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4.3.2 Que Venha o Povo – 2ª fase
A ida de Casemiro Neto para o programa Que Venha o Povo, representou mais
uma mudança no endereçamento do programa. Novos elementos foram incorporados e o
caráter policial que vinha sendo impresso na condução de Uziel Bueno também sofreu
alteração. Nesta segunda fase, o programa perde um pouco da carga policial que era
impressa anteriormente e reforça no Que Venha o Povo um posicionamento mais
voltado ao serviço público, à prestação e assistência à comunidade. Permanece o sentido
de vigilância e fiscalização do trabalho dos poderes públicos. O novo posicionamento
do programa trouxe muito da contribuição de Casemiro Neto enquanto um jornalista
cuja trajetória na televisão é legitimada e reconhecida pela audiência.
Graduado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia em 1981,
Casemiro Neto iniciou sua carreira como estagiário da TV Itapoan fazendo reportagens
de cultura à noite até especializar-se em política. Foi apresentador do programa Vídeo
Jovem e após quatro anos trabalhando na TV Itapoan, foi trabalhar na TV Educativa
exercendo as funções de repórter, apresentador, chefe de reportagem e editor. Nesta
emissora apresentou os programas Assembléia Geral e Debate Especial, ambos
direcionados para a comunidade local. Em 1991, Casemiro Neto foi trabalhar na TV
Bahia como repórter local e nacional, apresentou os telejornais locais e atuou como
editor do Jornal da Manhã. Na TV Bahia, Casemiro Neto também teve experiência
como produtor, editor, redator e apresentador do Bahia Meio Dia, do qual foi um dos
idealizadores. Após 19 anos trabalhando na TV Bahia, Casemiro aceitou o convite da
TV Aratu para comandar o programa Que Venha o Povo, onde permanece, pelo menos,
até a data de depósito desta dissertação.
No Que Venha o Povo a proposta de Casemiro Neto é servir de elo entre a
população e as autoridades viabilizando a solução dos problemas da comunidade menos
assistida de Salvador. Promessa esta que se cumpre à medida que o programa vai se
construindo e se endereçando neste sentido como poderá ser visto ao longo desta
análise.
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Figura 55: Edição 26/02/08 - Imagem do quadro desaparecidos mostrado ao vivo
do pátio da TV Aratu.
Com a chegada de Casemiro Neto no programa, novos quadros foram criados
como o quadro “Desaparecidos” já apresentado por ele na outra emissora, e que passou
a compor a programação do Que Venha o Povo. De acordo com o apresentador, este foi
um quadro idealizado por ele e que tem representado um importante serviço para toda a
comunidade. Este quadro é exibido toda terça-feira, ao vivo do pátio da TV Aratu.
Figura 56: Edição 28/02/08 – Quadro “A hora do sexo”.
Às quartas-feiras é a vez dos quadros “Eu quero ser famoso” onde artistas ainda
não conhecidos podem expressar seu talento e “A hora do sexo” um quadro de
entrevistas onde o apresentador conversa no estúdio com uma especialista no assunto
respondendo as perguntas do público relacionadas a sexo. Às quintas-feiras o programa
se ocupa em mostrar a situação dos bairros de Salvador e, no estúdio, um advogado
participa do programa orientando a população sobre os diversos problemas que ocorrem
no dia a dia das pessoas. A opção do programa é trazer para a sexta-feira uma
programação mais descontraída com a participação musical de artistas e personalidades.
A participação de Zé Bim no quadro “Ao vivo da Lapa” é mantida às segundas-feiras,
quando a população participa fazendo denúncias e pedidos ao programa.
170
A proposta de Casemiro Neto na TV Aratu é, segundo ele, “fazer um programa
sem baixarias e sem sensacionalismo” o que, de certa forma, vai representar um
distanciamento do endereçamento do Que Venha o Povo, nesta segunda fase, daquilo
que era feito neste programa quando apresentado por Uziel Bueno: “boa tarde Bahia,
boa tarde meus amigos. O povo gosta de coisa boa, o povo gosta do que é bom”
(Casemiro Neto, edição 27/02/08). Em quase todas as edições analisadas, o apresentador
insiste em dizer que “o povo gosta do que é bom” trazendo a idéia de que o programa
preza pela qualidade e que não se constrói a partir do sensacionalismo e nem da
baixaria. Esta afirmação, porém, não corresponde com o que vai ser percebido nesta
análise. O caráter sensacionalista e bem como o que a crítica considera “baixaria na
TV” continua a prevalecer no programa.
