UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
Imagem do Tempo:
Os Espelhos na Arte Contemporânea
Marta Alexandra Toscano
DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES
Especialidade de Ciências da Arte
2013
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE BELAS-ARTES
Imagem do Tempo:
Os Espelhos na Arte Contemporânea
Marta Alexandra Toscano
DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES
Especialidade de Ciências da Arte
Tese orientada pela Professora Doutora
Cristina Azevedo Tavares
2013
Do fu n d o re mo to d o co r red o r, esp re ita va - n o s o esp e lh o .
J orge Luis Bor ges
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que me
permitiu trabalhar como bolseira neste projecto durante um determinado
tempo. Estar-lhe-ei para sempre grata.
Agradeço também a orientação da Professora Doutora Cristina Azevedo
Tavares. Como é característico da sua natureza, soube ser crítica sem deixar
de ser humana, paciente, respeitadora do meu percurso (e dos meus erros). A
sabedoria antiga japonesa dizia:
Ca ra co l
len to , len to , len to – so b e
o F u ji .
Logo
imagino
uma
possível
continuação
para
esse
belo
haiku:
“Caracol/ rápido, rápido, rápido – resvala/ montanha abaixo.” Subida e queda
neste caminho bipolar (que é um e o mesmo caminho, como diria um filósofo
grego): foi bom trabalhar consigo, Professora!
A todos os que, de alguma forma, cruzaram os seus reflexos com o
meu, e tornaram todo este projecto não só mais aliciante, como também mais
motivador: aos artistas Ricardo Jacinto, Rui Calçada Bastos e Cecília Costa,
que responderam com interesse a todas as minhas questões sobre o seu
trabalho, e que me colocaram... novas questões, sobre as quais eu não tinha
pensado!; ao Professor Carlos Augusto Ribeiro, que tive o prazer de escutar
num pequeno curso sobre o tema do duplo realizado na Universidade Nova de
Lisboa; aos bibliotecários da Gulbenkian e da Biblioteca Nacional, sempre
amáveis; ao Dr. Nuno dos Serviços Académicos das Belas-Artes, que
contornou toda a burocracia da «lei » com destreza exemplar; por fim, ao
Carlos Suzana, ao Ricardo e ao Luís Toscano, ao Hélder e à Inês.
Tenho apenas uma palavra para partilhar com todos: obrigada.
V
Síntese
O objectivo deste trabalho é explorar o tema do espelho na arte
contemporânea, e relacionar as obras analisadas com a dimensão tempo. A
ideia-chave que decidimos perseguir é simples: o espelho visto como um
poderoso artifício, o que em última instância trará acoplado a própria
«artificialidade» do conceito identidade.
Exploraremos o mito de Perseu, o espelho grego e o espelho barroco —
âncoras fundamentais; tentaremos assinalar a passagem de uma época
especular «dual » para uma época pós-especular, onde tudo se parece fundir.
A problemática do duplo, mesmo assim, vem ao nosso encontro – e nós temos
medo. Por fim, reflectimos sobre o tema do espelho na arte, onde para cada
par de artistas escolhido fizemos corresponder uma determinada «ideia» de
tempo.
Conheceremos espelhos que evocam um perigo eminente, espelhos
infinitos, espelhos glaciares, espelhos-viajantes, espelhos «controladores »...
Sintetizando: são obras que têm, algures, um espelho, que fogem da autorepresentação, que são impessoais, ardilosas, e que se relacionam de forma
peculiar com o tempo. De certa forma, o espelho pode ser considerado como
o mais «impossível » (e fascinante) dos objectos: máquina que tudo vê, mas
que nunca se deixa ver. E o que é que acontece quando prevalece a
inoperatividade, a falência ou a simples recusa da máquina em «ver »?
A rigidez dos segundos, minutos e horas são esquecidos. Cronos deixa,
apenas por breves instantes, de devorar cruelmente os filhos.
Palavras-chave: espelho, tempo, artifício, arte contemporânea, olhar
VII
Abstract
The aim of this work is to investigate the theme of the mirror in
contemporary art, and to think about the way in which the examined art
works can be related to the time dimension. The key-idea that we decided to
follow is a very simple one: the mirror seen as a powerfull artifice, that
ultimetel y brings along with it the «artificialit y» of the concept of identit y in
itself.
We will explore the myth of Perseus, the greek and the baroque mirror
— vital anchors; we will then try to characterize the passage from a «dual »
specular epoch to a post-specular one, where everything seems to get
indistinct. Still the problematic of the double runs into to us – and we are
scared. Finall y, we´ll think about mirrors in art, where for each pair of
chosen artists we matched a particular idea of time.
We will meet mirrors that recall eminent danger, infinite mirrors,
glacier mirrors, travelling-mirrors, «controlling» mirrors... To summarize:
the chosen works have, somewhere, a mirror, they run away from selfrepresentation, they are inexpressive and astute, and they can be related in a
fruithful manner to time. In a certain way, the mirror can be considered as
the most «impossible» (and fascinating) of all objects: a machine that sees
everything, but doesn´t allow to be seen. What happens when inoperativit y
prevails, and the machine fails or refuses to «see »?
The harshness of seconds, minutes and hours are forgotten. Cronus
stops, for brief instants, to cruell y devour his children.
Key-Words: mirror, time, artifice, contemporary art, gaze
IX
ÍNDICE
I
II
III
Ag ra dec i me n t o s
V
Sí nt e se /A b st ra ct
VII
IN T RO D UÇ ÃO : A E NT RA DA NO E SP E LH O
1
P E RCO RR E ND O O T E M PO
20
O E sp e l ho d e P er se u
20
No E sp e l ho d e Ul is s es
44
O E sp e l ho I nt acto d e L u í s XI V
63
O E sp e l ho e o T e mp o
79
O SO NH O D E P LA T Ã O
91
A D u al id ad e E sp ec ul ar
91
Diá lo go d e P lat ão co m a s ua So mb r a
105
O P ó s -E sp ec ul ar : E sp aç o s d e I nd i st i nção
109
O DU P LO
112
A P r o v a d o E sp e l ho
114
Hi stó r ia s d e D up lo s
120
Ce n as d e u m Cr i me
130
XI
IV
O D up lo ao E sp el ho
135
N u m M u nd o d e Có p i as
139
O Ce go d e D id er o t
143
O M i se- en - A b y me
146
O D IS P O S I T IV O DO E SP E LH O
151
NA AR T E CO N T EM P O RÂ NE A:
P en sa m en to s d e I nte rva lo
U m p o nto no T e mp o
151
O “e n tr e ” d a s i ma ge n s
157
De Vel ázq ue z a R eb ec ca Ho r n – o in sta n te
161
De P i sto le tto a Ri car d o J aci nto – o in fin ito
188
De Ab r a mo v ic a Cec íl ia Co st a – a imo b ili d a d e
208
De R ui Cal çad a B as to s a R. S mi t h so n – o mo v im en to
224
De Lo u i se B o ur geo i s a Ha n s B e ll me r – a memó r ia
243
EP Í LO GO : UM M UND O D E R E F LE XO S
267
RE F LE XO Nº 1
267
O E sp e lh o d e A - Z
RE F LE XO Nº 2
274
P a ra A ca b a r d e V e z Co m a V isã o
RE F LE XO Nº 3
280
F a la o E sp e lh o
XIII
ÍN D IC E D E IM AG E NS
281
IM AG E N S
291
B I LI O GR AF IA
326
C AP Í T U L O I
326
O E sp e l ho d e P er se u
O E sp e l ho e o T e mp o
326
335
340
342
C AP Í T U L O I I
345
C AP Í T U L O I I I
349
C AP Í T U L O I V
357
De Vel ázq ue z a R eb ec ca Ho r n - o in sta n te
De Lo u i se B o ur geo i s a Ha n s B e ll me r – a memó r ia
357
362
366
369
376
ÍN D IC E O NO M ÁS T I C O
382
No E sp e l ho d e Ul is s es
O E sp e l ho I nt acto d e L u ís XI V
De P i sto le tto a Ri car d o J aci nto - o in fin ito
De Ab r a mo v ic a Cec íl ia Co st a - a imo b il id a d e
De R ui Cal çad a B as to s a R. S mi t h so n - o mo v im e n to
XV
INTRODUÇÃO: A ENTRADA NO ESPELHO
I a m si lve r a n d exa c t. I h a ve n o p reco n cep tio n s.
Wh a t eve r I s ee I s wa l lo w im med ia te ly
Ju s t a s i t i s, u n mi s ted b y lo v e o r d i sl ik e.
S yl v ia P l at h 1
No que respeita a espelhos, todos deveríamos ser como Alice.
É bem conhecida a história onde ela, num sonho que se abeira do
pesadelo, acredita convictamente que um espelho não é só um objecto
que cumpre uma determinada função — ser uma superfície polida que
reflecte luz de forma eficiente —, mas uma ponte para algo mais: e
portanto faz de conta que o vidro é macio como gaze e passa agilmente
através dele, descobrindo, maravilhada, outro mundo, habitado por uma
estranha dimensão de tempo e povoado com personagens muito
singulares.
Não
deveremos
também
nós
recuperar
alguma
desta
sensatez infantil (servida numa bandeja onde impera o absurdo, a
ingenuidade e o maravilhamento), e ver no espelho um objecto a ser
amplamente explorado? E não nos confrontará ele, do alto da sua
importância, com a mesma pergunta desdenhosa que a Lagarta dirige a
Alice: — Quem és tu? 2
Incapazes de suster a sua impertinência (ou de lhe dar uma
resposta adequada), ignoramo-lo, e seguimos a corajosa Alice para
dentro da sua superfície prateada, indo sempre, “sempre em frente sem
parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe” 3.
Sem nos darmos conta, é o que já nos acontece todos os dias,
quando vivemos a nossa imagem «virtual » como se fosse uma imagem
«real ». Magia?
Não.
1
S yl v ia P la t h - T he Mir r o r , p . 3 4 .
Le wi s C ar o l l - Al ice no P aís d a s M ar a v il ha s, p . 4 9 .
3
C lar i ce L i sp ec to r - Ág u a V i va, p . 6 3 .
2
1
Conseguimos compreender, pelo menos a um nível conceptual,
que há uma razão específica para tal acontecer. Sabemos que a imagem
que observamos no espelho depende de uma falsa suposição: de que a
luz consegue realmente atravessá-lo — ou mesmo não sabendo, não
importa — porque, sabendo ou não, somos sempre sabiamente iludidos.
E isto é responsabilidade nossa (da nossa percepção “preguiçosa” 4, que
colide com o nosso conhecimento), e não propriamente de uma
característica inerente ao espelho em si. Sintetizemos o óbvio: sem um
olho, sem alguém que olhe na sua direcção, a imagem especular é
inexistente. Claro que lhe continuamos a «tirar o chapéu»: o truque
funciona, o nosso cérebro «visual » é iludido! Não é portanto necessário
enredarmo-nos em complexos teatros catóptricos fazedores de proezas
fantasmáticas e feéricas: um simples espelho plano torna-se um objecto
paradoxal, criador de imagens misteriosas e ambíguas. Ainda assim, o
espanto: Como é que o espelho arrasta para fora a minha carne? 5
Como é que os raios do espelho reverberam, ressoam em mim? 6
Segundo defendeu Umberto Eco, somos “animais catóptricos” 7:
sabemos como usar os espelhos. Poderíamos acrescentar à sua tese:
somos animais virtuais — conseguimos entender que estamos a ver
através de um espelho, embora saibamos que estamos, de facto, diante
dele.
Mas também há um sim para a questão acima colocada.
O
espelho
confronta-nos
com
uma
experiência
notável:
o
encontro com um “misterioso irmão” 8, uma autêntica cópia viva de nós
mesmos! Essa imagem brusca que se agarra a nós (vinda de que
mundo?), que se introduz “malignamente em nós carregada de poderes
inexplicáveis” 9, o que será senão uma verdadeira assombração, um
extraordinário acto de pura magia?
4
5
6
7
8
9
R ic har d Gr e go r y - M ir r o r s i n M i nd , p . 2 6 1 .
Ma ur ice Mer lea u -P o n t y - O Ol ho e o E sp í r i to , p . 3 1 .
Ro la nd B ar t he s - Ro la n d B ar t he s p o r Ro la nd B a r t he s, p . 1 8 7 .
U mb er to E co - So b r e o s E sp el ho s, p . 1 7 .
J o r ge L ui s B o r g es – Ao esp el ho , p . 1 1 2 .
Her b e r to He ld er - Ser v i d õ es, p . 1 1 .
2
Aos espelhos atribuímos uma propriedade que prezamos: o de
reflectirem tudo, fielmente, com “indiferente precisão” 10 (Yeats), sem
quaisquer pré-juízos (Plath). Devido à sua aparente “neutralidade” e
“ex actidão”, consideramo-los bons juízes, o que nos deixa muito perto
de os ver como reveladores de uma qualquer «Verdade ». Espelho, luz e
verdade sempre gostaram de andar juntos... Mas há quem os veja do
outro lado, do lado da mentira: eles revelam de forma parcial e
ilusória. E será possível conhecer através do que é, à partida, «falso»?
Jurgis
Baltrusaitis
“Hieróglifo
da
decide
verdade,
este
o
combate de
espelho
é
forma cavalheiresca:
igualmente
hieróglifo
da
falsidade” 11. Ter decidido utilizar a palavra «hieróglifo » também é
curioso.
A que se deveu tamanho interesse por este «eco» visual,
estudado de diferentes maneiras ao longo dos tempos por matemáticos,
filósofos, artistas, e que perdura até aos nossos dias? Provavelmente,
ao enigma da sua essência. Acreditemos na palavra rigorosa de um
poeta que, lida e relida vezes sem conta, permanece esquiva, suspensa
e fugaz como o nosso próprio reflexo:
E sp e lh o s: o q u e so i s n a vo s sa e s sên cia ,
Nu n ca n in g u é m sa b e rá e xp li cá - lo .
Co mo o s fu ro s d o c r ivo , so i s a a u s ên cia ,
Do t emp o a p re en ch e r c a d a in te r va lo . 12
*
O objectivo primeiro deste trabalho consiste em estudar, de
forma aprofundada, o uso dado ao espelho em algumas obras de arte
(sobretudo e maioritariamente de arte contemporânea, mas não só), e a
relação que estabelecem com uma dimensão algo desconsiderada em
arte, a dimensão tempo.
10
11
12
W . B . Y eat s - Ro s a Alc he mi c a, p . 3 3 .
J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 2 8 1 .
Ra i ner Mar ia R il k e - O s So neto s a Or f e u d e R a in er Mar i a Ri l ke, p . 3 9 .
3
Ver o espelho como a “máquina arcaica por excelência” 13 é um
pensamento que despoleta em nós o maior interesse. Não achamos que,
no tempo que nos é dado viver, tenha deixado de o ser. Continua a ser
uma máquina arcaica: continuará a ser uma máquina pertinente?
Continuará a desafiar-nos com os seus paradoxos? Como entender a
passagem do “dois” – que se acopla ao espelho com uma certa teimosia
e resistência — ao um, ao três, ao muitos, ao... nada?
Há
poucos
especificamente.
scientifique:
estudos
que
Referimos:
révélations,
Le
abordam
Miroir:
science-fiction
a
temática
Essai
et
sur
do
espelho
une
légende
fallacies,
de
Jurgis
Baltrusaitis (1978); Caryatid Mirrors of Ancient Greece, Lenore O.
Keene Congdon (1981); Umberto Eco, Sobre os Espelhos e Outros
Ensaios (1985); The Symbolism of Mirrors in Art From Ancient Times
to The Present, de Hope Werness (1999); Dans L´Oeil du Miroir, de
Jean-Pierre Vernant e Françoise Frontisi-Ducroux (1997); Mirrors in
Mind, de Richard Gregory (1998); On Reflection, de Jonathan Miller
(1998); Mirror, Mirror: A History of Human Love Affair With
Reflection, de Mark Pendergrast (2003); The Claude Glass: Use and
Meaning of the Black Mirror in Western Art, de Arnaud Maillet (2004)
e Jorge Molder: O Espelho Duplo, de Delfim Sardo (2005). Por razões
várias, detivemo-nos de forma mais atenta no estudo de Vernant
/Frontisi-Ducroux.
Mas
nunca
estabelecemos
hierarquias
de
«importância» nos estudos acima mencionados.
Acreditámos, desde o início, que um projecto multidisciplinar,
que convocasse e cruzasse várias áreas de forma criativa (teoria de
arte, filosofia, cinema, literatura, ciência), seria o caminho que melhor
se adaptava aos nossos propósitos. De certa forma, cada um destes
saberes projectou um «reflexo» singular na nossa investigação, e o
produto híbrido daí resultante só poderia ser enriquecedor. Se este
levantamento de informação (que muitas vezes se encontrava dispersa
em várias obras) — e a sua «digestão » — acrescenta alguma coisa aos
estudos anteriores, se possui alguma coisa de «original » (palavra
13
J o sé A. B r a g a nça d e M i r and a - Co r p o e I ma g e m , p . 3 1 .
4
perigosa num trabalho onde se aborda o tema do duplo), não nos caberá
a nós dizer.
Serviram de base a esta investigação alguns artigos publicados
em revistas especializadas (quer de arte, quer de ciência), monografias,
poemas e trabalhos académicos. Das conversas que tivemos com os três
artistas portugueses incluídos na investigação, optámos por colocar as
citações que achámos relevantes directamente no próprio texto, e não
transcrever o nosso encontro na íntegra, como era o nosso propósito
inicial. Estamos plenamente conscientes que esta escolha «direcciona »
o olhar para o que queremos frisar. Gostamos de pensar que edifica um
raciocínio que, ao primeiro assalto, atinge logo o âmago da dúvida, e
não “esmorece a girar em torno da marmita” 14, para citar Montaigne —
também nós somos capazes de comer a carne bem crua — mas sabemos
que, também aqui, o «retrato » dos artistas se faz através de um
pequeno fragmento... de um espelho convexo (a nossa memória, frágil,
que «distorce» o que foi dito). O espelho decidiu reflectir apenas
aquilo que ele viu. 15
Como em qualquer caminho percorrido, fizemos determinadas
escolhas, estabelecemos alguns limites. Analisaremos de seguida,
meticulosamente, a estrutura final que adoptámos (quatro capítulos
distintos que comunicam entre si), tentando deixar bem claro qual o
nosso centro, qual a nossa periferia, e até mesmo as hipóteses por nós
lentamente ponderadas, buriladas, mas posteriormente descartadas — e
o porquê de tal decisão.
O primeiro capítulo é uma viagem no tempo.
O historiador E. H. Gombrich falou-nos sobre a capacidade de se
conseguir andar para trás no tempo, espreitando um passado cada vez
mais
distante,
em
Uma
Pequena
História
do
Mundo
(1985).
Curiosamente, comparou este recuo a uma experiência com espelhos.
Pediu-nos a nós leitores que nos imaginássemos entre dois espelhos,
descrevendo em seguida essa vivência, que passamos a citar: “Vê-se
14
Mo nta i g ne - Do s L i vr o s , p . 1 9 0 .
J o h n As hb er y - Au to - R etr a to n u m e sp e l ho Co n ve xo , p . 1 6 3 . “E le” , n e s te ca so , é
o p i nto r co n hec id o co mo P ar mi gi a ni no .
15
5
uma longa linha de espelhos brilhantes, cada vez mais pequenos, que se
prolongam até ao horizonte, cada vez menos nítidos, de forma que
nunca se chega a ver o último. Mesmo que não dê para ver mais
nenhum, sabe-se que os espelhos estão lá, uns atrás dos outros” 16. E
finaliza: é o que se passa com o “Era uma vez”. O “Era uma vez” é um
poço perigoso, pois não tem fundo, por detrás dum princípio surge
sempre um outro... Nós, que sempre pensámos que nos iríamos deter
num «onde » e num «quando » dados pela História (num espelho
primordial! Nas características e na simbologia do espelho nas mais
variadas civilizações), depressa abandonámos de todo essa ideia,
cingindo-nos a uma mais prática, que se descartasse de excessos e
perseguisse um único ponto de fuga: o espelho como artifício.
Portanto
descemos,
descemos,
descemos
numa
queda
onde
queríamos avistar o fim, as gélidas águas do fundo.
E o fundo do nosso poço começa então com um mito conhecido,
o encontro fatal entre Perseu e a Górgona Medusa. Todos conhecemos a
arma do crime que permitirá ao herói degolar o monstro: a superfície
polida e brilhante de um escudo — um espelho. Perseu livra-se assim
de ser mais um corpo a acrescentar às incontáveis figuras de homens e
animais petrificados por contemplarem o terrível rosto. Mas, olhando
para o outro lado, constatamos que não há espaço (e sabemos que eles
ocupam um grande espaço) na literatura para a «voz » dos monstros. Ela
é constantemente abafada, nos tempos antigos, pelo timbre dos heróis e
dos deuses. Da valentia dos monstros ninguém fala... Para que conste:
Medusa, o monstro que continha a morte nos olhos, enfrentou, um dia,
o terrível Perseu — e perdeu.
Olharemos também nós com atenção para a reconstrução deste
mito ao longo do tempo por escritores e artistas (Homero, Hesíodo,
Ovídio, Lucano, Luciano de Samósata, Eurípedes, Jean Clair, Sigmund
Freud,
S ylvia
Plath,
Roberto
Calasso;
Marina
Abramovic,
João
Tabarra), e veremos de que forma se poderá relacionar com um outro
16
E . H. Go mb r ic h - U ma P eq ue n a H i stó r ia d o M u nd o , p . 2 5 .
6
mito, o de Penteu e de Agave. Uma simples batalha entre Razão versus
Sentidos, ou um intervalo enevoado entre luz e sombra?
Seja qual for a interpretação escolhida (e não pretendemos retirar
qualquer «virilidade» ao mito), uma ideia perdura: o espelho poder ser
equacionado ao conceito de logro. Esta foi a razão fundamental que nos
atraiu para este mito, e não para o de Narciso: ele pode ser ligado à
astúcia de um herói, enquanto que o segundo se centra numa
contemplação “passiva” do reflexo, que o encerra numa vanitas onde o
engenho não tem lugar. E nós fugimos (com a pressa do Coelho
Branco) ao síndrome da madrasta da Branca de Neve (e ao seu raivoso
Espelho meu, espelho meu...), às inúmeras lânguidas e sedutoras Vénus
com o seu espelho...
Passamos depois para o segundo subcapítulo a que intitulámos de
“No Espelho de Ulisses”. Iremos ver de que forma o espelho é
considerado na Grécia Antiga como pertencendo unicamente ao mundo
da mulher. Os homens estavam proibidos de se verem ao espelho, e
tinham de justificar o seu interesse por tal instrumento vergonhoso.
Para eles, a consciência de si não passava por este objecto, mas por um
olhar alheio (e se fosse de um jovem imberbe e musculado tanto
melhor). Este último pensamento leva-nos a conhecer um outro herói —
ou antes, um anti-herói, pois ele é dúbio, mentiroso, e por todos
conhecido pelos seus dolos — de seu nome Ulisses, Ulisses dos mil
ardis, como muitos insistem em chamar-lhe. Quem leu A Odisseia
jamais o conseguirá esquecer.
Há uma personagem que fica à sua sombra durante o longo
poema, mas ela irá surpreender: estende uma subtil «teia » não só aos
seus pretendentes (da sua mão e da sua riqueza) mas também ao próprio
marido. Será nos olhos de Penélope que Ulisses se irá conseguir ver
(como
defende
Jean-Pierre
Vernant).
Tentaremos
enfatizar,
com
algumas passagens do texto, toda a questão de dueto/duelo habilmente
esgrimido entre os dois.
O requintado espelho barroco será
a nossa próxima paragem.
Decidimos criar vários «palcos », e apelamos ao leitor que percorra esta
7
nossa montagem anacrónica (fracturada com tempos múltiplos, como o
singular pomar dos Feaces) saltitando entre eles.
Convocámos
historiadores
que
se
centraram
no
barroco
(Wölfflin, Orozco, Hauser, Eugénio D´Ors e Maravall), pensadores,
curadores,
poetas
(Foucault,
Herkenhoff;
Calderón
de
la
Barca,
Baltasar Gracián) e artistas (Bernini, Candida Höffer). Não é nosso
intento sermos exaustivos, mas sinuosos como o próprio movimento
que tanto interesse demonstrou pelo “Relógio incómodo” 17. Em resumo
temos: a grande máquina panóptica montada por Luís XIV no seu
palácio (que não vive sem a sua figura mítica no centro, e onde o seu
“corpo político” se irá apropriar de forma escandalosa do seu “corpo
natural”); o espelho de Hostius Quadra, libertino, tão mal visto por
Séneca; a condenação do espelho como um “demónio mudo” pelo Padre
António Vieira; para no final voltarmos a entrar nos aposentos do rei,
mais especificamente, no seu dormitório (sem termos quebrado nenhum
protocolo), que é um excelente exemplo de todo o seu reinado de
aparências, que soube glorificar o espelho como um Real cúmplice,
com os seus múltiplos olhos... e ouvidos: Vive la ruse!
Passaremos
depois
para
uma
primeira
meditação
sobre
a
problemática do tempo, onde nos debruçamos sobre a peculiar relação
existente entre tempo e arte. Tentámos concentrarmo-nos mais nos dois
“tempos” previamente estudados (Grécia e Barroco). Guiámo-nos
sobretudo pelas palavras de Píndaro, Santo Agostinho, Ovídio, do
físico Étienne Klein, do neurologista António Damásio e do historiador
de arte Erwin Panofsk y. Especulámos, que é o que a etimologia da
própria palavra espelho (oriunda do latim speculu-, «id. ») nos convida
a fazer. Originalmente, especular “era observar o céu e os movimentos
das estrelas, com a ajuda de um espelho” 18!
No capítulo dois descemos à caverna de Platão.
Perdão, rectificamos, entrando em sintonia com o filósofo:
estamos na caverna e é-nos dada a possibilidade de sair para a luz.
Percorremos
17
18
esse
caminho
sonâmbulos,
Fr a n ci sco d e Q u e ved o - O Re ló gio d e Ar ei a, p . 2 7 3 .
J ea n C he va li er e J e a n G he er b r a n t - E sp el ho , p . 3 0 0 .
8
e
dolorosamente
nos
perguntamos sobre a insistência do número dois na sua filosofia; sobre
o seu violento ataque à «imagem » (e a Homero); sobre a relação que
estabelece com a sua própria sombra, Skia (num diálogo por nós
criado); sobre o seu exemplo do espelho como um artífice excepcional,
embora, contudo, vão criador de mentiras. Para Platão, o espelho
também «inventa», devido ao seu poder de decepção. O que fica?
Ficam formas sem substância, subtis, impalpáveis, reveladoras de uma
natureza divina. Ficam imagens que ficam... aquém da Imagem.
É que em Platão ainda há uma dicotomia pura (ou uma “estética
puritana” 19, como queiramos) entre o falso/verdadeiro, o mito/logos, o
reflexo/original, o irreal/real, a cegueira/visão, etc., que o que
chamámos de época “pós-especular” tende a abolir. O que é que
acontece quando já não há a possibilidade de distinguir entre um
elemento e outro da equação, quando as diferenças deixam de ser
absolutas, mas passam a ser permeáveis e porosas?
Dizendo de outra forma: o que fazemos quando conseguimos, a
muito custo, abandonar a caverna descrita pelo filósofo, e sair para a
cruel luz do dia, que equivalerá a perguntar: o que fazemos quando o
espelho se quebra, e a imagem dual platónica é estilhaçada em mil
pedaços?
Atrevemo-nos a antever uma resposta: uma assustadora realidade
caleidoscópica. Ou então, para mantermos a metáfora do espelho, a
saída de uma casa-espelho com um território delineável (Alice
novamente) para uma cidade-espelho, para um mundo-espelho, cheio de
inúmeros reflexos contraditórios, onde já não sabemos bem de que lado
da superfície prateada nos encontramos, de que lado nos podemos
posicionar, se é que há um lado... E quando nos olhamos ao espelho
agora, tornamo-nos um cómico Vitangelo Moscarda (personagem de
Pirandello) inseguro do seu lugar no mundo, da “prolixidade de si
mesmos” 20, do Ninguém em que de repente se dissipa (Ulisses).
Estamos em crer que a prosa brilhante, hipnótica e insuperável
de Platão (onde palavras «vivas » também encontraram Medusa, e por
19
20
I r i s M ur d o c h - T h e F ir e & T he S u n, p . 1 2 . ( B ib l io g r a fi a c ap í t ulo I I ) .
Fer n a nd o P e sso a - L i vr o d o De sa s so ss e go , p . 3 1 8 .
9
ela foram petrificadas) não terá o seu melhor exemplo na República,
mas foi para a grande Imagem da caverna que fomos conduzidos (e aqui
a provocação a Platão: ele também era um poeta), ajudados por Giorgio
Colli, Jacques Derrida, Massimo Cacciari, Hans Blumenberg e Iris
Murdoch, entre outros.
O terceiro capítulo detém-se na figura do duplo.
Começamos por relacionar um filme de François Truffaut a uma
teoria oriunda da área da ciência que ainda hoje causa polémica (o
L´Enfant Sauvage e o teste inventado nos anos setenta por Gordon
Gallup, para «provar» a auto-consciência no reino animal). O menino
oriundo da floresta nunca antes havia visto um espelho. No seu
primeiro
encontro
com
este
estranho
objecto
cheira-o
(como
provavelmente cheiraria um possível animal que abatera na floresta) e
tacteia-o (reunindo informação adicional sobre o pobre bicho?); o
cientista/psicólogo
também
usará
um
espelho
como
instrumento
determinante nos seus resultados de «reconhecimento» do eu. Um outro
caso (o duplo de Sigmund Freud avistado num comboio) completará a
nossa pequena introdução, que visa trilhar e dar conta de um caminho
pouco percorrido: o do duplo que não é arquétipo do medo.
Mas quando há reconhecimento — uma coisa ser igual a outra
coisa, e darmo-nos conta disso mesmo (a Madeleine do Vertigo de
Hitchcock igual à ««outra» Madeleine, de nome Judie, por exemplo) —
aí há pavor puro. Quase todas as histórias de duplos exploram a ideia
de um confronto com o duplo com terríveis repercussões (o «outro»
que veio roubar o lugar do «original »/ a sua conquista gradual de
território e domínio/ a sua superação em relação ao «primeiro» de
direito).
Falaremos
sobre
o
que
é
viver
num
mundo
de
cópias
flaubertiano; da necessidade que o duplo tem em se «ver » ao espelho;
da possível resolução Original Vs. Cópia. Se é certo que tudo nos
conduz à ideia de que vivemos num mundo de múltiplos reflexos (onde
Madeleine = Judie), o certo é que ainda queremos acreditar no poder do
único (Madeleine = Judie, mas há ligeiras diferenças entre as duas,
umas vezes subtis, outras gritantes, que fazem com que Judie, a cópia,
10
não consiga nunca transcender o original). Mas ficamos a pensar: será
mesmo assim, ou queremos acreditar em tal por uma mera questão de
apaziguamento interior?
É que muitos exemplos nos levam a mergulhar no abismo da
terrível semelhança, dos fac-símiles irritantes, perfeitos, onde não
conseguimos apontar qualquer diferença (ver Fig. 1). Seremos talvez
uns melancólicos Tanizakis, sonhando com o carácter do único (do
mundo saudoso da sombra que as luzes da cidade anulam)? Por fim,
atentamos no sentido dado ao duplo: ele protege-nos do real (Rosset)
ou é um mensageiro de morte (Otto Rank)?
Os nossos guias em toda esta problemática vêm sobretudo da
área da literatura (Kleist, Chamisso, Poe, Dostoiévski, Hoffmann,
Maupassant, Stevenson) mas também do ensaio (Diderot, Anne Richter,
Hillel Schwartz, Karl Miller, Dällenbach) e do cinema.
Várias eram as hipóteses na área do cinema. Escolhemos dois
film noir, um de 1963, de Joseph Losey, intitulado The Servant (que
não conhecíamos de todo e que foi uma deleitosa e sombria surpresa),
outro de Robert Hamer e Alberto Cavalcanti, obras individuais
incorporadas em Dead of Night (1945). Ambos nos interessaram devido
a um aspecto: a discreta mas sugestiva e elaborada forma dada ao
«papel » do espelho nos filmes (algo ameaçadora, algo diabólica). Este
age sobre a vida dos personagens (por exemplo: exclui um personagem
menor do seu reflexo distorcido, condiciona as acções futuras dos
personagens, etc.). É difícil não associar o primeiro a um olho
orwelliano que tudo comanda da distância do seu seguro posto
(especialmente a relação ambígua entre um aristocrata indolente e fraco
e o seu criado), o segundo a um oráculo que pressagia desastres que
irão acontecer no futuro. Por último, exploramos o significado ardiloso
do mise-en-âbime.
Uma nota final: a ausência de uma análise profunda à teoria de
Jacques
Lacan
(estádio
do
espelho)
será
certamente
notada.
Apoderámo-nos do que mais nos interessava nele — a ideia de existir,
num determinado tempo das nossas vidas, um corpo fragmentado que
ainda não é um «eu». Por isso partimos para o nosso quarto e último
11
capítulo com um objectivo muito claro: insurgirmo-nos veementemente
contra a opinião de Melchior-Bonnet em The Mirror: a History (2002),
onde esta autora analisa o percurso do espelho através dos tempos, para
concluir depreciativamente que a arte contemporânea parece florescer
numa espécie de estádio de espelho lacaniano, mas virado do avesso.
Traduzindo: que é um mero corpo reduzido a pedaços, e nada mais.
Concordamos: é de facto um espelho vazio, partido, deteriorado,
niilista, indiferente, impessoal — onde provavelmente a conhecida
divisa
humanista
que
a
autora
tanto
preza
é
substituída
pela
consciência crítica, desconfiada, do espelho como um Desconhece-te a
ti mesmo 21 — mas ele continua a ser digno do nosso interesse.
Porventura
já
não
será
directamente
associado
a
uma
veritas,
prudentia, sapientia, imitatio, vanitas, superbia (já não será um
instrumento do diabo nem simbolizará a pureza imaculada da Virgem).
Continuará a ter um simbolismo polissémico divisível entre virtudes e
vícios? Cremos que não, que perdeu este lado moralizante. Agora
poderá apenas ser um fascinante olho protésico, que prolonga um
espaço inabitável, um objecto destabilizador, criador de abismos que
nos angustiam e nos fazem periclitar.
Último capítulo: reflexão sobre os espelhos em algumas obras de
arte. Foram as surpreendentes palavras iniciais de George Kubler em A
Forma do Tempo: Observação Sobre a História dos Objectos (1961)
que prenderam a nossa atenção, e posteriormente despoletaram a
construção
que
seguimos,
por
isso
as
evocamos
com
prazer:
“Actualidade é o momento em que o farol fica escuro entre os clarões:
é o instante entre os tiquetaques do relógio: é um intervalo vazio
eternamente transcorrendo ao longo do tempo: a ruptura entre passado
e futuro (...)” 22. Interessou-nos a ideia desse vazio decorrente entre
acontecimentos “dignos” de mérito. É um vazio onde, aparentemente,
nada acontece ou existe.
O nosso projecto vive muito desta ideia de intervalo, deste
caminho que quase nunca nos preocupamos em assinalar (porque “Não
21
22
Ka f ka ci t. p o r S u sa n So nt a g - E n s aio s so b r e Fo t o gr a f ia, p . 1 9 8 .
Geo r ge K ub ler - A Fo r ma d o T e mp o , p . 3 1 .
12
coleccionamos transições – caminhadas entre um sítio e o outro” 23).
Interessa-nos intuir este “entre” que tantas vezes desprezamos. Cremos
que os cinco textos que compõem este capítulo irão privilegiar a sua
obscuridade: são sempre intitulados “De.... a...”, aludindo pelo seu
título a esse hiato existente entre as obras dos artistas mencionados,
espaço não iluminado, não nomeável, que terá de ser imaginado,
preenchido, construído. Também a ficção marca aqui o seu território.
Os
artistas
terão
muitas
vezes
coordenadas
assíncronas,
diferentes formas de respirar. Às vezes até se repelem, roubam o
espaço do outro, anulando qualquer ideia utópica de um espaço
equilibrado. Nós deixámos que assim fosse. Estamos em crer que esse
confronto não só é necessário, como benéfico e produtivo. Podemos
afirmar
que
fomos
contra
o
que
o
personagem
inventado
por
Domínguez chamava de “tema dos afectos” 24. Pois ele decidiu construir
uma casa utilizando os livros como tijolos, tendo em mente uma única
preocupação: não juntar, lado a lado, dois autores que não se
entendessem! Nem sempre os nossos artistas possuem sensibilidades
semelhantes,
bem
pelo
contrário.
E
esse
choque
de
mundos
contraditórios (onde por vezes há o mesmo passo) agrada-nos.
Fizemos corresponder a cada par de artistas analisado um bloco
específico relacionado com a questão tempo. Assim, Velázquez e
Rebecca
Horn
serão
analisados
sob
a
perspectiva
do
instante;
agregámos Michelangelo Pistoletto e Ricardo Jacinto à noção de
infinito; Marina Abramovic e Cecília Costa atraíram a ideia de
imobilidade; Rui Calçada Bastos e Robert Smithson de movimento;
Louise Bourgeois e Hans Bellmer apelaram ao conceito de memória.
Não
foi
fácil
decidirmo-nos
por determinados
artistas
em
detrimento de outros. Nunca é fácil escolher (e eliminar). Mas podemos
afirmar que, uma vez escolhido afectivamente um, ele nos empurrava
naturalmente a contemplarmos um outro do seu agrado/desagrado,
alguém com quem estabelecesse um elo, mesmo que warburguiano,
invisível.
23
24
Go nça lo M . T av ar e s - B r ev e s no ta s so b r e o M ed o , p . 1 5 .
Ca r lo s M ar í a Do mí n g u e z - A C as a d e P ap el, p . 4 1 .
13
Aos artistas e escritores é dada uma grande vantagem, que eles
usam da melhor forma em proveito próprio — brincam com est a
fabulosa máquina abominável, multiplicadora de homens e de mundos,
e, convenhamos, são sortudos, pois podem acreditar (como a Rainha de
Alice do Outro Lado do Espelho) numa categoria que o comum dos
mortais põe de lado: a das coisas impossíveis. Desde espelhos que não
«espelham » o que deveriam (ou que, simplesmente, se recusam a
«espelhar »), a reflexos perdidos, a reflexos que conseguem adivinhar
um tempo futuro...
Quase tudo lhes é permitido. O espelho pode, na arte, assumir
um papel contrário ao de um mestre servil e obediente, consegue
triunfar sobre a ciência, rebelar-se contra as leis do sentido, deixar de
ser neutro e exacto, insurgir-se contra a sua apatia mimética...
O espelho torna-se, na arte, um dispositivo «interessado».
(Se ouvíamos a voz de trovão da Rainha gritar a plenos pulmões:
Eles estão a matar o tempo! Cortem-lhes a cabeça! 25? Sim. Mas não
ficámos nada surpreendidos!).
Cada um dos subcapítulos de O Dispositivo do Espelho na Arte
Contemporânea 26 trilhou um caminho autónomo e ditou o seu próprio
andamento, debatendo-se com diferentes questões. Introduzimos este
capítulo aludindo aos problemas levantados pelo Laocoon de Gotthold
Ephraim Lessing (1766) — leitura já mediada por Gombrich e por
Jacques Rancière — e pelo ensaio de Michel Baudson sobre a quarta
dimensão, L´Art et le Temps: Regards sur la Quatrième Dimension
(1985), obra inestimável sobre o tempo na arte.
Expomos
um
breve
resumo
dos
cinco
textos
realizados,
procurando referir a forma como foi debatido o tema tempo (essa
“bitola que não merece confiança” 27) em cada um:
25
Le wi s Car r o ll - Alic e n o P aís d a s M ar a v il ha s, p . 7 8 .
I nic ia l me n te, e st e q ua r to cap í t ulo t i n ha co mo s ub t ít u lo I ma g e m e R ef le xo , e não
Pen sa men to s d e I n te rva lo . Ab a nd o ná mo s es s a i d ei a p o r q ue no s ap er c e b e mo s q ue
ela no s esp ar t il h a va a o q ue q uer ía mo s e scap ar ( o n ú mer o d o is) , e ap esa r d e
ma n ter mo s u m p a r d e a r ti st as , ver - se - á q ue mu ito s o u tr o s p ar ti l har ão c o n no sco as
s ua s o b r a s.
27
W . G. Seb ald - O s E mi gr a n te s, p . 1 5 5 .
26
14
1. Velázquez/Rebecca Horn.
A falácia do instante; o complexo jogo de olhares nas
Meninas: alucinação barroca; uma pintura que respira e que se
mexe: a total imersão na representação; o studium (reflexivo)
e o punctum (a marca que nos fere) desta obra; o recurso hábil
do espelho no quadro, o seu «coração»; o fascínio e o horror
pelo tempo mecânico , comum aos dois artistas; Rebecca Horn
veste-se de Perseu (ou de égide de Atena) em Rooms Meet in
Mirrors; quando o olhar fere, em Room of Mutual Destruction
(e nós somos apanhados no fogo cruzado da visão); no reino
do inapropriado: o espelho onde o reflexo não se detém;
2. Pistoletto/ Ricardo Jacinto.
O Senhor Espelho; o que um monte de trapos velhos e o
espelho têm em comum; quando o espelho = corpo, e passa de
instrumento a «ser»; Le Stanze e Metrocubo d’ Infinito (a
memória e a autonomia do espelho); a mão de Bartleby no
estranho cubo; o infinito que não conseguimos ver; entre um
diante e um dentro; um presente perfeito para Hostius; somos
embalados por um espelho caleidoscópico, com a peça táctil e
sonora de Ricardo Jacinto, que bem poderá residir dentro do
cubo de Pistoletto; o tempo labiríntico e caótico de Orson
Wells passeia-se por aqui;
3. Marina Abramovic/ Cecília Costa.
O que Abramovic e o radical Simeão Estilita têm em comum;
um conto de Kafka; a crueldade de Artaud; a perpetuação de
acções inúteis; a não intimidação com falsos fardos; costas
com costas, quase ouvimos cair o tempo, gota a gota: Relation
in Time e desenho a carvão de Cecília; Nightsea Crossing e
Ulisses e Penélope; a falsa simetria dos rostos mutantes de
Cecília Costa; ideia de esquerda/direita e suas associações ao
nível do cérebro; imobilidade e batalha mental; The Artist is
Present: no fundo, apenas duas cadeiras; o olhar vítreo da
15
artista, olhar de Medusa?; um tempo suspenso ; uma nova era
que desponta: a era glaciar;
4. Rui Calçada Bastos/Robert Smithson.
Os espelhos que não conseguiam de forma alguma estar
quietos; Séneca e Flaubert meditam sobre a viagem; o rio e o
espelho; uma mala forrada com espelhos, por fora; 4´20”; a
troca inquietante de uma coisa por outra igual; Smithson: o
cheiro a destroços e podridão; 9 pontos num mapa: Incidents
of Mirror-Travel in the Yucatan; fricção entre matérias,
árvore/selva/areia – espelho; o desmoronamento do olhar;
Clarence John Laughlin e os espelhos inoperativos; uma nova
camada da história; Map of Glass (Atlantis) e o espelho-ruína;
sobrevivência num país em ruínas; O Elba de Caspar David
Friedrich e o Elba de W. G. Sebald; a textura do tempo:
tempo
cíclico
e
borgesiano
(Calçada
Bastos)
e
tempo
geológico (Smithson);
5. Louise Bourgeois/Hans Bellmer.
A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp – dissecação
punitiva?; a estranha posição da mão; o teatro anatómico
como arena; Bourgeois e Bellmer: a teatralidade de um corpo
em profundo conflito psíquico; o par; o espelho na instalação
The Red Room – Parents; uma fotografia de Bellmer e a sua
relação com O Boi Esfolado; o espelho de Bellmer: espaço
que duplica o que já de si é sinistramente duplicado (a
Poupée);
espelhos
controladores,
que
favorecem
um
determinado aspecto; o uncanny; I Do. I Undo. I Redo e a
inversão do espaço panóptico de Jerem y Bentham/Foucault; a
incerteza das obras suspensas por um fio; uma memória roída
pelas traças; andar para trás com o relógio do tempo .
16
Levantaremos
agora algumas
reflexões
inerentes
a todo
o
projecto. Damo-nos conta que esticámos, até ao limite, a bela
constatação de Rancière: Uma imagem nunca está sozinha. 28 Cedemos à
“orgia de ligações” 29 que todas as obras propõem, admitimo-lo sem
quaisquer problemas. É um facto que as imagens remetem, de forma
magnética, para outras imagens, oriundas dos mais variados meios.
Pascal
Quignard
dizia
que
a
própria
arte
é
uma
“produção
parasitária” 30. Cremos que é um juízo certeiro: os artistas vão-se
alimentando (de forma indiscreta e despudorada) de outras obras. Nós
também o fizemos, mas com um desejo: o de não asfixiar a obra em
questão com a nossa análise.
Para
isso
contribuíram,
e
muito,
os
livros
que
nos
acompanharam. Alguns — muito poucos — ficarão como livros-larva:
livros que “deixam ouvir a sua voz anos depois de os termos lido” 31.
Acrescentámos alguns nomes à nossa lista: Homero marcou-nos de
forma inesperada (e podemos dizer que cruzarmo-nos com ele foi um
puro acaso), Sebald surpreendeu-nos com a sua escrita vibrante e
fragmentária (com espaços imaginados entre o clarão do farol), a
irreverência e o humor de Thomas Bernhard... permanecerão. Cremos
com isto talvez afirmar que muitos foram os livros que nos guiaram, e
puxaram, e empurraram, que não tinham a temática do espelho como o
seu fim, mas que nos ajudaram nessa mesma problematização.
O nosso grande dilema: a articulação das obras referidas com a
era da dissolução pós-especular terá sido conseguida? Mas sabemos a
resposta: mais nuns casos que noutros...
A nossa grande limitação: estamos conscientes que o «tempo »
por nós abordado causará repulsa aos cientistas. É o tempo poético que
teimosamente habita no “relógio da casa, lugar certo lá no meio do
infinito” 32, não o tempo
«verdadeiro »,
tão pouco intuitivo, dos
astrofísicos. Falha nossa. Dela não sabemos como nos redimir. Há um
28
J acq ue s Ra nc ièr e - O Esp e ctad o r E ma nc ip ad o , p . 1 4 4 . ( B ib lio gr a f ia c ap . I V, o
in s ta n te ) .
29
P hi lip p e Ar iè s - O T e m p o d a H is tó r ia, p . 1 4 .
30
P asc al Q ui g n ar d - As S o mb r as Er r a n te s, p . 1 0 4 .
31
J ul io Ra mó n Rib e yr o - P r o sa s Ap átr id a s, p . 1 2 3 .
32
Fer n a nd o P e sso a - L i vr o d o De sa s so ss e go , p . 6 0 .
17
poema de Whitman em que nos revemos (embora não na totalidade).
Ele fala-nos de um cientista que dá uma palestra sobre o tempo,
apresentando incansavelmente tabelas,
provas,
diagramas. Mas o
narrador cansa-se, prefere ir-se embora a meio e enfrentar a húmida
noite, olhando de vez em quando para as estrelas — em total silêncio 33.
Consideremos agora os aspectos técnicos adoptados na tese. O
texto foi escrito no antigo acordo ortográfico, e a norma bibliográfica
utilizada é a norma portuguesa NP 405. Será necessário sublinhar que
depositámos a nossa total confiança no olhar «mediado» dos tradutores,
sempre que nos vimos “na solidão desamparada de quem ignora tudo da
língua” 34. Fizemos um esforço para simplificar ao máximo as notas de
rodapé: gostamos de apontar o caminho percorrido e futuras leituras,
mas de forma sintética.
Vezes houve em que tivemos de traduzir livremente os textos nós
mesmos, por uma questão de comodidade para com o leitor e de
uniformidade para com o próprio texto. No entanto, há raros casos em
que não nos aventurámos a tal empresa: quando sentimos que iriam
comprometer a musicalidade/complexidade da sua língua nativa (são
sempre trechos muito breves, no entanto).
Decidimos separar a bibliografia por secções, pois foi assim que
trabalhámos; sempre que um livro é citado «fora » da sua secção, tal é
apontado na nota de rodapé devida, indicando a secção onde poderá ser
encontrado. Os livros citados na introdução e no epílogo foram
associados à primeira e à última bibliografia, respectivamente.
Tentámos que o material visual exposto funcionasse de forma
independente ao próprio texto. Às vezes é um «corroborar» para o que
se está a querer dizer, mas outras vezes é um apontar para outro
ângulo, para uma relação (in)suspeita que se forma entre imagens.
33
34
Ver W al t W hi t ma n - W he n I H ear d t he L ear n ´d As tr o no mer , p . 2 9 8 .
Mat h ia s É n ar d - Fa la - l h es d e B at al h as , d e Re i s e d e E le fa n te s, p . 4 6 .
18
*
W.G. Sebald, escritor austríaco, desenvolveu uma ideia muito
inquietante no final d' Os Anéis de Saturno.
Diz ele que “... só conseguimos manter-nos neste mundo graças
às máquinas que inventámos” 35. Haverá aqui expressa a ideia de uma
subjugação do homem perante a máquina? Sabemos que o espelho,
como máquina “insone e fatal” 36, não gostará do fim que lhe atribuímos
no epílogo.
O
seu
truculentamente
olho
vivo
polido,
brilhante,
(desumano:
tirânico,
vai
tornar-se
despótico,
humano,
absolutista,
controlador), um olho de vizinha curiosa que nos espia, sabendo que
tem toda a legitimidade — e poder — para o fazer.
Ele é o mestre. E portanto dita.
35
36
W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 7 5 .
J o r ge L ui s B o r g es - O s E sp e l ho s, p . 1 8 8 .
19
CAPÍTULO I
PERCORRENDO O TEMPO
O Espelho de Perseu
S eu o lh a r f ixo o sa n g u e p a ra l i sa ,
Pa ra em p ed ra n o s to rn a r:
S a b es, é c la ro , d a h is tó r ia d e Med u sa .
Go et h e, i n F a u sto 37
Perdoem-me, ó deuses! Perdoem-me, ó heróis!
Cantai-nos agora, Musas, a glória dos monstros...
Não foi com estas palavras que Homero iniciou as suas
brilhantes narrativas épicas. O caminho que percorreu levou-o a falar
do Homem, relembrando e reescrevendo alguns mitos, pensando talvez
em gerações vindouras. O lugar soberano é dos heróis: é de Ulisses e
não do Ciclope, mas as fantásticas e estranhas criaturas não foram
esquecidas, pois encontram-se profundamente enredadas à história dos
personagens «principais ». Os seus dois poemas, verdadeiros livros
sagrados para os gregos, estão impregnados de monstros.
Que fariam os heróis sem eles? Poderíamos alguma vez imaginar
Édipo sem a Esfinge, Héracles sem a Hidra ou Teseu sem o Minotauro?
Singulares na sua beleza terrível, grotesca, disforme, ganharam um
estatuto especial no duelo — mortal, pois paga-se com a vida — de
quem com eles se confronta. São um desafio, um teste às capacidades
dos heróis, e estes querem sair vitoriosos a todo o custo.
No final, o que resta?
Resta, quase sempre, o destino trágico de todos: a esfinge, após a
frustração de ver o seu enigma resolvido, atira-se para um grande fosso
37
J o ha n n W . Go et he - Fa u sto , p . 2 3 3 .
20
escarpado; a Hidra sofre a cauterização das suas nove cabeças de
serpente que continuamente se regeneravam, e o esmagamento com uma
enorme pedra da sua única cabeça imortal, que desta forma morre; o
Minotauro sofre de um golpe limpo, certeiro, que lhe decepa o crânio.
As soluções que os heróis encontraram para abater estes inquietantes
seres desconcertam-nos sempre pela sua extrema simplicidade e
eficácia: a palavra, a pedra, o fio de lã.
Restam corpos enormes, escamas, penas, cabelos, tentáculos,
provas irrefutáveis de terríveis e árduas batalhas — talismãs preciosos.
Os heróis, neste aspecto, lembram abutres: rondam o corpo, dissecam
os espojos, tentando aproveitar o que ainda sobra. Hércules, por
exemplo, mergulha as suas flechas no sangue do monstro, pois sabe que
de um monstro venenoso saem flechas venenosas, que lhe serão úteis
para o futuro.
Por fim, e quando o vazio se instala, resta procurar outro
monstro. (Os heróis nunca se contentam com o que já conseguiram
alcançar, são naturalmente ávidos 38).
*
A Górgona Medusa foi procurada por Perseu.
É um dos muitos, belos contos que atravessam a Antiguidade
grega, e terá todos os ingredientes necessários para tal: um herói
atraído por “vãs quimeras” 39, um monstro com um poder assustador,
uma cabeça decapitada. Medusa terá vários palcos, tantos quantos os
muitos escritores que ousaram olhá-la de frente (Homero, Hesíodo,
Píndaro, Eurípedes, Pseudo-Apolodoro, Ovídio e Lucano, dos mais
antigos, e Sigmund Freud, S ylvia Plath, Jean Clair, Jean-Pierre
38
Ser ia e s te q uer er ir s e mp r e ma i s a lé m u ma car ac ter í st ica d o p r ó p r i o car ác ter
gr e go ? O h i sto r iad o r T u cíd id es c ito u o q ue o s c o r í nt io s d i zi a m d o s gr e g o s: “Fa ze m
u m p l a no ; s e f al ha , p en sa m q ue p er d e r a m al g u ma co i sa; se tr i u n fa, o êx ito não é
nad a co m o q ue s e p r o p õ e m f azer d a p r ó x i ma v e z. É -l he s i mp o s s í vel go z ar e m a p az
e a tr a nq u il id ad e, o u d e i xar e m o s o u tr o s go zá -l a s.” C f. H . D. F . Ki tto - Os Gr e go s,
p. 170.
39
Go e t he - Fa u s to , p . 2 3 3 .
21
Vernant,
Julia
Kristeva,
Françoise
Frontisi-Ducroux
dos
mais
recentes), e veremos que é um confronto que requer coragem.
Tentaremos, também nós, reconstruir este mito 40, olhando atentamente
para os testemunhos escritos e para a sua representação visual ao longo
dos tempos, e detendo-nos em particular na característica que mais nos
interessa
explorar.
Dissemos
anteriormente
que
todos
os
heróis
arranjavam um qualquer mecanismo, uma táctica surpreendente no
combate ao monstro. No caso de Perseu, esse dispositivo foi um
simples escudo-espelho. Nele nos iremos concentrar.
Mas comecemos de novo. Perseu queria reclamar feitos ousados
que lhe dariam “o esplendor de mil valentias” 41. Até aqui, nada de
particularmente original: como todos os restantes heróis, ou até mesmo
como os simples mortais, apenas procurava o reconhecimento que uma
acção tão grandiosa lhe poderia proporcionar. O que é que os brilhantes
atletas descritos nas odes de Píndaro levavam para casa? O prémio era
uma simples grinalda de ramos de oliveira, de salsa silvestre, de
pinheiro ou de loureiro, consoante os jogos a que se referiam 42. No
entanto, ganhavam algo muito mais «imaterial »: seriam falados,
honrados, adorados quase como deuses. E os heróis almejavam ser a
“imagem desbotada” 43 dos seus próprios heróis, os deuses: por isso se
40
Fal a mo s e m r eco n s tr uç ão p o r q u e é d i sso me s m o q ue se tr ata q u a nd o f ala mo s d e
mi to . P o d e mo s ap r o x i m ar o mi to à id ei a q ue t e mo s d e u m o s so : j u l g a mo - lo p o r
na t ur e za i n er te , se m v id a, e p o r ta nto se m cr esc i me n to e se m r e g e n er ação . E
sab e mo s q u e n ão é a s si m. O mi to so f r e i n ter p o laçõ e s vá r ia s ao lo n go d o s te mp o s ,
acr e sce n to s o u o mi s sõ e s p o r ve ze s s ub ti s ( q u e m d e u o q uê a P er se u na s ua l ut a
co n tr a o mo n str o ; as Gr ei a s er a m d ua s o u t r ês ir mã s? ) , o u tr a s v ez es g r it a nt es
( Med u sa er a u m mo n s tr o ho r r í ve l ma s t a mb é m er a u ma j o ve m mu i to b e la...) É e sta
car ac ter í st ica p ec ul iar , o f acto d e o mi to s er mu ta n te , q u e o to r n a t ã o r ico . Ma s
ta mb é m é e la q u e to r na co mp li cad a a tar e f a d e «co n tar » a s ua h is tó r i a.
41
P índ ar o - Xª Od e Ne me ia, p . 1 0 5 .
42
Es te p r é mio s co r r e sp o n d ia m, r esp ec ti va me nt e, ao s J o go s O lí mp ico s e ao s J o go s
Ne me u s, a mb o s e m ho n r a d e Z e u s, ao s j o go s Í st mi co s ( e m ho nr a d e P o sé id o n) e
ao s J o go s P í tico s ( e m ho nr a d e Ap o lo ) . C f. a in tr o d ução d e An tó n io d e Ca str o
Ca eir o - P í nd ar o , p . 1 2 .
43
Ro b er to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e d e H ar mo nia , p . 2 6 1 . T alve z o ens aio
“me n o s” mi to ló gico , ma s cer ta me n t e u m d o s ma is l u mi no so s, i nte n so s, ab r up to s, à
i ma ge m d o p r ó p r io te cid o mito ló gi co .
