidiana,
praticá-la e apropriá-la como
instrumento capaz de reformular a ordem estrutural, a começar pelos interessados, dos
desiguais, dos excluídos.
A educação não substituiu a ação política, mas lhes é indispensável devido ao
papel que desempenha no desenvolvimento da consciência crítica.
Ferramenta
significativa para o repensar a exclusão social e escolar. Neste sentido, uma pedagogia
inquieta e crítica tem por função problematizar o formato do mundo social.
A crise do analfabetismo, se não for combatida, exacerbará, ainda mais, a
debilidade das instituições democráticas e o pleno exercício da cidadania,
principalmente, na infância e na adolescência pobres.
Referências
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Nacional Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Nacional.
Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
1425
Evoluções da Cidadania: da Concepção Burguesa à Perspectiva de Práxis Social, de Liberdade de Educação
Pública e de Qualidade
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Fernanda da Costa Guimarães Carvalho
1426
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
ASPECTOS CURRICULARES E ENSINO DE
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS EM TERESINA-PI
Germaine Elshout de Aguiar
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
ASPECTOS CURRICULARES E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS EM
TERESINA-PIAUÍ
Germaine Elshout de Aguiar
Universidade Federal do Piauí
RESUMO: O presente trabalho é recorte e, ao mesmo tempo, continuação de uma
pesquisa em nível de doutorado, apresentada em 2003 na Universidade Federal do
Ceará, que trata da construção curricular de Línguas Estrangeiras – L.E. em escolas
públicas de ensino médio em Teresina-Piauí, ausente até 2004, quando foram
elaboradas as Diretrizes Curriculares, implantadas em início de 2009. Apontamos as
mudanças no processo ensino aprendizagem de L.E ocorridas a partir dos anos 60 do
século passado, que acompanharam a transformação da concepção de currículo, embora
a visão tecnicista prevaleça, até o momento, nas escolas piauienses. Ressaltamos, ainda,
a importância atribuída aos livros didáticos, considerados o currículo formal por parte
considerável de docentes, por representarem a base para o planejamento e a prática
pedagógica, sem que tenham conhecimento de critérios de avaliação dos mesmos.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Línguas Estrangeiras, Currículo, Livro Didático.
Ensinar e aprender Línguas Estrangeiras (L.E.) sempre fez parte da humanidade,
seja com finalidades profissionais, pessoais, culturais ou político-ideológicas. Apesar da
sua indiscutível importância, os idiomas, como disciplinas formais, têm ocupado, no
Brasil, de 1961 a 1996, um lugar desprivilegiado, haja vista que, nas Leis de Diretrizes e
Bases (LDB) 4024/1961 e 5.692/711, fica claro o caráter optativo do ensino de L.E. no
Ensino Fundamental. Esta situação muda somente com a LDB 9.394/96, quando
estabelece nos seus artigos que:
Art.26 §5o. Na parte diversificada do currículo será incluído obrigatoriamente, a
partir da 5a. série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja
escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição
(grifos nossos).
Art.36, inciso III – Será incluído uma língua estrangeira moderna como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo,
dentro das possibilidades da instituição. (grifos nossos).
1
Em O ensino de Língua Inglesa (2002) de nossa autoria, é feita uma retrospectiva do ensino de L.E que
as situam no contexto educacional.
Germaine Elshout de Aguiar
1430
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
Macedo (In OLIVEIRA e ALVES, 2001) afirma que o estudo das disciplinas
escolares é um ramo bastante recente na história do currículo. No que se refere às
Línguas, particularmente, estas oferecem um vasto campo de pesquisas nesta área e,
considerando-se a sua escassez, principalmente no Piauí, ressaltamos ainda mais a
necessidade da conscientização de que o seu ensino-aprendizagem deve ser encarado
como “um componente humanizador extremamente necessário ao currículo escolar”
(SILVEIRA, 1999, p.9).
1 AS MUDANÇAS NO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
Com a crescente importância do domínio de L.E. no séc. XX, o ensino de
idiomas é caracterizado por um grande número de métodos e de abordagens. Em linhas
gerais, de acordo com Richards e Rodgers (1986), Brown (1994; 2000) Silveira (1999) e
Germain (1993), pode-se afirmar que, até a Segunda Guerra Mundial, era enfatizado o
aspecto intelectual do aprendizado de Línguas.
Os anos sessenta do século XX, com a ocorrência de mudanças radicais nos
planos econômico, científico, social e educacional, inicia-se o processo de
transformação no ensino de L.E., tendo como objeto a Língua em si, por meio de
estudos de linguistas estruturalistas influenciados por Saussure, como, por exemplo,
Fries e Chomsky2.
Investigou-se científica e objetivamente o comportamento humano, o que, na
lingüística, concretizou-se em um enfoque descritivo da Língua. Com isso, foi colocada
a base para o estudo da natureza de L.E, da relação entre a teoria e a prática, os
processos
cognitivos
e
psicolingüísticos
envolvidos
no
processo
de
aquisição/aprendizagem, dentre outros.
Widdowson (1980 – aspectos da competência comunicativa, negociação do
significado), Krashen (1981 – teoria de input e output, princípios e práticas na aquisição
de Línguas), fundamentados em trabalhos iniciados anteriormente por especialistas
como, por exemplo, Hymes (1974; funções e desenvolvimento da linguagem),
contribuíram de forma significativa para uma visão diferenciada diante do processo
2
Noam Chomsky, ao afirmar que toda criança tem um mecanismo mental próprio com o qual pode
acessar um código sintático-estrutural da Língua, concluiu que os indivíduos possuem uma competência
lingüística nata que pode ser efetivada em atos de fala→performance.
Germaine Elshout de Aguiar
1431
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
ensino-aprendizagem, e fizeram com que o aspecto funcional (ou comunicativo) da
Língua surgisse.
De acordo com as novas abordagens de ensino, surgiram também diferentes
definições de atividades de L.E. Nunan (1990) explica que é necessário integrar-se as
atividades comunicativas com as “não comunicativas” (regras gramaticais) pelo fato de
significado e forma estarem inter-relacionados, pois usamos diferentes maneiras para
expressar diferentes significados.
Determinar, portanto, o como ensinar, ou seja, ter conhecimento das atividades
que transmitem os conhecimentos de forma que exista construção e não apenas mera
transmissão de conhecimento, é uma questão fundamental no processo ensinoaprendizagem de idiomas, associada diretamente aos conteúdos e à metodologia, para a
qual vem se buscando o “ideal” com a articulação de diferentes métodos de ensino,
como o audiolingüismo3, o behaviorismo4 e o estruturalismo lingüístico 5, agora voltados
para técnicas humanísticas, envolvendo emoções e sentimentos, tendo em vista que a
dimensão afetiva do ser humano era considerada uma prioridade.
Porém, para que o ensino não mais se limite apenas às atividades voltadas
principalmente para a explicação das regras gramaticais 6 e traduções, como acontece
atualmente na maioria das escolas de Teresina, é necessário observar, também, a
concepção de currículo adotada pelos docentes, conforme discutido a seguir.
3
Também chamado de método do exército por tentar formar soldados durante a 2a Guerra Mundial em tempo curto
na L.E. Foi sistematizado nos anos 50 por Lado e Fries. Apresenta como características o desenvolvimento da
audição e da fala e depois a leitura e escrita, utilizando-se principalmente de repetição e memorização, gramática
indutiva, reforço imediato de respostas certas, gravadores e laboratórios de Línguas.
4
Tem como característica principal os condicionamentos aos quais o aluno reage de acordo com os estímulos,
reforçando a aprendizagem no esquema estímulo – resposta – reforço.
5
Aprender a Língua significa adquirir estruturas gramaticais mediante de automatismos lingüísticos por meio de
exercícios graduados para treinamento da pronúncia dos padrões sintáticos e aspectos gramaticais. O ensino é
centralizado no treino das estruturas em nível semântico, e contextualiza a Língua na vida cotidiana das pessoas e nos
elementos culturais do país da Língua a ser aprendida. Fundamenta-se na teoria behaviorista.
6
Segundo o coordenador do curso de Letras – Inglês da UESPI, um dos fatores que contribui na ênfase
do ensino das regras é a grande quantidade de conteúdos gramaticais “imposta pelas próprias escolas”, o
que impede a realização de outras atividades.
Germaine Elshout de Aguiar
1432
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
1.2 AS DIFERENTES PERSPECTIVAS DE CURRÍCULO
Apesar de assumir, em nível nacional e internacional, papel cada vez mais
importante no contexto educacional, ainda não existe consenso, como afirma Moreira
(1997), em relação ao que se deve entender pelo conceito currículo, por este refletir
problemas complexos que envolvem uma “construção cultural, histórica e socialmente
determinada e por se referir sempre a uma prática condicionadora do mesmo e de sua
teorização” (p.12). Existem diversas definições e perspectivas de currículo, que chega a
assumir, de acordo com Pedra (1997), uma identidade polissêmica, no sentido de indicar a
existência de vários significados que podem distinguir-se um dos outros.
Nesse sentido, currículo foi, e ainda é, freqüentemente, definido como série
estruturada de resultados buscados na aprendizagem (JOHNSON, 1967), mas também
como um intento de comunicar os princípios essenciais de uma proposta educativa de tal
forma que fique aberta ao exame crítico e possa ser traduzida efetivamente para a prática
(STENHOUSE, 1995).
Para Sacristán (1998), o currículo corresponde a uma prática, expressão, da função
socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma
série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica
desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos de ensino, definição esta
que corresponde à nossa concepção de currículo a ser adotada nas escolas de Teresina.
Os diferentes sentidos podem ser traduzidos em diversas perspectivas
curriculares específicas de L.E, que são, de acordo com Richards (2001) as seguintes:
a) Racionalismo acadêmico: caracteriza principalmente o desejo de promover
capacidades intelectuais como a memorização e a habilidade de analisar e
classificar;
b) Eficiência social e econômica: salienta a necessidade prática dos alunos e da
sociedade e o papel de um programa educacional em promover alunos
produtivos economicamente;
c) Reconstrucionismo social: enfatiza o papel que as escolas e os alunos podem
e devem desempenhar em identificar injustiças e desigualdades sociais;
Germaine Elshout de Aguiar
1433
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
d) Pluralismo cultural: argumenta que as escolas devem preparar alunos a
participar de diferentes culturas e não apenas da dominante.
A última perspectiva tem merecido, por parte dos educadores, lugar de destaque,
e os seus defensores no campo do ensino de Línguas, tais como Crozet e Liddicoat
(1999), Phillips e Terry (1999) e Uhrmacher (1993), argumentam que alunos de
sociedades multiculturais, como é o caso do Brasil, necessitam desenvolver a sua
comunicação intercultural, o que, segundo Richards, significa que um (...) “grupo
cultural não é visto como superior a outros e que múltiplas perspectivas representando
os pontos de vista de diferentes grupos culturais devem ser desenvolvidos no currículo”7
(Ibid, p.119).
Em outras palavras, organiza-se a prática curricular abrindo-se espaço para a
cultura do aluno, tomando como ponto de partida as suas experiências, e, atualmente,
reconhece-se e valoriza-se o tipo de cultura que se desenvolve na educação e no ensino
e que, segundo Sacristán (1998) “obviamente ganha significado educativo através das
práticas e dos códigos que a traduzem em processos de aprendizagem para os alunos”
(p.9).
Nesta mesma direção, McLaren (1997) propõe uma pedagogia que tome os
problemas e as necessidades dos alunos como ponto de partida. Considera, de um lado,
que a pedagogia baseada na experiência dos alunos encoraja o professor “a analisar as
formas de conhecimento dominantes que configuram as experiências dos alunos, (como
também procura) dar-lhes a possibilidade de examinarem suas próprias experiências
particulares e as formas de conhecimento subordinado” (p. 248) (esclarecimento nosso).
Tendo em vista todas as modificações significativas ocorridas a partir de 1970
na área curricular – que refletiram diretamente na metodologia de ensino de L.E –
concordamos com a necessidade de avaliações e adaptações à nova realidade de mundo
e de sala de aula, a um aluno que necessita e deseja aprender Línguas. Entretanto, nas
escolas de Teresina, evidenciamos uma dissociação entre aquilo que o professor ensina
e aquilo que o aluno aprende, obrigando a uma redefinição do papel do professor e do
7
(…) one cultural group is not seen as superior to others and that multiple perspectives representing the
viewpoints of different cultural groups should be developed within the curriculum. Tradução da
pesquisadora.
