A aula de leitura através do olhar do futuro professor de Língua Portuguesa no gênero textual acadêmico relatório Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin Universidade Federal do Ceará – UFC Marina Kataoka Barros Faculdade Lourenço Filho – FLF Resumo Neste trabalho, apresentamos reflexões sobre práticas de leitura de professores da rede pública da educação básica cearense. Para isso, tomamos como base a descrição das observações feitas por alunos do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, durante três semestres (2005.2, 2006.1 e 2006.2), no percurso de disciplinas de estágio, ministradas ao final do Curso de Letras, na Universidade Federal do Ceará. Os dados da pesquisa contam de duzentos e oitenta e oito relatórios referentes a dezoito turmas da disciplina em questão. Aqui apresentamos alguns extraídos a partir de critérios estabelecidos. Assim, selecionamos dez relatórios que consideramos relevantes, no tocante a situações do ensino de leitura. Este trabalho está inserido no âmbito do projeto Práticas de linguagem: o gênero relatório, no contexto do Grupo de Estudos e Pesquisa em linguística Aplicada, do qual fazemos parte. Nossa referência, para a análise dos dados, está ancorada no Interacionismo Sociodiscursivo (BRONCKART, 1999); no conceito do gênero relatório em Leurquin (2010) e no conceito de leitura de Braggio (1992). Os dados mostraram que os professores ainda possuem uma concepção equivocada de leitura e que, por consequência, ainda há muita dificuldade de se realizar uma aula de leitura produtiva que possa de fato formar leitores críticos para atuar na sociedade contemporânea. É necessário que as mudanças teoricamente chegadas às escolas possam se realizar de fato, para que se tenha uma educação de qualidade. Palavras-chaves: Leitura, Ensino, Gênero Relatório e Formação Inicial. 1 INTRODUÇÃO Apesar de muitas tentativas importantes e positivas no sentido de melhorar a situação do ensino e aprendizagem de português como língua materna, observamos que ainda necessitamos avançar bastante para alcançarmos um ensino e aprendizagem produtivos. Tal situação é reconhecida pelo próprio governo federal quando, em documentos como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), sinaliza que as escolas enfrentam um fracasso e que 6 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 para amenizá-lo sugere uma “reestruturação do ensino de língua portuguesa”. O mesmo documento indica que o ensino de língua materna deve ser articulado com o objetivo de levar o aluno à aprendizagem da leitura, da escrita e da análise linguística. A sugestão é que isso ocorra a partir de atividades de linguagem com base nos diversos gêneros textuais que circulam na sociedade, orais e escritos, verbais e não verbais, decorrentes de situações reais de comunicação. Tal postura coloca o gênero num espaço importante em sala de aula, permitindo que o aluno tenha acesso a um ensino e aprendizagem que devem gerar uma participação social efetiva. Essa posição remete-nos ao fato de que é por meio da linguagem que o homem se constrói como ser ideológico e se comunica nas mais diversas situações (Bakhtin, 2003). Essa abordagem dada à linguagem e ao ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa já nos aponta uma mudança significativa de perspectiva daqueles que decidem a política de ensino e aprendizagem de língua materna. Ao ter acesso ao texto completo dos PCNs, observamos que há uma inquietude no tocante à formação do aluno como um humano, uma busca de reagrupar os conhecimentos das diversas áreas de conhecimentos das Ciências Humanas, como propõem as pesquisas ancoradas no Interacionismo sociodiscursivo, defendidas, sobretudo, por Jean Paul Bronckart, há mais de décadas. Diante de tal indicativo, resta-nos saber se na sala de aula algo mudou no tocante ao ensino e aprendizagem de língua portuguesa; resta-nos saber se na universidade estamos atentos a essas questões e como podemos interferir positivamente no sentido de contribuir para a formação dos professores e consequentemente para o seu agir professoral, posteriormente. Cabe nesse momento perguntarmos: o que mudou nesse período de mais de uma década? O que tivemos como avanço? Como uma forma de obtermos respostas às perguntas, neste artigo, analisamos, a partir de situações descritas em relatórios de observações, a prática em sala de aula de Língua Portuguesa. A partir desses relatórios, vimos que ainda há um forte descompasso entre o dizer e o fazer do professor de língua materna, hoje mais ainda fortalecido pelo próprio material didático utilizado (uma complexa situação a gerir e sem espaço para a discussão neste momento, tendo em vista nosso objetivo maior). Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 7 Ao estudarmos o agir do professor de Língua Portuguesa pelo viés do relatório produzido pelos professores em formação, dois contextos são reconfigurados: um que trata do relatório de observação, pelo qual os alunos descrevem e analisam as aulas observadas, e outro que trata do relatório de estágio, pelo qual o aluno descreve e analisa sua própria intervenção na escola, isto é, seu próprio agir professoral. Sem dúvidas, isso faz do relatório um gênero textual importante, porque (1) é nele que o aluno registra sua experiência, como pesquisadorobservador do agir professoral; (2) é através dele que o aluno dialoga com seus pares (colegas da turma, professores e estudiosos da área); (3) é com ele que também podemos trabalhar a construção do letramento do professor em formação; e (4) pode ser que a partir dele consigamos intervir na política de formação de professores, de ensino e aprendizagem; (5) é por meio dele que o aluno é avaliado. Por isso, para nós, o relatório é apresentado como um gênero acadêmico fundamental para a formação inicial do professor de língua portuguesa. Assim, tenda em visto nosso objetivo maior, concentramo-nos no relatório de observação, onde o professor em formação descreve e analisa (deveria analisar) os dados observados. Para nossas reflexões nesse artigo, primeiramente, trataremos da estrutura do relatório de observação de aulas e de como o compreendemos como um gênero textual. Em seguida, apontaremos como deve ser uma aula de leitura e, depois, analisaremos a aula de leitura a partir das descrições feitas. 2 O GÊNERO RELATÓRIO DE OBSERVAÇÃO DE AULA O relatório de observação de aula é um requisito da disciplina Estágio de leitura, Estágio de produção escrita, Estágio de oralidade e escrita, e Estágio de análise linguística, da Unidade de Prática de Língua Portuguesa do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará. Tal prática discursiva é fundamental por muitos motivos, um desses motivos é que ele apresenta uma descrição e análise da parte prática da formação do futuro professor de língua portuguesa do ensino fundamental. Pelas características do contexto de produção (BRONCKART, 1999), é possível que ele contribua para a tomada de consciência do professor em formação e mudança do seu agir professoral. Um levantamento bibliográfico 8 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 realizado por Leurquin (2010) mostrou que poucos estudos ainda temos sobre esse gênero textual. Ao tratar do relatório, Beltrão e Beltrão (1998) definem-no da seguinte maneira: [o relatório] é a exposição de ocorrências ou da execução de serviços ou, ainda, dos fatos de uma administração pública ou privada, sendo essa exposição acompanhada, quando necessário, de gráficos, mapas, tabelas, ilustrações. Sua linguagem é a factual, no mais das vezes. (p. 323) Ainda para essas autoras, o relatório pode ser classificado em três classes, segundo os critérios: a) número de signatários, b) a periodicidade e c) o fim, e pode ser de diferentes tipos, por exemplo, de gestão, de inquérito, parcial, progressivo, de rotina, de cadastro, de inspeção, informativo de cobranças, conclusivo, de pesquisa, científico, de tomada de contas, de processo, contábil e relatório-roteiro. No caso, o relatório de observação de aula enquadra-se no tipo científico, pois se destina “ao estabelecimento de fatos e conclusões, com uma determinada finalidade” (Pianta apud Beltrão e Beltrão, 199, p. 323). Além disso, o relatório deve ser composto pelos seguintes elementos: folha de rosto, sumário, introdução, desenvolvimento, conclusão, anexo e bibliografia (Beltrão e Beltrão, 1998). Outra autora que trata da estrutura do relatório é Lakatos (1991). Para ela, a composição de um relatório deve ser constituída de apresentação, sinopse, sumário, introdução, revisão bibliográfica, metodologia, apresentação de dados, interpretação dos resultados, conclusões, recomendações e sugestões, apêndices, anexos e bibliografia. É nessa visão que os outros autores se alinham. Nenhum resgata o contexto de produção, os mundos representados, as vozes e os posicionamentos existentes. Nenhum vê o relatório como um texto, em forma de gênero, representando um discurso possível de ser analisado. Tal postura escamoteia o contexto comunicacional de que faz parte da produção e leitura desse gênero e nos leva a entender que o estudo do relatório deve estar centrado apenas em sua estrutura, desconsiderando sua perspectiva pragmática, inclusive, responsável pela definição do gênero textual. Ao considerar