22
empenhavam tanto na procura de uma aretê, de uma excelência 44 que
lhes granjeasse fama. Perseu queria a cabeça do monstro.
Teria noção da insanidade do seu plano? Sabia que quem ousasse
olhar
directamente
para
Medusa
transformar-se-ia
nesse
mesmo
instante num duro bloco de pedra. “Nenhuma criatura viva, de facto,
suportaria olhar para aquele rosto, nem mesmo as serpentes na sua
própria cabeça” 45, diz-nos Lucano. Ela era, literalmente, a verdadeira
femme fatale. Mas isso apenas aguçava o desejo de Perseu de se pôr à
prova 46, e de, quem sabe?, degustar o requintado sabor desse troféu que
todos diziam ser impossível (e que mais tarde todos saberiam ser
envenenado).
Calculamos que não deve ter sido fácil oferecer a Medusa o seu
“fatídico destino” 47. Mas Perseu era conhecido como o Senhor da Morte
ou Mestre do Terror (mèstor phoboio 48); a sua futura vítima como a
que comanda, a que reina 49. Certamente duas grandes forças que
chocam entre si: os dados já estavam lançados, o destino de cada um
teria de ser cumprido.
Não devemos negligenciar o poder que o nome tinha para os
gregos. O nome era um mapa onde tudo já estava escrito, por isso lhe
davam tanta importância. Por outras palavras, a etimologia possuía um
sentido quase que profético, de previsão, o que para eles era o
equivalente a dizer preciso, exacto. Visto desta perspectiva, quase que
podemos ver o nome como uma espécie de fato de alfaiate, feito à
medida de cada um, impecavelmente apropriado a cada vida, eterna ou
fugaz, alegre ou infeliz, justa ou injusta.
44
H. D. F. K it to s u g er e q ue nó s ho j e ta l vez tr ad u zí s se mo s a p a la vr a a re tê p o r
“v ir t ud e”, ma s o ter mo mai s ad eq uad o s er i a “ex cel ê nc ia” ( e n glo b a nd o o a sp ec to
mo r al, i nt el ect u al e fí s ic o ) ; V er K it to - O s Gr e go s, p . 2 8 2 .
45
Lu ca no - T he M ed u sa R ead er , p . 4 1 .
46
El e p r ó p r io o t i n ha p r o p o sto ao r ei P o l icd e te s, e m t r o ca d a lib er t ação d a s ua mãe
Da náe . Ca so não r e gr e s sa s se co m o p r o me t id o tr o fé u, a s u a mãe s er ia fo r çad a a
cas ar - se co m o tir a no . Não ser á d e i g no r ar a te se d e Ro ger C ai llo is , q u e vê to d o o
mi to co mo u m r ito d e i n ici ação ; ver o s e u e n sa io Th e Ma sk o f Med u sa , es p . p . 9 9 .
47
He sío d o - T eo go n ia, p . 5 0 .
48
J ea n -P ier r e V er na n t – Au mir o ir d e Méd u s e , p . 1 2 3 .
49
J u ni to d e So uz a B r a nd ã o - Di cio nár io M ít ico - Et i mo ló g ico d a Mi to lo g ia Gr e ga, p .
470.
23
O
mapa
de
Medusa
não
agoirava
nada
de
bom,
porque,
lembremo-nos, ela também era uma Górgona 50: impetuosa, terrível,
apavorante. Reinou pelo medo que causava, mesmo aos próprios
deuses!
As
suas
ligações
ao
mundo
infernal
não
passaram
despercebidas a vários escritores, como Homero, Hesíodo ou Píndaro.
Vamos encontrá-la na Ilíada como uma presença breve mas marcante,
associada à “Discórdia”, à “Sanha” e ao “gélido Assalto” 51. O terror
que ela provoca não deverá contudo ser associado a uma situação
normal de perigo, é antes um pavor sem causa (sem rosto), “é o pavor
em estado puro, o Terror como dimensão do sobrenatural” 52. É o terror
por excelência, de ver... e de ouvir. Gritos agudos e inumanos saíam
dos seus maxilares 53.
Na Odisseia o cenário nocturno é ainda mais intensificado, com a
descida de Ulisses ao Hades; os milhares de mortos que por lá
vagueiam,
fantasmas
“sem
entendimento” 54,
fazem
um
barulho
ensurdecedor, mas o medo de Ulisses era outro: “um pálido terror/ se
apoderou de mim, não fosse a temível Perséfone enviar-me/ da mansão
de Hades a monstruosa cabeça da Górgona” 55. No pior lugar para um
ser vivo estar – bolorento e frio –, com a pior companhia possível –
espectros sem raciocínio —, Ulisses tem medo de um Mal que se
sobrepõe a todos os outros, que é inominável, indizível: a Górgona.
A própria morada do monstro em nada nos apazigua, abismo
longe dos homens e dos deuses, longe de tudo o que é vivo, segundo
Hesíodo: “para lá do Oceano ilustre,/ na fronteira com a noite, na
morada das Hespérides de voz/ cristalina” 56. É por aqui que Perseu tem
de se aventurar, numa viagem longa e perigosa, onde, acreditando em
50
N u m cer to se n tid o , e l a er a a Gó r go n a p o r e xc elê n ci a, v is to q u e a s s ua s d ua s
ir mã s É st e no e E ur í ale e r a m mo r t ai s, e lo go me n o s ap a vo r a n te s .
51
Ho mer o - I l íad a , p . 1 2 6 . C a nto V, 7 4 1 .
52
J ean -P i er r e Ver na n t – Dea t h i n t h e E ye s, p . 1 1 7 . En sa io no tá v el, í mp ar , d es te
p en sad o r so b r e a fi g ur a d e Med u sa .
53
P índ ar o - P í nd ar o , p . 1 4 0 . P í nd ar o r e fer ia - se a o s so n s q ue sa ía m d e E u r íal e, ir mã
d e Med u sa. Ate n a i n sp ir a - s e n es se so m g u t ur al p ar a i n ve n tar a f la u ta, o f er ece nd o - a
d e p r e se nt e ao s mo r ta i s, se g u nd o o me s mo p o e m a.
54
Ho mer o - Od i s se ia, p . 1 9 3 . C a nto XI , 4 7 6 .
55
Ho mer o - Od i s se ia, p . 1 9 8 . C a nto XI , 6 3 3 -6 3 5 .
56
He sío d o - T eo go n ia, p . 5 0 E s tá i mp líc ito no p o e ma q ue a s Gó r go n as hab it a va m
mu i to p er to d o r ei no d o s mo r to s.
24
Ovídio, ele chega a tocar nas estrelas com o seu bater de asas,
contemplando lá do alto terras e mares. Por todo o caminho percorrido,
o que ele viu não foram homens nem animais, mas estátuas de pedra.
[Achamos que a fotografia a preto e branco de Marina Abramovic´,
intitulada Looking at the Volcano (2009), propicia um vislumbre do
que seria essa paisagem: humanamente despida, infértil, com um rasto
de morte; ver Fig. 2].
Resumiremos de forma muito breve as três etapas que ele teve de
passar (Greias, Ninfas e Górgonas). A primeira, o encontro com as
Graiai, as Greias, guardiãs dos lugares proibidos. Nascidas com
cabelos brancos e rugas, apenas tinham um olho e um dente comum às
três. Iam trocando entre elas a missão de estar alerta, ou seja, de ver.
Havia um momento, no entanto, em que o olho tinha de passar para
uma das outras irmãs. O nosso herói aproveita esse “misterioso
intervalo” 57 onde o olho não tem lugar, e agarra-o, cegando-as. É desta
forma que as irmãs das Górgonas lhe dão as indicações que necessita:
em troca da sua visão, revelam-lhe o segredo da residência das Ninfas.
Estas últimas dão-lhe o kuneé, o capuz de Hades (que torna
invisível quem o coloca) e o Kibisis (o saco onde ele deverá colocar,
depois de cortada, a ainda letal cabeça de Medusa). Os deuses
acrescentam
duas
decapitação,
e
outras
umas
prendas:
sandálias
a
harpé,
aladas,
o
presente
instrumento
de
Hermes.
de
A
invisibilidade, a sua própria protecção contra a sinistra cabeça, o
instrumento mortal e a ubiquidade: eis as suas armas. Surge o grande
momento para Perseu, e com ele o seguinte dilema: como matar um
monstro que transporta a morte nos olhos? 58
Pseudo-Apolodoro (século II a.C.) será o primeiro autor a
introduzir o escudo polido ao mito. Ele agirá como um instrumento que
permite ao herói olhar para a sua superfície com “um olhar afastado” 59,
segundo as suas próprias palavras.
57
J ea n -P ier r e V er na n t - L ´i n d i v id u, l a mo r t, l ’ a m o ur , p . 1 2 3 .
Al u são ao tí t ulo d o e n s aio d e V er na nt , “Dea t h in t h e E ye s : Go r go , Fi g ur e o f t he
Ot her ”, i n Mo r ta l s a n d I mmo rta l s , r e s u mo p er fe i to d o p o d er d e M ed us a.
59
Ap o lo d o r o - T he M ed u sa Re ad er , p . 2 4 . A exp r e ss ão i n g le sa u ti li zad a p e lo
tr ad uto r J a me s Geo r ge F r azer é, e p a ss a mo s a ci t ar : “ wi t h a n a ver ted g az e”.
58
25
A versão de Ovídio (c. 43 a.C. - 17 d.C), o senhor de todas as
transformações, é famosa. Ele dará primazia ao reflexo, e será da
seguinte forma que falará dos meios utilizados por Perseu para
ludibriar o monstro da “cabeça imunda” 60:
E le, p o ré m, a p en a s vi ra a ima g em d a a r r ep ia n t e Med u sa
re fle ct id a n o e scu d o d e b ro n ze q u e t ra zia n o b r a ço e sq u e rd o ,
e q u a n d o u m p esa d o so n o d o min o u a s víb o ra s e ela p ró p ria ,
co r to u - lh e a ca b e ça d o p esco ço ; 61
Lucano (c. 39-65 d.C), poeta romano, será o primeiro autor a
utilizar o termo específico «espelho», e de forma extremamente
inovadora: Atena faz o herói prometer que lhe dará a cabeça do
monstro e, em troca, ensina-o a derrotá-lo. Citamos:
E n tã o
ela
co lo co u
um
es cu d o
p o lid o
na
su a
mã o
esq u e rd a , e d i s se - l h e q u e q u a n d o ch eg a ss e à f ro n tei ra d a
Líb ia te ria d e vo a r d e co sta s a tra vé s d o t er r itó rio d a s
Gó rg o n a s e u t il iza r o es cu d o co mo e sp e lh o , evi ta n d o
d es ta fo r ma a p e tr if ica ç ã o . 62
(Atena poderá ser a deusa visionária que inventou o retrovisor).
Mas
vamos
por
partes.
Porquê
insistir
na
descrição
Greias/Ninfas/Górgonas? (De notar que estas três fases podem ser
maravilhosamente enquadradas numa das obras de Louise Bourgeois,
Cell: Eyes and mirrors; ver Fig. 3. Interessante será reparar que os
olhos são feitos de mármore – material cego? – e que os espelhos
parecem, eles sim, seres expressivos, quase que... vivos: quem é que
está a ver quem?)
É de importância crucial notar que tudo começa com um olho
roubado, e que todo o drama medusiano se centra em redor do tema da
60
Ov íd io - M eta mo r fo s e s, p .1 2 4 . Li v r o I V, 6 5 7 .
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 7 . Li vr o I V , 7 8 2 -7 8 5 .
62
Lu ca no - T he Med u sa R ead er , p . 4 1 .
61
26
visão — e especificamente do tema do olho e do par ver/ser visto (ou
não querer ser visto...). Luciano de Samósata (c. 120-180 d.C), satírico
grego, já avisava que o poder da língua não tinha equivalência ao poder
da visão, as Sereias eram menos poderosas que as Górgonas, pois estas
últimas afectavam profundamente a essência vital da alma 63...
Perseu nunca atentou um face a face com o alvo: seria como
querer olhar directamente para o sol. Os antigos acreditavam que
apenas a águia tinha o poder de fixar o Sol de frente 64: o filho de Danáe
soube evitar essa irresistível vontade em olhar para o sol negro que era
Medusa. O espelho foi o instrumento que lhe permitiu combater a sua
luz excessiva, colocando a cabeça do monstro “em perspectiva
segura” 65, como tão bem disse uma poetisa. O seu trunfo, portanto, não
foi o escudo em si: foi saber como utilizar a imagem especular (ou
melhor, como olhar).
Visto desta forma, a astúcia deste herói sobrepõe-se ao ingénuo e
puro Narciso, que foi enganado pelo próprio reflexo, ele, que em vão
tentou “agarrar a fugidia imagem” 66 que tanto desejava, não se dando
conta que esta não tinha qualquer substância: com ele vinha, com ele
permanecia, com ele partia. Narciso desmontou todo o dispositivo
circular, mas já era tarde demais: este já o havia tragado, consumido,
tornado flor 67. Perseu foi mais artificioso — essa será a característica
que dele destacaríamos, acima de todas as outras — e inspirará, tempos
mais tarde, outros heróis reais, outros escudos ilusionísticos (como por
exemplo o de Filippo Brunelleschi 68).
63
L uc ia no d e Sa mó sa ta - T he Me d us a Read er , p . 4 3 .
Geo r ge s B ata il le - O Â n u s So la r , p . 5 3 .
65
S yl v ia P l at h - P er se u s: T he T r i u mp h o f W it o v er S u f f er i n g , p . 1 0 0 . A exp r e ss ão
ex act a d a p o et i sa é “i n s af e p er sp e ct i ve” .
66
O víd io – M et a mo r fo se s , p . 9 6 . Li vr o I I I , 4 3 2 .
67
O o r á c ulo a fir ma v a q u e ele ap e n as vi v er i a lo n g o s a no s s e n u nc a se co n he ce s se a
si me s mo . E s te “co n he c er ” é d e f acto u m reco n h ece r, o u sej a, d e i xar d e i ma gi n ar a
alt er id ad e d o o utr o a p ar tir d o se u p r ó p r io r ef le xo . So b r e o t e ma d e N ar ci so ,
r e met e mo s o lei to r p ar a o e ns aio d e M ar gar id a Med e ir o s - Fo to gr a fi a e Nar c i si s mo ,
p . 6 1 -6 6 .
68
Est e ar q ui tec to d o R e na sc i me n to ( 1 3 7 7 -1 4 4 6 ) r eco r r e u a u m e sp e l ho d e fo r ma
ge n ia l: t e nd o p i ntad o o B ap ti stér io d e Sa n Gio va n n i e m F lo r e nç a, fez d ep o i s u m
b ur a co na p i nt u r a, co i n cid e n te c o m a p o r ta d o mo n u me n to . Dep o i s, p e d ia a q ue m
q uer ia ver a o b r a q ue s eg ur a ss e a p eq ue n a p i nt ur a n u ma mão ( co m o l ad o d e tr á s
p ar a si) e q u e, n a o ut r a mão e u m p o u co ma i s à fr e n te, s e g ur a s se u m esp e l ho d e
ta ma n ho s e me l ha nt e. O s e sp e ctad o r e s ver ia m r ef le ct id a a o b r a ( p i ntad a) e o cé u
64
27
Através
dos
três
textos
antigos
referidos
anteriormente
(Apolodoro/Ovídio/Lucano), podemos constatar que o espelho actua
como um
produtor de distância: uma distância exacta, criadora — e
sobretudo segura —, que ajuda e promove o acto homicida. O espelho,
para Perseu, é a sua saída do labirinto: é o elemento que lhe permite
superar a interdita visão, que lhe permite ver sem ser visto.
*
Seguimos Perseu até ao banquete sumptuoso oferecido pelo rei
Cefeu. Este pede-lhe que conte as suas aventuras, o que ele faz de bom
grado, mas é interrompido por uma curiosa pergunta de um dos
ouvintes: porque é que só uma das irmãs tinha serpentes no cabelo?
Ele responde que Medusa tinha sido uma bela jovem cobiçada
por vários pretendentes. A característica que mais se destacava nela era
o esplêndido cabelo. Um dia, Poseidon desflorou-a no templo de
Minerva. A filha de Júpiter tapou o seu olhar, casto, com a égide, e
para não deixar escapar impunemente o acto transforma os belos
cabelos da jovem em cobras asquerosas. Quando, mais tarde, o
convívio descamba em tumulto e luta e Perseu se vê obrigado a utilizar
a cabeça que guardava no saco para matar os opositores, o mármore
grava olhares de surpresa, espanto, incredulidade, submissão. O
próprio rosto do rei Polidectes se torna numa “pedra sem sangue” 69.
Se a crer que nada dura muito tempo com a mesma forma 70 —
beleza radiosa depressa se transforma em monstro prodígio, em
“aberração” 71: de ameaça a cabeça metamorfoseia-se em arma utilizada
em
proveito
próprio.
Torna-se
amuleto
defensivo,
símbolo
( r eal) , co m as ver d ad ei r as co nd içõ e s a t mo s f ér i cas q ue c ap ta r ia m aq ue le me s mo
mo me n to : o mo vi me nto d as n u v e ns , o u a c h u v a, o ne vo e ir o , u m p á ss a r o q u e p o r
aca so p a s sa s se no cé u ... É i n ter es s a nte no ta r q u e o ar ti s ta, d e sta fo r ma , p r i vi le gio u
o r ef le xo so b r e a s ua p r ó p r ia p i n t ur a. C f. Sa m ue l Y. Ed g er to n - T h e Mir r o r , T h e
W ind o w a nd t h e T ele sco p e, p . 4 4 -5 3 .
69
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 3 6 . Li vr o V , 2 4 9 .
70
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 7 1 . Li vr o X V, 2 5 9 - 2 6 0 .
71
T er mo s ut il izad o s p o r Ov íd io p ar a d e sc r e v er Med u sa p o r Fi n e u. Ov íd io Met a mo r fo se s, p . 1 3 5 , 2 1 6 .
28
apotropaico 72, tal como a pequena gota que escorreu do sangue da
Medusa degolada (que tinha a capacidade de dar a vida ou a morte), ou
a madeixa dos seus cabelos que Atena oferece a Héracles (que era
capaz de colocar todo um exército inimigo em fuga 73).
Uma coisa podemos, para já, concluir: os textos antigos que se
interessaram sobre este monstro, esta luta e esta cilada recusam-se
também, com pleno direito, a reflectir sobre eles. Dizem-nos que
Medusa é uma presença maléfica, caracterizam-na como criadora de
desordem, mas não vão mais além do papel que a si mesmos atribuíram
(o papel da escrita em si). E diríamos que é quase com pudor que a
evocam. Nenhum texto grego a descreve detalhadamente: nunca o seu
olho é mencionado, apenas os efeitos que provoca (a petrificação, a
transformação dos seres em cadáveres, a morte pela magia do seu
olhar). É uma “cara proibida” 74 na literatura, como nos diz FrontisiDucroux, mas será um rosto recorrente e abundante nas artes 75.
Uma possível explicação para tal facto é que Medusa se torna um
rosto que podemos suportar, porque se apresenta como duplicata, como
simulacro. Enquanto ídolo é “fatal” 76, como adverte Mefistófeles a
Fausto, enquanto eikôn 77 é suportável, porque lhe é dada uma forma
que neutraliza os seus poderes. Dando corpo ao Medo ele torna-se
muito menos aterrorizador, porque muito mais conhecido 78. Se no mito
72
A mu le to q ue p r o te ge e af as ta o «ma u - o l h ad o ». So b r e e s te t e ma, v er o en sa io d e
Eu g e ne D wyer - E v il E y e ( 1 9 9 8 ) e o te x to d e Ro ger C ail lo i s - T h e Ma s k o f M ed us a
( 1 9 6 4 ) q u e cr ê no p o d er hip n o ti zad o r e p ar al is a n te d o o l ho .
73
Eur íp ed e s, no Í o n , i nt r o d uz d ua s go t as d o s a n g ue d a Gó r go na ao mi to : a q ue
go t ej o u d a vei a ca va p r o te ge a v id a, ma s a o u t r a, co mo ve n e no d a s s e r p en te s d a
Gó r go na, ma t a. P er co r r e m u ma lo n g a c ad ei a a té Cr e ú sa a s ut il izar , e m v ão ( C r e ú sa
her d a -a s d o s e u p ai, q u e p o r su a vez a s her d a d e Er ictó n io , q ue a s t i n ha her d ad o d e
Ate n a) ; so b r e o mi to d e Hér ac le s, c f . P ier r e Gr i ma l - D icio n ár io d e Mi to lo g ia
Gr e ga e Ro ma n a , e n tr ad a “Ce fe u ”, p . 8 0 .
74
Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - T he Go r go n, P ar ad ig m o f I ma g e Cr e at io n, p . 2 6 3 .
75
As r ep r es e nt açõ e s p lá st ica s d a Gó r go na d is s e mi na m - s e p e la p ó li s a te ni e ns e a
p ar tir d o sé c ulo VI I a. C. S ur g e m e m gr a nd e esc al a no f r o ntão d o s t e mp lo s, e m
p ed i me n to s, acr o tér io s e an te f i xo s, ma s ta mb é m n u ma es cal a ma is r e d uz id a ( e m
esc ud o s, mo ed a s, p ed r a s p r ecio sa s, va so s , e tc.) .
76
Go e t he - Fa u s to , p . 2 3 3 .
77
P ar a a d i st i nção e ntr e eid ô lo n e ei kô n ( d o i s ter mo s gr e go s q ue d e si g n a va m
“i ma g e m” ) , v er o i nt er e s sa nt e te x to d e T o má s Mai a - As so mb r a, p . 2 9 -3 8 e o d e
J ean -P ier r e V er na nt – A Fi g ur a d o s D e us e s I : G ó r go na , p . 6 9 -1 0 3 .
78
H.P . Lo vr e cr a f t, u m d o s me str es d o fa n tá st ico na l it er a t ur a, d i zi a q ue o med o é a
ma i s a nt i ga e p o d er o s a d as e mo çõ e s h u ma na s, e q ue o t ip o d e med o ma is a n ti go e
29
o espelho actua como tela “amortecedora” da realidade, nas artes esse
ecrã separador terá as mais diversas matérias, que não deixando de
visar o nosso assombro, nos tornam imunes ao veneno da sua criatura.
Serão os artistas vítimas ou senhores de Medusa? Deixemos esta
pergunta em suspenso, enquanto nos concentramos em textos mais
recentes sobre este ser mitológico.
As conexões a um mundo obscuro perdurarão: Stefan Zweig
associa-a ao poder vulcânico do demoníaco 79, Jean Clair a um “poder
thanaturgico”
80
, Sigmund Freud a um “símbolo de horror” 81.
Jean-Pierre Vernant propõe uma tese peculiar: o rosto da
Górgona operar através da máscara, ser uma máscara de alteridade
extrema onde os gregos encontraram um modo de revelação desse
«outro » de si mesmos 82, que os arranca violentamente da vida e os
mergulha num abismo – pois ela é “potência de morte” 83. A sua mais
valia (ser um disfarce) comporta um risco: sermos enfeitiçados,
tornarmo-nos no disfarce. Quando tal acontece ficamos alienados,
sujeitos ao comando de um outro poder, superior, ao do “deus que nos
coloca freio e rédeas” 84, se senta ao nosso lado e nos “arrasta no seu
galope” 85.
O
autor
enumera
duas
características
fundamentais
da
representação da Górgona, que se conjugam de forma singular: a
frontalidade e a monstruosidade. Eis a magnífica descrição da górgona
arcaica:
A ca b eça la rg a , a rr ed o n d a d a , evo ca u ma fa c e leo n in a , o s o lh o s
fita m f ixa m en t e, o o lh a r é p en et ra n te . O ca b el o a s sem elh a - se a u ma
cr in a
de
a n i ma l
er i ça d a
co m
se rp en t e s.
As
o r elh a s
sã o
ma i s p o d e r o so ser i a o med o d o d e sco n h ec id o . C f. Lo ve cr a f t - O T er r o r
So b r e na t ur a l na L i ter a t u r a, p . 1 1 .
79
St e fa n Z we i g - O Co mb ate co m o De mó n io , p . 1 4 .
80
J ean C la ir - Méd u se, p . 4 8 .
81
Si g mu n d Fr e ud – M ed us as ´s Head , p . 8 5 .
82
De r ealç ar q u e é o o u tro d e s i me s mo s e n ão o «o u tr o » d i fe r e nt e d o gr e go
( b ár b ar o , e scr a vo , e str a n ge ir o , j o v e m, mu l h er ) . Ver na n t ad ver te q ue t o d as e s ta s
f i g ur a s ti n h a m co mo r e f er ê nc ia o mes mo mo d el o : o cid ad ão ma s c ul i no , ad ul to . C f.
J ean -P ier r e V er na nt – D eat h i n t h e E ye s : Go r go , Fi g ur e o f t he Ot h er , p . 1 1 1 .
83
Ver na n t - De at h i n t h e E yes , p . 1 3 7 .
84
Ver na n t - Dea t h i n t he E yes , p . 1 3 8 .
85
Ver na n t - De at h i n t h e E yes , p . 1 3 8 .
30
exce s si va men te g ra n d e s , d efo rma d a s, p o r v ez e s sem elh a n te s à s d e
u ma va ca . Co rn o s p o d e rã o n a sce r - lh e n o c râ n io . A b o ca , co m u m
es tra n h o so r ri so , a lo n g a - se a o p o n to d e co rta r to d a a la rg u ra d o
ro sto d e sco b r in d o f ila s d e d en t es co mo p re sa s d e ja va li. A l ín g u a ,
p ro j ecta d a p o r d ia n t e, a vo lu ma - s e n o exte rio r. O q u eixo é p elu d o o u
b a rb u d o , a p e le p o r ve z es su l c a d a p o r ru g a s p r o fu n d a s. Es te ro sto é
ma i s u m t re jei to q u e u m ro sto . P ela d i s ru p çã o d o s t ra ço s q u e
co mp õ e m a fig u ra h u m a n a , ela exp ri me, a t ra vés d e u m ef ei to d e
in q u ie ta n t e e st ra n h e za , u m mo n st ru o so q u e o s ci la en t re d o i s p ó lo s:
o h o r ro r d o t er r íve l, o r is í ve l d o g ro t e sco . 86
Esta cabeça, que oscila entre o humano e o bestial, entre o belo e
o feio 87 – e que lembra a figura do Bés egípcio, a dos sátiros, ou, mais
ainda, a de Baûbo 88 – comporta aspectos insólitos, porque faz colapsar
as rigorosas distinções entre deuses, homens e animais. Rilke, na sua
primeira Elegia de Duíno, já se apercebera dessa estranha conexão que
une a beleza ao terror, tão presente aqui: “o belo apenas é/ o começo
do terrível, que só a custo podemos suportar,/ e se tanto o admiramos é
porque
ele,
impassível,
desdenha/destruir-nos.
Todo
o
Anjo
é
terrível.” 89
A máscara também pode ser aproximada ao espelho. Não a um
espelho qualquer, mas a um muito especial, originário de uma história
antiga narrada por Pausânias num templo em Licosura, na Arcádia. Este
espelho causava perplexidade a quem fielmente esperava ver o seu
reflexo: porque apenas via uma obscura reflexão, ou mesmo nada. Por
outro lado, as figuras dos deuses que tinham lá estátuas (Deméter,
Artemisa, um titã) surgiam claramente na sua superfície, em todo o seu
86
J ean -P ier r e Ver n a nt – D eat h i n t h e E ye s, p . 1 1 3 .
Há mai s p ar es q u e p o d e m ser e n u mer ad o s, co mo o ma sc u li no / fe mi n i no , o
j o ve m/ v el ho , o ce le st ia l /i n fer n al ; o c i ma /b a i xo ( a Gó r go na te m o s s e us d o is f il ho s,
Cer ia so r e P é ga so , atr a v és d o p e sco ço ) e o d e nt r o / fo r a ( a l í n g ua e stá fo r a d o sí tio ,
o b sce n a me n te p r o t ub er a nt e no e x ter io r ) .
88
Hav er á o utr o s el e me n to s i mp o r tad o s, v i nd o s d o Or ie nt e. Ver n a nt d e s va lo r iz a -o s,
af ir ma nd o q ue cr ia ção d o s gr e go s é “i n te ir a me n te no va, mu i to d i f er e nt e d o s
an tec ed e n te s i n vo c ad o s ”, ci t. 5 0 , p . 7 1 . M as não ser á o “mi la gr e gr e go ” u m
p r o d u to d a f u são d e c ul t ur a s e d e p o vo s ( co mo d ef e nd e K it to - O s Gr e g o s, p . 4 8 ) ?
So b r e B a ûb o , ver Ma ur i ce O le nd e r - B e fo r e Se x ua li t y, p . 8 3 - 1 1 3 .
89
Ra i ner Mar ia R il k e - As E l e gia s d e D u í no , p . 3 9 . O p r ó p r io Geo r g e s B a ta il le
p ar tir á d e s ta me s ma id e i a n o s e u e s t ud o so b r e o er o ti s mo .
87
31
esplendor. Era um espelho que não cumpria a sua função: em vez de
reflectir aparências, revelava o divino, fazendo com que este fosse
visto “numa brilhante e misteriosa epifania” 90. Vernant utilizará este
caso bizarro de uma aparição para extrapolar para o campo ambíguo da
imagem
reflectida no metal.
Ilusão
desprovida de realidade ou
manifestação de uma outra realidade?
Cremos que o autor segue o elo que liga o espelho do templo à
máscara com a segunda opção: ambos tornam “visível o invisível” 91.
Quando
somos
engolidos
pela
máscara,
contemplamos
a
figura
fantasmática de nós mesmos: máscara e espelho poderão definir-se, de
forma muito simples, como portas entreabertas para o Hades 92,
manifestações de uma realidade outra.
Imaginamos que essa terrível imagem que nos é dada a ver,
enquanto somos pux ados pelo galope furioso do deus, será o nosso
derradeiro instante, a «monstruosidade» – não da Górgona –, mas da
nossa própria morte, que, como a visão do nosso olhar a olhar, é a pura
imagem impossível 93.
*
Qual o lugar ocupado pelo monstro na história da arte?
Como conseguiram os artistas contornar a frustração desta cara
que atentava contra qualquer figuração, ou antes, que fez o tempo às
representações
da
Górgona
Medusa?
Dissolveu-as,
lacerou-as,
desfigurou-as, tornou-as vãs? Ou trata-se de algo que ainda vem ao
nosso encontro, indemne? E Onde? 94
90
Ver na n t – Au mi r o ir d e Méd u se , p . 1 1 8 .
Ver n a nt - Au mir o ir d e Méd u se , p . 1 2 9 . A e xp r e s são é u ti liz ad a p ar a fa l ar ap e na s
d a i ma ge m i nq u ie ta n te d a Gó r go na ; n ó s aq u i ten tá mo s u nir o s d o is tex to s d o
p en sad o r , e ap r o xi ma r d o is d o s se u s p e ns a me n to s: má scar a e esp el ho .
92
De r e fer ir q ue es ta d e fi ni ção se ap l ic a va so me n te ao e sp el ho d o t e mp lo ; Ve r na nt
- Au mi r o ir d e M éd us e , p . 1 1 9 .
93
I mp o s sí v el p o r q ue n u n ca p o d er á se r p r e se nc ia d a , o u “i n co r p o r ad a ”, c o mo r e fer e
T o más Ma ia no s e u e n sa io As so mb r a, p . 6 7 .
94
Ro b er to Ca la s so - A L it er at u r a e o s De u se s , p . 1 4 . O s e nt id o d a fr a s e fo i
d es v ir t uad o , p o is o a u t o r faz ia v al er o s e u p o nto d e vi st a na d e f es a d o q u e e le
91
32
A figura de Medusa está viva, e continua a assombrar a arte.
Percorreu um longo caminho, assumindo as mais diversas formas ao
longo do tempo, desde “máscaras” banais a máscaras inesperadas,
consensuais a contraditórias. Momentos houve em que se eclipsou,
talvez por haver tantos outros monstros a reclamarem atenção (como
aconteceu na Idade Média), para mais tarde reaparecer (século XIX).
Não foi maltratada: pelo contrário, foi sempre muito popular entre
artistas, que, também eles, acrescentam novos fragmentos ao já muito
remendado mito.
A Górgona arcaica torna-se visível nos momentos dionisíacos
(problemáticos, de dúvida); Jean Clair preferirá agrupar os movimentos
estilísticos onde esta surge sob o nome de “pensamentos de declínio” 95,
que opõe aos pensamentos esclarecidos da avant-garde 96.
Ela ressuscita como discurso de discordância, de “ravina” 97 — (e
é alta, tão alta a ravina! 98 ouvimos Mefistófeles gritar) — nunca em
estéticas que tinham a ilusão de dominar o caos através da Razão. É
estranho quando olhamos para a sua efígie “domesticada” 99, monstro
abominável agora sereno, melancólico, com um sorriso pacífico nos
lábios,
tão
longe
daquelas
representações
que
nos
tiram
o
ar,
disformes, hediondas, que não nos deixam esquecer que esta figura é
descendente de Gigantes (ver Medusa Rondanini em oposição a uma
taça com a representação da górgona arcaica, um de muitos exemplos
possíveis, Fig. 4 e Fig. 5).
Não será abusivo afirmar que quase todos os artistas, de quase
todas as épocas, ignoraram algumas características bastante salientes
do híbrido monstro (as asas de ouro, as presas de javali, as mãos de
bronze), para se concentrarem no aspecto mais ctónico, «rastejante», de
ch a ma d e «L i ter at ur a A b so l u ta »: u ma li ter a t ur a o nd e o s d e u se s e o mit o tê m l u gar ,
o nd e h á a p r o c ur a d e u ma id e ia d e i nd iz í vel . F o mo s, p o r ta n to , p e lo s c a mi n ho s d a
rep re sen ta çã o d es se me s mo i nd iz í ve l q ue é M ed u sa.. .
95
J ea n Cla ir - Méd u se, p . 3 2 . E n u mer a mo s al g u n s mo me n to s a t ít u lo d e e xe mp lo : a
ép o ca he le n ís ti ca tar d i a, o neo c la s sic i s mo , o si mb o li s mo , a ar te N o va , o s p r é r af ae li ta s, o se g u nd o r e n asc i me n to d ep o i s d o saq ue d e Ro ma , o ma n eir i s mo .
96
Mo me n to s d e eq u il íb r i o e d e c la s sic i s mo ( co mo o sé c ulo V gr e go e o p r i me ir o
r en a sci me n to ) , c it. 9 5 , p . 3 0 .
97
J ean C la ir - Méd u se, p . 3 2 .
98
Go et he - Fa u sto , p . 3 1 4 .
99
J ean C la ir - Méd u se, p . 3 0 .
33
Medusa: as cobras. Assim a figuram, “couraça rodeada de víboras” 100,
talvez o atributo que mais apela ao horror medonho e selvagem que
querem transmitir 101.
Notamos também que, dos três momentos possíveis de serem
escolhidos para a «p aralisação» da história (o herói preparando-se para
decapitar, o acto de decapitação em si, e o momento pós-decapitação),
o terceiro é o mais popular. Perseu vem ao nosso encontro, corpo
orgulhoso na sua clássica pose de vitória, erguendo de forma triunfante
a cabeça do monstro na sua mão direita, e parecendo dizer-nos: afastai
daqui o vosso olhar, se está aqui algum amigo! 102 É uma celebração,
mas também é um aviso, um desincentivo a ataques futuros. (Ver duas
formas de representar de forma escultórica o mesmo feito, por Canova
e por Cellini, Fig. 6 e Fig. 7).
Decapitar o inimigo é mais do que uma punição corporal, é mais
do que, simplesmente, matá-lo. Freud, num pequeno texto de 1922
intitulado The Head of Medusa, propunha uma equação básica:
decapitar = castrar 103. O problema é que ele não o afirma em sentido
figurado (como um impedimento do desenvolvimento ou eficiência
de...), mas em sentido literal (o medo de castração ligado ao medo de
uma visão horrenda, à visão dos genitais femininos, especificamente os
da mãe).
Olhar para a cabeça de Medusa como um monstro “vulvar” 104,
como lhe chamou Kristeva, parece-nos ter a sua razão de ser – ou não
seria ela um “olho tornado sexo” 105 —, mas as consequências da tese de
Freud tornam-se um tanto rebuscadas. Perseu transforma-se no herói
que confrontou o
poder materno;
as
cobras actuam
como uma
“mitigação do horror, pois substituem o pénis, a ausência do qual é a
100
Eur íp ed e s - Í o n, p . 8 9 .
Fer na nd K no p f f ( 1 8 5 8 - 1 9 2 1 ) ser á u ma si n g u lar ex cep ç ão , co m a s ua e n ig mát ic a
e cal ma co mp o s iç ão a p as tel d e u ma Med u sa q ue se a s se me l ha a u m a so l it ár ia
ág u ia ; ver a s ua o b r a S leep in g Med u sa ( 1 8 9 6 ) . So b r e e st e ar ti s ta, q ue ta n to se
in ter es so u p o r e st e mi t o , ver o t e xto d e M ic ha el Sa gr o s ke, “L a Mé d u se d a n s
l ´Oe u v r e d e F er na nd K h no p f f ”, d e 2 0 0 4 .
102
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 3 4 . Li vr o V , 1 7 9 -1 8 0 .
103
Si g mu n d Fr e ud - T h e M ed u sa Read e r , p . 8 4 .
104
J ul ia Kr is te va - V i sio n s Cap it al es, p . 3 9 .
105
J ean C la ir - Méd u se , p . 4 4 ; e ste a uto r d i fer e nc ia - a d e B a ûb o , q ue s er ia u ma
v ul v a to r nad a o l ho .
101
34
causa do horror” 106. A cabeça decapitada significará para nós, antes de
mais, uma troca, uma absorção da energia e vitalidade do seu
proprietário, permitindo a regeneração e sabedoria do herói, que
absorve os seus poderes.
Muitos artistas escolheram representar o mito através do que
dele sobrou: a cabeça decepada. Detêm-se no instante da violência
contida no olhar, ou concentram-se no que resta da cabeça, esse lugar
de força vital brutalmente arrancado da vida. O primeiro caso tem
Caravaggio como mestre, pintando um rosto humano de um jovem 107
uma pintura extraordinária feita num escudo abaulado, que actua como
uma íris de um grande olho (a obra de Anish Kapoor, GreyLandscape
Mirror, estabelece um curioso diálogo com a do antigo mestre,
aumentando a sua escala e «virando» e sugando o olho-escudo para
dentro; ver Fig. 8 e Fig. 9). No segundo caso, Rubens será o
paradigma,
sugerindo uma imagem surpreendente: da cabeça do
monstro fogem apressadamente escorpiões, aranhas, salamandras 108. O
caos é fecundo, e gera os seus tenebrosos filhos.
Jean Clair leva mais adiante a abstracção. Vê o dripping de
Pollock como o sangue gotejante da cabeça de Medusa, “desenhando a
figura aleatória da nossa perdição” 109.
Nós optámos por olhar mais de perto para três peças específicas.
Marina Abramovic´, na sua performance intitulada Dragon Heads
(1990, com duração de uma hora), propõe uma peça que causa um
fascínio mortífero, e que acreditamos poder ter ligação ao mito.
Convida para companheiras de espaço cinco pítons de três a cinco
metros de comprimento, e senta-se numa cadeira, imóvel. Um círculo
de blocos de gelo rodeia-a. A artista deixa os animais vaguear pelo
espaço, pelo seu corpo, invadir a sua cabeça — deixa-as seguir “as suas
106
Si g mu n d Fr e ud - Med u s as ´s Head , p . 8 5 .
Na s u a o b r a H ea d o f M ed u sa ( c. 1 5 9 8 -9 9 ) , é i n ter e s sa n te r ep ar ar q ue a cab eç a se
an tr o p o mo r f izo u, e so fr eu u ma mu d a nça e m te r mo s d e se xo : d e b e la j o ve m p ar a
b elo j o v e m, r o s to d o lo r o sa me n te h u ma n o .
108
Ver ó leo so b r e tel a d e R ub e n s i nt it u lad o Hea d o f M ed u sa , c. 1 6 1 7 -1 8 ,
K u ns t hi s to r i sc h es M u se u m.
109
J ea n Cla ir - Méd u se , p . 2 3 7 .
107
35
linhas de energia” 110, como ela própria diz —, sabendo que não eram
alimentadas há duas semanas. A ameaça e o medo, aqui, são bem reais;
o seu escudo protector será a sua própria imobilidade e disciplina, e a
inteligente ideia de se “camuflar” 111 para sobreviver. Ela funda-se
completamente com as próprias serpentes, torna-se serpente entre as
serpentes, e é curioso ver fotografias em que ela olha para nós, olhos
bem abertos, de serpente desafiadora, e fotografias em que tem os
olhos completamente fechados, de Górgona adormecida. A “perspectiva
segura” é, aqui, reduzida ao mínimo. (Ver Fig. 10: nós optámos por
ver).
Na obra de João Tabarra surgem também duas inquietantes
figurações de Medusa, que se sobrepõem à sua própria representação do
monstro 112: a primeira intitula-se Troféu (2007), e mais não será que
uma imagem da cabeça decepada da adversária de Perseu, raiz
pendurada, fora do sítio, a-visceral (e contudo extremamente violenta;
ver Fig. 11).
A segunda, a estranha e perturbadora série das Fadas. Dois
personagens passeiam-se pelos mais variados locais (por um campo de
abóboras, por uma paisagem íngreme cheia de pedras, ou junto do
mar...), um mascarado a rigor — de fada —, outro com camisa branca e
calças pretas, feições vulgares, que sabemos ser o próprio artista.
Escolhemos uma imagem em particular: aquela em que os dois se
passeiam por um pequeno trilho, rodeado de denso arvoredo. O homemfada está um pouco mais atrás, chapéu pontiagudo com véu, varinha
mágica na sua mão esquerda, faca brilhante na mão direita, ambas
escondidas
atrás
das
costas.
Aguarda
o
momento
certo.
Nesta
fotografia, o artista continua a ser a Górgona, mas deixou de nos fitar
frontalmente, apresenta-se de costas para nós. Nesta obra (e em toda a
110
Mar i n a Ab r a mo vic ci t. e m B I E S E NB AC H, Kla u s [ e t al. ] - Mar i na Ab r a mo v ic , p .
5 1 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ul o I V, a i mo b il id ad e ) .
111
U ma fo r ma mu i to d i fe r en te d e a g ir , se co mp ar a d a à p er f o r ma nc e I Li ke A me r ica
a n d Ame ri ca L ik es Me ( 1 9 7 4 ) d e J o sep h B e u ys , q ue se i so lo u n u m p eq u eno esp aço
co m u m co io t e, ma s q ue f azi a u m es f o r ço p ar a i nt er a g ir co m e le. Aq ui, a ap a tia é
ev id e n te, e ser á a «s a l va ção » d a ar t is ta.
112
Fo to gr a fi a i n ti t ulad a L e B o xeu r, o nd e o ve mo s «ma sc ar ad o » d e Gó r g o na , co m
u ma cab ele ir a d e p eq u e n as e co lo r id a s co b r a s p lá st ica s.
36
série), como nos filmes de Michael Haneke, somos assombrados pelo
que não nos é dado a ver, pelo que é sugerido. Sentimos um calafrio:
também nós nos tornamos “pedra sem sangue”, como o rei Policdetes.
Para sempre suspeitaremos que o homem de camisa branca
morreu como o basilisco do bestiário medieval. Não por um cutelo
afiado na mão de um qualquer herói conquistador (ou de um heróifada), mas pela visão da sua própria imagem mortífera num espelho (ou
numa faca).
*
A figura de Medusa continua a agir sobre nós, e acreditamos que
isso se deve ao poder do próprio mito 113. Este eternamente retorna,
recusando-se
memória”
114
a
repousar,
perdurando
como
“herança
viva
na
. A ele recorremos, tentando encontrar um sentido para o
conflito que nos propõe. O que foi o primeiro modelo ocidental de uma
decapitação, tantas vezes interpretado como o triunfo da Razão sobre
os Sentidos, poderá ser visto de uma outra perspectiva.
Citamos Calasso: “Faz parte da obra civilizadora do herói
suprimir-se a si próprio. Porque o herói é monstruoso. Logo a seguir
aos monstros, morrem os heróis.” 115 Daqui podemos presumir que uma
nova classe de heróis é inaugurada por Perseu: o anti-herói que não
quer morrer, que afronta com bravura a morte, mas que perpetuamente
a adia.
Não poderemos vê-lo como o coral, “alga fresca e ainda viva” 116,
que absorve no seu interior poroso o poder mágico do monstro, e que,
com o contacto, endurece e assume “uma rigidez inédita” 117? Não se
113
O mi to te m es se gr a n d e va lo r , q ue é o d e p er ma ne cer va sto , e n i g má ti co e
ind ec i fr á ve l.
114
Geo r ge S te i ner - An t í g o na s, p . 3 2 6 .
115
Ro b e r to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e Ha r mo n ia, p . 7 6 .
116
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 6 . Li vr o I V , 7 4 4 ( no s so i tá lico ) .
117
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 6 , 7 4 6 .
37
converte o próprio herói no monstro: Perseu, o astuto 118, o que reina?
Não trará a vitória do herói a sua própria ruína? A sua «razão» – que é
também a nossa –, não se tornará ela numa razão «mineralizada»,
pronta a sucumbir?
Se inventámos os monstros pela única razão de podermos pensar
a nossa própria humanidade, como crê o filósofo José Gil 119, não
conservarão eles a (ainda) viva suspeita dessa mesma humanidade?
Há um outro par da tragédia grega que, fatalmente, ecoa a
história de Perseu e Medusa, mas de forma inversa, e pode ser
encontrado n'As Bacantes de Eurípedes. Penteu, rei de Tebas, vê a sua
governação ameaçada quando um grupo de mulheres abandona os seus
lares e os seus filhos
(afastando-se “do tear e da lançadeira pelo
aguilhão dionisíaco” 120), e sobe a uma alta montanha para celebrar os
ritos a esse deus estranho, estrangeiro, desconcertante, que é Dioniso.
Para Penteu era um claro sinal que não estavam na posse das suas
faculdades, e cabia-lhe a ele impor a ordem, ou, para utilizar as suas
próprias palavras, “dar-lhes caça para fora das montanhas” 121. Disfarçase de mulher e segue-as, espiando-as furtivamente do alto de um
carvalho (note-se que ele as vigia de modo “longínquo, higiénico,
permanecendo ao abrigo de qualquer contágio” 122). Penteu, escudandose, continua a não querer ver o culto prestado a um deus – apenas vê
desordem e delírio de um grupo de Ménades. Por esta sua «visão »
pagará caro. Evoé!
O Coro, sempre desejoso de avançar com a espada sobre o
“ímpio”, interroga-se:
118
Med u sa é q u e t a mb é m er a co n hec id a co mo a a s tu ta ; c f. Ro b er t G r a ve s - O s
Mito s Gr e go s, p . 7 7 0 . A q ui , o j o go na tr o c a d e i d en tid ad e s co mo fo r ma d e mo s tr ar
q ue mo ns tr o e her ó i não ser ão a s si m tão d i fer e nt es.. .
119
J o sé G il - Mo n str o s, p . 5 6 . T o d o este b r il h a nt e en sa io t e m co mo es t ud o o q ue o
au to r ap el id a d e “ mo ns tr o s ter a to ló g ico s”, o u sej a, mo n str o s h u ma no s b i o ló gico s, e
é u ma t e nta ti v a d e e xp l ic ar o fa sc í nio e a i nq ui eta ção q ue no s p r o vo c a m,
ce ntr a nd o -s e so b r e t ud o no s f i nai s d a I d ad e Méd ia a té ao s no s so s d ia s.
120
Eur íp id e s - As B a ca n te s , p . 4 4 , 1 1 7 -1 1 9 .
121
Eu r íp id e s - As B aca n te s p . 4 9 , 2 2 9 .
122
J o sé P ed r o Ser r a – Co n he ci me n to e I g no r â nc i a, p. 326. A a ná li se d e s t a tr a géd ia
p o r es te a uto r é i n sp ir a d o r a. V er t a mb é m Fr ed e r ico Lo ur e nço - Gr é cia Re v i sit ad a,
p . 2 9 9 -3 0 1 , e a s no ta s i nt r o d utó r ia s d e M ar ia Hel e na d a Ro c h a P er ei r a à o b r a d e
Eur íp id es , se mp r e e scl ar eced o r a s e f u nd a me n t ai s .
38
Qu em é e s te q u e ve m à mo n ta n h a ,
À mo n ta n h a , ó B a ca n te s , es te p e rs eg u id o r
Da s fi lh a s d e Ca d mo q u e co rr em o s mo n t es? Qu em o g ero u ?
É q u e e le n ã o n a sc eu
De sa n g u e d e mu lh e r; d e u ma q u a lq u e r l eo a
Ou Gó rg o n a d a L íb ia ve m su a ra ça . 123
Para o Coro, Penteu — o defensor da razão — não é humano: é
filho de um animal ou de um monstro selvagem, e possui um “louco
intento” 124 ao desdenhar do deus.
O desfecho deste olhar «oblíquo » sobre o mundo é inquietante e
extremamente cruel: Agave massacra e dilacera com as suas mãos o seu
próprio filho, colocando o que resta do corpo — a sua cabeça decepada
— na ponta de um tirso. Julga ver nele uma “tenra cria de leão
selvagem”, 125 e orgulha-se da “feliz caçada” 126. Crê que praticou o
ritual dionisíaco de matar um animal selvagem (para depois lhe comer
a carne). Cadmo apenas lhe diz: Olha bem a direito. Pequeno é o
esforço do olhar. 127 Só então ela ganha consciência do acto horripilante
que cometera.
Olhemos então, sem esforço, nós também: nem razão vitoriosa
(Perseu), nem Razão impotente (Penteu) — nem Irracional perdedor
(Medusa), nem Delírio que triunfa (Agave). A razão pode ser louca – o
Coro sabe-o, di-lo vezes sem conta; o delírio também pode dissolver,
volatilizar a identidade humana. Evitemos, pois, reduzir a interpretação
deste mito e desta tragédia à simples oposição entre “razão e loucura,
serenidade e delírio, lucidez e cegueira” 128.
E. R. Dodds advertiu-nos de forma sábia sobre o “poder”, a
“maravilha”, e o “perigo do irracional” 129. Nós subscrevemos, e
123
Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 8 6 , 9 8 5 -9 9 0 .
Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 8 7 , 9 9 9 .
125
Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 9 4 , 1 1 7 9 .
126
Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 9 4 , 1 1 8 6 .
127
Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 1 0 0 , 1 2 7 9 .
128
J o sé P ed r o Se r r a – Co n he ci me n to e I g no r â n cia , p . 3 2 3 .
129
E. R. Do d d s - O s G r ego s e o I r r ac io nal , p . 2 7 4 . Ver ap ê nd ic e in ti t ul ad o
“me n ad is mo ”, p . 2 8 9 -2 9 9 : a i ma g i na ção d e E ur íp id e s e sta r ia mu i to p r ó x i ma d o
cu lto r ea l, se g u nd o o a u to r .
124
39
acrescentaríamos: e da razão. Nem poder da luz, nem elogio da sombra:
tudo se passa entre a luz e a sombra, na estranha relação que se
estabelece entre estes dois mundos; e sim, é perturbador compreender
que a razão e a loucura nem sempre estão... onde se supõe que estejam.
Seja como for, nestes dois exemplos referidos (Perseu Vs.
Medusa ou Penteu Vs. Agave), deparamo-nos sempre com uma estética
que anuncia a morte (Assassinai, matai, aniquilai! 130). Não se resumirá
tudo a estas simples palavras, que passamos a enunciar:
(.. . ) q u e d á d iva ma i s b el a
Do s d eu se s, a o s o lh o s d o s h o m en s,
Do q u e ma n t er a mã o se g u ra
S o b re a ca b eça d o in im i g o ? 131
Meditemos
agora,
de
forma
sintética,
no
significado
dos
seguintes pontos:
•
A ideia de máscara;
A máscara faz intuir que existe um rosto — qualquer que ele seja
— por detrás do disfarce. A máscara de Medusa, no entanto, não
nos oferece essa certeza reconfortante. Ela é a máscara do nada,
com tudo o que este nada transporta de horrendo (pavor,
desconhecido, sobrenatural, vertigem); o seu olhar fere-nos
porque é um olhar de luz extrema que nos cativa para depois nos
aprisionar, terrível astro brilhante que nos fulmina com a sua
natureza
dúplice.
É
um
olhar
que
reina
sobre
a
Noite
Primordial...
•
A questão do reflexo/imagem/espelho;
Importante será reter que estes três termos não tinham o estatuto
que hoje lhes reconhecemos. Perseu apenas viu um reflexo da
130
131
Eu r íp id e s - Or e st es, p . 1 1 0 . Fa la d e E lec tr a.
Eur íp id e s - As B a ca n te s , p . 8 0 ( 8 7 7 -8 8 0 ) .
40
Górgona, mas este estava longe de ser o que hoje entenderíamos
como uma cópia bem conseguida: lembremo-nos que o espelho
grego
deformava,
criando
um
halo
em
redor
dos
corpos
reflectidos; como, ao mesmo tempo, havia a crença que a sua
superfície absorvia o que nela era projectado — uma mulher
menstruada formava na sua superfície uma nuvem ensanguentada,
para citar um exemplo dado por Aristóteles em De insomniis —
não se pode afirmar que o reflexo era uma aparência viva, nem
dizer que era, apenas, uma aparência ilusória 132.
•
O escudo-espelho;
Espelho = Logro. Se, e pegando numa expressão de Ovídio das
Metamorfoses, as flechas são “armas irreflectidas” 133 (tal como a
mão), podemos ver a presença do espelho neste mito como uma
arma
«reflectida»
(ardil
que
serviu
como
medium
no
afrontamento da morte), com capacidade de dominar o terror.
É o estratego ideal na criação de distância, que permite meditar
não apenas no misterioso intervalo que se forma na passagem de
um olho de uma irmã Greia para outra, mas também no intervalo
indefinível entre a vida e a morte, o visível e o invisível, o ser e
o não-ser, o real e a imagem, o corpo humano e corpo divino.
Espaço que está em sintonia com o próprio lugar ocupado pelos
monstros: afinal, estes sempre se dissimularam nos interstícios...
Graças ao espelho...viverei 134, diz-nos Perseu, vitorioso.
*
132
Ver Ver n a nt – Au mir o i r d e Méd u se, p . 1 2 4 . T o d o es te úl ti mo mó d ulo é d e ved o r
a e ste p e n sad o r .
133
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 7 5 . Li vr o I I , 6 1 4 .
134
Ad ap taç ão d a s ú lt i ma s p ala vr as d e O víd io na M eta mo r fo s e: “Gr aça s à f a ma ( .. .) ,
vi v er e i”, p . 3 8 9 . L i vr o XV, 8 7 8 -8 7 9 .
41
O u ve o q u e d i z a mu l h er ve s tid a d e so l
Q ua nd o c a mi n h a no c i m o d as ár vo r e s
«a q ue d i s tâ nc ia d ei x as t e
o co r aç ão ? »
J o sé T o le n ti no Me nd o nç a 135
Atena poderá ser a mulher, que, em vez de «vestida de sol »,
estará «vestida de égide ». Esta não se apresenta como um simples
escudo que a protege, mas como a sua verdadeira pele. Desde que se
lembra (pensando bem, desde o assassínio não premeditado da sua
grande amiga Palas, ainda era ela uma menina) que ouve uma voz
interior, que numa espécie de negro presságio lhe segreda: a que
distância deixaste o coração?
Há algo de «autista» nesta deusa, tal como em Apolo ou em
Artemisa. Como Roberto Calasso frisa, todos eles avançam “envoltos
no seu limbo. Olham o mundo quando têm de o ferir, mas de outro
modo o seu olhar é longínquo, como dirigido para um espelho invisível
onde encontram a sua própria figura separada do resto” 136. Bastará
dizer apenas isto: quando ela nasceu, e nasceu de forma bem
singular 137, Zeus soube que muita coisa iria mudar no Olimpo. Sabia
que a pequena guerreira tinha um poder inexplicável sobre ele; também
lhe veio
vingativa
a conhecer o
138
carácter:
era
fria,
e,
quando
ofendida,
.
135
J o sé T o le n ti no Me nd o n ça - B a ld io s, p . 5 4 .
Ro b e r to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e Ha r mo n ia, p . 5 9 .
137
Ate na n as ce u d a c ab eç a d o p r ó p r io p ai. Es te en go li u - a, j u n ta me n te c o m a s u a
mã e, Mé ti s, p o i s Úr a no e Gei a ti n ha m- l he r e v el ad o q ue se Mé ti s t i ve ss e u ma fi l ha,
ela ter ia d ep o is u m r ap az q ue l he t ir ar ia o i m p ér io d o c é u. H e fe sto f end e -l h e a
cab eç a à ma c had ad a, a s e u p ed id o , na al t ur a d o p ar to . Del a sa lto u u ma me n i na
to ta l me n te ar ma d a, s ua f il ha Ate n a. C f . P ier r e Gr i ma l – Di cio n ár io d e Mito lo gia
Gr e ga e r o ma n a, e n tr ad a “At e na” .
138
Er a a ú nic a a q ue m Ze us d ei xa v a us ar o s eu r aio . As s ua s «v í t i ma s » ma i s
fa mo s as fo r a m T ir é si a s e Ar ac n e. Ce go u o p r i me ir o , p o r q ue e s t e a t i n ha
s ur p r e e nd id o no b a n ho ( mas d e u -l h e, e m co m p en sa ção , o d o m d a ad iv i n ha ção ) .