Germaine Elshout de Aguiar
1434
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
conteúdo curricular, que continua, segundo Perrenoud (1995), fragmentado, desconexo,
caótico.
Para Perrenoud, não são os saberes em si, mas a experiência e a construção das
competências resultantes que determinam a formação do aluno. O autor afirma que não
existe uma “definição clara e partilhada das competências” (1999, p.19), e que a sua noção
designa “uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos para enfrentar um tipo
de situação” (2000, p.15), que compreendam os aspectos de mobilizar, integrar e orquestrar
estes recursos, pertinentes a situações específicas, o que requer, por sua vez, operações
mentais complexas, sendo que as competências profissionais8 constroem-se tanto durante os
processos de formação como “ao sabor da navegação diária de um professor, de uma
situação de trabalho à outra” (Id.ibid.).
É natural que, neste cenário, a perspectiva curricular do racionalismo acadêmico
ceda lugar para o reconstrutivismo e/ou o multicultural, e que ele seja visto de forma
espiralar e não mais linear, haja vista que, a partir dos anos noventa do século XX, o
currículo inclui, segundo Moreira (1997) planos e propostas (currículo formal), prática
efetiva escolar (currículo real), e regras e normas não explicitadas, que governam as
relações que se estabelecem nas salas de aula (currículo oculto).
Transportando estes múltiplos aspectos para o ensino de Línguas, deve ser
observado, como descreve Germain (1998), o SOMA, formado por quatro aspectos
fundamentais no ensino de Línguas: Sujeito, (aluno); Objeto (Língua); Meio (local das
relações didáticas e ensino-aprendizagem) e Agente (professor e materiais) que devem
ser incluídos nos princípios norteadores de uma proposta curricular.
Percebe-se, portanto, que a “nova” concepção de currículo levará, conseqüentemente,
a modificações drásticas nas relações entre professores e alunos, pois terão de ser revistos os
objetivos do ensino, as diferentes posturas de professores e alunos, as formas de transmissão e
construção dos conhecimentos. Essas relações implicarão, segundo Doll (1997), “ (...) menos
no professor instruído que informa os alunos não instruídos e mais em um grupo de
indivíduos interagindo juntos na mútua exploração de questões relevantes” (p.19).
8
A noção de competência, fortemente presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, segue a
tendência atual em orientar os currículos baseados na construção de competências desde a escola
fundamental, e adquire um caráter primordial, quando analisamos Tanguy (1997) que afirma ser
necessário, ao definirem-se os programas de ensino, fazer “a lista de competências exigíveis, implicando
a aquisição de saberes e savoir-faire correspondentes, levando-se em conta a capacidade de assimilação
dos alunos e assegurando-se da possibilidade de fazer o que é proposto” (p.36).
Germaine Elshout de Aguiar
1435
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
Sob este aspecto, é necessário que o professor de Línguas tenha uma visão clara
da importância de sua postura frente ao ensino-aprendizagem de idiomas. Para isto, é
também importante que os currículos dos cursos de Licenciatura em Letras – L.E.,
sejam (re) pensados para preparar os alunos a enxergarem, durante a sua formação,
criticamente o seu papel e saber tomar decisões que requerem capacidade de inovações
pedagógicas, e, como afirma Celani (1996) “partilhar a Língua e a cultura dos alunos
para estar habilitado a funcionar adequadamente como professor em um contexto da
aprendizagem de trocas culturais” (p.31).
Ao analisar os conceitos e o cenário descritos, foi interessante observarmos o
que os professores e alunos formandos das universidades, bem como os professores das
escolas públicas estaduais de Ensino Médio entendem por currículo, já que sua visão se
traduz na prática de sala de aula.

Para os professores universitários, o currículo é um conjunto de disciplinas
e/ou matérias, organizadas de forma a dar melhores condições possíveis de
aprendizado aos alunos; um programa que tem por finalidade definir os
propósitos educacionais de um determinado curso, de acordo com as
necessidades sociais, econômicas, políticas, sociais e individuais dos
educandos; disciplinas que constituem uma gradação; é todo o conteúdo a
ser ensinado/cursado; a descrição dos conteúdos do curso a ser ministrado
e a ordem em que eles devem ser trabalhados.

Também para os alunos concludentes, o currículo é o conjunto de disciplinas
que deverão ser estudadas; o conjunto de disciplinas/ matérias que formam o
curso; as disciplinas que devem ser cursadas dentro do seu curso; o programa
de desenvolvimento de todo o trabalho feito ou ainda a ser feito; as disciplinas
que norteiam toda a prática acadêmica durante um determinado espaço de
tempo; todo um quadro de disciplinas; uma grade com disciplinas; é a
distribuição, a organização das disciplinas; uma grade de disciplinas ou
atividades; a estrutura que engloba todos os assuntos a serem trabalhados,
ensinados na sala de aula; uma gama de conteúdo especifico; uma grade de
conhecimentos; o leque de disciplinas; uma trajetória que devemos seguir.
Germaine Elshout de Aguiar
1436
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
Percebemos que, tanto para os professores como para os alunos formandos,
mesmo com a publicação dos PCN e de todas as discussões a respeito de currículo, as
suas percepções ainda estão intimamente ligadas à ideia formal e tecnicista de currículo
e não à real ou à oculta, pois, a não ser uma única pessoa, que se referiu à “trajetória”,
nenhuma outra considerou as relações ou a prática e/ou a experiência como sendo ponto
de partida do currículo.
Apesar de citarem conceitos também apontados pelos outros participantes, as
definições de currículo dos professores das escolas públicas, no geral, diferiram das dos
outros participantes, pois a experiência dos alunos, o contexto, a relação teoria/ prática,
o planejamento e a ação aparecem com mais freqüência, e eles consideram o currículo
sendo:
 O conjunto de disciplinas ou assuntos que compõem a grade de uma matéria
de um determinado curso. Em um sentido mais amplo, engloba toda a
experiência e conhecimento que construímos ao longo da vida; uma série de
conteúdos a serem transmitidos ao aluno, mas com base na experiência
cultural de cada um e o contexto em que ele está inserido; uma programação
segmentada que deve atender às necessidades do aluno e que se enquadre às
novas mudanças, que desperte o aluno como cidadão do mundo; um
conjunto, a soma de conhecimentos; um método ou forma de organização da
grade escolar; o modo como está organizada a grade curricular da escola, das
disciplinas; a seleção de pontos positivos para o futuro; um elo entre a
declaração de princípios gerais e a sua tradução operacional, entre a teoria
educacional e a prática pedagógica, entre o planejamento e a ação; a organização
coletiva de conteúdos feita de maneira interdisciplinar e contextualizada,
observando as necessidades reais dos alunos; a matriz curricular que é
composta de base comum e parte diversificada; uma graduação necessária
para uma formação profissional; todos os conteúdos da grade curricular;
tudo o que deve ser trabalhado em sala de aula.
Enquanto para nós o currículo é um projeto flexível, com base no qual são sugeridos
os conteúdos gramaticais e de assuntos, integrando necessidades, experiências reais e
Germaine Elshout de Aguiar
1437
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
habilidades linguísticas, vimos que, para a maioria dos participantes, a ideia de
programação, organização, seleção, distribuição de conteúdos prevalece ao referirem-se a
currículo, que, no caso, significa dizer que, para eles, existe apenas o currículo formal.
Não nos posicionamos contra a ideia de organização e distribuição, mas
discordamos da forma linear e unilateral como ela ocorre nas escolas, e mister se faz
admitir que o currículo não é um pacote de conteúdos e materiais ou um resumo básico
a ser cumprido, mas que deve ser encarado, de acordo com Stenhouse (1995), como
uma tentativa de comunicar os princípios essenciais de uma proposta educacional, que
esteja aberta a exames críticos para que possa ser traduzida para a prática.
É fundamental, portanto, que se trabalhe com um currículo elaborado a partir de
uma visão crítica, que rompe o silêncio e resgata o discurso dos alunos e professores
(SILVA,1998), e que o docnete tenha sempre em mente as necessidades dos alunos, ao
colocar as questões básicas de por que os alunos precisam aprender a L.E.; como e onde
ela poderá ser usada, com quem eles falarão a Língua, e, ainda, quais as atividades a
serem desenvolvidas, questões essas que estão diretamente ligadas ao currículo e à
prática docente no ensino de idiomas.
Não obstante se discutam, em nível nacional e internacional, modificações
qualitativas no ensino de Línguas (HICKS, 1998; KELLEY, 1997; LUCAS, 1999;
ALMEIDA, 1999; REIS, 1998, dentre outros), que envolvem renovações de conteúdos,
reavaliações curriculares, além das inovações pedagógicas com base nas novas tecnologias
da informação e de comunicação, aos professores em Teresina é apresentado, até o
momento, um “programa”, que corresponde, na verdade, a uma lista padronizada e
descontextualizada de conteúdos fragmentados e repetidos a serem trabalhados a cada série,
cumprindo uma função meramente reprodutiva, sem visar a um trabalho integrado.
Constatamos que os professores9 utilizam o livro didático fielmente, no sentido
de seguirem, frequentemente de forma irrestrita e sem critérios, os conteúdos
apresentados nestes, que acabam norteando os planejamentos bimestrais e anuais, e,
neste contexto, podemos afirmar que, para os docentes, o livro representa o currículo
formal, o que justificou uma análise dos distribuídos em Teresina-Piauí.
9
Durante a pesquisa de campo da nossa coleta de dados constatamos que todos os professores fazem o
seu planejamento de acordo com as unidades do livro didático adotado, geralmente as duas primeiras
unidades correspondendo ao primeiro bimestre, as próximas duas ao segundo e assim por diante.
Germaine Elshout de Aguiar
1438
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
2 O LIVRO DIDÁTICO
Existe uma grande variedade de livros didáticos para o ensino de Línguas, que,
como sabemos, na maioria das escolas, tanto públicas como privadas, muitas vezes
representam o único recurso. Apesar de sofrer inúmeras críticas, o livro didático já foi,
como analisa Coracini (1999) internalizado e, segundo a autora, “ninguém conseguiu
apresentar algo que rompesse radicalmente com as atividades possíveis de serem
encontradas em livros comercializados” (p.37).10
Silva (2001) afirma que, por um lado, o livro é um meio para atingir os
objetivos, e alerta, ao mesmo tempo, que o professor, ao transformar esse meio em fim,
perde a essência do seu saber. Portanto, torna-se necessária uma avaliação criteriosa
para escolher o material adequado aos objetivos estabelecidos e ao nível lingüístico,
social e cultural dos alunos; para tanto, Sheldon (1987) escreve que, ao analisar o
material didático, o professor deve observar principalmente se a sua concepção de
Língua e/ou ensino-aprendizagem está em consonância com a do autor do livro didático.
Neste sentido, deve, antes de escolher o livro com que irá trabalhar,
primeiramente definir a sua noção de Língua, que pode ser concebida como um código
ou sistema de sinais autônomos, fonológicos, sintáticos e lexicais, sem considerar a
realidade lingüística dos alunos, característica do Método Tradicional, ou como sendo
estruturada em vários planos no processo de enunciação, compreendendo os fenômenos
cultural, histórico e cognitivo dos falantes, como sugerem, também, os PCN.
2.1 A ESCOLHA DO LIVRO DIDÁTICO PELOS PROFESSORES DA REDE
ESTADUAL E ALUNOS FORMANDOS
Principalmente o profissional ainda inexperiente deve ser cauteloso ao escolher
o material com o qual irá trabalhar, e o seu trabalho “será muito mais fácil se ele puder
usar um livro didático que reflita seus objetivos e o método que adotou para atingir
esses objetivos”, conforme analisa Rivers (1975, p.363).
Além da noção de Língua, de ensino-aprendizagem e dos conhecimentos
pessoais, outros critérios devem ser respeitados como aspectos importantes no livro
10
Segundo Coracini, os livros didáticos constituem 33,5% do total de livros produzidos no país,
perfazendo um total de 99% do mercado editorial brasileiro.
Germaine Elshout de Aguiar
1439
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
didático ao selecionarem-se textos novos que serão trabalhados no ensino de Línguas.
