ISSN 2175-831X
VIII SEMANA DE HISTÓRIA POLÍTICA
V SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA:
POLÍTICA, CULTURA & SOCIEDADE
ANAIS (ERRATA VOL.2)
Rio de Janeiro
2013
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Reitor: Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-Reitor: Paulo Roberto Volpato Dias
Sub-reitora de Graduação – SR1: Lená Medeiros de Menezes
Sub-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa – SR2: Monica da Costa Pereira
Lavalle Heilbron
Sub-reitora de Extensão e Cultura – SR3: Regina Lúcia Monteiro Henriques
Diretor do Centro de Ciências Sociais: Léo da Rocha Ferreira
Diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH): Dirce Eleonora
Nigro Solis
Programa de Pós-Graduação em História (PPGH)
Coordenadora Geral: Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Coordenadora Adjunta: Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira
Coordenadora do Doutorado: Marilene Rosa Nogueira
Coordenadora do Mestrado: Maria Regina Candido
Semana de História Política / Seminário Nacional de História: política,
cultura e sociedade (x:2013: Rio de Janeiro)
Anais (Errata Vol.2) / VIII Semana de História Política / V Seminário
Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade; organização: Ana
Beatriz Souza, David Barreto Coutinho, Eduardo Nunes Alvares Pavão,
Iamara da Silva Viana, Paulo Júnior Debom Garcia, Renata Regina Gouvêa
Barbatho - Rio de Janeiro: UERJ, PPGH, 2013.
72pp.
Texto em português
ISSN 2175-831X
1.História Política-Congresso.
Internacionais
2. Cultura - Sociedade.
3. Relações
ÍNDICE
O gênero paisagem como lugar de memória: a representação do Rio de Janeiro na
obra de Eliseu Visconti
Aline Viana Tomé
Fotografia e ensino de História
Daniel Francisco da Silva
O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss: Representação da cidade nos primeiros
anos da Semana Ilustrada
Isabel Moura Mota
Produção cultural independente: fora do eixo economia Solidária – relação de
ambiguidade e luta por conquista de Hegemonia.
Jefferson Estevão de Oliveira
A Política de Boa Vizinhança nos anúncios comerciais no Brasil durante a
primeira metade do Estado Novo (1937-1940)
Marina Helena Meira Carvalho
A enfermidade da América Latina: conjeturas acerca do continente na virada do
século XIX para o XX
Regiane Gouveia
Adolf Hitler: formação ideológica e antissemitismo
Vinícius Bivar Marra Pereira
O gênero paisagem como lugar de memória: a representação do Rio de Janeiro na obra
de Eliseu Visconti
Aline Viana Tomé
Mestranda em História – UFJF
Orientadora: Maraliz de Castro Vieira Christo
[email protected]
(32) 8868-2177
Rua José Kneipp Filho, 38/103. São Pedro. Juiz de fora - MG
Resumo: Nas páginas que se seguem pretendemos apresentar algumas considerações a
respeito de como a construção da paisagem é também uma construção de memória.
Entendendo que dentro do gênero da pintura de paisagem existe uma tradição, é possível
conceber que as paisagens construídas por determinados pintores são memória, uma vez que
se encontram ligadas formalmente umas às outras. Para embasar nosso esforço reflexivo
utilizaremos as paisagens urbanas da cidade do Rio de Janeiro realizadas por Eliseu D’Ângelo
Visconti (1866-1944).
Palavras-chave: Pintura de paisagem, Pitoresco, Eliseu Visconti.
Abstract: In the pages that follow, we intend to present some considerations about how the
construction of the landscape is a memory construction. We understanding, within the
genre of
landscape
landscapes are constructed by
painting there is a
certain
painters
tradition,
was
it
is conceivable the
considerate memory,
since they
are formally linked to each other. To support our reflective effort we will use urban
landscapes of the city of Rio de Janeiro held by Eliseu D’Ângelo Visconti (1866-1944).
Keywords: Landscape painting, Picturesque, Eliseu Visconti.
Arte, memória e tradição
Dentre as diversas experiências que podem ser apreendidas no contato entre uma pintura
de paisagem e o expectador se situa aquela em que este, embevecido pelo poder de
encantamento que aquela possui, julga ser realístico e único o relato a que se propõe a obra de
arte. Na verdade, alertamos para essa falsa impressão de realidade, que trataremos mais
adiante, e propomos uma análise sobre o caráter de unicidade das obras de arte.
Como bem nos orienta Jorge Coli em seu livro O Corpo da Liberdade,
um dos grandes prazeres dos historiadores das artes é descobrir as imagens renascendo
dentro de outras imagens, tomando novos sentidos, ressuscitando o mesmo para se
transformarem em outro.1
Isso significa dizer que a história da arte se faz através de uma tradição que perpassa o fazer
artístico, sendo que através de uma obra nos é possível perceber inúmeras outras. Ao
olharmos uma obra de arte conseguimos notar algo que nos traz à lembrança outra obra,
existindo nessa lembrança uma memória fragmentada de narrativas picturais anteriores.
Assim, quando Eliseu Visconti executa a sua obra Pão de Açúcar (1901) [imagem 1] existe
dentro dessa tela algumas filiações, contatos, sendo possível ao historiador a reconstrução da
cultura visual desse artista através da comparação de imagens. Afinal, “comparar é uma forma
de compreensão silenciosa da relação entre as imagens.”2
Imagem 1: Eliseu Visconti, Pão de Açúcar, 1901. Óleo sobre
tela, 26 x 32,5 cm. Coleção Desconhecida.
Quando olhamos a imagem, a primeira coisa que nos salta aos olhos, mesmo estando em
segundo plano, é a representação que o pintor faz do Pão de Açúcar, tal fato é reafirmado pela
posição central que o mesmo assume dentro da composição. Embora ocupe boa parte do
plano médio da tela, gerando uma linha que quase coincide com a do horizonte, a draga da
Baía de Guanabara dá ainda mais visualidade à formação rochosa através da diagonal que
lança em sua direção. O céu, mesmo ocupando metade da tela, não possui nenhuma força
expressiva, fazendo com que a pedra se destaque ainda mais na paisagem. Os personagens
têm apenas papel secundário na composição, são tipos genéricos em meio à paisagem.
Será o registro de Visconti o primeiro a fazer menção ao Pão de Açúcar dentro da pintura
de paisagem brasileira? Seria apenas com a modernidade e o advento da fotografia que o Pão
de Açúcar se tornaria o cartão postal da cidade? Para todos esses questionamentos a resposta é
negativa. Com algum esforço investigativo é possível perceber que existe uma tradição
pictórica na representação do morro, que está entre um dos locais mais representados desde
chegada da Missão Artística Francesa. Cabe ainda nos perguntar o que fez dessa formação
rochosa um dos símbolos mais carregados de memória da cidade do Rio de Janeiro.
Assim, não há memória coletiva que não aconteça em um contexto espacial. Ora, o
espaço é uma realidade que dura: nossas impressões se sucedem umas às outras, nada
permanece em nosso espírito e não compreenderíamos que seja possível retomar o
passado se ele não estivesse conservado no ambiente material que nos circunda. 3
Entendendo o espaço como uma realidade que dura inclusive nas obras de arte,
podemos inserir as representações do Pão de Açúcar enquanto perpetuadoras da memória da
cidade, guardiãs de um espaço que foi alterado, mas que possui um lugar de memória. Dessa
maneira enxergamos a ambivalência das representações artísticas na discussão acerca da
memória, uma vez que estas possuem não somente a função de guardiãs de um contexto
espacial passado, mas principalmente a memória da tradição artística enquanto construção
pictórica. As obras de arte são lugares de memória
É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao
mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por
definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por
um pequeno número uma maioria que deles não participou.4
A paisagem do Pão de Açúcar será motivo de estudo por todo o século XIX como
demonstra as obras de Henry Nicolas Vinet [imagem 2] e Nicola Antonio Facchinetti
[imagem 3]. Diferentemente da obra de Debret, as representações de Vinet e Facchinetti se
encontram inseridas dentro da tradição de pintura de paisagem e fazem referência a uma das
duas formas possíveis de representação utilizadas por pintores desse gênero 5: a paisagem é
mostrada em sua amplitude, tendo papel destacado a paisagem física, os grandes panoramas.
Podemos notar o lugar preponderante que o céu possui dentro da obra, ocupando mais da
metade da tela, sendo a linha do horizonte abaixada. Nessas duas obras podemos notar a
construção da paisagem ideal, assunto que iremos tratar com mais profundidade adiante.
Para realizar sua obra, Vinet se utilizou de uma vista da cidade de Niterói. A pedra do
Pão de Açúcar se encontra acima da linha do horizonte no centro da composição. A
perspectiva linear torna a formação rochosa ainda menor quando colocada em comparação
com os tipos vegetais dos trópicos, representados em primeiro plano. Com intuito de dar
movimentação e variedade à cena, encontra-se no plano médio da obra um homem e seu
cachorro.
Imagem 2: Henry Nicolas Vinet, Vista da entrada da
Baía do Rio de Janeiro tomada da praia de Icaraí em
Niterói, s.d., óleo sobre papel, 26,5 x 41 cm. Museu
Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro
Imagem 3: Nicola Antônio Facchinetti, Lagoa Rodrigo
de Freitas, c.1884. Óleo sobre papel, 23 x 65 cm. Museu
Nacional de Belas Artes. Rio de Janeiro.
Em Facchinetti temos a luminosidade como um dos personagens da paisagem. Em
primeiro plano encontra-se a vegetação nativa. Os dois coqueiros à direita formam duas
verticais que perpassam todos os planos da composição e que, juntamente com o morro em
que estão fixados, emolduram a cena principal: a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Morro do Pão
de Açúcar.
Assim, podemos perceber de que forma Visconti, para realizar a sua pintura, se
utilizou de todo o repertório visual sobre a temática do local que escolheu retratar, utilizandose das imagens guardadas em sua memória visual. E de como essas imagens são importantes
lugares de memória,
é isso que faz do passado o presente, graças à memória. Uma obra de arte torna-se, no
seu modo mais eterno e verdadeiro, algo que é captado pela observação, em forma mais
involuntária que voluntária, e que termina armazenado, à nossa revelia, dentro da
memória. (...) As obras são únicas, sem dúvida, mas como pontos num tecido amplo de
outras obras.6
A paisagem pitoresca
Através da comparação de obras de artistas e momentos tão diversos traçamos um
panorama de como a representação de um tema está inserido em um debate maior dentro da
tradição de gêneros da história da arte. O Pão de Açúcar foi representado inúmeras vezes por
diversos artistas de paisagem nacionais ou estrangeiros, mas será isso o suficiente para
considerarmos estas obras como retratos fiéis da realidade? Temos aqui mais uma resposta
negativa.
Dentro da pintura de paisagem nos deparamos frequentemente com relatos de
viajantes e suas viagens pitorescas, que ao serem entendidos como testemunhas oculares, nos
conduzem muitas vezes a interpretações errôneas sobre estes registros. Para desfazer tal
equívoco é necessário ter em mente que a pintura de paisagem, ao contrário de ser real, é
construída pelo artista, sendo o somatório entre o conhecimento científico e a intuição
artística.
Para melhor entendermos a pintura de paisagem feita por Eliseu Visconti enquanto
construção é necessário situá-la na categoria estética do pitoresco, que nas últimas décadas do
século XVIII “passou a ser identificado enquanto uma categoria estética localizada entre o
belo e o sublime”7, sendo belo aquilo que é calmo, agradável e delicado e o sublime, aquilo
que traz medo e excitação.
Segundo William Gilpin, a natureza
é uma colorista admirável, capaz de harmonizar suas tonalidades com infinita variedade
e inimitável beleza; contudo, poucas vezes é igualmente correta na composição, ao
extremo de que dificilmente chega a produzir um conjunto harmonioso. 8
Para ele o pitoresco surge então como a função normativa de criar a beleza que se encontra
somente em partes na natureza, cabendo ao artista a elaboração esse efeito de harmonia na
composição da tela. Através disso é possível conceber a obra paisagística como uma
construção feita pelo pintor que, longe de retratar o que está ao alcance de seu olhar, deve
criar uma composição de forma que esta pareça harmônica. Nessa perspectiva o pitoresco
além de funcionar como um pêndulo que oscila entre a noção de belo e de sublime, se
apresenta como algo que possui variedade, diversidade e irregularidade.9
A tela de Thomas Ender é sintomática desse viés de construção da paisagem pitoresca.
Imagem 5: Thomas Ender, Vista do Rio de Janeiro. Óleo
sobre tela, 104 x 188 cm. Academie der Bildenden
Künste, Viena, Áustria.
As figuras vivas são consideradas apenas em seus traços gerais, como para dar movimento à
paisagem. No plano médio da composição encontramos uma elegante relíquia de arquitetura,
que dá a tela o “ornamento do tempo”, dessa forma é possível uma similaridade entre seu
pensamento e a “pátina do tempo” de John Ruskin que concebe que a glória de um edifício
não reside no material do qual é composto, mas sim na sua idade.10
Sendo a obra do viajante uma construção, ela tanto pode ser tomada como vista de
algum lugar, quanto estar apenas na memória visual do artista que a idealizou, mesmo
possuindo toda a similaridade com um lugar real. Conseguimos ter uma vaga referência do
local retratado apenas através do título da obra e dos tipos vegetais que o artista viajante
utilizou em sua composição. A questão da vegetação representada nas pinturas pitorescas
remontam aos estudos de Alexander von Humboldt que concebia que o conhecimento
científico da geografia e da vegetação atrelados à intuição do artista resultariam numa
paisagem com conotações ideais. “Desse modo o pintor não agiria como um escravo do que
existe, mas sim como um criador do que poderia ser”11
A representação de tipos populares presentes nas telas existia desde o início do século
XVIII, mas foi apenas no século XIX que
motivos de costumes como as lavadeiras da Itália meridional ou os camponeses
andaluzes, as ruínas de mosteiros medievais ou as modestas casas rurais já não eram
apreendidos como simples curiosidades de valor etnográfico ou como motivos
pertencentes a um passado longínquo. O conceito estético do pitoresco lhes
proporcionou a chave para ascender à categoria artística (...) por volta de 1800 já era
mais frequente que com ela [categoria do pitoresco] se fizesse referências a motivos
toscos, rudes, rústicos, sem sofisticação.12
Destacamos a relevância da temática das lavadeiras ao notarmos a presença do tema
em quase todos os períodos da produção de Eliseu Visconti, sendo exceção apenas nos
momentos em que o mesmo se encontrava realizando seus estudos no exterior. Associamos
os estudos de cor realizados pelo pintor através das lavadeiras à atmosfera vibrante que o
Brasil dá à palheta de Visconti.
Imagem 6: Eliseu Visconti, Dia de Sol – Andaraí Grande, 1891.
Óleo sobre tela, 33 x 41 cm. Coleção Desconhecida.
Através da quantificação das obras relativas à temática das lavadeiras é possível notar
que elas se encontram em sua maioria nos períodos inicial e final da produção do artista,
revelando sua busca incansável pela perfeição pictórica. Através da escolha das lavadeiras
Visconti realiza estudos ímpares de composição, com técnicas distintas, propiciando ao
expectador o contato com um Rio de Janeiro pacato e rural, entre fins do século XIX e início
do século XX.
A imagem 6 representa o Andaraí Grande, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro que,
no momento de execução da tela, enfrentava o início de um esforço modernizador advindo
com o período republicano. Em sua fatura lisa a obra nos transmite a tranquilidade que o
subúrbio quase rural da capital da república possuía. Contraditoriamente a obra se chama Dia
de Sol; a atmosfera opaca pouco nos diz respeito à luminosidade tropical, deixando entrever a
construção da paisagem. A vegetação em sua diversidade dá movimento à tela e as lavadeiras,
antes vistas como motivos pouco nobres, fazem parte da composição idealizada pelo pintor.
Em sua construção o pintor deixa-nos diante da narrativa de um laborioso dia de trabalho nos
arrabaldes da cidade, lugar onde mais frequentemente encontrava-se o tipo das lavadeiras.
Entre o início e fim do século XIX o centro de interesse dos pintores paisagistas se
alterou e o que antes poderíamos chamar de pitoresco narrativo, com sua fatura lisa e
representações detalhistas, passa agora a uma busca pela pincelada. Nesse segundo momento
a paisagem é vista como lugar de experimentação pictórica, existe uma preocupação menor
com a própria paisagem. Há uma busca pelo característico, a cor local, o subjetivo na pintura.
A pincelada fica mais solta como consequência de uma maior liberdade de composição
sentida pela experimentação plástica.
Imagem 7: Eliseu Visconti, Roupa no Varal, 1890. Óleo sobre cartão, 20,5
x 12,3 cm. Coleção Particular.
Afirmava-se claramente na Pintura de Paisagem brasileira, a partir da primeira década
do século XX, uma tendência lírica, que muitas vezes chegava às raias da abstração e
para a qual os elementos naturais, observados en plein air na paisagem, pouco mais
eram do que um pretexto para o artista executasse um exercício pictural pessoal e dos
mais livres.13
Roupa no Varal, obra do mesmo artista, é um exemplo desse momento. O expectador
ao entrar em contato com a obra não percebe mais a narrativa presente na paisagem do
pitoresco narrativo. Visconti me conta agora, em meio a sua experimentação plástica, a
história da cor verde e branca na paisagem através das peças de roupa espalhadas pela
composição. Os troncos das árvores ao fundo parecem como que esboçados. Em
contraposição à verticalidade dada pelos mesmos troncos e pelo varal de bambu, encontramos
as roupas brancas em meio à grama dando uma dimensão horizontal à obra.
Entendemos que as lavadeiras de Visconti dialogam enquanto memória da tradição
artística, uma vez que desde o século XIX existe uma infinidade de obras que tratam dessa
temática na pintura de paisagem. Assim sendo, os artistas que trabalharam com as lavadeiras
presentes em suas paisagens, mesmo não sendo contemporâneos e/ou conterrâneos, são de
certa forma um grupo formador de memória, pois travam o mesmo debate acerca de uma
temática recorrente no mundo artístico. Ao retratar as lavadeiras, muito além de estar fazendo
uma experimentação pictórica, Visconti está rememorando este tema que é tão caro à pintura
de paisagem. As obras conversam entre si e trazem consigo a lembrança, elas, em sua
materialidade conservam a memória do fazer artístico.
Subúrbios cariocas como memória
Na pintura de paisagem realizada por Eliseu Visconti, os subúrbios estão entre os locais
mais representados, sendo que nesse gênero o pintor nos possibilita a vista de diversos bairros
da capital federal entre fins do século XIX e início do XX. No momento em que esses locais
foram tomados como motivos pictóricos, o Rio de Janeiro encontrava-se em franco
desenvolvimento devido ao caráter modernizador da Reforma Passos, que expulsava os
menos favorecidos para os arrabaldes da cidade.
Recanto do morro de Santo Antônio (1920), uma obra cuja variedade de cores e motivos
nos salta aos olhos, funciona não somente como objeto de experimentação plástica do pintor,
como também dá ao olhar atento de expectadores do início do século XXI a narrativa acerca
desses subúrbios cariocas. O predomínio do caráter rural nos faz notar as tensões vividas pela
sociedade carioca, que se situa entre o moderno e o antigo. Embora se note algumas
construções ao fundo é a vegetação quem toma conta da cena que chega a ser bucólica. Os
varais cheios de roupas dão ao cenário a profundidade. E uma menina parece brincar de
compor o seu arranjo de flores, nos remetendo a efemeridade da infância. Um cenário que
embora cheio de variáveis ainda assim nos transmite tranquilidade. No morro de Santo
Antônio é como se a vida passasse devagar, sentimento em descompasso com toda a fluidez e
rapidez que o caráter de modernização traz à cena dos primeiros anos republicanos.
Imagem 8: Eliseu Visconti, Recanto do Morro de Santo
Antônio, 1920. Óleo sobre tela, 70 x 96 cm. Coleção
Desconhecida.