As chamadas anunciando os principais destaques do Que Venha o Povo no dia
antecipam a exibição do programa. Esta chamada é gravada como se fosse a escalada do
telejornal intercalando a fala do apresentador com o teaser dos repórteres, além de
sonoras e imagens que serão destaques naquela edição. Esta chamada é veiculada no
intervalo do programa infantil Chaves, programa que antecede o Que Venha o Povo.
Uma estratégia de comunicação que visa chamar a atenção do telespectador e garantir a
sua audiência. Este formato tem aproximado o Que Venha o Povo de uma estrutura
característica dos “telejornais de referência” (usando a expressão de Franz Amaral).
Figura 57: Vinheta de abertura do programa.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
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Com a estréia de Casemiro Neto no Que Venha o Povo, a vinheta de abertura do
programa é modificada e ganha uma nova roupagem gráfica. A vinheta tem uma
duração de treze segundos e é construída de modo a estabelecer uma relação com o
nome do programa. Mostra o povo andando nas ruas, um trabalhador empurrando o
carrinho de café e a assinatura do programa agora acrescido do nome do apresentador
Casemiro Neto. Por trás do nome do programa, um desenho de prédios representando a
cidade de Salvador.
Assim como na fase anterior, após a exibição da vinheta de abertura é mostrado
um vídeo promocional que desta vez exalta a presença do jornalista Casemiro Neto
valorizando a aquisição da emissora e enaltecendo o novo formato do programa.
Casemiro Neto aparece nas imagens em companhia de artistas famosos da Bahia, a
edição traz também depoimentos de personalidades como Ivete Sangalo, do prefeito
João Henrique e outras autoridades locais que declaram sua confiança no trabalho do
jornalista e desejam-lhe sucesso no trabalho que ele está fazendo na nova emissora.
Em seguida, o apresentador faz a abertura do programa e chama a escalada que é
editada com imagens e sonoras das notícias destaques do dia, acompanhadas por uma
música que traduz o sentimento predominante da mensagem que o programa daquele
dia pretende passar. Na edição do dia 28/02/08, por exemplo, a música escolhida foi a
de Gilberto Gil “Nos barracos da cidade” já que havia coberturas dentro do programa
que tratavam da exposição de lixo a céu aberto, da falta de médicos e remédios no posto
de saúde e das péssimas condições de moradia da população do bairro de São Cristóvão.
Diferentemente do endereçamento dos outros programas analisados nesta
dissertação, o texto verbal do apresentador Casemiro Neto é direcionado para um tom
mais formal de construção da fala, o jornalista anuncia a matéria destacando os
elementos principais que compõem a notícia sem usar de artifícios sensacionalistas ou
dramáticos: “olha, moradores de uma região chamada Colinas do Rio, no bairro de
São Cristóvão cobram a presença de autoridades no local. Eles reclamam da coleta de
lixo, da falta de pavimentação, mas principalmente da presença de médicos e remédios
no posto de saúde. Mais um problema que o povo pede solução” (Casemiro Neto,
edição de 27/02/08).
Após a exibição da matéria mostrando os problemas do bairro de São Cristóvão
antecipados pelo apresentador na enunciação da matéria, Casemiro Neto informa que a
secretaria de saúde encarregou-se de mandar algum comunicado até o final do programa
172
e, além disso, apresenta um fax com uma resposta da SUMAC sobre a pavimentação
asfáltica do local. Existe, portanto, uma preocupação do programa em dar uma resposta
imediata à população sobre as denúncias e reclamações registradas. E reforçando o
papel de vigilante que o programa tenta imprimir, Casemiro encerra o assunto dizendo:
“o que não pode é uma ficar jogando pra outra e deixar a rua do jeito que tá. Assim
não pode, assim não dá mesmo e a gente vai continuar mostrando essa situação até
resolver”. Esse texto demonstra o pacto com o papel de vigilante que o programa busca
assumir, funcionando como um intermediário entre o povo e os órgãos públicos.