Para isto, o professor deve ter conhecimento dos diferentes tipos de textos, como
explicam Cassany, Luna e Sanz (2000), e que são os seguintes:
 Os apropriados: é o critério mais importante, pois define se os textos
trabalhados em sala de aula correspondem às necessidades comunicativas,
aos interesses e conhecimentos lingüísticos dos alunos;
 Os variados: a diversidade e variação dos textos devem ser levadas em
consideração, pois temas e características lingüísticas variadas e diferentes
autores, são mais enriquecedores;
 Os autênticos: são aqueles extraídos do cotidiano, que contêm uma
linguagem atual e viva, que tratam de temas atuais, mas não são adaptados ao
nível dos alunos, o que, considerando-se a deficiência lingüística dos alunos
com os quais trabalhamos, representa uma das maiores dificuldades;
 Os preparados: são criados para finalidades didáticas específicas, e não têm
a espontaneidade dos autênticos;
 Os completos: o ideal é trabalhar com textos completos e não fragmentados,
como ocorre freqüentemente, para que não percam a unidade textual e a
globalidade da comunicação.
Para orientar os (futuros) professores na escolha do livro, levantamos, com base
em Sheldon, St.John e Rivers, os seguintes aspectos considerados mais importantes:
Critérios externos: referem-se à acessibilidade do preço; à adequação do tamanho; à
qualidade das ilustrações, ao material de acompanhamento, como CD-ROM, caderno
de exercícios, DVD e à qualidade do papel;
Critérios lingüísticos: compreendem o tipo de linguagem, como o seu estilo, o nível de
dosagem do vocabulário, bem como a sua adaptação à faixa etária dos alunos; a
densidade, ou seja, a complexidade e progressão apropriada da linguagem; a seqüência,
consistência e relevância dos conteúdos; a atualidade, autenticidade, o valor
representativo a contextualização e o tamanho dos textos; a apresentação da gramática,
seja por meio de estruturas ou por competência e atuação;
Critérios didático-metodológicos: dizem respeito aos objetivos, como, por exemplo,
desenvolver as quatro habilidades lingüísticas, as regras gramaticais ou apenas a leitura;
Germaine Elshout de Aguiar
1440
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
à metodologia, caracterizada como Tradicional, Audio-lingual ou de Leitura; à
variedade, interatividade, à clareza, integração das habilidades comunicativas e à
duração das atividades; à forma de avaliação; e, ainda, aos modelos culturais
predominantes .
Ao considerar o papel atribuído ao livro pelos próprios professores, foi
interessante observarmos as opiniões dos 250 alunos do Ensino Médio participantes
deste estudo a respeito do livro didático de Língua Inglesa:
Alunos do 1O Ano: de 97 alunos, 49% afirmaram utilizar livro didático ou xerox
deste. Desse total, 10% o consideraram ótimo, por “adotar vários assuntos, do tipo
verbal e gramatical”; por nele encontrarem “coisas atualizadas”; por “ter vários
exemplos”; por “ser completo”; por “facilitar a explicação do professor” e por “oferecer
a qualidade necessária”. 21% afirmaram o livro ser bom por “ensinar o necessário”; por
ter “textos ótimos e assuntos de fácil entendimento”; por “explicar bem os assuntos”;
por ter “muitos exemplos e ter vários textos e exercícios”; por ter “os assuntos
necessários”.
Foi elevado o percentual – 57% – de alunos classificando o livro como razoável,
isto porque, para a maioria, ele “apresentava poucos conteúdos, que são resumidos e os
textos deveriam ser mais dinâmicos”; por “só explicar o básico, nem sempre vem
completo”; por ser “incompleto, principalmente com relação à gramática”; por a parte
gramatical “ser um pouco atrasada”; por “ter poucos exemplos” e por “não ter boas
explicações”.
Alunos do 2O Ano: nestas séries ficou visível a dificuldade financeira dos
alunos, pois apenas 4 alunos, ou 6% dos 67 desta série tinham livro didático. Desses, 2
o consideraram bom por ele “ajudar nas tarefas de casa” e por “ter todos os conteúdos”.
Os outros dois escreveram que ele era razoável por “ser muito resumido” e que ele
“deveria ter mais assuntos e traduções”. 79% declararam utilizar xerox ou apostilas, e
25% apenas o caderno para copiar os assuntos do quadro, sobre os quais não
manifestaram suas opiniões.
Alunos do 3 O. Ano: 52% dos 86 alunos tinham livro didático, e 50% o
consideraram bom por trazer “o necessário para sabermos”; por “ser completo e de fácil
entendimento”; por “ter bastante ilustrações, com todos os conteúdos indispensáveis”;
por “estar dentro dos padrões pedidos”; por “ter figuras e explicações em português”;
Germaine Elshout de Aguiar
1441
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
por “ter assuntos interessantes e foi nele que eu aprofundei mais os meus estudos”; por
ser “bem elaborado, fácil de se trabalhar e ter todos os assuntos necessários”; por
“ajudar na compreensão da matéria”, dentre outros.
36% dos alunos que acharam o livro razoável declararam que ele “apresenta
poucas atividades e textos complicados”; “não retrata com clareza os assuntos que
precisamos”; “é muito confuso, deveria ser mais explicado e a linguagem deveria ser
mais fácil”; “os assuntos são muito repetidos”; “os textos não são bem definidos e são
chatos de traduzir”. Cinco alunos o classificaram como péssimo por ele ser resumido
demais e trabalhar “só o básico do básico”; “parece livro de 5 a. Série”, e que ele
“deveria ser mais abrangente”.
Os alunos que se manifestaram de forma positiva apontaram os seguintes
fatores:
 assuntos atualizados: devem motivar aos alunos e/ou fazer parte do seu diaa-dia;
 a clareza das atividades e/ou exercícios: as instruções devem ser
formuladas com clareza para que possam ser realizados sem a ajuda constante
do professor;
 a quantidade de conteúdos: a abrangência deve obedecer a uma certa
seqüência para que a aprendizagem seja gradual, ou seja, do geral para o
particular, do simples para o difícil, respeitando, dessa forma, o
desenvolvimento lingüístico dos alunos.
 a linguagem dos textos: deve ser acessível, de acordo com o conhecimento
linguístico e com a idade dos alunos .
Já para os alunos que se pronunciaram de forma negativa sobre o livro,
sobressaíram-se os seguintes pontos:
 conteúdos limitados: apesar de, na maioria, apresentarem conteúdos em
demasia, existem livros que não contêm os conteúdos em quantidade
suficiente para serem trabalhados durante um ano letivo, o que leva,
frequentemente, à sua repetição.
 poucos exemplos e/ou atividades: a quantidade e a explicação clara dos
exemplos e/ou atividades são importantes para a compreensão e a fixação dos
conteúdos trabalhados. No entanto, devido à preocupação dos professores em
Germaine Elshout de Aguiar
1442
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
“terminar o livro”, não há possibilidade de realizar atividades diferenciadas
que, ao tempo em que fixam as regras, aumentam o vocabulário dos alunos.
 textos complicados ou desinteressantes: para os professores, os textos são
considerados fundamentais, principalmente no Ensino Médio, onde são
priorizadas a sua interpretação e tradução. O texto não é um produto acabado,
como frequentemente
tratado na escola. É importante que o professor
escolha temas interessantes planeje atividades com as quais se possa trabalhar
as habilidades lingüísticas de expressão oral e escrita (ditados, redações,
debates, explanações, pesquisas etc).
Além disso, também temos, de acordo com Giroux (1997), que pensar nos
muitos materiais didáticos disponíveis no mercado que promovem, até, uma
“incapacitação dos professores ao separar concepção de execução e ao reduzir o papel
que os professores desempenham na real criação e ensino destes materiais” (p.35), pois
determinam, de certa maneira, as atividades de sala de aula, trazendo implícito as
respostas sobre o que e como ensinar e aprender.
Estes questionamentos devem ser transportados para a concretização da prática
curricular, pois, como escreve Sacristán (1998):
Valorizando adequadamente os conteúdos, os vê como
linha de conexão da cultura escolar com a cultura
social. Mas a concretização de tal valor só pode ser
vista em relação com o contexto prático em que se
realiza, o que, por sua vez, está multicondicionado por
fatores de diversos tipos, que se convertem em agentes
ativos do diálogo entre o projeto e a realidade (p.53).
Concordamos com o autor que é necessário mediar as teorizações para o
contexto real, sem o qual não será possível gestionar o currículo, o que, por sua vez, se
reflete na falta de reflexão sobre as ações docentes em sala de aula. Achamos, assim,
que a importância dada ao livro didático, que leva à incoerência na seqüência das
categorias e a sua repetição linear a cada série a cada ano, sem analisar-se o
conhecimento real dos alunos, sem trabalhar-se o vocabulário, sem concentrar-se pelo
menos em uma habilidade linguística, se deve, também, pela ausência de diretrizes
curriculares que devem abranger o formal, o real e o oculto, pois nelas deverá estar
contido tudo o que acontece dentro e fora da sala de aula.
Germaine Elshout de Aguiar
1443
Aspectos Curriculares e Ensino de Línguas Estrangeiras em Teresina-PI
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Germaine Elshout de Aguiar
1446
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
POR QUE ASSOCIARMOS O CURRÍCULO AO
ENSINO DE LINGUAGENS?
Gracilene Barros da Silva
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
POR QUE ASSOCIARMOS O CURRÍCULO AO ENSINO DE
LINGUAGENS?
Gracilene Barros da Silva
RESUMO: O texto aborda uma discussão sobre a eficácia da aprendizagem analisada
no contexto social do educando, indagando e relacionando o currículo e o ensino de
linguagens em perspectiva de associação dos mesmos, sendo discutido que a
desassociação leva o ensino e a aprendizagem ao fracasso, visto que o objetivo do
ensino é a educação de forma integral e humanizadora em que possibilite a conquista da
cidadania em sua plenitude, ou seja, levando o educando a ser crítico, sujeito e não
objeto, despertando o interesse do aluno através de um currículo associado ao ensino de
linguagens que respeite os interesses do educando possibilitando uma aprendizagem
eficaz para que os mesmos possam aprender além do mecânico, objetivando a
construção de um sujeito capaz de interferir em sua realidade, sendo co-autor de sua
sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: Currículo, linguagens, cidadania, educando, aprendizagem.
Introdução
Para nós algo é significante quando nos interessa , como sujeitos queremos nos
expressar sobre algo que vivenciamos, dominamos, o qual podemos dialogar e sugerir
ideias que representem importância para quem estamos a dialogar, caso isto não ocorra
o diálogo não acontece. Imaginemos então, nós como educadores trabalhando para a
construção de um ser autônomo, crítico que seja sujeito em sua sociedade, buscando a
liberdade como diz Freire (2000) uma educação como prática da liberdade, se em nossa
prática de ensino utilizamos um currículo desassociado do ensino de linguagens, voltado
para uma política capitalista que ao contrário do que Freire defende, oprime.
O que usamos para despertarmos o interesse de alguém com quem queremos
dialogar? Algo que lhe interesse e possibilite a comunicação, até mesmo para aquisição
Gracilene Barros da Silva
1450
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
de novos conhecimentos ou algo totalmente alheio, que reduza o diálogo a uma simples
fala, sem graça?
Analisaremos no desenvolver deste texto as concepções de currículo e
linguagem, o currículo e o ensino de linguagens na escola e um currículo que valoriza
os alunos.
I - Concepções de currículo e linguagem
Para Fiorim ( 2003 ), o texto é produzido por um sujeito num dado tempo e num
determinado espaço. Esse sujeito, por pertencer a um grupo social num tempo e num
espaço, expõe em seus textos as ideias, anseios, os temores, as expectativas de seu
tempo e de seu grupo social.
É impossível obtermos um cidadão crítico separando-o de sua realidade social.
Percebemos a coerência entre as ideias expostas por Fiorim, percebemos que o
indivíduo como um ser social se expressará melhor quando produz se estiver vinculado
com seus interesses de mundo.
Para Saussure (1969) a linguagem abrange vários domínios; é ao mesmo tempo
física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e social, e envolve uma
complexidade e uma diversidade de problemas que suscitam a análise de outras
ciências, ele separa a língua como parte essencial da linguagem sendo a fala um ato
individual.
Segundo Margarida Petter (2003) a linguagem verbal é a matéria do pensamento
e o veículo da comunicação social e afirma que não há sociedade sem linguagem, e não
há sociedade sem comunicação e que apesar de autônoma é orientada pela visão de
mundo.
É percebível nos discursos acima que a linguagem é essencial para o
desenvolvimento humano possibilitando a comunicação, a análise de ciências, um
veículo de comunicação, sendo a fala um ato individual.