Ar ac n e t i n ha o us ad o co mp e ti r co m e la n a a r te d e t ecer ( e, i n so l e nt e me n te, b o r d ad o
ce na s a mo r o sa s – ver go n ho sa s ! – d o s d e u se s d o Oli mp o ) . A d e us a o l ho u p ar a o
tr ab a l ho d ela a te n ta me n t e, e, não ve nd o o mí n i m o d efe ito a a s si na lar , f ic o u f ur io sa
e tr a n s fo r mo u - a n u ma a r an h a, b i c ho q ue d e te st a va. P o d ia se mp r e co nt i n uar a faz er
a f u n ção q ue ma i s l he agr ad a va : te cer . C f. Ro b er t Gr a ve s - O s Mi to s Gr e go s , p .
105.
136
42
A “deusa dos olhos garços” 139 tinha consciência que, a existir
uma imagem que a representasse, ela seria o encontro de outras duas
mulheres: Palas e Medusa.
Por isso é que, por mais interessante que seja a representação
que Gustave Klimt fez da deusa [quadro intitulado de Palas Atena
(1898), onde a vemos banhada a ouro, com a górgona ocupando o seu
lugar no peito, dourada também], sentimos que lhe falta qualquer coisa.
Talvez o seu lado mais oculto, «medusiano»: o esgar de uma verdadeira
guerreira. Atraente, mas repulsiva; bela, mas convocando o horror.
Leonardo da Vinci dizia, em Da pele dos Animais que Mantêm o
Sentido do que Nelas se Escreveu: “Quanto mais se falar com a pele,
veste do sentimento, mais sapiência se adquire.” 140 Que mais dizer?
Matar os monstros cria uma bela reputação perante os outros,
mas tem o seu preço. Perseu e tantos outros caçadores de monstros
sabem-no bem. Por isso se penitenciam, se purificam, e expiam o seu
crime, aguardando o julgamento dos deuses. Os heróis sentem na pele o
peso que esse troféu lhes dá: ele está cheio de «sentimentos », de
propriedades do seu antigo inquilino. Talvez por isso Perseu, aliviado,
tenha ofertado a cabeça à deusa?
Atena concentra-se. Não tem medo de serpentes: há muito que
elas fazem parte da sua vida 141. Prepara a aguçada seta (como, muito
tempo antes, havia comandado o gesto de Perseu 142: com atenção), e
lança o seu terrível grito de guerra que abala o céu e a terra.
Foca com determinação o alvo.
Atira a seta mortal sem sequer pestanejar.
139
É as si m q ue Ho mer o no s fal a d el a, vez es se m c o nt a, t al ve z r eco r d a nd o - no s a s u a
o r i ge m co mo d e u sa d a N at ur e za.
140
Leo nar d o d a V i nc i - B e st iár io , Fáb ul a s e O utr o s Es cr i to s , p . 9 8 .
141
Ad o p to u E r ic tó nio , “f i lho d a ter r a ”, co mo u m fi l ho . Er a u m me n i n o q ue d a
ci nt ur a p ar a b a i xo er a u ma ser p e nt e. E la d e i x o u -o à g uar d a d as f il ha s d o r ei d e
Ate n as , g u ar d ad o ta mb é m p o r u ma ser p e n te. Q uer i a to r ná - lo i mo r ta l , ma s não
co n se g u i u. C f. P ier r e Gr i ma l - D ic io nár io d e Mi t o lo gia Gr e g a e Ro ma n a, p . 5 4 .
142
Ver s ão d e L uc a no - T h e Med us a Re ad er , p . 4 1 . Se g u nd o es te e scr ito r , Ate na é
q ue d ir e cc io no u a mã o d o h er ó i no i n sta n te d er r a d eir o d e Med u sa .
43
No espelho de Ulisses
As si m, se Zêu x is , a n te s lo u va d o p o r
to d o s, co n seg u i ra i lu d i r o s p á s sa ro s,
Pa r rá sio fo ra ca p a z d e lu d ib ria r o
p ró p rio Zêu xi s.
N. P i ño n
143
Que reflecte o espelho grego?
Nós diríamos que, numa primeira e intuitiva impressão, reflecte
um mundo feminino de inúmeras Helenas 144 preocupadas com a sua
beleza.
Primeiro ponto a destacar: dizer «espelho», na Grécia antiga,
significava dizer «mulher ». Este objecto de luxo estava intimamente
conotado com o mundo do adorno e do asseio – vemo-lo representado
em grande destaque ao lado de vasos de perfumes e de óleos para o
corpo, de vestes vaporosas, de jóias, bandoletes, pentes, inserido em
espaços
interiores 145
onde
presumimos
que
se
movimentavam
quotidianamente as mulheres, logo recatados, domésticos, e disso serão
testemunhas todos os objectos que chegaram até nós (os espelhos
gregos, as imagens pintadas nos vasos coríntios e áticos — verdadeiras
continuações de Homero, segundo Vidal-Naquet 146 —, e os próprios
textos).
143
Nél id a P i ño n - Ap r e nd i z d e Ho mer o , p . 1 5 6 .
E vo ca mo s aq u i u m no m e q ue é “mu i to ma i s q ue u m no me d e mu l h er ”, c o mo no s
fa z ver Ni co l e Lo ur a u x e m L es E xp é r ien c es d e Ti ré s ia s, p . 2 3 3 .
145
Fr a n ço i s L i ss ar a g ue , e m Hi s tó r ia d a s Mu lh er es n o Oc id en te , d e fe nd e q ue o
“esp aço d as mu l he r e s e m i ma g e m é d i ver s i fic a d o e não se r ed uz a u ma s i mp le s
p o lar id ad e i n ter io r / e xte r io r ” ( p . 2 5 3 ) . É cer to q ue i a m à fo nte e ao lo u té rio n ,
esp é ci e d e p ia p ed e sta li zad a ( s ur gi nd o ne s te s ú lti mo s co m u m e sp el ho na mã o ) , e
ta mb é m r ea li za va m r i t u ai s e xc l u si v a me nt e fe mi ni n o s e m e sp aço s e x ter i o r es ma s –
e não co n se g u i nd o i nd i c ar co m p r eci são u m va lo r exa cto – a s i ma ge n s d e in ter i o r e s
são mu i to mai s fr eq ue nt e s. Fa ze mo s no s sa s as p al a vr a s d e Si a n Le wi s : “As
mu l h er e s são r ep r es e n tad a s q ua se e xc l u si v a me n te e m esp aço s i n t er io r e s, e m
gr a nd e s o u p eq u e no s gr up o s, to c a nd o mú s ic a, t r ab al h a nd o a lã o u ad o r na nd o - s e”.
C f. S. L e wi s - T h e At he ni a n W o ma n , p . 1 3 0 .
146
P ier r e Vid a l -N aq ue t - O M u nd o d e Ho mer o , p . 153.
144
44
Examinemos
brevemente
estes
três
tipos
de
documentos,
tentando estabelecer essa estreita relação existente entre mulher e
espelho; em relação aos primeiros, os espelhos cariátidos, essa ligação
é notória: estes desde logo evocam a mulher não só através da sua
forma (uma pega coroada de um círculo, que remete para o símbolo
feminino), como nas figuras humanas neles representadas, em poses
frontais e um tanto hirtas (de deusas, sacerdotisas, donzelas? 147). O
corpo destas mulheres misteriosas é o alicerce, o suporte do próprio
espelho; espelho e mulher parecem fundir-se entre si, num pacto
silencioso que se fecha ao território – mas não ao olhar – masculino.
Os vasos onde surgem mulheres com espelhos afastam-se de
outros porventura mais memoráveis, com imagens de guerras vingativas
ou coléricas 148, de sátiros peludos com cascos de bode desenhados em
jarros de vinho (que acompanhavam os homens nos longos simpósios
nocturnos), ou mesmo da «masculinidade» guerreira das amazonas:
aqui predomina a paz, e o espelho torna-se “símbolo de uma existência
agradável, feita de tempo livre e ignorante de todo o trabalho
penoso” 149. A presença de um espelho parece bastar, por si só, para
representar a mulher (Fig. 12).
Em relação aos textos, inúmeros são os exemplos, mas iremos
concentrarmo-nos apenas num muito singular, onde Aristófanes parodia
a figura efeminada de Ágaton, bastando-lhe para isso apenas dizer em
jeito de provocação:
147
Ver e st ud o e xa u s ti vo d e Le no r e O. K ee ne Co n gd o n - C ar ya tid M ir r o r s o f
An ci e nt Gr eec e, q ue fo c a a sp e cto s es ti lí s tico s, t éc nico s e d e d ata ção d e p eça s, n u m
es t ud o co m ma i s d e ce m esp el ho s e m b r o nze a n ali sad o s. A a u to r a cr ê q ue a j u l gar
p ela s e sca v açõ e s e f ec t u ad as , o s e sp e l ho s d e sap ar ecer a m no fi na l d a er a micé n ic a
( há esp el ho s q ue d at a m d e cer c a d e 1 4 0 0 a. C . ) , p ar a r e ap ar e cer e m n o f i nal d o
séc u lo VI I . Co lo ca ta mb é m a h ip ó te se d el e s te r e m s id o i mp o r tad o s d o E gip to , o nd e
ter i a m ap ar ec id o e m 2 6 0 0 a. C.
148
Não esq u eça mo s q ue a p e sad a p al a vr a d e ab er t ur a e sco l h i d a p o r H o me r o n a
I lía d a é “có ler a ”. Ne s se p o e ma b e lí s si mo , t ud o é “v er g ad o e ma n ch ad o p e la
g uer r a”, co mo d iz Ra c he l B e sp alo f f - So b r e a I l í ad a, p . 1 5 .
149
Ale k sa nd r a W a so wi cz - Mir o ir o u q ue no u il le? La r ep r é se n tat io n d e s fe m me s
d an s la c ér a mi q ue a tt iq ue, p . 4 1 3 . N es te ar t i go a a uto r a d e s faz al g u n s eq u í vo co s
p er p et u ad o s p o r esp eci a li st as : e m vár io s va so s gr e go s, o o b j ec to q u e e st es ac h a m
ser u m esp el ho é d e f acto u ma r o ca. P r es ta m- s e f ac il me n te a s er co n f u nd id o s
p o r q ue tê m a me s ma co n f i g ur aç ão .
45
Que aliança é essa de um espelho com uma espada?, para depois
rematar sarcasticamente: ou és mulher? 150
Embora saibamos que o texto pertence a uma comédia satírica,
não deixa de nos inquietar com a insinuação da clara divisão dos
mundos: espadas para um lado, espelhos para outro, será? Ou, mais em
consonância com a realidade dos estatutos sociais da época: bastões 151
para um lado, rocas de fiar a lã para outro? Ou serão estas posições
«negociáveis »?
Talvez
seja
imperioso,
neste
ponto,
abordar
a
condição
feminina/masculina da Antiguidade. Fazemo-lo contudo com a máxima
cautela (e, confessamos, um pouco a contragosto), pois sabemos que é
entrar em terreno de areias movediças, onde é muito fácil estabelecer
ligações erróneas. Tornamos nossas as palavras de George Steiner:
“Não temos qualquer perspectiva realista acerca da história íntima, do
teor dos códigos sexuais e da percepção recíproca dos homens e
mulheres da antiga Hélade” 152. Pensa-se, no entanto – e há boas razões
para crer em tal – , que a coexistência homem/mulher obedecia ao
primado masculino.
Bastará apenas dizer que na “civilização da palavra” 153 política, a
mulher não tinha o direito a quedar-se, fascinada, escutando “querelas
na ágora” 154 ou na Assembleia; que, sendo a Antiguidade um “clube de
homens” 155, eram eles próprios, os homens, o modelo da perfeição. Um
pouco como os deuses homéricos, qualitativamente eles eram tudo
“mais” em relação à mulher: mais ágeis e activos a nível do
pensamento (e na própria fecundação, segundo Aristóteles 156), mais
150
Ar i s tó fa ne s - As M u l he r es q u e Ce leb r a m a s T es mo fó r ia s, p . 4 7 ( 1 4 0 -1 4 1 e 1 4 3 ) .
Os b as tõ e s a s si n al a va m o ho me m l i vr e , o c id ad ã o d a p o l is .
152
Geo r ge S te i ner - An t í g o na s, p . 2 6 2 .
153
P ier r e Vid al - Naq ue t - Gr éc ia e M ito , p . 9 0 .
154
He sío d o - T eo go n ia e T r ab al ho s e D ia s, p . 9 2 , 2 9 .
155
Ni co le L o r a u x - Le s E x p ér ie n ce s d e T ir é s ia s, p . 7 .
156
Vej a - se o e n sa io d e G i ul ia S i ss a - F ilo so f ia s d e G é ner o , e sp . p . 1 1 0 . A a u to r a
exp lo r a o p e ns a me n to d e Ar i s tó t ele s so b r e a n at ur eza d a mu l h er , fr ac a e
in co mp l et a, se g u nd o o f iló so fo . A f ê me a fo r ne ci a a “ ma tér ia”, o sa n g u e me n s tr ua l,
ma s er a o e sp er ma d o m ac ho o “p r i nc íp io d o mo vi me nto ”.
151
46
atléticos, brônzeos e musculados no corpo, mais... homens 157. A
mulher, em oposição, era relegada para a esfera pouco digna do
excesso, da animalidade, da “desmesura” 158 do amor, da obscuridade,
da sujidade, como vários textos, antigos e recentes, o atestam 159.
Hipólito diz ao pai de todos os deuses, não contendo toda a sua
repugnância:
Zeu s, p o r q u e ra zã o é q u e p u se s te a s mu lh e re s a v ive r à lu z d o so l,
imp in g in d o a s si m a o s h o men s u m m a l f ra u d u l en t o ? 160
Este discurso deixa antever que não há reconciliação possível,
porque só existe um sujeito «civilizado»: o homem. Falar de uma
«História feminina » poderá então ser equiparado a uma delicada
operação de salvamento: os vestígios da sua existência são tão ténues,
que é difícil resgatar a sua memória dos escombros 161. De notar também
que o «arquivo » da sua memória é construído e é masculino: o que se
vê em todos os documentos, e passamos a citar: “não é tanto a
realidade das relações entre os sexos como a perspectiva do olhar
masculino que as construiu e que preside à sua representação” 162. Que
fique portanto claro: a mulher que vemos nos textos e nos vasos é um
mero fantasma, é imaginada, “é a imagem que os homens fazem
dela” 163, como frisam George Duby e Michelle Perrot.
157
So b r e o co r p o d a mu lh er vej a - se o e ns aio d e S. Go ld h il l - A mo r , Se xo e
T r agéd i a, e sp . p . 5 1 -6 0 , co r r e sp o nd e nt e s ao c ap ít ulo “O Co r p o f e mi n i n o – Mac io ,
Elá st ico , Dep il ad o e R e catad o ”.
158
T er mo r et ir ad o d o tí t ul o d e u ma o b r a d e H él ia Co r r e ia - De s me s ur a: e xer cí cio
so b r e Med e ia.
159
C f. e ns aio s d e Fr o ma Z eit li n – P la yi n g t h e O t h er ; S ue B l u nd e ll – W o m en i n t he
p o e ms o f Ho mer e Sia n Le wi s – T he W o me n ´s Ro o m. A O r es te ia d e Ésq u il o
ta mb é m f o r nec e vár io s ex e mp lo s so b r e o “ca r áct er i mp u l si vo ” d a mu l h er , v er
esp e ci f ica me nt e p . 4 3 , 4 8 2 .
160
Eu r íp ed es - H ip ó l ito , p . 4 4 . 6 1 6 -6 1 7 .
161
De lo u var , p o r ta nto , ser ão o s vár io s e ns aio s r e u nid o s p o r G eo r ge Dub y e
Mic h el le P er r o t no li v r o in ti t ul ad o Hi stó r ia d as M u l her e s, e q ue f o ca a le n ta
mu t aç ão d e ss a mu l he r q ue “le n ta me n te, mu i to le n ta me n te ”, ta mb é m se to r na
“p es so a”, c o mo o s a u to r es f aze m q ue st ão d e fr i s ar no p r e f ácio , p . 9 .
162
Geo r ge s D ub y e Mi c he l le P er r o t - Hi stó r ia d a s Mu l her es , p . 8 .
163
Geo r ge s D ub y e Mic h el le P er r o t - Hi stó r ia d a s Mu l her es , p . 8 .
47
Podemos sempre perguntar se é válido julgar a condição
masculina/feminina com base nas funções que cada um desempenhava
na sociedade. Pois aí será muito fácil solucionar o problema, e aqui
recorremos a Ovídio:
E le s t êm a s b o la s v elo ze s e o d a rd o e o s d i s co s
E a s a r ma s e o s ca va lo s q u e d o ma m n o red o n d e l ; 164
Onde nos atreveríamos a ripostar:
E la s tê m a ro ca , o t ea r e a s id a s à fo n te
E o s fi lh o s e o s esp elh o s q u e co n t emp la m n o g in eceu .
Mas talvez seja um abuso, e, pior, um abuso inexacto?
Marguerite Yourcenar dará primazia a Adriano ao invés de
Plotina. E é a própria autora que nos explica a razão de tal escolha: “A
vida das mulheres é limitada de mais ou excessivamente secreta. Que
uma mulher se conte, e a primeira censura que lhe será feita é a de
deixar de ser mulher” 165. Muito tempo antes da autora francesa, o
romano Ovídio admite, num dos seus livros com conselhos sobre a arte
de amar (em que se dirige especificamente ao público masculino), a
vergonha de um homem segurar um espelho:
E n ã o ju lg u e s q u e é v erg o n h a ( a in d a q u e v e rg o n h a se ja , h á - d e d a r - lh e
p ra ze r )
S eg u ra r- lh e o e sp elh o c o m a tu a mã o d e h o m em liv re . 166
Era assunto delicado, «provar-se» que se era um homem.
Que uma mulher “se conte”, que um homem “segure” num
espelho: os estritos códigos de conduta impõem-se, delimitam a sua
164
O víd io - Ar t e d e A mar , p . 9 1 . Li v r o I I I , 3 8 3 -3 8 4 .
Mar g uer it e Yo u r ce na r - Me mó r ia s d e Ad r ia no , p . 2 5 5 .
166
O víd io - Ar te d e A mar , p . 6 1 . Li vr o I I , 2 1 5 -2 1 6 . Se g u nd o e ste a uto r , to d a s a s
mu l h er e s p o d e m ser co n q ui s tad a s, b a s ta q u e o s ho me n s saib a m “e st e nd e r as r ed e s”,
p . 3 7 , 2 7 0 . Ap e na s o ho me m er a “li vr e ”.
165
48
área de acção, marginalizam quem ousa deles sair. Não nos enganemos
ou simplifiquemos em demasia: saber o que era uma mulher na
Antiguidade é tão difícil como saber o que era um homem. A
ambiguidade de ambos os estatutos irá ser uma constante... embora
paire no ar a canção trauteada pelo Professor Higgins em My Fair
Lady: “Wh y can´t a women be more like a man?” 167
Queremos rematar esta tão complicada questão com uma luz
auspiciosa. Lembrámo-nos das palavras sábias de Plutarco, que,
dirigindo-se à Sacerdotisa de Delfos, Clea, fez questão de afirmar que
não partilhava a opinião de Tucídides no que tocava à virtude das
mulheres. Segundo este último, “a mulher mais virtuosa é aquela que
menos motivo de conversa oferece a estranhos, quer sob a forma de
censura, quer de elogio” 168; uma mulher de bem deveria manter-se
“portas adentro da sua casa e não as transpor para o exterior” 169.
Podemos considerar a opinião deste historiador grego – e a sua bela
expressão “portas adentro” – como a opinião da maioria: quanto menos
se falasse das mulheres (quanto menos elas falassem), melhor; Plutarco
aqui é nota dissonante, ar fresco, raro nessa Grécia tão bafejada pelo
calor: “é uma só e a mesma a virtude masculina e feminina” 170,
acrescentando um pouco mais à frente um longo e cativante monólogo
que julgamos crucial (fazemos acompanhar as notas que as tradutoras
fizeram no texto através de parênteses rectos, de forma a simplificar a
sua leitura):
Nã o é, d ece rto , p o s sív e l a p reen d er m elh o r a s imi la rid a d e e a
d ife ren ça en t re a vi r tu d e fe min in a e a ma scu l in a d e u m o u t ro
167
O fi l me My F a ir La d y é d e Geo r ge C u ko r , e d ata d e 1 9 6 4 . [ Q u e no s sir va d e
co n so lo o mu nd o d a t r ag éd i a e d a ep o p e ia ho mé r ic a, o nd e se er g ue m “u ma
co n s tel ação d e mu l he r e s i nco mp ar á v ei s na s ua ver d ad e e d i v er sid ad e ” ( Geo r g e
Ste i ner – An t í go na s, p . 2 6 2 ) cr i a nd o p er so n a ge n s fo r te me n t e so l id ár ia s, p r i mi ti v as,
fr ia me n te p r e med it ad a s, sa n g u i nár ia s e s e m r e mo r so s – ma s to d a s ab so l u ta me n te
in e sq uec í ve is e p o d er o s as] .
168
P l utar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 3 . E ste li vr o i n ser e - se no s s e us es cr i to s
éti co s i nt it u lad o s Mo ra l ia . A tr ad ução li ter al d e a re ta i g yn a iko n ser ia “A V ir t ud e
d as M u l her e s” ; as t r ad u to r a s, no e n ta nto , ac har a m q ue o tí t ulo r e me t ia p ar a u ma
exp r e ss ão “a l go i ne xp r e s si va e cr i st ia n izad a ” ( p . 1 1 ) q ue es ta va e m d es aco r d o co m
o te xto , e o p tar a m p e la p al a vr a “co r a ge m” .
169
P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 3 .
170
P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 4 .
49
mo d o q u e n ã o seja a t r a vés d o co n f ro n to d e v id a s co m v id a s,
fei to s co m fe ito s, co m o se fa z co m g ra n d e s o b ra s d e a rte , e
ver if ica n d o se a ma g n ifi cên c ia d e S em í ra m is te m o me smo
ca rá c te r e t ip o q u e a d e S esó st r is [ a le nd ár ia s o b er a na a s sír ia é
co mp ar ad a ao far aó e g í p cio , q ue al g u n s id e nt i f ica m co m Ra ms é s
I I ] , o u se a me s ma in t el ig ên c ia d e Ta n a q u il [ e s p o sa d e T ar q í n io
P r isco , q ui n to r e i d e R o ma ] é a me s ma q u e a d e S é rv io , o re i
[ tr at a - se d e S ér vio T úl i o , o se xto r e i d e Ro ma ] , o u se a sen sa te z
d e P ó rcia [ fi l ha d e Ca tã o d e Ú ti ca e mu l h er d e B r u to ] é a m es ma
d e B ru to , e a d e P eló p i d a s [ p r e st i gio so ge ner al e che f e p o lí ti co
teb a no q u e v i ve u no s éc ulo I V a. C.] id ên ti ca à d e T imo c le ia
[ ir mã d e T eá ge ne s d e T eb as, Ge ner al teb a n o q ue mo r r e u na
B ata l ha
de
Q uer o ne ia] 171,
no
que
to ca
aos
a sp ec to s
ma i s
imp o rta n te s d e id en t id a d e co mu m e d e fo rça mo ra l. D e fa c to , a s
vi rtu d e s a d q u i re m ce r t a s d if e ren ça s, g ra ça s à su a n a tu r e za ,
co mo
se
t ra ta s se
de
um
cro ma t i smo
p ró p rio ,
e
a s su mem
se melh a n ça s p o r via d o s co s tu m e s em q u e se ra d i ca m, d o
temp era men to d a s p e s so a s, d a su a cr ia çã o e mo d o d e vid a . 172
Esperamos ter conseguido fundamentar a ideia de espelho como
“coisa
feminina” 173.
Françoise
Frontisi-Ducroux,
no
ensaio
que
consagrou ao tema do espelho grego intitulado L´Oeil et le Miroir
(1997), defende um ponto de vista que não devemos descurar, e que
contraria a nossa primeira impressão: que o espelho não seria tanto a
marca da beleza (já que as mulheres competiam com o “exército de
corpos perfeitos” 174 dos jovens imberbes, e estes estavam interditos de
se verem ao espelho – o que aliás era válido para a restante população
171
Ver cap ít u lo X XI V d o l iv r o d e P l ut ar co - A Co r ag e m d a s M u l her e s, p . 5 9 -6 2 . O
se u ir mão mo r r e u ao l u t ar co ntr a o s Gr e go s, e e la p ad ece u a p r o va ção d e v er a s u a
cas a i n v ad id a p o r u m h o me m “ar r o ga nt e” d a f acção i ni mi g a, ap e n as i nt er e s sad o
na s s u a s r iq uez a s. T i mo cle ia d iz - l he q ue e sco nd e u to d a a s ua fo r t u n a n u m p o ço
se m á g ua, a tr a i nd o -o p ar a lá, e d ep o i s d e e le d esc er ap ed r ej a -o e ma t a-o . O Re i
Ale x a nd r e d ei xa - a i r e m lib e r d ad e.
172
P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p .1 5 .
173
Fr a nço is e Fr o n ti s i -D u cr o u x , no li vr o fe ito a d ua s vo z es co m J e a n - P i er r e
Ver na n t - Da n s L 'Oe il d u Mir o ir , p . 5 5 .
174
Si mo n Go ld hi ll - Amo r , Se xo e T r a géd i a, p . 2 1 .
50
masculina), mas “a marca de uma alteridade irredutível” 175 que irá
interrogar a relação que a mulher e o homem mantém com ele.
O uso do espelho pelos homens era raro, “vergonhoso” 176, e
diremos (de forma simplificada) que tinha um uso «justificado»: eles
olhavam-se de forma a melhorar a sua eloquência como oradores
(Demóstenes, segundo Plutarco); olhavam-se de forma a «educar» uma
pose (Sócrates, segundo Diógenes Laércio); olhavam-no de forma a
estudar e compreender a visão, sentido que lhes era tão caro (Euclides,
Arquimedes, Ptolomeu 177); olhavam-se de forma a ver-se envelhecer
(Apuleio). Este último chega a ter de se defender de ter um espelho em
sua
posse,
philosophus
e
desculpa-se
[“Ele,
um
da
seguinte
filósofo,
tem
um
forma:
habet
espelho” 178].
speculum
O
«dedo
acusatório » era apontado a Sócrates, como que dando legitimação e
autoridade ao próprio instrumento espelho.
Porquê este medo pelo “bronze reluzente” 179? A autora sugere
que olhar-se a um espelho comportava um grande perigo, o da
“alienação” 180 – o converter-se em algo distinto ou indigno de um
homem; no caso da mulher era um perigo irrelevante, já que esta era já
“outra” por definição.
Destacamos três pontos fundamentais:
•
É inevitável concluir que o espelho era um objecto que cativava
e fascinava: os homens concediam às mulheres “o direito fútil de
reflectir a sua beleza” 181, a serem Narcisas – negando a si
mesmos esse direito, pelo perigo de fechamento que comportava
(deixarem de ser sujeitos) –, mas eles próprios exploravam
amplamente
os
seus
recursos,
175
meditavam
sobre
as
suas
Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - Da n s L'O ei l d u M i r o ir , p . 5 9 .
Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 6 1 .
177
Est es tr ê s p e n sad o r e s esc r e ver a m tr a tad o s so b r e o es t ud o d a r e f le xão , cr ia nd o
u ma d i sc ip l i na a u tó no ma , a ca tó p t r ic a, no s séc u lo s I V a . C, I I I a. C e I I d . C,
r esp ect i va me n te ; a o b r a d e Ar q u i med e s d es a p ar ece u . São o b r a s co m a a ná li se
ma te má t ica d a v is ão , e x tr e ma me nt e co mp le xa s.
178
Ap u le io c it. p o r F r o nti s i -D uc r o u x - D a n s L'Oe il d u Mi r o ir , p . 6 2 .
179
As si m er a ap el id ad o o esp e l ho na Gr éc ia. Fr o nt i si -D ucr o u x - Da n s L'Oe il d u
Mir o ir , p . 7 2 .
180
Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 3 .
181
Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 2 .
176
51
propriedades e analisavam o seu funcionamento, elegendo-o
como modelo para conceber a visão. Eles darão primazia a um
outro tipo de espelhos, “imateriais” chama-lhes Ducroux, feitos
de
metáforas
e
comparações
que
desencadeiam
o
motivo
fundamental do “fazer ver” com as três palavras que o designam
em grego – uma pluralidade de nomes para múltiplas «formas de
ver»: katoptron, esoptron, dióptron. Olhar para, ver sobre, ver
através
de...
O
acto
de
ver torna-se
espacial;
o
espelho
transcende claramente o seu uso instrumental, concreto. Qual
sonda de cirurgião, ele espia para outros mundos.
•
A consciência de si, na Grécia antiga, não passava pelo espelho,
o que é um facto extremamente curioso. “Muito pelo contrário”
afirma Ducroux, “parece excluí-lo, na medida em que a questão
da identidade e do sujeito não diz mais que ao indivíduo varão,
quem, precisamente, o tem como proibido” 182. Para o homem
grego a consciência de si era existencial, e não reflexiva como a
nossa. Ducroux e Vernant defendem que os homens apenas
ganhavam essa consciência através de um “olhar alheio” 183, de
um olhar de um outro ser (Sócrates a ver-se em Alcibíades e
vice-versa). Esta reversibilidade – ver era ser visto – era de
extrema importância.
•
O espelho funcionava como um “operador da discriminação dos
sexos” 184; ele os separava (o corte dos dois mundos é evidente),
mas também reunia (a mulher preparava-se para ser vista pelo
homem através dele).
É estranho observar como em alguns vasos gregos o espelho
apenas está, símbolo suspenso, aéreo, ocupando poeticamente um
espaço, ou então faz-se insígnia e surge quase que como soldado às
182
Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - Da n s L'O ei l d u M i r o ir , p . 6 5 .
Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 6 5 .
184
Fr o nt is i -D u cr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 2 .
183
52
mãos das mulheres, num prolongamento metálico dos seus corpos.
Nunca reflecte um rosto. Talvez porque, na visão masculina, as
mulheres se assemelhassem à apaixonada Eco, espelho vocal (voz que
nunca fala mas apenas repete, como que vestindo a pele mimética dos
símios ou dos camaleões) – e portanto com a interdição de verem o
próprio reflexo?
Onde tudo é especulação (não sabemos dizer até que ponto o
«real » contamina a imagem, a importância dada às mulheres, qual o seu
papel e hierarquia, qual a sua História) o certo é que nunca neles
vimos, nem mesmo esbatido, o reflexo de um rosto feminino.
*
É contrariado que Ulisses
(.. . ) d e ixa
A cid a d e s em g u a rd a
E r esp o n d e a o a p e lo
A rd ilo so d o ma r . 185
Ulisses não quer partir para Tróia com a frota grega, e tem
razões válidas para isso: tem um filho pequeno nascido há pouco
tempo, uma esposa, uma casa para tratar. Nada lhe é tão querido como
a sua pátria, Ítaca. No desenrolar da narrativa e da sua viagem cheia de
aventuras, constatamos que ele não é facilmente encurralado em
heroísmos, ou mesmo que não é um homem “totalmente admirável” 186.
Sejamos francos: de herói ele não tem quase nada.
Simula estar louco para ser dado como inválido no esforço
colectivo que qualquer guerra exige; não se mostra muito preocupado
com o destino dos próprios companheiros, que morrem todos; nem
185
186
Hé lia Co r r ei a - De s me s ur a , p . 1 3 .
Ant ho n y O ´H ear - O s G r and e s Li vr o s, p . 6 1 .
53
sequer poupa a “bela morte” tão apregoada na Ilíada 187. É oportunista,
vil, manhoso, “velhaco astuto” 188. Há quem o considere mesmo um
“herói curvo, côncavo, herói que sabe plantar-se frente ao seu inimigo
e feri-lo por trás” 189, em oposição aos “heróis rectos” 190, detestados,
temidos – mas com carácter. Ulisses serve-se de mil artifícios para
atingir os fins que pretende. “Ulisses de mil ardis!” 191, assim é ele
conhecido por todos.
É
com
imediatamente.
este
“herói
Ele
escolhe
dúbio” 192,
ser
atípico,
homem,
e
é
humanidade que confere todo o sentido ao poema”
que
essa
193
simpatizamos
“escolha
da
. Quando dizemos
que ele escolhe ser homem, não nos referimos somente à escolha de
regressar para a sua mulher, bela mas mortal (recusando a oferta
tentadora da ninfa Calipso de se tornar ele próprio num Bem
aventurado), mas ao facto de aliar ao herói do “auto-domínio” 194 e do
total controlo das suas acções, a faceta do homem “fraco” que chora
quando pensa no retorno a casa, quando se emociona ao ouvir o aedo
cantar a lenda do Cavalo de Tróia, ou quando, já no final da epopeia,
reencontra a mulher. Passamos a citar os episódios da sua contenção
quando finalmente vê Penélope (e lhe mente descaradamente), e a sua
situação de prisioneiro saudoso:
P o ré m, co mo se fo ss e d e ch if r e o u d e fe r ro , n a s su a s p á lp eb ra s,
Os o lh o s p e r ma n ec ia m i mó ve is ; d o lo sa m en t e, co n tin h a a s lá g r ima s . 195
e
187
Ul i s se s c ap a o p o r q ue i r o tr a id o r , a tir a nd o d e se g u id a o se xo ao s c ãe s; d ep o is
d ecep a - l he as mão s e o s p és ; C f. Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 6 6 ( X XI I , 4 7 4 - 4 7 7 ) ; o se u
f il ho T elé maco e n fo r c a as s er va s tr aid o r as q ue ti n h a m d o r mi d o co m o s
p r ete nd e nte s, p ar a q u e “mo r r e s se m d e mo d o co n fr a n ged o r ” ( Od is se ia, p . 4 7 3 ) . A
“mo r te l i mp a” é to ta l me nt e i g no r ad a ( Od i s se ia, p . 4 6 2 ) .
188
Só fo c le s - Áj a x, p . 6 8 . As s i m o d e scr e v e Áj a x, ch eio d e r a nco r e j á me i o lo u co .
Est e a uto r gr e go r e s sal ta a no b r e za d e U li s se s, q ue sa i e m d e fe sa d o se u p io r
in i mi g o .
189
Fer n a nd o S a va ter - Cr ia tu r a s d o Ar , p . 6 5 .
190
Fer n a nd o S a va ter - Cr ia tu r a s d o Ar , p . 6 5 .
191
Ass i m Ho mer o o no me ia vár i a s ve ze s na ep o p e ia . O u tr o s ep ít et o s ser ia m
“so fr ed o r ” e “d i v i no ”.
192
Ol i ver T ap l i n - T h e O x f o r d Hi s to r y o f t he Cl a ss ica l W o r ld , p . 5 1 .
193
P ier r e Vid al - Naq ue t - O M u nd o d e Ho me r o , p . 3 3 .
194
Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - A T ei a d e P e n é lo p e, p . 2 2 .
195
Ho me r o c it. p o r Mar ia He le na d a Ro c ha P er e i r a – A T ei a d e P e né lo p e, p . 1 8 .
( Co r r esp o nd e nte ao c ap í tu lo XI X d a Od i ss ei a, 2 1 0 - 2 1 2 ) .
54
(.. . ) n a p ra ia e sta va el e sen ta d o , a ch o ra r n o s ít io d o co stu me,
To r tu ra n d o o co ra çã o c o m lá g ri ma s, tr i ste za s e la m en to s.
E co m o s o lh o s ch e io s d e lá g ri ma s f ita v a o ma r n u n ca vin d ima d o . 196
Ele é, sem qualquer dúvida, a nódoa no espelho polido e
brilhante de um corajoso Aquiles ou de um nobre Heitor 197.
Fica aqui um pequeno retrato daquele que se tornará, na
literatura, uma personagem inesquecível. Passemos agora para uma das
questões centrais da epopeia — a reconquista progressiva da identidade
—, onde mais uma vez o engenhoso Ulisses mostra toda a sua mestria.
À pergunta Quem és tu?, dever-se-ia responder, segundo as leis
da hospitalidade, com o nome próprio, o nome dos pais, o nome pelo
qual todos os habitantes da cidade onde vivia o conheciam, e o próprio
nome da cidade — “entre os homens não há ninguém que não tenha
nome” 198 como diz o rei Alcínoo; ninguém nasce “de pedra ou do
lendário carvalho” 199, como dirá Penélope. Transcrevemos quatro
situações em que Ulisses se apresenta, que seguem a linha temporal do
poema 200:
A Alcínoo, simpático e acolhedor Rei dos Feaces, diz:
S o u Ul is s es, f ilh o d e La er te s, co n h ecid o d e to d o s o s h o m en s
p elo s m eu s d o lo s. A m in h a fa ma já ch eg o u a o c é u .
É n a so a lh e ira Í ta ca q u e h a b ito . 201
A Polifemo, o monstro com um único olho que ele depois cega,
responde:
Ó Cic lo p e, p e rg u n ta st e co mo é o m eu n o m e fa m o so . Vo u d i ze r - to ,
196
Ho mer o - Od is s eia , p . 9 3 . V, 8 2 -4 .
Uli s se s r ep r e se n ta d e f o r ma b r il h a nt e “o mu nd o d o estô ma g o ” ( P ie tr o Ci tat i –
Uli s se s, p . 8 7 ) q ue Aq u ile s ta n to d e sp r e za, q u e n ão s er á mai s d o q ue a r eal id ad e:
co mer , d o r mir , l a var - se , e, so b r et ud o , a cei tar as le i s d a vid a. Q ua nd o P átr o c lo
mo r r e e le ta mb é m mo r r e – e não se co n fo r ma .
198
Ho mer o - Od i s se ia, p .1 4 3 . VI I I , 5 5 3 .
199
Ho mer o – Od i s se ia, p. 312. XIX, 163.
200
P ar a u m ma io r d e ta l he no te ma d a mu l t ip l ic id a d e d e a u to -r ep r e se nt açõ es le vad a
a cab o p o r Ul is se s, v e r b r il ha n te e ns aio d e Si mo n Go ld h il l - T he p o et her o :
la n g ua ge a nd r ep r e se n ta tio n i n t h e Od ys s e y, p . 1 -6 8 .
201
Ho mer o - Od i s se ia, p .1 4 5 . I X, 1 9 -2 1 .
197
55
E tu d á s- m e o p re sen te d e h o sp ita lid a d e q u e p r o met es te.
Nin g u ém é co mo m e ch a mo . Nin g u ém ch a ma m - m e
A min h a mã e , o m eu p a i , e to d o s o s meu s co mp a n h ei ro s . 202
Ao porqueiro Eumeu declara, não sem antes lhe dizer que vai
“falar com toda a sinceridade” 203:
(.. . ) é q u e a mã e q u e me d eu à lu z era co n cu b in a
Co mp ra d a , ma s ig u a l a o s f ilh o s leg ít imo s me e s t imo u
Ca sto r, fi lh o d e Hí la x, d e q u em d ec la ro s er f ilh o . 204
A Penélope, sua mulher, diz relutantemente quando esta insiste
que ele revele a sua linhagem:
(.. . )T en h o o n o me fa mo s o d e Éto n .
S o u o ma i s n o vo ; I d o me n eu e ra m elh o r e ma is v elh o .
F o i e m C reta q u e v i Ul i s se s e lh e d ei h o sp ita lid a d e . 205
Em qual das situações é que ele é mais «verdadeiro » (ou menos
«falso »)?
Lembramos que toda a narrativa decorre sob o “signo do
disfarce” 206. Que só após vinte anos de sofrimentos Ulisses vê os
contornos da sua amada ilha, que finalmente regressa a casa e aos seus.
Bem o velho Haliterses, logo no início, lhe traça o destino: só depois
de muito sofrer e de perder todos os companheiros de viagem, só então
aí regressaria, sem que ninguém o reconhecesse 207. Aos olhos de todos
os outros surge um homem roto, sujo, velho – um mendigo que inspira
dó (e que se parece, de forma assustadora, com o seu próprio cão, o
único ser que o consegue ver 208). Atena quis que ele mudasse por
202
Ho mer o - Od is s eia , p . 1 5 5 . I X, 3 6 4 -3 6 7 .
Ho mer o - Od is s eia , p . 2 3 1 . XI V , 1 9 2 .
204
Ho mer o - Od is s eia , p . 2 3 1 . XI V , 2 0 2 -2 0 4 .
205
Ho mer o - Od is s eia , p . 3 1 2 . XI X 1 8 3 -1 8 5 .
206
P ier r e Vid al - Naq ue t - O M u nd o d e Ho me r o , p . 6 7 .
207
Ver Ho mer o - Od i ss eia , p . 4 3 . I I , 1 7 0 -1 7 6 .
208
Ver ep i só d io d a Od i s se ia, p . 2 8 2 , o nd e Ar go s j az in ú ti l no e s ter co , co b er to d e
car r aç a s, e j á se m a r ap i d ez, a fo r ça o u o far o a nt i go s. O r eco n h ec i me n t o é mú t uo .
É d o s mo me n to s mai s co mo ve n te s d e to d o o t e xt o , o cão q u e e sp er a p elo d o no p ar a
203
56
completo a sua aparência, que se metesse na pele de outro, tornando-se
irreconhecível mesmo para as pessoas mais íntimas. Engelha-lhe a pele
e
retira-lhe
os
cabelos
louros,
vestindo-o
repugnância causam a quem os vir”
209
com
“farrapos
que
. E portanto a sua «revelação» de
identidade vai sendo levada a cabo de forma disciplinada, cautelosa,
conseguindo
através
da
sua
«máscara»
reconhecer
lealdades
ou
traições, e aguardando o momento certo para se «desvendar ». Fazemos
coro com Vernant: é possível um Ulisses sem disfarces, sem ardis ou
mentiras? Quando é dissimulado, não dirá também uma verdade 210?
Não deixamos de nos perguntar: qual o homem que revê um filho
que
entretanto
se
fez
adulto,
uma
mulher
que
se
manteve
obstinadamente fiel ou um pai querido mas já muito desgastado pelas
dores e pelo tempo e não os abraça e beija imediatamente, mas se
contém? Ulisses. Ulisses dos mil rostos (visuais e verbais); Ulisses que
põe cruelmente tudo e todos à prova, incluindo o filho, a mulher e o
pai. Ulisses, que opta por ser nada nem Ninguém – novamente –
degradando-se e tudo suportando 211 para levar a cabo o massacre dos
cento e oito pretendentes da mão de sua mulher (que de forma insolente
e arrogante esbanjam os seus deliciosos vinhos e carnes, dormem com
as suas serventes, fazem a corte à sua mulher, conspurcam o espaço
sagrado do oikos, o terreno da casa, dos bens e dos sentimentos). Um
poema de luz quando comparado com a Ilíada? Sem dúvida, excepto
neste pormenor: a entrada do deus da luz, Apolo, e logo do excesso, do
assassínio e do “pálido terror” 212: não podemos deixar de ouvir o som
mo r r er . De no t ar ta mb é m q ue é el e o ser q u e “me l ho r med e o te mp o ”, co mo a f ir ma
Vid a l -N aq ue t, e m O Mu n d o d e Ho me ro , p . 1 4 0 . No va me n t e Ul i ss es se co n tr o la e
co n té m a l á gr i ma q ue s e so l ta d o o l ho .. .
209
Ho mer o - Od i s se ia, p . 2 2 4 . XI I I , 4 0 0 .
210
É o q ue p r o p õ e J ea n -P i er r e V er na n t, no s eu te x to i n ti t ul ad o “U l ys se e n
p er so n n e”, e m Da n s L´ O eil d u M iro i r. V er p . 2 8 , o nd e o a uto r e stab el ece a r el ação
o u ti s ( ni n g u é m) - mét i s ( a r g úc ia) .
211
Os p r e te nd e n te s r ie m- s e à s ua c us ta, at ir a m- l h e o b j ecto s d e fo r ma a a gr ed i -lo e
a a fa st á -lo ( Od i s se ia, p . 3 3 4 , XX, 2 9 9 ) ; c he g a a ter d e l u tar co m u m o ut r o me n d i go
p o r u ma s tr ip a s r ec h ea d as d e go r d ur a – p ar a gá ud io d e to d o s. D ei x a d e ha ver
co mp o s t ur a, mo r a lid ad e, p ud o r o u d i g nid a d e. ( P o d er á, e ve n t ua l me n te, s er
co mp ar ad o ao ac to i n fa me d e P r í a mo b eij ar a m ão d o ass as s i no d o se u f il ho He ito r ,
le vad a a c ab o p o r Aq ui l es) . N u nc a se d e s ce u tão b ai xo .
212
Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 5 3 . XXI I , 4 2 .
57
sibilante das setas no ar enquanto, um por um, todos os corpos dos
pretendentes caem.
Há uma pessoa, no entanto, que o iguala nessa preciosa arte que
cultiva, a do embuste: a sua mulher. Ele mesmo esboça um sorriso (a
única vez que sorri em toda a epopeia) quando Penélope lhe fala dos
“sinais” secretos, desses sinais em que alicerçamos a nossa vida e deles
retiramos sentido. A prova dos olhos, a ela, não lhe basta (como bastou
a Euricleia 213): precisa de outras confirmações. Os olhos enganam, o
estrangeiro pode muito bem ser um deus. Citamos a sua reveladora fala
ao filho, quando este a acusa de ter um coração “mais duro que uma
pedra” 214:
(.. . ) Ma s s e e le é
Na v e rd a d e Ul is se s ch eg a d o a su a ca sa , s em d ú v id a el e e eu
No s reco n h ece re mo s d e mo d o ma is s eg u ro , p o i s temo s
S in a i s, q u e só n ó s sa b e mo s, e sco n d id o s d o s o u t ro s . 215
Num interrogatório cerrado Penélope lança-lhe o último dos
testes,
o
único
que
poderia
revelar
o
«seu»
Ulisses.
Diz
despreocupadamente a Euricleia para fazer a cama e para a mudar para
fora da divisão onde se encontrava, colocando-lhe “cobertores, velos e
mantas resplandecentes” 216. Indaga de forma subtil pela cama que sabia
ser imóvel e inamovível (como o destino): a cama que Ulisses tinha
construído muito tempo antes num sólido tronco de oliveira, e que não
se podia transportar, a não ser que se cortasse parte do tronco.
Só depois das dúvidas terem sido desfeitas Penélope e Ulisses se
reencontram, se abraçam e choram, sabendo agora quem é quem.
Citamos uma grande helenista: “...é pela astúcia que se opera em
definitivo o reconhecimento entre os dois” 217. Não deixamos de pensar
213
A a ma q ue vê a c ica tr i z q ue U li s se s ti n h a f ei to e m cr ia n ça e lo go acr ed i to u e s tar
p er a nt e U li s se s e m p e s s o a .
214
Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 0 3 .
215
Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 0 7 -1 1 0 .
216
Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 8 0 .
217
Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - A T ei a d e P e n é lo p e, p . 2 2 .
58
que esta cama poderá ter uma ligação ao próprio tema da identidade 218,
à inabalável constância do que somos, às coisas que, no meio do
tumulto, permanecem estáveis, com raízes bem agarradas ao chão – ou,
pelo menos, assim as queremos ver...
Ulisses e Penélope agem, sem o saber, em espelho, cada um com
os seus naufrágios. É frequente Ulisses queixar-se que é um homem
que muito sofre:
Qu em co n h e ce rd e s en tr e o s h o men s co m ma io r f a rd o
De d e sg ra ça s, a e ss e m e a s se melh o n o s meu s so f ri men to s . 219
E “esse alguém”, que ecoa os seus sentimentos do outro lado do
mundo e num belo pas des deux:
Ou vi- me, a m ig a s! A mi m d eu - me o O lí mp io ma i s d o re s
Do q u e a q u a lq u e r d a s mu lh e re s q u e co mig o n a sce ra m e fo ra m
C ria d a s. 220
São parecidos mas, contudo, diferentes.
É o espelho dos olhos da sua mulher, como Jean Pierre Vernant
demonstra,
“que lhe devolvem, intacta, a sua própria imagem” 221.
Penélope é aquela que lhe dá respostas sobre si mesmo e sobre o seu
passado, e é, sobre o seu espantoso olhar, que Ulisses “reconquista
plenamente a sua identidade heróica e recupera o lugar que lhe
corresponde, como esposo, pai e rei” 222.
*
218
219
220
221
222
E ta mb é m ao t e ma d a fi d elid ad e.
Ho mer o - Od is s eia , p . 1 2 2 . VI I , 2 1 1 -2 .
Ho mer o – Od is se ia, p . 8 7 . I V, 7 2 2 -3 .
J ea n -P ier r e V er na n t - D an s L ´Oe il D u Mir o ir , p . 5 0 .
J ea n -P ier r e V er na n t - D an s L ´Oe il D u Mir o ir , p . 5 0 .
59
Temos de procurar o final fora do texto, a profecia de Tirésias
assim nos ordena. Segundo o adivinho cego, Ulisses teria de voltar a
partir para apaziguar o ódio de Posídon, o deus dos mares, percorrendo
cidades com um remo ao ombro, até que alguém lhe perguntasse para
que levava uma pá de joeirar. Só aí faria um sacrifício ao deus, com um
carneiro, um touro e um javali e regressaria depois então a casa. Conta
Ulisses a sua mulher:
...d o ma r so b rev i rá p a ra mi m
a mo r te b ra n d a men te, q u e me co rta rá a vid a
já ven cid o p ela o p u len ta velh ice ; e em meu red o r
o s h o m en s v ive rã o fel i ze s: tu d o i sto eu v e rei cu mp r i r - s e. 223
Fundamentalmente um “poema de regresso” 224, como afirma
Maria Helena da Rocha Pereira (o ansiado regresso a essa pátria “sem
prodígios” 225). Mas não será também um poema da viagem? Essa
viagem que serve de «pretexto» para errâncias futuras, tal como
escreveu Cavafy na sua Ítaca 226? Entre a terra e o mar, o regresso e a
viagem, Ulisses conta o seu destino. Lembremo-nos nós de Plutarco, do
seu “vidas com vidas, feitos com feitos”... Que sabemos nós de
Penélope? De Penélope apenas podemos adivinhar que:
Permanecerá na sombra, portas adentro.
Continuará a pertencer à “maldita estirpe e raça das mulheres” 227,
mas não terá a imprudência da primeira mulher na terra, Pandora 228,
nem o “fedor envolvente” 229 das mulheres de Lemnos. Sendo bela, não
223
Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 7 6 . XXI I I , 2 8 1 -2 8 5 .
Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - O s P o e ma s Ho mé r ico s, p . 8 4 .
225
J o r ge L uí s B o r g es - Ar t e P o éti ca, p . 2 1 9 .
226
Co n st a nt i n Ca va f y - Í t a ca, p . 4 4 -5 .
227
He sío d o - T eo go n ia, p . 6 1 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ul o I ) .
228
P and o r a ser ia a “r uí n a” p ar a to d o s o s “ho me n s co med o r e s d e p ão ”, se g u nd o
He sío d o . Fo i e la q ue a b r i u a v as il h a o nd e se en co ntr a va m e ncer r ad o s to d o s o s
ma le s, o s q ua i s s e e s p al har a m p e lo mu n d o ( fe c ha nd o - a a t e mp o d e r et er a
esp e r a nça ) . C f. He sío d o - T eo go ni a, p . 9 4 -9 6 , 6 0 -1 0 5 .
229
Ro b er to Ca la s so - As N úp ci as d e Cad mo e d e Har mo nia , p . 8 5 . E st as mul h er e s
tr ucid ar a m o s se u s ho me n s, e co mo v i n ga nç a d i v in a co me ça r a m a c he ir ar mal.
224
60
aturdirá pela beleza que se torna “flagelo” 230 (como Helena), nem
semeará o terror entre os homens (como as Amazonas 231) – mas está
longe de não constituir um perigo. A sensata, fiel, esposa de Ulisses –
“a que pondera as coisas de todos os lados” 232 e que por todos é
respeitada –, inventará ela novos estratagemas que fazem ganhar
tempo, qual Xerazade enganando o rei persa 233?
Irá continuar a dormir muito, pois é uma criatura do sono e dos
sonhos. E o sono é um bom aliado da espera. Terá um “estatuto de
enclave” 234 sem dúvida, desse irrequieto Ulisses, mas isso não parece
aborrecê-la (prevê que a pequena e frágil ilha se recusa a ser
submergida por outra maior, desafiando-a com estratagemas nunca
vistos; ver Fig. 13).
Saberá também que ela própria é rainha mendiga, fantasma,
máscara, Outis (Ninguém), sem necessidade de se ver ao espelho — o
qual, também, não existiria 235.
230
Ho mer o - I lí ad a, p . 7 8 , I I I , 1 6 0 . O s r e ge n te s d o s tr o i a no s s us s ur r a m u n s ao s
o ut r o s não s er s ur p r e s a q u e T r o ia no s e Aq ue u s so fr a m ta n ta s d o r es p o r ca u sa d e
u ma mu l he r : Hel e na é r eal me n t e b el a. Acr e sc en ta m q u e, ap e sa r d e s er q u e m é,
r eg r e ss e na s n a u s e p ar ta, e q ue não f iq ue co m o f la g elo p ar a el es e p a r a o s se u s
f il ho s. T o d o o p o vo tr o ia no a d et es ta va e a co n sid er a va a c a us a d a g uer r a. Ver
P ier r e Gr i ma l, e ntr ad a “Hel e na”, e m Di cio nár io d e Mito lo g ia G r e ga e Ro ma n a, p .
1 9 7 -2 0 0 . ( B ib l io gr a f ia c ap ít u lo I , P er s e u) .
231
As a ma zo na s er a m mu l her e s g u er r e ir a s q ue p r es ta va m c ul to à d e u sa Ar te mi sa .
Não to l er a v a m a p r es e n ça d e ho me n s , e co nta - s e q ue só co ns er va v a m o s f il ho s d o
se xo fe mi n i no , a q ue m a mp u ta v a m u m s eio p ar a d e s sa fo r ma f ac il ita r o ma nej o d o
ar co o u d a la n ça. V er P ier r e Gr i mal - Di cio n ár io d e Mito lo g ia Gr e g a e R o ma n a , p .
2 3 , e ntr ad a “A ma zo na s” .
232
Exp r e s são d e Fel so n - R ub i n , ci t. p o r Mar ia He l en a d a Ro c ha P er ei r a - A T ei a d e
P ené lo p e, p . 1 3 .
233
É co n he cid a a hi s tó r ia o nd e P e nélo p e t e nt a ga n h ar va n ta ge m so b r e o s
p r ete nd e nte s q ua nd o e s te s a co n fr o nt a m co m o fa cto d e e la t er d e d ecid ir q ual
d ele s ha v ia d e e sco l her p ar a c as ar : el a a f ir ma q ue só o far á q ua nd o co n cl u ir a
mo r ta l ha q u e t ece p ar a L aer t e s, p a i d e U li s se s, e d e str ó i à no i te, à l uz d e to c ha s, o
q ue ha v ia fe ito d ur a n te o d ia. De st a fo r ma , co n s eg u e il ud i -lo s d ur a n te q ua tr o a no s.
Xer a zad e ta mb é m ad ia v a u ma d ec is ão d o p r ó p r io r ei Xar r iar : sab ia - s e q ue es t e
co nd e na va à mo r te to d as a s e sp o sa s ap ó s a p r i me ir a no i te d e n úp c ia s, ma s e st a
mu l h er i n te li ge n te d e ci d e co n tar - l he hi s tó r ia s mar a vi l ho s as q ue o f aze m fi car
s u sp e n so na s na r r at i va s , e co n ti n u a me n te ad iar es sa fa tal d ec is ão . C f. Ho mer o Od i s sei a, p . 4 0 ( I I , 9 6 -1 1 0 ) e I talo C al v i no - Os ní ve i s d a r eal id ad e na L it er at u r a,
p. 388.
234
Ni co le L o ur a u x - Le s E xp ér ie n ce s d e T ir é s ia s, p . 3 0 0 .
235
Não há e sp e l ho s n as e p o p eia s d e Ho me r o . O s ar q ueó lo go s co mp r o va m q ue o
esp e l ho ap e na s s ur ge n a Gr éc ia a p ar t ir d o s éc ulo VI I . A ú n ica r e f er ê nc ia ao
esp e l ho e s tá na I lía d a , e é u m e sp e l ho “n at u r al”. O s M ir mid õ e s i nc itad o s p o r
Aq ui le s a va n ça m co mo lo b o s e m ma t il h a e d ele ita m - s e a b eb er : “e d o esp e l ho d a
fo n te d e á g u a e sc ur a/ s o r ve m a s s ua s lí n g u a s d el gad a s a es c ur a á g ua, e nq ua nto /
lh e s ve m à b o ca o s a n g u e d a ma ta n ça” ; C f. Ho m er o - I l íad a , p . 3 2 4 ( XV I 1 6 0 -1 6 2 ) .
61
Retirar-se-á
para
as
profundezas
do
seu
palácio,
agora
silencioso. Em raros dias de festa, fará libações aos deuses, deixando
que estes sorvam o aroma do fumo dos ossos. Manterá as suas aias mais
dedicadas junto de si e fará o que sempre fez, paciente e de forma
hábil: fiar, tecer. “Fios pálidos, fios febris” 236, fios de mentiras
invisíveis. Enquanto trabalha, relembrará o saque maravilhosamente
planeado, digno do seu nome, feito aos pretendentes (“um belíssimo
peplo e doze pregadeiras oferecidos por Antínoo, um colar de ambar e
ouro, por Eurímaco, um par de brincos de pérolas por Euridamante e
um colar de Pisandro” 237) e a teia racional, sem lacunas, falhas ou
fendas que havia estendido ao seu marido, onde o símbolo da cama se
impunha como chave de tudo (sobretudo desse elo artificioso que
existia entre os dois; ver Fig. 14).