Torna-se importante a compreensão de que Eliseu Visconti ao realizar suas imagens do
subúrbio carioca poderia não estar intencionalmente preocupado em registrar a memória
desses locais. Seria um errôneo pensar que o artista ao realizar suas telas estivesse preocupado
com algo além da experimentação pictórica. Entretanto, torna-se questão de primeira ordem,
salientar que ao representar inúmeros lugares que não existem atualmente na paisagem
carioca, como o Morro do Castelo, desmanchado em uma reforma urbanística em 1921 e o
Morro de Santo Antônio, que seguiu o mesmo destino na década de 1950, durante a
administração Carlos Lacerda, as paisagens que Visconti produziu desses locais incorporam o
importante papel de relato dessa memória visual atualmente extinta.
Para melhor compreensão dos lugares frequentados por Visconti para compor suas telas,
acrescentamos o mapa da cidade do Rio de Janeiro [figura 1] que, mesmo estando em sua
conformação atual (ano de 2012) em relação aos bairros, nos permite uma melhor apreensão
da visualidade possuída por Visconti quando da execução de sua obra.
Figura 1: Mapa da cidade do Rio de Janeiro.
Em detalhe os locais representados por Eliseu
Visconti. Destaque das cores feitos por mim.
Disponível em:
www.armazemdedados.rio.rj.gov.brarquivos3
201_limite%20de%20ap_ra_bairro_2012.JPG
.
Gamboa
Andaraí
Grande
Centro
Santa Teresa
Praia do Flamengo
Urca
Copacabana
Ipanema
Reafirmamos que, sendo o mapa atual, não podemos nos esquecer de que as regiões
nele em destaque possuíam outra lógica nas décadas iniciais do período republicano. O que
hoje entendemos enquanto regiões centrais da capital carioca, no contexto em questão, eram
áreas praticamente rurais e longe de todo o burburinho do centro em franco processo de
modernização. A reprodução do mapa nos permite localizar obras como Casebre no fim da
praia do Flamengo (1888), A igrejinha (1912) – em Copacabana, locais que hoje são
considerados nobres, mas que à época eram considerados vilarejos, fazendas para
abastecimento da cidade. Temos ainda representações referentes aos morros das favelas, como
é o caso de Uma rua da Favela (1890) que, mesmo estando na região central da cidade,
acumulavam um sem número de miseráveis que não podia arcar com os gastos dos transportes
para locais mais afastados da cidade e durante o dia necessitavam trabalhar na região.
Concebemos que se hoje possuímos a lembrança de muitos desses recantos rurais que
foram engolidos em nome da modernização, grande parte devemos às obras de arte
produzidas nesse período. Segundo Halbwachs, a lembrança é uma imagem engajada em
outras imagens, uma imagem genérica reportada ao passado.14 Talvez por isso seja tão
instigante o contato com obras que remontam períodos dos quais a nossa lembrança seja tão
vaga.
Conclusão:
No nosso modo de entender, a genialidade da arte reside também no fato de ser sempre
atual: as telas de Visconti foram produzidas no final do século XIX e início do XX, mas
através de sua materialidade, seja nos museus ou nas casas de seus colecionadores
particulares, ela carrega em forma potencial o debate acerca da memória, seja memória
enquanto tradição dentro do gênero pintura de paisagem, ou enquanto memória de uma
sociedade ali representada.
1
COLI, Jorge. O corpo da liberdade: reflexões sobre a pintura do século XIX. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
p.269.
2
Ibdem, p.268.
3
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003.p.170.
4
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Trad. Yara Aun Khoury. In: Projeto
História. São Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993. p.22.
5
A outra forma de representar a paisagem do Rio de Janeiro seria a tentativa de entender o que se passa nas ruas
da capital, a paisagem urbana.
6
COLI, Jorge. Op. Cit. p. 279.
7
DIENER, Pablo. “A viagem pitoresca como categoria estética e a prática de viajantes”. In: Revista Porto Arte.
Vol. 15, nº25, vol. 2008. p.59-73. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/PortoArte/article/view/10529. p.62.
8
GILPI, William Apud. DIENER. Ibdem. p. 63.
9
DIENER, Pablo. Op. Cit. páginas. 63 e 64.
10
Segundo Ruskin a construção arquitetônica “mantém a sua beleza escultórica por um tempo insuperável,
reunindo épocas esquecidas à épocas que se seguiram, e que constitui a identidade, assim como concentra as
simpatias das nações. É naquela dourada pátina imposta pelo tempo, que devemos procurar a verdadeira luz, a
verdadeira cor, e a verdadeira preciosidade da arquitetura.” Ver: RUSKIN, John. A lâmpada da memória.
Salvador: Editora UFBA, 1996.
11
DIENER, Pablo. Op. Cit.p.68.
12
Ibdem. p.64.
13
VALLE, Arthur e DAZZI, Camila. “ ‘As belezas naturaes do nosso paíz’: o lugar da paisagem na arte
brasileira, do Império à República”. In: CAVALCANTI, Ana; VALLE, Arthur; DAZZI, Camila. Oitocentos;
Arte brasileira do Império à Primeira República. Rio de Janeiro: EBA-UFRJ, 2008, p.485-492. p. 489.
14
HALBWACHS, Maurice. Op. Cit. p. 78.
FOTOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA
Daniel Francisco da Silva
Resumo
A fotografia é uma fonte documental/metodológica que permite ao professor de História
inúmeras possibilidades. Nesse sentido, este estudo analisa o uso da fotografia como fonte
didático-pedagógica, partindo de análises sobre as imagens produzidas no período de crise
política, vivenciada no Brasil em agosto de 1954, o que culminou com o suicídio do
presidente Getúlio Vargas. Esta pesquisa tem como acervo fotográfico o CPDOC/FGV, além
de autores como Boris Kossoy, Jorge Ferreira e Ana Maria Mauad.
Palavras-chaves: Fotografia, fontes metodológicas, era Vargas.
Abstract
The picture is a source documentary/metodological that allows to the teacher of history a
considerable number of possibilities. In that sense, this study analyzes the use of the picture
as didactic-pedagogic source, from of analyses of images produced in the political crisis lived
in Brazil in August of 1954, what culminated with the suicide of the president Getúlio
Vargas. This work has the photographic collection of the CPDOC/FGV, and authors like
Boris Kossoy, Jorge Ferreira and Ana Maria Mauad.
Key-Words: Picture, methodological sources, age of Vargas.
Introdução
A fotografia é um documento que apareceu na revolução industrial. Com o seu
surgimento, o mundo moderno ganhou uma ferramenta de suma importância para
compreendermos determinados períodos históricos. A partir de sua criação, passou a ser
objeto cultural, tendo em vista que ter uma fotografia em casa era símbolo de status social,
uma vez que nesse período possuía um custo muito elevado. Sendo assim, somente as pessoas
1
que pertenciam às classes sociais mais elevadas tinham fotografias em casa. Com o passar dos
anos, a fotografia foi tornando-se mais acessível para a população menos favorecida. A
criação dessa nova ferramenta (a fotografia) gerou uma grande revolução na sociedade
moderna, pois, desde então, as pessoas podiam eternizar determinados momentos de suas
vidas, tendo em vista que a fotografia é fruto do seu tempo.
Partindo desse pressuposto, o presente trabalho tem como objetivo analisar a
fotografia como fonte metodológica que auxilia o professor/historiador em suas aulas,
fazendo com que os alunos construam uma narrativa histórica mediante a observação das
fotografias referentes à crise política de agosto de 1954, que culminou no suicídio do
presidente Getúlio Vargas. Para tanto, este texto encontra-se dividido em duas partes: a
primeira trata-se de uma discussão em torno da fotografia; e a segunda é um diálogo sobre a
utilização de fotografias, como documento histórico, no ensino de História. No caso deste
estudo, o objetivo é fazer com que os alunos compreendam o período da crise política por
meio das fotografias, destacando sua importância na sala de aula.
A fotografia como documento/representação fruto do seu tempo
A fotografia registra momentos que ficarão eternizados para sempre na vida das
pessoas. Durante o século XX, passa a ser utilizada para identificar as pessoas, como aponta
a autora Ana Maria Mauad: “passando a fazer parte da documentação das pessoas a imagem
fotográfica foi associada à identificação, passando a figurar, desde o início do século XX,
em identidades, passaportes e os mais diferentes tipos de carteiras de reconhecimento
social”1. Por meio dela, é possível representar o social, político e cultural. Sendo assim, a
História ganha uma ferramenta muito importante para compreendermos determinados
períodos históricos, auxiliando com fontes que possibilitam inúmeras pesquisas, conforme
expõe Boris Kossoy:
As fontes fotográficas são uma possibilidade de investigação e descoberta que promete
frutos na medida em que se tentar sistematizar suas informações, estabelecer
metodologias adequadas de pesquisa e análises para decifração do conteúdo e, por
consequência, da realidade que os originou2.
Dessa forma, a fotografia vem contribuir para o trabalho do historiador, tendo em vista
que “toda fotografia é um resíduo do passado”3. Por meio dela, podemos fazer inúmeras
2
indagações, sendo que a imagem fotográfica selecionada como fonte auxilia na investigação e
compreensão do período histórico pesquisado. Ao trabalharmos com a fotografia, devemos
perceber as suas várias facetas, precisando fazer algumas indagações, quais sejam: o que o
fotógrafo quis expor ao fotografar aquela imagem? Em que contexto social a fotografia está
inserida? Qual a cor, o tempo, o espaço? Essas são algumas questões que precisam ser
discutidas ao se analisar uma fotografia, já que esta é uma representação fruto do seu tempo.
Como afirma Boris Kossoy, a imagem fotográfica nos representa o real:
A imagem fotográfica é antes de tudo uma representação a partir do real segundo um
olhar e ideologia do seu autor. Entretanto, em função da materialidade do registro, no
qual se tem gravado o vestígio/aparência de algo que se passou na realidade concreta.
Em dado espaço e tempo, nós a tomamos, também, como um documento do real, uma
fonte histórica4.
Desse modo, ao trabalharmos com a fotografia, devemos nos atentar para as
representações que ela está nos expondo, tendo em vista que precisamos entender a fotografia
para além do que está exposto na imagem intacta. Dito de outra maneira, precisamos entender
o que está entre as imagens, o que o fotógrafo está representando naquela imagem fotográfica,
para compreendermos as fontes que está nos proporcionando, “porque a relação
documento/representação é indissociável”5.
Sendo assim, necessitamos entender a fotografia como documento, atentando-nos para
o aspecto que foi produzido pelo homem, a fim de compreendermos o que o levou à
construção desse documento. Bauer expõe o objetivo do documento fotográfico da seguinte
forma:
[...] registrar com exatidão a existência, o conteúdo e os caracteres da fonte, tal como
de momento se ao pesquisador, com a indicação da época e do lugar do achado, a
investigação da origem da fonte quanto ao tempo e ao lugar de que procede e história
das vicissitudes pela qual passou6.
Dessa forma, o documento fotográfico poderá ser analisado como qualquer outro, por
meio da verossimilhança que apresenta. Partindo desse pressuposto, pode contribuir para o
ensino-aprendizagem dos educandos, fazendo com que estes compreendam períodos
históricos vivenciados pela sociedade. Assim, cabe ao historiador problematizar o documento
fotográfico a partir das indagações feitas.
3
A fotografia como documento metodológico no ensino de História
Neste trabalho, iremos utilizar a fotografia como fonte documental metodológica, a
qual vem auxiliar o professor/historiador a elaborar uma metodologia voltada para a sua
utilização. Desse modo, o professor, ao utilizar o documento fotográfico em sala de aula,
precisa estar atento a algumas indagações. A respeito de aspecto, os PCNs apontam:
considerar a técnica utilizada, as condições em que a foto foi produzida, o estilo
artístico do fotógrafo, o ângulo que ele privilegiou, a razão pela qual a foto foi tirada,
as técnicas de revelação, as interferências feitas no negativo podem propiciar
informações interessantes sobre o contexto da época7 (PCNs, 1997, p. 56).
O professor, ao levar para a sala de aula uma fotografia do período histórico que está
abordando, pode analisar com os alunos o que está entre as imagens que estão expostas,
fazendo com que os educandos sintam-se sujeitos ativos do processo de ensino-aprendizagem.
Neste trabalho, iremos analisar fotografias do período da crise política de agosto de 1954, o
qual culminou com o suicídio do presidente Getúlio Vargas. A intenção é fazer com que os
alunos construam uma narrativa histórica por meio das fotografias do período. Assim, para
Rüsen, a narrativa histórica está concentrada em três pontos que vêm definir como se dá essa
narrativa:
1) Uma narrativa histórica está ligada ao âmbito da memória. Ela mobiliza a experiência
do tempo passado, ao qual está gravada nos arquivos da memória, de modo que a
experiência do tempo presente se torna compreensível e a expectativa do tempo futuro,
possível.
2) Uma narrativa histórica organiza a unidade interna destas três dimensões do tempo
por meio de um conceito de continuidade. Esse conceito ajusta a experiência do
passado se tornar relevante para a vida presente e influenciar a configuração do
futuro.
3) Uma narrativa histórica serve para estabelecer a identidade de seus autores e ouvintes.
Essa função determina se um conceito de continuidade deve ser capaz de convencer os
ouvintes de suas próprias permanências e estabilidade na mudança temporal de seu
mundo e de si mesmo8.
Assim, a narrativa histórica vem apontar uma narrativa prática na vida do indivíduo,
fazendo com que o aluno se situe no tempo, compreendendo-se como sujeito ativo do
processo de ensino-aprendizagem. Partindo desse pressuposto, iremos analisar as fotografias
de alguns dos motins que ocorreram em 1954, os quais culminaram na morte de Getúlio
4
Vargas. Dessa forma, apresentaremos o conteúdo histórico por meio das fotografias, fazendo
com que os educandos construam uma narrativa histórica.
O Brasil, em 1953, passava por uma crise política muito forte, apresentando salários
defasados para os trabalhadores. Diante dessa conjuntura, a população começou a pressionar o
governo e os empresários por melhores condições salariais. Um dos exemplos foi a greve dos
300 mil, em São Paulo, formada por vários sindicatos. A greve chegou ao fim quando “as
partes chegaram a um acordo e o comitê intersindical da greve, que reunia vários sindicatos,
aceitou a oferta patronal de um reajuste médio de 32% nos salários e garantia para os
trabalhadores presos”9. As greves foram uma marca registrada desse período e os principais
jornais de oposição pressionavam o governo com críticas severas, ocasionando uma séria
crise política. Diante dessa crise, Getúlio Vargas nomeou João Goulart para assumir a pasta
do Ministério do Trabalho, tendo em vista que este era presidente do PTB e poderia
restabelecer as alianças políticas para o PTB e ajudar a classe trabalhadora a lutar por seus
direitos trabalhistas. O novo ministro transformou o Ministério do Trabalho e passou a
atender os trabalhadores no Hotel Regente, a qualquer hora. O trabalho de Goulart no
Ministério foi pautado por conversas com trabalhadores e empresários, dialogando sobre os
seus problemas. “Com a saída de Goulart do Ministério, Hugo de Faria foi nomeado para
sucedê-lo em caráter interino – e lá permaneceu até agosto de 1954”10. Com a crise política
que o cenário nacional presenciava após a morte do general Rubens Vaz, “a oposição
aumentou em ritmo e intensidade o imaginário da crise”11. A oposição atacava Vargas pelos
meios de comunicação:
na primeira página de seu jornal, Tribuna da Imprensa, com o título “O sangue de um
inocente”, Carlos Lacerda lembrou a medalha de herói do Correio Aéreo Nacional e os
quatro filhos do major manipulando sentimentalmente a imagem dos “órfãos de
guerra”. Sem esperar as investigações policiais, Lacerda declarou: “Mas, perante
Deus, acuso um só homem como responsável pelo crime. É o protetor dos ladrões. Esse
homem é Getúlio Vargas” 12.
Essa crise no cenário político nacional acabou por desencadear a data de maior
comoção coletiva que o Brasil já presenciou: 24 de agosto de 1954, dia do suicídio de Getúlio
Vargas, o presidente que a população brasileira mais amou. A morte de Getúlio Vargas parou
o país. No Rio de Janeiro, as pessoas foram às ruas para se manifestar contra o(s) suposto(s)
culpado(s):
5
na Cinelândia [...] um orador, no comício improvisado, acusou a Rádio Globo de
continuar transmitindo música popular, desconhecendo a morte de Vargas, e outras
emissoras que, em sinal de pesar, tocavam músicas clássicas. Armados de sarrafos e
cacetes grupos de manifestantes tentaram tomar de assalto a Rádio na Avenida Rio
Branco 13.
Diante dessas manifestações, percebemos o quanto a população brasileira sofreu e
ficou indignada com a morte de Getúlio Vargas, fazendo com que milhares de pessoas fossem
às ruas do Rio de Janeiro. O velório de Vargas no Palácio do Catete foi marcado por
momentos de muitos choros e desmaios da população de diferentes classes sociais, estando o
Brasil de luto com a morte do presidente que tanto amou. Estima-se que “cerca de um milhão
de pessoas tentaram ver o corpo do presidente, mas apenas entre 67 mil e 100 mil delas de
fato conseguiram” 14. O dia 24 de agosto de 1954 aconteceu assim, com a população nas ruas
dividida: uma parte estava nas manifestações contra a oposição varguista, nas quais os
principais nomes citados pelos manifestantes correspondiam ao de Carlos Lacerda e ao do
partido político da UDN; a outra parte estava concentrada no velório, momento de maior
comoção coletiva que o país vivenciou, conforme mostra o seguinte trecho: “um homem de
origem humilde, de joelhos, agarrou-se em uma das extremidades do ataúde e gritou: ‘Dr.
Getúlio, Dr. Getúlio, me leva com o senhor’!... Um deficiente físico, ansioso para chegar
perto de Vargas, foi carregado pela multidão até ele”
15
. Essas eram as cenas que se
presenciavam no Palácio do Catete.
Na manhã de 25 de agosto, o cortejo saiu do Palácio do Catete em direção ao
Aeroporto Santos Dumont. O autor Jorge Ferreira apontou como ocorreu esse cortejo: “O
caixão, ao ser colocado sobre uma carreta, foi cercado pela multidão e logo um mar de lenços
brancos sinalizavam um misto de despedida e de homenagem”16. Essa era mais uma prova de
amor que a sociedade brasileira demonstrava ao presidente que criara as leis trabalhistas,
expressando assim o quanto o amavam.
Conclusão
A fotografia torna-se então uma fonte documental metodológica intermediadora do
processo de ensino-aprendizagem, fazendo com que os educandos compreendam o período
histórico por meio de sua utilização. Partindo desse pressuposto, o professor/historiador
precisa problematizar as imagens fotográficas com as quais está trabalhando, explicando-as
6
como um documento/representação fruto do seu tempo, como aponta a autora Circe
Bittencourt: “a fotografia registra fatos, acontecimentos, situações vividas em um tempo
presente que logo se torna passado [...]. É preciso entender que a fotografia é uma
representação do real”17. Dessa forma, ao trabalharmos com os alunos um período histórico
por meio da fotografia, precisamos compreender que as fotografias utilizadas na sala de aula
são documentos históricos frutos do seu tempo, ou seja, são representações do fato histórico.
Osvaldo Aranha, João Goulart e outros no enterro de Getúlio Vargas. 25 de agosto de 1954. Preto e branco,
tamanho 18x24.