Com todos esses conceitos interrelacionados vemos o quanto a linguagem é
importante na vida do ser humano, inclusive na escola, onde subtende-se que o aluno
Gracilene Barros da Silva
1451
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
está em preparação para desenvolver-se integralmente, encontramos na LDB 9.394/96
“a escola deve exercer um papel humanizador,além de desenvolver habilidades que
possibilitem a construção do conhecimento e de valores necessários a conquista da
cidadania plena”.
Segundo Coutinho (2005) cidadania articula-se como participação consciente.
Refletimos então, que a linguagem é indispensável para que o indivíduo atinja
este patamar de cidadão pleno, consciente, humano.
A linguagem é a ponte para o conhecimento ao mesmo tempo humaniza quando
é associada a um currículo com esses objetivos.
No caderno indagações sobre currículo: Diversidade e Currículo (2008, p6) é
abordado que o currículo deve promover a: Interação dialógica entre escola e vida,
considerando o desenvolvimento e a cultura; além de uma escola democrática que
humanize, que assegure a aprendizagem e ainda considere os interesses, necessidades,
potencialidades, conhecimentos e cultura do educando. Como desassociarmos o
currículo do ensino de linguagens para alcançarmos tais objetivos?
O artigo 210 da constituição federal (1988) descreve como “dever do estado
fixar conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar a
formação básica comum o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais dos educandos”. A partir do momento que não há esta integração entre
currículo e ensino de linguagens como garantir a humanização de quem não
compreende por não haver uma comunicação real dentro da visão de mundo do
educando que respeitando aos seus interesses podemos suscitar através da linguagem a
análise de diversas ciências? Olhamos na perspectiva de Saussure (1969) a linguagem
associada ao interesse do aluno com certeza o levará a análise de diversas ciências, por
isso compreendemos o ensino de linguagens. É possível alcançarmos estes objetivos
tão mencionados por diversos autores com um currículo desassociado do ensino de
linguagens?
Ao refletirmos sobre cada um dos objetivos que fazemos referências acima não é
difícil notarmos que um simples currículo por si só, não proporcionará um educando
crítico, cidadão se não encararmos a necessidade de dialogar, refletir, ensinar, voltado
Gracilene Barros da Silva
1452
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
para interesses que levem o educando a este fim, os resultados continuarão se repetindo.
Resultados estes bem visíveis a todos que querem ver.
Os conteúdos mínimos que refere-se na legislação que citamos acima em nada
valerá se não houver uma linguagem voltada ao interesse do educando.
Se a linguagem não corresponder ao meio social ( língua ) e individual ( fala ) do
educando. O diálogo não será possível. Não podemos dialogar coerentemente com
alguém sobre o que é completamente estranho e que não temos o menor interesse.
É necessário para que se humanize como expresso nos documentos do MEC
políticas públicas que associem o currículo a linguagem. Que conteúdos podemos
trabalhar e como trabalhar e que linguagem utilizar para podermos respeitar o
pensamento do educando, despertando seu interesse aproveitando sua cultura.
Como levar o aluno a refletir se ele não entende o que falo?
No documento Indagações sobre currículo: Educando e Educadores: Seus
Direitos e seus Deveres (2008, p 24-26) há uma crítica aos educandos como
mercadorias para o emprego, de fato percebemos que não há uma interação do currículo
ao ensino de linguagem do ponto de vista humanístico, na verdade continua-se seguindo
este caminho neoliberador. Segundo Soares (1991) a linguagem utilizada na escola
coloca em evidência diferentes grupos sociais e gera discriminação e fracasso.
Encontramos um resumo para currículo no caderno Currículo, conhecimento e
cultura (p.18): “Estamos entendendo currículo como experiências escolares que se
desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem
para a construção das identidades de nossos estudantes”. Para Benveniste (1976) a
comunicação refere-se a um dado objetivo, fruto da experiência e que a linguagem
humana caracteriza-se por oferecer um substituto à experiência, apto a ser transmitido
infinitamente no tempo e no espaço,ou seja, parafraseando currículo está relacionado a
experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, a linguagem é
fruto da experiência e é da mesma um substituto infinito no tempo e no espaço.
Será que o currículo desassociado do ensino de linguagens contribuirá para a
construção da identidade dos educandos?
Gracilene Barros da Silva
1453
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
Se o que ensinamos pretendemos promover experiências que perdurem no tempo
e no espaço temos que fazer uso da linguagem de forma adequada para que os
educandos possam desenvolver suas experiências de forma significante em que
construam suas identidades, sentindo-se um ser valorizado e aprendendo a valorizar o
outro.
Observamos a importância do currículo relacionado a linguagem para se obter
êxito na aprendizagem. Nos próprios cadernos do MEC (2008), há um reconhecimento
que é um desafio a implantação desse currículo por desafiar ao sistema capitalista que
mantém a hegemonia ( Currículo, Conhecimento e Cultura, p.34 ).
Tornamos a afirmar que para alcançarmos esses objetivos temos que reconhecer
que uma educação humanizadora e no que se refere ao ensino de linguagem
propriamente dito, é essencial ensinar as linguagens de forma que seja apresentada
mediada a uma interação com a língua do aluno.
II - O currículo e o ensino de linguagem na escola
Segundo Luís Carlos Meneses (Nova Escola, abr.2009, p 90) A escola deve criar
um currículo virtuoso, em que melhorem e ajudem a aprendizagem de qualquer
conteúdo:
Faz uma enorme diferença se antes de cada aula os docentes souberem
quais linguagens desenvolverão com os alunos e como vão estimulá-los
a ler os textos e a escrever o que aprenderam, as dúvidas que restaram e
seus pontos de vista sobre aspectos polêmicos (MENEZES, Nova
Escola, abr. 2009, p. 90).
Infelizmente a escola não tem correspondido adequadamente o aluno, por querer seguir
um currículo neoliberal voltado aos interesses capitalistas, fugindo na prática da teoria.
Como citamos anteriormente a LDB 9.394/96, a escola deve exercer um papel
humanizador e socializador, a escola tem feito esta integração do currículo a
linguagem?
Será que a linguagem ensinada está alcançando o aluno em sentido
humanizador?
Gracilene Barros da Silva
1454
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
Será que o currículo está valorizando o conhecimento, a cultura e os saberes do
aluno?
Podemos perceber comportamentos de alunos transtornados por não possuírem
esta construção humanizadora, os alunos que têm um possível destaque não são
valorizados em seus saberes, o que não nos surpreende.
Fala-se em humanizar, respeitar, valorizar as culturas os interesses dos
educandos, mas que políticas públicas existem relacionando o currículo e a linguagem
humanizadora?
Quantos textos interessantes bem regionais são desprezados, quantos
conhecimentos não são valorizados porque além de não serem aproveitados em sala de
aula não existe um suporte para o aluno progredir como sujeito.
Vemos a escola priozando a aprovação no vestibular (Privada) e um caráter
meramente instrumental para um posto de trabalho ( pública ).
No artigo de Emília Maria ( Educação e trabalho, p 15 ) ela escreve relatos de
sua pesquisa na Usina São João em Santa Rita PB, ao questionar os funcionários
analfabetos que não frequentavam o curso da EJA oferecido pela empresa, 80%
relataram falta de interesse e a mesma relata que os mesmos foram rebaixados ou
demitidos em suas funções.
Que currículo deve está sendo seguido na empresa será que está sendo associado
a linguagem de forma humanizadora? Que política pública está sendo oferecida para o
desenvolvimento da tão falada cidadania plena?
Vemos no artigo de Gaudêncio Frigotto, Maria Clavata e Marise Ramos (2005, p
1105 e 1106) uma forte crítica a esta parceria público-privada em que delega a lógica
empresarial à formação dos educandos sem a interação de outras políticas públicas que
venham melhorar a situação socioeconômica da família.
É necessário que as escolas estejam associadas a políticas públicas que
valorizem a associação do currículo ao ensino de linguagem para que de fato possamos
formar indivíduos autônomos, respeitando os seus interesses e não dar continuidade
aquele currículo que além de excluir o aluno o reduz a um simples depósito de
Gracilene Barros da Silva
1455
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
conhecimentos alheios de seu mundo tornando-os passivos do ponto de vista freiriano
(2000 ) Sendo vítima da minoria que monopoliza e detém o capital.
III - Um currículo que valoriza os alunos é um currículo que valoriza a
linguagem
Observamos a importância do currículo relacionado a linguagem para se obter
êxito em uma educação humanizadora e no que se refere ao ensino de linguagens
propriamente dito, é essencial ensinar as linguagens de forma que seja apresentada
mediada a língua do aluno que segundo Saussure ( 1969 ) é instrumento fundamental
de comunicação.
Sem falar a língua do aluno não é possível o diálogo.
Para Maria Helena (1994) aprendemos a ler a partir de nosso contexto social e
temos que valorizá-lo para podermos ir além dele.
No título do caderno do MEC: O currículo e o desenvolvimento humano,
atentamos para a expressão que aborda um objetivo relacionando currículo e
desenvolvimento humano, no caderno o currículo é tratado como um instrumento de
desenvolvimento humano quando a escola é um espaço de ampliação da experiência
humana ( p. 19) vimos anteriormente que a linguagem substitui a experiência porque
estimula a imaginação( Benveniste,1976 ) ¹Vygostsky é citado no caderno de forma que
incrementa esta ideia, o mesmo expressa que a memória possibilita a reprodução de
algo, que através de uma relação dialógica pode-se construir ideias através de elementos
gravados na memória, que foram percebidos anteriormente, permitindo então esta
relação de compreensão num texto no ato da leitura ( p.31 ).
É necessário para aquisição de qualquer conhecimento a utilização da linguagem
a que corresponde, que deve envolver o significado para o educando, a percepção,
através de elementos que interessem ao educando, que estimule a memória e a
imaginação e é através de um currículo que se adeque ao desenvolvimento estas funções
é que existe a possibilidade de efetuar-se a aprendizagem ( p. 27 - 31 ).
Cita o mesmo caderno (p 48) que a atividade dada pelo professor pode articular
as áreas de conhecimento entre si, mobilizando as funções mentais.
Gracilene Barros da Silva
1456
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
Para Maria Helena (1994), nossos sentidos, psique e razão respondem a algo que
estão potencialmente aptos tornando-se, então disponíveis. Ela ainda expressa que
aprender a ler é algo além do mecânico, é vivendo, aprendemos a ler a partir de nosso
contexto pessoal.
Sabendo disso é óbvio que a linguagem e currículo devem possibilitar que todo o
desenvolvimento do educando como ser integral seja trabalhado de maneira eficaz
dentro de seu contexto social, utilizando uma linguagem atrativa ao mesmo tempo que
instrui , tornando os conhecimentos cheios de significados para a vida do educando.
Seguindo esta linha de raciocínio estaremos contribuindo para que o educando
seja respeitando dentro de seu contexto social, sentindo-se um ser socializado, tendo sua
cultura valorizada, o que como retorno podemos ter uma sociedade mais justa, sem
querer impor conhecimentos que não transformam, mas que apenas acumulam
informações que com o passar do tempo, é percebível que o conhecimento não passou
de um pseudo conhecimento que não foi capaz de transformar o educando em ser
crítico1.
Para Celso Antunes (2005) o importante é a linguagem do aluno que o torna
protagonista nas aulas e que por isso deve-se haver a exaltação da linguagem, ainda
afirma que a informação não transforma e sim o conhecimento. Então, por que
seguirmos um currículo desassociado da linguagem do aluno para o ensino de diversas
linguagens (Ciências) se temos como objetivo a transformação do educando saindo da
concepção bancária que Paulo Freire tanto combate por que não atentarmos para o
desenvolvimento de tais princípios humanizadores?
Para Mattoso (1986) é pela posse e pelo uso da linguagem, falando oralmente ou
mentalmente é que conseguimos organizar o nosso pensamento e torná-lo articulado,
concatenado e nítido. O que reforça a junção de um currículo associado a linguagem
significativa para o educando, para que assim ele possa organizar seu pensamento para a
construção do conhecimento, não só tornando significativa a necessidade
de
aprendizagem, mas prazerosa para o educando, aprendendo a decodificar, mas não
apenas isso, mas ler o mundo do ponto de vista freiriano .
1
VYGOSTSKY, Lev S. La imaginación y arte em la infacia. Madrid, Ediciones Akal, 1990.