Penélope sabe que tem, diante do marido, a sensação de uma
extensão do seu próprio reflexo (Fig. 15), a certeza de ver o seu rosto
muito mais claramente do que diante dos numerosos espelhos de água
que se formam em pequenas poças no inverno, no grande pátio da sua
casa.
Parrásio
que ludibria o
próprio
Zêuxis:
eis
o
retrato
de
Penélope 238 (Fig. 16).
Ma s se ho u ve s se e sp e l ho na ep o p e ia e le e st ar ia p r o va v el me n te j u n to a Her a ,
q ua nd o e st a ar r a nj a o c o r p o d e fo r ma a r ea lç ar to d a a s ua b el eza ( n u m e xer cí cio
“h u ma n o ” d e sed u ção ? ) , p r ep ar a nd o u ma e mb o s cad a ao p r ó p r io ma r id o , Ze u s; ver
I líad a, p . 2 8 7 ( XI V, 1 7 0 -1 8 6 ) .
236
J o sé T o le nt i no Me nd o n ça - P er d o a r H ele n a, p .3 8 .
237
P ietr o Ci ta ti - U li s se s e a Od is s eia , p . 2 3 2 .
238
Al ud e - s e aq u i a d o is p in to r e s gr e go s co n he ci d o s p e la s ua me str ia e m go lp e s
il u sio n ís ti co s, hi s tó r ia nar r ad a p o r P l í nio , o V elh o , e m Na tu ra l Hi sto ry , p . 3 3 0
( ve r b ib l io gr a f ia so b o no me d e “P li n y t he E ld er ”) . O p r i me ir o t i n ha p in tad o u m
q uad r o o nd e as u va s er a m tão co n vi n ce n te s q ue o s p á s sar o s a s b i ca va m; o s e g u nd o
d e mo n s tr o u, n a p r o v a p úb l ic a fe it a p elo s d o is c o m o i n t ui to d e co n f er i r q u al d el e s
er a o me l ho r , q ue não lhe f ica v a atr á s e m e n ge n ho : Zê u xi s sai u d e r r o tad o , ao
q uer er a f a star u m p a n ej ame n to q ue j u l ga va tap a r a o b r a d o o utr o ar t is ta.
62
O Espelho Intacto de Luís XIV
[ Diz a O vel h a p ar a Ali c e]
— Po d e s ve r à tu a f ren t e e d o s la d o s,
se q u i se r es. Ma s n ã o p o d es o lh a r a
to d a à vo lta , a n ã o s er q u e t en h a s
o lh o s n a p a r te d e t rá s d a ca b eça .
L. Car r o l l, Al ice d o Ou t ro La d o d o E sp e lh o 239
Que reflecte o espelho barroco?
Sem qualquer hesitação, respondemos de imediato: reflecte o
Rei, e todo o seu poder.
O retrato oficial que Hyacinthe Rigaud pintou no ano de 1701,
intitulado Luís XIV, Rei de França não deixa margem para dúvidas: Ele
é o poder, Ele é a França (e a França é o Mundo...); não é necessário
contemplarmos a tela com muita atenção: basta um rápido relance para
nos apercebemos que este foi o homem que, três dezenas de anos antes,
ao passar pela primeira vez a revista militar às suas tropas de dezoito
mil homens expressou claramente o seu objectivo: toda a Europa
deveria começar a ficar inquieta 240. Pode-se dizer também que, com ele,
esta «vigilância» (para utilizarmos um termo caro a Foucault) não se
expressaria somente a nível militar ou político, mas invadiria de forma
tentacular todas as outras esferas, incluindo a artística. Tudo passa a
ser rigorosamente regulamentado e a estar sob a tutela do Estado: e
isso terá um preço.
Como
definir esta
época,
tão
rica
e contraditória?
Paulo
Herkenhoff fez uma tentativa cujo resultado é uma longa e curiosa
lista:
“O
Barroco
é:
retorcido;
glosas
infinitas;
movimentos
complicados e imprevistos; conceitos alambicados e subtis; rimas
239
Le wi s Car r o ll - Ali ce d o O utr o Lad o d o E sp e l h o , p . 7 6 . A p a la vr a s ub l in h ad a a
ne gr o é no s sa; no t e xto es tá e m i tá lico .
240
Ver Mic h el Fo uc a ul t - S ur ve il ler et P u ni r , p . 2 2 0 . E ste fac to d e u - se, mai s
p r eci sa me n t e, e m 1 6 6 6 .
63
forçadas;
gongorismo;
Inquisição;
confusão
maravilhosa;
fealdade
brutalidade
e
inventada
mutilação
extrema;
pelos
criadores
arquitectónica;
primitivismo;
da
perplexidade
intuição
medíocre;
rudimentar; arte de macacos; travessura; deformação; misticismo;
êxtase; fruto degenerado do Renascimento; destrutivo, violento e
fundamental;
revolucionário;
um
veículo
de
grandeza
e
pompa
absolutista; horror vacui; um padrão para a arte sumptuosa; a
decoração
pela
decoração;
uma
forma
tortuosamente
lógica
do
silogismo medieval; uma visão febril de linhas atormentadas e relevos
imprevisíveis; orgia decorativa; um gosto ambíguo, atormentado e
doente; excesso; a mais fantástica extravagância de curvas; o oposto a
Cartesianismo;
o
reverso
do
Renascimento
e
do
racionalismo
Iluminista” 241 e a caracterização continua...
Como podemos constatar pelas suas palavras, o delírio e a
“embriaguez” 242 Barroca convocam as mais diversas definições e
datações 243, muitas dos quais contraditórias: êxtase e o mais puro
misticismo, extrema liberdade e severa constrição, discurso sedutor e
ao mesmo tempo moralista.
Voltemos ao retrato e a todo o seu aparato: sapatos afunilados
com salto e laçarote vermelho, collants brancos e saiote, uma
riquíssima e pesada capa, ornamentada e bordada com fios de ouro, e
uma gola e mangas laboriosamente rendilhadas. Uma cabeleira preta
ondulada emoldura-lhe o rosto. Toda a pose é rígida, como impõe a
etiqueta do retrato oficial. Rigaud soube adular o rei, não só na
grandeza,
sumptuosidade
e
fausto
241
com
que
classicamente
o
P aulo Her k e n ho f f - B r a zil : T h e P ar ad o xe s o f a n Al ter na te B ar o q ue, p . 1 2 7 .
He i nr ic h W ö l f f li n - Re na ci mi e n to Y B ar r o co , p . 3 9 .
243
W ö lf f li n si t ua -o e n tr e o Re na sc i me n to e o Neo cla s sic i s mo q ue s u r ge n a se g u nd a
me tad e d o sé c ulo XVI I I , ma s a f ir ma q u e o s gr a n d es me s tr e s p r ec ed e n te s j á ha vi a m
p r ep ar ad o o ca mi n ho ; J e an Ro u s se t d i v id e a ép o ca e m tr ê s p er ío d o s q ue r en u n ci a m
à cr o no lo gi a ar i t mé ti ca ( so b r ep õ e m- s e) : u m p r i me ir o l i gad o à Co ntr a - R efo r ma q ue
ele c ha ma d e P ré- B a r ro co , mo r a li za n te, d e q u e o e xe mp lo ma i s co ns e g u id o ser ia a
I gr ej a d e Ge s ù ( 1 5 8 0 -1 6 2 5 ) ; u m Ba rro co p len o ( 1 5 8 0 -1 6 6 5 ) , q u e ir ia d e T ass e a
B er n i ni e u m P ó s- B a r r o co ( e aq u i ut il iza u m ter mo d e Fo ci llo n, o “ B ar r o co d o
B ar r o co ”) ap ó s o a no d e 1 6 6 5 , q u e co r r e sp o nd er ia a u m lo n go cl a ss ic is mo ; ver
o b r a c itad a na p á gi n a 1 7 5 e 2 3 3 . O ut r o a u to r , E u gé n io D ´Or s , ne ga - se a d eli mi t ar o
p er ío d o p o r u ma cr o no lo g ia r í gid a , es te nd e nd o - o a té ao s r o mâ n tico s , tal co mo
Her ke n ho f f o e s te nd e a té ao s b r a si leir o s no sé cu lo X X... Se o s e s p eci ali s ta s n ão
co n co r d a m e m r e laç ão a p er ío d o s e d a ta s, q u as e to d o s o vê e m co mo u m mo v i me n to
co s mo p o li ta, q u e a tr a ve s sa d i ver so s p aí s es.
242
64
representou, mas na própria perspectiva utilizada: o retrato está feito
em plongée, obrigando o espectador a olhar com uma direcção bem
definida, de baixo para cima (um recurso muito utilizado também na
arquitectura desta época, fazendo com que os fiéis olhassem para o
alto, para as abóbadas nos tectos, e aspirassem também eles a «subir»).
Jean Rousset consegue definir apenas em duas palavras este conturbado
tempo. As palavras que elege são “Circe” e “pavão”, que para o autor
significam “metamorfose e ostentação, movimento e décor” 244.
Não deixamos de pensar que este Rei, que construiu um palácio
imenso com o único intuito de se auto-proclamar; que se movimenta, à
falta de melhor termo, de forma tão artificial – é tão «postiço» quanto
os seus cabelos – é ele que nos vai dar a viva imagem desse orgulhoso
pavão barroco. O parecer triunfa sobre o ser, facto que não parece
(desculpem-nos a tautologia) incomodá-lo de todo. Abram alas para a
grande arte da dissimulação, também feita através de Hyacinte Rigaut.
*
No barroco, o teatro funde-se completamente com a vida.
Desenrolaremos agora o nosso pensamento traçando um percurso que
tem como cenário os mais variados palcos, mantendo o gosto pelo
teatral que é tão característico deste tempo. Veremos, no final, como
todas estas pequenas e fragmentadas «peças » podem ser acopladas ao
tema do espelho. Assim começará o nosso jogo, com o rei a lançar os
dados:
Palco 1) No Palácio de Versalhes.
Baltasar Gracián, escritor barroco por excelência (por sinal
pertencente à Companhia de Jesus), já nos advertia no seu Oráculo
244
J ean Ro u s se t - L a L it tér at ur e d e L ´ Âg e B a r o q ue en Fr a nce, p . 8 .
65
Manual y Arte de Prudencia: “o que não se vê é como se não
existisse” 245.
O Rei impõe uma figura geométrica já desacreditada pelo novo
estilo, mas a que ele não renuncia: o círculo (ou abarcar todo o espaço
num instante; ou ver e ser visto). Porquê substituir a “inquietude” 246 da
oval por uma forma perfeita e pura, que tudo vê e, mais importante
ainda, tudo consegue controlar? Preso a esta “estética agorafóbica” 247
do espaço tectonicamente fechado, ele sente-se apto a exercer a
soberania nessa cultura frívola da exibição – e a ser o personagem
principal do espectáculo 248. Todas as condutas, atitudes, acções ou
sentimentos dos que o rodeavam eram-lhe reenviados através de uma
miríade de reflexos. O «ex ame», esse sim, era vertiginoso e infinito.
Daqui daremos um salto até ao seu Pavilhão de Caça (núcleo
preexistente a partir do qual se amplificou todo o restante palácio 249,
que pode ser considerado como tendo uma arquitectura panóptica.
Michel Foucault faz a seguinte definição:
O P a n ó p t ico é u ma má q u in a d e d i s so c ia çã o d o p a r ve r - se r v i sto :
n a s b o rd a s d a p eri fe ri a , o n d e se é to ta l men te vi sto , sem ja ma i s
ver ; n a to r re cen tra l, v ê - se tu d o , se m se r ja ma i s vi sto .
250
Por outras palavras, o panóptico é uma castradora “máquina de
observar” 251, dispositivo que opera de forma muito simples. Escusado
será dizer que, no citado pavilhão de caça, a alta torre seria o Rei, e
245
B alta s ar Gr a ci á n - Or ác ulo M a n ua l Y Ar te d e P r ud e n cia , p . 2 5 5 . Af o r i s mo
n ú me r o 1 3 1 .
246
W ö l f fl i n - Re na ci mi e n to Y B ar r o co , p . 6 8 . E st a fo r ma p r o p o r cio n a v a “l i vr e s
p r o p o r çõ e s”.
247
Na tál ia Co r r ei a - I n tr o d uç ão à p o es ia B ar r o ca P o r t u g ue sa, p . 1 9 .
248
Ne st e se n tid o , o s co nd en ad o s d a ép o ca d e se n h a m u ma fi g ur a i n v er sa à s ua : n ão
ver e m e não ser e m vi s to s, e i s o o b j ec ti vo . C f . F o uc a ul t - S ur ve il ler et P u ni r , p . 2 1 .
249
O p alá cio te m u ma p la nt a e m f o r ma d e U, q ue s e ab r e p ar a u m p átio ; fo i
co n s tr uíd o p o r J u le s H ar d o u i n M a n sar t e Lo u is Le Va u ( 1 6 6 4 ) , e t ev e co m o
r esp o n sá v el p o r to d a a d eco r ação d e i nt er io r es C h ar l es Le B r u n, d ir ec to r d a
Acad e mia Rea l d e P i n t u r a. Co ns u lt e - se o li vr o V er sa il le s, d e Y ve s B o tt in ea u, o nd e
se d á co n ta d a fei t ur a d e st e p a lác io , s ua s d i fer e n te s e tap a s e r e mo d ela çõ es.
250
Mic h el Fo uc a ul t - S ur v eil ler et P u n ir , p . 2 3 5 .
251
Fo uc a ult - S ur ve ill er e t P u nir , p . 2 0 4 .
66
que a restante construção que se dispõe em forma de anel circular (com
uma divisão em várias células) seria o espaço dos súbditos. Haverá
uma grande diferença que Foucault assinala para o panopticon de
Jerem y Bentham, idealizado no final do século XVIII: este último tinha
um poder incorporal, anónimo – era um “olhar sem rosto” 252 (que tantas
vezes sentimos presente na vigilância moderna da nossa sociedade) –,
enquanto que o corpo do rei não consegue (nem quer) escamotear a sua
forte presença material e mítica. Não sabemos discernir qual dos dois
modelos é a instituição «disciplinar » perfeita; ambos nos parecem
extremamente eficazes, embora assustadores, despóticos e tirânicos 253,
e poderão ser relacionados de forma produtiva com uma obra de Louise
Bourgeois que analisaremos no último capítulo.
Gostaríamos de referir outros dois lugares específicos no palácio
de Versalhes. O primeiro é a Escadaria dos Embaixadores, que torna
evidente a estreita relação (existente na altura) entre teatro e vida. No
entanto, será imprescindível um acto físico da nossa parte para a
usufruirmos (agora só poderá ser um acto físico mental, visto que foi
demolida em 1752): subir, estarmos nós mesmos em movimento
enquanto olhamos em redor. Mais do que maravilhados, ficamos
suspensos:
as
paredes
afundam-se
para
dar
lugar
a
múltiplas
personagens pintadas que se amontoam enquanto observam “a nossa
compostura ao subir” 254.
A Sala de Espelhos 255 é o nosso terceiro lugar, apogeu de todo o
artifício (abolição total entre teatro e vida). Os espelhos forram uma
das faces da divisão rectangular de alto a baixo criando uma longa
parede cristalina, produto final perfeito numa época onde os espelhos
252
Fo uc a ul t - S ur ve il ler et P u nir , p . 2 4 9 . E scl a r eça mo s q u e e st e d i sp o si ti vo d e
J er e m y B e nt ha m er a p ar a en cer r a r as p e s so a s q u e tê m d e s er co ntr o lad as ( “l o uco s”,
“a no r ma is ”, “d o e nt e s”) ma s q ue p a s sar ia m a se r co ntr o lad a s d e fo r ma e co nó mi c a e
vi s í ve is, ao co n tr ár io d o s a n ti go s co nd e nad o s.
253
Fo uc a ul t eq u ip ar a e st a “i n ve nç ão ” co m a t éc ni ca i nq ui s ito r ial – u m
in ter r o g ató r io se m ter mo d e fi n id o , u m d o s s ier j a ma i s fe c had o ... ; Fo uca u lt S ur ve il ler e t P u nir , p . 2 6 1 .
254
E mi lio Or o zco D ia s - E l T eatr o Y L a T eatr alid a d d el B ar r o co , p . 1 0 1 .
255
Ob r a i nic iad a e m 1 6 7 8 e t er mi n ad a e m 1 6 8 4 , o b r a p r i ma d e C har l e s Le B r u n .
P o ss u i d i me n sõ e s mo n u me n ta i s: 7 3 x1 0 .5 x1 2 .3 m.
67
ainda eram itens extremamente caros e luxuosos 256. Não é difícil
imaginarmos que seria um local privilegiado para as muito aguardadas
festas onde os cortesãos iam dançar, conviver e... actuar? 257
Os espelhos só reforçam esse mundo “instável, inconstante,
enganoso” 258, onde a troca de olhares se dá num imenso “plano
irreal” 259, por entre múltiplas testemunhas (entre as quais uma que é
feita de vidro). É onde o “eco dos espaços infinitos” 260, para
parafrasearmos Arnold Hauser, mais se faz sentir.
Era talvez aqui que o Rei se poderia igualar ao Argos da
mitologia, e ser dono de uma visão humanamente impossível e
ilimitada.
Palco 2) O Espelho Libertino de Hostius Quadra.
Esse sentido dramático do espelho já tinha sido muito bem
captado e descrito por Séneca (4 a.C. - 65), na sua obra intitulada
Natural
Questions.
No
seu
estilo
inconfundível
(que
resvala
frequentemente para a hipérbole), expõe a Lucílio o que a extrema
presunção e luxúria podem fazer, focando o seu ponto de vista na
figura nada exemplar de Hostius Quadra, pessoa por ele definida como
«apegada » ao que os olhos conseguem ver.
Este autor começa por se interrogar se os espelhos enganam os
nossos olhos e consistem de uma mera ilusão, ou se o que vemos neles
pode ser visto como o real. Clarifica desde logo a sua posição: o
espelho, para ele, é “deceptivo”, pois cria “uma ilusão de um corpo
separado” 261. O que é mostrado no espelho “não existe”, de outra forma
256
U m e sp e l ho v e nez ia no p o d ia c u sta r o ito mi l l i b r as, ma i s d o q u e u ma p in t ur a d e
Ra f ael , q ue se p o d i a co mp r ar p o r tr ê s mi l ! E. B o ile a u ci t. p o r M elc h i o r -B o n ne t T he M ir r o r , p . 3 0 .
257
Or o zco Dia s e xp lo r a e st e p o n to d e v is ta e m El Tea t ro Y La T ea t ra l id a d Del
Ba r ro co . E r a mu i to co mu m q ue n a co r te d e Lui s XI V ( e no u tr a s co r t es e ur o p e ia s
ta mb é m) o s me mb r o s p r es e nte s d a fa mí l ia r eal, fi nd o o esp ec tác u lo , se
o fe r ece s se m e le s me s m o s co mo esp ec tác u lo ; ma i s ai nd a , q ue i nter v ie ss e m no s
ap ar a to so s B a ll et s o u ó p er a s. No Hé rcu le s E n a mo ra d o ( lib r eto d e B ut ti co m
mú s i ca d e C a va ll i) , ho u ve d e zo i to en tr ad as e n t u si as ta s d o r ei e me mb r o s d a Co r te,
e m s ei s ho r as d e e sp e ct á cu lo !
258
Or o zco D ia s - E l T eatr o Y La T eatr a lid ad D el B ar r o co , p . 9 8 .
259
Or o zco D ia s - E l T eatr o Y La T eatr a lid ad D el B ar r o co , p . 1 0 1 .
260
Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 3 9 .
261
Luc i u s An n ae u s Se ne ca - Na t ur al Q u es tio n s, p . 1 5 8 .
68
“não desapareceria ou seria instantaneamente sobreposto por uma outra
imagem” 262, nem inúmeras formas desapareceriam num momento para
serem captadas noutro. O que são então? São semelhanças, “imitações
vazias de corpos reais” 263. Um pouco antes diz também uma frase
peculiar, que transcrevemos: “Não interessa ao espelho o que é exposto
perante ele: o que vê, devolve.” 264
Hostius
Quadra era,
segundo
o seu
ponto de vista,
uma
personagem obscena e impura: por duas vezes lhe chama “monstro” 265.
Consta que ele tinha em sua posse espelhos amplificadores, que
utilizava para sua própria gratificação sexual: neles, via de forma
muito aumentada o corpo/membros dos seus parceiros (que não eram
apenas homens mas também mulheres), e conseguia seguir todos os
seus movimentos nos espelhos. Um antro do vício, portanto, que
“nenhuma noite seria capaz de esconder” 266.
Quase no final do seu longo discurso moralizador simula ser o
próprio personagem maldito (no que temos de admitir ser um recurso
táctico impressionante). Citamos:
Deve r ei ro d ea r - me co m o tip o d e esp e lh o s q u e d ã o
ima g en s in c r ive lm en te g ra n d e s. S e p u d es se , t o rn a va - a s rea i s;
co mo n ã o p o s so , a li men t a r - m e- e i d a i lu sã o . 267
Analisemos agora um outro sermão, feito em terras portuguesas
(Convento de Odivelas) às religiosas do Patriarca S. Bernardo.
Palco 3) O Sermão do “Demónio Mudo”, do Padre António
Vieira (1651).
262
Se nec a Se nec a 264
Se nec a 265
Se ne ca
có p u la” , p .
266
Sé nec a 267
Sé n eca 263
Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 8 .
Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 9 .
Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 6 .
- Nat u r al Q u es tio n s, p . 1 5 9 . Re fer e- s e t a mb é m à s u a “ mo n st r uo s a
160.
Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 6 0 .
Na t ur a l Q ue st i o n s, p . 1 6 0 .
69
Erat Jesus ejiciens daemonium, et illus erat mudum (estava Jesus
expulsando um demónio e este era mudo): assim começa o Padre a
falar, em latim, para uma assistência feminina – era para elas que se
dirigia o reparo. Este “demónio mudo” de que falava era o mais
perigoso dos demónios, porque era invisível: não fazia alarido, mas
marchava “em surdina” 268, entrando pelos claustros, passeando nos
corredores e instalando-se nos dormitórios. Dava depois uma pequena
pista: “Por sinal, senhoras, que muitas o deixastes na vossa cela, e o
achareis lá quando tornares” 269.
Continua a sua história: o “Religioso” que fora incumbido de
“visitar” (eis uma palavra para Michel Foucault) os Conventos das
Religiosas e os seus aposentos tinha ficado perplexo com o objecto que
houvera encontrado pendurado em muitos quartos, o espelho. Nesse
mesmo espaço onde as “senhoras” praticavam a sua “devoção” de
forma tão excessiva (jejuns, disciplinas e cilícios). Dá depois ao relato
um ar teatral, de pergunta confusa de quem é surpreendido e de
resposta afirmativa de quem não quer acreditar:
O espelho? Beatíssimo Padre, sim. 270 (Padre esse que seria o
“vigilantíssimo Pastor Inocêncio X” 271, que foi papa de 1644-1655).
Objecto tão pegado ao “coração”, tão resistente a ser arrancado e
posto fora. O Padre António Vieira menciona de seguida Séneca
(embora não haja qualquer menção às práticas «monstruosas » de
Quadra – não fosse talvez contaminar os dóceis e disciplinados
espíritos das monjas). Fala do estóico e da sua teoria; o espelho existia
para que, e citamos Vieira citando, por sua vez, Séneca: “o moço que
nasceu bem afigurado, vendo no espelho a sua gentileza, a não afeasse
com vícios: e o que nasceu feio, suprisse, e emendasse aquele defeito
com a formosura das virtudes (...) e o velho considerando as suas cãs,
268
P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 2 .
P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 3 .
270
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 4 .
271
P ad r e An tó nio Vie ir a - Ser mã o d o De mó nio M u d o , p . 8 3 . E ste p ad r e co nd e no u o
j an se ni s mo , co m to d a s as s ua s te nd ê nci as p ar a o r igo r mo r a l exa g er ad o .
E mp e n ho u - se t a mb é m n o mece n ato d e o b r a s p r i ma s d e ar te b ar r o ca, e nt r e a s q uai s
se d es tac a a co l u n ata d e B er ni ni q ue e nq u ad r a o r eci n to d a b as íl ic a V at ic an a.
269
70
as não afrontasse com a acção indigna delas” 272. O orador refere depois
que na escola de Platão e de Sócrates também havia espelhos, para que
eles “se vissem e compusessem os discípulos das virtudes, que nelas se
ensinavam” 273. Mas, para ele, Deus tinha criado duas coisas muito
parecidas: o demónio e o espelho. É com um engenho prodigioso que
diz:
Mu d o a d u la , mu d o en c a n ece, mu d o a t ra i , mu d o a fei ço a , mu d o
en fe it iça , mu d o en g a n a , mu d o men te, e d es m en te ju n ta men t e
n eg a n d o o q u e é, e fin g i n d o o q u e a g ra d a . 274
O que ele pede à sua audiência, calculamos que seja muito: que
renunciem aos seus espelhos (que define de forma brilhante como
“segundos olhos fora de nós” 275), o que em última instância significará
que sacrifiquem a vista. O seu apelo é que consigam trocar esse
“espelho da terra” 276 por outros dois: o da casta Virgem Maria, e o
“temeroso” e “formidável” 277 espelho de que é a Imagem de Cristo na
cruz. Os olhos terrenos deverão ficar “mais cegos” 278.
[Aconselhamos vivamente a contemplação de um pormenor do
Jardim das Delícias de Hyeronimus Bosh, patente na colecção do
Museu do Prado, que consegue mostrar de forma magnífica este
espelho «demoníaco» do Padre António Vieira (Fig. 17)].
Palco 4) Novamente em Versalhes, dormitório do Rei;
Confuso, bizarro, ex travagante 279: utilizamos as mesmas palavras
de que o século XVIII se apropriou para descrever o Barroco, de forma
conscientemente
insultuosa.
Olhamos
272
para
o
lugar
onde
o
rei
P ad r e Antó n io V ie ir a - Ser mã o d o D e mó nio Mud o , p . 8 7 e 8 8 . É i n ter e s sa n t e
co mp ar ar a t eo r i a co m a d o p r ó p r io Sé n eca n as s ua s Na tu ra l Qu e st io n s , p . 1 6 1 .
273
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 8 .
274
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 9 0 .
275
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 0 0 .
276
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 3 .
277
P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 6 .
278
P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 8 .
279
Ar no ld Ha u ser - O co nc eito d o B ar r o co , p . 2 9 .
71
descansava, e temos de admitir: é extremamente ruidoso, nenhum
objecto está «isolado », provavelmente sofreríamos de dores de cabeça
com tanto estímulo visual, padecimento comum, aliás, de muitos
artistas da época 280. Novamente temos de admitir que o Barroco é uma
estética violenta, dá-nos muito mas também exige muito de nós – e não
nos deix a descansar.
O quarto do rei foi construído, simbolicamente, no centro do
palácio, mas não nos queremos deter agora nesse importante (e
previsível) detalhe. A balaustrada que atravessa o espaço detém a nossa
atenção (Fig. 18): ela anuncia o fim de qualquer intimidade ou
recolhimento que pudesse existir no quarto. O deitar e o acordar
passam a ser actos públicos, com a devida etiqueta laboriosa e... com
assistência. Mais uma vez, o espectáculo!
Na enorme parede lateral, um espelho, absolutamente camuflado
pelos restantes objectos, confundindo-se com o panejamento da cortina,
com o dourado do tecto, etc. Em baixo, um relógio, engenho mecânico
anunciando uma preocupação que começa a surgir: a nascente obsessão
com o tempo, tempo que é, tempo que passa...
Palco 5) Candida Höffer: Ca´Dolfin Veneza (2003) e Teatro
Nacional de S. Carlos (Lisboa, 2005);
Estas duas fotografias são de uma fotógrafa alemã, mas possuem
um elo entre si que é a ideia de palco. Na primeira, encontramo-nos no
papel de actores – a plateia abre-se para nós; na segunda encontramonos no conforto e anonimato de quem vê uma determinada peça: somos
espectadores. As duas estão absolutamente vazias de qualquer presença
humana (e fazem-nos lembrar uma outra fotografia tirada por Atget na
embaixada austríaca em França 281, onde é nítido o interesse do
fotógrafo pelo espelho contido na rica divisão, que reflecte o tripé
abafado pela cobertura de uma grande capa negra, mas onde não há
280
W ö l f fl i n - Re n ac i mi e nt o Y B ar r o co , p . 3 9 ( no ta 1 3 ) .
C f. E u gè ne At get A mb a s sa d e d ´ Au t ri ch e, 5 7 ru e d e Va ren n e , 1 9 0 5 . Ob r a d a
co lec ção d o S FMo ma .
281
72
qualquer vestígio ou indício de quem a tirou). Em que medida é que se
podem ver estas obras como um epílogo a tudo o que foi dito?
Antes de respondermos a esta questão, uma outra pergunta
avança, imperiosa: haverá um princípio constante, um denominador
comum para o barroco? Todos os historiadores e ensaístas afirmam
convictamente que não, mas tendem a trilhar um caminho que parece
dizer que sim. Wölfflin não consegue reconhecer-lhe uma unidade, ou
“divisar linhas contínuas e evolutivas” 282, mas estudou de forma
meticulosa as suas formas, opondo-as às do Renascimento 283; Rousset,
como vimos anteriormente, centrou-se no par metamorfose/ ostentação;
Deleuze viu na prega o conceito que o barroco mais almejava: a busca
do Infinito 284; Perniola partiu da ideia de enigma; Orozco da ideia do
teatro, Maravall da suspensão, etc. Toda a regra parece morrer com o
barroco 285 dizem (mas todos os autores apresentaram, de certa forma,
«regras » para o classificar, sejam elas morfológicas ou conceptuais).
Queremos rever apenas uma dessas características: quase todos os
autores afirmam que, com ele, a era do cartesianismo chegou ao fim.
Será?
É muito comum ligar-se a «ideia» de barroco a sensualidade,
desordem, falta de estrutura, paixão, alegria de viver (Eugénio D´Ors
relaciona-o, e bem, a duas instituições: às férias e ao carnaval, lugares
onde toda a «lei » é abolida). Ligamos, talvez inconscientemente, o
barroco a um mundo bizarro fundado sobre o irracional e com leis
absolutamente incoerentes – mas é necessário frisar que este estilo,
esta “pérola irregular”, tem leis, e bastante rígidas: o que é o decoro da
etiqueta palaciana senão uma lei? O que é que é todo o «j ogo» feito
282
W o l f fl i n - Re n ac i mi e nt o Y B ar r o co , p . 1 5 .
O est ud o q ue fez fo i u m d o s r e sp o n sá v ei s p e l a r e va lo r iz ação d o B ar r o co , as
cate go r ia s q ue p r o p ô s s ão as s e g ui n te s: d o li ne ar p ar a as ma s s as ; d o p l ano p ar a o
esp a ço / mo v i me n to ; d a fo r ma f ec had a p ar a a f o r ma ab er t a; d a cl ar id ad e p ar a a
o p acid ad e; d a u nid ad e p ar a a mu l t ip l ic id ad e ; d as ar e st as v i va s e â n g ulo s r ec to s
p ar a e str u t ur a s el á st ic as e mo ld á ve i s; d o g o sto p e la fo r ma p ar a o ele me n to
in ap r e e ns í ve l.
284
Ver Gi lle s De le uz e - L e P li : L eib ni z e t l e B ar o q u e. Co mo o tí t ulo ind ic a, o
f iló so fo cr uza a id e ia d e “d o b r a ” ( o u p r e ga ) co m a f ilo so fi a d as mó nad a s d e
Leib n iz. C it a mo -lo na p ág i na 1 6 4 : o B ar r o co d e f i ne - se “p e la d o b r a q u e va i até ao
in f i n ito ” .
285
De le uze - Le P li, p . 3 3 .
283
73
com os leques que as damas usavam para encorajar ou travar a
galanteria senão uma lei? Vemos em Gracián todas as leis possíveis:
não ser cansativo, não expor debilidades, saber esperar, saber adaptarse, saber renovar o brilho, saber deixar os outros com mel nos lábios;
também ele encontra uma forma de resumir tudo: En una palabra,
santo, que es dezirlo todo de una vez. 286 (Onde o autor torna explícito
que “santo” significa “virtuoso”).
Propomos a seguinte leitura para a obra de Höffer: ambas as
fotografias apresentadas cultivam uma impessoalidade, uma gélida
frieza, uma prudência que são minimais sem deixarem de ser, ao
mesmo tempo, barrocas. Voltemos ao dormitório do rei: onde estão os
copos de água, os livros amontoados, as pantufas confortáveis?
Imaginamos estes objectos lá, sequer?
(Ver relações existentes entre a Fig. 18 e a Fig. 19).
Palco 6) Fonte dos Rios, Gian Lorenzo Bernini (Roma, 16481651);
Esta fonte é uma espécie de montanha rochosa, turbulenta,
agreste,
em
forma
de
pirâmide.
Nela,
Bernini
esculpiu
quatro
divindades fluviais: apresentamos aqui um pormenor que nos interessa
particularmente (Fig. 20).
Segundo Jean Rousset, o melhor dia para se visitar a praça é num
dia com muito vento 287. Concordamos. O véu que tapa a cara da
possante divindade marinha, foi o vento que o arrastou pelos ares?
Estará
ele
a
tentar
puxá-lo
para
desimpedir
a
sua
visão,
ou
simplesmente a não querer ver o que o rodeia?
Este registo (magnífico, cinemático) foi o barroco que Luís XIV
recusou. É facto assente que tudo o que tenha medidas absolutistas,
punitivas, atrai a repressão, o abafamento, e “atrofia” 288 tudo o que é
singular. Hauser fez notar uma grande verdade: a arte absolutista torna286
B alta s ar Gr a ci á n - O r á cu lo Ma n u a l e A r te d e Pru d en cia , p . 5 8 5 . Af o r i s mo
n ú me r o 3 0 0 .
287
J ean Ro u s set - L a Li tt é r at ur e d e L ´Âg e B ar o q u e e n Fr a n ce, p . 1 6 5 . T u d o p ar ece
ag it ad o p e lo ve nto ( at é mes mo a p r ó p r ia fa c h ad a d e B o r r o mi n i q u e cir c u nd a a
esc u lt ur a) .
288
Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 5 3 .
74
se “clara e precisa como um decreto” 289. Mas Foucault contrapõe uma
outra que é inegável: “o poder produz” 290.
Face às várias «pregas » do barroco (feitas de ar, feitas de fogo!),
feitas de múltiplos panejamentos que insistem em estar presentes
(quando talvez fossem desnecessários), feito de melodias infinitas e de
uma constelação de espelhos, perguntamos: que não pode o artifício?
Ele, que sabe ocultar-se a si mesmo? Não será ele a lei máxima do
Barroco, o seu mestre? 291
Palco 7) O Barroco não sabe o que quer 292;
No prefácio de 1954 da sua História Universal da Infâmia, Jorge
Luis
Borges
diz
com
agudeza
que
o
barroco
é
o
estilo
que
deliberadamente esgota as suas possibilidades, e acrescenta depois: “eu
diria que é barroca a etapa final de toda a arte, quando esta exibe e
delapida os seus meios” 293.
O Barroco, para Borges, é portanto um estilo intelectual que sabe
bem o que procura, e que talha, e corta (como se de um diamante se
tratasse) o seu próprio pensamento. Diríamos nós: que vê o artifício
naquilo que ele é — um mero truque, ou, para utilizar uma palavra que
começa a ser muito utilizada na época, um estilo que consegue ver
através da “tramóia” 294.
289
Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 5 4 .
Mic he l Fo u ca u lt - S u r ve il ler e t P u n ir , p . 2 2 7 . E m ter mo s ar tí st ic o s, o R e i
p r e fer i u T as se , G uar i n i e o s mar i n is ta s ( J ea n R o u s set na o b r a j á cit ad a , p . 2 3 8 ) . É
ver d ad e q ue a s med id a s q ue i mp ô s ao s se u s tr ab al had o r es er a m “d r aco n i an as ”, ma s
o cer to é q ue d a S a in t- Go b a in s aír a m e sp e l ho s p er fe ito s, s e m ve s tí g io s d e ve io s ,
n u ve n s, go r d ur a , lá gr i ma s, o u fib r as d e me ta l q ue co mp r o me te ss e m to d o a su a
d eli cad a fe it ur a; so b r e es te ú lt i mo a sp ec to v er Melc h io r -B o n ne t - T he Mir r o r , p .
3 5 -6 9 .
291
Vej a - se a o b r a d e J ea n S tar o b i n s k i - D ´ Ar t i fi c es e n E d i fi ce s, e d e to d o o to u r
vi s u al q ue o a uto r fez co m o b r a s b ar r o c as e a id eia d e ar ti f ício . Só q u e o
r ela cio no u se mp r e co m u m p er c ur so ap e gad o ao se n s ua l...
292
Eu gé n io D ´Or s - O B ar r o co , p . 2 5 . Co m to d a a p ai xão q ue s e nte p e lo te ma , es te
au to r o f er ec e - no s u m e x e mp lo mar a v il ho so : u m anj o q u e não s ab e o q ue q uer ... q u e
le va n ta o b r aço , ma s b a i xa a mão .
293
J o r ge L ui s B o r g es - H is tó r ia U n i ver sa l d a I n f â m ia, p . 9 .
294
Mar a val l - A C u lt ur a d o B ar r o co , p . 3 1 7 . P ala vr a q ue d es i g na v a ar ti f íc io s,
in v e nçõ e s o u ap ar ê nci as , e q ue er a a mp la me n t e ut il iz ad a p elo s J e s uí ta s. As car ta s
d o s J e s uí ta s te s te mu n h a m q ue e ste s u ti liz a va m a e xp r e s são , o r e c ur so e o ar ti f íc io
( ve r no ta d e r o d ap é 9 8 d a me s ma p á gi n a d o l i vr o ) .
290
75
*
Como ler toda esta montagem barroca?
Luís XIV (1638-1715) é um rei que lembra um outro rei da farsa
de Calderón:
De tu d o q u e o ma r c ir cu n d a
E q u a n to ilu min a o so l
S o u eu o d o n o a b so lu to ,
S o u o su p re mo sen h o r. 295
Afastar-se-á drasticamente, portanto, do muito humano Ricardo
II de Shakespeare. Pois o poeta e dramaturgo inglês priva o ceptro, a
coroa e a pomposidade ao seu «Rei », deixando o leitor na presença de
um «rei » pouco influente.
Ernst H. Kantorowicz, em The King´s Two Bodies (1957),
fala
dessa curiosa ficção elaborada por juristas da doutrina Tudor. Eles
legislaram que o corpo do rei era gemelar: de facto, havia dois corpos
incorporados numa única pessoa: um “corpo natural”, corruptível
(sujeito às enfermidades da velhice ou à “imbecilidade” própria da
infância), e um “corpo político”, imortal: um Rei que, legalmente,
nunca
poderia
morrer.
Sabemos
que
Shakespeare
dará
grande
importância à cena em que o seu rei se vê ao espelho e constata que o
que o espelho lhe reenvia já não corresponde à experiência interior que
tinha de si mesmo, fazendo-o dizer com incredulidade:
Wa s th is th e fa c e?
Th a t eve ry d a y u n d e r h i s h o u seh o ld ro o f
Did keep th o u sa n d m en ? 296
295
Ca ld er ó n d e L a B ar c a - O Gr a nd e T eat r o d o M u nd o , p . 3 7 .
W il li a m S ha k esp ear e c i t. p o r E r n st H. K a nt ar o wi c z - S h a ke sp ea r e: K i n g R ic h ar d
II, p. 39.
296
76
E
como
quer
desligar-se
desse
passado,
parte
o
espelho
(significando talvez querer destruir o seu próprio passado) — ou seja,
parte o seu “corpo político”. Kantorowicz afirma que este gesto “corta
com qualquer possibilidade de dualidade” 297. Ricardo II terá preferido o
pó e o esquecimento, Luís XIV o ceptro, a coroa... e o espelho intacto
(segredo que roubou a Veneza) 298.
Vejam: um belo pavão rodeado de espelhos 299. Saberá ele o que
fazer quando o pano desce, o fogo de artifício acaba e seu papel finda?
Continuará, mesmo assim, o jogo, o divertissement?
Movendo-se entre um “Teatro de verdades” 300 ou um teatro de
ficções, através de um rosto ou uma de máscara, do ser ou do parecer,
podemos afirmar que este espelho:
1) não era mudo (como o espelho do Padre António Vieira). Citamos
Melchior-Bonnet:
numa
sociedade
apaixonada
pela
galanteria,
o
espelho ganhou o lugar de companhia: “tinha olhos, um olhar por vezes
indiscreto, e falava” 301.
2) era, miticamente, panóptico, e pode ser considerado como uma
perigosa arma política;
3)
era
rabeliano
(porque
não
conseguia viver senão
imerso
e
«en golido » por espelhos 302);
297
E. H. Ka n tar o wi cz – T h e S h a ke sp ear e: Ki n g R ic har d I I , p . 4 0 .
Os e sp el ho s v e nez ia no s er a m no ta v el me n te s up er io r e s ao s fr a nc e se s, e o r ei er a
u m g r a nd e e i nc a n sá ve l ga s tad o r d e ss es o b j ec to s l u x uo so s ; Co lb er t – s e u mi n is tr o
d as fi na n ça s – p ar a ma n ter a s ua t eo r ia d e mer c an ti li s mo q ue r eq uer ia q ue to d o s o s
o b j ecto s q ue d e co r a s se m o p al ácio d e V er sal h es vir ia m d e Fr a nç a, d e cid e f u nd ar
u ma gr a nd e fáb r ic a ( a S a in t- Go b a in , q ue ai nd a ho j e e xi s te) co m 6 0 0 a r te são s q ue
so ub e s se m at i n gi r a me s ma p er f ei ção d o s me st r e s it al ia no s d a Mu ra n o , e co nto r n ar
to d a a d i f íci l ar te d e p r o d uç ão e n vo l vid a na f ei t u r a d o s me s mo s.
299
Co n ta - se q ue , e m 1 6 8 6 , o r ei te ve d e atr a ve ss a r a p o nte d e No tr e - Da m e na s ua
car r ua ge m ( i s to d ep o i s d e ter es tad o gr a ve me n t e d o e nt e) e q ue o s co me r cia n te s d e
esp e l ho s o s co lo car a m n as mo ntr as , p r es ta nd o - l he a s si m a d e v id a ho me na g e m; ver
Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 7 8 .
300
Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 6 8 .
301
Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 1 4 1 .
302
Vej a - se o Gar gâ n t ua d e Rab e la is , o nd e há 9 3 3 2 e sp el ho s p ar a 9 3 3 2 q uar to s ( e
o nd e o a uto r i ma gi no u e sp e l ho s co m a d i me n são d e u m ho me m, a nt ec ip a nd o n u ma
ce nte n a d e a no s a s ua d esco b er t a) ; O i n ve n tár io fe ito p o r Fo uq uet so b o r ei nad o d e
298
77
4) era libertino (e utilizamos este termo no sentido dos libertinos que
se regem por leis muito rígidas de conduta) 303; e lembra – facto
peculiar – o moralista Séneca, sobretudo quando este afirma que o
destino de Hostius Quadra foi demasiado “suave”: este deveria ter sido
“imolado em frente ao próprio espelho”! 304
*
É verdade que nos basta um pequeno e brusco gesto para
rebentarmos facilmente essa «bola de sabão » que isola todo e qualquer
artifício.
Acreditamos que o homem barroco sabe perfeitamente onde é que
o artifício está, e não se deixa iludir. Consegue ver claramente o logro:
mas
prefere
ignorá-lo,
e,
educadamente,
sem
nunca
perder
a
compostura, deixá-lo passar.
(Fig. 21)
L u í s XI V co n to u 5 6 3 esp e l ho s, fac to ab so l ut a me nt e i n v ul g ar n a ép o ca, d ad a a
ai nd a r ar id ad e d o o b j ec t o ; C f. Sab i ne M el c hio r B o n ne t - T h e M ir r o r , p . 3 7 .
303
E as L ig a çõ e s P er ig o sa s d e C ho d er lo s d e L aclo s so b r ep õ e m - s e a q ua i sq uer 1 2 0
Dia s d e So d o ma p o r u m a ú n ica r azão : a d i s si mu lação , o f i n gi me n to , a f r i vo l id ad e,
a co n sp ir aç ão e a i n tr i g a. E m a mb o s o s ca so s, no e n ta nto , a id e ia d e «ex ce s so » d e
se n sa çõ e s é er r ó nea : é exa cta me nt e o o p o sto , u ma e s tr a n ha ap at ia q ue t ud o
co n so me .
304
L uci u s An n a e us S e nec a - N at ur a l Q ue st io n s, p . 1 6 0 . E u gé n io D ´O r s ta m b é m é d e
o p i nião q u e o B ar r o co é “lib er t i no ”, ma s d á - l he u m si g n i f icad o d i fer e nte , p o r q u e o
vê co mo o p o siç ão ao es ti lo no r ma t i vo e a u t o r itár io d o c la s sic i s mo , co mo a
“h u mi l h ação d a r azão ” ( v er E u g é nio D ´O r s - O B ar r o co , p . 8 7 e 8 9 ) . O no s so
ca mi n ho ser á o u tr o , e m tud o se me l h a nte ao d e Mar io P er n io la , q u a nd o es te d e f i ne
o b ar r o co co mo o l u g ar o nd e “o gr a nd e fr i o d a ap a tia e o gr a nd e calo r d o
ar r eb a ta me n to p o ét ico ” se cr uz a m ( R azão e I r r acio n al p o d e m co i nc id ir ) . Ve r
P er n io la - E n i g ma s, p . 1 5 8 .
78
O Espelho e o Tempo
Ma s o t emp o p a s so u .
N. Si l ver st ei n, A Á rvo re Gen e ro sa 305
Poderemos alguma vez prescindir do tempo?
Píndaro chamou-lhe acertadamente de “pai”: pai de tudo quanto
existe. 306
Ulisses, na sua maravilhosa viagem, contemplou admirado o
pródigo pomar dos Feaces onde “há cachos de uvas verdes, cachos que
amadurecem, uvas que são colhidas, outras que são postas a secar” 307.
Este pomar também dá pêras, maçãs, romãs, figos que duram um ano
inteiro, amadurecendo nos ramos mas nunca apodrecendo nem caindo.
“Continuamente o Zéfiro faz crescer uns, amadurecendo outros./ A pêra
amadurece sobre a pêra; a maçã sobre outra maçã;/ cacho de uvas sobre
outro cacho; figo sobre figo” 308. Tal não significa que haja uma
abolição do tempo neste fértil lugar, mas antes uma simultaneidade de
acontecimentos que ocorrem em “tempos” diferentes. Também nós
somos feitos de “montagens” (fusões) de tempos distintos que se
reúnem num mesmo instante numa única pessoa. O problema do tempo
não
é
portanto
um
problema
305
metafísico
distante:
toca-nos
Sh el S il v er s te i n - A Ár vo r e Ge ner o sa , se m mar cação d e p á g i na s. T alv e z u ma d a s
ma i s b el as h is tó r i as i n f an ti s so b r e a p a s sa ge m d o te mp o . Er a u ma ve z u ma ár vo r e
q ue a ma va u m me n i no : o me n i no ap a n ha v a a s s ua s fo l h as , co l h ia o s se u s fr uto s,
s ub i a p elo se u tr o nco e b alo iç a va no s se u s r a mo s. E r a u ma ár vo r e f eli z. Ma s o
te mp o ... p as so u. O me ni no fo i cr e sce nd o , e d e t o d as a s vez e s q u e a fo i r ev e nd o –
cad a ve z ma i s e sp a çad as e ntr e s i – fo i -l h e p ed i nd o d i v er sa s co is a s. A ár vo r e,
ge n er o sa me n te, v ai - l he d and o t ud o o q ue te m: p r i me ir o maç ãs ( q ue e le ve nd e ) ,
d ep o i s o s se u s r a mo s ( c o n str ó i u ma c as a) , d ep o i s o se u tr o nco ( d e le fa z u m b ar co ) .
De sp o j ad a d e t ud o o q u e a f azi a s er ár vo r e , r ee nco n tr a u m ve l ho – q u e ela c ha ma
se mp r e d e “me n i no ” – q ue l he d i z q u e o q u e p r eci sa a g o ra é d e u m sí tio p ar a
d esc a n sar . E o me n i no / v el ho se n ta - se no se u vel ho to co , e a ár vo r e fic a no va me n t e
fe li z.
306
P índ ar o , I I a Od e O lí mp ica, e m An tó n io Ca str o Ca eir o - P í nd ar o , p . 4 2 .
307
P ietr o C it at i - Ul is se s e a Od is s eia , p . 1 3 1 . ( B i b lio gr a f ia cap ít u lo I , Ul is se s ) .
308
Ho mer o - Od i ss ei a, p . 1 1 9 . Ca nto VI I , 1 2 0 -1 2 1 . ( b ib lio g r a fi a ca p ít ulo I ,
P er se u) .
79
pessoalmente. “Cada gota de tempo me é preciosa” 309, dizia um grande
pensador: com ele fazemos coro.
Comecemos então por falar do «tempo» dos deuses, onde
voltamos a evocar Píndaro, desta vez nas Nemeias:
Uma só é a ra ça d o s h o men s e d o s d eu s es .
A mb a s r e sp i ra mo s, vin d a s d a me sma mã e.
P o ré m, u m p o d e r b e m d i st in to n o s sep a ra .
Um n a d a é: e o b rô n z eo céu , e s se p er ma n e ce
se mp r e seg u ro .
No en ta n to , a lg o n o s a p ro x ima d o s imo rta i s,
o u o esp í ri to su b l ime
o u o co rp o , a p e sa r d e n ã o sa b e r mo s q u e ca min h o ,
d e d ia o u d e n o i te,
o d es tin o t ra ço u p a ra n ó s p e rco r re r mo s. 310
Há uma distância imensa — irrecuperável — entre deuses e
homens, que o escritor grego tão bem se apercebeu e que tão bem soube
transformar em palavras: os Imortais nasceram para sempre, esse é o
seu poder distinto. Os homens, ao invés, são voláteis, frágeis, sujeitos
ao
esforço,
ao
labor,
à
transpiração,
à
fadiga
–
e
portanto
«consumidos », «destruídos », «desgastados » pelo tempo voraz. Perante
os deuses... nada somos.
Por
outras
palavras,
a
existência
dos
deuses
homéricos
desenrola-se num horizonte em que a morte é estranha: e se são deuses
“activistas” 311, como tendem a crer Giulia Sissa e Marcel Detienne, por
certo os seus rostos não irão ficar sulcados de rugas. Citamos Sissa:
“Os Olímpios
não
vivem, no
entanto, numa eternidade imóvel,
mergulhados numa luz límpida. É na continuação de uma continuidade
309
Sa n to Ago s ti n ho - O Ho me m e o T e mp o , p . 3 1 1 .
P í nd ar o ( Ne mei as , VI , 1 -7 ) , c it. e m Mar ia He le na d a Ro c ha P er eir a - H élad e , p .
1 7 3 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u) .
311
Mar ce l Det ie n n e e Gi ul ia S is s a - Os De u se s d a Gr é ci a, p . 2 0 . E s ta no ç ão
p r es s up õ e q ue e le s q ue não e s tão ad o r me cid o s e a co n te mp lar o s ho me n s ( ao lo n g e,
co mo E p i c ur o o s c ar ac te r izo u) : a ge m, e n vo l ve m- se, to ma m p ar tid o .
310
80
«efémera» que se renova dia após dia que eles desfrutam o seu
afastamento da negra morte...” 312
Este “dia após dia” causa inicialmente alguma estranheza. Sendo
os deuses eternos, também eles desfrutam do passar das horas, de um
quotidiano? A autora afirma que a sua única medida de tempo vai do
nascer ao pôr do sol (Sol e Aurora, Noite e Sono são figuras do tempo),
e isso “aproxima-nos” deles, afirmamos nós.
Daremos apenas dois exemplos onde o tempo figura de forma
exemplar, ambos nas Metamorfoses de Ovídio: o primeiro será de
Aurora, no trágico dia em que o seu filho foi morto por Aquiles, e em
que esta se recusa a mostrar as cores que habitualmente a caracterizam,
“prolongando” a Noite:
V iu , e a q u ela co r, co m a q u a l a s h o ra s d a ma d ru g a d a
R u b o re sc em, emp a lid ece u , e o c éu o cu lto u - se a t r á s d a s n u v en s. 313
O segundo exemplo virá no Livro XV, intitulado O Discurso de
Pitágoras, uma longa e curiosa reflexão sobre o tempo, com a
inevitável metáfora do rio (e da sua impossibilidade de imobilização do
instante), das quatro fases do ano que imitam a própria vida, da
degeneração da idade do ouro até à idade do ferro (breve evocação de
Hesíodo); enfim, da transformação, do fluir imperioso de determinadas
formas para outras:
O q u e é T eb a s , a d o s f il h o s d e Éd ip o , s en ã o u m n o me ? 314
Tudo passa. A morte é cessar de ser uma coisa para passar a ser
outra, num ciclo eterno que nada tem de dramático. Longe vai o tempo
em que uma mãe sufocava por ter dentro de si filhos que a comprimiam
por não terem espaço para virem à luz do dia e terem existências
312
313
314
Mar c el De tie n n e e Gi u l ia Si s sa – O s D e us e s d a Gr éc ia, p . 5 6 .
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 2 6 . Li vr o XI I I , 5 8 1 - 5 8 2 . ( B ib lio gr a f ia cap ít ulo I ) .
O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 7 6 , 4 2 9 .
81
autónomas; ela própria não tinha espaço, Úrano (o Céu) estava sempre
deitado em cima dela, e, como ela, era muito grande. Esta mãe (Geia, a
Terra) decide acabar com a humilhação que o pai dos seus filhos a
sujeitava, e concebe um plano que vai ser levado a cabo pelo seu filho
mais novo, o único que ousou enfrentar o pai. “Cronos de pensamentos
tortuosos” 315, deus cruel e cheio de manha, corta os órgãos sexuais do
pai com uma harpé de aço: Úrano soltou urros de dor e foi fixar-se no
topo do mundo. Crono separou desta forma o pai da mãe (o céu da
terra), criando entre eles um espaço livre, onde os seres poderiam
respirar, viver e gerar. khronos (o Tempo) libertou Crono (O Deus) 316.
O tempo abre-se agora a uma sucessão de gerações 317.
Tiquetaque, Tiquetaque, Tiquetaque: o relógio, com o seu
compasso rítmico, sonolento, lembra-nos que nem todos se alimentam a
néctar e a ambrósia — o único alimento dos deuses imortais —, e que
nem todos podem fugir à sujeição ao tempo 318.
Há três tempos que conseguimos enunciar: o tempo dos deuses
(“a eternidade onde nada acontece, tudo existe já nela e nada
desaparece” 319); o tempo dos homens (um tempo linear, que vai sempre
na mesma direcção: nascimento, crescimento, envelhecimento e morte;
poderemos
também
pensar
numa
cadeia
sucessiva
de
seres:
Laertes/Ulisses/Telémaco...); e um terceiro tempo que é circular
(Vernant lembrará como exemplo o fígado de Prometeu, que é devorado
315
He sío d o - T eo go n ia, p . 4 5 .
C f. P i er r e Gr i mal - D ic i o nár io d e M ito lo g ia Gr e ga e Ro ma n a, p . 1 0 5 .
317
Cr o no u ne - se a Rei a ( u ma e sp é cie d e “d up lo d e G eia ”) , ma s e s tá co n s cie n te d o
p r ó p r io p er i go q ue co r r e: ser v ít i ma d e u m d o s se u s p r ó p r io s fi l ho s. T o ma a s s ua s
p r eca uçõ es : s e mp r e q u e te m u m fi l ho , e n go l e -o , co lo c a nd o -o no s eu p r ó p r io
ve n tr e. S e g u nd o Ver na n t , Cr o no é não só o p r i m eir o r ei d o d e u se s ma s “o p r i me ir o
p o lít ico ”, “o p r i me ir o a p en sa r d e ma n eir a as t ut a co m med o d e ser d e sa p o s sad o d o
se u cep tr o ”. Co mo s e sab e, não co n s e g uir á f u g ir d a s u a d í v id a às Er í n ia s
( d i vi nd ad es d a v i n ga nç a p o r cr i me s co me tid o s co ntr a co ns a n g uí n eo s ) . A s u a
so b er a nia te m u m f i m e u m n o me : Ze u s. El e d o mi n ar á o t e mp o d a í e m d ia nt e. Ver
J ean -P ier r e V er na nt - O U ni ver so , o s De u se s e o s Ho me n s, p . 3 2 e 3 9 .
318
Há o ca mi n ho i n ver so , q u e r ar a me nt e é f ala d o : aq ue le s q ue d es ej ar ia m se r
mo r ta is e n ão o são , co mo Í xio n ( co nd e na d o a and ar a tad o a u ma r o d a e m c ha ma s
q ue g ir a e ter na me nt e no T ár tar o ) o u Sí si f o , q u e e mp ur r a u m r o c hed o a t é ao ci mo
d a mo nt a n ha – el e, c lar o , ca i – e é o b r i gad o a r eco me çar se mp r e o me s mo p e no so
tr ab a l ho .
319
Ver na n t - O U n i ver so , o s D e u se s e o s Ho me n s, p . 7 7 .