18
Ao trabalharmos o período da crise que culminou na morte de Getúlio Vargas por
meio das fotografias, percebemos o quanto os alunos ficaram surpresos com todos esses
motins dos quais a população brasileira participou diretamente, entrando esse fato histórico
para a História do país como o momento de maior comoção coletiva brasileira. Diante disso, a
autora Ana Maria Maud aponta que a fotografia pode registrar momentos de “uma história
múltipla, constituída por grandes e pequenos eventos, por personalidades mundiais e por
gente anônima, por lugares distantes e exóticos e pela intimidade doméstica, pelas
sensibilidades coletivas e pelas ideologias oficiais19”. Dessa forma, os alunos perceberam que
pessoas anônimas entraram para a História do país. Com base nisso, eles puderam construir
uma narrativa histórica por meio das fotografias utilizadas em sala de aula, tendo em vista que
se situaram no tempo e espaço em que o período histórico estava sendo trabalhado em sala de
aula.
Portanto, a fotografia vem a ser uma fonte metodológica para o professor/historiador, a
qual auxilia no processo de ensino-aprendizagem, fazendo com que o aluno seja um sujeito
ativo desse processo, o que contribui para sua formação.
7

Licenciando em História pelo Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte e bolsista de iniciação à docência – PIBID-CAPES –, coordenado pela professora Dra. Jailma Maria de
Lima. E – mail: [email protected]
1
MAUAD, Ana M. Através da Imagem: Fotografia História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 3,
1996.
2
KOSSOY, Boris. A “Revolução Documental” e a Nova Posição da Fotografia. In: KOSSOY, Boris. Fotografia
e História. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 32.
3
KOSSOY, Boris. A Fotografia, uma Fonte Histórica. In: KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 3. ed. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p. 45.
4
RODRIGUES, José H. A Pesquisa Histórica no Brasil. 3. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1978,
p. 142 apud KOSSOY, Boris. A fotografia: documento representação. In: KOSSOY, Boris. Realidades e ficções
na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 30-31.
5
KOSSOY, Boris. A fotografia: documento representação. In: KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama
fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 31.
6
BAUER, Guilherme. Introcción al Estúdio de la História. 4. ed. Barcelona: Bosch, 1970. p. 224 apud
KOSSOY, Boris. Procedência e Trajetória do Documento Fotográfico. In: KOSSOY, Boris. Fotografia e
História. 3. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. p. 74.
7
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Geografia/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997. p. 57.
Nacionais:
História,
8
RÜSEN, Jörn. Narrativa Histórica: fundamentos, tipos, razão. In: SCHIMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA,
Isabel; MARTINS, Estevão de Rezende (Org.). Jörn Rüsen e o Ensino de História. Curitiba: Editora da UFRP,
2011. p. 97.
9
MOSÉIS, José A. Greve de massas e crise política (Estudos da greve dos 300 mil em São Paulo – 1953/54).
São Paulo: Livraria Editorial Polis, 1978. p. 81-89 apud FERREIRA Jorge. O ministro que conversava: João
Goulart no Ministério do Trabalho. In: FERREIRA, Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. p. 100.
10
FERREIRA, Jorge. O ministro que conversava: João Goulart no Ministério do Trabalho. In: FERREIRA,
Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 156.
11
FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 172.
12
TRIBUNA DA IMPRENSA, Rio de Janeiro, 5 de agosto de 1954, p. 1 apud FERREIRA, Jorge. O carnaval da
tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005. p. 172.
13
FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 179.
14
A Noite, Rio de Janeiro, p. 8; e Última Hora, Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1954, edição extra, p. 2 apud
FERREIRA, Jorge. O carnaval de tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 181
15
FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 182.
16
FERREIRA, Jorge. O carnaval da tristeza: os motins urbanos de 24 de agosto. In: FERREIRA, Jorge. O
Imaginário Trabalhista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 183.
8
17
BITTENCOURT, Circe. Fotografia e ensino de História. In: BITTENCOURT, Circe. Ensino de História:
fundamentos e métodos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 366.
18
Osvaldo Aranha, João Goulart e outros no enterro de Getúlio Vargas. 25 de agosto de 1954 (data certa) preto e
branco, tamanho 18x24. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso
em: 03 out. 20113.
19
MAUAD, Ana M. Através da Imagem: Fotografia História Interfaces. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 5,
1996.
9
O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss: Representação da cidade nos primeiros anos da
Semana Ilustrada
Isabel Moura Mota
O surgimento da Semana Ilustrada
No final do ano de 1860, um novo periódico foi apresentado à população carioca: a
Semana Ilustrada, lançada pelo artista de origem prussiana Henrique Fleiuss. Acompanhado
do irmão, Carlos Fleiuss, litógrafo, e do amigo Carlos Linde, pintor e também artista da pedra,
Henrique veio para o Brasil em 1858, aos 35 anos. De acordo com seu filho, Max Fleiuss, a
viagem se configurou:
por sugestão do célebre sábio naturalista Carlos Frederico Philippe von Martius, autor
da Flora Brasiliensis, membro da Academia de Munique e da missão artístico-científica
de 1817, que muito o estimava e lhe apreciava a aptidão artística.1
Depois de quase um ano em províncias do Norte brasileiro fixando costumes e
paisagens em aquarela, Henrique desembarcou finalmente no Rio de Janeiro, em 15 de julho
de 1859, com uma carta de recomendação redigida pelo seu antigo mestre, Martius,
endereçada ao imperador D. Pedro II. Estabelecendo-se no Rio de Janeiro, ele abriu no início
do ano de 1860, junto ao irmão e Carlos Linde, uma oficina litográfica, o Instituto Artístico.
Em dezembro do mesmo ano, iniciou a publicação do semanário Semana Ilustrada, criando o
formato que seria depois copiado largamente na imprensa carioca.2
A revista foi bem recebida no Rio de Janeiro, circulando por dezesseis anos, pelo
menos dez dos quais praticamente sem concorrência3. A segunda metade do século XIX é
marcada por intensa produção de revistas ilustradas com teor humorístico, cujas ilustrações
eram em sua maioria litogravuras4. Contudo, a maioria das revistas não sobrevivia até o
décimo número. A Semana Ilustrada se destaca em relação às demais por ser um “marco
divisor que representa uma mudança qualitativa no cenário brasileiro de revistas ilustradas” 5 e
a primeira a ter tiragem regular no Brasil6.
A folha continha quatro páginas de texto e quatro de ilustrações, contando com
colaborações ilustres na parte textual, como a de Machado de Assis – “o mais assíduo autor a
usar o pseudônimo de Dr. Semana, personagem-símbolo do periódico, ao lado de seu escravo,
o Moleque.”7 Fleiuss é inteiramente responsável pelas ilustrações dos dez primeiros
números8, passando depois a publicar desenhos de outros artistas, como Flumen Junius,
Pinheiro Guimarães, H. Aranha e Aristides Seelinger.
A Semana Ilustrada tratava principalmente dos assuntos do cotidiano da vida na
cidade, comentando com graça a ineficiência de determinados serviços públicos, as modas
extravagantes na toillete feminina, a conduta interesseira dos arrivistas, o comprometimento
político irregular dos deputados, além de publicar retratos honrosos de pessoas vistas com
apreço pelo periódico e de criar inúmeros personagens urbanos.
Uma das raras folhas do período favoráveis ao monarca D. Pedro II9, sua linha
editorial era patriótica e suas caricaturas e charges cultivavam uma função cívica e
pedagógica10, rindo-se dos maus hábitos com a intenção de corrigi-los. Não à toa, a Semana
Ilustrada trazia no cabeçalho a divisa “ridendo castigat mores”11, traduzido do latim para
“rindo, corrigem-se os costumes”12.
As gravuras apresentavam um viés crítico, mas num tom comedido, produzindo
uma “sátira bem comportada”13 e o “riso bom”14, que não desejava denegrir a imagem de
nenhuma figura pública. Com este tipo de humor, a Semana construiu em suas páginas uma
galeria de costumes urbanos, galeria esta que nos permite ver um peculiar modo de
representação da cidade habitada por uma sociedade de contradições marcantes, onde o
regime escravocrata convivia com o desejo de progresso.
A identidade visual da Semana Ilustrada é sintetizada no cabeçalho presente em todas
as suas capas, do início ao fim da publicação. Nele, um homem similar ao Dr. Semana,
estranhamente paramentada, com traje rebuscado e chapéu tirolês com penas, passa figuras
em uma lanterna mágica. O aparato ótico é a perfeita metáfora para aquilo que pareceu ser as
intenções de Fleiuss: passar em revista as práticas políticas, sociais e culturais da cidade
através de uma lente humorística de viés moralizante.
Além do cabeçalho fixo, havia frequentemente a mesma estrutura: o personagem do
Dr. Semana em diálogo com seu ajudante, Moleque, o outro personagem porta-voz da revista.
Os dois comentavam os fatos corriqueiros do dia-a-dia, os personagens que se sobressaíam na
vida política e dialogavam sobre acontecimentos que mexiam com o imaginário da população.
O Dr. Semana funcionava como alter ego de Henrique Fleiuss, caricatura do homem erudito,
enquanto o Moleque era seu contraponto mais realista, possivelmente inspirado no
personagem Pedro, escravo doméstico peralta de O Demônio Familiar, de José de Alencar. A
dupla de personagens, segundo Laura Nery, pode ser entendida “como um par de compères,
os apresentadores das revistas de ano, tão populares nos palcos oitocentistas. A própria
composição gráfica da Semana Ilustrada evoca uma boca de cena, com cortinas que se abrem
ou se fecham, convidando o leitor ao grande teatro que é a cidade.”15
A ideia de cidade de Henrique Fleiuss
Fleiuss ambicionava a erudição do homem ilustrado. Estudou Belas Artes em Colônia,
sua cidade natal, tendo completado o aprofundamento no campo das artes (desenho, gravura e
pintura) em Dusseldorf, onde também estudou literatura e ciências naturais. Em seguida foi
para Munique completar os estudos de ciências naturais e iniciar os de música. Segundo relato
de Max Fleiuss16, Henrique teria viajado por quase toda Europa, demorando-se
principalmente na Holanda. O interesse de Fleiuss pelas artes e pelas ciências naturais na sua
formação influenciou o seu entendimento do ofício de caricaturista que veio a exercer no
Brasil.
O cientificismo do século XIX e a obsessão pela descrição e classificação impregnou o
repertório de possibilidades da representação para artistas, literatos e cientistas. O artista não
cria sua gravura do nada, mas baseia-se na sua schemata17, no seu repertório criado pela
percepção e interpretação das coisas. Para entender como Fleiuss representava o Rio de
Janeiro é importante pensar em como ele enxergava o mundo a partir de uma apropriação de
esquemas gráfico-visuais, pregressos ou contemporâneos a ele, porque é o que o orientou para
tecer seu discurso visual sobre a cidade.
O estudado e viajado alemão herdou a ideia de cidade como virtude presente no
pensamento dos “filhos do Iluminismo”18, exemplificados nas figuras influentes de Voltaire,
Adam Smith e Johann Gottlieb Fichte. Para eles, a cidade moderna do século XIX era o
centro produtivo das mais importantes atividades humanas: a indústria e a cultura. Somente na
cidade poderia existir a dinâmica da civilização. O contraste urbano entre ricos e pobres era
encarado de forma positiva porque seria a base do progresso; enquanto o rico geraria trabalho
com uma grande demanda de produtos, o pobre seria estimulado a participar da indústria e
encontraria na mobilidade social uma possibilidade de ascender19.
No primeiro ano da revista, em 1861, Fleiuss olhava para a cidade do Rio de Janeiro
sob a perspectiva de um estrangeiro. O artista caminha pela cidade se admirando de suas
peculiaridades e vicissitudes. Como aponta de Certeau, em A Invenção do Cotidiano,
“caminhar é ter falta de lugar. É o processo indefinido de estar ausente e à procura de um
próprio.”20 Mas muito rapidamente, o turista que não suportava o mal cheiro das estreitas
vielas e que via com distância os problemas da administração pública vai se integrando à
cidade, adquirindo a visão do habitante e tomando um discurso em nome e em prol dos
cidadãos livres do Rio de Janeiro.
A apreciação mais humorada avança, e Fleiuss parece aclimatar-se de tal maneira, que
passa a ocupar o papel de porta-voz das reivindicações dos habitantes da cidade,
tornando uma espécie de fiscal da cena pública.21
Segundo de Certeau, a Cidade-conceito é “lugar de transformações e apropriações,
objeto de intervenções, mas sujeito sem cessar enriquecido com novos atributos: ela é ao
mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade.”22 Fleiuss, que enxergava o espaço
urbano como lugar de civilidade, não viveu a experiência da cidade moderna no sentido que
Georg Simmel lhe conferiu23, de grandes cidades como lugares da economia monetária, das
multidões e da intensificação da vida nervosa, onde clientes nunca se encontravam com os
detentores dos meios de produção. O Rio de Janeiro de Henrique Fleiuss é ainda o de uma
cultura urbana com redes de sociabilidades menos complexas, que permitem o encontro do
leitor com o dono do periódico, por exemplo, conforme Fleiuss algumas vezes demonstra em
charges.
O absurdo contraste da cidade que aspira ao progresso e sustenta uma base social
calcada na relação de senhor e escravo, grotescamente representada pelo Dr. Semana e o
Moleque nas capas da Semana Ilustrada, indicam a ambivalência de uma cidade de extremos
em que a modernidade da vida cosmopolita é somente um horizonte longínquo.
O cotidiano do Rio de Janeiro
A cidade sem a presença da figura humana não interessava a Fleiuss e sua equipe de
gravadores. O espaço urbano é o lugar privilegiado da experiência do cotidiano, uma espécie
de espaço cênico onde o que importa é a interação entre sujeito e paisagem. A lanterna mágica
de Fleiuss mostrava de forma flagrante a demora do correio, tendo sua agilidade
frequentemente comparada a passos de cágado, os problemas de calçamento que destruíam as
rodas dos carros puxados por animais, além dos enormes transtornos gerados pelas chuvas. As
pomposas saias-balão das senhoras e o flerte nas diversões promovidas nos salões também
eram destacados nas charges de forma recorrente. O dia-a-dia da cidade, a vida política, os
serviços públicos, as diversões, os modos de trajar-se e de portar-se, a cidade de Fleiuss é
constituída por pessoas e instituições.
O início da segunda metade do século XIX era de relativa prosperidade no Rio de
Janeiro. Desde a abolição do tráfico negreiro em 1850, a cidade passou a ganhar
investimentos públicos visando o melhoramento urbano. Novas edificações se ergueram, ruas
foram alargadas. “O modelo era a Paris burguesa e neoclássica, mas a realidade local oscilava
entre bairros elegantes e as ruas do trabalho escravo.”24 A sede da corte consolidava-se assim
como um centro produtivo difusor de costumes e referencial de hábitos culturais, que se
espraiavam pelo Brasil. Na visão transmitida pela Semana Ilustrada o Rio de Janeiro era
muito atrasado em relação à Europa, mas na perspectiva de desenvolvimento interno, a cidade
estava num período de melhoria de qualidade de vida no que tangia à elite econômica, na qual
Fleiuss se encaixava.
A corte ganhou, ainda outras melhorias: arborização (a partir de 1820), calçamento com
paralelepípedo (1853), iluminação a gás (1854), rede de esgoto (1862), abastecimento
domiciliar de água (1874) e bondes puxados a burro (1859). Era o tempo do bonde a
tração animal, que substituía, com vantagens, as antigas gôndolas, cadeirinhas e liteiras
levadas por escravos.25
Nada melhor para explicar a visão que o artista alemão tinha da cidade do que o
discurso gráfico-visual produzido pela revista, que apresentou em duas séries especiais, em
1862 e em 1863, aspectos da cidade.
O próprio Fleiuss assina a série de 1862, intitulada “Passeio pela cidade,” onde o Dr.
Semana e o Moleque travam diálogo acerca de algum espaço público da urbe. As impressões
dos personagens tinham caráter levemente crítico e eram de cunho sensível (o cheiro, o
barulho, o lixo visível em frente à Câmera Municipal, os movimentos atrapalhados pelo
capim excessivo defronte do edifício da Academia Imperial de Belas Artes, e assim por
diante). Através dos passeios da dupla de protagonistas da Semana, acompanhamos o Rio de
Janeiro do século XIX na sua vivência cotidiana, através do rastro das sensibilidades de
Fleiuss impresso nas charges.
Na série “Tipos do Rio de Janeiro”, de 1863, a lógica da apresentação visual é
diferente do padrão das capas do semanário. Em uma mesma página interna do periódico
reunia-se texto corrido, descrevendo determinado personagem, e xilogravura26, representando
as peculiaridades do tipo social. Esta integração entre linguagem tipográfica e gravura é
considerada complexa para a época, o que demonstra a vontade de inovação dos produtores.
As imagens nunca eram assinadas, mas servem como modelos para perceber o entendimento
dos tipos urbanos da cidade por parte de Fleiuss, editor da revista. Nesta série, o interesse era
classificar tipos da cidade dentro da chave humorística. Assim, foram registrados, por
exemplo, “o mendigo”, encontrado nos degraus das igrejas, “o guarda fiscal”, e sua cara de
poucos amigos, e “a lavadeira do Campo de Santana”, categoria que, segundo a Semana, um
país civilizado jamais consentira em existir em praça pública, devido à falta de modos e
escassez de panos a cobrir-lhes o corpo27. Curioso observar que até mesmo animais figuram
entre os tipos do Rio de Janeiro, como “o burro de cangalhas”, cujo principal inimigo é o
homem.
Fig. 1 – Na quinta charge da série “Passeio pela cidade”, Dr. Semana e o Moleque passam pela alfândega.
Moleque compara a “balbúrdia” do lugar a “um cortiço de abelhas onde o zumbido é maior que o trabalho”.
(Semana Ilustrada, nº 77, 1º de junho de 1862)
Fig. 2 – Na série “Tipos do Rio de Janeiro”, personagens urbanos foram catalogados, construindo assim rica
galeria de práticas culturais. (Semana Ilustrada, nº 121, 5 de abril de 1863)
Para Margaret Cohen, a imprensa de massa reside no espectro dos gêneros cotidianos.
Ela reflete sobre a literatura panorâmica de Walter Benjamin levando em consideração a
justaposição das descrições da vida cotidiana e de litogravuras que ilustram as descrições.
Cabe lembrar que a autora situa suas considerações diante da ideia de que a Monarquia de
Julho (1830-1848) “vivenciou a promoção do cotidiano a objeto merecedor de atenção
representacional.”28 Segundo ela, os textos panorâmicos, gênero de curta duração voltados
para o dia-a-dia, “mantinham estreita relação com as fisiologias de baixo custo”29, que eram
panfletos impressos com descrições de tipos sociais, instituições e costumes contemporâneos.
Fleiuss representa a cidade do Rio de Janeiro a partir de sua aparência, utilizando referências
materiais, promovendo uma dinâmica de leitura similar ao texto panorâmico. Este tipo de
texto “aborda os fenômenos da vida diária fazendo uso dos característicos mecanismos
panópticos de descrição e classificação”, voltando sua atenção para “detalhes exteriores,
materiais, sobretudo visíveis”30. Através dos recursos do texto panorâmico associado à
charge, Fleiuss inventariou a materialidade sensorial produzida pela cidade do Rio de Janeiro
no século XIX.
A partir de 1865, a Semana Ilustrada passa a dedicar-se cada vez mais à cobertura da
Guerra do Paraguai, que desenrolou-se entre dezembro de 1864 e março de 1870. Este foi o
primeiro conflito armado a ser fotografado no Brasil, o que contribuiu para revista investir
num viés mais realista de composição litográfica, uma vez que muitas de suas imagens da
guerra eram baseadas em registros fotográficos – uma prática pioneira na imprensa brasileira,
conforme aponta Joaquim Marçal Ferreira de Andrade31. Nessa época, Fleiuss foi atravessado
por inflamado ímpeto nacionalista, mostrando a heroica atitude do exército brasileiro e
exaltando o imperador32. As charges e caricaturas se voltaram em grande parte para a vida dos
soldados no front, os bravos e feridos nas batalhas e as notícias da guerra que ecoavam nas
ruas do Rio, responsáveis pela produção de novas práticas sociais.