Gracilene Barros da Silva
1457
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
A escola que humaniza é a escola que seu currículo e o ensino de linguagens
valoriza a linguagem do aluno reconhecendo-o como um ser social inserido no mundo.
Considerações
Iniciei a problemática perguntando se um currículo desassociado do ensino de
linguagens poderia possibilitar o desenvolvimento pleno do aluno como um ser
completo e autônomo, promovendo uma aprendizagem eficaz, que respeito e valorize o
educando, resgatando sua autoestima, ajudando o educando a libertar-se da subjugação
dos interesses capitalistas que desumaniza para tornarem-se cidadãos críticos que
desenvolvam todo o potencial que têm, problematizando as situações, articulando várias
áreas do conhecimento, para assim aprender a ler além do mecânico, vivendo.
Nosso objetivo neste texto é contribuir com as discussões referentes a currículo e
o ensino de linguagens, partindo sempre do contexto social do indivíduo valorizando
seus conhecimentos sua cultura para o desenvolvimento de aprendizagem eficaz, para
que a mesma realmente aconteça e possamos ter um país não digo mais justo, porque
não o considero justo, mas que busque a justiça, valorize o ser humano e possibilite uma
aprendizagem real de maneira integral.
Em nosso texto procuramos expor o quanto é fundamental a associação do
currículo ao ensino de linguagens para que a aprendizagem possa ser eficaz unificando a
teoria a prática, não ocorrendo um faz de conta, ou ignorar os interesses do aluno para
cumprir com o modelo capitalista, descumprindo-se assim com todas as leis
educacionais que refere-se a aprendizagem do aluno de forma integral. É preciso
enfrentar a ótica capitalista para desenvolver seres críticos, capazes de interferir em sua
história, mudando a realidade de sua sociedade. Isto só é possível através de um
conhecimento mediado pelo diálogo, e como vimos o diálogo só possível quando
usamos uma linguagem que interesse ao indivíduo.
Gracilene Barros da Silva
1458
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
Referências
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Gracilene Barros da Silva
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Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
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Gracilene Barros da Silva
1460
Por Que Associarmos o Currículo ao Ensino de Linguagens?
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VYGOSTSKY, Lev S. La imaginación y el arte em la infancia. Madrid,
Ediciones Akal, 1990.
Gracilene Barros da Silva
1461
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
MAFALDA E AS LOCUÇÕES VERBAIS:
DISCUTINDO QUESTÕES DE LEITURA NO LIVRO
DIDÁTICO DE PORTUGUÊS
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
MAFALDA E AS LOCUÇÕES VERBAIS: DISCUTINDO QUESTÕES DE
LEITURA NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
UFRN
[email protected]
RESUMO: A leitura tem se apresentado como campo de investigação profícuo para a
compreensão das práticas discursivas dos sujeitos. Compreender o dinamismo dessas
práticas e de suas condições de leitura é trabalhar com a perspectiva de leitura em sua
dimensão histórica, social e dialógica, que compreende múltiplas linguagens. A
necessidade de contemplar a leitura de gêneros discursivos em sua multiplicidade e
dinamicidade tem influenciado a inserção maciça de gêneros como a tira jornalística,
entre outros, nos materiais didáticos de língua portuguesa, tentando configurar uma
política de leitura disposta a articular-se a partir de “uma análise que, descrevendo
práticas há muito efetivas, as torne politizáveis” (CERTEAU, 1996, p. 268). Tendo em
mente esse uso freqüente da tira, nosso objetivo, portanto, é analisar um LDP de 5º série
do Ensino Fundamental, percebendo como os autores do livro compreendem e abordam
o gênero tirinha em suas questões de leitura. Para tanto, optamos pela pesquisa
documental de natureza qualitativa e levamos em consideração trabalhos como os de
Belmiro (2006) e Mendonça (2006), entre outros, bem como estudos específicos sobre a
natureza e constituição da linguagem (Bakhtin 1981, 2003).
PALAVRAS-CHAVE: Leitura, Livro didático de língua portuguesa, Tira jornalística.
“Em certa medida, a compreensão é
sempre dialógica.”
Mikail Bakhtin
A leitura tem se apresentado como campo de investigação profícuo para a
compreensão das práticas discursivas dos sujeitos. Ler constitui-se, assim, em uma
prática social que mobiliza sujeitos em momentos singulares e históricos. Nessa
perspectiva, o leitor, enquanto sujeito histórico, deveria se constituir em sujeito
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1465
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
respondente que para o texto lido apresenta uma resposta, uma compreensão responsiva
ativa qualquer que seja a sua forma de realização. (Bakhtin, 2003). Nas práticas de
leitura, o sujeito-leitor vai ocupar uma posição-sujeito em relação àquela ocupada pelo
sujeito-autor, identificando-se ou não com ele. Compreender o dinamismo dessas
práticas e de suas condições de leitura é trabalhar com a perspectiva de leitura em sua
dimensão histórica, social, dialógica, enfim, como acontecimento na e da vida do
sujeito.
No contexto do ensino de língua portuguesa, de acordo com Antunes (2003), é
comum em sala de aula (e diríamos também no LDP) a atividade de leitura centrada
apenas nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita e reconhecimento de
padrões gramaticais, muitas vezes desinteressada e aparentemente desvinculada dos
diferentes usos sociais. Segundo relatos colhidos pela autora, a leitura em sala de aula se
daria em segundo ou terceiro plano, já que ler “perde” o tempo da aula, “atrapalha o
professor em suas explicações” ou mesmo não parece ser adequada às necessidades dos
alunos (ANTUNES, p. 30), o que demonstra uma deturpação evidente no papel da
leitura como atividade enriquecedora e necessária. Nas palavras da própria autora:
A atividade de leitura complementa a atividade de produção escrita.
É, por isso, uma atividade de interação entre sujeitos e supõe muito
mais do que a simples decodificação dos sinais gráficos. O leitor,
como um dos sujeitos da interação, atua participativamente, buscando
recuperar, buscando interpretar e compreender o conteúdo e as
intenções pretendidos pelo autor (ANTUNES, 2003, p. 67).
De acordo com os PCN’s de Língua Portuguesa (1998) para o 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental, a “importância e o valor dos usos da linguagem são determinados
historicamente segundo as demandas sociais de cada momento” (p. 23), sendo a escola
responsável por atender a essas demandas, revisando seus métodos de ensino
regularmente. A necessidade de contemplar a leitura de gêneros discursivos constituídos
de linguagens diversas tem influenciado a inserção maciça de gêneros como a tira
jornalística, entre outros, nos materiais didáticos de língua portuguesa. Tendo em mente
esse uso freqüente da tira, nosso objetivo, portanto, é analisar um LDP de 6º série do
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1466
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
Ensino Fundamental, percebendo como os autores do livro compreendem e abordam o
gênero tirinha em suas questões de leitura.
Após uma abertura simpática do ambiente escolar às histórias em quadrinhos
(atitude impensável há algumas décadas), pertencentes a um leque de outros textos onde
a linguagem visual solicita cuidadosa consideração, o gênero passou a ser acolhido e
impresso nos livros didáticos de Ensino Fundamental e Médio a partir da década de 70.
Desde então, entretanto, algumas inquietações de ordem teórico-metodológicas se
fazem presentes nos estudos de vários lingüistas. Belmiro (2003) sugere que não é
suficiente a simples transposição, para o livro didático, do texto visual, esperando-se
que, com sua visualização, a monotonia da sistematização da teoria gramatical seja
amenizada. De modo semelhante, não se pode considerar um avanço o fato de “a
gramática normativa ser antecedida por uma circunstância pragmático discursiva do
texto” (BELMIRO, 2003, p. 317), o que reforçaria o lugar do texto como “mote” para a
discussão de tópicos gramaticais. Ainda, conforme Amarilha (2006), o livro didático,
apesar de seduzido pelo “glamour” das cores e pelo apelo ao caráter de
conteporaneidade dos quadrinhos, ignora, não obstante, o potencial desse gênero
discursivo como veículo educacional.
Tendo como objetivo propor ações que integrem uma política de formação de
leitores, o PNBE, já apontado anteriormente, distribui acervos diversificados, que
constam, dentre outros gêneros, de coletâneas de poemas, adaptações de obras clássicas
para crianças, crônicas e histórias em quadrinhos de personagens como Asterix,
Mafalda e Níquel Náusea (no acervo destinado ao Ensino Médio, o programa
disponibilizou criações de Will Eisner, considerado sinônimo de griffe em arte
seqüencial). No entanto, embora se almeje, com essa arrojada iniciativa (e certamente
dispendiosa), “a democratização das fontes de informação [e] o fomento à leitura e à
formação de alunos e professores leitores” (BERENBLUM; PAIVA, 2006, p.9), os
próprios organizadores do projeto1 reconhecem que a mera distribuição de títulos não é
suficientemente eficaz para formar professores e alunos leitores.
1
Comentário parafraseado de texto não assinado que compõe a apresentação do Programa Nacional
Biblioteca da Escola. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seb/index.php?option=content&task=view&id=371>
Acesso em: 11 nov. 2008.
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1467
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
De fato, com a criação dos PCN´s, certos gêneros, antes esquecidos pela escola,
assumiram um caráter maior de “validade”, sendo lembrados em documentos oficiais e
incluídos em acervos como os que são elaborados pelo PNBE. Os quadrinhos, como
veremos mais adiante, no capítulo Estado da arte, fazem parte desse grupo específico
de gêneros. Assim, não se pode negar a presença das HQ´s no espaço escolar, seja na
biblioteca, seja no livro didático de português, uma vez os LDP trazem, em larga escala,
tirinhas, cartuns e charges. Não obstante, a simples presença do gênero em sala de aula
não assegura um tratamento adequado das especificidades do texto; não garante que as
questões de leitura formuladas a partir do gênero promoverão mais do que somente a
leitura-fruição ou a leitura como apropriação de aspectos discursivos e/ou lingüísticos
(POLETTO-LUGLI; NASCIMENTO, 2006) e, por fim, não garante que a linguagem
visual seja explorada em sua complexidade viva e criativa.
Se determinada prática discursiva está presente na escola ela precisa ser
investigada, problematizada, principalmente, porque tem influência considerável na
formação leitora de sujeitos envolvidos em situações de ensino. Essa problematização é
interesse de uma Lingüística Aplicada que se quer híbrida e/ou mestiça, geradora de
conhecimentos responsivos à vida e de inteligibilidades sobre problemas sociais nos
quais a linguagem assume um papel central (MOITA LOPES, 2006).
Uma vez que cabe ao pesquisador em L.A. manter o compromisso ético de “dar
voz” ao não contemplado, ao que “se move sob os saberes constituídos” (SIGNORINI,
1998c, p. 105) e à margem deles, é essencial que as propostas de leitura de gêneros
como a tirinha, ao contrário do que têm feito até então, contemplem mais do que a
linguagem escrita. Logo, “assim posta, a presença das imagens, em suas múltiplas
expressões, solicita da escola uma postura de reflexão acerca das diferentes práticas de
linguagens, suas ações e suas interações” (BELMIRO, 2003, p.306).
Arcabouço teórico e metodológico
É essencial, na pesquisa de humanidades, compreender que o objeto estudo fala e
vive, seja esse objeto um sujeito físico ou a produção desse sujeito, escrita, oral, visual,
entre tantas. Compreendendo também que o enunciado é o dado primário e o homem, o
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1468
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
objetivo principal das Ciências Humanas (BAKHTIN, 2003), nosso enfoque
metodológico, a pesquisa documental de natureza qualitativa e em uma perspectiva
sócio-histórica, parece estar harmonizada com essa necessidade que o objeto tem de ser
apreendido em sua inesgotabilidade e dinamicidade.
O recorte do corpus selecionado para este artigo é constituído a partir de um livro
didático de português direcionado à 6º série do Ensino Fundamental e recomendado
pelo guia do PNLD/2008. A preferência pelo termo “6º série”, e não “7º ano”, se deve
ao fato de ser esse o termo utilizado não só nesse exemplar como também em todos os
livros que participaram da avaliação do programa nacional do ano em questão. Por sua
vez, a preferência pelos LDPs dessa série se deve ao fato de ser esse o primeiro dos
quatro últimos anos do Ensino Fundamental.