Ao contrário do que faz os outros programas analisados, a conduta do
apresentador Casemiro Neto não é a de tomar para si o poder de solucionar as
irregularidades e lacunas da máquina administrativa, mas sim o de estabelecer com os
poderes públicos um elo de ligação com o povo para cobrar um atendimento às questões
reclamadas pela sua audiência. Neste sentido, o programa inscreve textualmente o
telespectador na posição de parte reclamante do processo e assume o compromisso de
advogar em favor deles.
O contexto comunicativo do Que Venha o Povo coloca seus sujeitos
participantes como membros de uma situação partilhada também pelos mediadores do
programa que, embora não estejam em uma condição tão desprivilegiada
economicamente, dividem com sua audiência a mesma angústia ao mostrar os diversos
problemas enfrentados pela maioria da população que sofre com o descaso e a falta de
assistência dos poderes públicos.
Figura 58: Novo cenário do Que Venha o Povo.
Nesta segunda fase do Que Venha o Povo, o cenário do programa recebe
algumas poucas modificações. Imagens que refletem a cultura de Salvador passam a
compor a decoração do estúdio, são fotografias ampliadas do Elevador Lacerda e
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Cidade Baixa, de pessoas comuns, criança, baiana de acarajé e a prática de esporte. O
monitor de TV LCD permanece ao fundo do estúdio onde são exibidas as matérias e as
entradas ao vivo. A bancada no canto direito do estúdio foi trocada por outra com um
design mais formal e fino, com tampa superior de vidro e base de madeira e um
notebook em cima usado para o apresentador acessar os emails enviados para o
programa.
Casemiro Neto desloca-se pouco no cenário, na maioria das vezes aparece com o
braço esquerdo apoiado na bancada falando ao telespectador. Sua gesticulação é
contida, não recorre a gestos ou movimentos agressivos mesmo ao tratar de assuntos
chocantes. A entonação da sua voz apresenta, algumas vezes, leves alterações, mas não
chega a ser agressivo. Dessa forma, Casemiro Neto busca construir uma postura mais
profissional dentro do programa e diferenciar-se do apresentador que o antecedeu no
Que Venha o Povo, bem como dos outros dois mediadores concorrentes de horário (José
Eduardo e Raimundo Varela). Casemiro Neto, não desempenha o papel de ser um
apresentador-animador, seja por inabilidade ou por opção. O fato é que sua performance
tem contribuído para atribuir ao programa um tom de mais seriedade.
As enunciações dos quadros são mais objetivas: “veja agora a felicidade de uma
família que encontrou parente desaparecido” (Casemiro Neto ressaltando o resultado
positivo que o quadro “Desaparecidos” tem trazido para o programa – edição de
27/02/08). Este quadro recebe considerável destaque dentro do Que Venha o Povo e o
apresentador faz questão de ressaltar o serviço social que o programa, através desse
quadro, tem prestado à população: “todas as emissoras que copiaram esse quadro
continuem fazendo”, afirma Casemiro Neto reforçando a idéia de que este foi um
quadro criado por ele e que tem sido usado por outros programas e emissoras em
reconhecimento da sua importância dentro da sociedade. “Você vai ver a emoção do
reencontro graças ao nosso quadro do Que Venha o Povo” (edição de 27/02/08).
Ao mostrar o reencontro da família com o parente desaparecido, sob o
intermédio da produção do Que Venha o Povo, o programa legitima a eficiência de sua
equipe de produção e a importância do quadro na prestação de um serviço à sociedade.