Em certo sentido, Fleiuss deixa de lado a ideia de cidade para construir uma ideia de
nação. No entanto, o cotidiano do Rio de Janeiro com seus tipos urbanos, suas atividades
culturais e sua trocas sociais no espaço urbano nunca deixam de merecer atenção do “mais
carioca dos renanos”33.
1
Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1927.
2
De formato considerado pequeno, o periódico tinha oito páginas, quatro de texto e quatro de ilustrações. A
impressão era feita em uma grande folha, de um lado usava-se o processo litográfico e do outro, o tipográfico.
Depois de dobrada em quatro vezes e refilada, “obtinha-se um caderno de tamanho in-quatro (nesse caso,
28x22cm), em que se sucediam páginas de texto (1, 4, 5, 8) e ilustração (2, 3, 6, 7).” CARDOSO, Rafael. Projeto
gráfico e e meio editorial nas revistas ilustradas do Segundo Reinado. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Revistas
Ilustradas: modos de ler e ver o Segundo Reinado. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2011, p.27.
3
NERY, Laura. Henrique Fleiuss e sua Semana Ilustrada. Em:
http://www.icgermanico.com.br/img/index/PDF/Educacao_em_linha_15.pdf. Acesso em: 30 de setembro de
2013.
4
FONSECA, Letícia Pedruzzi. Henrique Fleiuss e sua produção gráfica brasileira no século XIX. In: 10 P&D Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, 2012, São Luis, Maranhão. Anais do X
Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Luís: Edufma, 2012.
5
CARDOSO, Rafael. Projeto gráfico e meio editorial nas revistas ilustradas do Segundo Reinado. In: KNAUSS,
Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p.27.
6
KNAUSS, Paulo. Introdução. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 11.
7
Idem.
8
LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1963, vol. II, p.745.
9
MARTINS, Ana Luiza. Imprensa em tempos de império. In: História da Imprensa no Brasil. MARTINS, Ana
Luiza & LUCA, Tania Regina de. São Paulo: Contexto, 2008, p.66.
10
Ver: GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal . “Henrique Fleiuss: a função cívica e pedagógica da caricatura nas
páginas da Semana Ilustrada”. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lucia Maria Bastos P. das (org).
Repensando o Brasil do Oitocentos: cidadania, política e liberdade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009,
v.1, p. 153-179.
11
Em seu primeiro editorial a Semana Ilustrada explica seu aparecimento sob essa expressiva divisa, que é a
síntese da missão do periódico: “Na política, no jornalismo, nos costumes, nas instituições, nas estações
públicas, no comércio, na indústria, nas ciências nas artes, nos teatros, nos bailes, nas modas, acharemos para a
Semana Ilustrada assunto inexaurível, matéria inesgotável para empregar o lápis e a pena.” E acrescenta:
“Expectadores ativos, mas imparciais, de todas as lides empenhadas por essas grandes turmas, aplaudiremos o
bem que praticarem, e sem temor da polícia censuraremos o mal que fizerem. Censuraremos rindo, e conosco
rirá o leitor, pois em todo esse mundo movediço que se enfeita ao espelho, e apregoa o seu valor extremo, há um
lado vulnerável onde penetra o escalpelo da crítica, há uma parte fraca que convida ao riso”. Semana Illustrada,
Ano 01, N º 01, Rio de Janeiro, 16/12/1860, pág. 02.
12
NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:
KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 175.
13
Idem
14
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação humorística na história brasileira: da Belle Epoque
aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.112
15
NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:
KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 186.
16
Anexo à ata da sessão de 8 de setembro de 1923. Revista do IHGB, t. 94 v. 148 (1923). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1927.
17
De acordo com Gombrich, as percepções de mundo do artista são orientadas por interpretações fundadas no
que ele chama de schemata, estratégias de assimilação e recriação do mundo baseadas em formas anteriores de
representação, que são modificadas na vontade de dar forma a uma imagem mental. “A ‘vontade de formar’ é
mais a ‘vontade de conformar’, ou seja, a assimilação de qualquer forma nova pela schemata e pelos modelos
que um artista aprendeu a manipular.” GOMBRICH, E. H. Arte e Ilusão: um estudo da psicologia da
representação pictórica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 65.
18
SHORKSE, Carl. The Idea of the City in European Thought: Voltaire to Spangler. In: Thinking with history:
Explorations in the passage to modernism. Princeton, N.J.: Princeton University Press, 1998, p.38.
19
SHORKSE, op. cit. p. 39.
20
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis: Vozes, 2012, p. 170.
21
NERY, Laura. Os sentidos do humor: Henrique Fleiuss e as possibilidades de uma sátira bem comportada. In:
KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 177.
22
CERTEAU, Michel de. Op. cit., 2011, p. 161.
23
Cf. SIMMEL, Georg. “As grandes cidades e a vida do espírito”. Revista Mana, vol.11, n.2. Rio de Janeiro,
2005.
24
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p, 106.
25
Idem.
26
Cabe indicar o esforço pioneiro do alemão na tentativa de implementar o uso da técnica pouco difundida da
xilografia na imprensa brasileira, criando uma escola de formação de mão-de-obra para tal em 1864.Ver
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. História da fotorreportagem no Brasil. A fotografia na imprensa do
Rio de Janeiro de 1839 a 1900. Rio de Janeiro, Editora Campus, Elsevier, Edições Biblioteca Nacional, 2004, p.
27
Karen Fernanda aprofunda-se, em sua dissertação de mestrado, na caracterização dos tipos negros presentes
nesta série. Cf. SOUZA, Karen Fernanda Rodrigues de. “As cores do traço: paternalismo, raça e identidade
nacional na Semana Ilustrada”. Dissertação de mestrado defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
28
COHEN, Margaret. A literatura panorâmica e a invenção dos gêneros cotidianos. In: O cinema e a invenção
da vida moderna. CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa R. (org.). Tradução Regina Thompson. São
Paulo:Cosac & Naify, 2004, p. 261.
29
Idem, p. 262.
30
Idem, p. 264.
31
Cf. ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. Op. cit., 2004.
32
À oficina artística de Fleiuss e sócios foi concedida a insígnia de Imperial em 1863, tornando-se Imperial
Instituto Artístico. Rogéria Ipanema investigou o tema indicando a “dimensão da produção de bens simbólicos
dentro do universo da cultura visual, com a particularidade de construir uma imprensa político-caricata, sob a
proteção do imperador”. Cf. IPANEMA, Rogéria Moreira de. “A idade da pedra ilustrada; litografia, um
monólito na imagem gráfica e no humor do jornalismo do século XIX no Rio de Janeiro”. Dissertação de
mestrado defendida na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1995.
33
ANDRADE, Joaquim Marçal Ferreira de. A trajetória de Henrique Fleiuss, da Semana Ilustrada: subsédios
para uma biografia. In: KNAUSS, Paulo et al. (org.). Op. cit., 2011, p. 65.
PRODUÇÃO CULTURAL INDEPENDENTE: FORA DO EIXO E CONOMIA
SOLIDÁRIA – RELAÇÃO DE AMBIGUIDADE E LUTA POR CONQUISTA DE
HEGEMONIA
Jefferson Estevão de Oliveira
Resumo: Esse trabalho é uma pesquisa em andamento na qual no seu fim analisarei o Fora do Eixo
sua conexão com a economia solidaria e sua luta por hegemonia. Mas no texto presente, pretendo
apenas abordar as possibilidades que permitem que tal coletivo cultural nasça no Brasil e ganhe força
nacionalmente.
Palavras chaves: Fora do Eixo, Lei Rouanet, Propriedade Intelectual
Abstract: This work is an ongoing research in which on its close I will analyze the Off-Axis, its
connection to the solidarity economy, and its struggle for hegemony. But in this text, I wanted just to
approach the possibilities that allow such cultural collective to be born in Brazil and gain strength
nationally.
Keywords: Off-Axis, Rouanet Law, Intellectual Property
1-OS PROCESSOS DE MUDANÇA DAS RELAÇÕES TECNOLÓGICAS E
CULTURAIS NO MUNDO E NO BRASIL QUE PERMITEM A CRIAÇÃO DO FORA
DO EIXO
Analisar o Fora do Eixo é tentar compreender todo um novo processo vivido no
mundo da cultura. As novas tecnologias, os novos olhares diante à propriedade intelectual, as
formas de cooperação em rede para que trabalhos possam chegar a diversos pontos do país;
relações coletivas, horizontalidade e críticas ao modelo industrial, em uma nova relação de
sociedade com novas formas de produção. O Fora do Eixo alega ter presente tudo isso em sua
ideologia e em suas políticas de atuação. O FdE, como é conhecido por siglas, está no meio de
todo esse furacão e se criando dentro dele. Antes de entender a criação do Fora do Eixo é
preciso avaliar o que permite que tal coletivo se forme e ganhe força dentro da produção
cultural independente brasileira, e as idéias que fomentam e baseiam na criação desse
coletivo.
Com o advento das novas tecnologias, da internet e da nova agilidade na produção de
informações, conhecimento somado à aceleração visceral da globalização, muitos dos
monopólios do conhecimento e de meios de produção foram colocados em cheque e vem
sendo muito mais pluralizados e colocados nas redes. Todas essas mudanças vindas com a
revolução tecnológica abrem discussões para o próprio modelo do que é propriedade
intelectual ou não. Para Pablo Ortellado doutor em filosofia, nossa sociedade passou pelos
últimos dois séculos realizando debates sérios sobre propriedade privada, mas ainda não
conseguiu construir e debater na totalidade a complexidade da propriedade intelectual que se
difere em vários pontos da propriedade privada tradicional1·. Ortellado diz “em geral, a
propriedade é justificada como uma garantia de uso e disposição do proprietário àquilo que
lhe é de direito (por herança ou por trabalho)”.
Essa é uma visão tradicional de propriedade liberal que Ortellado não defende e não
necessariamente a real quando a discussão é propriedade, mas pode ser citada como exemplo
para podermos analisar a diferença de propriedade comum e propriedade intelectual.
Se olharmos por esse ponto tradicional de vista não conseguiríamos entender a propriedade
intelectual e a importância da luta pela sua liberdade. Ortellado mostra como a relação com a
propriedade intelectual é diferente “quando eu leio um poema, a coisa é diferente. Eu posso
ler o poema ao mesmo tempo em que o ‘dono’ do poema e meu ato de ler não apenas não
priva,como não atrapalha em nada a leitura dele”2.
Diferente da lógica tradicional, onde ter uma propriedade em minha posse priva outros
que possam usufruir a mesma já que a propriedade pertence à alguém ou um grupo e não ao
usufruto coletivo. Isso nos faz entender que o poder de acesso ao conhecimento é visto como
algo plural, livre e coletivo; e assim deveria ser. O acesso ao conhecimento livre democratiza
algumas das relações sociais ou algum acesso ao conhecimento e produção assim, levando ao
social
novas
relações
coletivas
não
permitidas
dentro
da
realidade
capitalista
É claro que o criador de tais produções intelectuais tem seus direitos em cima da obra que o
mesmo criou. Porém é o artista, inventor, intelectual, produtor que tem esse direito, não as
grandes empresas que tentam manter um monopólio explorando a produção e se apropriando
dela e dos ônus da mesma. Ortellado deixa claro em seu texto
“Com o direito exclusivo às suas criações, os autores e inventores podem explorar
comercialmente as suas ideias e conseguir a justa recompensa pelo seu esforço e talento. A
recompensa é o estímulo para que o criador produza ainda mais e a sociedade progrida em
direção ao bem comum.” 3
O termo bem comum já coloca em debate a visão de uma propriedade fechada à
mando de apenas um grupo ou uma pessoa. Quando tais direitos de se apropriar dessa
produção intelectual são monopolizados por pequenos grupos, temos então um
distanciamento desse bem comum, que as obras de arte, invenções, desenvolvimentos de
softwares tem. Segundo Ortellado a propriedade intelectual, quando é protegida
excessivamente, acaba por limitar o aprendizado coletivo e os avanços de melhorias de
condições, sejam políticas, econômicas ou sociais.3
Um outro ponto para Ortellado, sempre levado à debate sobre propriedade intelectual,
é a lógica de estímulo de criação e o interesse social, que estariam em disputa em uma
balança. É claro que o criador de qualquer conhecimento merece o reconhecimento e todos os
estímulos pelo seu trabalho, de modo a continuar sua pesquisa. O problema é que, dentro da
lógica capitalista, esse estímulo é somente o estímulo material, o que, para muitos autores
como Pablo Ortellado, pode ser discutido,
“Mas será que o estímulo material é o único e o melhor estímulo que pode-se dar para o
desenvolvimento do saber, da cultura e da tecnologia? Será que antes do advento das leis de
propriedade intelectual as pessoas não eram estimuladas a escrever livros e canções e a
inventar dispositivos tecnológicos?” 4
Fica muito claro que o estímulo material citado por Ortellado não é realmente a única
maneira de valorizar o trabalho e a pesquisa do autor. Em tal ponto, pode-se perceber que
Ortellado entende essa produção como processo. O artista, ou inventor de hoje consegue
chegar a um resultado final, graças os avanços herdados de outros pesquisadores de outras
gerações. Ou seja, a herança desse conhecimento foi coletiva. Poderia então a remuneração
ser determinada e exclusiva? Ou a propriedade desse conhecimento ficar sob domínio de uma
só pessoa? Eis um ponto de questionamento polêmico. Quem é necessariamente o detentor
dos direitos de todas as produções? O artista ou o atravessador?
O que fica claro é que nesse jogo de forças, o artista ou criador da obra é o principal
merecedor de ter os direitos sobre sua produção intelectual3. Porém é contestado por Ortellado
e colocado que esse artista deva entender que sua produção, a partir do momento de criação, é
um bem coletivo e a exposição do mesmo trás um patrimônio público para coletividade 4
Para Ortellado, esse ponto sobre o modo de fazer essa recompensa, seja ela por via privada e
material ou não, não é um ponto que terá respostas teóricas. Esse ponto será resolvido pelos
movimentos sociais que em suas demandas já vêm tentando resolver e amenizar esse
paradigma que é complexo por estar revestido de uma ideologia capitalista. “São os
movimentos sociais que estão buscando alternativas concretas à propriedade intelectual que
deverão oferecer as respostas – e, de fato, já estão a fazer” 5.
Para Ortellado quando o processo de registro e de patentes começa acontecer, aflora
também a violação das leis sobre essa propriedade ou patente. Essa violação, para Ortellado,
pode ser referida em certos pontos como desobediência civil e em outros pontos, crime.6
Ortellado diz que essa desobediência acontece pelo não reconhecer a legitimidade dessas leis.7
“A desobediência civil, por sua vez, é uma violação pública das leis motivada por seu caráter
ilegítimo. A desobediência civil se faz abertamente e ela não reconhece que a lei que está
sendo infringida seja justa”.8 A defesa de uma cultura livre tem um papel fundamental na
construção social, na democratização de conhecimento e no entendimento do coletivo,
desconstruindo o entendimento de propriedade e posse que o sistema capitalista carrega
consigo.
Para Ortellado, com o crescimento do mercado cultural, as grandes empresas investem
e aumentam a campanha contra violamentos aos direitos autorais. Essa campanha e a força
usada pra manter esse monopólio de exploração faziam com que aquela desobediência civil
que antes era apenas por ignorar as leis se torne mais consciente e criasse novos movimentos
que se opunham contra à propriedade intelectual exclusiva 9.
1.1-
POLITICA
PUBLICA
CULTURAL
BRASILEIRA
NOS
ANOS
90:
CENTRALIZAÇÃO ATRAVÉS DA LEI ROUANET
Um outro ponto importante, que é essencial para criação das idéias do Fora do Eixo,
além das plataformas livres e trabalhos em rede, é a política cultural adotada nos anos 90 pelo
governo brasileiro. Após a retomada da democracia e o fim da ditadura militar, o Brasil abre
sua economia e suas políticas para as influencias neoliberais. Essas políticas no campo
cultural são posicionamentos de simpatia ou cooperação para grandes empresas ou, como
citados acima, atravessadores. Quando o Brasil retorna para a democracia, o campo da cultura
é reformulado.
Com intuito de redemocratizar a produção cultural e valorizar a diversidade cultural
brasileira, nasce a lei Rouanet. A Lei previa apoio para que a produção cultural no Brasil
fosse abrangente, acarretando incentivo através de isenções ficais. A Lei trabalhou em
sintonia com a política nacional adotada pelo governo, de visão neoliberal, com o Estado
mínimo e grande apoio do poder público às iniciativas privadas.
Porém a Lei não cumpre seu papel de redemocratizar a produção cultural e o acesso à
ela. O que acontece no Brasil é a centralização de investimentos culturais no eixo Rio/São
Paulo. Para Ana Márcia Andrade, Pós-Graduada em Gestão de Projetos Culturais e
Organização de Eventos, essa postura adotada pelo governo brasileiro em gerir a Lei Rouanet
fere totalmente o propósito principal para que a mesma foi criada.
“Durante
esses
últimos
dezoito
anos
de
atuação
da
lei,
num
período
de
pensamentohegemônico neoliberal, quando o carro chefe dessa política foram as leis de
incentivo fiscais, percebeu-se que o eixo Rio-SP era o mais beneficiado por seus recursos,
com quase 70% de todo seu incentivo fiscal. Essa estatística feria os principais objetivos
teóricos da lei: democratização da produção cultural e valorização da diversidade cultural
brasileira” 10
Ana Marcia Andrade ressalta ainda que essa centralização de incentivos culturais
somente no Rio de Janeiro e São Paulo é um fator importante para que o Fora do Eixo nasça
com uma nova discussão de descentralizar essas políticas, que não valorizavam os novos
artistas e mantinha seu recurso destinados à pequenos grupos e na mão de iniciativas privadas
que não percebiam que havia produções culturais e artistas para além do sudeste e dos meios
de comunicação de massa,
“Nesse contexto surgiu o Circuito Fora do Eixo. A busca de uma produção cultural
independente, à margem dos meios de comunicação de massa que deixam fora os novos
atores culturais, bem como o
reconhecimento da existência de uma cultura fora do eixo
Rio-SP, deu forma, se não ao maior, mas a um dos maiores grupos culturais independentes
do país.”
11
Para poder legitimar que a Lei Rouanet não cumpriu o seu papel de democratizar o
acesso à cultura e sua produção, Ana Marcia Andrade coloca dados que o próprio Ministério
da Cultura liberou em 2010.
“Durante esses dezoito anos de vigência da LR, R$ 8 bilhões foram investidos em renúncia
fiscal. Porém, dados contestam que a lei não cumpriu o seu papel de corrigir o retrato da
exclusão cultural brasileira: “só 14% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por mês, 92%
nunca frequentaram museus, 93% nunca foram a exposições de arte, 78% nunca assistiram
a um espetáculo de dança, 92% dos municípios não têm cinema, teatro ou museu.”
11
(Grifos do autor)
Um outro fator que também é ponto central de críticas à Lei Rouanet é que dos 8
milhões investidos em cultura por meio de renúncia fiscal:
“mais de R$ 7 bilhões eram dinheiro do contribuinte. A cada R$ 10 investidos, R$ 9,50 são
públicos e apenas R$ 0,50 é dinheiro do patrocinador privado. Aproximadamente R$ 1
bilhão provém da renúncia fiscal por ano. Desses recursos, 80% são captados por apenas
uma das cinco regiões do país gerando a concentração em uma só região”.
12
(Grifos do
autor)
Ou seja, trata-se de uma lei onde as empresas tinham isenção fiscal à custa de dinheiro
público. O Estado coloca-se em apoio total as grandes empresas atravessadoras; a cultura é
mercantilizada, monopolizada e centralizada.