Escolhemos os exemplares destinados ao professor, com o intuito de recuperar
tanto as orientações teórico-metodológicas relativas à leitura quanto as sugestões de
resposta às questões de leitura formuladas a partir da tira. Ainda, como critérios de
escolha, elegemos em primeiro lugar a avaliação positiva por parte do guia do PNLD.
Em especial, atentamos para os aspectos leitura e coletânea de textos, esta última
enfatizando os gêneros que integram linguagens diversas, principalmente a visual. Logo
em seguida, a seleção foi condicionada pela disponibilidade de exemplares, dado que
algumas coleções estavam com o estoque esgotado ou simplesmente não foram
encontrados na região em que se deu a pesquisa.
Nosso trabalho fundamenta-se na área de estudos da Lingüística Aplicada, numa
concepção sócio-interacionista da linguagem. Ao perceber a língua como interação, que
penetra e é penetrada pela vida por meio de enunciados concretos (que, por sua vez,
constitui elos na cadeia do discurso), adotamos a arquitetônica de dialogicidade
sistematizada por Bakhtin e seu Círculo. A linguagem, produto da vida social, “vive
apenas na comunicação dialógica daqueles que a usam” (BAKHTIN, 1981, p. 158).
Segundo Souza (2002), “todo o projeto de investigação dialógica do enunciado concreto
é uma investigação dinâmica” (SOUZA, 2002, p.76), ou, em outros termos, a idéia
formalista de que uma comunicação X, já pronta, é apenas transmitida de um produtor
A para um leitor R destoa completamente da noção de interação bakhtiniana, já que essa
comunicação X estaria sempre em construção na relação eu/outro. Assim,
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1469
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
resumidamente, pensar sobre a concepção dialógica da linguagem envolve o esforço de
considerá-la
Um acontecimento social, fruto de alguma atividade de comunicação
(trabalho) realizada na forma de uma comunicação verbal
determinada, isto é, da interação verbal de um ou mais enunciados
construídos num processo dialógico de alternância dos sujeitos
envolvidos (SOUZA, 2002, p. 77).
Ao conceber a linguagem como sendo fruto da interação, compreendemos que,
segundo Cavalcanti (2006, p.242) “um indivíduo emerge através dos processos de
interação social, não como produto final, mas como alguém que é (re)construído através
das várias práticas discursivas das quais participa”. Essas práticas discursivas ― ou
seja, possibilidades de produção de sentidos pela linguagem em ação nas variadas
relações sociais existentes (SPINK; MEDRADO, 1999) ― abrangem naturalmente as
produções verbais, visuais (e ambas interativamente), inseridas em determinadas esferas
discursivas, que lhes possibilitam e dinamizam a existência, “interferindo diretamente
em suas formas de produção, circulação e recepção” (BRAIT, 2008, p.261).
Interessa-nos, na pesquisa proposta por este projeto, utilizar as categorias
bakhtinianas gêneros discursivos, compreensão responsiva-ativa e olhar exotópico,
ressaltando em todas o caráter dialógico que permeia o mundo da vida.
Análise dos dados: discutindo questões de leitura
O livro escolhido, “Português: idéias e linguagens2”, publicado pela editora Saraiva
e destinado à 6º série do Ensino Fundamental, tem 254 páginas, acrescidas, por ser um
exemplar para docentes, de um manual para o professor com cerca de 30 páginas. Ao
todo, encontramos 48 ocorrências de arte e narrativa seqüencial (cartuns, charges,
tirinhas, história em quadrinhos, etc.), dos quais 20 eram tirinhas. O uso ativo da tirinha
no livro didático pode ser justificado pelo tamanho reduzido (um quadrinho inteiro
poderia ser inviável em termos de custo de impressão) e pela sua relativa facilidade de
2
DELMANTO, D.; CASTRO, M. C. Português: idéias e linguagens, 6º série. São Paulo: Saraiva, 2005.
O livro foi indicado pelo guia do PNLD/2008, no grupo 4.
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1470
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
apreensão se comparado a outros quadrinhos de extensão semelhante, já que os cartuns
e as charges exigem, por exemplo, um repertório maior do leitor em aspectos sociais,
políticos e econômicos. Outro fator pode ser a sedução das cores e traços que costumam
caracterizar a tirinha, o que constituiria um “facilitador” da leitura e um atrativo a mais
para a sistematização de atividades avaliativas.
A leitura da tira é viabilizada por meio de estratégias diversas. De acordo com a
seção em que se encontra, o gênero é disponibilizado apenas para leitura fruitiva (como
na seção “divirta-se”, onde aparece isolado em uma página em branco). Em outros
momentos o aluno é solicitado a opinar se é ou não a favor de determinada prática
social, abordada direta ou indiretamente no texto. No entanto, na maioria dos casos, a
tira surge como texto base para exercícios ou como exemplo ilustrativo e
contextualizado para a explanação de tópicos lingüísticos ou gramaticais. De certa
forma, de acordo com Poletto-Lugli e Nascimento (2006), o quadrinho no livro didático
teria o objetivo de promover a leitura como apropriação das características discursivas e
lingüísticas do texto e, por vezes, apenas a leitura-fruição, descompromissada em dar
voz aos sentidos moventes no texto. Percebemos, ainda, que essas atividades de leitura
dificilmente remetem à multiplicidade de linguagens, ficando fortemente atadas à
compreensão do escrito, como apontado no exemplo abaixo:
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1471
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
A finalidade dessa atividade de leitura é configurada somente pela utilização correta
das vírgulas: pede-se ao aluno que retire do texto as palavras que designam temperos e
as enumere. Embora o enunciado da questão afirme que a personagem pretende utilizar
os ingredientes em um molho de ervas, não há nenhuma orientação para a análise da
única instância do texto que legitima a afirmação de que é um molho e não um banho
que está sendo preparado. As competências necessárias para a compreensão do texto são
subtendidas, como se toda a coletividade de alunos pudesse, em uníssono, resgatar as
pistas deixadas na interação verbo-visual: que a tira é publicada em um jornal de
Salvador, portanto, nordeste do Brasil; que a indumentária, o cenário e a própria cor3 da
personagem a identificam estereotipadamente como nordestina e pobre; que, de acordo
com o recorte ideológico da tira, é um indivíduo que não compra carne abatida no
supermercado, mas que mata e tempera artesanalmente seus próprios animais. Essa lista
de pressupostos ainda se estende: se um aluno não compreende as estrelas amarelas do
desenho como demonstrativo de dor e se ele nunca foi a uma feira livre ou a outro local
em que possa ver que as galinhas são presas pelos pés, como recuperar que o animal
está prestes a ser abatido, e não banhado? Todas essas informações advêm do código
visual próprio ao gênero e são fundamentais para a compreensão, porém, em alguns
momentos, as questões de leitura privilegiam apenas os elementos verbais, com o intuito
de promover o conteúdo curricular que “justifica” o uso do texto, como na tira a seguir.
3
Nesse trecho, a cor deve ser entendida em seu sentido literal: a matiz com que o autor colore os traços
de sua personagem e que é indicativa da pele parda ou morena.
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1472
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
Afirmar que o humor de uma tira é provocado apenas por um jogo entre duas
locuções prepositivas é reducionista. Neste ponto é válido observar mais um lapso,
muito comum no tratamento de quadrinhos de pequeno porte. Assim como um
enunciado representa um elo na cadeia de discursos (BAKHTIN, 2003), ligado aos
enunciados anteriores e futuros, assim também a tira pertence a uma cadeia sóciohistórica e autoral, que compreende não só o estilo próprio de cada autor, mas também
as características básicas de cada enredo. Na tirinha, a personagem preexiste ao texto,
sendo cada narrativa o desenrolar descontínuo de ações motivadas pela sua
personalidade. Caso, ao lermos uma aventura da Mafalda, não tenhamos familiaridade
com a caracterização dessa protagonista, ou seja, se não saibamos de sua “natureza”
ácida, investigativa e crítica ou de como se dá a representação de seus aspectos
corporais (caretas, gestos etc.), o texto verbal não será suficiente para provocar o humor
da tira. Voltando ao Recruta Zero, a comicidade do texto se dá pelo jogo de locuções
prepositivas e também pelo conhecimento acerca das personagens, pela postura do
recruta frente ao seu superior, pelo boné caído sobre os olhos, pelas representações de
seu corpo cansado e preguiçoso. Talvez o cerne da questão não seja extinguir qualquer
análise de fim gramatical ou discursivo, mas sim, propiciar a expressão de outros
olhares, de outras compreensões construídas na interação. Em outras palavras, “assim
posta, a presença das imagens, em suas múltiplas expressões, solicita da escola uma
postura de reflexão acerca das diferentes práticas de linguagens, suas ações e suas
interações” (BELMIRO, 2003, p.306).
Podemos afirmar que, quase como uma constante, as questões de leitura
relacionadas à tira são orientadas pelo conteúdo curricular sistematizado na seção ou
unidade. Na maioria dos casos, porém, em que as questões de leitura ultrapassam essa
obediência ao conteúdo lingüístico, percebemos elas contemplam a compreensão do
texto, mas de modo limitado, dando prioridade à localização de informações em grande
parte explícitas.
Contudo, na atividade abaixo, o leitor é solicitado a deduzir a personalidade de uma
das personagens com base quase estritamente em elementos visuais. Mesmo estando a
sugestão de resposta limitando um único olhar, é válido perceber que a questão de
leitura não solicita respostas baseadas no achismo, ou tão subjetivas que para elas não
haja um parâmetro de avaliação (perguntas do tipo: “Você gostou desse texto?), ao
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1473
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
invés disso provoca uma atitude responsiva ativa baseada em um contexto sóciohistórico e social no qual o próprio leitor está implicado e, por isso, encontra razão para
a personagem buscar uma moeda no lugar da flor.
Nas duas questões seguintes os autores retornam às estratégias predominantes,
associando a atividade à avaliação de conteúdos curriculares, nesse caso, do emprego da
locução verbal.
Mesmo em sua forma mais simples, os quadrinhos, conforme Eisner (1995, p.8),
“empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis”, repetição que,
ao atingir relativa estabilidade, se torna linguagem própria, partilhada por uma
comunidade de experiência. Assim, não se pode negar que a linguagem visual presente
nas histórias em quadrinhos seja algo difícil de ser decifrado por aqueles que detêm um
mínimo de experiência de leitura com o gênero.
O leitor, ao construir colaborativamente os sentidos do texto, aprende a
identificar formas, expressões e traços com base em certa estabilidade de significados
atribuídos socialmente desde o surgimento das primeiras HQs. No entanto, se esse
relacionamento com a imagem se desenvolve de forma natural, mesmo antes da entrada
da criança na escola e fora de seus domínios, no ambiente escolar esse contato com a
imagem deve ser continuado de forma consciente e planejada. Segundo Costa (2005),
exatamente pelo caráter afetivo e ambíguo das imagens “seu uso na educação envolve
informação, conhecimento, preparo e gestão, como deveria ser com todas as atividades
Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1474
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
educativas.” (COSTA, 2005, p.37). Dessa forma, a visualidade deve ser tratada de
maneira análoga à oralidade, que, embora adquirida na interação do lar, deve ser
sistematizada e adquirir novos usos na escola, inclusive em contextos orais, formais e
públicos (DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B., 2004).
Observamos que, pelos exemplos encontrados no livro didático, existem ainda
muitos caminhos a serem percorridos em direção à leitura responsiva da tirinha, em
direção à politização dessa multiplicidade de olhares por parte dos leitores-alunos, cada
um em sua singularidade no mundo. Cobrar de uma tirinha a exemplificação às mais
diversas questões discursivas e gramaticais, reservando à visualidade e à compreensão
ativa um espaço ermo, mesmo essa visualidade tão cara ao universo lúdico da criança, é
desperdiçar possibilidades profícuas de uma formação crítica do sujeito-leitor. Porém,
muito de produtivo vem sendo incorporado aos manuais didáticos, mudanças
influenciadas, em parte, pelos critérios avaliativos do PNLD na exigência de um
material criativo, crítico, eficaz e competente não só no fomento ao desenvolvimento
das competências de leitura como também nas demais carências do ensino tradicional da
linguagem. “Há que não se perder de vista as especificidades de um livro didático que,
sendo de Língua Portuguesa, se interessa por desenvolver habilidades específicas com a
linguagem, o que o diferencia dos livros das demais disciplinas” (BELMIRO, 2004,
p.175).