316
82
de dia pela águia de Zeus e que pela noite torna a crescer 320),
semelhante aos movimentos dos astros que regressam sempre ao mesmo
ponto de partida: a imagem móvel da eternidade imóvel 321.
*
O espelho, a vela, a ampulheta, relógios de areia, clepsidras,
flores, bolas de sabão, esqueletos, crânios, lagartas, borboletas,
muletas, matéria em decomposição: tudo símbolos da passagem do
tempo e da fragilidade da vida que parecem perseguir (de forma por
vezes mórbida e tenebrosa) o barroco. E como poderemos esquecer esse
outro sinal característico de velhice muito utilizado neste período: a
foice e a gadanha?
Erwin Panofsk y, em O Pai Tempo (1939), compara a parecença
entre Chronos (expressão grega para tempo) e Kronos (Saturno romano,
o mais velho dos deuses), e defende que estes atributos específicos
dados ao tempo poderão ter sido introduzidos neste período tendo em
conta este mais velho membro do panteão grego e romano, que, como
patrono da agricultura, trazia geralmente uma foice. Como tal, as
imagens e concepções antigas do Tempo como Kairos (momento
decisivo que marca um ponto crucial na vida dos seres humanos,
ilustrado pela figura da Oportunidade) ou Aion (princípio divino da
criatividade eterna, ilustrado por atributos de poder cósmico) são
substituídas por símbolos de decadência ou destruição que visam
realçar o seu significado temporal. Panofsky conclui: “Mas nenhum
período esteve tão obcecado pela profundidade e pela amplitude, pelo
horror e pelo sublime do conceito de tempo como o Barroco, a época
320
Ver na n t, O U n i ver so , o s De u s es e o s Ho me n s, p . 7 7 . A h is tó r i a d e P r o me te u, e
d a s ua a s t uta d i vi são d a s car n es d e u m to ur o , m ar ca o i n ício d e u m no v o te mp o : a
sep a r ação d o mu n d o d o s d eu se s d o mu nd o d o s h o me n s. Ze us e sco l he o n aco co m o
asp e cto mai s atr ae nt e ( go r d ur a b r a nc a q ue e sc o nd e ap e n as o s o s so s) f ica nd o o s
ho me n s co m a s p e le s d o an i ma l e s fo l ad o , co nt e nd o no i n ter io r b e lo s naco s d e
car ne s uc ul e nt a. Co mo c as ti go p e la p ar tid a , to r n a- s e ele p r ó p r io al i me n t o d a ág u ia
d e Ze u s.
321
Ver na n t - O U n i ver so , o s D e u se s e o s Ho me n s, p . 7 7 .
83
em que o homem enfrentou o infinito como qualidade do universo, em
vez de ser uma prerrogativa de Deus.” 322
Mas Deus continuará por lá, como defende Philippe Ariès: “Com
melancolia e amargura, a sensibilidade barroca regista o facto que a
vida é vazia. Apenas Deus e a religião podem preencher esse vazio.” 323
O tempo é o grande protagonista deste período, e nele irá brilhar.
Todos os símbolos referidos tornam-se não só vivas imagens do
efémero que somos, mas também do pó que iremos ser 324. A morte
esconde-se em todas as coisas que vivem, e alguns objectos eleitos — o
espelho será apenas um deles — irão
«congelar» no tempo a
impermanência e indizibilidade desse mesmo tempo.
O tema das vanitates (ampliada pela tradição bíblica: Vanitatum
et omnia vanitas 325 [vaidade das vaidades, e tudo é vaidade], com os
seus «discursos » persuasivos, moralizantes, pode ser visto como um
“sismógrafo da(s) atitude(s) perante a morte” 326, segundo afirmou
Manuel Gantes. Nós diríamos que há vários pontos altos que anunciam
algo de novo nesta relação espelho-morte 327, mas que o pico desse
sismo da evanescência do mundo – a verdadeira ruptura – estará,
quanto a nós, em Hans Burgkmair and His Wife (1529), de Lucas
Furtenagel 328.
Talvez
por
manter
322
o
enigma,
a
ambiguidade,
Er wi n P a no f s k y - O P ai T e mp o , p . 8 1 .
P hil ip p e Ar iè s - O mn i a Va ni ta s, p . 1 8 9 .
324
Ma n uel Ga n te s, e m Va ni ta s, d i vid e es te s s í mb o lo s e m q u atr o gr up o s : sí mb o lo s
d a vid a ac ti va , d o sab er e d o p o d er ( liv r o s, i ns t r u me n to s ar t í st ico s o u c ie nt í fi co s ,
d in h eir o , cep tr o s, co r o as, et c.) ; p a ss at e mp o s/ fr i vo l id ad es ( car ta s d e j o gar ,
in s tr u me n to s mu s i ca is , cá lic e s d e vi n ho , e sp e l ho s) ; p a ss a ge m d o te mp o ( r o sa s
mu r c ha s, o s so s, vel a s e la mp ar i na s, a n i ma is e m b al sa mad o s, r e ló gio s, c l ep s id r a s) e
sí mb o lo s d e v id a no a lé m ( r a mo s d e o li ve ir a) . A me n s a ge m d e to d o s e le s ser á: o s
p r azer e s ter r e no s são b r ev es . Vej a - se o t e xto d e An a Ha t her l y - R ep r e s en taç ão d o
T e mp o n a I d ad e B ar r o ca, p . 9 1 -1 0 4 , o nd e a au to r a fr i sa q ue n e m se mp r e a
d eci fr ação d a s o b r a s é t ão s i mp l es co mo p o d er á p ar ecer .
325
Ecle s ia ste s 1 2 :8 , c i tad o no t e xto d e L ia na De G ir o l a mi C he n e y Va ni t y/ Va n ita s, p . 8 8 4 . O eq ui va le n te cl á s s ico d es ta fr a se r e mo n ta ao sé c ulo VI
a.C ., a T ale s: h o mo b u l l a ( o ho me m é u ma b o l h a) . Vej a - se ta mb é m I v a n G as k el l T he I ma g e o f Va ni ta s e o cat álo go d e J o h n Ra ve na l - Va n ita s.
326
Ma n uel Ga n te s - Va n it a s, p . 1 4 .
327
Vej a m- s e a s se g u i nt e s o b r as : Alb r ec ht D ür er , All eg o r y o f Yo u th , Ag e a n d Dea th
( 1 5 2 0 -1 ) , d e se n ho d a co lecç ão d o B r i ti s h M u se u m; Ha n s B a ld u n g Gr ie n Dea th a n d
th e Ma id en ( c. d e 1 5 1 0 ) , K u ns t hi s to r i sc h es M u se u m, V ie na.
328
Es te q uad r o co nd e n sa tr ês id eia s : id ei a d e veri ta s ( v er d ad e) , d e va n ita s
( va id ad e) e d e p ru d en t ia ( p r ud ê nc ia ; o “K no w t h ys el f ” i n scr ito n a mo ld ur a d o
esp e l ho ) . E nco n tr a - se n a co l ecç ão d o M u se u d e B el as - Ar te s d e V ie na . C f . E lai n e
S he fe r - M ir r o r / Re fl ec ti o n, p . 6 0 2 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u) .
323
84
apresentando-nos um espelho do «futuro». Um casal faz-se retratar a
olhar para um pequeno espelho convexo, mas este, ao invés de reflectir
os seus rostos decide antes (por sua livre iniciativa), reflectir dois
pequenos crânios. Se olharmos com alguma atenção reparamos na
seguinte
inscrição
em
alemão
no
topo
direito
do
quadro
(que
traduzimos para português): “Tal era a nossa forma em vida; no
espelho nada permanece para além disto.”
Será o
reflexo
por vezes
mais
verdadeiro
que a própria
realidade?
(Ver Fig. 22 e 23).
*
Desfaçamos alguns equívocos que a questão tempo provoca.
O tempo é um grande actor, que coloca sempre em cena os seus
duplos, para nos ludibriar com as suas máscaras e tácticas falaciosas.
Vemo-lo como “uma espécie de evidência familiar, um ser claro, uma
realidade unânime. Adivinhamo-lo sempre, em nós, em redor de nós,
secreto, silencioso, mas constantemente em acção, na folha que cai, na
criança que nasce, na parede que decai, na vela de aniversário que se
sopra, no amor que começa, nesse outro que desvanece” 329. Mas o que
flui no tempo (os fenómenos que o vestem, digamos assim), não pode
ser equiparado ao que o tempo é. Assim, atributos como a mudança, o
devir, o movimento, a repetição, a sucessão ou a morte – e podemos
ver esta última como a sua última roupagem – são desdobramentos do
tempo e falham a missão de nos apresentar o tempo sob o seu aspecto
ontológico (como é em si mesmo).
Um ponteiro que continuamente gira em redor do seu eixo para
nos dar as horas, minutos, segundos – e que imediatamente associamos
à definição «tempo » – só mantém o engano: “o tempo habita fora do
329
Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 3 . U m ma g n í f ico e b r il h a nte e ns aio so b r e o
te mp o .
85
relógio.” 330 Nunca podemos vê-lo, nem cheirá-lo, escutá-lo ou tocá-lo:
na verdade, percebemos apenas “os seus efeitos, as suas obras, os seus
adornos, as suas metamorfoses (...)” 331. Mas em nenhuma delas este
responsável pela sucessão dos instantes se deixa realmente ver.
Sintetizemos: o tempo é um ser que engloba três conceitos
distintos (simultaneidade, sucessão e duração); possui uma paradoxal
imobilidade (as coisas passam mas ele não); contrariamente a nós, o
ontem/hoje/amanhã
apreendermos,
são
temos
para ele momentos
de
recorrer
não
ao
equivalentes.
curso
do
Para o
tempo
propriedades do tempo que passa), mas à “flecha do tempo”
332
(as
(o que
ele tem de inabalável, de constante), segundo nos diz o físico Étienne
Klein.
A muito antiga querela Ser Vs Devir (Parménides Vs Heraclito)
reemerge. Para o primeiro pensador, tudo podia ser descrito a partir do
conceito de imobilidade (o devir era ilusório; esta é a posição que é
tomada
pelos
físicos
actuais,
seduzidos
pela
tranquilidade
da
invariância); para o segundo tudo era móvel, não se podendo imaginar
um ponto fixo para avaliar as mudanças produzidas no mundo (tudo é
devir). O tempo do ponto de vista da física é-nos distante e estranho
(cada vez mais, se pensarmos na incompreensível física quântica); ela
diz – postula – que, com o tempo, nem tudo passa!
Neste mesmo momento, ocupamos um determinado espaço e
tempo precisos. Os dois estão sempre acoplados: tal deve-se a uma
descoberta efectuada em 1905 por Einstein (a teoria da relatividade),
onde este físico defendeu que o tempo físico não é newtoniano (ou
seja, absoluto 333). O que está para nós presente num determinado
momento já não existe ou ainda não existe para um observador que se
desloque em direcção a nós. Consequência: é impossível definir um
instante
presente.
O
tempo
torna-se
330
mais
pessoal,
relativo
ao
É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o , p . 1 5 .
Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 5 .
332
Kl ei n - O T e mp o , p . 3 3 .
333
E i n st ei n p ar t i u d a d e sc o b er ta q ue a ve lo cid ad e d a l u z é a me s ma p ar a to d o s o s
o b ser v ad o r e s. P o r o u t r as p a la vr as , a p al a vr a “a go r a ”, q ue er a v is ta co mo
tr a n sp ar e n te e “cl ar a” – o q ue se p a s sa a g o ra p ar a mi m p as sa - s e a g o ra p ar a to d o s
o s o b ser vad o r e s d o U ni v er so – n u nca mai s ir i a s er a me s ma .
331
86
observador que o mede. Cada observador tem a sua própria medida de
tempo que “depende do local onde está e da maneira como está a
mover-se” 334.
O objecto quadrimensional espaço-tempo 335 afecta e é afectado
por tudo o que acontece no universo: é um objecto dinâmico. Se o
primeiro termo (o espaço) aparece como local de liberdade (podemos ir
e vir em todas as direcções), o segundo (o tempo) encarcera-nos ao
presente. Convém lembrarmo-nos que “qualquer trajecto efectuado no
espaço é cronofágico” 336 (nada se desloca num nada de tempo); espaçotempo estão agora indelevelmente ligados.
Ninguém terá levado o problema insondável da essência do
tempo tão a peito como Santo Agostinho. O bispo de Hipona foi dos
primeiros a aventurar-se a afirmar que qualquer tentativa de medir o
tempo está condenada a colapsar: pois quem é que pode, realmente,
medir o tempo que passou ou o tempo futuro que ainda não chegou?
Estes não se podem medir porque não existem! Apenas o “espírito”
pode medir o tempo: Em ti, meu espírito, meço os tempos! 337 É
impressionante constatar como Santo Agostinho ousou pensar (de
forma quase «revolucionária») num tempo psicológico, duma duração
interior presente na nossa memória. Umberto Eco verá esta medida não
métrica como um “audacioso coup de théâtre” 338 deste pensador.
Este teólogo conseguiu traduzir a experiência humana do tempo
de forma brilhante, instituindo três desdobramentos do presente: o
presente das coisas passadas (a memória), o presente das presentes (a
atenção, que liga passado e futuro), e o presente das futuras (a
expectativa). Citemo-lo:
334
St ep he n Ha wk i n g - B r e ve Hi s tó r i a d o T e mp o , p . 4 7 . E sta teo r ia te m i m p lic açõ e s
“r ea is ”: se co n sid er ar m o s d o i s g é meo s q ue d ec i d e m ir v i ver p ar a lo ca i s d i fer e n te s,
u m d el es p ar a a mo nt a n ha e o o ut r o p ar a p e r to d o mar , p o r e xe mp lo , o p r i me ir o
ir ia e n ve l hec er ma i s r ap id a me n te q u e o se g u nd o !
335
O nd e tr ês co o r d e nad a s d ef i ne m a p o s iç ão d e u m p o nto no e sp a ço e ap en as u ma
ma r ca u m aco n te ci me n to no te mp o .
336
É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o , p . 7 9 .
337
Sa n to Ago s ti n ho ci t. p o r É ti e n ne Kl ei n - O T e m p o , p . 3 2 2 .
338
U mb er to E co - T i me s, p . 1 2 .
87
Meço a i mp re s sã o q u e a s co i sa s g ra va m em t i [ no e sp ír ito ] à
su a p a s sa g e m, imp re s s ã o q u e p er ma n ec e, a in d a d ep o i s d ela s
te rem p a s sa d o . Me ço - a a ela en q u a n to é p r esen te, e n ã o
à q u ela s
co i sa s
que
se
su ced era m
p a ra
a
imp r es sã o
ser
p ro d u zid a . É es sa im p re s sã o o u p e rcep çã o q u e eu me ço ,
q u a n d o meço o s t emp o s. Po rta n to , o u e s ta i mp r es sã o é o s
temp o s o u eu n ã o meço o s t emp o s . 339
Se é certo que só temos um tempo, ele nunca é o mesmo: o nosso
“espírito” (consciência) projecta sobre ele uma miríade de inúmeros
reflexos. O papel da memória é fulcral, e ainda hoje constitui um
grande desafio em termos de estudo para as neurociências: como é que
o cérebro apreende imagens, sons, odores e sabores, num registo
multimédia que recupera mais tarde, na altura própria? Citamos
António Damásio, que se aventurou na desconstrução desta complexa
arquitectura cerebral: “Com o tempo, a recordação poderá desvanecerse. Com o tempo, e com a imaginação de um fabulista, o material será
embelezado, baralhado e voltará a ser ordenado num romance ou num
argumento cinematográfico.” 340 Muito mais haverá a descobrir nas
nossas memórias de “efeito proustiano” 341.
A arte desafia, contesta – brinca – com o tempo.
Os artistas não conseguem antecipar nascimentos ou prolongar
partos (como Hera faz), mas também dilatam e manipulam o tempo à
sua maneira. Gostam das vestes do tempo e das suas várias máscaras.
Há exemplos notáveis 342.
339
Sa n to Ago s ti n ho - O Ho me m e o T e mp o , p . 3 2 3 .
Antó n io D a má sio - U m a Ar q u ite ct ur a p ar a a M e mó r ia , p . 1 6 8 .
341
Antó n io Da má s io - U m a Ar q u it ec t ur a p ar a a M e mó r ia , p . 1 7 1 . O a uto r r eco r r e a
Mar ce l P r o u s t p ela c ap a cid ad e d e s te e scr ito r e m r eco r d ar co nt e xto s, e não ap e na s
ce na s i so lad a s.
342
L e mb r ar e mo s o b r a s c o m as q uai s te mo s a fi nid ad e s: a s p i n t ur a s d e C h ir ico
( fe it a s d e so mb r a s) , d e Mar ce l D u c ha mp ( f eit as d e “ac aso ” e d o o l har d o
esp e ct ad o r ) , d e Do u g la s Go r d o n ( f ei ta s d e te m p o d il atad o ) , d e Hi r o s h i S u g i mo to
( fe it a s d e r ep et ição s er i al) , d e Fr a n ci s Al ys ( fe ita s n u m d e ter mi nad o ... te mp o ) ; a
li st a p o d er ia co nt i n uar . . . ur ge no mear u m e x e mp lo f u nd a me nt al : a p e ça d e J o h n
Ca g e i nt it u lad a 4 ´ 3 3 ´ ´ , q ue co n s is ti a no p i a ni s t a Da vid T ud o r l e va n tar a ta mp a d o
p ia no e se n tar - s e d e fr o nt e d el e d ur a nte 4 mi n uto s e tr i nt a e tr ê s s e g u nd o s, s e m
to car ab so l ut a me n te n ad a. A p eça er a so b r e o s ilê n cio ? Não ; er a so b r e a
i mp ac iê nc ia e a ir r it açã o d e q ue m ti n h a id o «o u vi r » aq ue la p eça . E st a o b r a na sc e
340
88
Temos de ter em mente que todas as obras, sem excepção,
instauram relações com o tempo 343, embora haja algumas que nos façam
pensar apenas e só nele [a respiração nos espelhos de Oscar Muñoz, por
exemplo (Fig. 24); esta obra tira um grande partido do factor tempo,
pois apenas é «accionada » com a nossa respiração sobre os espelhos
circulares expostos: apenas por breves momentos temos consciência
que
o
artista
gravou
outros
rostos
no
metal,
que
se
fundem
perversamente com o nosso (rostos de pessoas que foram mortas de
forma violenta). Constatamos que a obra também poderá remeter para
uma antiga superstição associada ao espelho: quando havia um morto,
colocava-se um espelho em frente à sua boca para ter a certeza que ele
não embaciava, uma prova de que ele estaria mesmo... morto. Aqui o
processo é semelhante: nós, os não mortos, iremos embaciar a sua
superfície e vislumbrar de forma fugaz esses rostos incógnitos, que
pouco nos dizem].
Seremos capazes de definir o “abismo” 344 que o tempo é?
A arte tentou várias vezes a sua sorte. E há sonhos ingénuos que
continua a ter: o de se furtar ao tempo, passando uma rasteira à morte;
o de fazer com que o tempo se detenha (como em casa do chapeleiro de
Alice, em que são sempre cinco horas da tarde, hora do chá, e se
esvaziam e enchem chávenas); o almejar ser imortal, como os
struldbrugs de Swift 345; ou simplesmente, crer possuir o dom de
Funes 346.
d o téd i o d e esp er ar p o r u ma d e ter mi n ad a ac çã o : e é p er a n te e ste d e se sp er o , q ue,
p r o va v el me n t e, mai s co n se g u i mo s se n tir u m t e mp o e m e s tad o p ur o , p o r q ue na s ua
co mp a n hi a... es ta mo s só s.
343
U mb er to E co , no te x to O Temp o d a A r te , es tab e lece e m q ue se n tid o é lí cito fa lar
d e te mp o n u ma o b r a d e ar te. E n u me r a d o i s t e mp o s: o te mp o d a exp re s sã o ( q ue p o r
s ua v ez se d i v id e e m tr ês f ac to r e s: a e xp r e s são d es e nr o l a - se no te mp o ; r eq uer u m
te mp o d e p e r c ur so ; r eq uer u m te mp o d e r eco mp o si ção ) e o te mp o d o co n teú d o
( te mp o d o e n u nc iad o e te mp o d a e n u nc iaç ão ) . Lyo tar d d ir á q u e há u m te mp o d e
p r o d uç ão d a o b r a, u m t e mp o d e co ns u mo , u m t e mp o ao q u al a o b r a se r ef er e, u m
d eter mi n ad o t e mp o q u e d e mo r o u a ch e gar at é nó s, e o te mp o q u e ela p r ó p r ia é; ver
Lyo tar d - O I n s ta nt e, Ne wma n , p . 8 5 .
344
J ea n -Fr a nço is L yo t ar d - O I n st a nte , N e wma n , p . 8 0 .
345
P er so n a ge n s i n v e nt ad o s p o r J o nat h a n S wi f t e m As Via g en s d e Gu l li ve r, q u e não
p o d ia m mo r r er e q ue r e p r es e nta v a m u ma i ma ge m ter r í ve l d a d ec ad ê nc ia h u ma n a. O
nar r ad o r lo go d es co b r i u q u e ser i mo r ta l n ão er a u m so n ho as s i m tão i nt er e ss a nte ...
Ver S wi f t , o b r a ci tad a, p . 2 8 0 -2 9 1 .
346
P er so na ge m cr iad a p o r J o r ge L ui s B o r ge s e m “F u ne s o u a me mó r ia”, q ue t i n h a
u ma me mó r ia “i mp lac áv el” , u ma p er cep ção ex ac ta d o t e mp o , c o n se g u i nd o
89
Para regressarmos à metáfora de onde havíamos partido — eterno
retorno não do rio, mas da árvore — evoquemos um último exemplo: a
árvore gigante do Sequoia Natural Park, com 84 metros de altura e a
provecta idade de dois mil e seiscentos anos — companheira em tempos
idos de Heraclito e de Parménides 347, portanto —, totalmente alheia à
impermanência ou à imobilidade do tempo. Sem dúvida que os seus
inúmeros veios redondos acabarão por se tornar também eles “matéria
entregue às suas próprias leis” 348. Decerto haverá um menino que
brinque à sua sombra, depois faça uma casa dos seus ramos, um barco
com o seu tronco, e por fim se sente em cima do seu velho toco (mas
não o mesmo menino da história, um outro).
Time is flowing in the middle of the night, dizia Tennyson 349.
Não faz alarde da sua presença constante, não se detém, não fica
suspenso como por vezes julgamos (ou quereríamos), não pode fazer
“taquetique” (não é reversível). Está sempre vigilante — característica
que partilha com os espelhos —, mesmo a meio da noite, quando todos
dormimos e mergulhamos em queda livre nesse estranho reino da
atemporalidade 350 (Fig. 25). Invocamo-lo como a um ser familiar
(“embora ninguém o tenha visto cara a cara e ele não dê sinal” 351), mas
seria mais correcto falar dele como um ser abstracto.
O «coração » do tempo nunca faz pausas, nunca pára de bater,
palpitando de vida.
r eco n sti t ui r p o r vez es u m d ia i nte ir o ( se nd o q u e d e mo r a v a u m d i a i n te ir o p ar a ta l
e mp r e sa) . Ver B o r ge s - Ob r a s Co mp let a s, p . 5 0 3 -5 0 9 ( vo l. I ) . H á u m a o b r a d e
Do u gla s Go r d o n q u e é u m e xe mp lo ma r a v il ho s o d e tal fe ito : e le te n ta r eco r d ar e
esc r e ver o s no me s d e to d as as p e sso as co m q ue m j á se cr uzo u n a s u a vi d a; ver L is t
o f n a m es ( 1 9 9 0 – o n g o in g ) .
347
O r e sp o ns á vel p o r es t a a s so ci ação s ur p r ee nd e nt e é M a x Do r r a e m H eid eg g e r,
Pri mo Lev i e t le S eq u o i a , Ga ll i mar d , 2 0 0 1 ; é ci tad o p o r É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o ,
p . 3 9 , no t a d e r o d ap é 2 1 .
348
Mar g uer it e Yo u r ce na r - O T e mp o , e s se Gr a nd e Esc u lto r , p . 5 2 .
349
Lo r d Al fr ed T e n n ys o n c it. p o r J o r g e Lu is B o r ge s - O T e mp o , p . 2 0 8 . ( vo l . I V )
350
Vej a - se Mar ia Z a mb r a n o - A Ate mp o r a lid ad e, p .5 5 -9 0 .
351
Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 7 .
90
CAPÍTULO II
O SONHO DE PLATÃO
A Dualidade Especular
To d a s a s co i sa s co n h ec i d a s t êm u m
n ú me ro . Po rq u e n a d a p o d e s er p en sa d o
n em co n h ecid o s em o n ú me ro .
Her a cl ito 352
Do n o t a ll ch a rm s fly
At th e m er e to u ch o f co l d p h ilo so p h y?
Th e re wa s a n a w fu l ra in b o w o n ce in
h ea ven :
We kn o w h e r wo o f , h e r te xtu re; sh e is
g iven
I n th e d u ll ca ta lo g u e o f co m mo n th in g s .
Ph ilo so p h y w il l c lip a n An g el´ s win g s,
Co n q u e r a ll my st e rie s b y ru le a n d lin e,
Emp t y
th e
h a u n t ed
a ir,
and
g n o m ed
min e …
Un w ea ve a ra in b o w…
J o h n K ea ts , La mia 353
Tudo começa com Platão, pelo menos no que à “fria filosofia”
diz respeito. O escritor Giorgio Colli diz-nos que as origens da
filosofia grega (e portanto de todo o pensamento ocidental) são
352
353
Fr a g me n to d e H er ac li to d e DI E LS ci t. p o r S i mo n e W ei l - A Fo nte Gr e ga, p . 1 6 3 .
J o h n Kea t s - L a mi a, p . 4 3 1 .
91
“misteriosas” 354. Nós arriscamo-nos a colocar a seguinte hipótese: no
princípio... era a sombra da caverna.
Sombra e filosofia platónica podem ser definidas por um
conceito comum, o de falta. Como definir sombra? Como uma falta de
luz. Já Platão defende que o seu próprio pensamento pode ser encarado
como uma falta de conhecimento (designa-a de «philosophia», amor da
sabedoria, em oposição à «sophia» que o precedeu, época dos grandes
sábios). O fim da filosofia surge então como “nunca detido” 355: é uma
procura, um cuidar, um dedicar-se à verdade.
O único ser capaz de fazer sombra a este filósofo não era o seu
promissor discípulo (Aristóteles), nem os persuasivos sofistas (que
arduamente carregavam o fardo da sua eloquência), nem mesmo o seu
adorado e estranho mestre (Sócrates). O inimigo de Platão era Homero.
Citamos Roberto Calasso: “Toda a República de Platão pode ser
interpretada como a encenação da disputa entre Platão e Homero, uma
disputa que nunca se concluiu e que ainda hoje guia invisivelmente as
nossas palavras” 356.
Platão, na realidade, gladiava-se com um fantasma — três
séculos os separavam 357 —, e podemos antever a sua maior angústia:
conseguiria chegar a Filosofia (com o número, a regra e a linha) at é
onde chegava a poesia com a mera palavra encantatória? Poderia
alguma vez suplantá-la? Ficaria realmente Homero à porta da sua
“justa”, “bela” e “boa” cidade?
Qual a real razão
para a sua guerra aberta aos poetas?
Acreditamos que o seu ataque não visava os poetas em si (apesar de
detectarmos um certo ressentimento em todo o seu discurso; talvez a
354
Gio r g io Co ll i - L a Na is sa n ce d e la P hi lo so p h ie, p . 1 5 . Es te a u to r v alo r i za o
“tr o nco ” q u e p r ec ed e u P latão : He r ac li to , P ar mé n id e s, E mp éd o c le s, q ue mu i to
co n tr ib u ír a m p ar a faz er d a fi lo so f ia a cr ia t ur a c o mp ó si ta q u e ho j e co n h e ce mo s.
355
Mar ia F ilo me n a Mo ld e r - E sc u tar ía mo s nó s u m car v al ho o u u ma p ed r a, se el e s
d is se s se m a ver d ad e? , p . 7 9 . Fica a id ei a d a i mp o s sib il id ad e d e tr a çar li mit e s
p r eci so s ao ho r izo n te d a f ilo so f ia.
356
Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul as, p . 1 0 1 .
357
Es ta ma r ge m d e tr ê s s éc ulo s não é u m n ú mer o p r eci so , j á q ue a d a t ação d as
o b r as d e Ho mer o ( e co n seq u e nt e me n te d a s ua vid a / mo r te) es tá e n vo lta e m
co n tr o vér s ia. Ap o nt a - se a Od i s seia co mo se nd o d o i n íc io d o s éc ulo VI I e a I l ía d a
p o e ma d o séc u lo V I I I ( ver i nt r o d ução d e Fr ed e r ico Lo ur e nço a a mb o s o s p o e ma s) .
P latão mo r r e a 3 4 8 -3 4 7 a. C.
92
sua consciência indicasse que eles tinham clara vantagem e supremacia
em termos estéticos 358), mas o que eles representavam como mestres
educadores da Grécia. As suas razões condenatórias eram, portanto,
metafísicas.
Os
poetas
não
instruíam
—
antes
pelo
contrário,
corrompiam a nossa mente, comprometendo a ordem da polis —,
seduziam-nos com “fábulas falsas” 359 que eram indecorosas, pois
retratavam os deuses de forma pouco abonatória 360. Platão não permite
tais atitudes danosas: “tudo o que é relativo a divindades e deuses é
totalmente alheio à mentira” 361. Mas não era só essa a razão dos poetas
não serem bem-vindos.
Segundo Eric Havelock, no seu Preface to Plato (1963), o ataque
de
Platão
é
dirigido
ao
sistema
educativo
vigente,
totalmente
centralizado na cultura oral (ou seja, na memorização e na mera
repetição). Ele queria propor uma ruptura com esta cultura existente, a
que pertencia o grande poeta Homero (o “enciclopedista” 362), pois
acreditava
que
a
poesia
colocava
um
perigo
moral/intelectual,
confundia os valores do homem e retirava-lhes qualquer perspectiva
sobre a verdade. O que Platão almejava, segundo este autor, era rejeitar
esta tradição, e afirmar a psicologia do indivíduo autónomo, a
afirmação de um sujeito pensante:
( … ) a co n v icçã o q u e “e u ” so u u ma co i sa e a tr a d içã o o u t ra ;
q u e “eu ” p o s so d i s ta n c ia r- me d a t ra d içã o e e xa min á - la , q u e “eu ”
p o s so e d evo q u eb ra r o f eit iço d a su a fo rça h ip n ó tica . 363
358
I r is M ur d o c h, no se u d i v er t id o d iá lo go A ca s to , co lo ca me s mo u m d o s
p er so n a ge n s a d iz er q ue P latão d e te st a a ar t e p o r in v ej a. “T e m i n vej a d o s gr a nd e s
p o eta s, p o r q u e go sta r ia d e s er u m d ele s” . Ob . ci t., p . 7 0 .
359
P latão - A Rep úb l ica , p . 8 7 . Li v r o I I .
360
P ar a P l at ão , e se g u nd o Har o ld B lo o m - O nd e E st á a S ab ed o r ia, p . 4 8 , “O s
d eu se s d e ver ia m ser li v r es d a l u x úr ia, d o f u r o r , d a i n vej a, e d e t ud o o ma i s o q ue
no s i n ter es s a no Ze u s d e Ho mer o ”.
361
P latão - A Rep úb l ica , p . 9 8 . Li v r o I I .
362
E . Ha ve lo c k - P r e f ace t o P lato , p . 4 9 . A e xp r e s são é ir ó ni ca, p o is sab e mo s o q ue
P latão p e n sa v a d o sa b er “e nci clo p éd ico ” q ue a tr ib u ía ao s so f is t as e ao s
d e ma go go s. No F ed ro , e se g u nd o a l ei d e Ad r a st eia ( p o d er ao q ua l ni n g ué m
co n se g u e e sc ap ar , o I n ev it á vel ) , e st es o c up a v a m o p e n úl ti mo l u gar . O úl ti mo
p er te n cia ao s t ir a no s, o p r i me ir o ao s fi ló so fo s. Ver p . 6 4 d o li v r o ci t ad o , 2 4 8 d 2 4 9 a.
363
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 1 9 9 .
93
Tudo isto produz uma pequena «revolução»: torna-se possível
identificar o sujeito em relação ao objecto pelo simples facto que deixa
de haver identificação. E este ponto é fundamental:
a co n cep çã o d e “eu a p en sa r so b re Aq u i le s ” a o in v és d e “ eu
a id en t if ica r- me co m Aq u ile s ” n a sceu . 364
Se queremos acompanhar as propostas de Platão, teremos de nos
situar na passagem do mundo-imagem do épico para o mundo-abstracto
da descrição científica 365, onde o poder de pensar, de calcular, de
conhecer é agora totalmente distinto de uma capacidade de ver, ouvir
ou sentir 366. Nasce assim o discurso conceptual.
Platão queria portanto derrubar o grande poeta grego — o seu
próprio inconfessado mestre? — numa batalha espiritual. A palavra
mago, bruxo, é aqui essencial: “é ela que define o inimigo, seja ele
deus ou poeta” 367. Ele quer que o reino da imutabilidade perdure sobre
o da metamorfose (desses deuses que ele recusa veementemente como
sendo “feiticeiros que mudam de forma” ou “seres que nos iludem com
palavras e actos” 368). Os deuses merecem ser tratados com dignidade. A
poesia é então vista por ele como “sedução” e “dano” 369.
É bem conhecido o mural intitulado A Escola de Atenas 370 onde
Rafael representa vários pensadores, mestres longínquos, supostamente
apanhados desprevenidos numa alegre reunião da Academia. O pintor
retrata Platão no único gesto capaz de “denunciar” a sua doutrina
filosófica: a mão direita está fechada, mas o dedo indicador aponta
para cima (para a abóbada do tecto? Para o mundo inteligível? Para a
saída da caverna pelo filósofo?). O gesto que não lhe associaríamos tão
facilmente mas que é, de facto, revelador da «sua» verdade é o gesto
364
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 0 9 .
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 8 -9 .
366
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 0 6 .
367
Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul a, p . 1 0 3 .
368
P latão - A Rep úb l ica , p . 9 8 . Li v r o I I .
369
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 7 0 e 4 7 2 . Li vr o X.
370
A E sco la d e A ten a s ( 1 5 0 9 -1 5 1 0 ) , fr e sco co m 5 x7 m, P a lác io Ap o stó li co ,
Vat ica no , Ro ma.
365
94
iconoclasta, inaugurador da metafísica, como Jacqueline Lichtenstein
tão bem observou. Citemo-la:
E xclu íd a d o re in o d a meta fí s ica , d ep o sta d e q u a lq u e r p o s içã o
rea l, a i ma g e m en co n t ro u - se r ed u z id a , p elo me smo a cto q u e
p er mi tiu a co n st itu içã o d e u m d i scu rso f ilo só f ic o , d e ma i s n ã o se r
q u e u m si mu la cro so b re a s p a red e s d e u ma ca v ern a , a p en a s u ma
so mb ra . Ma s ela n ã o fo i su p r im id a , a sso mb r a n d o a filo so f ia
d esd e en tã o , co mo a fig u ra d o mo rto a s so mb ra o cr im in o so : co mo
u ma so mb ra , p re ci sa m e n te .
371
Demos aqui um salto da poesia para a «imagem » (que terá uma
definição mais ampla), mas o fundamental mantém-se: novamente a
«sombra» que parece não dar descanso a Platão.
Tentemos agora resumir brevemente as razões do seu ataque
feroz ao que decidimos chamar de “ficção da imagem” (e onde
incluímos as “artes miméticas” como a poesia e a pintura, que Platão
pressentiu terem analogias entre si, mas que também pode ser
extensível à própria escrita ou à música). Veremos que até somos
tentados, em alguns pontos, a concordar com a sua hábil argumentação.
Através da ficção da imagem:
1) Deixamos de pensar.
A imagem é a antítese da ciência, pois corrompe o intelecto.
Ficamos emocionalmente presos (possuídos) pelas suas ladainhas que
nos enfeitiçam, distraem, arrepiam, hipnotizam e, pior, suspendem as
nossas operações racionais e críticas, permitindo que mergulhemos no
mundo das aparências fabricado pelo seu autor.
A produção de simulacros, aos olhos de Platão, teve sempre
“uma manifestação mágica, taumatúrgica” 372. Mas toda esta ficção mais
não é que um “perfume sem essência, que transforma a ordem em
adorno, o cosmos em cosmética” 373, como afirmou o filósofo Jacques
371
372
373
J acq uel i ne L ic h te n s tei n - L a Co u le ur É lo q ue n te , p . 9 .
J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 1 7 4 .
J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 1 7 7 .
95
Derrida. Deixemos Platão falar por si: “todas as obras dessa espécie
[de carácter mimético] se me afiguram ser a destruição da inteligência
dos ouvintes” 374.
Platão propõe um novo discurso, uma nova experiência do
mundo: “reflexiva, científica, tecnológica, teológica, analítica.” 375
2) É-nos dada uma visão mono focal e contraditória.
O pintor apresenta-nos o objecto pintado de um determinado
ponto de vista por ele escolhido, controlando o aspecto do que é
representado e do que nos é dado a ver: engana-nos com a sua visão
mono focal. Citamos a pergunta de Sócrates no Livro X, ao tentar
encaminhar o interlocutor para a questão da pintura ser a arte de imitar
a realidade como ela é ou em aparência: “(…) se olhares para uma
cama de lado, se a olhares de frente ou de qualquer outro ângulo, é
diferente de si mesma, ou não difere nada, mas parece distinta?” 376
Imaginemos agora um enredo criado por um poeta, onde nos
debatemos com características contraditórias: um herói pode agora ser
«bom », mas daqui a um bocado passa a ser «mau»: ou seja, falha um
padrão de “bondade” no abstracto. O que faz à psyche dos ouvintes?
Identificamo-nos totalmente com o que está a ser dito, e portanto
tornamo-nos também bons ou maus consoante a situação que nos é
apresentada. Não há qualquer consistência, apenas irracionalidade.
Platão
quer
ir
mais
além
das
proporções
ou
propriedades
que
constantemente mudam (que são e não são ao mesmo tempo) e chegar
ao “Ser em si” 377, ao que “é”, e “é” para sempre.
3) Aprenderemos realmente algo?
Ensinar-nos-á a ficção da imagem qualquer coisa?
Dar-nos-á a arte conhecimento, ensinar-nos-á genuinamente? A
imagem é produtora de opinião, não de ciência (por outras palavras,
não de verdade, mas de aparência). Platão visa a excelência (a verdade
374
P latão - A R ep úb li ca, p . 4 4 9 . Li vr o X.
Er ic Ha ve lo c k - P r e fac e to P la to , p . 2 6 7 .
376
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 5 . Li v r o X, 5 9 8 a -b .
377
P latão - A Rep úb l ica , p . 2 6 4 . Li v r o V , 4 8 0 a.
375
96
total: o tal ideal de imutabilidade, generalidade, atemporalidade), e
portanto
a
“opinião”
não
é
suficiente,
o
objectivo
final
é
a
contemplação do mundo das Ideias. Será então correcto fazer eco com
Panofsk y: Platão atribui às artes o “delito de reter o olhar interior do
homem no âmbito das imagens sensíveis” 378.
Platão precisa de afirmações categóricas, de normas, da lei
verdadeira, e isso é algo que a ficção da imagem não lhe pode dar.
Alguma coisa fica do que Platão disse 379, decerto.
As
implicações
do
que
acima
foi
dito
são
de
extrema
importância: a ficção da imagem é banida porque Platão via nela um
enorme perigo, um enorme poder que ele não saberia domar ou
domesticar, e a solução que encontra é escorraçá-lo completamente da
sua cidade ideal (e será esta apenas um símbolo da alma, como defende
Simone Weil? Custa-nos a crer em tal). Platão não está louco quando
proíbe os poetas de se aproximarem das suas muralhas, pelo contrário,
está extremamente lúcido: foi um dos raros pensadores que “levou as
imagens a sério, ou seja, crendo na força do seu poder” 380. E este é um
pensamento reconfortante: a ficção que toda a imagem representa — no
final — ganha.
Antes de avançarmos, queremos advertir que não somos os
leitores «ideais » d a República. Talvez pelo que alguns críticos
chamaram de “ruído da ideologia” 381 que se faz por vezes sentir (só a
profunda convicção que se está a “fundar uma cidade mais perfeita que
tudo” 382 deixa-nos logo desconfiados, muito mais incomodados de que
com a sua suposta “antipatia à democracia” 383); pela adopção de uma
hierarquia inflexível, tirânica, onde cada um ocupa um lugar muito
preciso; por ser um diálogo que não tem a frescura de outros textos
mais memoráveis (e até onde a figura de Sócrates — A grande ficção
378
379
380
381
382
383
Er wi n P a no f s k y - I d e a, p . 3 1 .
B er tr a nd R u s se ll - A Ut o p ia d e P lat ão , p . 1 0 9 .
J acq uel i ne L ic h te n s tei n - L a Co u le ur É lo q ue n te , p . 1 0 .
And r e w Fo r d c it. p o r H ar o ld B lo o m - O nd e E s t á a Sab ed o r ia? , p . 4 3 .
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 4 9 . Li v r o X, 4 9 5 a.
R. C . Cr o s s e A.D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 1 9 8 .
97
platónica? — nos parece pouco convincente). A prosa límpida, vi va ,
cintilante a que Platão nos habituou não está aqui (e é que com ela
perdoaríamos-lhe tudo, até utopias políticas).
Seja como for, fica a certeza que a desmontagem deste texto tão
antigo é absolutamente impossível. Ele está fechado numa redoma de
imperceptibilidade que o próprio Platão anteviu em todo o texto escrito
(que não pode nem responder nem perguntar, que não se pode defender,
que necessita sempre da “ajuda” do seu autor 384). A escrita, para Platão,
e como defende Derrida, é pharmakon, “espaço de alquimia” 385:
remédio mas também veneno, droga. Como antídoto poderoso, a
dialéctica, a lei, a filosofia 386.
Seria contudo incorrecto não admitirmos também que, perante
este seu texto, nos identificamos com Trasímaco, o «douto» sofista,
perante a argumentação superior de Sócrates — suamos, coramos. A
sua Politeia 387 derrota-nos sem esforço.
É para lá que nos dirigimos agora, tentando reconstituir o
caminho da detestada sombra para a amada claridade.
*
Sócrates dialoga com Gláucon, a sua «vítima» 388, sobre um
artífice extraordinário, capaz de executar todos os objectos, mas
também modelar plantas e fabricar todos os seres animados, alguém
que “faz a terra, o céu, os deuses e tudo quanto existe no céu e no
384
Ver P lat ão - Fed r o , p . 1 2 2 , 2 7 5 e. E s ta e s tr a n h ez a d a e s cr i ta é t a mb é m p ar ti l had a
co m a p i nt ur a, o u sej a, a to ta l i nco mp a tib il id ad e en tr e es cr i ta /p i n t ur a e v er d ad e.
385
J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 8 7 .
386
O p r ó p r io méto d o d a d ial éct ic a – u m p r o c es s o d e d is c us s ão o r a l p o r meio d e
p er g u n ta e r e sp o sta , ap r o x i ma - se d e u ma d is c u s são r e al e co ntr ar i a a r i gid e z d o
te xto . V er i ntr o d u ção d e Ma r ia H ele n a d a Ro c h a P er e ir a à R ep ú b l ica d e P la tão , p .
XX XI I I .
387
T ítu lo o r i gi n al d a o b r a, c uj o se n tid o e ti mo ló gi co d er i v a d e “co n s ti t ui ção ” o u
“fo r ma d e Go ver no ” d e u ma p o li s o u c id ad e - e st ad o . R es u mi nd o , ab o r d a tud o o q u e
d iz r e sp e ito à v id a p úb l ica d e u m Es tad o , i nc l ui nd o o s d ir ei to s d o s c id a d ão s q ue o
co n s ti t ue m.
388
Di ze mo s «v í t i ma » p o r q ue não d e i xa mo s d e p e n sar q ue o se u mé to d o p a r a ap ur ar
a v er d ad e l e mb r a u ma j ib ó ia a ap r o xi mar - se d a p r e sa : c ir c u nd a - a, r o d eia - a, e
d ep o i s e str a n g ul a -a se m d ó .
98
Hades, debaixo da terra” 389. Perante o espanto e surpresa do seu
interlocutor, Sócrates diz-lhe que ele próprio seria capaz de executar
tudo isso, não seria nada difícil, teria apenas de:
( … ) p eg a r n u m e sp e lh o e a n d a r co m e le p o r to d o o la d o . E m b r eve cr ia rá s
o S o l e o s a s t ro s n o c éu , em b re ve a T er ra , em b rev e a ti me s mo e a o s d e ma i s se re s
a n ima d o s, o s u ten sí lio s, a s p la n ta s e tu d o q u a n t o h á p o u co se re fe riu .
- S im, ma s sã o o b jec to s a p a ren te s, d e sp ro v id o s d e ex is tên cia rea l . 390
O espelho
torna-se,
para Sócrates,
a
metáfora ideal
para
questionar a natureza da mimésis (a arte que simula e engana, o “teatro
de sombras de fantasmas” 391, como Eric Havelock definiu tão difícil
palavra), do que pode ser criado mas não é verdadeiro, pois como o
próprio filósofo diz “faz o que não existe, e não pode fazer o que
existe” 392 – como o trabalho de todos os artífices «imitadores » que
enuncia de seguida (o pintor, o marceneiro, e o “corifeu” 393 da
tragédia). Podemos depreender que todos os produtos feitos pelas suas
mãos são como as imagens especulares: um nada.
No espelho, não podemos ver mais que simples fenómenos (tudo
o que os nossos sentidos podem apreender), porque é isso que o
espelho produz: “o espelho reflecte, mas não reflecte o que é
verdadeiramente” 394, não é um “mediador da verdade” 395, segundo
constata Massimo Cacciari. No breve texto intitulado El Espejo de
Platón (2000), este autor explora as consequências que advêm de tal
facto: os fenómenos podem ser considerados como um “negativo”, uma
“ausência”, o que não está efectivamente presente. É um fazer que não
conduz à presença, mas um aparecer de phantásmata que ocultam o que
é, no momento preciso em que dão a impressão de representá-lo. O
próprio pintor age como o espelho, escondendo a ideia.
389
P latão - A R ep úb li ca, p . 4 5 1 .
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 2 . 5 9 6 e.
391
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 .
392
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 2 . Li v r o X, 5 9 7 a.
393
P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 6 , 5 9 8 e.
394
Ma ss i mo C acc iar i - E l E sp ej o d e P lató n , p . 6 1 .
395
Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 1 .
390
99
É neste sentido que este autor defende que o espelho de Platão “é
cego” 396: a sua imagem não olha para a ideia, não pressupõe nada
verdadeiro, não vê o que é. Parece ver: tal é a sua suprema
aparência. 397 E continua com o seguinte encadeamento de pensamentos:
o que aparece como perceptum é na realidade um fictum (e conhecer
significa simplesmente descobrir esta ficção, o “carácter imaginativo”
da percepção); tal “a ficção suprema dos espelhos” 398: o que colocam
em imagem não pode ser captado como percepção, pois toda a
percepção se transforma em ficção; o que julgamos uma presença é uma
ausência inalcançável. Cacciari conclui que o espelho platónico:
Mo st ra - n o s o n eg a ti vo d e to d a a p re sen ça , a fic çã o d e to d a a ma n ife s ta çã o ,
o se r fen ó men o d e to d a a rea lid a d e – a leth e co n st itu ti va d e to d a a a lét h eia .
399
Recuemos agora até ao Livro VII, tentando estabelecer um elo
com o que já foi dito (as palavras «ludibriar» e «verdade» terão de
estar presentes, pois são uma ponte entre as duas ideias). Platão recorre
aqui a uma alegoria extraordinária que provavelmente tem raízes nos
mistérios de Eleûsis e nos cultos antigos 400, a alegoria da Caverna, para
nos instruir sobre a sua teoria das ideias. Tentemos visionar o estranho
quadro que nos é relatado, numa passagem que é sobejamente
conhecida:
S u p o n h a mo s u n s h o men s n u ma h a b ita çã o su b t er râ n ea e m
fo r ma d e ca ve rn a , co m u ma en tra d a a b e rta p a ra a lu z, q u e s e
es ten d e a to d o o co mp r i men to d e s sa g ru ta . E stã o lá d en t ro d e sd e a
in fâ n c ia , a lg ema d o s d e p ern a s e p e sco ço s, d e ta l ma n ei ra q u e só
lh e s é d a d o p e r ma n e ce r n o me smo lu g a r e o l h a r e m f re n te; sã o
in ca p a ze s d e vo lta r a c a b eça , p o r ca u sa d o s g r ilh õ e s, se rv e - lh es a
ilu min a çã o d e u m f o g o q u e se q u ei ma a o lo n g e , n u ma em in ên cia ,
p o r d et rá s d el es; en t re a fo g u ei ra e o s p ri sio n e iro s h á u m ca m in h o
a scen d en t e, a o lo n g o d o q u a l se co n s tru iu u m p eq u en o mu ro , n o
396
Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 5 .
Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 6 .
398
Ma ss i mo C acc iar i - E l Esp ej o d e P lató n , p .6 7 .
399
Ca cci ar i - E l E sp ej o d e P lató n p . 6 8 . A p a l avr a e m lat i m “le t he” p o d e ser
tr ad uz id a p o r “ap a ti a”, “ let ar gi a”, se nd o q u e “al ét he ia” s i g ni f ica “ver d a d e”.
400
T eo r ia d e f e nd id a p o r S i mo ne W ei l - A Fo nt e Gr eg a, p . 9 1 .
397
100
g én ero d o s t a p u me s q u e o s h o men s d o s « ro b e rt o s» co lo ca m d ia n t e
d o p ú b lico , p a ra mo s tra re m a s su a s h a b il id a d e s p o r c ima d el e s . 401
Esses homens transportam ao longo do muro toda a espécie de
objectos, tais como estatuetas de homens e de animais, feitas de pedra
e de madeira, e uns fazem o seu caminho a falar, outros percorrem-no
em silêncio. Estes prisioneiros que tomam por reais as sombras das
figuras que passam (e que julgam que os ecos que ouvem são as suas
vozes) são “semelhantes a nós” 402, diz enigmaticamente Sócrates.
Como interpretar esta alegoria? Será que ainda “Somos assim (e
não fomos…)” 403?
As implicações de toda esta doutrina «mística » é assustadora, e
Simone Weil descreveu-as melhor que ninguém:
Na sce mo s e vi ve mo s n a men t i ra . S ó n o s sã o d a d a s men ti ra s.
Nó s p ró p r io s cr emo s v er- n o s a n ó s p ró p rio s, e vemo s a p en a s a
so mb ra
de
nós
p ró p r io s.
Co n h ece - te
a
ti
p ró p rio .
P r ece ito
imp ra t icá v el n a ca v ern a . Vemo s a p en a s a so mb ra d o fa b ri ca d o .
Est e mu n d o em q u e e s ta mo s e d o q u a l vemo s a p en a s so mb ra s
(a p a rên cia s ), é u ma c o isa a rt if ic ia l, u m jo g o , u m s imu la c ro .
Op o s içã o q u e me re ce c o n sid era çã o . O s er q u e é r ea l men t e s e r, o
mu n d o in te lig íve l, é p r o d u zid o p elo Be m su p re mo , e ma n a d ele . O
mu n d o ma te ria l é fa b ri c a d o . 404
Vivemos num sonho permanente, temos mesmo “dependência
total” 405 em relação às sombras que vão passando na caverna. O que
aconteceria se um dia soltassem um desses prisioneiros e o obrigassem
a ir até ao exterior, na direcção da luz?
401
402
403
404
405
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 5 . Li v r o VI I , 5 1 4 a -b .
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 6 . Li v r o VI I , 5 1 5 a.
Si mo n e W e il - A Fo n te Gr e ga, p . 8 9 .
W eil - A Fo n te Gr e g a, p . 9 1 .
W eil - A Fo n te Gr e g a, p . 9 2 .
101
Platão evidencia de forma clara que essa «ascensão» é um
caminho doloroso. Sigamos as várias etapas como se fossemos o tal
prisioneiro:
1) Libertávamo-nos
das
correntes
que
nos
prendiam
os
movimentos e a muito custo olharíamos para a luz, doer-nosiam os olhos 406, e buscaríamos “refúgio” – palavras de Platão
– junto dos objectos para os quais podíamos olhar;
2) Faziam-nos subir o rude caminho em direcção à luz do Sol,
onde chegaríamos à luz com os “olhos deslumbrados”, mas
continuaríamos a não ver os verdadeiros objectos; o factor
tempo entraria depois em acção, os nossos olhos habituar-seiam aos poucos à luminosidade, e já veríamos sombras,
reflexos, só depois os próprios objectos/seres;
3) numa outra fase, olharíamos para o que há no céu, depois o
próprio céu; e só no fim é que conseguiríamos contemplar o
Sol, em si, “ele mesmo, no seu lugar” 407. Aqui estará implícita
a visão do Bem, coincidente com o topo do caminho, e as
instruções para a leitura da alegoria; o Bem: “a causa de
quanto há de justo e belo, que, no mundo visível, foi ela que
criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é
ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vêla para se ser sensato na vida particular e pública” 408;
4) Regresso à caverna (talvez a maior surpresa na teoria
platónica), e novamente o choque: a descida da luz para as
sombras, a habituação às trevas, nossa morada anterior, mas
desta vez mais bem preparados, em estado de vigília e não de
sonho. (O gesto de Rafael não foi exacto).
406
407
408
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 7 . Li v r o VI I , 5 1 5 e.
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 7 . Li v r o VI I , 5 1 6 b .
P latão - A Rep úb l ica p . 3 1 9 , 5 1 6 c.
102
Após presenciarmos a verdade transcendente nesta ascensão
da alma ao mundo inteligível (o toque em deus?), o descer, o
voltar à miséria humana, onde somos desacreditados e
encontramos resistências pelos que permaneceram sempre
nesse reino de sombras. Voltamos ao «cá em baixo», onde
também há a “contemplação do Ser e da parte mais brilhante
do Ser” 409 (definição do Bem). Por outras palavras, onde
também há presença transcendental no sensível?
A tese subjacente é que a educação filosófica é crucial para a
manutenção da virtude política. Esta faz com que os filósofos
verdadeiros olhem para onde devem (é um imperativo moral), e que
sejam “mil vezes melhores” 410 no reconhecimento de cada imagem/ no
que ela representa.
Fará sentido ligar esta alegoria a outros dois símiles, o do Sol e
o da Linha 411, como propõem Cross e Woozley?
Exploram todos a mesma ideia, a ascensão ao Bem. E essa linha
vertical que se divide em quatro estados mentais (que vão ascendendo
num princípio de claridade, correspondendo-lhes quatro classes de
objectos dispostos numa escala ascendente de verdade), poderá ela ser
rebatida para ilustrar o mesmo percurso na caverna? Citamos os
referidos autores:
A L in h a é u m ma p a d e u m p a í s a t ra vé s d o q u a l a men te h u ma n a te ve
d e via ja r en q u a n to a va n ço u d e u m b a ixo n í ve l d e in te lig ên cia p a ra u m a lto ,
en q u a n to q u e a A leg o r i a d a Ca ve rn a r ep r es en t a a v ia g em a t ra v és d o p a ís
ma p ea d o n a lin h a .
412
409
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 2 1 . Li v r o VI I , 5 1 8 c.
P latão - A Rep úb l ica , p . 3 2 4 . Li v r o VI I , 5 2 0 c.
411
Sí mi l e d o So l ( L i vr o V I , 5 0 5 a - 5 0 9 c) e S í mi le d a Li n ha ( Li vr o VI , 5 0 9 c - 5 1 1 e) ;
n u m b r e v e r es u mo , o p r i me ir o é u ma a na lo gi a q ue i l u str a o p ap el d o so l no mu nd o
vi s í ve l r e la ti v a me n te à vi s ão e ao s o b j ec to s v i sto s e ao p ap el d o B e m no mu n d o
in te li g í ve l r el at i va me n t e ao co n hec i me n to e ao s o b j ecto s co n h ecid o s ( Fo r ma s) ; o
se g u nd o é u ma li n h a a s c end e nte q ue é d i v id id a e m d i f er e nt e s n í vei s d e r eal id ad e e
ver d ad e.
412
R. C . Cr o s s e A.D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 2 0 8 .
410
103
Há um paralelismo entre as duas, os quatro estádios na viagem
podem
de
facto
corresponder
aos
quatro
níveis
de
inteligência
indicados na linha. Se voltarmos aos prisioneiros da caverna, e
tentarmos fazer uma ligação com essa linha vertical, eles estariam num
estado de eikasia (de “conjectura” 413, de ilusão: só quando se voltam da
parede é que descobrem que há um «original » que projecta a sombra).
O próprio Platão diz que os prisioneiros olham para sombras, e
menciona as sombras como um dos objectos da Linha (510a) 414.
Para finalizar, organizemos algumas ideias-chave:
Platão gosta do número: para ele “a realidade é racional,
científica e lógica, ou nada é” 415;
O número dois: o seu número eleito? Dois são os mundos
esboçados na sua alegoria da caverna (o da sombra e o da claridade,
sendo o objectivo do filósofo a transição de um para o outro, da pistis
para a dianoia e desta para a noesis). O primeiro é multíplice, impuro,
mutável, o segundo uno, puro e imutável; o dos objectos sensíveis, das
cópias imperfeitas/ o dos modelos e cópias perfeitas (as Ideias); o da
magia e da ilusão/ o da ciência e da dialéctica; o das coisas múltiplas/
o da essência; o da mentira/ o da verdade, etc.). As dicotomias são
várias: Platão esforçou-se na ordenação da
simulacros”
416
“promiscuidade dos
(para nos apropriarmos de um termo de Calasso), e quer
fazer ver que esse mundo do sensível depende de um outro (o que mais
não é que reconhecer que os “particulares requerem Formas” 417).
