A44 ID: 61227853 02-10-2015 Pedro Santos Guerreiro [email protected] Boa continuação O u rebenta o PS, ou rebentam as empresas de sondagens, ou rebenta um golpe da esquerda unida contra a coligação de direita vencedora. A dois dias das eleições, a ciência estatística coincide na previsão. Pode estar mais distante uma vitória do PS do que uma maioria absoluta do PSD/CDS. Está próximo um bom resultado do PCP e talvez do Bloco. E tudo isto não diz apenas muito dos partidos, revela muito sobre quem os elege. Sobre nós, o povo. A campanha eleitoral teve, como todas têm, casos, excessos, erros, manipulações, graças, desgraças, berros, silêncios, propostas, respostas, debates, combates, abates. Mas o que a marcou foi o apelo ao voto útil pelos partidos da governação pela dramatização da maioria absoluta. António Costa sabia-o desde o início. Não sonhava que pudesse funcionar como pesadelo. Se rebenta o PS, o que acontecerá no caso de derrota expressiva, dali ninguém sai vivo. Não há prova maior desse receio do que a contagem de espingardas que já se faz no Rato. Mas, nesse caso, a vitória da coligação de direita será tão expressiva que não restarão dúvidas sobre a escolha do país. Se rebentam as empresas de sondagens, o que acontecerá em caso de vitória do PS, então tem tudo de voltar para a escola, incluindo a própria escola. Passaremos semanas a discutir o falhanço coletivo e que efeito esse falhanço teve no comportamento do eleitorado. Tiragem: 100925 Pág: 2 País: Portugal Cores: Cor Period.: Semanal Área: 23,18 x 13,89 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 Se rebenta um golpe de esquerda unida contra a vitória da coligação de direita, então temos caso para meses. Isso é teoricamente possível se PSD/CDS ganharem sem maioria absoluta e o PS se unir ao PCP, ao BE ou a ambos para propor uma maioria absoluta ao Presidente da República. O cenário é estapafúrdio, mas não é impossível. Cavaco Silva parece considerar a possibilidade de tal dinamite eleitoral, ou não usaria o cálculo político para cancelar a presença nas cerimónias do 5 de Outubro: pôs o estado de sentido acima do sentido de Estado. Um governo desses não seria de união nacional, mas provavelmente de desunião nacional. Esquerda contra direita. Vitória na secretaria contra vitória nas urnas. Até porque facilmente seria uma espécie de governo provisório. Mais do que capacidades ímpares de negociação, criar uma coligação dessas exigiria mudanças de personalidade aos três partidos, como pedir a pássaros que rastejem, a carnívoros que se alimentam de ervas e a mamíferos que ponham ovos. O cenário intermédio seria uma coligação de centro ou um governo minoritário com acordos parlamentares para nada menos do que a reforma das pensões. Não é impossível criá-los entre PS e PSD, até porque os programas económicos têm muito em comum. Mas, depois desta campanha, é difícil pensá-los com estes dois líderes. Foi com base no medo dos cenários de instabilidade que PS e PSD/CDS foram pedindo maiorias “claras” ou “absolutas”, tentando pulverizar votos em partidos de menor representação. No domingo tudo isso será no entanto nada ao pé do que é tudo: o número de votos, conscientes e livres, que ditam quem nos governará. E como nós, governados, preferimos entrar no futuro. Qualquer convocatória do eleitorado às urnas soa a politicamente correto. Não devia. É mesmo o povo que escolhe, é sempre o povo que é embrulhado em perceções, é de facto o povo que faz escolhas. Se a democracia não for uma posição política que nos enche o coração então será uma palavra que nos enche a boca. A democracia não é uma dádiva partidária, é uma intransigência do povo. Do povo que quer votar. PEDRO SANTOS GUERREIRO ESCREVE NO EXPRESSO DIÁRIO ÀS SEGUNDAS E QUARTAS-FEIRAS Página 44