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Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1475
Mafalda e as Locuções Verbais: discutindo questões de leitura no livro didático de português
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Julianny de Lima Dantas Cavalcante
1476
IV COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
“DIFERENÇA NAS POLÍTICAS DE CURRÍCULO”
LEITURA INTERATIVA E INDICIÁRIA:
(RE)CONSTRUINDO OS SENTIDOS DO TEXTO
Maria Leuziedna Dantas
JOÃO PESSOA - PB - BRASIL
10 A 13 DE NOVEMBRO DE 2009
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
LEITURA INTERATIVA E INDICIÁRIA: (RE) CONSTRUINDO OS
SENTIDOS DO TEXTO
Maria Leuziedna Dantas
Mestranda UFPB
[email protected]
RESUMO: O presente trabalho pretende abordar a perspectiva da leitura interativa e
indiciária, como sendo instrumentos para gerar o conhecimento da realidade através da
realização de novas aprendizagens, ao proporcionar a ampliação de horizontes. A
construção dos sentidos durante o ato de ler só é possível através da interação dos
elementos textuais com os conhecimentos de mundo do leitor, bem como pela sua
prática de observador. A ideia de assumir um protagonismo do leitor, quando se debruça
de forma inteligente, é algo importante para a construção do sentido do texto.
Consideramos, portanto, a leitura alicerce da educação, pois tudo o que é ensinado
depende dela para se manter e desenvolver.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura, interação, indícios.
INTERACTIVE READING AND INDICIÁRIA: (REVERSE) BUILDING THE
SENSES OF THE TEXT
ABSTRACT: The present work intends to approach the perspective of the interactive
reading and indiciária, as being instruments to generate the knowledge of the reality
through the accomplishment of new learnings, when providing the enlargement of
horizons. The construction of the senses during the action of reading is only possible
through the interaction of the textual elements with the knowledge of the reader's world,
as well as for his/her observer practice. The idea of assuming a protagonism of the
reader, when he/she leans over in an intelligent way, it is something important for the
construction of the sense of the text. We considered, therefore, the reading finds of the
education, because everything that is taught depends on her to maintain and to develop.
KEY-WORDS: Reading, interaction, indications.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste texto é relacionar a teoria do paradigma indiciário ao processo
de leitura interativa uma vez que as características deste conhecimento são aplicáveis
Maria Leuziedna Dantas
1480
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
durante o ato de ler. Como sendo uma ponte para o conhecimento de si mesmo e da
realidade, a leitura é um instrumento necessário para a realização de novas
aprendizagens, ao proporcionar a ampliação de horizontes. A construção dos sentidos
durante o ato de ler só é possível através da interação dos elementos textuais com os
conhecimentos de mundo do leitor, bem como pela sua prática de observador. Quanto
maior for à relação entre eles, maior a probabilidade de êxito na leitura tendo em vista a
construção dos sentidos. Diante disto, Aliende e Condemarin (1987, p.17) afirmam que
“as pessoas que não lêem tendem a ser mais rígidas em suas idéias e ações e a conduzir
suas vidas e trabalho pelo que se lhes transmite”. Longe de ser um processo passivo, a
leitura estimula a criatividade, o pensamento e abrem seu mundo para a construção do
conhecimento, capazes de valorizar o planejamento científico e a criação do saber
gerado muitas vezes não pela dedução lógica, mas através de relações empíricas
surpreendentes, permitindo, assim o desenvolvimento da sociedade.
Assim, para compreendermos a relação entre o paradigma indiciário e o processo
interativo de leitura, apresentaremos inicialmente a concepção de leitura ancorada pelo
modelo interativo, em seguida discutiremos como a perspectiva do paradigma indiciário
aproxima o leitor ao sentido do texto e o faz assumir uma postura crítica, sagaz e atenta,
a fim de interpretar as pistas deixadas pelo escritor, transpondo-se para além do dito.
O MODELO INTERATIVO DE LEITURA
A perspectiva interacionista de leitura fundamenta-se na posição de que a
linguagem é processo de interação humana e que o indivíduo faz uso da língua não só
para traduzir e exteriorizar um pensamento, mas para agir, atuar sobre o interlocutor e
produzir efeitos de sentidos.
Diante disto, Coracini (2005, p.21) afirma:
No caso da interação, como o próprio nome indica, a leitura constitui
um processo cognitivo que coloca o leitor em frente do autor do texto
ou da obra, seja ela de que natureza for, autor que deixaria marcas,
pistas de sua autoria, de suas intenções, determinantes para o(s)
sentido(s) possível (eis) e como o qual o leitor inter-agiria para
construir esse(s) sentidos).
Maria Leuziedna Dantas
1481
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
Este modelo envolve os processos buttom-up e top-down, enfatizando a
interação de um com outro. Kato (1985) afirma que os teóricos das áreas da cognição
propuseram dois modelos de processamentos de informação: o modelo ascendente que o
chamam buttom-up, pelo fato de partir das letras para as sílabas, das palavras, às frases
e funciona com base na decodificação, indo do simples ao complexo, bem como o
modelo descendente, chamado de top-down que parte do conjunto até chegar a unidades
menores.
Estes modelos enfatizam a exploração da memória e os conhecimentos prévios
do leitor durante o processamento dos dados, sendo que o primeiro privilegia o texto e o
segundo o leitor.
As características do processamento ascendente retomam a visão estruturalista
de ler, por fazer uso linear e indutivo das informações visuais, lingüísticas e
composicionais, já o modelo descendente, se caracteriza pelo aspecto não-linear,
dedutivo. As palavras são transformadas em ideogramas visuais, o contexto da palavra
possibilita a adivinhação de seu sentido, por isso o leitor faz antecipações e confirma
expectativas, usando os elementos textuais que sugerem.
Na perspectiva interacionista não há privilégio do ascendente sobre o
descendente, nem vice-versa. Teóricos da leitura como Kleiman (1995) defendem a
interação dos dois modelos. O leitor capta informações de várias fontes (associação
letra-som; sintaxe; semântica; contexto geral), gera hipóteses em todos estes níveis; e
procura informação adicional em outros níveis para confirmar ou rejeitar as predições.
Desta forma, não se começa com as letras para chegar ao significado e não se começa
com o significado para chegar às palavras impressas, a informação de cada nível flui
para o centro de mensagens que permite a análise simultânea de predições de várias
fontes.
Os aspectos “compreensão” e “interpretação” (CORACINI, 2005, p. 22)
aparecerem como distintos no ato da leitura, sendo que o primeiro corresponderia à
etapa da decodificação e o segundo estaria repleto de experiências e opiniões pessoais.
É preciso notar que no olhar interacionista as leituras repletas de inferências dependem
do texto e do autor que as autoriza ou não, pois a reconstrução dos sentidos do texto se
dá através das marcas deixadas pelo autor, relacionando-as com os conhecimentos
prévios, socialmente adquiridos do leitor, de modo que só serão aceitas as leituras que
Maria Leuziedna Dantas
1482
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
fizerem parte das permitidas pelo espaço textual. Para tanto concordamos com Ângela
Kleiman (1995, p. 13) quando afirma:
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele
já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue
construir o sentido do texto. E porque o leitor utiliza justamente
diversos níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é
considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que
sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá
compreensão.
Podemos entender como conhecimentos prévios tudo de que se vale o leitor na
reconstrução do sentido, tais como o conhecimento de escrita e das convenções da
linguagem, de seu conhecimento da língua, conhecimento de estruturas textuais,
conhecimento do assunto, conhecimento do mundo do qual adquirimos formal ou
informalmente. Nesta visão, o texto impresso por si só, não expressa significado. Ele
simplesmente fornece direções para reconstruir o significado do autor, definindo a
importância da interação leitor-texto-autor, a fim de imprimir ao texto possíveis sentidos
de acordo com a história do leitor e suas experiências.
Kato refere-se a esse modelo como reconstrutor (2005, p.71):
A leitura seria um ato de reconstrução dos processos de produção. Ao
contrário das propostas anteriores, que, apesar das diferenças,
partilhavam entre si uma visão formalista de leitura, a concepção
reconstrutora se apóia em pressupostos funcionalistas: enquanto
aquelas viam o ato da leitura como uma integração entre o
conhecimento do leitor e a informação dada pela forma do texto, este
modelo vê o ato de ler como uma interação do leitor com o próprio
autor, em que o texto apenas fornece pegadas das intenções deste
último.
Este modelo valoriza o “por que o escritor está dizendo o que o texto está
dizendo” (Ibidem, p. 72), desta forma o leitor é encarado como participante, buscando
as intenções subjacentes diante do que está posto no texto, sendo este o ponto de partida
no processo de interação.
Orlandi (2008, p.39) afirma:
Maria Leuziedna Dantas
1483
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
Na realidade, em linguagem (e, logo, em leitura) não há grau zero
assim como não há grau dez. Na dicotomia entre método de ensino e
processo de aprendizagem, a escola se coloca como se o aluno não
tivesse já instalado um processo de aprendizagem e ao propor, dentro
de suas perspectivas e funções, um método de ensino, coloca o aluno
no grau zero e o professor no grau dez.
A escola muitas vezes recusa os conhecimentos prévios dos educandos, quando
identifica como certa a leitura do professor ou do livro didático. Podemos afirmar que
não existe grau dez em leitura, uma vez que o indivíduo não pára de aprender, assim
como não existe grau zero, pois estamos integrados ao mundo e de alguma forma
estamos em processo de aprendizagem.
Nesta proposta de leitura interativa, a leitura assume múltiplos sentidos, pois não
há apenas um único sentido para o texto, ele sempre está relacionado aos conhecimentos
prévios do leitor, demarcados a partir de sua vivência no mundo.
O documento Base do PROEJA que tem como finalidade discutir os princípios e
concepções fundamentais ao programa da educação profissional de nível médio
integrada à EJA, considera o modelo de leitura interacionista ao propor a valorização
dos conhecimentos prévios dos sujeitos envolvidos no processo educativo, a fim de
contribuir com um projeto educacional caracterizado pelo resgate da cidadania.
Segundo esse documento (2006, p.26) “os sujeitos alunos deste processo não
terão garantia de emprego ou melhoria material de vida, mas abrirão possibilidades de
alcançar esses objetivos, além de se enriquecerem com outras referências culturais,
sociais, históricas, laborais, ou seja, terão a possibilidade de ler o mundo no sentido
freiriano”. Analisando o exposto, podemos observar a presença da perspectiva de leitura
de Paulo Freire (1995, p.11) “A leitura de mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquela”. Esta
proposta relaciona-se com a visão interacionista, uma vez que o contexto social é o
elemento a ser considerado no processo de leitura, demarcando bem a relação
linguagem e sociedade, bem como a questão do condicionamento da compreensão
textual à dinâmica texto e contexto.
Desse modo, priorizam-se os saberes produzidos por esses sujeitos (BRASIL,
2006) decorrentes dos variados espaços sociais que a população vivência no seu estar no
mundo. Assim, o ato de ler não se esgota na decodificação da palavra escrita, nem tão
pouco na leitura única produzida pela visão do professor ou do livro didático, há o
Maria Leuziedna Dantas
1484
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
respeito aos conhecimentos prévios dos educados, logo as determinações históricosociais dão significação e densidade à leitura.
Na Proposta Curricular da EJA no 2º segmento do Ensino Fundamental (2002)
também verificamos a perspectiva interacionista de leitura. Elaborada com o intuito de
propiciar aos sistemas de ensino que atendem ao público da EJA, particularmente aos
educadores, subsídios à elaboração e/ou reelaboração do currículo, esta proposta serve
como eixo norteador à construção do projeto pedagógico, em função da cidadania dos
sujeitos envolvidos no processo. Coerente com os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN), mas considerando as especificidades da educação dos jovens e adultos, a
proposta de leitura apresentada enfatiza a necessidade de reduzir a distância entre
estudante e a palavra, procurando anular experiências traumáticas com processos de
aprendizagem da leitura, assim como incentiva os educadores a formar uma visão
diferente da palavra, para que esses sujeitos continuem motivados a compreender o
discurso do outro, interpretar pontos de vista, assimilar e criticar as coisas do mundo
(BRASIL,2002). Isto acentua o fortalecimento da voz de muitos jovens que de alguma
forma sofreram perversos processos excludentes.
Diante disto, podemos perceber a importância de se valorizar a perspectiva
interacionista de leitura em nossas escolas. Na visão de Cagliari (2000) desenvolver a
leitura na escola é a atividade fundamental, pois é mais importante saber ler do que
escrever. A escola precisa oferecer oportunidades significativas de leitura, garantindo
também a formação humana ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a
uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão
pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política.