Os criadores de imagens, “criadores de fantasmas” 418, como
Platão os chama, imitadores, nunca teriam a hipótese de sair da sua
Caverna, permanecendo sempre do domínio da “opinião” (ou seja, da
“suposição” e da “fé”). O entendimento e a ciência estavam-lhes
vedados. Mesmo que tivessem neles o vivo desejo de subir, e aqui
413
Cr o s s e W o o zl e y - S u n, Li ne a nd Ca ve , p . 2 1 9 .
Est a i n ter p r e ta ção t a mb é m co lo ca d i f ic u ld a d es, p o is co mo o s s e u s a uto r e s
ev id e nc iar a m, Só cr at es ap r e se n ta o s p r i sio ne i r o s d a ca v er na co mo a co nd i ção
no r ma l d o ho me m, q ue , e m ter mo s d e vi são , é p is ti s e n ão e ika sia ( s e ns o -co mu m e
não il u s ão ) .
415
Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 .
416
Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul as, p . 1 0 9 .
417
R. C. Cr o s s e A. D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 2 2 8 .
418
P latão - A Rep úb lic a, p . 4 6 9 .
414
104
apropriamo-nos
de
um
outro
texto
platónico,
não
teriam
força
suficiente, e “seriam derrubados e arrastados no movimento circular,
pisando-se
a
atropelando-se
mutuamente” 419.
Nunca
poderiam
contemplar o Ser. A eles o labirinto da multiplicidade! A eles a
caverna e a luz artificial do fogo! A eles as sombras, os reflexos, a
realidade
«distorcida»
—
o
lixo
rejeitado
pelos
verdadeiros
filósofos! 420
Não se importando com o facto da sua cidade existir ou não, ela
não deixa de reflectir o seu Demiurgo: geómetra dual, especular, que
vive entre uma imagem pura, absoluta, nítida, e o seu impuro e
enevoado, turvo reflexo.
Quando os reis forem filósofos…
Diálogo de Platão com a sua Sombra
No s p ó rt ico s q u e la d ea v a m a Á g o ra .
Pla tã o e S k ia 421, su a so mb ra , co n ve r sa m se m g ra n d e en tu s ia s mo .
Est á mu ito ca lo r e a s so mb ra s p ro j ec ta d a s n o so lo sã o a b ru p ta s.
S kia
So u t ão ma ltr at ad a p o r t i, q uer id o P la tão . ..
Dece r to j á r ep ar a s te q ue co met e ste u ma ter r í vel inj u st iça co ntr a nó s, so mb r as .
419
P latão - Fed r o , p . 6 3 , 2 4 8 a.
A Ca ver n a d e ho j e, s eg u nd o An t ho n y S k il le n - Fi ct io n Yea r Z er o : P lato ´s
Rep ub li c, p . 2 0 5 , ser ia m to d o s aq u el es i nd i v íd uo s q ue sab e m d o mu n d o a tr a vé s d o s
med ia . Cr o s s e W o o zl e y ( o b . cit., p . 2 2 3 ) ta mb é m ab o r d ar a m e st e p o n to : to d o s o s
j uízo s e m “se g u nd a mã o ” q u e ac ei ta mo s se m p en sa r , e q ue n o s são d a d o s a tr a vé s
d o s j o r na is e d a tel e vi sã o p r o j ecta m a l g u ma l uz so b r e o q ue P la tão q u i s d izer co m
o mu nd o - so mb r a. M u nd o es se q u e e st á cad a ve z mai s es c ur o , se co ns i d er ar mo s o
p o d er d e d i v ul ga ção d as r ed e s so ci ai s?
421
T er mo gr e go p ar a so m b r a, q ue se p o d er á tr ad uz ir p o r “tr aço ”. A id ei a p ar a a
co n s tr ução d e st e d i álo g o s ur g i u d a le it u r a d o li vr o d e Ro b er to Ca s ati i nt it u lad o
S h a d o w s ( ver cap ít u lo 4 : “S had o w V is io n s”, p . 1 5 3 ) .
420
105
Pla t ã o
T r atei - vo s d a f o r ma q u e vo cê s mer ece m, S k ia. Q ua se s er e m p i sad a s.
O q ue n ão é r eal d e ve se r i g no r ad o .
S kia
Ma s e u so u b e m r e al. Só nã o te n ho me mó r ia.
Pla t ã o
Não é s f ei ta d e car n e e o s so , não te n s c h eir o , nã o co ns e g ue s se nt ir d o r .
É s es tr a n ha . E és ne gr a.
Co mo d ete s to t ud o o q u e me le mb r a a es c ur id ão !
S kia
Es sa s são , d e f ac to , a s mi n h a s gr a nd e s q ua lid a d es. V i vo n u m mu n d o e va n es ce n te...
e n o e nt a nto co n se g ue s ver - me b e m d e li ne ad a n o c hão .
Ma s não mer e cia t er sid o co nd e nad a a fic ar n u m a ca v er na es c ur a e ser u sad a co mo
ex e mp lo d e u m co n hec i me n to i n fer io r . Ai nd a fa r e mo s gr a nd e s co i sa s...
[ Ver gr a v ur a d e Co r ne li s Co r ne li sz , Th e Ca ve o f Pla to , 1 6 0 4 , Fi g. 2 6 .]
Pla t ã o
Ah ! Ah ! E s sa te m p i ad a.
Q ue ma i s p o d e s t u fa zer , alé m d e ser i n tr us i va e i ma ter ial?
S kia
Ag u ar d a. P r e s si n to q u e no s e sp e r a m gr a nd e s f eito s, so b r e t ud o e m as t r o no mi a 422,
es sa ciê n ci a q ue ta n to e s ti ma s. Ai nd a ser e mo s lo u vad as 423. E te mi d a s.
Sab ia s q ue p ar a o s lad o s d o v al e d o Ni lo o s ho me n s t ê m mu i to c uid ad o p ar a q u e a
s ua so mb r a não cai a p er to d e u m cr o co d ilo q u e a d e vo r e? 424
Co n se g ue s i ma g i nar u m mu n d o se m so mb r a s?
422
A a str o no mi a, a ma te m áti ca e a geo metr ia er a m a s ciê n cia s e lei ta s p o r P la tão .
Aq ui p e n sa mo s n u m n o me e m co ncr eto , Er ató st en es ( c. 2 7 3 -1 9 2 a. C) , d ir ec to r d a
B ib lio te ca d e Al e xa nd r i a, q ue co mp ar a nd o d ua s so mb r a s e m d o i s p o n to s d o mes mo
me r id ia no , d et er mi no u a ci r c u n fer ê nc ia d a t er r a n u ma p r e v is ão b a s ta nt e f iá ve l
( cer ca d e 2 5 0 0 0 0 s ta d ia ) . Ver e sta s e o u tr a s d es co b er ta s r e la cio na d as co m a
so mb r a e m Ro b e r to Ca s ati - S h ad o ws .
423
J u nic h ir o T an iz a ki, no se u E lo g io d a S o mb ra , f ala - no s d o e n i g ma d a so mb r a, d a
b elez a d a s ua p e n u mb r a d e u ma fo r ma i ni g ua lá v el, co m a i nt e nção d e fa zer r e vi v er
es se u n i ver so “d e sp o j ad o ” na l it er a t ur a.
424
J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 1 0 . ( B ib lio gr a f ia c ap í t ulo I , P er se u ) .
106
Pla t ã o
Só l u z.
Ac ho q ue ir ia go st ar . M as o s se n tid o s es tão se m p r e co n no sco , e…
S kia
I ma gi na só : se m so mb r a s t ud o te p ar e cer i a p l a n o , se m p r o f u nd id ad e, co mo se to d a s
as co is as f l ut ua s se m à tua vo lta . Nó s so mo s o chão , a p r o f u nd id ad e. So mo s o
esp a ço . Vez es há q ue at é d a nça mo s à l uz tr é mu l a d a s ve la s !
[ Ver o b r a d e C hr i st ia n B o lta n s ki Th éâ t re D’ Om b re s, 1 9 8 4 , F i g. 2 7 .]
Pla t ã o
És u ma p ar as it a, i s so si m. E é s mi n h a es cr a va , és o b r i gad a a ir o nd e e u vo u.
Faço d e t i o q u e q uer o .
S kia
En g a na s -t e no v a me n te. Co n si go r e vo lt ar - me. M ai s: co n si go d e s ma s car a r - te, co mo
j á f iz co m t a nto s t r ap a ce ir o s co mo t u.
[ Ver Gr a nd vi lle , Th e S h a d o w s ( Th e F ren ch Ca b in et ) e m La Ca r ica tu re , 1 8 3 0 , Fi g.
2 8 ; o nd e é a so mb r a d e cad a me mb r o d o Ca b in e t fr a n cê s q ue r e ve la a «ver d ad e ir a »
na t ur e za d o se u p o r tad o r : u m b êb ad o , u m d e mó ni o , u m p o r co e u m p e r u .]
Pla t ã o
Ser á q ue a l g u ma vez no s va mo s r eco n ci lia r ?
S kia
D u vid o .
Pla t ã o
Dei x a - me co n tar - te u ma p eq ue na hi s tó r i a, S ki a, d e u m s o n ho q u e Só cr ate s te v e e
q ue
p ar ti l ho u
co mi go .
E le
es ta v a
se n tad o .
“U m
ci s ne
p eq ue no ,
cin ze n to ,
en co ntr a va - se a ni n h ad o no s e u co lo . De s úb i to , a p l u ma g e m d a a ve tr a n s fo r mo u - se
no b r a nco g lo r io so d o c is n e ad u lto . A cr iat ur a s o lto u u m gr i to – u ma n o ta so no r a ,
clar a e p ur a – e er g ue u - s e no ar . Só cr a te s a co r d o u, p e r g u nta nd o - se o q ue
si g n i fi car ia aq u ilo ” 425. No d ia se g u i nte , co n he ce u - me .
425
Mar k Ver no n - I P la tão , p . 3 7 .
107
S kia
Ci s n e b r a nco , c is n e p r e t o , o q ue é q ue i n ter es s a?
P en se i q ue só te i nte r e ss av as p el ´ O C i sn e .
Pla t ã o
Q ua nd o é q ue Só cr a te s c he g a?
Det es to não ter i n ter lo c uto r e s à mi n h a al t ur a.
S kia
A p er f eiç ão não e xi st e, sab e s?
Ah ! D es c ulp a, não , não sab e s.
( re cita so len emen te )
…Ra iva , e sp u ma , a i men sid ã o q u e n ã o ca b e n o m eu len ço 426.
Pla t ã o
Co mo o d eio me i as - v er d a d es.
S kia
To d o o p en sa men to el ev a d o d e q u e so mo s ca p a z es te m fa lh a s 427.
Não é s u m d e u s, P l atão .. . n ão é s o so p ro d o mu n d o 428.
(E xp r e ssã o fu rio sa n o r o sto d e P la tã o ).
S kia
(V en d o q u e es tá e m a p u ro s )
Ap a n ha - me , se co ns e g ui r es. ..
Ne s se mo m en to P la tã o a co rd a so b re s sa l ta d o .
Tin h a d e se en co n t ra r c o m S ó c ra t es e ten ta r d es mo n ta r to d o a q u el e p e sa d elo .
Tin h a d e p en sa r: v ive r ia ele, u m fi ló so fo , ta mb é m e m so n h o ?
426
Fer n a nd o P e sso a - A P a s sa ge m d a s Ho r as ( fr a g me n to ) , p . 8 9 .
I r i s M ur d o c h - Aca sto , p . 7 2 .
428
Os E stó ico s ac r ed i ta va m q ue o Fo go ( no se n ti d o d e en er gi a) er a “o s o p r o q u e
s u sté m o mu n d o ” . V er S i mo ne W e il - A Fo n te G r eg a, p . 1 5 5 .
427
108
O Pós-Especular: Espaços de Indistinção
Afu n d a va - me, q u a n d o o ve rd e e o a zu l s e
tra n s fo r ma ra m n u m m a r d e ch a ma s e m e
a r ra s ta ra m n o tu rb i lh ã o e, a o se r leva d o ,
o u vi so b re a min h a ca b e ça u ma vo z a g r ita r:
- O esp elh o p a rt iu - se e m d o i s! – E o u t ra vo z
re sp o n d e r: - O e sp elh o p a rt iu - se e m q u a t ro ! –
E o u tra vo z ma i s lo n g e g ri ta r, exu lta n te: - O
esp e lh o p a rt iu - se em mi l !
W . B . Ye at s, “R o s a Alc he mi c a” 429
Qual a ironia que mais nos assusta, a de Homero ou a de Platão?
Não sabemos responder. Ambos são manipuladores, ambos
controlam os fios da marioneta que nos guia invisivelmente os passos.
Cremos no entanto que Platão, ao tentar quebrar o “feitiço” do grande
poeta grego, nos deu um outro: um sonho místico do absoluto (quase de
fé?) que, curiosamente, não deixa de ser imagético 430.
Sabemos que o que fascina Platão são os dissoi logoi (os duplos
discursos) e o conflito irredutível entre timai (valores) opostos 431.
Os valores opostos que aqui estão em causa poderão ser
encontrados na fórmula Mito Vs. Logos (e não cremos que serão
irredutíveis): uma vez chegados à «racionalidade» da ciência, o mito
torna-se obsoleto, frívolo, algo que não é para ser levado a sério — ou
assim crê Platão.
Citamos Robert Wallace interpretando o ensaio de Blumenberg
(que poderia muito bem, por sua vez, estar a interpretar Platão):
quando o passo do “mythos ao logos” se dá, só pode ser perverso
429
W . B . Y eat s - Ro s a Alc he mi c a, p . 3 3 .
Es ta é a t es e d e Ha v el o ck - P r e f ace to P lato , p . 2 7 1 . Diz - no s el e: n ã o ser á o
Ti meu a “t r ai ção d a d i al éct ica ”?
431
T ese d e f e nd id a p o r M a s si mo Cacc iar i , E l Dio s q ue b ai la , p . 1 5 .
430
109
voltar atrás 432. E a tese de Hans Blumenberg proposta em “After the
Absolutism of Reality” 433, em Work on Myth (1979), o grande filósofo
nunca
a
aceitaria:
sobrevivência
mito
humana,
e
e
racionalidade
o
primeiro
não
são
indispensáveis
precede
o
à
segundo,
coexistindo ambos. Não são idênticos (poderão a poesia e a física sêlo?), mas também não competem um com o outro. A linha fronteiriça
entre um e outro “é imaginária” 434. Platão rejeitaria esta proposta com
horror. O mito em si não era, não podia ser, um modo de realização do
logos.
Quando se dá um desabamento deste seu mundo metafísico,
extremamente ordenador, hierarquizador das imagens — «controlador »
será talvez a melhor palavra para o descrever — o que fica?
A imagem «total » (de deus, de verdade, etc.) desmorona-se.
Solta-se o fantasma da pluralidade, do múltiplo, do profuso no
espaço que vemos como o nosso, o da contemporaneidade. Abre-se a
porta ao imaginário, ou ao seu “descontrolo”, para citarmos o título de
um texto de Bragança de Miranda 435.
Platão abstractamente separa original de cópia, para que haja a
representação de um original (essência). Acreditava que havia um
discurso verdadeiro/falso e que um e outro deveriam poder distinguirse, e não entrecruzar-se, numa realidade caleidoscópica onde deixa de
haver distinções: será hoje possível separar e distinguir o remédio do
veneno, o verdadeiro do falso, o original da cópia? Nesta nova “ordem”
predominará a sensação do caos, do híbrido, dos múltiplos reflexos.
432
Ro b e r t W al lace na i ntr o d uç ão ao li vr o d e Ha n s B l u me nb e r g - W o r k o n M yt h, p .
VI I I .
433
Ha n s B l u me n b er g d e f i ne “Ab so l u ti s mo d a Re al id ad e ” co mo u m a a mea ça
( i mp l íc ita n a no ss a na t ur e za b io ló g ica) à no ss a cap a cid ad e d e so b r e v iv ê nc ia. O
ho me m to r no u - se u m a ni mal si mb ó li co d e fo r ma a co mp e n sar a s u a fa lt a d e
in s ti n to s b io ló g ico s ad ap ta ti vo s ao me io a mb ie nt e; o mi to te m aq u i u m p ap el
f u nd a me nt al, p o is red u z e ss a a me aça , es s e “ab so l ut is mo ” d a r e a lid ad e. Ve r
B lu me nb er g - Af ter t he Ab so l ut i s m o f Re al it y, p . 3 -3 3 .
434
B l u me nb er g - Af ter t he Ab so l ut i s m o f Re al it y, p . 1 2 .
435
Ver B r a g a nça d e Mi r a nd a - Co n tr o lo e D es co nt r o lo d o I ma g i ná r io , p . 4 9 -7 2 ,
o nd e o a uto r te nt a d et er mi n ar a nat u r ez a d o i ma gi n ár io , fo ca nd o e sp ec i f ica me n te o
mo me n to e m q u e o m u nd o d as i ma g e n s se fr a g me nt a, e p o r t a nto e ntr a e m
“d es co ntr o lo ”. U m te xto i mp o r ta n te q u e no s d e u mui ta s p i sta s e p o n to s d e p ar tid a,
ma s q u e não é fá ci l d e s in te ti zar .
110
O espelho partiu-se em mil, como diz o poeta romântico Yeats:
esta será talvez a mais breve e exacta definição da era do pósespecular. O espelho quebra-se, deforma-se, apresenta-nos visões e
paradoxos insuspeitos: o rosto que se esconde para sempre no reflexo
impossível do homem de Magritte, em La Reproduction Interdite (esse
espelho que, invejoso, guarda para si o que devia estar reflectido – o
rosto – para mostrar o que nós mesmos já vemos como espectadores –
as costas de um homem de casaco escuro e colarinho branco 436). Tudo é
reflexo e falta uma realidade, como nota Massimo Cacciari 437. As
correspondências e relações que o logos ditava quebram-se em
múltiplos pedaços, “como as coroas dos reis no traeurspiel” 438. Deixa
de haver origem.
Voltemos ao início deste texto, à nossa segunda citação. Vemos
Platão tentado a querer “desfazer o arco-íris”, separando o manto
colorido composto pelas suas várias cores, como nos diz o poeta
(haverá imagem mais bela do múltiplo?), a “esvaziar o ar assombrado”
e a “cortar as asas a um anjo” de modo a fazê-lo cair. Impossível: a
filosofia não consegue tanto.
O Ninguém do Ulisses Homérico torna-se agora nos Cem mil do
Vitelangelo Moscarda de Pirandello (esse estranho personagem que se
arruína quando decide partir para a desmontagem provocatória do seu
«eu »; ver Fig. 29). Julgando-nos um, somos de facto Um, Ninguém e
Cem mil 439: somos fragmentados, plurais, não só para nós mesmos como
para todos os outros que nos rodeiam (Fig. 30). O arco-íris nunca
poderá ser encontrado no “aborrecido catálogo das coisas comuns”
(Keats), pronto a ser esventrado e sujeito a que lhe retirem o coração.
O
número
dois
ficou,
irremediavelmente,
436
pelo
caminho.
Es ta ma g n í fi ca p i nt ur a a ó leo é d e 1 9 3 7 , e p o d e s er v i sta no M us e u B o ij ma n s
Va n B e u n i n ge n, e m Ro t er d ão . E r a u m “r et r ato ” d o se u p atr o no Ed wa r d J a me s.
437
Ma ss i mo C acc iar i - Nar ci so , o d e la p i n t ur a, p . 8 0 .
438
Ma ss i mo C acc iar i - E l esp ej o d e P la tó n, p . 5 9 .
439
T ítulo d e u ma o b r a d e L u i gi P ir a nd el lo , f u nd a d a na q ue s tão ( o u i nd e f i ni ção ) d a
id e nt id ad e . O p er so na ge m a cer ta al t ur a d iz ( p á g. 9 ) : “j ul g a va q ue er a p ar a t o d o s
u m Mo scar d a co m o na r iz d ir e ito , e f i nal er a p a r a to d o s u m Mo sc ar d a c o m o nar iz
to r to ” . E s te p eq u e no i nc id e nt e co m o s e u nar i z l ev a -o p ar a c a mi n ho s i m p en sá v ei s,
fr e n te ao e sp e l ho e não só …
111
CAPÍTULO III
O DUPLO
S ó cia :
(.. . ) ju ro p o r tu d o ,
Qu e d o a ca mp a men to p a rt i u m só ,
Ma s a Teb a s ch eg u ei já d u p lica d o ;
Qu e
aqui
p a s ma d o
me
en co n tr ei
co mig o ;
Qu e
es te
Eu,
que
p era n te
vó s
se
en co n t ra ,
To d o e sta fa d o d e ca n sa ç o e fo me,
Co m o u tro e sb a r ro u , q u e vin h a d e
ca sa ,
Fre sco
co mo
u ma
a lfa ce,
o
en d ia b ra d o ;
Hei nr ic h Vo n Kle i st 440
O n o s so d u p lo é u m s in a l d e mo r te,
d iz ia a b ri sa d o en ta rd e cer .
Hél ia Co r r ei a 441
Fo i o a d ven to d o seg u n d o a viã o , a
a d eja r já b a ixo p o r c i ma d a Está tu a
d a Lib e rd a d e: fo i e ss e o mo m en to
d eci si vo .
Mar t i n A mi s 442
440
He i nr i c h Vo n K le is t - O An f it r ião , p . 7 3 ( 6 7 4 -6 8 1 ) . O An f itr ião é u m g e ner al
d o s teb a no s q u e se v ê c o n fr o n tad o co m u m só s i a, J úp i ter , q u e l he u s ur p a a mu l h er
( Alc me na) , e l he d e so nr a o no me. H á ta mb é m u m p er so na g e m d e no me Só s ia q ue
ta mb é m e nco n tr a u ma p e r fe it a i mi taç ão s ua ( Mer cúr io d is f ar çad o d e Só si a) .
441
Hé lia Co r r ei a - Ad o ec e r , p . 2 5 0 .
442
Mar ti n A mi s - O Se g u n d o Avi ão , p . 1 3 .
112
Não nos precipitemos  não ainda — a imitar o gesto eficiente
do homem da casaca cinzenta, enrolando a sombra da sua mais recente
presa como se de um mero papel se tratasse 443.
Não nos livraremos do duplo assim tão facilmente. Este vai opor
resistência, impor a sua vontade, perseguir-nos. Na sua companhia
sentiremos calafrios, pavor, “uma certa inquietação” 444. Talvez porque
o duplo envolve sempre o dois (a duplicação de qualquer coisa), ou um
um que pode ser percepcionado como dois (um homem que contém
outro homem; o mesmo, e, no entanto, diferente: um e dois).
O Duplo é difusão ou divisão, e quase sempre terreno de loucura,
alucinação,
delírio.
De
um
estado
doentio.
De
uma
insistente
estranheza. Escolhemos algumas passagens que cremos serem as mais
emblemáticas para ilustrar o que decidimos chamar de “o duplo ao
espelho”. Vêm sobretudo da literatura e do cinema (fazemos alusão a
apenas dois exemplos paradigmáticos da área das artes plásticas), e
sentimos que depois de as analisarmos e considerarmos, poderemos
então atentar uma outra explicação, mais completa. Que formas é que o
duplo pode assumir, quais as suas características e constelações, quais
as épocas que dele fizeram o seu alimento principal?
Qual o papel
reservado ao dispositivo do espelho nestas «aparições » do duplo?
Como definir o recurso que apela à duplicação dentro da própria obra?
Acima de tudo, não o subestimemos: Great deeds were done,
with the help of the double 445.
443
Ver a s i n g ul ar o b r a d e Ad alb er t Vo n C ha mi s s o - A Hi stó r ia Fab u lo sa d e P ete r
Sc h le mi h l, o nd e u m ho me m ve nd e a s u a so mb r a a o utr o ( u m d e mó n io ? ) , e m tr o ca
d e fo r t u na il i mi tad a. D ep r e ss a co mp r ee nd e q u e, s e m so mb r a, se to r n a r ep ul s i vo
p ar a to d o s o s o utr o s — se m so mb r a p er d e a id e nt id ad e — e fic a co nd e n ad o a vi v er
só . U ma d a s ma i s b e la s h i stó r ia s so b r e o d up lo , co m u m lad o mo r a li za nt e: n u nca
d ev e mo s sal tar p o r ci ma d a p r ó p r ia so mb r a ( q ue aq u i ad q u ir e u ma cl ar a
eq u i va lê nc ia a “a l ma ”) .
444
Ad a lb er t Vo n C h a mi s so - A Hi stó r ia Fab u lo sa d e P eter S c hle mi h l , p . 4 0 .
445
Kar l M il ler - Do ub le s, p . 1 5 3 .
113
A Prova do Espelho
François Truffaut, num filme realizado em 1969 e intitulado
L´Enfant Sauvage, traça a complexa história (baseada em factos
«verídicos »), de um menino que tinha sido abandonado na floresta
francesa, tendo lá vivido oito a nove anos em completo isolamento.
Ficará conhecido como Victor de Aveyron, e será um case-study
paradigmático para médicos interessados em teorias educacionais,
como era o caso de Jean-Marc Gaspard Itard (papel interpretado pelo
próprio Truffaut). O médico, especialista na aprendizagem de crianças
surdas-mudas, coloca o rapaz sob a sua custódia. O primeiro contacto
que temos com ele mostra-nos um ser simiesco, correndo agachado
junto ao chão, grunhindo, uivando e mordendo quando se sentia
ameaçado, balançando-se de forma autista em cima de uma árvore. Para
quase todos, um caso perdido: aquele «selvagem » nunca se adaptaria
aos hábitos e às regras da vivência humana. O tema do filme é a sua
(não) adaptação à «civilização».
Duas situações são dignas de destaque; a primeira é quando o
médico constata, alegremente, como era interessante observar Victor a
realizar certas tarefas pela primeira vez: andar na posição erecta,
comer com talheres, calçar uns sapatos, aprender alguns sons ou a
trabalhar a memória, etc. E também a primeira vez que ele se olha ao
espelho. A sua reacção é surpreendente: ele cheira-o intensamente, e
depois tacteia-o. Não mostra qualquer sinal de reconhecimento. Itard
coloca-se depois por detrás dele, movendo uma maçã de um lado para
outro, e ele demora muito tempo a perceber que o desejado objecto está
atrás de si, e não no plano da superfície reflectora. O médico nota,
talvez não nesse mas noutro momento do filme, que ele “olha sem ver”.
Bastante mais tarde, nos momentos finais da sua aprendizagem, dá uma
prova de entendimento crucial: a tomar o pequeno almoço de frente
para o seu professor, Victor observa-o enquanto ele próprio coloca
umas pequenas placas com letras de madeira, viradas para si, e escreve
a palavra “Lait” (o alimento que ele mais cobiçava). O rapaz
114
“selvagem” pega então nas peças do seu professor e inverte-lhes a
ordem para que façam sentido do seu ponto de vista: uma outra forma
de comunicar que tinha aprendido o que era a imagem especular?
Será curioso relacionar este filme com o que nos diz Jacques
Lacan no seu famoso estudo datado de 1949, Le Stade du Miroir comme
Formateur de la Fonction du Je telle qu´elle nous est révélée dans
l´expérience psychanalytique. Não é nosso propósito explorarmos aqui
em detalhe os meandros da complexa tese do psicanalista francês, alvo
de inúmeras e díspares leituras 446, mas gostaríamos de evidenciar o
simples facto de que a noção de identidade/alteridade presentes no
estádio do espelho – cremos que são esses os alvos que Lacan pretende
explorar – ser alicerçada numa ideia primordial de dilaceração, de
desmembramento 447, senão vejamos:
(.. . ) le sta d e d u mi ro ir e st u n d ra m e d o n t la p o u s sée in t e rn e se p r ec ip i te d e
l´ in su f fi sa n c e à l´ a n tec ip a tio n – et q u i p o u r l e su je t, p r i s a u leu r re d e
l´ id en ti fi ca t io n sp a tia l e , ma ch in e l e s fa n ta sm es q u i se su ccèd en t d ´ u n e
ima g e mo rc elé e d u co rp s à u n e fo rme q u e n o u s a p p ell ero n s o r th o p éd iq u e d e
sa to ta li té, - e t à l´ a r m u re en f in a s su m ée d ´ u n e id en t ité a l ien a n te, q u i va
ma rq u er d e sa st ru c tu re rig id e to u t so n d éve lo p p emen t m en ta l. 448
A chave de tudo é a passagem da percepção de um corpo
fragmentado ou despedaçado (“morcelée”), para um corpo considerado
na sua “armadura” (ou totalidade). Isto é algo que crianças dos seis aos
dezoito meses conseguem já fazer: reconhecer-se enquanto unidade ao
espelho – e fazem-no alegremente, jubilando, segundo Lacan.
Roland Barthes, em Roland Barthes por Roland Barthes (1975),
«ilustrou » a teoria lacaniana de forma simples e acutilante: mostra-nos
o que parece ser uma fotografia de uma mãe com o seu pequeno bebé
446
E te nd o e m co n ta q ue o p r ó p r io J acq u es Lac a n co n ti n uo u a d e se n vo l ver a s ua
te se d ur a n te vár io s a no s, a s so ci a nd o -a à d ia lé cti ca, ao n ar ci s is mo , à ali e nação
p ar a nó i ca, à a gr e s si v id a d e, ao e u - id e al, et c.
447
Não ser á d e ad mi r ar q ue o no me d e H ye r o ni m u s B o s h sej a o ú n ico a r ti st a p o r
ele no me ad o : p i nt ur a f eit a d e p e sad e lo s, d e f r ag me nto s, d e u ma va g a no ç ão d e
p erd a ? Ve r La ca n - L e St ad e d u M ir o ir , p . 9 7 .
448
J acq ue s La ca n - L e St a d e d u M ir o ir , p . 9 3 -1 0 0 .
115
ao colo (fotografia essa que, devido à sua forma ovalada, cria a ilusão
que ambos se situam defronte de um espelho e olham para ele, e não
para a lente de uma câmara fotográfica), e legenda-a da seguinte forma:
O e stá d io d o e sp elh o :
« tu é s i s so » . 449
No início do século XX Wolfgang Köhler e, mais tarde, nos anos
setenta, Gordon Gallup 450, provaram que há, no mundo animal, seres
capazes
de
nos
imitarem
nesta
pequena
revolução
que
é
o
reconhecimento da imagem ao espelho: os chimpanzés. Como é que se
consegue provar a auto-consciência no reino animal, é possível? Eis o
“teste” de Gallup — tão simples e que no entanto abriu tantas portas —
nas suas diversas fases:
1º - Os animais tinham de ser expostos de forma prolongada às
suas imagens reflectidas no espelho (dez dias);
2º - Eram anestesiados e depois marcados sub-repticiamente com
um marcador colorido, inodoro, num sítio que não conseguissem ver
sem a ajuda exterior dada pelo espelho, como na testa, por cima das
sobrancelhas ou atrás dos ombros;
3º - Depois de recuperados da anestesia, os investigadores
certificavam-se que os animais não se tinham apercebido da marca
(indicando que não a sentiam ou cheiravam). Era contado o número de
vezes que lhe tocavam. Para passar à fase seguinte, tinham de ter a
certeza que o animal não estava consciente da presença desse novo
sinal;
4º - O espelho era reintroduzido. Eram observadas as reacções
dos chimpanzés aquando confrontados com a sua imagem especular.
449
Ro la nd B ar t he s - Ro la n d B ar t he s p o r Ro la nd B a r t he s, s/ p á gi n a.
Kö hl er ( 1 8 8 7 -1 9 6 7 ) p ub l ico u u m e n sa io e m 1 9 1 7 so b r e a me n tal i d ad e d o s
p r i ma ta s, c uj a i n ve s ti g ação L aca n co n he ci a ( a p ar d o s es t ud o s d e J a me s M ar k
B al wi n e d e H e nr y W al l o n) ; Go r d o n G al l up é o au to r d o te s te i n ti t ul ad o d e MS R:
Mi r ro r S e lf R eco g n it io n , ai nd a ho j e u ti liz ad o no mu n d o cie n tí f ico , e d o q ua l
d esc r e ve mo s b r e ve me n t e o f u nc io na me n to no no s so p r ó p r io te x to . V er te x to d e
Gal l up n a r e vi s ta S cie n c e - C hi mp a nze es : Se l f - R eco g ni tio n. I SS N 0 0 3 6 - 8 0 -7 5 . 1 6 7
( 1 9 7 0 ) 8 6 -8 7 .
450
116
Os chimpanzés reagiam de forma inequívoca: colocavam a sua
própria mão na marca desenhada (como que estranhando esse novo
sinal que não estava lá anteriormente), e depois tentavam eliminá-lo
esfregando-o com as mãos. Há uma nota interessante, digna de
destaque: os chimpanzés criados em isolamento, sem qualquer contacto
com outros membros do grupo, não reagiram da mesma forma, não
demonstraram sinais de reconhecimento ou de surpresa 451. Hoje,
poderemos achar esta investigação difícil de compreender nos seus
propósitos — talvez porque tomemos como garantido o reconhecimento
da imagem especular — mas ela relançou o debate sobre a consciência,
e abriu novos caminhos na área do estudo do cérebro 452.
Victor de Aveyron não passaria nesta «prova » do espelho (que
também é realizada nos seres humanos exactamente com o mesmo
objectivo de determinação de uma auto-consciência), pelo menos no
que respeita aos momentos iniciais, logo após ter sido «capturado ». E
já tinha onze ou doze anos na altura. Decerto que um chimpanzé
sociável ficaria mais bem colocado que ele. O rapaz aproxima-se mais
do animal que este do homem: o mecanismo que acciona para viver é
inato, é o da preservação da espécie. Dir-nos-ia talvez Foucault com a
teoria de Sigmund Freud em mente: este caso específico fazia lembrar
uma das “feridas narcisistas” da nossa civilização, a descoberta
darwiniana que descendemos dos macacos 453. Significaria então que ele
451
Ver Mel c hio r -B o n n et - T h e M ir r o r , p á gi n as in tr o d u tó r ia s d o te x to . Es t ud o s
r ece n te s tê m d e mo n str ad o q ue h á o u tr o s a ni ma i s q ue t ê m e sta cap acid ad e d e
r eco n hec i me n to ( o s go l f i n ho s , o s e le fa n te s o u as o r ca s, p o r e xe mp lo ) , ma s não
ter ão s id o u na n i me me n t e ace it e s p e la co m u n id a d e ci e nt í fi ca.
452
Ver l i vr o d e J u li a n P . Kee n a n, Go r d o n Ga ll u p e D ea n Fa l k - T he F ace i n t he
Mir r o r . E st e e s t ud o a n ali sa a i n ve s ti ga ção d e Ga ll up e m d et al he ( e a d o s se u s
p r ec ur so r e s q ue ut il iz ar a m o e sp el ho co mo u m i n s tr u me n to ci e n tí f ico , u m
“me d id o r ” d e a u to -co n s ciê nc ia, co mo C har le s Dar wi n , W il h el m P r e yer o u La ca n) .
O p a sso se g u i nt e fo i a tr ib u ir u ma z o na d o cé r eb r o o nd e v i ver ia a a u to -c o n sc iê nc ia,
o “e u ”; p e n so u - se d ur a nt e mu i to te mp o q u e er a o he mi s f ér io e sq uer d o q ue t er i a
es se p ap e l ( j á q ue “ar q ui v a” a l i n g ua ge m) , ma s c he go u - se à co nc l us ã o q ue é o
he mi s f ér io d ir ei to , ( e s p eci f ica me nt e o có r t e x d ir ei to p r é - fr o n ta l, v er p . 1 3 4 ) ,
tr ad i cio n al me n te co n si d er ad o “ me no r ” , q ue d et é m a c ha v e p ar a o a u to r eco n hec i me n to . P e s so a s q ue te n ha m le sõ e s c e r eb r ai s ne s ta zo n a não co n se g u e m
r eco n hec er e id e n ti f ica r a p r ó p r ia i ma g e m. São c aso s e x tr e ma me n te r ar o s .
453
Mic h el Fo uca u lt - Ni et zsc h e, Fr e ud e Mar x, p . 1 7 . As o utr as d ua s d e sco b e r ta s
ser ia m a “f er id a ” i mp o s t a p o r Co p ér n ico e a d e sc o b er ta d o i nco n sc ie n te p o r Fr e ud .
117
não tinha consciência de si, não conseguia pensar sobre si mesmo nos
primeiros momentos em que foi encontrado? 454
O filme de Truffaut deixa um sabor amargo. Será Victor mais do
que uma mera experiência? Apesar de todas as aprendizagens que com
sucesso vai efectuando, está muito longe de satisfazer as exigências do
seu tutor, ou, visto de outra perspectiva, muito próximo do que é
importante: da chuva que cai e que ele saboreia com prazer, por
exemplo. Nesses raros momentos – que evitaremos a todo o custo
chamar de «regressão » – ele torna-se, novamente, num pequeno ser
selvagem.
Convoquemos agora outro grande psicanalista para este debate,
Sigmund Freud. Fascinado pela questão do duplo (sobretudo pelas
sensações que este provoca), relata-nos em The Uncanny (1919) um
estranho caso por si mesmo vivido, causador de «desprazer», aquando
de uma viagem de comboio. Oiçamo-lo:
E st a va so zin h o n o d o r mit ó r io d a ca r ru a g e m q u a n d o o co mb o io o sc ilo u
vio l en ta men t e. A p o r ta d a ca sa d e b a n h o a d ja c en te a b r iu - s e e u m sen h o r d e
id a d e, n u m ro u p ã o e to u ca d e d o rm ir en t ro u n o meu co mp a rt imen to . A s s u mi
q u e, q u a n d o sa iu d a c a sa d e b a n h o , q u e es t a va lo ca li za d a en t re d o is
co mp a rt imen to s, t ive s se vira d o n a d i rec çã o e rr a d a e en tra d o n o meu p o r
en g a n o . S a lt ei p a ra o met er n a o rd e m, ma s d esco b r i p a ra min h a su r p re sa
q u e o in t ru so e ra a min h a p ró p ria i ma g em , ref l ect id a n o e sp elh o d a p o rta .
A in d a m e l emb ro q u e a c h ei a su a a p a rên cia fra n ca men te d e sa g ra d á v el. 455
454
A S cien ti fi c A me r ica n d e No ve mb r o d e 2 0 1 0 exp lo r a es ta q ue st ão , e co lo ca
o ut r a s q u e l he e stão a s s o ciad a s. M a g gi e Ko er t h -B a k er e m K id s (a n d An ima ls ) Wh o
Fa il C la s s ic Mi r ro r Te st s Ma y S t il l Ha ve a S en se o f S e lf a n al is a al g u n s e st ud o s
r ece n te s d e te s te s d e MS R ; u ma i n ve s ti gad o r a r eal izo u o t es te no Ke n ya, o nd e
ap e na s 2 e m 8 2 cr i a nça s “p a s sar a m” no te st e, al g u ma s d a s q ua i s j á co m se is a no s –
is to e m 2 0 1 0 . O utr o i n v es ti gad o r co nc l ui u q ue o s go r ila s s e e sco nd ia m n u m ca n to
e tir a v a m a mar ca aí – e en fa ti za q ue e st e s a ni mai s r ep ud ia m o co n t acto vi s ua l.
Si n tet iz e mo s al g u ma s “fa l ha s” : é u m t e ste mu i to ce ntr ad o na v is ão , e q ue é ma is
d ir i g id o a c u lt ur a s i nd e p end e nte s, ao i n vé s d e i nt er d ep e nd e nt es ( co mo é o ca so d e
cu lt ur as não -o cid e nta i s) . Co mo d iz u m d o s i n v e st i gad o r e s : a a us ê nci a d e u m e fe ito
não si g n i fi ca nec es sa r ia me n te a a u sê n cia d a co i sa q ue e st ão a te n tar m ed ir . Não
ser á te mp o d e p ô r e m ca us a a u ni v er s al id ad e d o te st e? E st e ar t i g o p o d e ser
co n s u ltad o
e m:
h ttp : // www. s c ie n ti f ica me r ica n. c o m/ ar t ic le.c f m? id =k id s -a nd an i ma l s - wh o - f ai l -c la ss ic - mi r r o r
455
Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 6 2 .
118
O terceiro caso que queremos relatar vem da área da neurologia.
Oliver Sacks menciona, com a habitual fluidez e paixão que lhe
conhecemos, o caso de um doente seu, cego há quarenta anos. Este
homem, já adulto, decide fazer a operação que lhe permitirá ver após
tantos anos de «escuridão ». Não nos alongaremos, querendo apenas
evidenciar que quando a sua visão já tinha sido restituída, ele optava
— mesmo assim — por apagar a luz da casa de banho, e barbear-se no
escuro. O espelho fazia-lhe confusão, sentia que os seus movimentos
eram mais precisos se seguisse os hábitos que tinha criado ao longo da
sua vida 456. O uso dos olhos retirava a um clarividente a segurança da
mão. 457 Se tivesse o dom de prever o futuro (como Tirésias) talvez
optasse por desistir da operação, e aperfeiçoasse o órgão «funcional »
que tinha: escolheria também ele ter braços compridos, como desejava
o cego de Puisieux descrito por Denis Diderot 458?
Escolhemos estes três casos específicos para a introdução deste
texto sobre o duplo, porque são invulgares, raros: não há qualquer
susto ou terror aquando do confronto com o duplo (a reacção mais
esperada e também a mais provável), porque simplesmente não há
reconhecimento. Podemos dizer até que, nos três exemplos referidos, e
tendo em conta a singularidade de cada um, há uma certa «cegueira». E
a cegueira, como dizia o grande poeta Borges, “é um modo drástico de
apagar os espelhos” 459.
Voltaremos mais tarde ao texto de Freud para o estudar em
pormenor, porque acreditamos que a arte contemporânea tem, para com
ele, uma enorme dívida por saldar. O magnífico ensaio de Diderot, a
sua Carta aos Cegos para uso daqueles que vêem (1782), também irá
ser abordado em detalhe. Ele ensina-nos a «negociar» com o sentido
que mais estimamos (a visão) e a cultivar o primado da invisualidade,
456
Ver e ns aio d e O li v er Sa ck s – Ver e Não Ver [ L i vr o ele ctr ó n ico ] .
Den i s D id er o t - C ar t a so b r e o s c e go s, p . 9 9 . O ca so q ue o f iló so fo r ela ta é e m
tud o s e me l ha nt e ao d e Sac k s ( co m a d i f er e n ça d e d ata r d e 1 7 8 2 -8 3 !) , e i nc id e
so b r e u m ce go d e na sc e nç a q ue t i n ha sid o o p er a d o às c ata r at as , ma s q ue p ar a r ap ar
a cab e ça se a fa s ta va d o esp e l ho e s e co lo ca v a à fr e n te d e u ma p ar ed e l i s a.
458
De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 3 6 .
459
J o r ge L ui s B o r g es - B o r ge s Ver b al, p . 7 8 .
457
119
que também é central para a compreensão da arte do século XX em
diante, anti-retiniana por excelência.
Por agora, aventuremo-nos no reino da escuridão que esta vasta
galeria de duplos convoca.
Histórias de duplos
É de Diane Arbus (1923 -1971), fotógrafa norte americana, a
obra «instalada» na nossa memória e pronta a ser recordada mal nos
perguntem que obra poderá representar — de forma imediata — o tema
do duplo nas artes.
A obra em questão intitula-se Identical Twins, Roselle, New
Jersey (1967), e é um sóbrio retrato a preto e branco de duas irmãs
gémeas. Poderíamos dizer que o que faz esta fotografia ser tão
especial, e ao mesmo tempo tão estranha é, de facto (e perdoem-nos a
repetição), as gémeas serem gémeas. A semelhança entre as duas, por
si só, já confere um ambiente assustador à obra, mesmo apesar das
pequenas diferenças que vamos apontando. Depois há tudo o resto: os
vestidos escuros com a grande gola branca, idênticos, o mesmo corte
de cabelo, o facto de estarem muito juntas uma da outra e de fixarem
directamente a câmara. Sem sombra de dúvida, elas são o que os
contemporâneos da artista (e até mesmo nós) chamariam de freak: elas
são um fenómeno bizarro. Ter um outro (de carne e osso) como
espelho deve ser estranho, mais estranho ainda quando se olham as
duas, simultaneamente, ao espelho (Fig. 31 e 32).
O filme The Man in The Iron Mask também seria um bom
exemplo: Luís XIV é brindado com dois filhos gémeos, mas só há um
trono... A certa altura, Fouquet, ministro das finanças, desmascara
perante a assistência o que ele considera ser um falso casamento do
“segundo” gémeo com Maria Teresa, ou antes, uma farsa total: “He
may look like the King, he may dress like the King, he may speak like
120
the King, but he is not the King” 460. Qual dos gémeos terá o poder de
eclipsar o outro?
Quase
sempre,
as
histórias
com
gémeos
envolvem
uma
comparação inevitável entre os dois (como em Arbus), ou mesmo uma
luta pela própria vida (como em The Man in The Iron Mask). Ficção à
parte, os gémeos foram, no passado (e continuam a ser no presente),
um cobiçado objecto de estudo por parte de cientistas 461: “olhamos para
eles
tentando
desvendar
a
medida
do
que
é
inalteravelmente
humano” 462, afirma Hillel Schwartz, em The Culture of The Copy
(1996). Há mesmo casos estudados de gémeos idênticos que se
tornaram patológicos. Uma psiquiatra inglesa tratou dois irmãos que
ignoravam tudo à volta a não ser o outro: “Há poucas dúvidas”, dizia
ela, “que viver na presença do gémeo era para eles sinónimo de viver
na presença do seu próprio reflexo” 463. E que dissabores isso lhes
trouxe.
E
há
(vulgarmente
vários
casos
conhecidos
registados
como
gémeos
de
gémeos
siameses),
combinados
que
viveram
«presos » ao outro, pelo crânio, pelo peito, pelas costas, etc. 464 Eram
uma ou duas identidades? Eis a grande questão...
O século XIX absorve todos estes «monstros » avidamente,
sobretudo o romantismo alemão, que dará ao doppelgänger 465 uma
“ressonância trágica e fatal” 466. E dá-nos a nós, em troca (com
Hoffmann, Chamisso, Poe, Maupassant, Kleist, Dostoiévski, porventura
460
Th e Ma n in Th e I ro n M a sk, f il me r ea liz ad o p o r J a me s W ha le e m 1 9 3 9 , b ase ad o
n u m r o ma n ce d e Ale x a nd r e D u ma s ( no s so it ál ico ) . C ad a gé meo t e m p o r ta nto d e
o cup ar o l u g ar q ue l he c o mp e te : u m na s ma s mo r r as, co m u ma má scar a d e f er r o q ue
esco nd er á, d e to d o s e p a r a se mp r e, a s s u a s f ei çõ es ( e o gr a nd e s e gr ed o d o fa cto d e
ser e m d o i s f il ho s e não u m) , o o utr o na lid er a nç a d o r e i no d e Fr a n ça.
461
J o se f Me n ge le co nd u zi u e xp er iê nc ia s co m 2 5 0 p ar es d e gé me o s j ud e u s e
ci ga no s, e s up e r v i sio no u a s s ua s mo r te s. V er H ill el S c h wa r tz - T he C u l tu r e o f T he
Co p y, p . 3 5 . A q ue s t ão q u e o s ci e nt is ta s c o lo ca m é: so b r ep õ e - se o asp e cto
ge n ét ico , o u o fac to r a m b ie nt al f al a ma is al to ?
462
Sc h war tz - T he C u lt ur e o f T he Co p y, p . 3 6 .
463
A p s iq uia tr a Do r o t h y B ur l i n g ha m co n vi ve u co m es te s gé me o s ( q ue ti n h a m
fa n ta si a s ho mo s se x u ai s e as sa s si na s : so n ha v a m e m ma tar o o utr o ) e n tr e 1 9 5 5 -5 8 .
C f. Sc h war tz - T he C u lt ur e o f T he Co p y, p . 4 6 .
464
Ca so d o s gé me o s ta il a nd e se s q u e e mi g r ar a m p ar a a A mér ica , tr ab al h and o n u m
cir co , E n g e C h a n g B u n ker ( 1 8 1 1 -1 8 7 4 ) , o u d as gé me a s R it ta - Cr i st i na ; Ver
Sc h war t z - T h e C ul t ur e o f T he Co p y, p . 4 8 -8 7 .
465
O d up lo ta n g í ve l d e u m a p e sso a na f ic ção , q u e t ip ic a me n te r ep r e se n ta o ma l.
466
An ne R ic ht er - L es Mé t a mo r p ho s es d u Do ub le, p . 1 2 . Co n vir á fr i sar , no en ta n to ,
q ue a te má t ica d o só si a e d o s ir mão s gé meo s, p o r e xe mp lo , j á e st a va m p r ese n te s no
tea tr o a n ti go . O e xe mp l o d o A n f it riã o d e P la u to é aq ui e sc lar e ced o r .
121
os escritores mais célebres que se debruçaram sobre esta temática),
exemplos inesquecíveis de duplos.
O último escritor citado faz do seu personagem principal,
Goliádkin (temo que vem de goliadka: nu, pobretão, miserável) em O
Duplo (1846), o ser mais esquizofrénico e paranóico alguma vez criado
nas páginas de um livro, desde que se dá conta que há um outro
homem, réplica perfeita de si próprio, que insiste em trilhar os mesmos
caminhos que os dele. Esse outro, que ele considera uma ameaça —
chama-o
de
pernicioso”
467
“gémeo
infame”,
“gémeo
indecente”
e
“gémeo
— faz com que, progressivamente e ao longo da
narrativa, ele se abeire do delírio total. Convém frisar que este seu
personagem era absolutamente obcecado com as escadas da hierarquia
social 468, com os chefes e subchefes de repartições perante os quais
tinha de responder, e ao pé dos quais se sentia “um verdadeiro
insecto” 469. O seu homónimo (assim é-lhe o outro apresentado), só
piora as coisas, pois consegue brilhar mais perante essas figuras de
autoridade.
No momento em que encontra o seu duplo – um “autêntico
Goliádkin!” 470 – o seu coração “gelou”, e “um arrepio percorreu-lhe as
costas” 471:
(...) n a d a fo ra e sq u ec id o , a b so lu ta men te n a d a , p a ra a p er fei ta s em elh a n ça ,
de
ma n ei ra
q u e,
se
se
p u s es s em
ao
la d o
um
do
o u tro ,
n in g u ém,
a b so lu ta m en te n in g u é m se ria ca p a z d e d e te rm in a r q u a l d e le s e r a o
verd a d ei ro sen h o r Go l i á d kin e q u a l o fa l so , q u a l o n o vo e q u a l o ve lh o ,
q u a l o o rig in a l e q u a l a có p ia . 472
467
Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p . 1 3 7 , 1 3 9 e 1 4 6 , r e sp ec ti va me nt e.
Do sto ié v s ki ti n ha , ne s te as p ec to p ar t ic ul ar , a her a n ça d e N ico l ai Go gó l , q u e
ta mb é m e sc r e ve u o b r a s ab so l uta me nt e i nco n to r n áv ei s so b r e o d up lo , co mo é o ca so
d e “O R etr ato ” o u “O N ar iz ”.
469
Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p . 3 8 .
470
Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 8 4 .
471
Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 4 9 e 4 5 .
472
Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 5 2 .
468
122
De
tal
forma
era
a
semelhança
que,
em
duas
situações
específicas, o personagem pensa que está a olhar para si mesmo (o
inverso da experiência sentida por Freud):
À p o rta , q u e a té a o mo m en to o n o sso h e ró i to ma ra p o r u m e sp elh o , co m o já
lh e a co n tec e ra u ma ve z, es ta va ele . 473
Deixemo-lo entregue à sua loucura, e analisemos um outro conto
antecedente do grande mestre do suspense e do rigor americano (pois
acreditava que um poema tinha de ser trabalhado com a “precisão e
sequência rígida de um problema matemático” 474), Edgar Allan Poe.
William Wilson (1839) tem também esse cálculo finamente elaborado.
A situação é em tudo semelhante à do autor russo, abordando todo o
horror passível de existir no encontro com o duplo (que mais não será
que o horror do “encontro de si, fora de si” 475, como diz o crítico de
arte Delfim Sardo) e a maldição que isso acarreta para a vida do
personagem. Aqui, no entanto, uma pequena mudança: os dois são
semelhantes em todos os aspectos (no nome, no dia de nascimento, na
altura, nas palavras e até nos actos) excepto num: Wilson tinha um
defeito nas cordas vocais, e só conseguia sussurrar de forma abafada.
Quando finalmente se encontram num baile de máscaras, há um
combate. William Wilson ataca Wilson feroz e repetidamente com uma
espada, mas:
Ha via a g o ra – o u a s si m m e p a rec eu d e in íci o , n a m in h a co n fu sã o – u m
esp e lh o o n d e a n t es n ã o se via n en h u m ; e, a o a p ro x ima r - m e d e le, p r es a d e
ext re mo t er ro r, a m in h a p ró p ria ima g em, ma s d e fe içõ e s ext re ma m en te
p á lid a s e co b e r ta s d e s a n g u e, a va n ço u a o m eu en co n t ro co m p a s s o d éb il e
va ci la n te . 476
473
474
475
476
Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 1 3 5 .
Ed g ar All a n P o e - P o é ti ca, p . 3 6 .
De l fi m Sar d o - J o r ge M o ld er , p . 1 7 .
Ed g ar All a n P o e - W il li a m W i lso n , p . 2 2 4 . ( Ver são tr ad uz id a, 2 0 0 9 )
123
Por agora, podemos afirmar que, nestes dois casos específicos, se
retiram duas características importantes:
• A tirania e força do outro na recusa de uma submissão à
vontade do primeiro;
• A situação um tanto caricata da réplica «transcender» o
original: o outro Goliádkin impressiona mais os “cavalheiros brilhantes
e graduados” 477; o outro William Wilson possui uma “ponderosa
sensatez” 478 que falta à vida de «depravação» e «vício » de William
Wilson.
Neste sentido, ambas as «cópias » percorrem o caminho oposto a
Judy no famoso filme de Alfred Hitchcock, Vertigo (1958): ela nada
pode para com o original, a magnífica mulher dos cabelos loiros
arranjados em espiral que domina todo o filme, de nome Madeleine 479.
Eles podem, e aniquilam-no.
Resumindo: os gémeos – os nossos “duplos de sangue” 480 – serão
então uma das categorias possíveis da figura do duplo, mas há outras:
os duplos manufacturados (autómatos, manequins ou figuras de cera);
os duplos espectrais (os fantasmas, sempre tão presentes na obra de
Shakespeare,
o
guerreiro
sombra
do
filme de Akira
Kurosawa,
Kagemusha 481, ou mesmo a assombração causada pela bela Madeleine
serão possíveis exemplos); os duplos animais (papagaios e símios); a
voz; o retrato (impossível não pensar aqui em Oscar Wilde e o seu
Retrato de Dorian Gray, n´O Retrato Oval de Edgar Allan Poe ou no
477
Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p. 34.
Ed g ar All a n P o e - W il li a m W i lso n , p . 2 2 3 .
479
Ver Ver ti go , o b r a p r i ma d e Al fr e d H itc h co c k, f il me to ta l me n te a n c o r ad o na
id ei a d e d up lo ; e o s d o is te x to s d e J o ão B én ar d d a Co s ta so b r e o me s mo ,
me n cio n ad o s na b ib l io gr af ia f i na l.
480
Hi lle l Sc h wa r t z - T h e C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 1 7 6 .
481
Ak ir a K ur o sa wa - Ka g e mu s h a ( 1 9 8 0 ) , f il me q ue nar r a a h i stó r ia d e u m ho me m
q ue é co ntr atad o p ar a f aze r d e d up lo d e u m te me r o so c h e fe g u e r r eir o q u e
en tr e ta n to mo r r e, ma s cuj o s i ni mi go s acr ed i ta m a i nd a e s tar vi vo , gr aça s à s u a
«a c t ua ção ». U m d o s mo me n to s ma i s ma r ca n te s d o f il me é o c a valo q ue to mb a no
ca mp o d e b a ta l ha, e i n si s te — r ep e tid a me n te — e m t e nta r le v a nt ar - s e, p ar a
no va me n t e c air ( l e va n ta r - se, c air ) , co n st it u i nd o tal v ez u m b o m d up lo p a r a o no s so
d up lo . C ur io so no tar q u e é ta mb é m u m f o go so c av alo n e gr o , p r o p r ie tár i o d o a nt i go
líd er , o ú ni co a co ns e g u ir ver alé m d a p er fe ita s e mel h a nça / far sa .
478
124
filme de Fritz Lang The Woman in the Window 482), o sócia (o sério
Tertuliano Máximo Afonso de Saramago 483); a sombra ou o reflexo.