O texto verbal do apresentador demonstra o envolvimento pessoal que ele tem com o
quadro “Desaparecidos” e busca exprimir um real interesse em ajudar as pessoas na
localização de seus parentes: “olha eu tô numa felicidade, eu vou chegar perto da
câmera pra olhar bem no seu olho. Eu tô numa felicidade tão grande que você não
pode nem imaginar. Eu gosto de me sentir útil, eu gosto de ajudar as pessoas e eu
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consegui encontrar mais uma pessoa que estava desaparecida. Meu coração tá batendo
no compasso da alegria, Eu quero ser útil, eu tô aqui pra ajudar. Ontem você sabe, eu
estreei o quadro desaparecidos aqui no programa Que Venha o Povo e entre muitos
dramas o do senhor Gerson que procura o sobrinho Gilson. Vamos rever essa história
agora, veja!” (Edição de 27/02/08). O texto verbal do apresentador confirma o contexto
que o programa tenta construir de estar emocionalmente envolvido com o drama da
população e vibrante com as conquistas alcançadas, principalmente quando viabilizadas
por intermédio do programa.
Durante a exibição do quadro “Desaparecidos”, Casemiro Neto conversa com
cada pessoa que está no pátio da TV Aratu segurando um cartaz com a foto do seu ente
desaparecido. O apresentador pede às pessoas que relatem como seu parente
desapareceu, faz um apelo à população para que, caso alguém tenha notícia daquele
desaparecido, entre em contato com a produção do programa ou com a Polinter para
ajudar o programa na localização daquela pessoa. Neste momento, os telefones da
Polinter e do programa são exibidos no vídeo sob forma de caracteres.
A referência ao sucesso do quadro é enfatizada dentro do programa como uma
forma de legitimar sua importância, destacando os resultados alcançados com o quadro:
“deu certo. No primeiro quadro desaparecidos que eu faço aqui já comecei com o pé
direito. São mais de 5 mil, agora mais um. Olha eu estou felicíssimo. Volto a falar esse
quadro tinha de ser feito em comunhão: pela TV Bahia onde eu fiz durante 6 anos, TV
Aratu, aqui, TV Itapoan, TVE, TV Bandeirantes. Fazia um pool no horário, a gente se
juntava aqui... ia ser sucesso! O que eu quero e acho que é o que todo mundo quer, pelo
menos quem tem bom caráter e bom coração, é ajudar. É acabar com o drama dessas
pessoas. Eu convivi durante seis anos, eu chorei junto, me envolvi com o drama dessas
pessoas, chorei nos bastidores também” (Casemiro Neto, edição de 27/02/08).
Como uma forma de valorizar a presença de Casemiro Neto no programa Que
Venha o Povo, na primeira semana de estréia do apresentador na TV Aratu, uma série
de depoimentos e mensagens desejando sucesso ao apresentador neste novo programa
foi gravada com personalidades da Bahia e exibida durante o programa como uma
forma de mostrar o prestígio de Casemiro Neto enquanto profissional e valorizar a
aquisição da emissora.
Uma das mensagens de sucesso foi gravada com o prefeito de Salvador João
Henrique e, após a exibição do VT, Casemiro Neto endossa as palavras do prefeito
afirmando que mantém uma relação próxima com o prefeito da cidade. Dessa forma ele
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reforça seu poder enquanto jornalista e colega de infância do prefeito da cidade,
demonstrando que tem poder para intervir em prol da comunidade: “eu quero
agradecer o depoimento do prefeito João Henrique ... como ele falou a gente já se
conhece há um tempo, a gente foi colega no colégio Sofia Costa Pinto. Eu, como falei
ontem aqui com ele na minha estréia do programa, eu vou sempre contar com o apoio
dele para ajudar a população carente de Salvador e resolver os problemas da cidade e
pra isso vou ficar de olho no trabalho dele, mas contando também com o apoio do
prefeito que ele tem disposição pra isso e ele ga-ran-tiu (fala enfaticamente) que
sempre que eu precisar é só ligar pra ele pessoalmente, então farei isso prefeito”
(Casemiro Neto em 26/02/08).
No seu texto verbal, Casemiro Neto busca demonstrar uma proximidade com as
autoridades e com esse prestígio conquistar a confiança do público de que ele pode atuar
eficazmente no processo de intermediação dos problemas que afligem o povo menos
assistido. Casemiro Neto constrói com o telespectador uma relação de estar sempre
vigilante e atento à atuação dos poderes públicos trabalhando em prol da população
mais carente e assumindo, dentro do jornalismo, a posição de Quarto Poder. Este é o
seu principal modo de endereçamento, a função de estar sempre vigilante ao trabalho
dos poderes públicos, cobrando o cumprimento de seus deveres e providências para
minimizar os problemas sociais apresentados pelo povo.