Essa elitização da cultura se encaixa perfeitamente com a propriedade intelectual que
nas mãos dos atravessadores é explorada,expropriada e monopolizada. Cada vez mais há o
distanciamento da cultura de quem à faz; o povo. Todos esses processos são de extrema
importância para que o Fora do Eixo nasça e comece suas ações no Brasil. A influencia dos
trabalhos em rede,tecnologias, cultura livre, economia criativa. Tudo isso permeia o Fora do
Eixo, somado à política centralizadora do governo brasileiro personificado em algumas leis,
principalmente na Lei Rouanet.
2- MUDANÇA NA POLÍTICA PUBLICA CULTURAL NACIONAL E O FORA DO
EIXO.
Quando o Brasil retorna à democracia suas políticas econômicas mudam – como
citamos acima – suas novas orientações são neoliberais e com uma visão mercadológica
muito forte, com um Estado mínimo pouco responsável em cuidar e administrar a produção
cultural brasileira. Isso se reflete diretamente na centralização da cultura, da exclusão de
diversas formas de expressões culturais - que não se encontram dentro do eixo Rio de Janeiro/
São Paulo e não tem em si, dentro da lógica mercadológica potencial de venda Parte dessas
políticas se alteram quando Lula assume o governo em 2003 e nomeia Gilberto Gil Ministro
da Cultura.
Nesse sentindo para podermos entender essa mudança, é preciso uma breve análise nas
políticas culturais pré Lula. Com o governo de Fernando Henrique Cardoso, essa lógica
mercadológica não desaparece no modus operandi de se administrar e pensar a cultura no
Brasil. Porém, o governo FHC recria o Ministério da Cultura (MinC) - que tinha sido extinto
no governo antecessor - com Francisco Weffort que para Barbalho “a visão de Estado
mínimo acompanhada pela política de incentivo fiscal reforçam a submissão da cultura à
lógica do mercado.”13
O dinheiro público entra na lógica de mercado junto com o artista, o captador de
recurso, arte e a cultura; fortalecendo o marketing da própria empresa com dinheiro do
Estado. Toda essa lógica de mercado gera uma insatisfação nos artistas brasileiros que,
segundo Alexandre Barbalho, criticam bastante pois percebem que os projetos investidos
pelas empresas são somente os quais darão visibilidade midiática ou sucesso com o público14,
aumentando assim seu mercado consumidor. “O resultado é que os criadores passam cada vez
mais a ter que adequar suas criações à lógica mercantil” 15.
A lógica de mercado para Barbalho pauta a identidade cultural como mercadoria,
aberta a investimentos do capital empresarial nacional e principalmente internacional, visto
como um produto da economia, podendo ser vendido e estando dentro desse mercado.16 Tal
lógica de administração cultural não abre brechas para que as diversas culturas e produções
nacionais possam ser contempladas e valorizadas. Centraliza em somente um único eixo,
acabando, ou melhor, moldando à lógica de venda qualquer produção artística e cultural
brasileira, dando uma valorização ao mercado neoliberal aberto a grande influencia
internacional.
Ao chegarmos no governo Lula novas tentativas para administrar esse fazer da cultura
no Brasil são arriscados, - mesmo que essa administração não tenha de certo modo fugido da
lógica mercantilista de cultura ou de um governo de caráter neoliberal - porém dá passos para
além da política centralizadora dos governos anteriores. Para Ana Maria Amorim pósgraduada em Mídia, Informação e Cultura ainda que o governo Lula tenha tentado arriscar um
novo modo de administrar a cultura no Brasil com projetos como Cultura Viva, prêmios de
cultura, Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil, Vale Cultura e até tentado debater e
modificar a Lei Rouanet – expoente direto da opção da cultura privatizadora – seus dois
mandatos não rompem totalmente com a lógica mercadológica dos governos anteriores e
muitos dos projetos feitos pelo o mesmo, estão engessados no congresso o que provavelmente
será herdado por futuros governos17, como o atual governo Dilma. Alexandre Barbalho
analisa que a atuação do Ministério da Cultura no primeiro governo Lula deixa notório a
diferença de atuação para os governos citados anteriormente, pois o mesmo trabalha agora
com uma “questão identitária”
18
que se pluraliza. Para Barbalho isso é notado na forma que
os discursos do MinC mudam, usando no plural termos como política, identidade e cultura;
políticas, identidades e culturas.19
Com projetos como os Pontos de Cultura, essa pluralização e tentativa de
descentralização começa a ser sentida. Barbalho ainda ressalta que essa diversidade não está
ligada e nem se reduz as diversas ofertas “em um mercado cultural globalizado”.20 Fica claro
para Barbalho que a preocupação na administração do MinC com Gilberto Gil é estar
revelando os diversos brasis que tem dentro de uma nação, valorizar as diferenças, o plural.
“A preocupação da gestão Gilberto Gil está em revelar os brasis, trabalhar com as múltiplas
manifestações culturais, em suas variadas matrizes étnicas, religiosas, de gênero, regionais
etc.” 21 Essas políticas inclusivas não são somente restringidas Educação entre outros.22
Entender essas diversas culturas dentro do mesmo Brasil, é estar entendendo que a
cultura não é monolítica e representada da mesma maneira em todos os lugares – ainda mais
se tratando de um país do tamanho continental do Brasil e de suas diversas etnias. Ao
entender os processos que a administração cultural no Brasil passou, suas diferenças e
contradições; e principalmente a tentativa de descentralização do governo Lula, é possível
entender porque o Fora do Eixo começa a ganhar força com seu discurso descentralizador e
defensor das múltiplas narrativas.
Há então agora um novo contexto a ser discutido que são as ações do Fora do Eixo,
que tenta descentralizar essa cultura do eixo Rio e São Paulo, e de certo modo ganha um
protagonismo enorme dentro do campo político cultural no Brasil.ao MinC mas também são
adotas por vários outros setores do governo como: Ministério do Esporte, no Ministério do
Meio Ambiente, Ministério da Ministério da Educação entre outros23.
Ao entender os processos que a administração cultural no Brasil sofreu suas diferenças
e contradições; e principalmente a tentativa de descentralização cultural do governo Lula, é
possível entender porque o Fora do Eixo começa a ganhar força com seu discurso
descentralizador e defensor das múltiplas narrativas. Há então agora um novo contexto a ser
discutido que é as ações do Fora do Eixo, que tenta descentralizar essa cultura do eixo Rio e
São Paulo, e de certo modo ganha um protagonismo enorme dentro do campo político cultural
no Brasil.

Graduando no curso de licenciatura em história. Centro Universitário Geraldo Di Biase. Orientador: Doutor
João Braga Areas. [email protected]
1
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
2
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
3
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
4
Entender que a partir do momento dessa produção de conhecimento, ela se torna coletiva é exatamente ser
contra uma propriedade intelectual; pois se entende que essa propriedade é coletiva. Pode e deve ser acessada
por todos.
5
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
6
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
7
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
8
Essa desobediência civil para Ortellado é exatamente pelo reconhecimento civil da legitimidade dessa lei. Por
isso se explica os grandes movimentos na internet de compartilhamento de musicas sem medo algum de
possíveis represálias. Essa lei não é reconhecida, logo, não é respeitada. Desobediência civil.
9
ORTELLADO, Pablo. Por que somos contra a propriedade intelectual ?
<paje.fe.usp.br/~mbarbosa/cursopos/artpablo.pdf> ( acessado em 09/05/2013 )
10
ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo e a política cultural no Brasil.
http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em 10/06/2013)
11
Ministério da Cultura. Manual da Nova Lei Rouanet. APOUD. ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo
e a política cultural no Brasil. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em
10/06/2013)
12
Ministério da Cultura. Manual da Nova Lei Rouanet. APOUD. ANDRADE, Ana Marcia. O Eixo fora do eixo
e a política cultural no Brasil. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/411. (acessado em
10/06/2013)
13
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
14
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
15
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
16
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
17
CORREIA, Ana Maria Amorim. A cultura privatizadora – Políticas de financiamento no Brasil neoliberal: O
caso da Lei Rouanet. http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/blacc/article/view/28 acessado 11/06/2013
18
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
19
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
20
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
21
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
22
ARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
23
BARBALHO,Alexandre. Políticas culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença.
http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf acessado em 18/09/2013
A Política de Boa Vizinhança nos anúncios comerciais no Brasil durante a primeira
metade do Estado Novo (1937-1940)
Marina Helena Meira Carvalho1
Resumo: O Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between
the American Republics foi responsável pela divulgação de boa imagem dos EUA em
anúncios comerciais. Antes mesmo de sua criação, em 1940, a Política de Boa Vizinhança já
era tema em propagandas no Brasil, bem como em reportagens. Este trabalho analisa como
essa política ganha espaço durante a primeira metade do Estado Novo, período nacionalista e
que antecede a criação do Office, viabilizando, assim, sua circulação em anúncios comerciais.
Palavras-chave: American way of life; publicidade brasileira; Política de Boa
Vizinhança.
Abstract: The Office for Coordination of Commercial and Cultural Relations between
the American Republics was responsible for good image of U.S.A. in advertisement. Even
before it was created, in 1940, the Good-Neighbor Policy had already been subject in
Brazilian advertisements and news. This paper analyzes how it develops during the first half
of Estado Novo, nationalist time and before the Office creation, enabling its circulation in
advertisements.
Key-words: American way of life; Brazilian advertisements; Good-Neighbor Policy.
1
Marina Helena Meira Carvalho é mestranda da Linha História e Culturas Políticas do Programa de PósGraduação em História da UFMG, orientada pela Profa. Dra. Eliana Regina de Freitas Dutra. Email:
[email protected]
Endereço:Rua Vila Rica, 775, 203B, Padre Eustáquio. BH/MG.
Telefone: (31) 88085293
O termo “good-neighbor” foi cunhado pelo então presidente dos Estados Unidos,
Herbert Clark Hoover, em 1928, se referindo ao Brasil. O governo de Franklin Delano
Roosevelt, iniciado em 1933, se apropriou do termo e o transformou em plataforma da
política externa em relação à América Latina, denominada Política da Boa Vizinhança.i
No final do século XIX, os EUA entram na corrida imperialista com a política do Big
Stick, ou seja, o intervencionismo político e militar. Na década de 1920 os países da América
Latina exigiram em conferências internacionais a autodeterminação dos povos e a não
intervenção.
A Política de Boa Vizinhança substituiu o Big Stick. Ela pregava o abandono da
intervenção dos Estados Unidos nas Américas, a igualdade jurídica de todas as nações
americanas, a cooperação para o bem-estar da América, as consultas periódicas para a solução
de problemas, dentre outros fatores.ii
Contudo, podemos observar que embora esses sejam os princípios da doutrina, na
realidade essa foi mais uma forma de aproximação dos EUA com seus vizinhos latinos para
expansão de seu imperialismo, do que qualquer outra coisa.
Temendo que os países das Américas tomassem direções nazifascistas ou comunistas,
os EUA buscavam intervir neles com a intenção de difundir sua ideologia. A ameaça da
aproximação alemã era uma realidade no período. A Alemanha tinha tornado-se importante
parceira comercial de muitos países americanos, além de influenciar as forças armadas. Os
EUA temiam também que a miséria causada pelo atraso econômico gerasse revoluções
nacionalistas, nazistas ou socialistas na América Latina, o que o impulsionou a desenvolver a
Comissão Interamericana de Desenvolvimento, a qual proporcionaria esse continente tornarse mais competitivo.
A Política de Boa Vizinhança pretendia transformar o Brasil em uma fronteira contra a
expansão do nazismo. Para isso, os EUA deveriam mostrar uma imagem atraente de si para o
Brasil, um dos países mais importante do continente, tanto em termos políticos quanto
econômicos. Essa política enfatizava a importância do Brasil e de seus produtos primários
para os EUA e das manufaturas dos EUA para o Brasil.iii
Muitos autores destacam que a Política de Boa Vizinhança evidencia-se no Brasil no
início dos anos 1940. Cristina Soremu Pequilo chega a afirmar que os Estados Unidos se
mantiveram neutro até 1941. Somente após essa data que os EUA teriam se unido ao Brasil,
pela evolução da guerra e pela pressão brasileira por barganhas.iv Essa análise, entretanto, é
contraposta pelas pesquisas de Gerson Moura, Antonio Pedro Tota e Érica Gomes Daniel
Monteiro.
Gerson Moura frisa que no início dos anos 1940, e somente aí, a chegada do Tio Sam
foi visível no Brasil, pois antes disso esse país não teria definido os rumos da política externa,
adotando uma equidistância pragmática entre Alemanha e Estados Unidos.v Antonio Pedro
Tota atribui a mudança da política externa estadunidense a esse período como resposta à
invasão do exército nazista à Dinamarca.vi
A criação do Office for Coordination of Comercial and Cultural Relations between the
American Republics, em 16 de agosto de 1940, pelos norte-americanos seria, segundo esses
autores, a evidência do aprofundamento da Política de Boa Vizinhança. Esse órgão, que em
1941 passou a chamar-se Office of Coordinator of Inter-American Affairs (denominado a
partir deste momento como OCIAA), objetivava conter os avanços do Eixo e garantir a
potência norte-americana. Para isso, realizaram programas educacionais, culturais, de
informação e de propaganda. O governo Roosevelt achava necessária a intervenção sobre os
meios de comunicação dos países sul-americanos. No Brasil, eles deveriam difundir notícias
dos EUA favoráveis e afastar as agências de notícias alemãs e italianas. O OCIAA vai
distribuir cartazes, vídeos, mapas, caricaturas, pôsteres, fotografias de Washington e de
Roosevelt, todos eles intencionados a construção da boa imagem norte-americana.
O OCIAA formulou, em 1942, um projeto de Cooperation with U.S. Advertisers in the
other American Republic, o qual posteriormente foi denominado Advertising Project, que é
objeto de estudo da historiadora Érica Gomes Daniel Monteiro. Esse projeto objetivava
garantir o mercado brasileiro para os EUA no pós-guerra e explicar a escassez de produtos,
além de auxiliar os meios de comunicação, os quais precisavam da verba da publicidade
norte-americana para sobreviver. Para isso, incentivavam as empresas estadunidenses a não
pararem de anunciar no Brasil, mesmo quando lhes faltassem os produtos anunciados.vii
Em detrimento desse momento de ápice, explicado pela cooptação de aliados em fase
de entrada dos Estados Unidos na guerra e pela ação do OCIAA, o presente artigo objetiva
estudar a fase anterior da Política de Boa Vizinhança no Brasil. Optamos como marcos
cronológicos de 1937, momento em que o Estado Novo brasileiro é estabelecido, até agosto
de 1940, quando o OCIAA é criado.
Fixamos ainda o universo publicitário como o principal foco de nossa análise - tal qual
faz Érica Gomes Daniel Monteiro para um período posterior, entre 1942 e 1945-, pois os
anúncios comerciais eram lócus privilegiados para a divulgação do americanismo. Aos
Estados Unidos interessava divulgar o American way of life, e as propagandas eram ótimos
veículos para isso, assim como o cinema, pois eles revelam os hábitos, os costumes, os
elementos culturais de um país que pretende se mostrar superior.
Por meio do levantamento de anúncios comerciais e reportagens entre os anos de 1937 e
1940 da revista Fon-Fon, feito por mim, podemos perceber que a Política de Boa Vizinhança
já estava ali presente.
Primeiramente, o American way of life já aparece como característica para valorização
de produtos. O Batom Tangee se afirma como “o batom de mais venda nos Estados
Unidos.”viii O produto de beleza “Hollywood’s” afirma ter “Fórmula americana”ix e os
Cigarros Astria, serem do tipo americanox, como também os cigarros Linconxi.
Um rádio denominado New-Yorker, da RCA Victor, gasta toda uma página para
anunciar seu produto, o qual é associado com uma série de adjetivos: moderno, dinâmico,
famoso, atrativo, beleza, estilo e técnica, seletividade, sensibilidade, nitidez e pureza
econômica. Todos eles podem ser relacionados não só à identidade que pretendem forjar ao
produto, como também ao link que pretendem realizar entre o produto e seu nome, New
Yorker.xii
Figura1: Propaganda RCA Victor do produto New Yorker 1940
Fonte: Revista Fon-Fon 09/09/1939xiii
A informação sobre o país de origem, bem como sobre o público que o consume, não
aparece em tais propagandas como algo desprovido de intencionalidade. Ao contrário, a
origem do produto é tida como qualidade, argumento para que o público brasileiro também o
consuma.
Afinando ainda mais com a Política de Boa Vizinhança, alguns produtos não só
divulgam o American way of life, como também se colocam na lógica da outorga. O batom
Flamour, em anúncio de abril de 1939, apresenta uma nova tonalidade, Brinque, que “é a cor
com que as artistas de Hollywood e as mulheres mais elegantes dos Estados Unidos retocam
atualmente seus lábios [...] Agora, ela é apresentada no Brasil por Flamour.”xiv O batom é
concebido como dádiva à mulher brasileira, ao mesmo tempo em que a identidade de
brasileiras e atrizes e elegantes americanas é forjada: todas elas compartilham o mesmo
batom, o mesmo glamour, ou, para usar expressão típica da época, o mesmo it.
Figura 2: Propaganda Flamour
Fonte: Revista Fon-Fon de 22/04/1939xv
A ligação entre a publicidade e a Política de Boa Vizinhança, como podemos ver, é
profunda. E essa ligação não irá se limitar aos conteúdos e temas veiculados em anúncios
comerciais. Os próprios publicitários brasileiros foram aos Estados Unidos com o objetivo de
aprender as técnicas daquele país. Em 1939, o diretor da Eclética, Eugênio Leuenroth, realiza
viagem aos Estados Unidos, em nome da Frota de Boa Vizinhança, denominação utilizada
pela Fon-Fon. Visitou lá, alguns clientes de sua empresa e algumas organizações de
publicidade.xvi
Em 1940, Murilo Pereira Reis, especialista em propaganda que estava servindo o
governo brasileiro, no escritório brasileiro de propaganda nos Estados Unidos, regressou ao
Brasil com a Frota de Boa Vizinhança. Ressalta-se, na reportagem, que em muito ele teria
aperfeiçoado seus conhecimentos técnicos durante sua estadia nos EUA. Em seu regresso
assumiu a diretoria da Empresa de Propaganda Sul-Americana Ltda.xvii Percebe-se que não só
a propaganda comercial, como também a política se sentia beneficiada com a aproximação
com as técnicas norte-americanas. Segundo Hannah Arendt, até mesmo a propaganda nazista
teria usufruído das técnicas publicitárias norte-americanas.xviii
Figura 3: Murilo Pereira Reis e a Frota da Boa Vizinhança
Fonte: Revista Fon-Fon de 06/04/1940xix
O intercâmbio, pelos ideais da Política de Boa Vizinhança, também pressupunha o
movimento inverso: mandar norte-americanos ao Brasil.
As primeiras agências norte-americanas chegam ao Brasil, provavelmente, já
influenciadas com a política imperialista norte-americana de exportação do American way of
life. J. Walter Thompson chega ao Brasil em 1929, N.W. Ayer, em 1931 e McCann Erickson
em 1935.xx Muitos publicitários brasileiros procuraram essas agências como meio de
profissionalização, já que na época não existia ainda cursos de propaganda, e o know-how
estadunidense era considerado superior. A primeira Escola de Propaganda no Brasil surge em
1952, em São Paulo, no Museu de Arte Moderna. O primeiro Curso de Propaganda,
entretanto, é criado em 1945 pela Associação Paulista de Propaganda2, contando com 45
alunos.xxi Armando Morais Sarmento foi um desses, que, segundo ele mesmo escreveu:
“Depois de dois anos de trabalho árduo com a minha agência, resolvi aprender mais do
que me proporcionavam a leitura e o curso por correspondência. Fiz o óbvio e me
candidatei à Thompson e à Ayer por carta, oferecendo os meus serviços e confessando o
meu grande motivo: eu queria aprender mais. Estava convencido, então, de que a
experiência, os clientes, a organização, o acesso ao know-how de um mercado
americano eram indispensáveis ao meu progresso e ao progresso da publicidade no
Brasil.”xxii
Em 1938, a revista Fon-Fon noticia a chegada da comitiva da Frota da Boa
Vizinhança, como “base de uma obra de aproximação e amizade ainda maior entre os diversos
povos americanos”. Essas reportagens enumeravam, entre os brasileiros mobilizados para
receber a Frota de Boa Vizinhança, em suas diversas comitivas, normalmente representantes
de agências de publicidade brasileiras. Membros da Eclética, empresa de publicidade
2
Em 29 de setembro de 1937, a Associação Paulista de Propaganda (APP) é criada. Ela só recebe o atual nome Associação dos Profissionais da Propaganda – em 1989.
brasileira, recepcionaram V. M. Moore, presidente da Moore e McCormack Inc e organizador
da Frota da Boa Vizinhança, em visita à Associação Brasileira de Imprensa. xxiii
Figura 4: Membros da Eclética recepcionam organizador da Frota de Boa Vizinhança
Fonte: Revista Fon-Fon de 08/10/1938xxiv
O diretor da Dorland Internacional Inc., que foi ao Rio de Janeiro devido à
campanha de publicidade da Frota de Boa Vizinhança, também foi recepcionado por um
membro da Eclética, Victor Hawkins, no ano de 1938.xxv
Figura 5: Diretor da Dorland Internacional Inc recepcionado por membro da Eclética.
