Sabedoria e lamentos da África África, a alegria vem pela manhã. Este é o título de um fantástico livro sobre um conto africano do missiólogo e antropólogo Ronaldo Lidório (Editora Betânia, 2009). Ao lê-lo, fiquei impressionado com a sabedoria, perseverança e também as dores que enfrenta nossos irmãos africanos. Envolvido em uma linda trama, Lidório relata a história de um grupo nômade da tribo Fulani, que acolhe uma jovem chamada Anuya da tribo nwanga, e sua filhinha ainda de colo. Anuya perdeu todos os seus familiares numa guerra tribal, porque seu pai não quis entregar a neta a outra tribo para dar continuidade a paz entre eles. Não o fez, sabendo que ao entrega-la, seria morta. Isso porque a menina tinha uma deficiência. A ausência de um dedo. Anuya recebe apoio da tribo nômade fulani. Ela percebe as diferenças entre seu povo e este grupo. O relato é o seguinte: “Anyia passa a observar o grupo fulani mais minuciosamente. Percebe que a força da constância na caminhada não está somente na resistência adquirida, mas sim na técnica.” O autor passa então a descrever a força e sabedoria desse grupo nômade acumulada com o passar do tempo. “Eles são harmônicos e pausados em todos seus movimentos. Durante a caminhada, jamais mudam o ritmo das passadas, evitam conversas longas e respiram ao ritmo de suas passadas. Anuya começa a entender que as longas jornadas nômades forjaram a cultura do povo que desenvolveu uma forma branda e constante de pensar e agir... poucas tribos conseguem caminhar por tanto tempo como os fulanis. Suas pernas magras e compridas parecem não se cansar. Os braços largados pouco se mexem durante a caminhada e conseguem se alimentar enquanto caminham” (p. 58). Que sabedoria! Que cosmovisão interessante: caminhada, ritmo, respiração, jornada, pensar, agir. Uma vida interconectada. O que se pensa e o como se age tem a ver com o como andam e suas jornadas. Há um ritmo certo. As palavras são comedidas. As jornadas longas, contudo, como o mundo e toda história não é feita só de alegria, chegou a hora de uma parte triste do conto africano. Zutá, um príncipe e guerreiro da tribo bassari é encontrado quase morto. Ele foi cuidado pelo grupo nômade e contou que fora expulso e perseguido por não aceitar uma prática nova que queriam impor a sua tribo. Qual era a prática? “Zutá se referia à mutilação genital feminina, ou oblação, em que o clitóris da mulher é retirado. É praticado em vinte e oito países africanos e em centenas de tribos, mesmo fora da África. Anualmente, mais de três milhões de meninas e mulheres são submetidas a essa prática, e se crê que haja entre cem a cento e quarenta milhões de mulheres que passaram pela mutilação genital. Essa prática é normalmente aplicada quando a menina ainda é bem nova, mas frequentemente também em mulheres na fase adulta e até mesmo casadas. impõe profundo sofrimento e humilhação sobre a mulher e, juntamente com o infanticídio e agressão sexual como punição social, forma o trio de práticas geradoras de maior sofrimento humano nas sociedades que as abrigam.” Que tristeza saber que em pleno século 21 fatos desse tipo ainda acontecem. “A prática [da oblação] é associada a pureza e castidade e em tais grupos torna-se uma exigência social sobre as mulheres. Defende-se essa prática alegando que, assim, o desejo sexual é diminuído, bem como o risco de infidelidade feminina.” Que tristeza, mutilação, infecções, febres, morte. Dores, humilhação, guerras, separação familiar. Três objetivos estão claros em minha mente ao escrever tais relatos: 1) Toda cultura tem seus aspectos lindos e terríveis. Quando o Evangelho do Senhor Jesus, puro e simples, alcança uma cultura, ele faz uma grande diferença na vida de seu povo; 2) Precisamos ser gratos a Deus pelos bons aspectos culturais de nossa terra e lutar para transformar aqueles que sugam nossas potencialidades, como é o caso da corrupção; 3) Precisamos envidar esforços para apoiar, de diversas formas, toda iniciativa verdadeira que visa levar alívio a outras nações que sofrem, como é o no caso acima citados. Que o Eterno nos ajude!!! Rev. Heliel G. Carvalho – [email protected]