o gênero e não o texto, é possível também entender que esse possui tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados por cada esfera de troca social e caracteriza-se por três elementos: 1) conteúdo temático, 2) construção composicional e 3) configuração de unidade linguística (SCHENEUWLY e DOLZ, 2004). Segundo os autores, há Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 9 uma escolha de um gênero, pela elaboração de uma base de orientação para uma ação discursiva, que é função de uma situação definida por parâmetros como finalidade, destinatários e conteúdo. O conteúdo temático é ancorado numa esfera de troca, num lugar social que define um conjunto possível de gêneros. Os gêneros têm certa estabilidade, mesmo sendo mutáveis e flexíveis, por definirem o que é dizível e terem uma composição com uma estrutura e um plano comunicacional. Finalmente, eles são caracterizados por uma configuração de unidades linguísticas considerada como elemento de um gênero. Língua de um lado – com gramática e léxico – e um gênero de outro – com estilística. Ao considerar as contribuições desse autor à nossa reflexão, ratificamos nossa posição tomada quando dissemos que o relatório é sim um gênero acadêmico escrito e não apenas um meio de avaliação. Ele é um gênero que viabiliza a comunicação entre os interlocutores nele envolvidos (universidade e escola, professor e aluno); oportuniza ao professor em formação se distanciar dos fatos para analisá-los e, devido ao contexto de produção e de leitura, devem ser origem de posteriores ações educativas (LEURQUIN, 2010). Os relatórios de observação de aulas aqui analisados nos dizem muito a respeito da prática do professor e de como o ensino de leitura vem sendo realizado na Educação Básica cearense. Passemos para as descrições feitas nos relatórios de observação de aulas. Apenas lembramos que nosso foco é a aula de leitura. 3 A AULA DE LEITURA ATRAVÉS DO OLHAR DO FUTURO PROFESSOR A sala de aula de língua portuguesa deve ser um espaço onde devem ocorrer diferentes tipos de comunicação e onde deve existir uma busca por um conhecimento sistematizado cientificamente (LEURQUIN, 2001). A sala de aula de formação de professores de língua portuguesa como língua materna é particularmente complexa, porque nesse espaço são mobilizados saberes de diversas ordens, portanto, são gerados muitos tipos de comunicação. É preciso pilotar os saberes necessários para produzir textos e para ler textos, mas também são mobilizados saberes (ou deveriam ser) para ensinar a ler e a escrever. Portanto, é também necessário saber pilotar estes saberes. Nesse espaço, o professor em formação exerce papel de leitor e de produtor de textos, mas também de formador de leitores e de produtores de textos, de futuro mediador dos conhecimentos dos alunos. Assim, o professor que tem o papel de 10 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 formador de leitores, dever fazer a mediação necessária com o objetivo de fazer seus alunos alcançarem o nível do desenvolvimento potencial (VYGOTSKY, 1998 apud LEURQUIN, 2001). Na sala de aula de língua, em situação de aula de leitura, a comunicação ocorre de maneira ainda mais particular, pois é mediada por um texto. Para que essa comunicação seja produtiva, é preciso que a aula seja planejada de maneira a atender as particularidades composicionais e pragmáticas dos gêneros textuais. O objetivo maior da aula de leitura é formar alunos-leitores porque, na sala de aula e fora dela, isto é, na vida, eles se comunicam a partir de diferentes textos, em forma de diferentes gêneros, a depender do propósito comunicacional. Por isso, devemos ter em mente que é fundamental que os alunos desenvolvam habilidades e competências necessárias para ajudá-los a participar de forma mais significativa de situações comunicacionais. Ao compreender a complexidade e importância da aula de leitura, sugerimos que ela aconteça de forma planejada (LEURQUIN, 2008). Para esse planejamento, destacamos as etapas propostas por Cicurel (1991) que devem orientar uma aula de leitura. Vale ressaltar que cada etapa tem um objetivo diferente e que este deve ser observado pelo professor. A primeira etapa deve ser um momento em que o professor deve orientar e ativar os conhecimentos prévios de seus alunos-leitores, pois isso facilitará a leitura. Para isso o professor pode utilizar três técnicas: 1) fazer questionamentos aos alunos para ativar seus conhecimentos prévios sobre o tema tratado no texto; 2) acionar cenários guardados na memória do aluno-leitor para que o professor possa dessa maneira estabelecer relações “usando a memória episódica do aluno” e 3) fazer associações de ideias partindo de palavras-chave. Essa etapa é considerada pré-leitura e deve acontecer antes mesmo do professor entregar o texto aos alunos. Na segunda etapa, temos um momento da observação e antecipação do conteúdo e da função do texto. O professor deve fazer com que seus alunos-leitores se familiarizem com o texto, isso pode ser feito a partir de uma rápida leitura. Esse momento ainda é considerado como o de pré-leitura, pois, assim como a primeira etapa, está relacionado com os conhecimentos prévios dos alunos-leitores. Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 11 Já a terceira etapa, aponta para o ato de ler como objetivo. Para tanto, é necessário que se faça uma leitura criteriosa do texto. Nesse momento, o professor deve pedir que os alunosleitores observem se conseguem comprovar as hipóteses levantadas nos momentos anteriores. Essa etapa favorece a associação de um conhecimento prévio a um novo conhecimento. Para alcançar essa etapa, a autora sugere várias entradas ao texto que são: uma entrada segundo a arquitetura discursiva, uma entrada baseada na procura de elementos correferenciais, uma entrada baseada na intenção de comunicação, uma entrada pelas marcas enunciativas, uma entrada situacional, uma entrada apoiada nas citações do texto e uma entrada baseada na progressão temática. Finalmente, a quarta etapa, religação e reação dos conhecimentos, que se caracteriza por uma reflexão profunda partindo do texto, ou seja, o aluno-leitor deve fazer uma leitura crítica do texto. Essas etapas são fundamentais para a organização, o planejamento da aula de leitura. Inicialmente, é preciso definir os gêneros estudados, em função dos objetivos dos alunos e professores. O não planejamento da aula tem desdobramentos graves. Para exemplificar, passamos a apresentar cinco situações de aula de leitura descritas por professores em formação nos relatórios de observação. Nesse exemplo, merecem destaque tanto o professor em formação quanto o professor observado. TEXTO 1 Relatório de observação de aula 01 Parece que a professora pretendia ministrar uma aula de leitura. (...) Finalmente, ela informa que a leitura do texto serviria para auxiliar na resolução de um exercício, que tinha como conteúdo didático a utilização dos pronomes. A situação da aula descrita no TEXTO 1 é muito particular porque o professor fez a aula com uma intenção, mesmo sem ter ciência da grandeza que poderia ter feito, e foi apontado pelo professor em formação em seu relatório como uma atividade não produtiva. Na verdade, o professor solicitara que a turma lesse o texto do livro didático. Essa atividade foi importante 12 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 porque fez com que o aluno visse a atividade como uma prática de leitura. Todavia, a atividade de leitura não teve muito resultado positivo se nela não foi trabalhada a composição discursiva; se não houve nenhuma entrada no texto para ensinar a textualização. É importante o aluno entender que o texto de História é diferente do texto de Matemática, que a composição discursiva do texto de Química é diferente da composição discursiva do texto de Geografia, etc. Isso porque uma sequência argumentativa é diferente de uma narrativa, que é diferente de uma descritiva etc. Não lemos da mesma maneira as sequências dos textos. Cada diferença textual exige que acionemos conhecimentos diferentes. Esse tipo de informação normalmente não chega ao aluno e ele quer ler todos os textos da mesma maneira; mesmo quando sabe que as perguntas feitas ao autor, via texto, são diferentes. Ao dizer Parece que o professor pretendia ministrar uma aula de leitura. (...), ele está se posicionando com relação ao conceito de leitura. Nesse momento, nós nos alinhamos a ele, e entendemos que a aula não fora planejada e por isso não teve bom resultado. Era uma aula de leitura. O que estava em jogo era o conceito de aula de leitura e o próprio conceito de leitura. Ao anunciar a sua conclusão, o professor em formação registra um sentimento de frustração. O curioso é que a frustração decorreu do objetivo da aula de leitura e não dos encaminhamentos da aula. TEXTO 2 Relatório de observação de aula 02 (...) ele (o professor) apresentou a narração ainda como um gênero textual, não como um tipo (nomenclatura mais adequada). A segunda situação apresentada diz respeito a um equívoco na compreensão do conteúdo estudado da pretensa aula de leitura. Com o avanço das pesquisas na área, muito foi revisto nas práticas do professor de línguas. É absolutamente impróprio ter equívoco entre as tipologias e os gêneros. O professor em formação registrou