Fonte: Revista Fon-Fon de 05/11/1938xxvi
Já os diretores da Colgate e Palmolive são recebidos por Cícero Leuenroth,
diretor da Empresa de Propaganda Standard Ltda,xxvii agência brasileira que possuía a conta
de ambas as empresas.xxviii É significativo a Standard e não das agências estadunidenses com
filial no Brasil, como a Ayer, a Thompson ou a McCan, possuir as contas da Colgate e da
Palmolive. O diretor da Colgate aparece em notícia veiculada pela Fon-Fon como “um grande
amigo do Brasil”,xxix representação muito propícia aos ideais dos EUA.
Figura 6: Diretores da Colgate e Palmolive recepcionados por membros da Standard
Fonte: Revista Fon-Fon de 22/11/1941xxx
A Política de Boa Vizinhança só ganhou espaço no Brasil porque trouxe ganhos
reais. Se o Estado Novo aceita tal veiculação durante uma época de censura da imprensa 3,
podemos perceber elementos de barganha em sua escolha. Os EUA ajudaram no
desenvolvimento de nossos meios de comunicação, de transporte, da industrialização por
meio de acordos, de saúde - com o controle da malária, por exemplo, no problema da nutrição
no Brasil, entre outros.xxxi Mas essa ajuda não é desprovida de intencionalidade. Pretendia-se
com isso encontrar no Brasil um aliado.
Na questão publicitária, a Política de Boa Vizinhança também encontrava sua
intencionalidade, veicular uma imagem favorável aos Estados Unidos e conquistar,
culturalmente, o Brasil. Os publicitários brasileiros, por sua vez, também encontraram nela
um elemento de barganha: se apropriarem de técnicas consideradas mais avançadas, além de
realizarem intercâmbios e conquistarem verbas e anunciantes, mesmo em momento de
escassez de produtos, como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial.
Dessa forma, concluímos que a Política de Boa Vizinhança ganha espaço durante
o Estado Novo. Não intencionamos questionar a posição de Tota e Moura de que em 1940 ela
se intensificou, evidenciado, inclusive pela criação do OCIAA. Entretanto, percebemos pelo
levantamento de fontes que antes disso a Política de Boa Vizinhança já possuía visibilidade
no Brasil, uma vez que um dos principais meios de comunicação brasileiros, a Revista Fon3
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 legalizou, por meio do artigo 122, a censura prévia aos
meios de comunicação. Nesse momento, a imprensa é concebida como veículo oficial de divulgação da ideologia
estadonovista. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) é criado como órgão de fiscalização e censura
da imprensa e, concomitantemente, de criação de uma imagem favorável ao governo, e sua difusão pelos meios
de comunicação. A propaganda Estatal, entretanto, antecede a fundação do DIP. O Ministério da Educação e
Política era o responsável inicial por sua realização. Em 1934 tal função passa a ser exercida pelo Departamento
de Propaganda e Difusão Cultural, órgão submisso ao Ministério da Justiça e só em dezembro de 1939 que o DIP
é fundado. Em 1945, o Departamento Nacional de Informações substituirá o DIP, nessas funções.
Fon, considerada a 3ª mais lida ou vendida no período4, noticiava favoravelmente as ações da
Frota de Boa Vizinhança.
Ressaltamos ainda, nesse artigo, a ligação estreita entre tal política e o universo
publicitário, uma vez que membros de agências brasileiras estavam elencados entre os que
recepcionavam a Frota, além dos mesmos realizarem intercâmbios aos EUA.
Antes do Estado Novo aliar-se com os EUA, em 1942, e até mesmo antes da criação
do OCIAA, com a denominação anterior em 1940, a Política de Boa Vizinhança já ganhava
espaço no Brasil. Podemos matizar a viabilidade de circulação durante o Estado Novo: o
nacionalismo de Vargas não era xenófobo5, muito pelo contrário. Mesmo em momento de
opção pela equidistância pragmática, Vargas considerava a aproximação com outros países
necessária, como elemento de barganhas para proporcionar o desenvolvimento nacional. Da
mesma forma, o universo publicitário também se considerou beneficiado pela aproximação
com os Estados Unidos, por meio da apropriação de técnicas desenvolvidas por esses.
i
Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000. MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural
americana. Coleção tudo é história, Editora Brasiliense, São Paulo: 1988. Cf. MOURA, Gerson. Tio Sam chega
ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história, Editora Brasiliense, São Paulo: 1988.
ii
Cf. MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história,
Editora Brasiliense, São Paulo: 1988.
iii
As ideias apresentadas nos parágrafos anteriores podem ser encontradas nas obras de Antonio Pedro Tota e
Gerson Moura
iv
PEQUILO, Cristina Soreanu. As relações Brasil – Estados Unidos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2011.
v
MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. Coleção tudo é história, Editora
Brasiliense, São Paulo: 1988
vi
TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
vii
MONTEIRO, Érica Gomes Daniel. A guerra como slogan: visualizando o advertising project na propaganda
comercial da revista seleções do reader`s digest (1942-1945). In: XII Encontro Regional de História - AnpuhRio, 2006, Niterói. Usos do Passado.
__________. A guerra como slogan: visualizando o Avertising Project na propaganda comercial da Revista
Seleções do Reader`s Digest (1942-1945). Revista Tempos Históricos, v.14, 2º semestre de 2010, p.154-173.
_____________. Nos intervalos da guerra: pan-americanismo e propaganda no Brasil dos anos 40. In: X
SIMPÓSIO REGIONAL DA ANPUH, 2002. História e Biografias, 2002.
____________. Diplomacia Hollywoodiana: Estado, indústrias e as relações interamericanas durante a IIGM.
In: XXVI Simpósio Nacional de História ANPUH, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História ANPUH São Paulo, julho 2011. São Paulo: Anpuh
viii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº10, ano 33.
4
“Segundo Seguin des Hons (1985, anexos), Fon-fon era a terceira revista mais vendida ou mais lida do país.
Em primeiro lugar, vinha O Cruzeiro e, em segundo, A Cigarra.” Semiramis. Revista FON-FON: a imagem da
mulher no Estado Novo (1937-1945). São Paulo: Arte & Ciência, 2007. p.122.
5
Para Pedro Paulo Zahluth Bastos, o nacional-desenvolvimentismo da Era Vargas não pode ser considerado
xenófobo ou entreguista. Ele seria flexível, oportunista e politicamente realista. Suas características circulariam
no anti-liberalismo, no oportunismo nacionalista e na capacidade de adaptação das circunstâncias históricas
cambiantes. Cf.BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. “A construção do nacionalismo econômico de Vargas.” In:
BASTOS, Pedro Zahluth; FONSECA, Cezar Dutra (orgs.). A Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e
sociedade. São Paulo: UNESP, 2012.
ix
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº33, ano 32.
x
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº30, ano 34.
xi
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1942, nº41, ano 36.
xii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº36, ano 33.
xiii
Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.
Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº36, ano
33.
xiv
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33.
xv
Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal.
Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33.
xvi
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1939, nº16, ano 33.
xvii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº14, ano 34.
xviii
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989. p.394
xix
Créditos da imagem: FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal.
Disponível no arquivo da Hemeroteca Digital Brasileira, da Biblioteca Nacional. 1940, nº14, ano 34.
xx
Vale ressaltar, entretanto, que antes das agências norte-americanos já existiam agências nacionais no Brasil e
também departamentos publicitários formados por funcionários norte-americanos dentro de empresas. Cf.
MARCONDES, Pyr. Uma História da Propaganda Brasileira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. .”. IN: BRANCO,
Renato Castelo; MARTESEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (org). História da Propaganda no Brasil. São
Paulo: T. A.Queiroz, 2002.
xxi
MARCONDES, Pyr. 70 anos APP: a história de uma entidade presente. São Paulo: Associação de
Profissionais de Propaganda, 2007.
xxii
SARMENTO, Armando de Moraes. “As agências estrangeiras trouxeram modernidade, as nacionais
aprenderam depressa.”. IN: BRANCO, Renato Castelo; MARTESEN, Rodolfo Lima; REIS, Fernando (org).
História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T. A.Queiroz, 2002.
xxiii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº41, ano 32.
xxiv
Fotografia tirada por mim. FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.
Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº41, ano
32.
xxv
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº45, ano 32.
xxvi
Fotografia tirada por mim FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro.
Semanal. Disponível no arquivo da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1938, nº45, ano
32.
xxvii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº16, ano 34.
xxviii
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo
da Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1940, nº38, ano 34.
xxix
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1941, nº47, ano 35.
xxx
FON-FON: semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Rio de Janeiro. Semanal. Disponível no arquivo da
Hemeroteca da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. 1941, nº47, ano 35.
xxxi
Cf. TOTA, Antonio Pedro. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
A enfermidade da América Latina: conjeturas acerca do continente na virada do
século XIX para o XX
Regiane Gouveia
Resumo
Esta comunicação tem como objetivo analisar algumas proposições do escritor venezuelano
César Zumeta e do escritor boliviano Alcides Arguedas a respeito da ideia de enfermidade da
América Latina. Ambos os autores influenciaram o pensamento político e social latinoamericano no início do século XX e empregaram a retórica do diagnóstico para analisar a
realidade do continente. Estes escritores ao adotarem o paradigma científico das ciências
naturais (a concepção racista-científica) fortaleceram a ideia de que a América Latina era um
“continente enfermo”.
Palavras-chave: América Latina, Enfermidade, Intelectuais.
Abstract
This communication aims to analyze some propositions of the Venezuelan writer César
Zumeta and Bolivian writer Alcides Arguedas about the idea of illness in Latin America. Both
authors influenced the political and social thought in Latin America in the early twentieth
century and employed the rhetoric of diagnosis to analyze the reality of the continent. These
writers to adopt the scientific paradigm of the natural sciences (the design-scientific racist)
strengthened the idea that Latin America was a "sick continent”.
Keywords: Latin America, Illness, Intellectuals
Na virada do século XIX para o XX as teorias racistas se intensificaram com o
desenvolvimento científico. Tais teorias vinham envoltas em um novo discurso, com a
autoridade que a ciência lhe conferia. A literatura médica ganhou espaço nesse período e sua
linguagem foi amplamente empregada por intelectuais preocupados com o futuro da América
Latina. A instabilidade política;1 a dependência do capital estrangeiro, em decorrência das
novas relações econômicas – importação de manufaturas e máquinas, e exportação de
matérias-primas –; e os problemas sociais, comuns à maioria dos países latino-americanos na
época, faziam com que proliferassem conjeturas acerca da incapacidade do continente de
incorporar a modernização e alcançar o progresso.
Nesse contexto, surgiu uma ensaística que procurou analisar a realidade latinoamericana. Para tanto, esta recorreu ao paradigma das ciências naturais tendo em vista que o
seu desenvolvimento, desde meados do Oitocentos, permitiu que determinados critérios das
ciências fossem empregados para explicar o homem e a sociedade. Surgiram proposições
utilizando o vocabulário médico que comparavam a América a um corpo enfermo, com
diagnósticos mórbidos e prognósticos condenatórios. Tal modo de interpretar a realidade
2
latino-americana estava relacionado à autoridade que a ciência adquirira na época, uma vez
que passou a ser percebida como uma forma de conhecimento neutro, empírico e confiável. 2
Assim, a ensaística latino-americana surgiu com uma preocupação sociológica que
procurou dar conta dessas “sociedades enfermas”. 3 Vários trabalhos, nessa mesma linha,
buscaram, através de uma análise histórica, política e sociológica do continente, explicar a
situação em que se encontravam os países latino-americanos. Proliferaram obras neste viés, 4
que partindo de matrizes de pensamento comum, sobretudo, ligadas às ideias racistas e à
filosofia positivista, procuraram compreender a origem dos males do continente e as
possibilidades de alcançar a civilização e o progresso.
Na América Latina os debates raciais inspiraram intelectuais que, fundamentados nas
ideias raciais, procuraram diagnosticar a realidade latino-americana. Nota-se, contudo, entre
esses intelectuais, uma apropriação, em grande parte, original das teses raciais, visando
adequá-las ao contexto do Novo Mundo, uma vez que elas não poderiam ser aplicadas nos
mesmos termos na América Latina. Isso significaria a exclusão da maior parte de sua
população, pois era biologicamente heterogênea.
Entre as principais estratégias traçadas na época com o intuito de promover uma
limpeza racial no continente, a médio e longo prazo, estava a importação de imigrantes
europeus5 e o retorno dos descendentes de africanos à África. Procurou-se impedir, também, a
vinda de imigrantes oriundos de lugares associados à barbárie e ao atraso, como por exemplo,
a China.6 Tais propostas guardavam relação com o fato de que o racismo, cada vez mais
ratificado pela ciência, havia contaminado tão fortemente os discursos nacionalistas no início
do século XX, que era difícil resistir à sua influência. 7
Nessa época, tornara-se comum a ideia de que os conceitos e os termos das ciências
naturais poderiam ser aplicados para a análise social. Isso guarda relação com o fato de que a
sociedade era percebida como um organismo vivo, portanto, propenso à enfermidade. Logo,
os problemas sócio-políticos foram associados às enfermidades. Nesse sentido, identificar as
causas e sintomas destas permitiria curar o “organismo” doente e, consequentemente, tirar a
sociedade desse estado de enfermidade.
O anseio dos escritores de mudar a realidade do continente, de acordo com Leopoldo
Zea, acabou levando à adoção da filosofia positivista na América Latina. Nessa perspectiva,
os intelectuais teriam adotado a filosofia que era considerada a que tinha dado origem ao
mundo, que percebiam como civilizado e do qual se tentava fazer parte. O positivismo foi,
portanto, tomado como instrumento para enfrentar uma realidade que deveria ser
3
transformada e, partindo de uma profunda análise do continente, os intelectuais procuraram
meios de regenerá-lo.8
O darwinismo social, a sócio-biologia e a literatura médica foram amplamente
empregados para a definição de diagnósticos do continente. Isso seria utilizado para explicar
que se a América Latina se encontrava alheia aos desenvolvimentos oriundos da
modernização, uma das razões era porque seu povo estava enfermo. Com efeito, a
mestiçagem foi condenada em muitos trabalhos. Como no Novo Mundo, a colonização ibérica
permitira a assimilação dos índios e negros, reunindo, segundo determinadas interpretações,
os defeitos de cada raça. O resultado teria sido, portanto, um povo “degenerado”.
Teóricos como Arthur de Gobineau (1816-1882) e Gustave Le Bom (1831-1931)
reforçavam essa ideia, pois consideravam que os mestiços herdavam as características mais
negativas “das raças em cruzamento”. Encontramos tal perspectiva nas impressões que o
naturalista Louis Agassiz (1807-1873) registrou, em 1865 a respeito do Brasil. De acordo com
o estudioso suíço, esse país era o maior exemplo da degeneração provocada pela mestiçagem.
Nessa direção assinalava que:
(...) basta ter-se estado no Brasil, para não se poder negar a decadência resultante dos
cruzamentos efetuados neste país mais largamente que noutro. Estes cruzamentos
apagam as melhores qualidades quer do branco, quer do negro, quer do índio, e
produzem um tipo indescritível, cuja energia, tanto física como moral, se enfraqueceu.9
Apesar de essa ser uma das teses mais defendidas dentro da ensaística latinoamericana, surgiram particularidades que encontravam outras razões, que não a mistura de
raças – vistas como inferiores – para a situação da América Latina. Nesse sentido, conforme
defende Nancy Stepan, se por um lado as ideias que circulavam na Europa foram apropriadas
para pensar a realidade latino-americana, por outro, houve vários “processos de seleção e
remontagem de ideias e práticas de suas elaborações e alterações criativas por determinados
grupos de pessoas em contextos institucionais, políticos e culturais específicos”.10 Os
intelectuais latino-americanos, preocupados em curar as enfermidades que padecia o
continente, se empenharam em buscar na história política, social, psicológica e moral a raiz
dos males e, a partir disso, propor soluções para a transformação. Assim, destacamos algumas
das teses principais de dois autores.
As obras El continente enfermo (1899) e Pueblo enfermo (1909) do escritor
venezuelano César Zumeta (1863-1955) e do boliviano Alcides Arguedas (1879-1946),
respectivamente, constituem exemplos dessa ensaística que surgiu no período. Estes autores
influenciaram o pensamento político latino-americano no início do século XX e empregaram
4
a retórica do diagnóstico para analisar a realidade latino-americana. Ao adotarem o paradigma
científico das ciências naturais, fortaleceram a ideia de que a América Latina era um
continente enfermo.
César Zumeta11 publicou, em 1899, em Nova York, o folheto El continente enfermo,12
no qual fez uma breve análise do continente e propunha alternativas para o seu
desenvolvimento. Embora atribuísse à América Latina uma condição patológica, diferente de
seus contemporâneos, não conferia tal condição à conformação de seu povo. Reconhecia no
passado de exploração colonial e na ingerência das potências externas (tanto a europeia
quanto a estadunidense), as razões para a difícil situação das repúblicas hispano-americanas.
Em sua opinião, aproximava-se o momento de um conflito geral “dos impérios contra a
liberdade”. Tal declaração estava relacionada aos acontecimentos envolvendo a guerra
hispano-americana, em 1898. O escritor venezuelano foi um entusiasta da independência
cubana, inclusive mantivera estreita amizade com José Martí e outros revolucionários. Com o
resultado da guerra, tornaram-se evidentes os temores de Martí13 e foram, a partir disso,
denunciados por Zumeta.
Diante da ameaça que os Estados Unidos passaram a representar com sua política
imperialista no continente, o escritor defendeu que as repúblicas latino-americanas deveriam
se armar para combater a ingerência deste país.14 Zumeta chamou a atenção para o perigo que
a opinião desfavorável da imprensa a respeito da América Latina, tanto a europeia como a
estadunidense, representava para a soberania do continente. Nesses lugares era corrente a
ideia de que os povos latino-americanos eram “incapaces de los altos requerimientos del
progreso”, e também eram “semi-civilizado[s]”,15 diante disso, ele advertiu que tais
argumentos poderiam ser usados como pretexto para a intervenção na América Latina, visto
que os interessados em sua submissão frequentemente anunciavam a sua desorganização
política e a falta de habilidade para explorar os próprios recursos.
