Universidade de Aveiro, 22 de Setembro de 2010 Abertura do ano lectivo 2010-2011 Contribuição do Ensino Superior para a formação e qualificação das Portuguesas e dos Portugueses António Rendas Reitor da Universidade Nova de Lisboa Presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas No dia 13 de Setembro foram tornados públicos os resultados da primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior no que diz respeito a licenciaturas e mestrados integrados. Esse concurso realiza-se anualmente e atrai as atenções da comunicação social durante alguns dias, muitas vezes com uma abordagem parcial e pouco elucidativa. Envolve também muitas famílias portuguesas, que esperam ansiosamente os resultados para saberem se as suas filhas e filhos “entraram para a universidade”. Esta apresentação aborda questões do ensino universitário mas não esquece a importância do ensino superior politécnico, que será oportunamente referenciada. Depois de analisar brevemente os resultados nacionais desta fase do concurso nacional de acesso, os únicos de que disponho até hoje, proponho-me tentar demonstrar que o contributo do ensino superior para a formação e 1 qualificação das portuguesas e dos portugueses está a mudar significativamente e que vai muito para além do ingresso de dezenas de milhares de jovens nas universidades e nos institutos politécnicos. Proponho-me abordar o tema indicando o que considero estar feito e o muito que há por fazer. Infelizmente, os dados de que disponho são escassos e esse é também um problema importante que importa considerar e resolver em Portugal. Na 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior de 2010 dirigido às licenciaturas e aos mestrados integrados nas universidades e politécnicos, foram abertas 53 410 vagas, mais 4% que em 2009. Foram admitidos 45 592 novos estudantes quando, em 2009, tinham sido admitidos 45 227. Dos estudantes colocados nesta primeira fase, 39 148 (86%) ficaram numa das suas três primeiras opções. Estes resultados confirmam, de uma forma global, que o nosso ensino superior está a cumprir uma das suas missões principais: facultar o acesso a uma qualificação superior a um número crescente dos nossos jovens. Este é um bom indicador para Portugal em comparação com outros Países, na medida em que a fracção da população com 20 anos inscrita no ensino superior cresceu 19% entre 2005 e 2009, atingindo nesse ano os 36%, valores próximos da média europeia. Temos de aguardar o que vai suceder nas fases seguintes do concurso, para analisarmos em detalhe os resultados, já não agora do ponto de vista dos grandes números mas sim 2 das variações dentro de cada instituição e dentro das diversas áreas de formação, a nível nacional. Se essa análise não for feita de uma forma global, transparente e partilhada por todos, o exercício de contagem, já habitual Setembro, será apenas um momento após o qual retomaremos o “business as usual” sem termos tirado as devidas conclusões. É essencial que o MCTES, o CRUP e o CCISP se associem para que esses dados estejam disponíveis o mais cedo possível a nível nacional. Este ano já se verificou uma iniciativa muito importante nesse sentido, que resultou de um apuramento efectuado pelo Gabinete de Planeamento do MCTES a partir de uma estimativa realizada pelas universidades e institutos politécnicos. Esta estimativa, que fornece, tanto quanto sei pela primeira vez entre nós, uma perspectiva global da oferta do ensino superior em Portugal, inclui os novos estudantes a admitir através das diferentes vias de ingresso (concursos nacional e local, concursos especiais para maiores de 23 anos e concursos para titulares de cursos de especialização tecnológica) e nos diferentes tipos de formação oferecidos pelas IES: licenciaturas, mestrados, doutoramentos, cursos de especialização tecnológica e outros cursos de especialização. No seu total prevê-se que serão mais de 118 000 os novos estudantes que ingressarão nas IES no presente ano lectivo, quando em 2009-2010 eram cerca de 97 500. A percentagem de aumento prevista será maior nos institutos 3 politécnicos (32%) do que nas universidades (15%). Contudo, no caso das universidades, o aumento de inscrições será particularmente relevante em mestrados e doutoramentos. Em contrapartida, nos institutos politécnicos, prevê-se que o aumento se faça a partir das inscrições em mestrados profissionais e em cursos de especialização tecnológica. É essencial que se proceda à avaliação destas previsões para saber se corresponderam à realidade e para se tirarem, atempadamente, as devidas conclusões. Um outro parceiro essencial em todo este processo de acompanhamento é a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). A submissão de processos de acreditação dos ciclos de estudos em funcionamento foi acompanhada por uma redução, inédita em Portugal, de cerca de 900 ciclos de estudos, face ao elevado número, 5200, anteriormente registado na Direcção-Geral do Ensino Superior. Desses 900 ciclos de estudos, 596 eram da responsabilidade de IES públicas, correspondendo 440 às universidades e 158 aos institutos politécnicos. No que diz respeito à acreditação de novos ciclos de estudos, para entrada em funcionamento em 2010-2011, foram entregues 330 candidaturas, o que corresponde a uma diminuição muito significativa das candidaturas em relação a anos anteriores. Este papel da A3ES vai ser essencial na passagem do nosso ensino superior da fase quantitativa, aumento da oferta, 4 para a qualitativa, incluindo uma reorganização da oferta. Temos de continuar a fazer mais e melhor, mas também nos compete actuar de modos diferentes e mais adequados às necessidades de qualificação do País. O Contrato de Confiança assinado em Janeiro de 2010 entre o Governo e todas as IES a que se seguiu a assinatura dos respectivos Programas de Desenvolvimento, no dia 13 do corrente mês de Setembro, na