Vivemos em circunstâncias históricas, os sentidos são produzidos em contexto, e
mesmo aqueles travados ao longo do tempo não são estáveis, por isso afirma Bakhtin
(2002, p.10) “o sentido da palavra é totalmente determinado pelo contexto. De fato, há
tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem por isso a
palavra deixa de ser uma”.
Maria Leuziedna Dantas
1485
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
CAÇADOR, INDÍCIOS, SIGNIFICADO
Segundo Gonçalves (2008, p.287) “o modelo indiciarista de leitura da realidade
apresenta contribuições interessantes (...) pelo apreço ao desenvolvimento das
pluricompetências humanas”. Isso indica que há um convite ao estado de alerta e que
através da leitura dos indícios, dos sinais poderemos compreender uma realidade de
forma mais aprofundada, crítica. Logo esta postura é exigida na visão de um bom leitor,
que reconstrói ou recupera o sentido do texto através da observação das marcas
deixadas pelo autor para chegar à formulação das próprias idéias deste, interagindo com
o texto e seu conhecimento de mundo.
Desta forma um leitor crítico e sagaz se utilizada da leitura interacionista,
articulando as estratégias metacognitivas com a perspectiva indiciária, para exercitar o
pensamento e interpretar as pistas deixadas pelo autor, numa dinâmica texto-autorleitor. Na visão de Eco (1989, p.101 apud MELO, 2005, p.78) há dois tipos de leitores:
Toda obra se propõe pelo menos dois tipos de leitor: o primeiro é a
vítima designada pelas próprias estratégias enunciativas; o segundo é
o leitor crítico que ri do modo pelo qual foi vítima designada.
Exemplo típico – mas não único- dessa condição de leitura é o
romance policial que prevê sempre um leitor de primeiro nível e um
leitor de segundo nível. O leitor de segundo nível deve divertir-se não
com a história contada, mas com o modo como foi contada.
Podemos perceber que o primeiro leitor ainda está preso apenas ao processo de
decodificação textual, atrelando-se superficialmente ao que está escrito, enquanto que o
segundo leitor, através dos seus conhecimentos prévios e da capacidade de observação
permite a construção significativa para além dos explícitos. São casos, pistas, indícios,
sintomas, signos, que permitem captar uma realidade mais profunda.
Segundo Ginzburg (1989) o paradigma indiciário é um modelo epistemológico,
ainda não teorizado, mas bastante operante que tem suas raízes no homem sapiens a
partir de suas habilidades caçadoras ao farejar, registrar, interpretar e classificar pistas
complexas. Todos os elementos são indícios para se conseguir identificar por meio da
observação a explicação de uma realidade: esterco, pegadas, pêlos, plumas não podiam
passar despercebidos sob o olhar do homem diante do seu objetivo, a presa.
Maria Leuziedna Dantas
1486
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
O método indiciário apresentado por Ginzburg fundamentou-se na prática de
investigação do médico Morelli, a fim de identificar o verdadeiro autor dos quadros
artísticos e distinguir originais de cópias. Para isso, usava a técnica da observação não
das características mais vistosas, que são facilmente imitáveis, mas, os pormenores mais
negligenciáveis e menos influenciados pelas características da escola a que o pintor
pertencia, como os lóbulos das orelhas, as unhas, a forma dos dedos das mãos e dos pés.
A prática de Morelli foi brilhantemente comparada aos contos de detetive, de
modo particular a Sherlock Holmes, pelo seu criador, Arthur Conan Doyle. “O
conhecedor de arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro)
baseado em indícios imperceptíveis para a maioria”, (GINZBURG, 1989, p145).
Os contos de detetive dão margem para que o leitor explore significamente as
estratégias metacognitivas tais como: antecipação, permitindo prever o que ainda está
por vir, inferências ao fazer a captação do que ainda não está dito no texto e a
verificação, que é uma forma de controle ou não das demais estratégias. Kleiman (1993,
p.49) afirma que:
Todas essas estratégias de leitura podem ser inferidas a partir da
compreensão do texto, que por sua vez é inferida a partir do
comportamento verbal e não-verbal do leitor, isto é, do tipo de
respostas que ele dá a perguntas sobre o texto, dos resumos com que
ele manipula, se sublinha, se apenas folheia sem se deter parte alguma,
se passa o olhos rapidamente e espera a próxima atividade começar, se
reler?
O leitor consciente se utiliza destas estratégias defendidas pelo modelo
interacionista, para conseguir mais eficiência na leitura, pois quando não está
entendendo o sentido procura reler o texto, faz resumo, enfim aciona diversas medidas
que possam solucionar o problema.
Gonçalves (2008, p.283) afirma que “os contos de detecção incitam o leitor a
expandir sua imaginação, pincelando cenários e desafios perfeitos, para soluções
surpreendentes (...) ele fica tentado a antecipar soluções, as mais inesperadas”. Assim
como os contos de detetive que estimulam a percepção dos sinais, a literatura de
Guimaraens Rosa também nos faz este convite.
Como escritor, Guimarães é uma das principais expressões da literatura
brasileira. De cunho regionalista, suas obras apontavam uma mudança na tradição
Maria Leuziedna Dantas
1487
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
regionalista por inovar a linguagem, recriando a fala do sertanejo. Como médico atuante
no interior de Minas Gerais, soube interagir com o sertanejo, recolhendo material para
suas obras. Em uma carta de Guimarães a João Conde, é revelado o seu modo de ler o
interior mineiro, suas paisagens, o sertanejo, o misticismo, através da observação das
marcas produzidas por esses elementos.
Àquela altura, porém, eu tinha de escolher o terreno onde localizar
minhas histórias. Podia ser Barbacena, Belo Horizonte, O Rio, a
China, o arquipélago de Neo-Baratária, o espaço astral, ou mesmo, o
pedaço de Minas Gerais que era mais meu. E foi o que Preferi. Porque
tinha muitas saudades de lá.Porque conhecia um pouco melhor a terra,
a gente, bichos, árvores. Porque o povo do interior sem convenções,
“pôses” - dá melhores personagens de parábolas: lá se vêem bem as
reações humanas e a ação do destino: lá se vê bem um rio cair na
cachoeira ou contornar a montanha, e as grandes árvores estalarem sob
o raio, e cada talo do capim humano rebrotar com a chuva ou se
estorricar com a seca (...). Então passei horas de dias, fechado no
quarto, cantando cantigas sertanejas, dialogando com vaqueiros de
velha lembrança, “revendo” paisagens da minha terra. (ROSA, 1984,
p.8).
No conto, Corpo fechado, narrativa predileta de Guimarães Rosa diante de tantas
apresentadas em Sagarana, obra inaugural do autor, vemos tão nitidamente a
consciência de ser homem do sertão, com traços autobiográficos quando afirma:
“Manuel Fulô foi o personagem que mais conviveu ‘humanamente’ comigo e cheguei a
desconfiar de que ele pudesse ter qualquer espécie de existência”. (Ibidem, p.10).
Guimarães nos passa a idéia de um escritor que leu o mundo do qual estava
inserido na perspectiva dos indícios, anotando, registrando, produzindo conhecimento
sobre o sertão, conforme nos apresenta o trecho, logo no inicio da narrativa;
Pois foi nesse tempo calamitoso que eu vim para Laginha, de morada,
e fui tomando de tudo a devida nota. O arraial era o mais monótono
possível. Logo na chegada, ansioso por conversas á beira do fogo,
desafios com viola, batuques e cavalhadas, procurei e procurei, e
quebrei a foice. As noites, principalmente, impressionavam. Casas no
escuro, rua deserta. raro, o pataleio de um cavalo no cascalho.O
responso pluralíssimo dos sapos.Um só latido, mágico, feito por
muitos cachorros remotos.Grilos finfininhos e bezerros fonfonando.E
pronto”.(op. cit., p.276)
Maria Leuziedna Dantas
1488
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
Em Corpo fechado, a figura do personagem doutor que vai anotando tudo,
confunde-se com o procedimento do próprio doutor João Guimarães Rosa, pesquisando
e descrevendo minúcias tão reveladoras.
A estória deste conto é narrada em primeira pessoa por um médico de um
vilarejo do interior, em forma de entrevista com Manuel Fulô, contando casos para o
doutor, submersos no mundo de feitiçarias e bruxarias. Na obra, um curandeiro fecha o
corpo e anula a fragilidade do protagonista que, encouraçado pela fé, vence o vilão.
Em meio à narrativa, Manuel Fulô nos conta um episódio de como aprendeu
com os ciganos a negociar. “Garrei a maginar: o que eu nasci mesmo pra saber fazer é
negócio de negociar com animal. Mas eu queria ser o melhor de todos...” (Ibidem,
p.282). A postura indiciária é também reveladora em seus personagens, tal como
Manuel Fulô que se colocou no lugar do outro a fim de descobrir quais eram as técnicas
utilizadas pelos ciganos para negociar, com a finalidade de superá-las, analisando pistas
que revelariam os pontos fracos.
O conhecimento indiciarista permite-nos abstrair teorias a partir de elementos
pormenores observáveis, através do “instituto singular de suposição ou inclinação para
cogitar hipóteses” a qual Pierce se refere como “abdução” (TRUZZI in ECO e
SEBEOK, 1991, p. 21), estimulando o observador a encontrar respostas confirmadas e
refinadas pela indução. Assim fez Guimarães, abduzindo a realidade sertaneja, através
do olhar observador, associado ao raciocínio para se chegar a uma definição. Em
entrevista concedida a Günter Lorenz em Gênova1, Guimarães nos mostra como seu
papel de “ser homem do sertão” foi o ponto de partida, para construir narrativas,
personagens que faziam julgamentos perceptíveis, tendo como base as proposições a
serem deduzidas.
Chamou-me “o homem do sertão”. Nada tenho em contrário, pois sou
um sertanejo e acho maravilhoso que deduzisse isso lendo meus
livros, porque significa que você os entendeu. Se você me chama de
“o homem do sertão” (e eu realmente me considero como tal), e
queremos conversar sobre esse homem, já estão tocados no fundo os
outros pontos. É que eu sou, antes de mais nada, este “homem do
sertão”; e isto não é apenas uma afirmação biográfica, mas também –
e nisto pelo menos acredito tão firmemente como você – que ele, esse
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Günter Lorenz é crítico alemão e entrevistou Guimarães Rosa no Congresso de Escritores LatinoAmericanos, realizado em Gênova, em janeiro de 1965, dois anos antes da morte do autor.
Maria Leuziedna Dantas
1489
Leitura Interativa e Indiciária: (Re)Construindo os Sentidos do Texto
“homem do sertão”, está presente como ponto de partida mais do que
qualquer coisa.( LORENZ, 1965)
Esta interação de Rosa com o mundo sertanejo nos revela a importância do
contexto social como elemento a ser considerado no processo de leitura interativa e
indiciária, constitutivas do pensamento crítico, capazes de revelar intenções
comunicativas subjacentes. Desta forma, o ato de ler não se esgota na decodificação da
palavra escrita, é muito mais que isso. Neste processo é mister o estabelecimento de
relações dentro de contextos, vivência de mundo, é descobrir e redescobrir sentidos,
emoções, vida e prazer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordar a questão da leitura é sempre uma necessidade, uma vez que são
irrefutáveis as condições de produção de leitura para a criação e recriação do
conhecimento, alicerce da educação, já que tudo o que é ensinado depende da leitura
para se manter e desenvolver.
A contribuição da leitura indiciária é relevante por envolver a presença de um de
um leitor atento, que processa e examina o texto a fim de construir o significado.
A leitura interacionista envolve a relação autor-texto-leitor numa perspectiva
social, usando simultaneamente o conhecimento de mundo e conhecimento do texto
para construir uma interpretação sobre o que se lê.
Desta forma, leitura interativa e indiciária quando associadas, permite-nos
relações profundas diante do estudado, uma vez que a legibilidade não está
condicionada ao que está dito no texto, um bom leitor é capaz de relacionar intenções
comunicativas subjacentes. Portanto, a leitura não coincide com os limites da página
escrita. Acreditamos que este processo se realiza quando, por meio de inferências feitas
a partir de pistas lingüísticas, somadas ao conhecimento de mundo do leitor.
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Maria Leuziedna Dantas
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