Assim, conforme afirmava Zumeta, a própria desordem do continente poderia servir
para legitimar as propostas de subordinação do continente aos interesses externos, daí insistir
em uma mudança de comportamento dos latino-americanos e na necessidade das repúblicas
armarem-se. Nessa perspectiva, ele alertou para o perigo que circundava a independência das
repúblicas latino-americanas e criticou o seu comodismo frente a todas as ameaças. O autor
considerava que o desfecho da guerra de independência cubana havia superado as conquistas
de Bolívar para a “nuestra” América em Ayacucho, nos anos 1820. A partir do momento em
que os Estados Unidos afirmaram, em fins do Oitocentos, que as Filipinas lhes pertenciam
“por derecho de conquista”, estes se converteram em potências colonizadoras.16
5
O escritor venezuelano temia que a desorganização política e as disputas e hostilidades
entre as repúblicas latino-americanas abrissem espaço para a intervenção (que já se fazia
presente) das potências estrangeiras. Dessa forma, procurou meios para que essas nações se
precavessem a respeito de tais perigos e estimulou, principalmente, o desenvolvimento de um
exército forte e a unidade entre os países da América Latina. Para Zumeta, era fundamental
que se armassem, pois somente assim conseguiriam afastar as ameaças externas e garantir a
soberania.
Alcides Arguedas17 publicou, em Barcelona, a obra Pueblo enfermo, que lhe deu
notoriedade entre os intelectuais hispano-americanos e espanhóis. Após sua viagem à Europa,
quando entrou em contato mais estreito com as teorias raciais, iniciou a sua reflexão a respeito
da Bolívia. A partir daí, procurou, através de uma profunda análise sociológica, os elementos
essenciais da identidade boliviana. Na Espanha, estabeleceu relação com os intelectuais
ligados à “geração de 1898”.
A geração do 1898 surgiu na Espanha e foi marcada pelo pessimismo, sua origem
remete à derrota na guerra hispano-americana em 1898, e também está relacionada ao
aparecimento da palavra intelectual, sobretudo na Espanha e na França em fins do século
XIX, no momento em que homens de ciência e cultura começaram a intervir no debate
público por meio de manifestos e da imprensa. Esta geração, também conhecida como
regeneracionista, procurou num primeiro momento modernizar a Espanha por meio da razão,
democracia e progresso econômico. Logo depois, afirmar a identidade espanhola, através do
resgate da hispanidad.
Diante da crise na qual a Espanha se encontrava, após a derrubada dos últimos rincões
coloniais na América e Ásia, os intelectuais se uniram no anseio de regenerar seu país por
meio de sua entrada na modernidade sem, contudo, perder sua identidade. A preocupação dos
regeneracionistas, além das condições materiais, era, principalmente, com a regeneração
espiritual da raça hispânica, entendida num viés cultural. Dentre os nomes associados a esta
geração estão: Miguel de Unamuno, Ramiro de Maeztu, José Martínez Ruiz (conhecido como
Azorín), Angél Ganivet, e José Ortega y Gasset.18
No prólogo que o escritor espanhol Ramiro de Maeztu escreveu para a primeira edição
de Pueblo enfermo comparou o esforço de Arguedas ao da geração de 1898. Segundo ele, os
intelectuais dessa geração “aparta[ran se] espiritualmente de él [España] para verlo mejor
desde fuera, no ya con lentes españoles, sino al través de vidrios europeos”.19 De acordo com
Maeztu, o escritor boliviano, da mesma forma que os intelectuais espanhóis na década
anterior, procurou analisar a realidade da Bolívia sob vários aspectos: econômico, político,
6
étnico, geográfico, mental, religioso, moral, e assim chegar à raiz do “mal” que se abatera
sobre o país andino.
Dessa forma, Arguedas teria assumido a missão de identificar: “los males que
gangrenan el organismo de [su] país, y los cuales […] no son exclusivos de él y sí muy
generalizados no sólo en nuestros países hispano-indígenas”.20 Segundo o autor, a geografia
constituía um elemento importante para o desenvolvimento de um povo, pois uma nação
desprovida do litoral, como a Bolívia, cercado pela Cordilheira dos Andes, impossibilitava o
contato com outras raças (europeias), e impedia que o “elemento étnico se renovasse”. Para
Arguedas, o Chile, a Argentina e o Uruguai constituíam exemplos de nações que já
demonstravam uma “homogeneidad envidiable”, no tocante à sua população.21
Arguedas considerava que os mestiços trariam os defeitos das raças que os
compunham. No capítulo De la sangre y el lodo en nuestra historia, o autor sublinhou que a
preponderância do sangue mestiço em seu país teria feito com que predominassem os defeitos
na ética social, o que impediria o aperfeiçoamento moral do homem boliviano. Arguedas
percebia o fracasso da sociedade americana para alcançar o progresso, como consequência do
flagelo que a raça hispânica teria encontrado no Novo Mundo. Tal flagelo – indígenas – seria
o responsável pelo atraso do continente. O autor considerava que não haveria nada a fazer de
imediato para resolver a situação de seu país cujo “pueblo enfermo, hoy [está] más enfermo
que nunca”.22
Para Arguedas, somente a regeneração da Bolívia, a partir de uma revolução moral em
sua população, permitiria o seu desenvolvimento e, sem uma mudança nos costumes, o país
jamais experimentaria a modernização. O autor não podia vislumbrar uma transformação da
população que compunha o seu país por meio da imigração europeia, tal como foi defendida,
por muitos intelectuais da época. A condição geográfica e o fato da maior parte da população
boliviana ser de origem indígena, na concepção de Arguedas, impossibilitavam esse processo.
Sendo assim, a transformação deveria ocorrer na moral e nos costumes do povo boliviano,
que, naquele momento, se apresentava como a melhor alternativa de transformação da
realidade.
Um olhar sobre o contexto mais específico em que essas obras foram produzidas pode
revelar questões importantes que guardam relação com as angústias e os temores de ambos os
autores. César Zumeta escrevera El continente enfermo no período imediato ao desfecho da
guerra de independência cubana e no momento em que a política imperialista estadunidense
se tornava mais evidente. Com efeito, o autor ressaltou a necessidade dos povos hispanoamericanos armarem-se frente às potências, pois considerava que “los fuertes conspiran
7
contra nuestra independencia y el continente está enfermo de debilidad”. 23 Outro fator que
pode estar relacionado a essa preocupação de Zumeta, diz respeito à difícil situação na qual a
Venezuela se viu envolvida e que evidenciou as desiguais relações internacionais entre seu
país e outras potências. Em 1898 discutia-se a arbitragem pelos territórios em disputa com a
Guiana Inglesa. Nesse processo, não foi reconhecido internacionalmente o direito da
Venezuela de nomear seus próprios árbitros.24
Já Arguedas, escrevia no momento em que as consecutivas derrotas bolivianas nos
conflitos sul-americanos, desde o século anterior, faziam com que o sentimento nacional se
encontrasse abalado. Apesar da Guerra do Pacífico ter ocorrido entre 1879-1883, foi em 1904
que o tratado que oficializava a perda da saída do mar da Bolívia, em benefício do Chile foi
assinado, além da perda de importantes jazidas de Nitrato. Também foi no início do século
XX, que a questão do Acre foi definida, o que levou novamente a mais uma amputação de seu
território. Não é de surpreender, portanto, que Arguedas identificasse na história, na sociedade
e na política da Bolívia os perigos que a cercavam.
Assim sendo, os intelectuais latino-americanos preocupados em sanar as enfermidades
das quais padecia o continente se empenharam em buscar na história política, social,
psicológica e moral a raiz dos males e, a partir disso, propor soluções para a transformação.
Embora haja aspectos comuns entre as análises dos autores, principalmente atribuírem uma
condição patológica à América Latina, há particularidades entre eles. Se, para Arguedas, a
conformação social era o grande empecilho para o desenvolvimento do continente, para
Zumeta, a desorganização política era o que colocava em perigo a soberania das nações.
8

Doutoranda do programa de Pós-graduação em História da Ciência e da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ/COC). Orientadora Drª. Maria Rachel de Gomensoro Fróes da Fonseca, Coorientador Dr. Marcos
Cueto. Bolsista da Fundação Oswaldo Cruz. [email protected], (21)7494-3713, Rua Joaquim
Murtinho, 641, Santa Teresa, Rio de Janeiro.
1
Embora desde a primeira metade do século XIX, os estados nacionais latino-americanos vinham consolidando
seu território, nas últimas décadas do Oitocentos essa questão ainda não estava definida. Vários conflitos
assolavam alguns países do continente, guerras civis e revoltas armadas se faziam presentes no contexto
americano, como a Guerra Grande (1843-1851) no Uruguai, e a rivalidade caudilhista entre federalistas e
unitários na Argentina durante as primeiras décadas de emancipação política. O Brasil, desde a independência
também enfrentou uma série de revoltas, principalmente durante o período das regências. Além de grandes
conflitos, em disputas por fronteiras, como a Guerra do Paraguai (1860-1865), envolvendo Brasil, Uruguai e
Argentina em uma aliança contra o Paraguai; e a Guerra do Pacífico (1879- 1884), que resultou na perda para o
Chile de parte do território peruano e a saída do mar da Bolívia. GOLDMAN, Noemí e SALVATORE, Ricardo
(compiladores). Caudilhismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Eudeba, 2005.
E PAMPLONA, Marco Antonio e DOYLE, Don H. (orgs.). Nacionalismo no Novo Mundo: a formação de
Estados-Nação no século XIX. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 25.
2
STEPAN, Nancy. “A hora da eugenia” raça, gênero e nação na América Latina. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2005. p. 75.
3
FUNES, Patricia. ANSALDI, Waldo. “Patologías y rechazos. El racismo como factor constitutivo de la
legitimidad política del orden oligárquico y la cultura política latinoamericana”. Publicação eletrônica disponível
em: www.catedras.fsoc.uba.ar/udishal, 1991. p. 4.
4
Destacamos as obras: Manual de Patología Política (1889) do argentino Juan Alvarez; Los negros brujos
(1906) do cubano Fernando de Ortiz; Enfermedades Sociales (1906) do argentino Manuel Ugarte; Nuestra
inferioridad económica (1912) do chileno Francisco Encinas; La enfermedad de Centroamérica (1912) do
nicaraguense Salvador Mendieta; e Nuestra América: ensaio de psicologia social (1912) do argentino Carlos
Octavio Bunge.
5
Nessa época foi incentivada a imigração eugênica que defendia o valor étnico como condição para a entrada no
país. O médico e eugenista Renato Kehl foi enfático em relação a tal imigração. Para ele, eram necessárias leis
severas que estabelecessem as condições para a entrada de imigrantes no Brasil. MARQUES, Vera Regina
Beltrão. A medicalização da raça: médicos, educadores e discurso eugênico. Campinas: UNICAMP, 1994. p.
91. Para mais informações Cf. STEPAN, Nancy. “A Eugenia no Brasil - 1917 a 1940”. In: HOCHMAN,
Gilberto; ARMUS, Diego (orgs.). Cuidar, controlar, curar: ensaios sobre saúde e doença na América Latina e
Caribe. Rio de janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
6
A esse respeito Cf. SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
7
GERSTLE, Gary. “Raça e nação nos Estados Unidos, México e Cuba, 1880-1940”. In: PAMPLONA, Marco
Antonio V. e DOYLE, Don H. (orgs.). Nacionalismo no Novo Mundo: a formação de Estados-Nação no século
XIX. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. p. 440.
8
ZEA, Leopoldo. Pensamento Positivista Latinoamericano. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1979. p. 62.
9
AGASSIZ, Louis. apud LE BON, Gustave. Leis psychologicas da evolução dos povos. Lisboa: Edição da
Typografia de Francisco Luiz Gonçalves, 1910. p. 53.
10
STEPAN, Nancy. Op. cit. p. 11.
11
César Zumeta nasceu em 1863, em Caracas. De origem humilde, muito cedo, Zumeta ficou aos cuidados de
uma família de posses. Teve a oportunidade de frequentar boas escolas e ingressar na faculdade de Direito,
apesar de não tê-la concluído. Em 1883, publicou seu primeiro opúsculo, que dedicou a Simon Bolívar. No
mesmo ano, ingressou no jornalismo colaborando para o jornal El Anunciado, que fazia oposição ao governo.
Em virtude disso, foi preso e desterrado em Bogotá. Ao regressar à Venezuela, foi preso novamente e seguiu
para os Estados Unidos, onde passou a fazer parte da redação de La América (1884-1889). Sua produção é vasta
e foi publicada em diversos jornais sob variados pseudônimos: Ignotus, Blumentha, Luis Avila e Junius. Faleceu
em Paris, em 1955.
12
Este folheto foi reeditado posteriormente, em 1961, com compilações de vários artigos escritos por Zumeta ao
longo do século XX, formando uma obra maior sob o mesmo título.
13
Desde o final da década de 1880, José Martí já alertava para o perigo que os Estados Unidos poderiam
representar à soberania das repúblicas latino-americanas.
14
ZUMETA, César. Las Potencias y la Intervención en Hispanoamérica. Caracas: Publicaciones de la
Presidencia de la Republica. Colección “Venezuela Peregrina”, 1963. p. 10.
15
ZUMETA, César. El continente enfermo. Caracas: Colección “Rescate”, 1961. p. 26.
16
Ibid. p. 20.
9
17
Alcides Arguedas nasceu em 1879 em La Paz, proveniente de uma família de prestígio. Estudou Direito na
Universidad de San Andrés, mas nunca exerceu a profissão. Contribuiu para vários jornais na Bolívia e revistas
importantes como Mundial e Revista de América. Devido aos ataques ao presidente, através dos jornais, foi
desterrado na Europa. Atuou como diplomata em Paris e Londres. E quando residia na França deu início a uma
amizade com García Calderón e Ruben Darío. Participou intensamente da vida política de seu país, foi deputado,
senador e ministro. Publicou vários livros, principalmente sobre a história da Bolívia.
18
CAPELATO, Maria Helena. “A data símbolo de 1898: o impacto da independência de Cuba na Espanha e
Hispanoamérica”. In: História, São Paulo, 2003. pp.39-40.
19
MAEZTU apud ARGUEDAS, Alcides. Pueblo Enfermo. Chile: Ediciones Ercilla, 1937. p. 10.
20
SOLDÁN apud ARGUEDAS, Raza de Bronce. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2006. p. 14.
21
Op. cit. p. 14.
22
Ibid, loc cit.
23
ZUMETA, César. El continente enfermo. Op. cit. p. 31.
24
GUERRERO, Carolina. “La reacción positivista al imperialismo intelectual en el pensamiento político de
Venezuela del 98”. In: ZEA, Leopoldo y SANTANA, Adalberto (compiladores). El 98 y su impacto en
Latinoamérica. México: Fondo de Cultura Económica, 2001. p. 55-56.
Adolf Hitler: formação ideológica e antissemitismo
Vinícius Bivar Marra Pereirai
RESUMO:
O presente artigo apresenta de forma condensada os resultados da pesquisa realizada durante a
confecção do trabalho de conclusão de curso acerca do contexto que tornou possível a formação e
consolidação da ideologia antissemita do ditador Adolf Hitler. A presente análise se estrutura em três
momento buscando compreender as transformações no conceito de antissemitismo, sua influência sobre
a formação de Adolf Hitler, bem como sua manifestação política posterior, com objetivo de
contextualizar suas origens e problematizar suas consequências.
Palavras Chave: Antissemitismo, Adolf Hitler, Holocausto
ABSTRACT:
This paper aims at presenting the results from research conducted in order to receive the
Bachelor degree from the University of Brasilia. It focuses on understanding the development and
consequences of the antisemitism professed by Adolf Hitler. It is divided in three parts regarding the
changes on the concept of antisemitism, their influence on the ideological framework of Adolf Hitler
and its further political appropriations.
Keywords: Antisemitism, Adolf Hitler, Holocaust
Introdução
O presenta artigo tem como objetivo sintetizar o esforço de pesquisa que resultou na
monografia de final de curso intitulada “As Origens de uma Obsessão: Um estudo sobre o
antissemitismo de Adolf Hitler.”ii Faz-se necessário, portanto, introduzir elementos relativos a questões
historiográficas e metodológicas que nortearam o trabalho e permitem uma compreensão mais ampla
da inserção deste trabalho no debate acerca do nacional-socialismo.
A comunidade dos historiadores vem estudando de maneira sistemática o nacional-socialismo
ao longo dos últimos 60 anos, algumas obras, no entanto, foram publicadas ainda na década de 1940,
caso de Ernst Fraenkel e Franz Neumann.iii Ao longo das décadas seguintes, ao menos até meados da
década de 1990, o debate se polarizou entre defensores de correntes opostas denominadas
funcionalismo, ou estruturalismo, e intencionalismo. A primeira advoga a em favor de uma relevância
limitada da figura de Adolf Hitler e um papel predominante das estruturas na manutenção e
radicalização do regime. A segunda aponta na direção oposta, propondo um interpretação em que a
figura do ditador austríaco seria determinante para o desenrolar dos acontecimentos.
O antissemitismo tem lugar de destaque nessa controvérsia, pois parcela significativa do debate
esta relacionada a explicação da “Solução Final”. Porém, ao contrário do que muitos acreditam, ainda
não se atingiu um consenso acerca da relevância do antissemitismo para o assassinato em escala
industrial levado a cabo sobretudo após 1941. Parcela dos historiadores enxerga o antissemitismo como
condição suficiente para que o Holocausto ocorresse, outros, caso de Jocelyn Helligiv, veem o
antissemitismo como condição necessária, porém não suficiente, para o genocídio. A segunda
abordagem se estrutura sobre o argumento de que o antissemitismo não era um fenômeno exclusivo da
Alemanha, bem como não seria o antissemitismo alemão o mais radical quando comparado por
exemplo com o existente na França.
A perspectiva supracitada tem se tornado cada vez mais popular a medida em que o debate se
torna mais complexo. Sobretudo a partir da publicação da obra de Daniel Goldhagen, a polarização
observada anteriormente cedeu lugar a abordagens mais complexas que buscam conjugar as duas
perspectivas, tradição na qual se insere este trabalho. O objetivo da pesquisa realizada foi compreender
Adolf Hitler inserido em um contexto, o que permitiu que suas ideias se formassem e se
desenvolvessem oferecendo um abordagem mais complexa da importância do ditador nos
acontecimentos que se seguiram e culminaram na concretização da “Solução Final”.
O trabalho se divide originalmente em três capítulos, dedicados a cronologias distintas, porém
fundamentais a compreensão das ideia manifestas por Adolf Hitler ao longo de sua vida. O primeiro
momento esta relacionado a atualização do antissemitismo ocorrida ao longo do século XIX. O
segundo momento está relacionado a infância e adolescência de Hitler, com destaque para o período em
que o ditador viveu em Viena e para sua participação na Primeira Guerra Mundial. O terceiro momento
está situado após o fim da Guerra, seu período em Munique e início de sua carreira política já durante a
República de Weimar.
Metodologicamente os desafios ao realizar uma pesquisas acerca desse tema são variados. O
primeiro reside na escassez de fontes disponíveis acerca de diversos momentos da vida do à época
jovem Hitler, o que demanda a utilização de mecanismos de imaginação histórica para compreender de
forma razoável sua trajetória, como reconhecido inclusive por seus biógrafos. A língua alemã também
representa um obstáculo. Visando minimizar o impacto metodológico do uso excessivo de traduções,
recorri diversas vezes aos originais em trechos de especial interesse para a pesquisa, possibilitando a
interpretação mesmo com um conhecimento ainda reduzido do idioma em questão. Aliado as fontes,
parte da vasta historiografia acerca do tema foi consultada visando ampliar a compreensão dos aspectos
analisados, tornando viável a realização do trabalho.
O “Antissemitismo Moderno”
O conceito utilizado por Einhart Lorenzv ilustra de maneira eficiente a transição que forneceu
embasamento para o desenvolvimento das grandes teorias pseudo-científicas do século XIX.
Historiadores como os já citados Daniel Goldhagen e Jocelyn Hellig, bem como Raul Hilbergvi,
advogam em favor de uma interpretação com ênfase na longa duração chegando em alguns casos até o
século XV. Porém esse autores muitas vezes tratam o século XIX de forma superficial, com objetivo de
evidencias a longevidade do antissemitismo.