Assim, o posicionamento do apresentador Casemiro Neto ao se colocar como
um elo de ligação entre a população e as autoridades, intermediando essa relação em
busca de soluções para os problemas sociais representa um referencial importante na
identificação da relação que ele busca estabelecer com o telespectador.
A noção de vigilância, guardião, cão de guarda está presente no programa a
partir de um formato de jornalismo-denúncia, delatando os abusos e assumindo um
compromisso de defender os interesses sociais. Para Afonso Albuquerque (1999), o
jornalismo que se pratica em um país é fruto de realidades culturais e também
econômicas, políticas e legais presentes numa sociedade em determinado período
histórico.
De acordo com Albuquerque o modelo de Quarto Poder criado nos Estados
Unidos recebe diferentes aplicações no Brasil, exercendo aqui a função de Poder
Moderador que irá mediar as relações entre as partes buscando sempre um equilíbrio
entre os poderes legislativo, executivo e judiciário.
176
Mais do que meramente contribuir para o equilíbrio entre os poderes
constituídos, a imprensa brasileira tem reivindicado autoridade para, em casos
de disputa entre eles, intervir em favor de um poder contra o outro, a fim de
preservar a ordem pública. Por detrás do discurso “americano” sobre o quarto
poder, e de modo não necessariamente consciente, esconde-se um modelo
inteiramente distinto acerca do seu propósito, o modelo caracteristicamente
brasileiro do “poder moderador” (ALBUQUERQUE, 1999, pp. 26-27).
A função de Quarto Poder no Brasil, entendido como sendo um Poder
Moderador, foi, em 1924, embora não constitucionalizada, atribuído à imprensa. Esta,
por sua vez, encarregada de atuar junto ao povo na formação de políticas públicas,
balizadora de parâmetros políticos, fiscalizadora do poder público, juíza do
comportamento, tudo isso com o objetivo maior de garantir o equilíbrio entre os poderes
constituídos intervindo em favor de um poder contra o outro, a fim de “preservar” a
ordem pública.
O programa Que Venha o Povo, nesta segunda fase com a apresentação de
Casemiro Neto, se relaciona com as autoridades de modo a acompanhar e denunciar as
falhas nos sistemas sociais públicos e privados e cobrar soluções para a falta de
segurança nos bairros, a falta de saneamento básico nas ruas, a falta de pagamento dos
trabalhadores e diversos outros assuntos que envolvem o bem estar social. Neste
processo de construção de sentido, existe uma distinção entre os mediadores principais
do programa na maneira de conduzir as denúncias. Enquanto Zé Bim emprega um tom
irônico e mais agressivo ao seu discurso, permeando sua fala com humor enquanto
acusa e cobra soluções, Casemiro Neto tem um modo mais ponderado ao analisar um
problema, o apresentador tem o cuidado de não condenar antecipadamente o acusado e
atribui aos órgãos competentes esta função. Casemiro Neto posiciona-se como um
intermediário entre o povo e as autoridades, mas também como aquele que não só alerta
sobre as irregularidades, mas que acompanha e fiscaliza o cumprimento das funções
estatais.
Casemiro Neto representa o equilíbrio do programa, o eixo que intermedeia todo
o processo de construção do Que Venha o Povo desde as inserções ao vivo e a condução
de Zé Bim e dos outros repórteres dentro do programa como as entrevistas no estúdio e
a participação popular. O apresentador também interage com o público, fala diretamente
com o telespectador: “dá tempo ainda de você tentar ganhar o fogão... até agora já
foram registradas 12 mil ligações... quem pede quer solução, quem pode ajuda”
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(Casemiro Neto convidando o telespectador a ligar para o programa e concorrer ao
sorteio de um fogão – edição de 28/02/08).