Universidade da Madeira, com a presença do Primeiro-Ministro, atestam bem a coerência de todo este processo. As linhas gerais dos Programas de Desenvolvimento podem ser resumidas da seguinte forma: Apostam numa diversidade de propostas, inerente à autonomia universitária. Contudo reforçam a coesão do sistema universitário; Oferecem todos os níveis de formação, incluindo os não conferentes de grau. Contudo, baseiam-se num sistema de avaliação e acreditação interna e externa, num quadro de desenvolvimento de sistemas de garantia de qualidade das instituições; Englobam formações nas diferentes áreas de conhecimento, desde as ciências sociais e humanas e as artes às tecnologias, às engenharias e à saúde. Contudo, fundamentam-se numa investigação científica sólida e avaliada com base em critérios internacionalmente reconhecidos; 5 Permitem mobilizar novos públicos, reconhecendo percursos profissionais qualificados e diversificados. Contudo apresentam igualmente o objectivo do combater o insucesso escolar; Empenham-se em modelos de formação que asseguram uma efectiva ligação ao mundo empresarial, social e institucional, valorizando os regimes pós-laboral e de tempo parcial. Contudo, revelam também uma acrescida preocupação com a empregabilidade dos diplomados; Estimulam a mobilidade, a todos os níveis, dos estudantes, dos docentes e dos investigadores. Contudo, promovem uma maior ligação dos diplomados às respectivas instituições de formação; Generalizam a utilização de novas metodologias pedagógicas, reforçando designadamente o ensino à distância. Contudo comprometem-se a promover um maior apoio à formação pedagógico dos docentes; Consideram essencial a reorganização da rede do ensino superior, na qual as universidades estão empenhadas. Contudo, assumem, desde já, iniciativas conjuntas que facilitarão esse processo, nomeadamente através da criação de redes universitárias; 6 Reafirmam a importância da internacionalização como instrumento essencial para o desenvolvimento das universidades portuguesas. Contudo, estão igualmente empenhadas no desenvolvimento sustentado das comunidades regionais. Os Programas de Desenvolvimento apontam para a qualificação de mais de 100 00 activos nos próximos 4 anos, meta ambiciosa mas essencial para o desenvolvimento do nosso País. A principal faixa etária a que se destina este esforço de qualificação superior é a dos 30 aos 34 anos onde Portugal, apesar de ter evoluído favoravelmente, passando de 11% em 2000 para 22% em 2008, continua muito abaixo dos valores europeus. Se quisermos atingir a meta de 40% de qualificação para essa faixa etária, que o Conselho Europeu adoptou no âmbito da Estratégia 2020, teremos de manter um ritmo de crescimento sustentado nos próximos quatro anos, o que só será possível com a manutenção, como até aqui, da prioridade de financiamento para o ensino superior, num contexto de exigente e rigorosa consolidação orçamental. A pergunta subjacente que deve ser colocada com coragem é a seguinte: qualificar quem e para quê? Procurei responder à primeira parte da pergunta assinalando o caminho percorrido e a percorrer, acentuando a necessidade urgente de acesso à informação a nível nacional, e de acompanhamento e partilha de responsabilidades entre as IES, o MCTES e a A3ES, no âmbito das respectivas autonomias. 7 Para responder à segunda parte da pergunta quero lembrar que as IES mudaram radicalmente nos últimos três anos no que diz respeito às suas formas de governo e de gestão. Lembro a profunda reforma legislativa, decorrente da aplicação do novo Regime Jurídico às IES, que permite a partilha de responsabilidades entre académicos e personalidades da sociedade civil. Já referi também a nova Lei de Avaliação das IES que levou à criação da A3ES, consagrando a necessidade de avaliações externas e independentes dos ciclos de estudos e a existência de programas institucionais de garantia da qualidade. De igual modo as IES continuam a desenvolver laços cada vez mais consistentes com a Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do reforço da participação dos seus docentes e investigadores em projectos de investigação, apostando claramente num esforço crescente de internacionalização das instituições académicas e das suas unidades de investigação. É neste sistema complexo, e progressivamente mais coeso, que deve ser considerado o papel das IES e, em particular das universidades públicas, na formação e na qualificação das Portuguesas e dos Portugueses. Coloco as mulheres antes dos homens para assinalar o seu papel crescente na nossa sociedade e, também, para fazer ressaltar a importância da adequação das formações e das qualificações às necessidades das pessoas. 8 Esse é o grande desafio, de ordem qualitativa, que não deve ser esquecido nesta fase de expansão quantitativa, e em relação ao qual existe uma reduzida experiência institucional. Reforço a palavra institucional para assinalar que não estou a pôr em causa o esforço de pessoas ou de grupos de inúmeras, ou até, de todas as IES. Mas esse esforço não chega. Enquanto as IES não definirem como objectivo prioritário a adequação das formações às necessidades dos formandos, ficaremos reduzidos a casos de sucesso com repercussões muito limitadas. Neste esforço de adequação é essencial o diálogo entre os Conselhos Gerais e Órgãos de Gestão das IES de modo a que os planos estratégicos possam conter esses objectivos e os respectivos mecanismos de execução e de avaliação. Finalmente, considero fulcral a existência de planos de comunicação que informem e envolvam a sociedade civil nestes novos desígnios. Concluo com uma citação de memória, baseada numa peça de Edward Bond onde se diz, a certa altura, e a propósito de fazer coisas certas e erradas, que é essencial fazer mais uma coisa certa para que as erradas não aumentem. O futuro do ensino superior em Portugal assim o exige. 9