como pertinente o equívoco observado. De certo, ao sair da escola com tais confusões, o aluno pode se prejudicar posteriormente, mesmo em se tratando de nomenclatura. O modelo de avaliação no Brasil cada Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 13 vez mais se aproxima dos estudos, a partir de gêneros. Esse descompasso traz consequências para o aluno da escola pública que fora dela vai também fazer exames em larga escala, por exemplo. TEXTO 3 Relatório de observação de aula 03 Após a leitura, o professor não busca reconstruir com eles o significado dos textos nem considera seus conhecimentos prévios acerca do assunto tratado. Neste extraído há uma crítica feita pelo professor em formação com relação à metodologia da aula de leitura. Ancorado na perspectiva interacionista de leitura, ler é construir significados a partir de conhecimentos previamente adquiridos e conhecimentos trazidos no texto. A atividade de leitura observada teve como base uma compreensão unilateral da leitura que apenas prestigia ou os conhecimentos trazidos no texto ou os conhecimentos previamente adquiridos pelo leitor. Esse posicionamento tomado pelo professor em sala de aula é diferente do que segue. TEXTO 4 Relatório de observação de aula 04 O professor direcionava suas aulas sempre ao foco gramatical, e por algumas vezes dava ênfase a um ou a outro texto, mas já com intenções de ensino de gramática. Neste exemplo, há uma aula de leitura com foco na gramática, mas também já encontramos ida, mesmo que rápida e não planejada, a textos. O exemplo que segue já tem uma situação bastante particular. Há um impasse que é gerado pela situação de observação. O professor “faz” a aula de leitura, mas não se desliga da aula de gramática. Isso denuncia um grande problema no estágio de observação de atividade de leitura: a ausência da aula de leitura. 14 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 Esse ponto retoma a nossa pergunta inicial sobre as mudanças nas salas de aula após os Parâmetros Curriculares Nacionais, agora acrescentamos as mudanças na matriz curricular das universidades. Há sim nas escolas uma forte tendência em trabalhar apenas a análise linguística, que por sua vez também acontece de maneira equivocada, descontextualizada, sem função na sociedade (mas isso é outra questão carente de uma reflexão). Passemos, portanto, ao último extraído. TEXTO 5 Relatório de observação de aula 05 A professora não trabalhou nenhum texto em nenhuma das aulas a que assistimos. A ênfase das aulas eram sempre os exercícios de gramática. Relatório de observação de aula 06 A música foi entregue aos alunos, em seguida, foi pedido a eles que identificassem todos os pronomes que nela existiam. No extraído do Relatório 05, há uma forte afirmação que retoma toda a discussão da aula anterior. Desta fez, de maneira mais contundente. No Relatório 06, há um retorno ao mito: a aula de leitura precisa ser lúdica, para que ela possa acontecer de forma produtiva. Então, na tentativa de realizar uma aula mais interativa e lúdica, a alternativa está sendo recorrer a textos de músicas. O problema não está na opção pelo gênero, mas pela metodologia de trabalho. Os desdobramentos dessa opção são muitos e de muitas ordens. Ao entregar diretamente o texto ao leitor, sem acionar seus conhecimentos prévios, o professor inviabilizou a oportunidade de o leitor reconstruir significados, pois não o oportunizou a interação dos conhecimentos anteriores com os novos. A sequência da aula se assemelha a outra já descrita, que, igualmente, teve foco na procura de elementos gramaticais. Que leitor nós estamos de fato querendo formar? Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 15 4 CONCLUSÃO O estágio de observação tem um papel fundamental na formação do professor de língua materna. Não apenas porque, para muitos, é o primeiro momento de experiência como professor, mas porque é no estágio inicial a oportunidade de conciliar teoria e prática. Como observamos, nesse contexto de formação do professor, o relatório passa a ganhar um espaço muito particular, pois ele mobiliza saberes linguísticos, linguísticodiscursivos e profissionais para a produção; porque ele contribui para o letramento acadêmico. Ao considerar que esses relatórios descrevem aulas de leitura observadas, há muito a se dizer delas. Inicialmente, podemos perguntar se elas de fato existem ou se passam a existir para que se tenha o estágio dos professores. Depois, se de fato existem, mesmo que em raras escolas, como elas acontecem, de que forma que elas vêm se realizando. Elas estão formando leitores críticos? Diante do que observamos na descrição feita