Os apelos da população são atendidos também no estúdio. O apresentador recebe
o povo no estúdio, conversa com as pessoas e, na maioria das vezes atende de imediato
as solicitações. O objeto solicitado pelo participante é antecipadamente levado ao
conhecimento da produção possibilitando o pronto atendimento do apelo: “há quanto
tempo você pediu esses óculos de grau? Bom tá aqui. Boa sorte pra você. Ótica Diniz
que deu os óculos e aquela história quem precisa pede solução e quem pode ajuda”
(imagens de uma das lojas da Ótica Diniz são exibidas no programa). Nos quadros ao
vivo, o repórter Zé Bim e a equipe de produção do programa, chegam ao bairro
escolhido já com alguns objetos que serão doados para a população como fraldas
descartáveis, cadeiras de banho para deficiente físico, etc. A proposta do programa é
mostrar que as solicitações e apelos do povo são atendidos na hora pelo programa
estimulando a participação do público no local da transmissão. As empresas que
patrocinam esses quadros acabam incorporando o sentido de utilidade e serviço público
que os programas defendem.
Figura 59: Edição 26/02/08 – uma cadeira de banho sendo entregue por Zé Bim a
uma moradora do bairro Alto do Cabrito em atendimento ao seu pedido.
É, portanto, nas inserções ao vivo que o repórter Zé Bim exerce sua melhor
performance enquanto segundo mediador do programa. Embora expresse menos
autonomia do que tinha na primeira fase do programa em que ele, mais do que Uziel
Bueno, desempenhava a função de mediador principal, imprimindo a “cara” e o “tom”
do programa, na segunda fase do Que Venha o Povo, a nova configuração trazida com
Casemiro Neto coloca Zé Bim novamente na posição de segundo mediador.
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O lugar de fala de Zé Bim dentro do programa é constituído a partir do
reconhecimento do lugar desse profissional no texto. Referenciado como o repórter do
povo, com vinheta própria e usando de jargões que caracterizam a construção do seu
personagem na TV, Zé Bim é o segundo mediador do Que Venha o Povo
desempenhando papel fundamental na relação que este estabelece com a audiência.
Mais até do que o apresentador Casemiro Neto, o carisma de Zé Bim e o fato de ele
estar nas ruas em contato direto com o povo, interagindo com as pessoas de maneira
familiar, mostrando-se envolvido com os problemas vividos pela comunidade agrega a
este repórter um forte elo de identificação do povo com o programa. Nesta segunda fase
do programa, Zé Bim assume a posição de segundo mediador não porque perde seu
prestígio e força, mas porque Casemiro Neto se impõe como o condutor principal do
programa.
É interessante observar também o quadro de entrevistas criado pelo programa
Que Venha o Povo onde o apresentador recebe um(a) convidado(a) no estúdio para falar
sobre sexo. A convidada da edição do dia 27/02/08 no quadro A Hora do Sexo foi a dra.
Gilda Fucs, sexóloga, para responder as perguntas do público sobre o assunto.
Figura 60: Edição 27/02/08 – Quadro “A hora do sexo”. Casemiro entrevista a Dra.
Gilda Fucs e responde a pergunta do público que participa por telefone e através
do ao vivo.
O objetivo principal desse quadro é esclarecer as dúvidas da população sobre o
sexo. Para isso, Casemiro Neto introduz a conversa fazendo ele mesmo algumas
perguntas para depois interagir com o repórter Zé Bim que está ao vivo em algum ponto
da cidade e que, com a irreverência que lhe é peculiar vai participar do quadro fazendo
perguntas e convidando o povo que está próximo a ele a também participar do quadro.
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Diante das propostas temáticas do programa apresentadas até aqui, tem-se que o
Que Venha o Povo não se dirige a qualquer espectador, mas àquele que compartilha de
hábitos evocados pelo programa e que estão familiarizados com os apelos que esse
estilo de programa faz. O telespectador é interpelado e convocado a participar desse
mundo, fazer perguntas e tirar suas dúvidas sobre sexo no quadro “A hora do sexo”,
ligar para o programa ou participar das inserções ao vivo fazendo seu apelo, com a
esperança de que terá seu desejo atendido.
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