Contra a nossa vontade, entramos no frenético pesadelo de
Goliádkin:
Go l iá d kin co r re a o a ca s o , s em ve r o ca m in h o , à vo n ta d e d o d e s tin o , l ev e - o
es te a o n d e o le va r; ma s a ca d a p a s so d e le, a ca d a b a te r d o seu p é n o
g ra n i to d o p a s se io , vã o su rg in d o , co mo sa íd o s d e b a ixo d a te rra , ma i s u m
sen h o r Go liá d kin , e ma i s u m , e ma i s u m, a b so lu ta men te ig u a i s e ig u a lm en te
a b o min á v ei s n a d ep ra va çã o d o co ra çã o . Já s e a l a st r a , p o r f im, u ma te r rí vel
mu l tid ã o d e a b so lu ta me n te ig u a i s . 484
No meio de toda esta confusão, fiquemos com uma certeza: não
há sujeito sem o fantasma do duplo 485.
*
Otto Rank publicou Le Double em 1914, pouco depois do
primeiro filme com o tema do duplo ter surgido, filme que muito o
482
Est e fi l me d e Fr itz L a n g, d e 1 9 4 4 , é so b r e u m r esp eit ad o ho me m d e m eia - id ad e
q ue se ap a i xo na p o r u m a mu l her p i n tad a n u m r etr a to , p i nt u r a q u e v ê n u ma mo n tr a
d e u m a nt iq uár io . D e r ep e nt e e ss a mu l h er to r na - s e r ea l, s ur ge ao s eu lad o , e
co n v id a -o a té s ua ca s a … u m d o s p o uco s fi l m es o nd e u m ho me m es c ap a a u ma
co nd e naç ão p o r cr i me? O l i vr o d e Os car W ild e é p o r d e ma i s co n he cid o : Do r ia n
Gr a y co ns er va u ma j u ve nt u d e e b e le za i n vej á ve is, e nq u a nto q ue a s ua i ma g e m no
r etr a to vai e n v el h ece nd o e mi r r a nd o … s ur g i nd o u ma si t uaç ão o nd e a i ma ge m – o
se u d up lo – te m ma i s vi d a q u e o se u r ep r e se n tad o ; no co nto d e P o e u ma esp o sa q ue
p o u sa va p ar a o se u ma r id o p i n to r va i fic and o cad a ve z ma is “fr aca ” e
“d es al e ntad a”, ao i n vé s d o se u r etr ato , cad a ve z mai s s e me l ha n te a si, e q ue p o r
f i m l h e ap o d er a a s t uc io s a me nt e a v id a !
483
Li vr o d e J o sé S ar a ma g o - O Ho me m D up l icad o , 2 0 0 2 . O p er so n a ge m p r o c ur a
d ese sp er ad a me n t e a d i fer e nça q ue e x i st ir á e nt r e s i e o o u tr o : d e sco b r e q ue
na sc er a m co m tr i n ta e u m mi n u to s d e i n ter va lo , e q ue p o r ta nto “d ur a n te t r i nt a e
u m mi n u to s o d up l icad o o cup ar á o e sp aço d o o r i gi n al, s er á o r i gi n al el e p r ó p r io ”, p .
2 2 3 . T er tu li a no er a o d u p lic ad o .
484
Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 1 0 1 .
485
C f . te se d e d o u to r a me n t o d e Ca r lo s Au g u s to Co nc eiç ão - N ão E s ta mo s Só s So b a
P ele ( 2 0 0 6 ) , q ue tr at a d a q ue stão d o d up lo d e fo r ma i n sp i r ad o r a.
125
tinha impressionado 486 e que será o ponto de partida para o seu estudo.
A tese de Rank é simples: o duplo é um “mensageiro de morte” 487.
O homem, segundo ele, tenta obter consolações (através da
religião, da filosofia e da arte) para obliterar a sua própria destruição.
A ideia de perda de si mesmo é-lhe absolutamente insuportável.
Citamo-lo: “O homem crê, talvez de forma ingénua, numa vida eterna
sem
morte,
mas
é
obrigado
a
admitir
que
existe
apenas
uma
imortalidade colectiva. De forma a se defender contra esta imortalidade
colectiva, ele cria o seu Duplo, mas, nele próprio também, é obrigado a
reconhecer a morte que ele primitivamente negava como símbolo da sua
própria imortalidade” 488. Sabemos que vamos morrer, e punimo-nos a
nós mesmos através da concepção de um duplo (um “diabo” 489 inimigo
da nossa alma), algo que nos dá algum reconforto e alento. Este duplo
que nos representa é imortal, segundo Rank, e encarregue de nos
colocar ao abrigo da nossa própria morte.
Clément Rosset considerou este ponto de vista demasiado
simplista (acusa-o de ser “justo, mas superficial” 490, para sermos
exactos). Mais do que a proximidade da morte, segundo ele, o que nos
causa verdadeira angústia é a nossa não-realidade, a nossa nãoexistência. Para ele, o duplo é ilusão. E a ilusão relaciona-se com o
real. Aceitar sem reservas a “imperiosa prerrogativa do real” 491
–
admitir a realidade – é algo que é muito frágil, muito difícil. Ele divide
as ilusões em três categorias:
•
A
ilusão
oracular
da
tragédia
grega,
onde
se
dá
um
desdobramento do acontecimento (o oráculo que anuncia o
acontecimento com antecedência);
486
F il me d e M e yer s i nt it u l ad o Th e S tu d en t o f P ra g u e , b a se ad o no r o ma nc e d e H a ns
Hei n z E wer s. O h er ó i d a hi s tó r i a, B ald u i n, p r o me te à s ua a mad a q u e i r á matar o
se u o p o ne n te n u m d u elo , mas no se u ca mi n h o p a r a d u elo c r uza - se co m o se u d up lo ,
q ue j á tr ato u d o a s s u nt o p el as s u a s p r ó p r ia s m ão s. ( D e no t ar q u e o se u d up lo se
d esp r e nd e d o e sp e l ho , i ma g e m d e v er a s s ur p r ee nd e n te te nd o e m co nt a a d ata e m
q ue fo i f il ma d o , 1 9 1 3 ) .
487
Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 6 6 .
488
Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 2 8 .
489
Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 4 2 .
490
C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le, p . 1 1 7 .
491
Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 7 .
126
• A ilusão metafísica inerente aos
filósofos idealistas
(a
duplicação do real em geral, no «outro » mundo). Valerá a pena
referir que o exemplo dado é Platão, e que para ele o platonismo
não é uma filosofia do duplo, mas uma “filosofia do singular” 492,
fundada precisamente sobre a impossibilidade do duplo. Baseiase, para tal, no Crátilo, numa passagem onde Sócrates demonstra
que duas vezes Crátilo é uma teoria absurda: a essência de
Crátilo é uma só. Por definição é imitável, mas não é duplicável.
Tal conduz a uma filosofia do único;
• A ilusão psicológica (o desdobramento da personalidade no
homem).
A função de todas elas é apenas uma: protegerem-nos do real.
Não a recusa em percebê-lo (e certamente também não anulando-se a si
mesmo, como faz o suicida, nem através de um desmoronamento
mental, como faz o louco), mas sim o desdobrar do real: fazer como o
ilusionista, e de uma coisa surgirem duas.
Remataremos o ponto que ficou por debater e que queremos ver
esclarecido, e que diz respeito à questão do único. Para este autor, a
realidade humana apenas começa na “segunda vez”:
Uma m ed id a p a ra n a d a : ta l é a d iv i sa d es ta via em s eg u n d o g ra u , q u e fa z o
a g ri cu l to r sa cr if ica r o p r ime i ro a lq u ei re d a su a p r ime i ra co lh e ita , o s
jo ven s ro ma n o s fa z er em a Jú p it er o sa c r if ício d a su a p r im ei ra b a rb a , a s
esp o sa s ca r ta g in esa s d e sa c ri fi ca r em o s eu p ri me iro f ilh o e m h o n ra d o
d eu s B a a l. O rea l só c o meça à seg u n d a vo l ta , q u e é a verd a d e d a vid a
h u ma n a , ma rca d a p elo c u n h o d o d u p lo . 493
Acrescentaremos também que, e segundo a sua opinião, os
Contes Indiens, de Mallarmé, são um dos exemplos mais curiosos do
492
493
C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le , p . 5 5 .
Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 6 0 .
127
duplo e da estrutura oracular. Transcrevemos a sua convicção: “é um
conto cruel sobre a impossibilidade de estar aqui e ali, de sermos um e
outro” 494. Tudo, para Rosset, se resume a ser “particular” — ou a nãoser.
Refutamos a sua tese no ponto concreto da particularidade: ela
não conseguir admitir que há um e outro, verdadeiro e falso (e não um
ou outro, verdadeiro ou falso: o mesmo e o outro “à vez” 495, como o
próprio Rosset defende), e que nisso não há nenhuma impossibilidade
«real ». Apenas lhe dizemos três nomes contidos num outro bem
conhecido, que não mencionaremos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis,
Álvaro de Campos (entre tantos outros possíveis): a invenção do
homem maravilhosamente múltiplo e divisível. Rosset parece sugerir o
contrário (o homem que não pode de forma alguma permanecer dois, e
daqui concluímos nós que portanto há sempre um que pode ser
considerado como um impostor, uma fraude).
Talvez...
— dizemos novamente enfatizando as reticências:
talvez... — os deuses sejam os eleitos, os únicos “dignos de viver sob o
signo do único” 496 (mas como, se também eles escolhem tornar-se
duplos? (...) eu que tão facilmente me transformo/ em chuva de ouro,
em águia, abutre ou vento 497, como diz um grande poeta).
Para todos nós, não deuses, a segunda volta: o mundo em
segundo grau, o mundo que já é um paste.
*
É com alguma relutância que Sigmund Freud se aventura no que
chama de investigações estéticas, e numa área particular da estética
que, segundo ele, não era muito tratada: o conceito de das unheimlich
(termo que poderá ser traduzido por “uncanny” ou “eerie” em inglês,
494
Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 1 0 0 .
A s ua d e f i ni ção d e d up l o é o q ue p o i s co n te st a mo s: “é o q u e é, à ve z , o me s mo e
u m o u tr o ” ; Ro ss et , ci t. 4 9 4 , p . 4 0 , no s so i tá lico .
496
C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le , p . 6 0 .
497
Antó n io Fr a nco Al e xa n d r e - d up lo , p . 4 4 .
495
128
ou “inquietante”, “sinistro”, “fantasmagórico”, “inóspito” ou “lúgubre”
em português) estudado por ele em 1919. Este conceito não estará
relacionado
com
o
belo
convocados
pelo
belo)
(e
com
os
“sentimentos
mas,
pelo
contrário,
positivos” 498
ligar-se-á
mais
a
sentimentos que causam repulsa e inquietação, pouco registados nos
registos
da
estética
de
então
(com
excepção
do
estudo
médico/psicológico de Ernst Jentsch mencionado pelo próprio Freud,
que este no entanto considera questionável em certos pontos).
Freud começa por reunir equivalências semânticas da palavra nas
mais diversas línguas, para concluir que, em muitas delas, falta uma
palavra para definir correctamente o termo. Percorre depois alguns
autores que dela fazem uso, e um comentário de Schelling chama-lhe a
atenção: “Uncann y is what one calls everything that was meant to
remain secret and hidden and has come into the open” 499. É este
enunciado que o vai prender, e o que ele vai trabalhar. Acrescente-se a
isto a própria definição da palavra heimlich (qualquer coisa que é
familiar e conhecido, confortável, íntimo) e obtemos a fórmula que
Freud acolherá com gosto e que optará por desenvolver como sua: a
ambiguidade contida no conceito unheimlich; algo que por um lado nos
é confortável e familiar, mas que ao mesmo tempo é secreto,
escamoteado e escondido. Algo que foi afastado por um processo de
recalcamento: o prefixo “un-” torna-se, para Freud, o “indicador da
repressão” 500.
Segundo o psicanalista, o exemplo mais poderoso do uncanny
pode ser encontrado na obra de E.T.A. Hoffmann, The SandMan 501. Mas
ao contrário de Jentsch, que vê na boneca Ol ympia a súmula do
conceito (estará este autómato vivo?), Freud prefere a figura do homem
de areia, o maléfico Coppola que arrancava os olhos aos meninos como
o exemplo mais marcante, já que se relaciona com o medo infantil do
roubo dos olhos (e que Freud faz equivaler ao medo de castração). Mas
também poderá haver exemplos de situações de estranheza
498
499
500
501
no que
Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 2 3 .
Sc h ell i n g c it . p o r Fr e ud - T he U nca n n y, p . 1 3 2 .
Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 5 1 .
T r ad ução e m p o r t u g uê s: E .T . A Ho f f ma n n - O H o me m d e Ar e ia, p . 1 9 -5 2 .
129
Freud apelida de “recorrência do mesmo”, e que muitos de nós talvez
tenhamos experimentado algures na nossa vivência: num mesmo dia
dar-se a estranha coincidência de uma repetição dum mesmo número
(de uma morada, um hotel, um lugar numa carruagem de comboio, etc.)
ou quando, perdidos na escuridão de um quarto que conhecemos mal,
sistematicamente colidirmos com a mesma peça de mobiliário. O
complexo de castração e as repetições não propositadas, a par da
feitiçaria, do animismo, da magia e do duplo são factores que fazem o
uncanny assustador e terrível.
Não será novidade a herança da infância ser lugar de conflito
para Freud [pensamos em Manuel António Pina em As vozes, perfeito
resumo da teoria freudiana: A infância vem/pé ante pé/ sobe as
escadas/ e bate à porta 502(...)], onde memórias e experiências passadas
– e reprimidas – nos batem à porta, condicionado e assombrando a
nossa vida adulta. O que surge como novidade é Freud concluir que um
efeito uncanny surge quando as fronteiras entre fantasia e realidade são
enevoadas.
Ora este enevoamento é o território do duplo. Tendo sido em
tempos uma asserção de imortalidade, o duplo torna-se num “objecto
de terror” 503, um “mensageiro de morte uncanny” 504, diz o psicanalista
alemão,
ecoando
o
estudo
do
seu
discípulo
Otto
Rank,
mas
acrescentando-lhe uma poderosa (e pelos vistos intraduzível) palavra,
que o movimento surrealista irá acarinhar.
Cenas de um Crime
O cinema deu-nos vários exemplos memoráveis de obras onde o
duplo/ o espelho é um factor crucial para o desenvolvimento da
narrativa. Escolhemos analisar duas obras onde este dispositivo é
essencial, e ambas — não por qualquer estranho acaso — podem ser
502
503
504
Ma n ue l An tó nio P i na - P o esi a, Sa ud ad e d a P r o s a, p . 2 4 .
Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, 1 4 3 .
Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 4 2 .
130
rotuladas como pertencentes a um estilo muito em voga nos anos
quarenta e cinquenta, o film noir. Este género de filme fez do espelho
o seu avatar, cúmplice e actor principal.
Dead of Night é uma obra notável, com uma montagem brilhante.
É difícil de acreditar que foi um dos primeiros filmes de terror a
ser produzido, em 1945. Um homem vai visitar uma casa de campo com
o intuito de promover um projecto de arquitectura, e quando chega é
apresentado a várias pessoas que já lá se encontram. Parece apático,
quase sonâmbulo, e finalmente se percebe porquê. Diz a todos os
outros: eu já estive aqui com todos vós, recorrentemente, num
pesadelo. E dando cada vez mais credibilidade ao seu dejà vu, vai
enunciando tudo o que se vai passar a seguir (uma morena vai entrar,
ele vai dar um violento estalo uma jovem rapariga, uns óculos vão-se
partir, etc.) Ele crê firmemente que todas as situações que descreve
conduzem a um fim que lhe é desconhecido, mas que lhe provoca
sentimentos de verdadeiro terror: I feel i´m in the grip of a force that´s
driving me towards something unspeakably evil, afirma em pânico.
Tudo o que descreve vai acontecendo tal como ele previu, e todos os
convidados acreditam nele; só um famoso médico psiquiatra é que tenta
explicar
e
racionalizar
constantemente
tudo
(e
de
certa
forma,
“desrelativizar” o terror por ele sentido). Todos eles vão contribuindo
com narrações de pesadelos; são portanto cinco sonhos (realizados por
cinco realizadores diferentes), fragmentos aparentemente díspares que
são todos acoplados no fim, conduzindo-nos a nós espectadores, de
forma onírica, desconexa e violenta
(a inegável matéria dos sonhos)
ao... início.
“O Espelho Assombrado” é o sonho de Joan, mulher elegante e
divertida, que conta como a prenda que ofereceu ao seu futuro marido
lhe foi
mudando
completamente
a personalidade.
Vemos
depois
imagens de Peter arranjando-se ao espelho, e o seu susto ao ver que a
imagem reflectida é a sua, mas o quarto é um outro que não o seu (“the
reflection is all wrong”, diz nessa altura). Vamo-nos apercebendo que o
espelho tem um poder hipnotizante sobre ele, como se o atraísse
maleficamente para si. Ele está ciente dos seus perigos: if i cross the
131
dividing line, something awful will happen. Joan pede-lhe, dando-lhe a
mão, que olhe, que não tenha medo de olhar: ele vê a imagem
especular, mas não a consegue ver a ela, apenas a si próprio e àquele
quarto com um requintado ambiente vitoriano e com uma lareira que
deita labaredas raivosas.
Entretanto casam-se, e pouco depois Joan vai visitar a mãe por
umas semanas. Quando volta, o seu marido está rude, taciturno,
ciumento. Encontramo-lo sentado numa poltrona frente ao espelho,
absorto; acusa-a de adultério. Ela conta-lhe que foi ao antiquário onde
havia comprado a prenda maldita, e que este lhe disse que o espelho
pertencia a um homem que estrangulou a mulher, cortando em seguida
a sua própria garganta. Mas Peter ignora a sua explicação. Depois tenta
matá-la. Ela parte o espelho, salvando-os aos dois.
Na sua devida vez, o Dr. Van Straaten relata o sua estranha
história (pela mão do inimitável Alberto Cavalcanti). Ele conta como
um boneco que fazia parte da actuação de um comediante dá claros
sinais sobre quem é o «mestre » da dupla. Acompanhamos a loucura
progressiva de um, que sabe perfeitamente que o boneco que segura nas
suas mãos tem uma vida muito própria (a meio de uma actuação deixa
de seguir o guião, e começa a conversar com outro ventriloquista,
Sylvester, que se encontra na plateia, tentando convencê-lo a formarem
uma equipa; dá uma dentada no «dono», etc.) e o domínio impositivo
do outro. O comediante, Maxwell Frere, dispara contra Sylvester
quando encontra o boneco no quarto deste, e pensa que ele o queria
roubar. É preso, e o médico decide trazer-lhe o boneco. Ele pisa-o e
destrói-o
furiosamente,
quando
percebe
que
tudo
o
que
tinha
acontecido tinha sido arquitectado por ele, de forma premeditada: ele
próprio ficaria encerrado pelo crime cometido, enquanto que Hugo, o
dummy muito pouco dummy 505, encontraria uma nova liberdade... E nós
ficamos com a ideia que ele, o fraco, o dominado, conseguiu
finalmente livrar-se do desagradável boneco. Até que S ylvester o
visita, em atenção ao médico que o quer libertar da apatia, e vimos a
505
Du m my q uer d iz er b o ne co ( ve n tr í lo q uo ) , ma s e m se n tid o co lo q u ia l ta mb é m
si g n i fi ca «i mb ec il ».
132
cara de Maxwell iluminar-se e sorrir escarninhamente, enquanto diz
com a vozinha de Hugo: Why...hello Sylvester... (créditos sejam dados
à interpretação de Redgrave).
The Servant (1963), de Joseph Losey, é outro filme a ter em
conta, e também aborda questões de poder e de domínio.
Um aristocrata contrata um criado para lhe tratar da organização
da sua nova casa (o exemplarmente sinistro Dirk Bogarde). Ele é
irrepreensível nas suas funções, é um excelente cozinheiro e um
meticuloso empregado: é tão bom que o dono da casa já não se imagina
a viver sem ele. Paulatinamente — tudo neste filme acontece muito,
muito devagar — o criado vai-se apoderando não só do espaço da casa
(o lugar preciso de cada objecto, os desejos que sabe antecipar, um
momento romântico que interrompe de propósito), mas da própria vida
do seu dono. A noiva pressente este lado negro e acusa-o de andar
sempre à espreita (“he´s a peeping Tom”, diz ao namorado). Nunca lhe
passará pela cabeça que a relação de dependência entre os dois passará
a ser total, desequilibrada, doentia, e que o suposto futuro marido seja
atraído inexplicavelmente para o domínio do criado 506, escolha que
ditará a sua própria destruição.
O dono da casa começa a perder, aos poucos, as rédeas da sua
própria vida; I know all about you, diz-lhe o criado quase no fim do
filme, a gritar-lhe ameaçadoramente (e como que possuindo um trunfo
precioso, que usaria quando se revelasse necessário).
A casa está ricamente mobilada com espelhos (e pinturas).
Prestemos atenção ao que vão registando, dos ângulos mais estranhos:
• O sério trabalho do criado Barret nos primeiros momentos do
filme, limpando escrupulosamente o espelho oval (numa vulgar
relação senhor/criado);
•
A
entrada
da
noiva,
Susan,
na
nova
casa
totalmente
remodelada, e o seu manifesto desagrado em ter um criado
506
O fa n ta s ma d e u ma at r acção ho mo - er ó t ica nã o ad mit id a e nt r e o s d o is r o nd a
s ub t il me n t e p elo fi l me, p r es u mi v e l me n te n u nca co n s u ma d a, so b r et ud o v is í ve l n as
ce na s f i nai s, o q ue l he d á u m co nt e xto m ui to d i fer e nte d o q ue à p ar tid a
j ul gá v a mo s.
133
sempre a pairar, invadindo a sua privacidade; mais tarde, a
presença de Barret no quarto onde o casal está intimamente a
conversar,
visível
somente
como
reflexo,
invadindo
e
interpondo-se entre os dois mesmo quando não está lá.
•
os
esboços
a
lápis
de
carvão
do
corpo
masculino
(provavelmente desenhos feitos pelo próprio Tony, o dono da
casa) pormenor que também nunca é visto a não ser no plano do
espelho;
• A infidelidade que o dono da casa comete com a suposta “irmã”
do criado (que de facto é a sua própria amante; uma peça no
esquema inteligentemente por ele montado para conseguir que o
dono se separe da sua própria mulher); acto “condenável” visto
somente a partir do espelho, com o pormenor de um pedaço de
uma mão que agarra a esquina da parede e que faz um dos
enquadramento mais admiráveis do cinema;
• A tentativa falhada de colocar o criado “em ordem” em frente à
sua mulher (pois tinha sido encontrado pelos dois no seu próprio
quarto com a amante); Barret apresenta-se pedantemente tal
como se encontrava vestido, em roupão, como se estivesse em
sua própria casa (a total inversão das relações de poder; o início
da queda do dono da casa).
(Ver os 5 film stills que respeitam esta mesma ordem, Fig. 33).
Acrescentamos que os planos iniciais do filme têm uma analogia
com os últimos: o momento de entrada numa casa vazia, pronta para
obras, onde o dono dorme, e o criado, em pé, olha para ele com um
certo ar de superioridade/ o dono da casa totalmente transformado num
trapo, num dandy bêbado, abjecto, sem qualquer réstia de amor
próprio, a dormir no chão, enquanto o criado sobe para o seu quarto
para dormir com a amante.
134
O Duplo ao espelho
Há um outro conto de E.T.A. Hoffmann, “As Aventuras da Noite
de S. Silvestre” digno de ser mencionado, que é um claro piscar de
olho
a
Chamisso
(cremos
que
sem
a
qualidade
deste
último,
infelizmente): em vez de ter perdido a sombra, Erasmo Spikher perde o
reflexo num pacto diabólico que faz com uma astuta cortesã por quem
se tinha enamorado, que o convence a tal dizendo-lhe simplesmente:
— Nã o é s to d o meu , tu e o teu re fle xo ? 507
Gu y de Maupassant também dará primazia ao momento em que o
seu personagem não consegue ver o seu reflexo; supostamente, o ser
invisível que o persegue por todo o lado e que se vai insinuando no seu
quotidiano de forma insuportável, e que ele baptiza de Horla (e que
nunca chegamos a saber o que é, de facto, um Horla, um ser
sobrenatural, um ente diabólico?) fizera desaparecer totalmente o seu
reflexo:
P o i s b em! .. .V ia - se tã o b em co mo se fo s se d ia . ..e n ã o me vi n o esp el h o !
Est a va va z io , cla ro , ch eio d e lu z. A min h a i m a g em n ã o s e via .. . E e s ta va
p rec i sa m en te d ia n t e d el e... Via o g ra n d e vid ro , límp id o d e a lto a b a i x o ! E
o b se rva va
is so
de
o l h a r a p a vo ra d o ,
não
o u sa n d o
a va n ça r,
s en t in d o
n itid a men te q u e el e s e en co n t ra va en t re n ó s, e q u e me vo lta r ia a e sca p a r,
ma s q u e o seu co rp o imp e rc ep t íve l me a b so r vera o re fl exo . Qu e m ed o
tiv e!
508
Não nos queremos esquecer da famosa frase proferida pelo
doutor Jek yll quando constata, de forma nobre e tão pouco hipócrita, as
mudanças na sua aparência; de homem bondoso, forte e atlético para
um ser malévolo, atarracado e disforme:
507
508
E . T . A. Ho f f ma n n - As Ave n t ur a s d a No i te d e S. Si l ve str e, p . 1 3 7 .
G u y d e Ma up a s sa n t - O Ho r l a, p . 1 5 1 . ( P r i me ir a Ver s ão ) .
135
E co n tu d o , q u a n d o vi s l u mb r ei a q u el e íd o lo r e p elen te n o e sp e lh o , n ã o ti ve
co n sc iên cia d e r ep u g n â n cia a lg u ma , ma s a n te s u m g e sto d e b o a s - vin d a s.
E st e ta mb é m e ra eu .
509
Há, em todos os ex emplos mencionados até agora, um retorno
constante, obstinado, ao espelho (na procura do eu, de uma «prova » da
existência do eu?). Porquê o seu uso reiterado? O que é que nos
oferece, qual a sua mais valia? Estas são as questões que julgamos
pertinentes colocar agora.
O duplo precisa do espelho. Seja como marca de transitoriedade,
constatando desmedidas mudanças na aparência (como em Dr. Jekyll &
Mr. Hyde), como um auxílio para o personagem se certificar de que há
um outro ser, invisível, no quarto (O Horla), ou como simples paródia
de uma impossibilidade, reflexo que se destaca da pele do personagem
e ganha uma autonomia própria, partindo com a mulher amada e
deixando a pessoa perdida (As Aventuras da Noite de S. Silvestre). Não
será uma regra, mas poderemos afirmar que, quase sempre, com reflexo
há herói, mas que com a sua extinção o personagem está condenado, o
seu “corpo torna-se um nada transparente” 510 (Baudrillard). Há sempre
o momento marcante em que o ventríloquo mata o seu mestre e ganha
uma independência que é, a todos os níveis, ameaçadora: o duplo é,
portanto, uma garantia para o próprio ser. Enquanto houver duplo
estamos a salvo. Ahab morre pelo seu próprio arpão quando mata Moby
Dick.
Mas
que
seria
ele
sem
a
grande
baleia
branca
para
obsessivamente perseguir?
O espelho torna-se também um dispositivo de controle, relatando
a passagem de poder do dono da casa para o servente, operando quase
como uma câmara de filmar que nos dá a oportunidade a nós,
espectadores, de aceder a perspectivas e fragmentos do interior que de
509
Ro b er t Lo u is S te ve n so n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e , p . 1 8 1 .
J ean B a ud r i ll ar d - Si mu l acr o s e S i mu l ação , p . 1 7 8 ( no ta d e r o d ap é 1 ) . Es te
so c ió lo go e f iló so fo d e f end e q ue, na er a d a si m ul ação e m q ue v i ve mo s, q ue l iq uid a
to d o s o s r e fer e n cia i s, f ar á ma is s e nt id o fa lar d e u m hip er - r ea l, “d e u m r eal s e m
o r i ge m n e m r e al id ad e ”, o nd e o d up lo … j á não te m l u gar . O clo ne i mp õ e - se.
510
136
outra forma nos estariam vedadas – o espelho dá-nos, a nós, uma
vantagem: é um espião, um olho a mais na cara do míope ciclope, uma
extensão maquiavélica do olhar (The Servant); ou então é não só uma
testemunha eficaz de um antigo crime, um espelho com poderes de
reminiscência, mas também um espelho que alerta, que tem poderes de
antevisão. Ele denuncia um crime antigo e adverte que vai acontecer
um crime futuro, um crime copiado de um outro mais antigo (Dead of
Night).
Neste ponto onde nos encontramos é imperativo delinearmos uma
pequena conclusão. Roubaremos uma única palavra a Hitchcock:
vertigo. O duplo é vertigem, angústia e terror, obscuridade ambígua. E
também é um paradigma do medo (daquele medo que Maupassant
descreveu tão bem: “o medo (...) é algo de medonho, uma sensação
atroz, como que uma decomposição da alma, um terrível espasmo do
pensamento e do coração, de que a simples recordação nos leva a
estremecer de angústia” 511). Mas há medo e Medo; o escritor francês
definiu este último magistralmente: “O verdadeiro medo é qualquer
coisa como uma reminiscência dos fantásticos terrores de outrora” 512
— um festim para Sigmund Freud, e até para Sophia (Sombrios
deuses/Senhores do medo antigo 513... )
Ora o duplo entra nesta categoria do Medo. O outro é algo que
tememos verdadeiramente; em todas as suas manifestações sentimos
que estamos em perigo (quase como se estivéssemos aprisionados
dentro de uma pintura de De Chirico, passeando sob as suas arcadas
desertas, e não conseguíssemos encontrar uma saída) — mas é um
perigo que habita dentro de nós, de forma alucinatória. Andei
furtivamente pelos corredores, um estranho em minha própria casa 514...
O espelho revela facetas que nos são desagradáveis e que queremos
esconder a todo o custo (Mr Hyde tem um nome apropriado — aquele
que se esconde — e Dr. Jekyll, aquele que, literalmente, «mata o eu»).
511
G u y d e Ma up a s sa n t - O Ho r l a e O utr o s Co n to s Fa n tá st ico s, p . 6 6 .
Ma up a s sa n t - O Ho r la e O utr o s Co n to s F a ntá s ti co s, p . 6 6 .
513
So p hia d e M el lo B r e yn e r And r e se n - D er i va , p . 3 0 .
514
Ro b e r t Lo u i s Ste v e nso n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e, p . 1 8 1 .
512
137
Outras
palavras
lhe
são
acopladas
de
forma
natural:
neurose,
esquizofrenia, delírio 515.
Podemos ser sombra (e seremos Nosferatu 516, vagueando por
corredores e escadas vazias, dando um corpo ao Mal);
podemos ser
gémeos (e seremos os irritantes Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, saídos da
Alice, ou Abel e Caim, os Dioscuros Castor e Pólux, Rómulo e Remo,
Amfíon e Zéthos 517... mas recusamo-nos a ser as torres gémeas norte
americanas com o seu rasto de dor, ou antes, recusamo-nos a ser o
segundo avião “galvanizado com malícia” 518 que se abate de forma
cinematográfica sobre a torre sul a 960 km/ hora, quinze minutos
depois do embate do primeiro, significando o fim de tudo para os
milhares de pessoas que lá se encontravam. O segundo avião: o terror
“ao quadrado” 519, como afirmou o escritor Martin Amis. O segundo
avião: porque é ele que nos faz ver que não tinha sido uma brincadeira,
um descuido ou um infeliz acaso; novamente a segunda volta...
Seremos um simples chapéu de coco (Magritte) ou um luzidio e
negro corvo (Poe), mas continuaremos a não querer entender o fim de
tudo, dado pelas palavras de Martinho Lutero: Pestis eram vivus –
moriens tua mors ero 520 [A minha vida era o teu flagelo
– a minha
morte será a tua morte].
Queremos acreditar em Otto Rank, que vê o duplo como uma
defesa
contra
a
aniquilação
do
ser,
como
uma
promessa
de
imortalidade. Mas as palavras de um poeta português são mais fortes e
falam mais alto: Cheira excessivamente a morte por aqui (...) 521.
515
Há até ca so s c lí n ico s es t ud ad o s q ue tê m o no me d e “d el ír io d e C ap g r as ”, e m
ho nr a d o med i co J ea n -M ar ie Cap gr a s, t a mb é m c o n he cid o co mo a i l us ão d o s só si as .
As p e s so a s j ul ga m q ue e nt es q uer id o s fo r a m s ub s t it uí d o s p o r i mp o st o r es q ue s e
fa ze m p as s ar p o r e le s.
516
Fil me d e F. W . M u r na u, d e 1 9 2 1 .
517
C f. Ot to Ra n k – Le Do ub l e, p . 1 1 1 - 1 2 8 ( cap ít u lo 6 ) ; so b r e a cr e nç a n u ma al ma
d up la, u ma mo r tal e o u tr a i mo r ta l, c f. p . 1 1 3 .
518
Mar ti n A mi s - O Se g u n d o Avi ão , p . 1 3 .
519
Ami s - O Se g u nd o Av i ã o , p . 1 5 .
520
Mar ti n ho L u ter o ci t. p o r E d gar All a n P o e - E d gar All a n P o e: T o d o s o s Co n to s,
p. 267.
521
Ma n ue l An tó n io P i na - P o esi a, Sa ud ad e d a P r o s a, p . 6 5 .
138
Num mundo de cópias
Thomas de Quincey propunha, com um humor ácido, a original
tese de se poder fazer de um homicídio crítica de arte (de dotar uma
imoralidade de uma dimensão estética, além do mal e do bem), em Do
Assassínio como uma das Belas Artes (1827). Valerá a pena relembrar
o seguinte excerto:
O p ú b lico co me ça a p er ceb e r q u e, p a ra a co mp o si çã o d e u m a s sa ss ín io em
reg ra , se ex ig e m ma is d o q u e d o is n é sc io s, u m p a ra ma ta r e o u t ro p a ra
mo r re r, u ma fa ca , u ma b o lsa e u ma vie la e scu r a . Des en h o , co mp o s içã o , lu z
e so mb ra , p o e sia , sen tim en to , sã o h o je, me u s s en h o re s, co n sid era d o s
in d i sp en sá v ei s a e mp ree n d imen to s d e ta l n a tu re z a . 522
Sem mais demoras: o «belo homicídio» que o duplo comete é o da
cópia contra o original. Também é um duelo sangrento (apesar de não
envolver facas), e há um dilema que se ergue deste luta: nesta cultura
da cópia em que vivemos fará ainda sentido falar de originais? Terá o
original perdido a sua força? Saberemos sequer destrinçá-los?
Voltamos a citar Heinrich Von Kleist e o seu Anfitrião:
Qu em é d e vó s d o i s o A n fit r iã o ?
V ó s o so is , s im ; ma s a q u ele ta mb ém é.
De Deu s o d ed o , o n d e e s tá , p a ra mo s tra r
E m q u a l p ei to , ta n to d u m co mo d o u t ro ,
S e d i sfa rça o co ra çã o d o tra id o r?
S e d e sco b e r to , en tã o n ã o d u vid e i s,
Qu e o a lvo d a n o s sa v in g a n ça a ch á mo s.
Ma s en q u a n to o g u m e d a esp a d a a q u i
S e en fu re ce r, e m to rn o , em e sco lh a c eg a ,
Ma i s va le q u e p e r ma n eç a n a b a in h a . 523
Não pode haver lugar para escolhas cegas.
522
523
T ho ma s d e Q u i nce y - D o As s as s í nio co mo u ma d as B ela s Ar t es , p . 9 .
H. Vo n K le is t - O An f it r ião , p . 1 7 9 ( 1 8 7 6 -1 8 9 1 ) .
139
Estamos em crer e defendemos (um pouco contra corrente?) que
ainda há originais, e que são estes que dão sentido às cópias: “nesta
cultura da cópia, a repetição e a simulação tornam a nossa vida, a nossa
morte, real” 524. Para usarmos os termos de Walter Benjamin, e
afirmando-nos contra ele, acreditamos que o original ainda tem uma
“aura”, que nunca a perderá 525. Os objectos que definimos como sendo
arte continuarão presos a essa «lonjura », por mais próximos que
estejam de nós. “Não há duplo sem original”, diz-nos a certa altura um
dos generais de Kagemusha: esta afirmação continua a fazer sentido
hoje em dia. A arte ainda batalha com um ideal de autenticidade nesta
era da reprodutibilidade técnica: ainda admiramos o único, apesar de o
vermos reproduzido até à exaustão. O terreno onde nos movemos tornase indeterminado: quem somos, afinal? Delineamos uma possível
resposta, que existe sem que qualquer um dos elementos envolvidos
anulem o outro: seremos então original e cópia, corpo e reflexo, eu e
outro.
O crítico Harold Bloom, no seu famoso ensaio A Angústia da
Influência, Uma teoria da Poesia (1973) defende que qualquer obra
que um autor faça absorve (com ou sem «culpa»), uma «dívida » para
com um precursor. Toda a sua tese se fundamenta no conceito de um
«fazer» —palavra nossa, que, dadas as circunstâncias, pensamos ser
mais adequada do que o termo «criar» — encarado como invasão,
apropriação, imitação: “A poesia é a angústia da influência, é
encobrimento, é uma perversidade disciplinada. A poesia é um mal
entendido, uma interpretação errónea, uma aliança desigual” 526. Por
esta mesma razão, esclarece-nos ele que “precisamos de deixar de
524
Hi lle l Sc h war tz - T he C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 2 8 7 .
O e n saio r e f er id o ser á o d e W a lter B e nj a mi n - A Ob r a d e Ar te na Er a d a s u a
Rep r o d u tib il id ad e T éc n ica ; ele d e f e nd e u q ue a r ep r o d ut ib i lid ad e d as o b r a s
d ef i n ho u a a u r a d a a r t e ( o se u va lo r d e c u lt o , s a gr ad o ) , a s u a a u t en ti cid ad e,
au to r id ad e e d i st â nc ia d esd e q ue o s p r o c e sso s i nd u s tr i as mo d er no s se ti n h a m
i mp o s to . E st e ecl ip se d a d is tâ nc ia t i n ha p o t e nc iai s l ib er a tó r io s. Ver d o is e n sa io s
q ue l he e stão r el ac io nad o s: Ha l Fo s ter - W hat e v er hap p e n ed to p o s t mo d er n i s m? e o
d e Mar ia Fi lo me n a Mo ld er - Aur a e Ve s tí g io .
526
Har o ld B lo o m - A An g ú st ia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 9 . S ão sei s a s c ate go r i as q u e e le
p r o p õ e p ar a r e v er a fo r ma d e co mo s e fa z p o es ia: c lin a mem ( d e s vi o ) , te s se ra
( co n cl u são e a n tí te se) , ken o si s ( e s va zia me nt o ) , d emo n i za çã o ( mo v i me nto na
d ir ec ção d e u m co n tr a - s ub l i me) , a ske s is ( mo v i me n to a uto p ur ga ti vo ) e a p ó fra d e s
( r e gr e sso d o s mo r to s) .
525
140
pensar nos poetas como egos autónomos, por muito solipsistas que os
poetas fortes possam ser. Todo o poeta é apanhado por uma relação
dialéctica (transferência, repetição, erro, comunicação) com outro
poeta ou poetas” 527. Bloom conclui com um pensamento esperado, mas
que não deixa de ser espantoso: o significado de um poema pode
apenas ser outro poema. 528
Transportemos esta ideia para o campo da arte, e constatamos
que ela ganha contornos assustadores. É inegável que a arte sempre
viveu da apropriação e repetição de obras que lhe eram anteriores, e
que sempre foi uma resposta a outras obras (por vezes de forma óbvia,
banal ou até degradante). Lembremo-nos dos cómicos personagens
criados por Gustave Flaubert, Bouvard e Pécuchet 529, que, saturados de
explorarem todas as áreas possíveis do conhecimento e de ficarem
soterrados em factos inúteis, se viram para a única boa ideia que ainda
lhes coloca um sorriso na cara: tornam-se — surpresa das surpresas! —
copistas. Não será a história de arte feita, certamente não desde agora,
mas desde sempre, de filhos de bouvardes e pécuchets? Mas agora, com
a herança destes alegres trabalhadores copistas, assistimos a um
estranho espectáculo: a corda da autoria que estica, e estica até ao
limite. A cópia já não é camuflada, já não é “eco de uma música
alheia” 530. É descarada e sem-vergonha 531. Mas não continua o autor,
perversamente, ainda por lá?
Copying is what we are now about 532, afirma Hillel Schwartz com
todo o fundamento. O “mundo da réplica, da série numerada, da cópia e
da reprodução” 533 veio para ficar. Temos de aprender a reconstruir o
527
B lo o m - A An g ú s tia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 4 .
B lo o m - A An g ú s tia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 9 .
529
Gu st a ve Fla ub er t - B o u var d e P éc u c he t; ad i an te - se q ue e s ta o b r a não f ico u
co n cl u íd a, e q u e e s te s er ia u m d es f ec ho p o s s í ve l, e nco n tr ad o p o r e n t r e o s p ap éi s
d o es cr i to r ( ver so b r et u d o as p á gi n as fi na i s 2 9 5 -2 9 8 ) .
530
Os car W ild e - O Re tr at o d e Do r ia n Gr a y, p . 3 6 .
531
U m p o s sí ve l e x e mp lo ser á a o b r a d a ar t i st a co ncep t ua l a me r i ca na S her r i e
Le vi ne . P e n sa mo s aq ui não t a nto no se u ur i no l d o ur ad o “co p i ad o ” d o d e Ma r ce l
D uc ha mp , ma s na s fo to gr a f ia s q ue tir o u d e fo t o g ra f ia s d e o b r a s mo d e r n is ta s: v er
A ft er Ed wa rd We sto n ( 1 9 8 1 ) , A ft e r Wa l ke r E va n s ( 1 9 8 1 ) , Af te r Ale xa n d e r
Ro d ch en ko ( 1 9 8 5 -8 7 ) . O b r as q u e são u ma có p ia d e u ma có p ia …
532
Hi lle l Sc h war tz - T he C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 2 5 7 .
533
Ro sa Ol i var es – E l T ie mp o d e lo s R ep li ca n te s, p . 2 1 8 .
528
141
nosso mundo com a sua presença regeneradora (e até, estranhamente,
criativa). E à convites a tal, como o que sugere Rosa Olivares:
Ha ve ría mo s d e n o s a t r eve r a fa ze r u ma exp o si çã o co m d u z en ta s o b ra s
ig u a i s, 1 9 9 có p ia s e u m o r ig in a l, o u u m o rig i n a l, vá ria s có p ia s, a lg u ma s
rép lica s. .. se mp re a me sma i ma g e m e d if er en te s o b ra s to d a s ig u a i s. P a ra
a n u la r o s p o d er e s ma lig n o s d a v e rd a d e e d a ce r t eza . 534
O olhar não é de fiar, é sim, e segundo Bloom, “o mais tirânico
dos sentidos corpóreos” 535. Se entrássemos nessa exposição com a
nossa espada pronta a assinalar os 199 traidores e a erguer um pedestal
ao poder do único, sentiríamo-nos totalmente perdidos, torpemente
enganados. Instaurando-se o espaço da dúvida e da fronteira que marca
um e outro, mais valeria que o gume da espada permanecesse mesmo...
na bainha.
Queremos mencionar um último exemplo, que assinala na
perfeição como o duplo se relaciona estreitamente com o medo, com
qualquer coisa que simplesmente foge ao nosso controle. A artista
finlandesa Pilvi Takala, no vídeo “The Real Snow White” (2009) 536
surge rigorosamente vestida de Branca de Neve, pronta a entrar no
mundo mágico criado por Walt Disney em Paris. A sua personagem está
tão credível que as crianças imediatamente a rodeiam e lhe pedem
autógrafos, deliciadas. Mas ela é impedida de entrar pelos guardas do
parque temático; a razão que estes invocam é simples: a Branca de
Neve «verdadeira » está dentro do recinto (e depreendemos que é essa
que detém um contrato com a firma); mais, como sabem eles que ela
não se iria «portar mal » lá dentro? (É que os meninos poderiam ver a
inocente Branca de Neve a fumar, a beber, a ter comportamentos menos
adequados, etc.)
534
Ol i var e s – E l T ie mp o d e lo s Rep lic a nt es , p . 2 2 0 .
Har o ld B lo o m - A An g ú st ia d a I n fl u ê nc ia , p. 150.
536
Ver u m p eq ue no e xcer t o d o v íd eo no s it e d a ar t is ta :
ww w. p i l vi ta ka la. co m/r e al s no wh i te0 1 . ht ml
535
142
Talvez o maior trunfo de Pilvi é, na simplicidade desarmante
desta sua performance, fazer com que as pessoas falem livremente
sobre o que é que é possível e aceitável naquele espaço particular, e
sobretudo do medo que emana de tudo o que se desvia de um
comportamento pré-estabelecido. É o caso específico de existirem duas
Brancas de Neve (uma «humana» e outra «replicante ») que reclamam o
papel principal para si.
Quando aparecer o Anticristo, ele terá exactamente a mesma
aparência que Cristo 537...
O Cego de Diderot
Voltemos aos nossos três casos que iniciam este capítulo, e
também a Diderot. O filósofo francês, apelidado por Baudelaire de
“autor sanguíneo” 538,
teria ficado maravilhado com o «cego» de
Aveyron, ele que se sentiu encandeado pelo mundo da cegueira 539.
Compreende-se tal fascínio quando se ouve atentamente o cego de
Puisieux falar de espelhos, por exemplo. Poderá a palavra espelho ter
significado para um cego? Citamo-lo, e à sua magnífica e ousada
descrição do objecto espelho:
(.. . ) é u ma má q u in a q u e p õ e a s co i sa s em r ele v o , à d i sta n c ia , se e s ti ve re m
d isp o s ta s co n ven ien tem en te em re la çã o a ela . É co mo a min h a mã o , q u e
n ã o p re ci sa d e s er p o s ta a o la d o d e u m o b jec to p a ra q u e o s in ta . 540
Diderot aproveita a pista dada e conclui que o espelho é uma
máquina que nos põe em relevo fora de nós. Mas esta máquina,
segundo o seu cego, era defeituosa, já que esse outro nós mesmos dado
537
Le nd a s ici li a na, ci t. no li vr o d e Sel ma L a ger lö f - O s M il a gr e s d o An t i cr i sto , p .
7.
538
C ha r le s B a u d el air e - E d gar P o e, a s u a vid a e a s s ua s o b r a s, p . 9 1 .
P ar a Did er o t, o s ce go s t i n ha m u m se nt id o m o r al ma is ap er fe iço ad o : “Q uão
d i fer e n te é a mo r a l d o s ce go s d a no s sa ! ” P ar a e st e e scr ito r , o s c e go s p o s s uía m “u m
tel es có p io a ma i s”; C f. Did er o t - C ar ta so b r e o s ce go s, p . 4 1 e p . 5 5 .
540
Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 3 2
539
143
pelo espelho não era apreendido pelo sentido do tacto. Segundo ele, a
máquina colocava em contradição dois sentidos:
(.. . ) u ma má q u in a ma i s p er fei ta ta lv e z o s p u se s se d e a co rd o , se m q u e, p a ra
is so , o s o b jec to s fo s s em ma i s rea i s; ta lve z u ma ter cei ra , a in d a ma i s
p er fei ta , e m en o s p é rf id a , fá - lo s- ia d e sa p a rec e r , e a v isa r- n o s- ia d o e r ro . 541
É interessante ele caracterizar o espelho como “pérfido”, e
imaginar uma superfície reflectora que fosse menos fraudulenta,
fazendo desaparecer por completo visão e tacto.
Dizíamos à pouco que ele se sentiria, com toda a certeza,
fascinado por Victor. Victor decerto seria uma boa cobaia para tentar
resolver o que ficou conhecido por «Problema de Mol yneaux » 542, apesar
de não ser cego. Este problema pode ser resumido da seguinte forma:
um cego de nascença que tenha aprendido a distinguir, pelo tacto, uma
esfera de um cubo, se recuperasse subitamente a visão e tivesse de
indicar quais as formas que via, sem lhes tocar, não as conseguiri a
distinguir. Diderot conclui: “é à experiência que devemos a noção da
existência continuada dos objectos” 543; é também necessário “tempo” 544.
E esquematiza: é preciso que o olho “aprenda a ver, como a língua a
falar” 545.
Relata depois um outro caso, como que demonstrando que a
experiência também é falível. Quando os «selvagens » viram pela
primeira vez a pintura, tomaram as figuras pintadas por homens vivos,
interrogando-os e ficando surpreendidos por não obterem qualquer
resposta. Ora aqui não há qualquer “falta de hábito de ver” 546.
Se do primeiro e terceiro caso (Victor/o cego de Sacks) se
destaca a provável inexperiência da visão — o ver “pela primeira vez”,
como o doutor Itard referiu, e o uso, o «hábito» de ver — no segundo
541
De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 3 3 .
P r o b le ma o r i u nd o d e W ill ia m Mo l yn ea u x ( 1 6 5 6 -1 6 9 8 ) .
543
Did er o t - Ca r ta so b r e o s ce go s, p . 7 8 .
544
Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 8 0 .
545
Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 7 8 .
546
Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 7 9 .
542
144
exemplo (Freud e o seu reflexo inesperado) não há essa desculpa.
Sigmund Freud não tinha certamente um olho “por estrear” 547 ...
Esta seria então a tese de Diderot: (...) poucos homens são
dotados da faculdade de ver 548 (Baudelaire) embora tenham e utilizem
os olhos. Será o olho assim tão útil e tão essencial para nós?
Deveremos pensar em adoptar a invisualidade tão defendida por
Diderot?
A obra de Rebecca Horn que escolhemos e que destacamos tem o
poder de resumir tudo o que foi argumentado (Fig. 34).
É uma obra
muito forte. Para quem possui o poder da visão: é, decerto, uma
instalação visualmente muito apelativa, violenta, sangrenta, uncanny. É
uma
obra
que,
como
muitas
outras
peças
suas,
“respira
vida
mecânica” 549. Para quem, no entanto, queira tentar desprender-se do
primado incómodo da visualidade, ficará retido por uma única questão:
dueto ou duelo?
É uma obra «assassina » que convida à análise da luz e da
sombra, da poesia e do sentimento: De Quincey teria gostado dela. Jean
Baudrillard lança o alerta: “é perigoso desmascarar as imagens, já que
elas dissimulam que não há nada por detrás delas” 550. Acreditamos no
que diz, mas não temos medo desse nada que elas são.
*
O papagaio aproximou o bico e, não se reconhecendo a si mesmo
e tomando a imagem que via como um seu semelhante, espreitou por
detrás do espelho 551.
Todos os duplos referidos neste texto vivem desse momento
peculiar onde a experiência de uma vida parece claudicar — ela, que
julgamos sempre segura — momento imbecil e porém tão inteligente,
547
548
549
550
551
De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 8 0 .
C ha r le s B a u d el air e - A I n ve n ção d a Mo d er nid ad e, p . 2 8 9 .
D ub r a v ka U gr es ic - O Mu s e u d a Re nd iç ão I nco nd i cio n al, p . 1 5 2 .
J ea n B a ud r il lar d - S i mu lacr o s e S i mu l ação , p . 1 2 .
Hi stó r ia nar r ad a p o r Di d er o t - C ar ta so b r e o s c e go s, p . 8 4 .
145
de contornar o espelho e espreitar por detrás: É minha a imagem que o
espelho reflecte? 552 pergunta, duvidando, Alcmena.
A passagem do nada ao um é inimaginável, a do um ao dois
difícil. Passar para o três (e para outros tantos números) é um salto
quase mortal, mas possível. A hipótese foi antevista por Robert Louis
Stevenson. Entremos no laboratório do Doutor Hyde sem receio de
ouvir o “naufrágio” da sua dilaceração interior:
E su ced eu q u e a d ir ecç ã o d o s meu s es tu d o s ci e n tíf ico s, q u e co n d u zia m p o r
in te i ro a o mí st ico e a o t ra n scen d en ta l, rea g iu e la n ço u u ma fo r te lu z so b re
es sa co n sc iên c ia d a g u e r ra p er en e en tr e o s meu s me mb ro s . A ca d a d ia , e d e
a mb o s o s la d o s d a min h a in te lig ên c ia , o mo ra l e o in tel ec tu a l, fu i - me a s si m
a p ro x ima n d o ca d a v ez ma i s d e s sa ve rd a d e, p o r cu ja d es co b e rta p a r cia l eu
fo ra co n d en a d o a u m t ã o te r rív el n a u f rá g io : a d e q u e o h o me m n ã o é n a
verd a d e u m, ma s d o i s . Dig o d o i s, p o rq u e o esta d o d o meu p ró p rio
co n h eci men to n ã o va i a lém d es s e p o n to . Ou t r o s se seg u irã o , o u t ro s me
u lt ra p a ssa rã o n e sta m es ma via ; e a t revo - me a a d ivin h a r q u e o h o mem s erá
fin a l men te co n h e cid o c o mo u m me ro a g reg a d o d e h a b ita n te s mú l tip lo s,
in co n g ru en t e s e in d ep en d en te s. 553
Daqui para o síndrome de identidade dissociativa também é um
pequeno (mas muito provável?) salto.
O mise-en-abyme
Lucien Dällenbach, em Le Récit Spéculaire. Essai sur la mise en
abyme (1977), estudou exaustivamente o que hoje entendemos como
uma construção em abismo, conceito que permanece vago, enigmático e
incerto (um monstro “indefinível e proteano” 554, como o autor lhe
chama) nas nossas mentes. Lembra também no final do seu ensaio, que,
etimologicamente, as primeiras conotações do termo “abismo” são
552
He i nr ic h Vo n Kl ei st - O An f itr ião , p . 1 1 3 ( 1 1 6 0 ) .
Ro b e r t Lo u i s Ste v e nso n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e, p . 1 7 8 .
554
L uc ie n Dä ll e nb ac h - T h e Mi r r o r i n t he T e x t, p . 1 .
553
146
necessariamente o “muito profundo” ou o “sem fundo”, mas este
também pode “escolher como cadeira da sua supremacia o Paraíso das
Ideias ou a transcendência divina” 555. Os dois extremos, o muito alto e
o muito baixo: o barroco e o romantismo louvarão esta natureza bipolar
e este dispositivo, que veremos ser de duplicação interna dentro da
obra, e muito frequentemente (bem ou mal), associado ao espelho,
chegando mesmo ao ponto de se tornar num seu equivalente.
André Gide foi o responsável por cunhar o termo em 1893,
transplantando-o de um conceito vindo da área da heráldica para a
análise de textos literários e de obras de arte. “Abyss” é, para os
conhecedores e amantes do conhecimento de brasões, o coração deste.
Um brasão contém por vezes, no seu centro, uma réplica de si mesmo
em miniatura, uma segunda representação que surge “em abismo” em
relação à primeira (por vezes essa outra representação contém uma
outra, etc.)
Entendemos que, para Gide, o mise en abyme é qualquer
aspecto dentro de uma obra que espelhe a grande obra que a contém;
veremos Dällenbach restaurar o sentido dado por Gide deste conceito
— uma obra dentro da obra, um meio pelo qual a obra se volta para si
mesma (como um reflexo) —, mas rejeitar a sua noção de duplicação
exacta (de reflexo fiel). Por outras palavras, a recusar que o termo, que
é, segundo ele, “uma realidade estruturada” (apesar da sua aparente
variedade), seja equivalente a um mero mimetismo.
As analogias dadas por André Gide (os quadros com pequenos
espelhos
convexos
ou
planos
de
Memling,
Quentin
Metz ys
ou
Velázquez 556, que reflectem o interior dos quartos onde decorre a acção
555
Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t, p . 1 8 1 .
As o b r as r e f er id a s s er ia m as q ue co nt é m esp el ho s: o D íp t ico d e Ma rt in va n
Ne wen h o ven , d e Me ml i n g ( 1 4 8 7 ) , o nd e u m e sp el ho r e f lec te a s co sta s d a Mad o na,
cap ta nd o ta mb é m a i ma ge m d e Mar ti n va n Ne wen ho v e n ad o r a nd o o me ni n o J es u s;
Th e Mo n eyl en d e r a n d h is Wif e ( 1 5 1 4 ) , o b r a d a co l ecç ão d o Lo u vr e d a a uto r ia d e
Q ue nt i n Ma ts ys , o b r a q ue ut il iza o e sp el ho p ar a ir a lé m d o esp aço r ep r es e ntad o ,
r ev el a nd o u ma p e sso a n u m c hap é u ver mel h o co m u m p ap e l na mão ( ap e na s
p o d e mo s p er g u n tar : o p in to r ? U m p o ss í ve l c li e nt e d o us ur ár io ? ; La s Men in a s d e
Vel ázq ue z ( 1 6 5 6 ) , o nd e o esp e l ho p la no q ue est á d e fr e nt e p ar a o esp ec tad o r
r ef le cte o R ei e a Ra i n h a ( a e le vo l tar e mo s e m d eta l he no p r ó x i mo cap ít ulo ) ; a es ta
li st a, Dä lle nb ac h ai nd a acr es ce n ta o fa mo so A rn o lfin i Wed d in g d e Va n E yc k
( 1 4 3 4 ) , o nd e o e sp e l ho se to r n a ar t i fí cio s ub t il, to r na nd o vi sí v el o i n vi s í ve l: o
esp e l ho p er mi te - no s ver o q u e o p r ó p r io ca s al e st á a v er ( o s co n v id ad o s d a b o d a) e
au te n ti f ica e i mo r t al iza o mo me n to d e sta u nião .