pelos futuros professores de Língua Portuguesa, percebemos que ainda há um grande problema com a relação entre a teoria e a prática, pois os relatórios de observação de aula nos mostram que é preciso urgentemente intervir, em busca de uma mudança. As aulas de leitura vêm sendo um espaço para um estudo de texto calcado na identificação de termos e funções gramaticais, quando deveriam ser pensadas na perspectiva de gênero textual. É notório que a importância da aula planejada não é levada em conta pelo professor que está em sala de aula na escola, pois em nenhuma das situações descritas observamos a constatação de nenhuma das etapas propostas por Cicurel. Assim, os alunos não estão sendo ajudados a desenvolverem sua capacidade comunicativa. É também muito provável que o resultado do relatório seja em função da pouca assessoria dado pelo professor. Por essa razão, é interessante ressaltarmos a necessidade de mudança na postura de como o relatório de observação de aulas é solicitado pelo professor da universidade. O professor em formação faz as críticas, mas não propõe uma possibilidade de melhoria. Essa postura de certo não contribui para a mudança tão desejada nas salas de aula, na 16 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 vida do aluno. Ao não perceber e ao silenciar, de certa forma, a universidade também não está fazendo de maneira mais significativa o seu papel como formadora de professores. The reading lesson through the eyes of future teachers of English in academic genre report Abstract This article presents reflections on reading practices of teachers in public basic education of Ceará. For that, we were based the description of the observation mode by students of Letters, University of Ceará, for three semesters (2005.2, 2006.1 e 2006.2), during the disciplines of intership, given on the end of the course of Letters at the Federal University of Ceará. For the given reseach we use two hundred eightyeight reports relating to eighteen classes of the discipline in question. Here are some extracted from established criteria. Thus, we selected ten reports which we consider relevant in relation to situations of teaching reading. This work is part of the project Practices language: the gender report, in the Group of Studies and Research in Applied Linguistics, of which we are part. Our reference for data analysis, is anchored in Sociodiscursive Interactionism (BRONCKART, 1999); the concept of report gender in Leurquin (2010) and in reading concept of Braggio (1992). The results showed that teachers still have a mistaken view of reading, which leads to difficulty in performing a productive class reading that can actually form critical readers to act in contemporary society. It is necessary that the changes that arrived to school in theory may actually be performed, in order to have a quality education. Keywords: Reading, Education, Report Gender e Initial Training. Referências BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BELTRÃO, O.; BELTRÃO, M. Correspondências: linguagem & comunicação: oficial, empresarial, particular. 20 ed. São Paulo: Atlas, 1998. BRAGGIO, Silvia Bigonjal. Leitura e alfabetização: da concepção mecanicista à sociopsicolinguística. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 2001. Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013 17 BRONCKART, Jean Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo. São Paulo : EDUC, 1999. CICUREL, Francine. Lecture interatives en langue étrangère. Paris: Hachette, 1991. LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. De A. Fundamentos de metodologia científica. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1991. LEURQUIN, Eulália Vera Lúcia Fraga. Contrato de comunicação e concepções de leitura na prática pedagógica de língua portuguesa. Universidade do Rio Grande do Norte. Tese de doutorado. UFRN, 2001. -------. O relatório como um viés de acesso para o ensino e aprendizagem de língua materna. In: MATTES, M. G.; THEOBALD P. (Org.). Ensino de línguas: questões práticas e teóricas. 1ed. Fortaleza: Edições UFC, 2008, v. 2, p. 57-80. SCHENEUWLY, B; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado das Letras, 2004. Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin Doutora em Educação – UFRN Professora Adjunta I – UFC Áreas de interesse: Linguística Aplicada e Práticas Discursivas. E-mail: [email protected] Marina Kataoka Barros Mestra em Linguística – UFC Professora de Língua Portuguesa - FLF e FANOR Áreas de interesse: Prática de Ensino e Linguística Aplicada. E-mail: [email protected] 18 Revista Científica da Faculdade Lourenço Filho - v.9, n.1, 2013