Apesar de ser relevante compreender o antissemitismo de forma mais ampla na longa duração,
as mudanças ocorridas no século XIX são determinantes para uma análise mais profunda da ideia de
antissemitismo que forneceu suporte as concepções hitleristas acerca dos judeus. Trata-se de um
período em que o paradigma científico se inseria em um ambienta anteriormente eminentemente
religioso. Uma das obra que evidencia essa mudança é a de William Paley “Natural Theology”, ainda
no século XVIII, que busca conjugar as duas perspectivas utilizando a ciência como ferramenta
probatória da existência de Deusvii.
Ao contrário do que as interpretações de Hellig, Hilberg e Goldhagen podem suscitar a relação
das nações europeias, entre elas a Alemanha, com os judeus seguia uma tendência emancipadora como
evidencia Harket.
“Em alguns estados onde a emancipação se deu mais cedo, esta ficou
fortalecida após o Congresso de Viena, em 1815, desde que não
tivesse chegado na ponta da baioneta. Especialmente em Berlim,
capital da Prússia, onde a bandeira da emancipação fora içada já antes
da Revolução Francesa.viii
A inversão desse momento favorável se deu sobretudo com a adoção do conceito de
antissemitismo como ferramenta de luta política. Movimento que se popularizou na Alemanha já
unificada com a contribuição de Wilhelm Marr e a criação da Liga Antissemita em 1879, responsável
pelo publicação dos Antisemitische Hefte, Cadernos Antissemitas. Einhart Lorenz localiza um ponto
central da transição referida anteriormente nesse mesmo ano, com a “benção acadêmica” conferida
pelo historiador Heirich von Treitschke.ix
Seus efeitos foram potencializados pela nacionalismo característico desse momento histórico.
A Alemanha, talvez mais que qualquer outra nação europeia, precisou ser cunhada o que demandava a
exclusão de determinados grupos que não partilhavam dos modelos de Deutschtum propostos. Além
dos judeus os poloneses também foram alvo, já sob Bismarck, de um processo de “germanização”.
Um discurso emblemático proferido por Bismarck em 1886 ilustra sua insatisfação com a situação
dos poloneses, que em sua opinião não eram dignos de confiança.x
No que tange a situação dos judeus o documento emblemático foi produzido pelo Congresso
Antissemita de Dresden realizado em 1882. Esse evento é particularmente relevante pois grande parte
das ideia apropriadas por Hitler estavam em maior ou menor grau postas no documento produzido
pelos participantes.xi Alguns dos pontos presentes nesse documento são: o argumento da “nação
dentro da nação”, os judeus como grande beneficiários da especulação no sistema financeiro global, o
judeu como raça e seu consequente plano de dominação mundial. Todos facilmente associáveis as
ideias apresentadas em Mein Kampf.
É nesse contexto que nasce Adolf Hitler. As ideias presentes no referido documento irão ser
desenvolvidas e aperfeiçoadas ao longo do processo de formação do futuro Führer, sendo improvável
que Hitler não tivesse de alguma forma tido contato com esse referencial ideológico, ao contrario, as
fontes apontam para um contato precoce com o ideário antissemita, porém é necessário certa cautela
ao afirmar que Hitler seria um antissemita convicto nesse momento.
A conversão
A principal fonte utilizada por historiadores que defendem uma conversão precoce é a obra
“Mein Jungendfreund” escrita por August Kubizek, melhor amigo do futuro ditador. Gerald Fleming é
um dos historiadores que tomas essa perspectiva como referencia. Porém é importante ressaltar que
Kubizek escreveu seu livro cerca de mais de 20 anos após os acontecimentos, possivelmente, como
indica Kershawxii, por encomenda do Partido Nazista(NSDAP). Apesar de questionar o relato,
Kershaw não põe em causa o contato de Hitler com ideias antissemitas, porém rejeita que ele, Hitler,
houvesse se tornado um antissemita precocemente.
Existem porém outras três hipóteses para a conversão do ditador. A primeira advoga que Viena
teria sido o cenário na conversão, enquanto a segunda coloca a guerra como elemento fundamental e
ainda a terceira que atribui a Munique a cristalização das ideias antissemitas de Hitler. Este capítulo
se concentra nas duas primeiras enquanto o terceiro se dedica a avaliar a terceira.
Viena foi sem dúvida um momento marcante na vida de Hitler, porém também não pode ser
tratado como marco da “conversão”. Apesar da relevância atribuída por Hitler a esse momento de sua
vida, criou-se entre os historiadores relativo consenso sobre uma conversão posterior. Não se trata de
negar a importância de Viena na formação da ideia de antissemitismo, porém a ausência de outras
fontes que corroborem o testemunho do ditador fez com que vários dos principais nomes da
historiografia, dos quais podemos citar Kershaw, Evans e Lukacs, adotassem 1919 como momento
decisivo para o antissemitismo de Hitler.
Viena no entanto apresentou Hitler a uma das figuras que se tornaria um modelo, abordagem
defendida por Lukacsxiii em uma de suas notas, Karl Lueger. Fest define bem tal relação ao afirmar
que “sua influência sobre Hitler marcou menos sua ideologia do que a patologia que lhe servia de
base”. De fato, as fonte indicam que Hitler teria sido mais significativamente influenciado por outras
fontes tais como Jörg von Liebenfels e Georg Ritter von Schönerer.
Porém, Lueger moldou Hitler para além do antissemitismo que professava. Se tornou um
modelo de atuação política para o ditador. Lukacs compara o encanto exercido por Hitler sobre as
mulheres ao de Luegerxiv. Suas posturas como orador e conforto diante das massas certamente
beberam na fonte do político austríaco, elemento corroborado pelo elogio em Mein Kampfxv.
Os relatos não são conclusivos, alguns afirmam que Hitler teria se mudado para Munique em
1913 um antissemita convicto, outros afirmam que ele não seria de forma alguma um antissemita. O
consenso se estrutura sobre o fato de esta passagem de Mein Kampf provavelmente foi utilizada como
ferramenta retórica visando criar uma espécie de “estrada de Damasco” antissemita.
Ao contrario das abordagens apresentadas até aqui, a hipótese de que sua conversão teria se
dado durante a guerra tem apoio de grandes nomes da historiografia tais como Kershawxvi, Evansxvii e
Friedlämder.xviii No entanto o principal nome defensor dessa tese é o jovem historiador Thomas
Weber. Em seu livro intitulado “Hitler's First War”xix, Weber questiona alguns aspectos relacionados
ao período em que Hitler serviu as forças armadas alemãs. Para esse autor estava claro, ao menos em
1916, que Hitler já havia se tornado um antissemita. Ele cita o ódio de Hitler por um oficial judeu,
Hugo Gutmann, o que exemplifica para esse autor a abertura com que Hitler tratava o tema ainda
durante a guerraxx. A guerra acabou se tornando um terreno fértil para extremismos, dentre os quais o
autor destaca o avanço da extrema direita, o que possibilitou o florescimento do antissemitismo em
meio a sociedade alemã, sobretudo nos grandes centros urbanos.xxi
A principal fonte utilizada na análise de seu retorno a Baviera, e tida como prova fulcral da
conversão de Hitler é uma declaração escrita em 1919, em resposta a Adolf Gemlich. Já nesse
documento, Hitler retoma vários dos argumentos apresentados no Congresso Antissemita de Dresden,
porém sua defesa acerca do judaísmo como raça é curiosamente vaga e superficial. A única referência
a elementos biológicos no texto está implícita no conceito de “raça”. Hitler busca construir a imagem
da “raça judaica” por meio da negação do judaísmo como parte da germanidade, “das Deutchtum”,
ou seja, características “raciais” alemãs.
Hitler parece buscar seu embasamento, de forma indireta, em Haeckel e Gobineau, dois
teóricos que defendem uma noção de raça direcionada a elementos culturais, tais como evolução
linguística e moral. Apesar da existência trabalhos que sustentassem abordagens biológicas, como os
de Francis Galton e August Weissman, Hitler parece não os conhecer ou não dar importância a eles,
adotando o que poderíamos chamar de “antissemitismo völkisch”. Seu antissemitismo tem menos
embasamento em elementos genéticos, concentrando-se em aspectos formadores de identidade,
caracterizando “o judeu” por meio da oposição ao que ele, Hitler, acreditava ser o alemão.
O “antissemitismo völkisch” manifestado por Hitler nesse momento caracteriza-se portanto
por uma rejeição ao outro com base em sua identidade nacional e não propriamente a sua
nacionalidade. Hitler inclusive prevê a possibilidade de que características raciais sejam abandonadas
voluntariamente.xxii
Antissemitismo: determinante ou acessório?
Esse último momento a ser tratado aqui pode ser dividido em dois períodos distintos. O
primeiro se caracteriza pela difusão das ideia antissemitas de Hitler abertamente, direcionado
sobretudo para seus correligionários. O segundo seria caracterizado por uma utilização reduzida de
argumentos antissemitas que ocorre sobretudo após a tentativa fracassada de golpe e tem por objeto
atrair um público mais amplo para a base do NSDAP. Heilbronner sintetiza esse fenômeno na
seguinte passagem.
“Millions of Nazi voters did not cast their vote for the party because
they were antisemites. They were prepared to accept the Nazi Party’s
1920 programme, including the antisemitic paragraph, only if the
party offered them bread, jobs and hope for the future.” xxiii
Porém não podemos ignorar, sob pena de subestimar seu papel, que o antissemitismo expandiuse dentro do território alemão após 1918. Nesse mesmo ano movimentos populares de cunho
antissemita ocorreram em Munique e Berlim.xxiv Novamente em 1923/24, de forma ainda mais radical,
em varias partes do território alemão.xxv Apesar dos episódios citados, não parece pertinente comparar a
atmosfera de Munique, mesmo após a guerra, com o que Hitler vivenciou em Viena, onde o
antissemitismo era demasiado virulento.
Observa-se nesse cenário uma diminuição acentuada no número de discursos cujo cerne é a
difusão de argumentos antissemitas. Isso é o que leva muitos historiadores. Cabe ressaltar que mesmo
após 1924, como nos lembra Needler, o antissemitismo era um fator importante de coesão e que
conferia certa continuidade as propostas apresentadas ao longo desse período.xxvi Para esse autor,
mesmo diante dessa ausência, o antissemitismo continuou a ser um elemento de propaganda importante
para os nazistas. Porém, quando avaliamos de forma ampla o apelo antissemita do NSDAP, torna-se
pertinente a referência a Allen ao analisar a ascensão do nazismo em uma pequena cidade alemã,
referindo-se ao antissemitismo popular como consequência do apoio ao nazismo e não o contrárioxxvii.
Não há muito a acrescentar em relação ao segundo momento tratado até aqui, porém a evolução
das ideias de Hitler que culminariam na obra Mein Kampf são pertinentes a reflexão traçada ao longo
do trabalho. Muitos dos argumentos apresentados em 1919 se mantem o que denota certa continuidade
, porém a medida em que nos aproximamos de 1924 eles sofrem pequenas atualizações. Não cabe aqui
tratar uma a uma, no entanto parece pertinente citar alguns elementos essenciais.
Uma das essências da argumentação de Hitler é a “ausência de idealismo” dos judeus. Hitler
atribui ao judeu a característica essencial da autopreservação, elemento que permeia todo o texto.
Esse seria para Hitler o cerne do “comportamento judeu” do qual derivam outros desvios inerentes a
raça “que apresenta maior contrate com o ariano”xxviii. Sua coesão, chamada “solidariedade racial”xxix
por Hitler, se manifestaria diante de um contexto em que se sintam ameaçados. Hitler compara os
judeus a um grupo de lobos que caçam juntos, mas separam-se após saciar sua fome.
Uma consequência direta desse instinto de autopreservação seria o caráter supranacional da
“nação” judaica. Como vimos em Friedländerxxx, os judeus estavam longe de constituir um todo coeso,
mesmo em momentos de crise. A assimilação se dava em níveis distintos, mas sua identificação
nacional residia majoritariamente no país que os acolheu. Para o Führer a ausência de um
correspondente territorial advinha da supracitada ausência de idealismo, por sua vez intimamente
relacionada uma atitude positiva em relação ao trabalho.xxxi
Ao contrário do ariano, “o judeu”, para Hitler, era avesso ao trabalho o que o tornaria incapaz
de erguer um Estado próprio. Além do trabalho a não constituição de uma civilização é outro
elemento que impossibilitaria o estabelecimento de um Estado-nação judeu, que no texto é
exemplificado pela ausência de uma expressão artística própria. Os judeus seriam portanto parasitas,
que se beneficiavam da apropriação de elementos de outras raças.
Apesar da existência de documentos produzidos por outros autores, o que possibilitaria uma
análise mais detalhada, eles não foram utilizados, pois desviariam o foco do trabalho das
especificidades da formação ideológica de Hitler, acarretando prejuízos a análise.
Considerações Finais
O presente artigo teve por objetivo comunicar os resultados da pesquisa realizada para
confecção de trabalho de conclusão de curso, apesar das limitação que não permitiram um
desenvolvimento mais aprofundado acredito ter elucidado alguns dos pontos que abordei ao longo da
pesquisa que podem ser condensados em algumas conclusões essenciais.
O primeiro ponto está relacionado a inserção de Hitler em seu contexto. Ao analisarmos o
seculo XIX, podemos constatar um certo grau de continuidade entre as ideias professadas por
antissemitas do período e posteriormente as ideias defendidas por Hitler. Portanto, Hitler não foi
inovador, a única inovação reside talvez na condensação de correntes distintas do pensamento
antissemita em um único conjunto de premissas.
O segundo ponto esta relacionado a ideia de progresso. Apesar de haver certo consenso acerca
da conversão de Hitler após a guerra, acredito ser relevante compreender tal momento em sua
totalidade. Um processo que culminaria não em 1919, mas em Mein Kampf. Seria necessário, porém,
um estudo mais aprofundado das ideias professadas ao longo da década de 1930 pare estabelecer se
houve de fato uma cristalização das ideias antissemitas professadas por Hitler ou se as mudanças se
estendem além de Mein Kampf.
O terceiro e último elemento esta relacionada a importância do antissemitismo na ascensão de
Hitler e do NSDAP ao poder na Alemanha. Observa-se uma mudança clara na estratégia adotada após
o fracassado Putsch da Cervejaria, o que denota que o antissemitismo possui impacto relativo como
meio de propagando ao contrário do que defende Goldhagen.
Trata-se de uma pesquisa mais ampla, em que temas foram abordados em maior detalhe bem
como suas implicações foram analisadas com maior clareza, gerando resultados outros além dos
expostos nesse breve artigo. Porém para os fins propostos de divulgação dos resultados a presente
iniciativa se mostra satisfatória oferecendo ao leitor uma breve reflexão acerca de um dos elementos
cuja influência no século XX é inegável.
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WEBER, Thomas. Hitler's First War. Oxford: Oxford University Press, 2010.
i Bacharel e Licenciado em História pela Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]
ii Trabalho de conclusão de curso orientado pelo professor Wolfgang Döpcke. Disponível em:
http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/5786/1/2013_Vin%C3%ADciusBivarMarraPereira.pdf
iii BERG, Nicolas. The invention of “Functionalism”: Josef Wulf, Martin Broszat, and the Institute for Contemporary
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iv HELLIG, Jocelyn. The Holocaust and Antisemitism: a short history. Oxford: Oneworld, 2003.
v LORENZ, Einhart. Berlim: O Desenvolvimento do “Anti-Semitismo Moderno”. In: ERIKSEN, at al. História do AntiSemitismo. Lisboa: 70, 2010. p.295-314
vi HILBERG, Raul. The destruction of European Jews: precedents. In: BARTOV, O. The Holocaust: Origins
Implementation, Aftermath. New York: Routledge, 2001. pg. 21-42.
vii Para maiores detalhes ver: TESS, Cosslett. Science and Religion in the Nineteenth Century. New York: Cambridge
University Press, 1984. p.25
viii HARKET, Håkon. Alemanha: No pensamento da violência. In: ERIKSEN, at al. História do Anti-Semitismo. Lisboa: 70,
2010. pg. 194
ix Ver: LORENZ, Einhart. Berlim: O Desenvolvimento do “Anti-Semitismo Moderno”. In: ERIKSEN, at al. História do
Anti-Semitismo. Lisboa: 70, 2010. pg. 297
x Stenographische Berichte über die Verhandlungen des preußischen Abgeordnetenhauses [Stenographic Reports on the
Proceedings of the Prussian House of Representatives], 14th legislative period 1885/88, 1st Session, vol. 1, 8th Meeting,
Berlin, January 28, 1886, pp. 164ff; reprinted in Otto von Bismarck, Werke in Auswahl. Jahrhundertausgabe zum 23.
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http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=1840
xi Manifest an die Regierungen und Völker der durch das Judenthum gefährdeten christlichen Staaten laut Beschlusses des
Ersten Internationalen Antijüdischen Kongresses zu Dresden am 11. und 12. September 1882[Manifesto to the
Governments and Peoples of the Christian Nations Threatened by Judaism”: The First Anti-Jewish Congress in Dresden
(September 11-12, 1882)]. Chemnitz, Sachsen: Verlag von Ernst Schmeitzner, 1882, pp. 1-14. [Bundesarchiv, ZSg 2/15
(4)]. Dispon;ivel em: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org/sub_document.cfm?document_id=581
xii KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pg.45
xiii LUKACS, John. O Hitler da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p.196n.23
xiv Idem.
xv KERSHAW, Ian. Hitler: Um perfil no poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. p.27
xvi KERSHAW, Ian. Hitler. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. pg. 94
xvii
Evans, Richard J. (22 June 2011)."How the First World War shaped Hitler".The Globe and Mail(Phillip Crawley).
xviii
FRIEDLÄNDER, Saul. From Anti-Semitism to Extermination. Jerusalem: Yad Vashem, 1976. pg. 5. Disponível
em: http://www.yadvashem.org/untoldstories/Documents/studies/Saul_Friedlander.pdf
xix WEBER, Thomas. Hitler's First War. Oxford: Oxford University Press, 2010.
xx Idem. p. 173
xxi Idem.
xxii
„Hitler an Gemlich. München, 16. September 1919“, HStA München. Abt. II. Gruppen Kdo. 4. Bd. 50/8. Abschrift;
abgedruckt in Ernst Deuerlein, „Hitlers Eintritt in die Politik und die Reichswehr“, Vierteljahrshefte für Zeitgeschichte, 7.
Jahrgang, 2. Hefte/Abril 1959, pg. 203-05. Disponível em: http://germanhistorydocs.ghidc.org/sub_document.cfm?document_id=3909
xxiii
HEILBRONNER, Oded. German or Nazi Antissemitism? In: History in Focus, Londres, vol. 7, 2004. p. 9.
Disponível em: http://www.history.ac.uk/ihr/Focus/Holocaust/stone.pdf
xxiv
ABEL apud KATER, Michael H. Everyday Antisemitism in Pre-War Nazi Germany: The Popular Basis. Jerusalem:
Yad Vashem, 1984. p. 5. Disponível em: http://www.yadvashem.org/odot_pdf/Microsoft%20Word%20-%205618.pdf
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WISSMANN apud KATER, Michael H. Everyday Antisemitism in Pre-War Nazi Germany: The Popular Basis.
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xxvi
NEEDLER, Martin. Hitler's Anti-Semitism: A Political Appraisal. In: The Public Opinion Quarterly, Vol. 24, No. 4,
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xxvii
ALLEN apud HARTMANN, Dieter. Anti-Semitism and the Appeal of Nazism. In: Political Psychology, Vol. 5, No.
4, 1984. p. 636. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/3791234 .
xxviii HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Centauro, 2001. p. 222
xxix
Idem. p. 224
xxx
FRIEDLÄNDER, Saul. Nazi Germany and the Jews 1939-1945: The Years of Extermination. New York: Harper
Perennial, 2008. pg. 6
xxxi
HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Centauro, 2001. p. 225
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