556
147
da pintura) são, portanto, exemplos inadequados para ilustrar o
conceito. Porque, simplesmente, a sua função não é, de todo, serem
uma duplicação precisa: eles têm um “poder de revelação” 557, e a ilusão
óptica procurada em todos eles traz à pintura coisas
que estão fora
dela: “(...) os reflex os dados pelos espelhos complementam o quadro e
funcionam primariamente como um medium de inter-troca. Na fronteira
entre
interior
e
exterior,
eles
são
uma
forma
de
levar
a
bidimensionalidade aos seus limites” 558. Através deles, o que é externo
invade o interno, ganhando dessa forma a obra mais informação: não só
se integra uma realidade externa, mas, sobretudo, há uma abolição da
oposição entre dentro e fora.
Porventura o espelho suplanta a metáfora heráldica na definição
do mise en abyme, precisamente porque simboliza habilmente a
reflexividade de um conceito que se refracta em três direcções. Assim,
para Lucien Dällenbach, um “mise en abyme é um qualquer espelho
interno que reflecte o todo da narrativa através de uma duplicação
simples,
repetida
ou
paradoxal” 559.
Sintetizemos
esta
sua
tripla
natureza:
•
Duplicação simples, onde o grande exemplo será o Hamlet de
Shakespeare 560, uma sub-peça que percorre o mesmo caminho que
o drama principal (ou seja, um fragmento interno que é
relacionado por similitude à obra que a contém);
557
L uc ie n D äl le nb a c h - T he M ir r o r i n t h e T ex t, p . 1 0 . Os e sp e l ho s co m p en sa m o s
li mi te s d o no s so ca mp o d e vi são e mo s tr a m - n o s o q ue e st á alé m d e le, se g u nd o o
au to r .
558
Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t p . 1 2 .
559
Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t, p . 3 6 .
560
Ver W il lia m S h a ke sp ea r e - H a ml et, q u e p ar a m ui to s cr ít ico s é o mel ho r ex e mp lo
d o mis e en a b ym e; H a m let é g u iad o p elo f a nta s ma d o se u fa lec i d o p ai p ar a o se u
p r es u mí v e l a s sa s si no , q ue e n tr et a nto s e c a sa c o m a s ua mã e. Na p eça q u e a l g u n s
acto r es ap r e se n ta m n a co r te d e E l si no r e , o d r a ma r ep r e se nt ad o va i e q ui v al er a o
s up o sta me nt e v i vid o p e l o se u p ai, e s er á e le u m d o s mo to r e s p ar a d e s ve n d ar to d o o
enr ed o .
148
•
Duplicação infinita, de que “o mapa de Inglaterra”, de Jorge
Luís Borges, é o melhor exemplo (um mapa que contém um mapa
do mapa, que por sua vez contém um mapa do mapa do mapa...);
•
Duplicação aporética ou paradoxal, e aqui um exemplo possível
é o D. Quixote de La Mancha de Cervantes; quando a sequência
interior parece conter a obra que, na verdade, a contém primeiro.
O autor nada descura: com a mise en abyme, “é a função que cria
o órgão” 561. Talvez por isso ele próprio seja receptivo a uma quarta
opção, a peça da peça (ao invés da peça dentro da peça), a coincidência
quase total da mise en abyme com a obra que a contém. D. Quixote que
questiona o próprio Quixote, a sua própria estrutura de base?
Finalizemos com a grande consequência de toda esta “encenação
da infinitude” 562. Como o trompe d´oeil, o dispositivo do mise en
abyme é uma importante forma de cisão da atenção, “espartilhando toda
e qualquer lógica inerente à visualidade” 563.
Acompanhamos o olhar do inteligente, “orgulhoso” e “vingativo”
Hamlet 564 olhando para o Rei da Dinamarca, o seu tio Claudius, à
procura de uns quaisquer sinais do “rapinante do império e do
mando” 565 — de culpa, de remorso, de qualquer coisa que o denuncie
ou o ilibe do assassínio do próprio pai de Hamlet — e a nossa atenção
é habilmente desviada da peça que de facto se representa na corte
naquele
momento.
Esta
tem
um
nome
bastante
sugestivo:
The
Mousetrap, e é uma encenação de uma morte de carácter duvidoso e
vil.
561
L u ci e n D äl le nb a c h - T h e Mi r r o r i n t he T e x t, p . 5 4 .
Ca r lo s V id a l - I n v i s ual i d ad e d a P i n t ur a , p . 3 7 7 .
563
Ca r lo s V id a l, c it . 5 6 2 .
564
As si m se d e scr e v e o p r ó p r io Ha ml et, acr e s ce nta nd o u m t er ce ir o ad j ecti vo :
a mb ic io so . C f. S ha ke sp ear e - Ha ml et , p . 1 1 5 . Ha ml et ser á ma is u m p er so n a ge m
q ue , no co r r e cto d izer d e Har o ld B lo o m “ab r a ça a a niq u ila ção ” . Ver B lo o m - O nd e
Est á a Sab ed o r i a? , p . 9 3 .
565
W ill ia m S ha k e sp ear e - Ha ml et, p . 1 5 3 .
562
149
O mise en abyme completa e complexifica qualquer obra de
forma extraordinária. É também uma provocação aos espectadores; é
também, para utilizarmos o termo de Shakespeare, uma «ratoeira»: é
um Alfred Hitchcock que se passeia pelos seus filmes, sem se camuflar
(e sabemos como ele é inconfundivelmente discreto), e mesmo assim
consegue passar despercebido.
150
CAPÍTULO IV
O DISPOSITIVO DO ESPELHO
NA ARTE CONTEMPORÂNEA:
Pensamentos de Intervalo
Um ponto no Tempo
Como conseguir «captar» a dimensão tempo por entre pigmentos,
telas e pincéis? Como tornar visível essa grande força invisível? Esse
foi o grande desafio colocado aos pintores desde os tempos iniciais,
que, ultrapassando o que alguns poderiam considerar como uma
“limitação” específica e própria do medium, delinearam propostas
engenhosas que ainda hoje nos surpreendem. A «mudez » hermética
onde a pintura se encerra — para muitos, o seu grande e incontornável
defeito — podia tornar-se, com alguma imaginação, numa poderosa
mais-valia.
Comecemos por efectuar um exercício simples: destacar as
palavras que intuitivamente associamos ao tema «tempo», tentando
fazer uma correspondência entre estas e pinturas que o tenham
trabalhado de forma proveitosa. E logo pensamos em movimento (o Nu
Descendo as Escadas, de Duchamp, ou as bailarinas de Degas); em
simultaneidade (quase toda a pintura da Idade Média); velocidade (o
comboio de Joseph Turner a emergir, veloz, por entre o nevoeiro em
Rain, Steam and Speed); duração (os relógios de Dali, que parecem
derreter lentamente ao sol); instante (Monet pintando as variações de
luz sobre uma catedral, a diferentes horas do dia); suspensão (Saturno
prestes a devorar cruelmente o seu filho, pintura que encerra o
magnífico tempo trágico de Goya).
Não
é
nosso
propósito
sermos
exaustivos,
apenas
o
de
constatarmos que não é tarefa fácil carregar com o «peso» e com a
151
ambição que é sugerir a ideia de tempo, sobretudo em pintura ou
escultura (mas admitimos que certamente não será tarefa mais difícil
do que insinuar a ideia de espaço numa poesia ou numa música, por
exemplo). Hoje sabemos
— precisemos: hoje, pós-teoria de Einstein,
sabemos — que o tempo tem um «aliado» que não larga nunca, que é o
espaço. Quando falamos de um, implicamos o outro: sempre. Espaçotempo, agora seres gemelares separados apenas por um hífen, outrora
seres diferenciados...
Lord Shaftesbury e James Harris estabeleceram os alicerces para
a teoria desenvolvida por Gotthold Ephrain Lessing, no seu ensaio
sobre os limites da pintura e da poesia, intitulado Laocoon: an Essay
upon the Limits of Painting and Poetry (e onde Lessing clarificava a
divisão entre “artes do tempo”, como a poesia, a literatura, a música ou
o teatro, e as “artes do espaço”, como a escultura, a pintura ou
arquitectura). Para ele, eram categorias totalmente distintas. São
definições que já estão ultrapassadas, mas vale a pena referir o ponto
de vista destes estetas: numa primeira impressão, o que afirmam parece
estar correcto.
Shaftesbury (1671-1713), no início do século XVIII, era defensor
de uma formulação clássica para a abordagem ao problema do tempo na
arte, que consistia na acção instantânea. O pintor deveria escolher um
único momento no tempo, que provocasse no espectador uma antevisão
do passado, dando-lhe ao mesmo tempo uma «pista» para o futuro. Mas
ele próprio era o primeiro a referir, com divertimento, que a aplicação
da sua ideia poderia não resultar a nível prático, e menciona uma
representação do mito de Diana e Actéon, onde a casta deusa é vista
atirar água ao voyeur que a tinha surpreendido no banho: os cornos de
cervo já cresciam na cabeça do importuno visitante, mas ele ainda não
estava molhado...
James Harris, no seu ensaio intitulado Discourse on Music,
Painting and Poetry afirma com convicção que toda a imagem
necessita de um punctum temporis ou de um “instante”, de um “ponto
no tempo”. (Pergunta-se também uma questão curiosa, que já envolve a
memória: se a História fosse “silenciosa” e não desse informações
152
suplementares, o acontecimento histórico representado numa pintura
seria inteligível?). Lessing tirará proveito destes dois pensadores,
como podemos comprovar no ensaio já anteriormente citado, que data
de 1766:
A p in tu ra (... ) a p en a s p o d e rep re sen ta r u m ú n ico mo men to d e
u ma a cçã o e p o r ta n to t em d e sel ecc io n a r o mo men to ma is co mo ven te q u e
melh o r n o s p er mi te in f e ri r o q u e v eio a n te s e o q u e s e seg u e. 566
Esse único momento que será preservado para a eternidade não
podia ser de forma alguma “feio”, e nunca – e nisto era categórico –
poderia ser o momento apoteótico, o auge, e explica e defende a sua
posição:
O a rt i sta n u n ca p o d e u t ili za r ma is d o q u e u m m o men to n o te mp o d a
rea lid a d e se mp r e em m u d a n ça e, se é u m p in t o r , só p o d e o lh a r p a ra es te
mo men to d e u m ú n ico p o n to d e v is ta . Ma s já q u e o s seu s t ra b a lh o s exi s tem
não
só
p a ra
co n te mp la d o s
se re m
em
vi sto s
d u ra çã o
ma s
e
ta mb é m
p a ra
rep e tid a men te,
se re m
to rn a - s e
co n t emp la d o s,
c la ro
que
es te
mo men to ú n ico e p o n to d e vi s ta ú n i co d ev e rá s er o ma i s fé r til d e to d o s o s
q u e p o d em se r e sco lh id o s. Ap en a s o s mo men to s q u e sã o fé r tei s d ã o réd ea s
liv re s a o rein o d a ima g in a çã o . ( ... ) Co n tu d o , n ã o h á mo men to e m to d a a
seq u ên cia d e u ma emo ç ã o q u e s e a p ro ve ita m e no s d e sta va n ta g e m q u e o
seu cl íma x . 567
Concluindo o seu pensamento: o Laocoonte tem de provocar a
nossa imaginação de forma a que o oiçamos “gritar”, mas se nós já
sentirmos que ele se encontra neste estádio, não poderemos elevarmonos a uma intensidade maior nem descer a um patamar inferior sem o
retratarmos
num
estado
“mais
tolerável”,
e
portanto
menos
interessante. O Laocoonte feito de mármore não pode gritar — o olho
não pode ser levado ao extremo, porque além do clímax nada há —
566
Les s i n g c it. p o r E . H. Go mb r ic h - Mo me n t a nd Mo ve me n t i n Ar t , p . 4 2 . A
p ala vr a e xa ct a co m q u e Le s si n g d e scr e v e e st e mo me n to é “p o i g n a nt ”, o u sej a,
“co mo ve n te”, “a g ud o ”, “v i vo ”. E st e e n sa io d e Go mb r i c h t e ve o r i ge m n u m co ló q u io
q ue d e co r r e u no I n s ti t ut o W ar b ur g, so b o tít u lo d e “T e mp o e E t er nid ad e ”, e mer ec e
u ma le it u r a a te n ta.
567
Le s si n g c it. p o r E. H. Go mb r ic h - Mo me n t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 3 .
T r ad uzi mo s o mo me nto q ue L es s i n g d iz ser “f r u it f u l” p o r “f ér t il” , m as t a mb é m
p o d er ia se r “p r o d u ti vo ” , “f ec u nd o ”. No s so s ub l i n had o .
153
mas, contudo, essa regra não se mantém quando falamos do Laocoonte
de Virgílio. A este último tudo é permitido, podendo “gemer” e “rugir”
a seu bel-prazer.
O historiador de arte E. H. Gombrich faz a sua própria conclusão
de toda esta discussão: uma teoria que associa unicamente as artes do
tempo à sucessão e as do espaço à mera simultaneidade é “infrutífera”
e “enganadora” 568. Não é convincente. Segundo ele, a forma como os
pintores tinham de “agarrar” um ponto único no tempo permaneceu
indiscutível em estética, e só foi questionado aquando da invenção da
fotografia (cerca de 1839). Esta irá provocar uma mudança de
pensamento, ao exigir uma explicação para o que significa, realmente,
percepcionar algo. É esta nova arte que irá questionar a veracidade
desse breve “instante” no tempo – e, consequentemente, da frágil
separação entre artes do tempo/ artes do espaço.
É a fotografia, primeiro (e o cinema e a televisão depois) que nos
provam que o nosso cérebro não «vê », mas antes «constrói». O nosso
sistema perceptivo é extremamente vagaroso — nós somos, por assim
dizer, e como Gombrich nos explica, “máquinas” de registo lento —
por isso acreditamos no punctum temporis de James Harris (e
continuamos
a
acreditar,
mesmo
sabendo
desconstruí-lo:
o
que
percepcionamos de facto como “instante” é uma “sequência infinita de
tais pontos estáticos no tempo” 569, ou seja: é já, ele mesmo, uma
duração). O que leva o historiador de arte a afirmar que a ideia de um
punctum temporis é um absurdo não só lógico como psicológico: 24
stills sucessivos por segundo são o suficiente para nos darem a ilusão
de movimento no cinema. Mesmo que queiramos ver os fotogramas,
não somos capazes. Segundo ele, Shaftesbury e Lessing deveriam ter
tirado proveito da bela lição de Santo Agostinho: It is in thee, my
mind,
that
i
measure
the
times 570.
As
variáveis
“memória”
e
“expectativa” são aqui introduzidas (percepção do presente/ a memória
do passado/ a expectativa do futuro). À ponta do lápis o traço (...), Na
568
569
570
E . H. Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 9 .
Go mb r i c h - Mo me n t a n d Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 5 .
Sa n to Ago s ti n ho ci t. p o r E . H . Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t , p . 4 7 .
154
ponta dos pés o salto 571, como dizia de forma tão «antecipativa »
Clarice Lispector.
Retomemos o nosso pensamento: se não nos faz confusão a
afirmação de que a leitura de uma imagem é em si um processo que se
faz no tempo – precisamos de muito tempo para efectuar uma espécie
de scann do que estamos a ver, reconstruindo post factum o que vimos
— quando Gombrich diz que a área de percepção clara de uma imagem
inclui menos do que um por cento (-1%) do campo visual total
entramos quase em pânico (facto que poderá explicar a descoberta
tardia do «ponto cego » do olho, segundo o mesmo teórico).
Em todos estes aspectos há uma certeza: a de que se a percepção
do mundo visível/da imagem não fosse um processo construído no
tempo, portanto complexo e vagaroso (onde juntamos as partes e os
fragmentos que havíamos perscrutado até se encaixarem e formarem um
objecto imaginável, que de seguida comparamos com a «imagem real »),
as imagens estáticas não seriam capazes de provocar em nós memórias
e antecipações de movimento.
Será importante dar as boas-vindas ao fim da divisão e da
“autonomia” de cada medium – um livro pode agora, sem restrições,
transformar-se em peça arquitectónica, em catedral, como nos mostrou
Victor Hugo, e o cinema de Eisenstein pode ir beber tanto a Dickens
como a Piranesi.
O que se pode esperar é uma exigente mistura de
materialidades, como defende Jacques Rancière:
Do fa c to d e o so f r imen t o d o La o co o n te d e V i rg í lio n ã o p o d e r se r t ra d u z id o
id en t ica men t e n a p ed ra d o es cu l to r n ã o d e ve co n clu i r - se q u e, d o ra va n te , a s
p a la v ra s e a s fo rma s se sep a r em, q u e a lg u n s se d ed iq u em à a r te d a s
p a la v ra s en q u a n to o u t ro s t ra b a lh a m n o in te rva l o d o temp o , n a s su p e rf í cie s
co lo rid a s o u n o s vo lu me s d a ma té r ia re s is t en te. Ta lv e z se d e va a n te s
d ed u z ir o co n t rá rio . Q u a n d o o fio d a h i stó r i a se en co n t ra d e sn o ve l a d o ,
q u a n d o se p erd e a med i d a co mu m q u e r eg u la va a d istâ n c ia en t re a a r t e d e
u n s e a d e o u t ro s, já n ã o sã o só a s fo r ma s q u e se to rn a m a n á lo g a s , sã o a s
ma te r ia l id a d e s q u e se m is tu ra m d ir ec ta men te . 572
571
572
C lar i ce L i sp ec to r - É p ar a Lá Q ue E u Vo u, p . 7 1 .
J acq ue s Ra nc ièr e - O D es ti no d as I ma ge n s, p . 6 0 .
155
Olhemos agora numa outra direcção.
Um dos recursos mais utilizados para referir o tempo na Idade
Média era o de fazer coexistir diferentes tempos num mesmo espaço em
simultâneo. Assim, para dar apenas um exemplo entre tantos outros
possíveis, teríamos n’ O Dilúvio de Paolo Ucello 573 uma arca (da qual
já só resta um ligeiro vestígio) que intuímos existir antes da tormenta.
Rodeiam-na pessoas serenas e um calmo e ténue azul do céu. Há uma
outra arca (que sabemos ser “a mesma”) assolada pela chuva e pelo
vento forte, por uma atmosfera de catástrofe que nos indica que é pósdiluviana. «Reconhecemos » a história de Noé; a familiaridade com a
mesma e a imagem pintada leva-nos a esboçar, naturalmente, dois
tempos distintos no espaço: somos obrigados, por assim dizer, a mudar
de ponto de vista (a absorver dois pontos de vista). O ensaísta Michel
Baudson chama-lhe, de forma simples e compreensível (no grande livro
de 1984 que dedicou à questão da quarta dimensão na arte, L´Art et la
Quatrième Dimension) um “tempo plural num espaço singular” 574.
Damos agora voz ao físico Stephen Hawking. Segundo ele, o
aumento de entropia é um exemplo da seta do tempo, sendo que esta
distingue o passado do futuro, dando um sentido ao tempo 575. Tal
significa que nos lembramos das coisas pela ordem em que a desordem
aumenta; aplicando o nosso exemplo anterior da pintura de Ucello,
seria impossível — e, sobretudo, não seria lógico — vermos toda a
narração de forma inversa: começarmos pelo «fim », o dilúvio que
desfaz caoticamente tudo em vários pedaços, e chegarmos depois ao
«início», à calma, com todos os fragmentos a serem colados no seu
devido sítio (claro que será escusado dizer que Hawking refere as suas
três setas 576 em relação ao princípio antrópico do universo; esperemos
573
Fr e sco p i nt ad o e m Sa n t a Mar ia No ve lla , e m 1 4 4 7 - 1 4 4 8 .
Mic h el B a ud so n - L ´a r t et le T e mp s; t ít u lo d e u m d o s cap í t ulo s co nt id o s no
li vr o .
575
Ver St ep he n Ha wk i n g - B r ev e H i stó r ia d o T e mp o .
576
Ela s s ão : a se ta te r mo d in â m ica , q ue p r o v é m d a se g u nd a le i d a t er mo d i nâ mi c a e
q ue d iz q u e e m q u alq ue r si s te ma fec h ad o , a e nt r o p ia a u me n t a co m o te mp o ; a seta
p si co ló g ica , q ue é o se n tid o e m q ue se n ti mo s q u e o te mp o p a s sa, e q u e n o s p er mi te
le mb r ar d e u m p a s sad o , ma s n u nc a d e u m f u t ur o ; a se ta co smo ló g i ca , o se n tid o d o
te mp o e m q ue o u n i ver s o es tá a e xp a nd ir - se, e m ve z d e s e co n tr ai r .
574
156
que o nosso exemplo não seja um pouco forçado). Abreviamos o que
pretendemos expor: tudo se resume na procura de um sentido.
Fica a ideia que queremos ressalvar: identificarmos um tempo
confere sentido ao que estamos a ver. Mas precisemos, pois porventura
não terá ficado claro: toda e qualquer imagem existe no tempo, mesmo
que não o invoque directamente. Há sempre um tempo em que a própria
obra, simplesmente, É 577.
Serve este pequeno texto introdutório, e apesar de tudo o que foi
dito, de fazer ver o quão difícil é para qualquer artista escolher um
momento para a sua pintura. A esse momento escolhido, frutífero e
anti-apoteótico — ou não — é pedido muito: que consiga conferir
algum sentido a cada um de nós.
O “entre” das imagens
Marcel Proust, na sua escrita automática, quase que de cadavre
exquis (deriva, encarceramento, pesadelo) fala da abolição do tempo
que existe entre dois momentos distintos no tempo. Evocamos Maurice
Blanchot na lúcida análise que fez sobre a percepção do tempo neste
autor:
(.. . ) A q u e le in c id en t e in sig n if ica n te, q u e o co rr e u a d a d o mo m en to , o u t r o ra
p o rta n to ,
esq u ec id o ,
e
não
a p en a s
e s q u ecid o ,
ma s
que
p a s so u
d esp e r ceb id o , e is q u e o cu r so d o te mp o o t ra z d e n o vo , e n ã o co mo u ma
lemb ra n ça , ma s co mo u m fa c to rea l [ T ra ta - se n a tu ra lm en te , p a ra Pro u st e
n a lín g u a d e P ro u st , d e u m fa cto p s ico ló g ico , u ma sen sa çã o , co mo el e d iz] ,
q u e o co r re d e n o vo , n u m n o vo mo men to d o temp o . A s si m o p a s so q u e
tro p eça n a s la je s ma l e sq u a d ria d a s d o p á tio d e Gu e rma n te s e d e rep en te –
n a d a h á d e ma i s sú b i t o – o p ró p r io p a s so q u e t ro p eço u n o s mo sa i co s
577
Ver J . F. L yo tar d - O I n s ta nt e, N e wma n , p . 8 5 . Est e teó r ico is o la vár io s
“l u gar es d e te mp o ”, es té tico s o u ar tí st ico s, p r e s en te s n u ma o b r a d e ar t e. C it ar á u m
temp o d e p ro d u çã o ( te m p o q ue u m p i nto r p r eci s a p ar a p i n tar u m q u ad r o ) ; te mp o d e
co n su mo ( te mp o ne ce s s ár io p ar a o l h ar e p er c e b er es sa o b r a) ; t e mp o d o ref er en te
d ieg é tico ( te mp o d a h is t ó r ia co n tad a p elo q u ad r o , te mp o ao q ua l a o b r a se r e fer e ) ;
temp o d e c ir cu la çã o ( te mp o q ue a o b r a d e mo r a a ch e gar ao se u o b ser va d o r , d esd e a
s ua cr ia ção ; e o te mp o c itad o no te x to : t e mp o q u e a p ró p r ia o b ra é .
157
d es ig u a i s d o b a p ti st é rio d e S . Ma rco s: o me s mo p a sso , n ã o “u m d u p lo , u m
eco d e u ma se n sa çã o p a s sa d a ... ma s e ssa m es ma sen sa çã o ”, in cid en te
ín fi mo , p er tu rb a d o r , q u e ra sg a a tra ma d o te mp o e a tra vé s d e s se ra sg ã o
n o s in t ro d u z n u m o u tro mu n d o : fo ra d o te mp o , d iz P ro u s t co m p r ec ip i ta ç ã o .
S im, a f i rma el e, o te m p o é a b o lid o , u ma ve z q u e, si mu l ta n ea men te, n u m
g es to rea l, fu g id io ma s i rr efu tá ve l, eu a g a r ro o in s ta n te d e Ven e za e o
in s ta n t e d e Gu e rma n te s , n ã o u m p a ssa d o e u m p res en t e ma s u ma m es ma
p re sen ça
que
fa z
co i n cid i r
n u ma
s imu lta n eid a d e
s en s ív el
mo m e n to s
in co mp a tí vei s, s ep a ra d o s p o r to d o o cu r so d a d u ra çã o . Ei s, p o i s, o te mp o
a p a g a d o p elo p ró p rio t e mp o ; ei s a mo r te, e s sa mo r te q u e é o b ra d o te mp o ,
su sp en sa , n eu t ra l iza d a , to rn a d a vã e in o f en siva . Qu e in s ta n t e! 578
Na investigação que apresentamos ao longo de todo este último
capítulo, somos gratos devedores desta ideia, desse agarrar de dois
«agoras » que são chamados a se sobrepor – desses dois passos que, ao
tropeçar, fixam dois instantes separados no tempo com uma mesma
sensação, fazendo coincidir “momentos incompatíveis”. (O que há
entre um e outro, o que há de um a outro?)
Sabine Melchior-Bonnet afirmou, um tanto apocalipticamente em
The Mirror, A History (2002), que o espelho na arte contemporânea já
nada significava, já nada tinha a sugerir. A sua crítica é arrasadora e
mordaz, citamo-la: “Neuropsiquiatras sabem que a deterioração da
imagem especular é um dos mais flagrantes sinais de insanidade, e que
a indiferença perante ele é o derradeiro sintoma: o estádio do espelho
virado do avesso, onde a arte do final do século parece florescer.” 579
É muito difícil vermos o século XX do seu ponto de vista: uma
paisagem desértica de espelhos. Tentaremos mostrar precisamente o
contrário: sim, o espelho perdeu o significado «místico » que tinha
anteriormente, tornou-se inabitado, impenetrável e vazio, mas há
inúmeras obras que dele fazem uso e que são fascinantes. Não é só
pensar que o espelho de Velázquez abriu portas para trabalhos como o
de Rebecca Horn,
é pensar que os
espelhos de Horn também
acrescentam qualquer coisa ao de Velázquez. Julgamos que a sua
578
579
Ma ur ice B la nc ho t - A E xp er iê n cia d e P r o u st, p . 2 0 e 2 1 .
Sab i n e M elc h io r -B o n ne t - T he M ir r o r , p . 2 6 9 .
158
crítica é, senão precipitada, extremamente injusta. Mas concordamos
que, por vezes, a arte é um embuste (há quem se aproveite desse «vale
tudo » ilimitado: artistas, críticos, etc.). Há um excesso de palavras.
Ou, como Jacques Rancière afirma:
“P a la v ra s a ma i s. ” O d ia g n ó s ti co r ep et e - se e m to d o s o s lu g a r es em q u e é
d en u n cia d a q u e r a c r i se d a a rt e, q u e r a s u a su b m is sã o a o d is c u r so
es tét ico : p a la v ra s a ma i s so b r e a p in tu ra , p a la v ra s a ma i s q u e co me n ta m e
d evo ra m a su a p rá ti ca , q u e ve s te m e t ra n s fig u ra m o “ tu d o se rv e” e m q u e
ela se to rn o u . 580
Nós ainda acreditamos que as palavras servem para qualquer
coisa, embora concordemos que haja, muitas vezes, “palavras a mais”.
Recordamos Sophia, na sua Lisboa:
V ejo - a me lh o r p o rq u e a d ig o
Tu d o se mo s t ra m elh o r p o rq u e d ig o
(.. . )
— Dig o p a ra v e r 581
E
esta
sucessão
de
críticas
estaria
incompleta
se
não
enfatizássemos a tese de Foucault, essa sim bastante cruel, acutilante,
onde ele faz notar a estranha incompatibilidade entre «dizer » e «ver »:
“por mais que se tente dizer o que se vê, o que se vê jamais reside no
que se diz” 582. Ideia ingrata para quem escreve, para quem pinta ou
esculpe, para quem vê e sente o desejo de partilhar o seu olhar: há uma
«impossibilidade» de partilha.
Vamos começar por falar da junção de dois «instantes » distintos,
Velázquez e Rebecca Horn. Apenas lembramos que o momento em que
o tempo «pára » é uma “extrapolação ilícita” 583 do nosso cérebro, apesar
580
581
582
583
J acq ue s Ra nc ièr e - O D es ti no d as I ma ge n s, p . 9 5 .
So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - Li sb o a, p . 7 .
Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 2 5 .
E . H. Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 5 3 .
159
da sua plausibilidade enganadora. O punctum temporis é apenas isto:
um fantasma, um “espectro” 584 feito pelo homem – mas mesmo assim
sentimos aquela surpresa proustiana: Que instante!
O leitor fica portanto e desde já avisado: começamos com uma
associação ao tempo que é... uma falácia.
584
Go mb r i c h - Mo me n t a n d Mo ve me n t i n Ar t, p . 6 1 .
160
De Velázquez a Rebecca Horn – o instante
Há mu i to te mp o , a n t e s d e exi st i r o Gra n d e Reló g io , o te mp o e ra
med id o p e la d e slo ca çã o d o s co rp o s c ele s te s: o len to t ra j ecto d a s
es tr ela s n o céu n o ctu rn o , o a r co d e sc r ito p elo S o l e a s va ria çõ es d a
lu z, o c r es ce r e o m in g u a r d a Lu a , a s ma ré s, a s e sta çõ e s d e a n o . O
temp o e ra ta mb é m med i d o p o r p u l sa çõ e s, p elo s r it mo s d e so n o l ên c ia e
do
so n o
p ro fu n d o ,
a
o co r rên c ia
p e rió d ica
da
fo me,
os
ci clo s
men st ru a i s d a s mu lh e re s , a d u ra çã o d a so lid ã o . Até q u e, n u ma p eq u en a
cid a d e ita lia n a , fo i c o n st ru íd o o p ri me iro re ló g io mec â n ico . A s
p es so a s
f ica ra m
ma r a vilh a d a s.
Ma i s
ta rd e
p a s sa ra m
a
f ica r
h o r ro r i za d a s . A l i e s ta va u ma in ven çã o h u ma n a ca p a z d e q u a n t if ica r a
p a s sa g em d o te mp o , (. .. ) ca p a z d e m ed i r co m p rec i sã o o s mo m en to s d e
u ma vid a . E ra a lg o d e má g ico , d e in su p o r tá ve l , a l g o d e n ã o co n fo r me
à s le is d a n a tu re za . [ Os ho me n s] ( ... ) ca í ra m n a a rma d ilh a d a su a
p ró p ria in ven ti vid a d e , d a su a p ró p ria a u d á cia .
Ala n Li g h t ma n, O s S o n h o s d e Ein st ein 585
P a ra m im , o b a ru lh o d o Temp o n ã o é t ri s te : g o sto d o s sin o s, d o s
re ló g io s — e reco rd o - m e d e q u e, n a su a o rig em , o ma te r ia l fo to g rá fi co
es ta va lig a d o à s técn ica s d o ma r cen e i ro e d a m e câ n ica d e p rec i sã o ; n o
fu n d o , o s a p a r elh o s era m re ló g io s d e v e r, e ta l vez e m mi m a lg u é m d e
mu i to a n t ig o o u v e a in d a n o a p a r elh o fo to g rá f ico o b a ru lh o vi vo d a
ma d ei ra .
B ar t he s, A Câ ma ra Cla r a 586
585
586
Al a n Li g h t ma n - O s So n ho s d e E i n st ei n, p . 9 1 e 9 2 .
Ro la nd B ar t he s - A Câ ma r a Cl ar a, No ta so b r e a Fo to gr a f ia, p . 2 3 .
161
De Velázquez se disse que conseguia pintar o ar, a “poeira
imponderável”
587
do seu espaço. A sua pintura conhecida como Las
Meninas (intitulada A família de Filipe IV pelos inventários do palácio,
e datada de cerca de 1656-57, uma das suas últimas obras, portanto),
ou antes, o seu singular retrato da família de seu amo El-Rei,
comprova-o sem quaisquer hesitações.
Tela de monumentais dimensões, certamente pouco usual para o
tema
pretendido,
evidencia
um
autêntico
jogo
cruzado
de
referências/olhares sobre os vários planos da pintura, criando um a
enorme teia de inter-relações entre os seus vários elementos (a Infanta
com as suas “meninas”/ o pintor/ o rei e rainha/ o espectador). É sem
dúvida uma obra ímpar na história da pintura, mas não julgamos que
seja uma “criação imprevista” 588 no percurso de Velázquez, como
defendeu Ortega y Gasset. El gran Velázquez 589, como lhe chamou
Quevedo, já nos tinha dado muitos exemplos do seu extremo poder de
invenção: o seu Papa Inocêncio X é belíssimo (e já parece estar
claustrofobicamente preso na sua cadeira, já parece antever o grito/a
queda baconiana que mais tarde dará! 590); o seu Juan Calabazas
intimida na sua inocência e loucura, El Príncipe Baltasar Carlos con
un enano é simplesmente magnífico, e mesmo os cães de caça, cavalos
ou veados troféu já nos alertavam para a pintura impiedosa deste pintor
da corte, deste mero “funcionário palaciano” 591. Apenas com o cãozinho
instalado no cadeirão almofadado em El Príncipe Felipe Próspero
Velázquez já seria «Grande ».
Mas Las Meninas tem o poder de eclipsar tudo em seu redor, isso
admitimos. Porquê este sentimento de «murro no estômago» que esta
obra nos provoca?
587
Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 8 .
Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 3 6 .
589
Q ue ved o , c it. p o r F er na nd o C he ca - D ie go Vel á zq u ez d a S il v a 1 5 9 9 -1 6 6 0 , p . 4 2 .
590
Gil le s De le uz e e m F r a n ci s Ba co n : Ló g ica d a S en sa çã o , p . 1 0 6 , a f ir ma q ue
B aco n “hi s ter i za” to d o s o s el e me n to s d e V elá zq ue z, e q ue p o r ta n to , e m Vel ázq ue z:
“a c ad e ir a d es e n ha j á a p r is ão d o p ar a le lep íp ed o , a p es ad a co r t i na p o r t r ás d o p ap a
te nd e j á a p a s sar p ar a a fr e n te, e o ma n t ele te te m al go d e u ma p eça d e t al ho ( …) ”.
591
J acq ue s L as sa i g ne - V é la sq uez, p . 1 1 . O p i nto r ser v i u na co r te d esd e o s se u s 2 4
ano s até à s ua mo r te .
588
162
Será porque a retratística real deixa de ser divinizada para passar
a ser mais humana, ou por já se detectar uma vontade do pintor em
renunciar à pose hirta e pouco espontânea adoptada pelos seus
antecessores/contemporâneos 592?
Terá a ver com a introdução da sua pincelada audaz, mergulhada
em tons de terra 593 — fluida, nervosa, veloz —, criadora de uma
espécie de névoa dourada que parece emanar dos seus quadros (e que
fará «inveja» aos impressionistas tantos anos mais tarde)? Decerto que
estas razões contribuem para a leitura final. Mas estamos em crer que
esta
pintura
nos
causa
admiração
porque
nos
parece
extraordinariamente real. Ela move-se, ela respira! Ela conseguiu
captar aquele momento específico no tempo, suspendê-lo, congelá-lo!
Esta obra é uma fotografia tirada no século XVII!
Porventura este será o facto que nos deixa em choque: é
admirável pensar n´As Meninas como um retrato quase fotográfico, mas
antecedendo em quase dois séculos a invenção de Niépce e Daguerre.
Descobrimos uma passagem de Gombrich onde constatamos a nossa
falta de originalidade, pois este historiador disse exactamente a mesma
coisa, tantos anos antes de nós (e tantas vozes como a dele se fizeram
ouvir dizendo o mesmo): “...eu gostaria de imaginar que Velázquez
fixou um momento real de tempo muito antes da invenção da máquina
fotográfica” 594. Ou Ortega y Gasset: “Os quadros de Velázquez têm
certo aspecto fotográfico: é a sua suprema genialidade” 595. Antes dessa
592
Alo n so S á nc he z Co el lo ( 1 5 3 1 /3 2 -1 5 8 8 ) , J ua n P a nto j a d e la Cr u z ( 1 5 5 3 -1 6 0 8 ) o u
B ar to lo mé Go nzá lez ( 1 5 6 4 -1 6 2 7 ) ap r e se n ta v a m u ma i ma g e m d e g r a vita s d o s
mo na r ca s Ha sb ur go s: o u so r eco r r e n te d o ve st uár io p r e to , u ma co mp o si ção q ue
en vo l vi a u ma i nco me n s ur á v el d i st â nc ia ao o b s er v ad o r , b e m co mo a c o d i fic ação
cer i mo n ia l e s ta va m p r e se n te s. R ub e n s ( 1 5 7 7 - 1 6 4 0 ) ti n h a j á u ma fo r m a d e p i nta r
b as ta nt e mai s so lt a, co m u m uso i n v u l gar d a c o r e d a se ns u al id ad e , u m se nt id o d e
mo v i me n to . Fo i u ma gr and e i n fl u ê nci a p ar a V e lázq ue z, so b r et ud o co m o p en sad o r
d o r eg i me d a ar te ( cr ê - s e q ue o i n f l ue n cio u na s ua p r i me ir a vi a ge m a I t á lia) . So b r e
to d o s e s te s asp ec to s ve j a - se F er na nd o C hec a - Dieg o Ve lá zq u e z d a S i lva , 1 5 9 9 1660 (2008).
593
O p i nto r ad mi r a va o s ve n ezi a no s T i nto r et to ( 1 5 1 8 -1 5 5 4 ) e so b r e t ud o T icia no
( 1 4 8 5 -1 5 7 6 ) , ma s a s ua p ale ta ma n t e ve - se se mp r e b a st a nte co nt i d a, q u a nd o
co mp ar ad a co m e ste s p i nto r e s. Co mo a fir mo u Car me n Gar r id o e m V el á zq u e z, La
Técn ica d el Gen io , p . 1 8 , p o r vez es a s s u a s o b r as p ar ec e m “e xer c íc io s so b r e u ma
ga ma cr o mát ic a d et er mi nad a”.
594
E .H. Go mb r ic h – A Hi s tó r ia d a Ar te , p . 3 2 3 .
595
Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 5 0 .
163
arte sensível à luz dos sais de prata, esta magnífica obra já era um
“relógio de ver” (Barthes), e isso é admirável.
Primeiro sentimos este espanto e intensidade do naturalismo
(malogradamente e contra nossa vontade, aceitamos que é o efeito
produzido por um grande mestre do virtuosismo; dizemos esta frase
com alguma frustração porque as “contorções da técnica” 596 nunca nos
entusiasmaram antes) — e só depois vamos mais além, em direcção à
conceptualização da sua obra que, com este quadro e segundo o pintor
Lucas Jordán, se conseguiu aproximar da “teologia da pintura” 597.
Roland Barthes, num brilhante texto intitulado A Câmara Clara,
Nota sobre a Fotografia (1980), propunha dois elementos que seriam
dignos de análise e que estariam presentes nas fotografias que ele mais
admirava, interessando-o de formas diferentes: o studium (que ele,
numa primeira abordagem, não consegue explicar de forma concisa o
que é — “ studium (...) que não significa, pelo menos imediatamente,
“o estudo”, mas “a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém” 598 —
mas que mais tarde precisa ser o campo do comentário intelectual), e a
“ferida”, a “picada”, a “marca”, o “ponto sensível” que o vem quebrar
e decompor: o punctum. Este é definido de forma notável: “O punctum
de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me
mortifica, me apunhala)” 599. O punctum é um “detonador” 600 que prende
a nossa atenção. Poderíamos resumir: uma imagem que se «pensa» (e
que tentamos decifrar) e que se «sente» apenas quando já não nos
transmite nenhuma mensagem, quando o studium se «cala».
Propomos o seguinte: tentemos interpretar Las Meninas com base
nestes
dois
elementos.
Seria
errado
olharmos
para
a
obra
fotograficamente, e não é essa a nossa intenção. Analisemo-la pelo que
ela é, uma extraordinária pintura, mas tendo por base estes dois
componentes, que julgamos que serão um bom ponto de partida para a
sua interpretação. Desloquemo-nos então à oficina do pintor espanhol,
596
597
598
599
600
Ro la nd B ar t he s - A Câ ma r a Cl ar a, p 4 2 .
Lu ca s J o r d á n ci t. p o r G r id le y Mc Ki m - S mi t h - C ie nc ia e H is to r i a d e l ar t e, p . 1 9 .
B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 3 4 .
B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 3 5 .
B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 6 0 .
164
pois é esse o cenário representado neste quadro. Ah! E até parece que
já lá estamos dentro... que ouvimos o rei e a rainha a conversar entre si
por sussurros, os passos vigilantes do camareiro da rainha nas escadas,
os gritinhos alegres da pequena infanta (que não tardarão a tornar-se
em bocejos cansados), o froufrou dos vestidos de seda e de veludo...
O que vemos?
Como o título sugere, uma cena familiar, descontraída (na
medida do possível para a família alargada do rei). Da esquerda para a
direita, no primeiro plano, vemos a perna de um cavalete que sustenta
uma enorme tela que quase chega ao tecto – e um cão que dorme. Num
segundo plano, e seguindo a mesma direcção, temos Dona María
Agustina Sarmiento que, servilmente, se encontra ajoelhada e oferece
numa bandeja um pequeno jarro, certamente com água, à Infanta
Margarida (um “Anjo saudando a Virgem” 601, como disse tão bem
Foucault), o segundo elemento presente. Segue-se Dona Isabel de
Velasco, a sua outra dama de honor, a anã Maribárdola e Nicolasito de
Pertusato, que apoia o seu pé no cão. Num terceiro plano, Velázquez
retratou-se a si mesmo numa pose majestática, solene, um tanto
reclinado para trás; segura o pincel na mão direita e na outra mão uma
paleta com meia dezena de tonalidades, e tem a cruz da Ordem de
Santiago ao peito (que, com toda a certeza, foi adicionada mais tarde,
já que quando a pintura foi feita o rei não lhe tinha ainda concedido
essa honra). Não olha para o que está a pintar, mas para um ponto que
se encontra fora do quadro. Num quarto plano, quase ao nível do
pintor, surge a figura de Marcela de Ulloa, guardamujer das açafatas
da rainha, e ao seu lado o único personagem que não é identificado
pelo nome, mas que se calcula ser um guardadamas 602. Os dois já se
encontram na quase escuridão. Num quinto plano, o espaço envolvendo
a parede do fundo, onde se encontram duas telas de grandes dimensões
e um espelho, que mostra a parte superior do corpo de duas figuras, o
601
Mic he l Fo uca u lt - La s Me ni n as , p . 2 8 .
É gr a ça s ao p i n to r An t o ni o P alo mi no ( q u e e s c r ev e u Mu seo P ic tó rico y E sca la
Óp t ica e m 1 7 1 5 /1 7 2 4 ) , q ue se co n se g ue m id e n t i fic ar o s p er so na g e ns r e tr at ad o s no
q uad r o . C f. Str at to n -P r ui tt - V elá zq uez ´s La s Me ni n as , p . 2 -4 , q u e co n té m u m
ex te n so e xce r to d o p r i me ir o b ió gr a fo d o p in t o r , est ud o a p ar tir d o q ua l d er i v a m
to d o s o s o u tr o s ( p e lo me no s no q ue d iz r e sp e ito à id e n ti f ic ação d as fi g ur as) .
602
165
rei e a rainha. No último plano, uma porta que dá acesso a umas
escadas (o segundo grande ponto de luz nesta obra tão escura) mostra o
perfil de José Nieto, aposentador da rainha — o «duplo» de Velázquez,
já que este era, muito honradamente, o aposentador do rei 603. Um sinal
que o comprova é a chave que usa à cintura (e que modestamente
esconde na sombra, mas que ao mesmo tempo exibe, mesmo no acto de
pintar), essa chave que abria todas as portas do palácio, incluindo a do
quarto do rei, e que era um símbolo de prestígio e de poder.
A área mais luminosa da tela é a pequena Infanta Margarida. À
primeira vista, ela é o centro do quadro, é para ela que o “Anjo” olha
atentamente, é para ela que a sua outra “menina” se inclina (ou será
uma vénia para alguém que não vemos e que se prepara para sair?). A
sua pele e os cabelos são extremamente claros, o seu vestido
acinzentado, de balão, um enorme ponto de luz. Depreendemos que ela
fez o que nós próprios, espectadores, fizemos: interrompemos a sessão
de pintura que decorria no atelier do pintor, e a ela assistimos,
curiosos. Ela olha com interesse para os pais, tal como o pintor e a anã
(novamente, poderíamos dizer: olha para nós. Seremos intrusos, nesta
peça que se representa? E se olharmos para o nosso lado esquerdo,
veremos Filipe IV e a sua esposa, retribuindo-nos o olhar?).
Arnold Hauser afirmava que um método característico do barroco
era trazer as figuras para o alcance do observador: “Como resultado da
visão extremamente próxima, o observador sente o elemento do espaço
como uma forma de existência que lhe pertence, dependente dele, e por
assim dizer criado por ele” 604. Assim acontece aqui, duma forma de
603
U ma b r e ve no t a ap e na s p ar a co n fr o n tar id ei as : Or t e ga y Ga s set – V e lázq ue z,
d ef e nd i a q u e a vid a d o p in to r ha v ia sid o d e “p a s mo sa q uo t id i a nid ad e” ( p . 2 ) , e q u e
ele se mp r e se ma nt e ve “af a stad o d a s p o l é mi ca s p alac ia n as ” ( p . 1 7 ) , co n ce ntr ad o na
s ua f u nção co mo p i nto r ; J o na t ha m B r o wn - O n the M ea n i n g o f La s M en i na s”, p .
1 0 2 , co n s id er a -o u m “ a mb ic io so co r t es ão ” q u e te ve d e l ut ar ar d u a me n te p ar a
co n se g u ir o q u e mai s q u er ia, q ue er a p er t e ncer à no b r ez a; d á - no s co n ta s ua s vár ia s
f u nçõ e s at é ao tão d e sej ad o tí t ulo : 1 6 2 7 – u g ie r d e cá ma ra ; 1 6 3 6 a yu d a d e
g u a rd a rro p a ; 1 6 4 3 a yu d a d e cá ma ra /tr ab a l ho co mo ar q u ite cto ; 1 6 5 2 Ap o sen ta d o r
Ma yo r d e P a la c io e su p er in ten d en t e d e o b ra s p a rt icu la r es . O tão a mb icio n ad o
tít u lo d e Ca va le ir o d a O r d e m d e Sa n ti a go só vir á e m 1 6 5 9 .
604
Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d e B ar r o co , p . 2 2 7 .
166
quase «imersão » total: a pintura tende para além dela própria 605. O
facto de a escala das personagens ser uma escala quase real (quase de
1:1) também ajuda a enfatizar a ilusão. Este é, inegavelmente, um dos
maiores trunfos desta pintura: a nossa entrada na fortaleza do século
XIV, numa das salas do Palácio de Alcázar, a nossa presença e
convivência com a realeza 606.
Já falámos do primeiro ponto focal da obra (a Infanta), passemos
ao segundo: o pintor. Sabemos que foi corajoso ao retratar-se assim
(tanto quanto Jan Van Eyck no seu The Arnolfini Portrait, datado de
1434). O que queremos ressalvar não é o espelho presente nessa grande
obra, que alguns estudiosos defenderam conter a figura em miniatura
do pintor 607, e que cada vez mais surge como uma tese improvável, mas
a estranha inscrição nela contida. Julgamos que o seu auto-retrato na
obra é essa singular assinatura com que o pintor nos brinda, numa
possível imitação dos documentos oficiais da época: Johannes de Eyck
fuit hic (Jan Van Eyck esteve aqui), escreveu o pintor numa caligrafia
floreada que coloca no cimo do espelho e de forma central no quadro.
605
E s te a sp ec to – o “e ntr a r ” no q uad r o - j á e sta v a p r e se nt e n u ma o b r a q ue o p i n to r
ad mir a v a, d e T in to r e tto , Cr i sto la va n d o o s p é s a o s seu s Di sc íp u lo s ( c. 1 5 4 8 ) ,
Mu s e u d o P r ad o .
606
Esta o p i nião e s tá e m si nto n ia co m a d e Mic h el Fo uca u lt , q ue v i nco u o p ap el d o
esp e ct ad o r n es ta o b r a. J o na t ha n B r o wn cr i ti co u e ste “e xa ger o ” d e p r ese n ça d o
esp e ct ad o r , d ize nd o q ue não e sta v a no s p l ano s d o p i n to r teo r iz ar so b r e a
r ep r e se nt ação ( i s so é u m p r o b le ma no sso , n ão d aq u el a ép o ca) . As s ua s
p r eo c up açõ es s er i a m o r eal is mo d a o b r a. C f. B r o wn - V el ázq ue z a nd P h ilip I V, p .
259.
607
Es ta o b r a ma g is tr a l d o met ic u lo so p i n to r f la me n go p er te n cia à co l ecção d e
p in t ur a d o r e i e sp a n ho l e d ev e te r s id o , mu i to p r o va v el me n t e, vi st a e ad mi r ad a p o r
Vel ázq ue z. O esp el ho , c o n ve xo , tr a zi a p ar a ce n a d u as p es so as q u e s e e nco n tr a v a m
d e fr e n te p ar a o ca sa l r e tr at ad o , “fo r a ” d o q uad r o . T er á sid o u ma gr a nd e in f l uê nc ia
p ar a o p i nto r , ma s cer t a me nt e n ão ta n ta co mo L i nd a Seid el no s faz c r er , q u a nd o
af ir ma q ue Vel ázq ue z “r ep i n to u” o Ar no l f i n i P o r tr ai t, tal co mo a l g u n s a u to r e s
r ee scr e v e m r o ma nce s ( Sei d el – P o eti c Fi ct io n s, p . 1 9 0 ) ; P ano f s k y vi u ne le a
r ep r e se nt ação d o i n st a nt e d a tr o c a d e vo to s cer i mo nia i s, o nd e t ud o ti n ha u m
si g n i fi cad o “es co nd id o ” : a ú ni ca ve la a ce sa q ue ar d ia so b r e o ca nd e lab r o er a D e us
q ue t ud o v ia, o cão ser i a o s í mb o lo d a f id el id a d e co nj u g al, o e sp el ho e q ui v al ia ao
sp ecu lu m s in e ma cu la , sí mb o lo d a p ur ez a d a V ir ge m, o r na d o no e xt er i o r co m d e z
mi n ú s c ul as c e na s d a P ai xão . P a no fs k y é d e o p in ião q ue el e é u m “o b j ec to
r eli g io so ” ( J a n V a n E y ck, p . 3 7 0 ) . So b r e e ste te ma ver t a mb é m Ed wi n Ha ll P r o b le ms o f S y mb o l ic I nt er p r e tat io n. No f i na l, fi ca e s se e sp a n t o so “o l h ar
r ep ti li a no ” d e Gio v a n ni Ar no l fi n i ( P a no f s k y – J an Va n E yc k , p . 3 6 6 ) q ue i mp õ e
u ma cer t a d i st â nci a, e q ue c er t a me n te e vi ta o l h ar p ar a nó s d a ma n eir a d esa f iad o r a
e o r g ul ho sa d o p i n to r e s p an ho l.
167
A maneira de Velázquez se retratar não passou despercebida: na
primeira descrição detalhada que se fez da obra, em 1696 (pelo
português Felix da Costa), o autor sente nitidamente essa confusão,
dizendo com algum embaraço: “O retrato parece mais um retrato de
Velázquez do que da Imperatriz” 608 (e atenção, porque ele assumia que
era um retrato da infanta). Picasso, mais tarde, e na grande homenagem
que dedica ao pintor, exagerará esse «pequeno detalhe», pintando
ousadamente um Gulliver no meio de liliputianos 609. O que tornou o
quadro para muitos, bizarro, foi o facto de Velázquez ter deixado de
estar no seu lugar habitual do pintor (olhando de fora) para se colocar
no mesmo plano que os seus modelos, olhando para o espectador, e de
se apresentar no mesmo plano que a realeza.
Será esta obra um retrato da infanta, do pintor, dos monarcas que
se encontram no espelho, ou de todos? Não debateremos este ponto,
pois
nunca
terá
consenso.
Indaguemos
antes
uma
coisa
muito
importante: o que não conseguimos saber, antes de reflectirmos sobre a
imagem que vemos no espelho.
Há várias coisas que não sabemos, e que o pintor não nos quis
dizer (enumeramos algumas, e tentamos conjecturar de seguida sobre as
mesmas). Enquanto espectadores não sabemos:
•
O que o pintor pinta, já que só nos é dada a ver a parte de
trás da grande tela.
Hipótese: certamente é uma “tela dentro de uma tela”, mas
terá esta tela pintada outra tela: estará Velázquez a pintar
As Meninas numa mise-en-abîme recorrente e vertiginosa,
porventura
de
forma
a
sentirmos
essa
“força
impulsionadora do infinito” 610?);
608
Fe li x d a Co s ta ci t. p o r S uz a n ne L . Str at to n -P r ui tt - Ve lázq u ez L a s M en i na s, p .
I.
609
Sa l vad o r Dal í co me nt and o o q uad r o d e P ic as so , c it . e m Ger tj e R. Ut le y,
Vel ázq ue z La s M e ni n as , p . 1 7 5 . Ver o b r a d e P i c as so i n ti t ul ad a La s M en in a s (a ft er
Velá zq u e z ), ó leo s / t ela , 1 9 5 7 .
610
Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d e B ar r o co , p . 2 3 8 .
168
•
A disposição do espaço para o qual a maior parte dos
personagens olha, o «fora-do-quadro » (o lugar do casal
real, e também o nosso lugar) e quem se situa nesse espaço
virtual, como é que esse espaço é: será vasto e isento de
mobília, um espelho do que o que nos é dado a ver?
Hipótese: é uma sábia forma de expandir o espaço, e ao
mesmo tempo de nos envolver nele, revelando apenas o
que lhe interessa (presença/ausência dos reis), e dando-nos
o poder de “complementar o que ele deixou de fora” 611;
•
O porquê da escolha das grandes pinturas que decoram o
salão, Pallas e Arachne e Contest of Pan and Apollo (pela
mão do genro do pintor, cópias de Rubens); terão algum
significado preciso?
Hipótese: alguns autores 612 defendem que sim, que estas
pinturas são portadoras de uma mensagem, pois é através
delas que o pintor faz um apelo a Filipe IV: ver o
exercício da pintura como uma arte nobre, com um estatuto
liberal
(e
não
apenas
como
uma
arte
manual
e
«desprestigiante », que tinha equivalência ao nível do
trabalho de um sapateiro ou de um ferreiro). O tema das
pinturas alude, de forma conveniente, ao triunfo da arte
“verdadeira” 613, divinamente inspirada. Mas não se poderá
também ver nelas a insubordinação extrema de Aracne
(que borda tão bem quanto a deusa Pallas), e de Pã (que
consegue encantar com a sua flauta, rivalizando com o a
lira do deus Apolo)?
Duas insubmissões a um poder maior, ou, digamos, Pintor
vs. Rei?
611
E .H. Go mb r ic h - Hi s tó r ia d a Ar te, p . 3 2 4 .
Hip ó te se d a a uto r ia d e C h ar l es d e T o l na y e m 1 9 4 9 , ci t. e m S tr a tto n - P r ui tt –
Vel ázq ue z La s Me n i na s, p . 1 2 8 .
613
J u liá n G al le go , ci t. p o r J acq ue s L as s ai g ne - Vé la sq uez, p . 4 6 . N a a lt ur a e m q u e
te xto fo i es cr i to ai nd a s e j ul ga v a q u e u ma d as p in t ur a s er a u ma có p ia d e J o r d aen s,
Ap o lo e Má r sia s, ma s t a l fac to fo i a lte r ad o p e lo s e s t ud io so s q ue ci ta mo s no te x to .
612
169
•
porque é que Velázquez optou por representar os reis com
feições indistintas num espelho (mantendo a terminologia
da fotografia, quase «desfocadas »), numa obra onde todo o
naturalismo é perfeccionista?;
Hipótese: Segundo o historiador Fernando Marías, o rei
não só não queria enfrentar o fleumático pintor, mas queria
evitar ver-se retratado na pintura. Há uma carta de 1653,
de Filipe IV a Sor Luisa Magdalena de Jesús que parece
corroborar o seu ponto de vista:
No fu e m i re t ra to p o rq u e h a n u eve ã n o s q u e n o se h a h ech o n in g u n o ,
y n o me in c lin o a p a s a r p o r la f lema d e Vel á zq u e z , a sí p o r el la
co mo p o r n o v e rme en v e jec ien d o . 614
Quem conheça o último retrato que o pintor fez do seu rei,
três anos depois desta sua carta, saberá apreciar e julgar o
que Filipe IV diz. Sabemos que muitas vezes os pintores
suprimiam/melhoravam os defeitos do modelo: acreditamos
plenamente em Gasset quando este afirma que Velázquez
favoreceu o nariz achatado e “inapresentável” 615 do conde
duque de Olivares, e que também era um hábil fazedor de
“imagética política” 616. Mas neste retrato que falamos não
há
dó,
sentimentalismo,
nem
nenhum
vestígio
de
idealização: é apenas um rei envelhecido que olha para
nós. E se “Retrato do rei é o rei” 617, como afirma um
historiador que se debruçou sobre a sua obra, o próprio
pintor se torna “historiador faustoso de um fim de raça de
reis” 618;
615
Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 2 3 .
J o n at ha n B r o wn - I m ag es o f P o wer a nd P r es ti ge , p . 1 2 8 . Ve lázq ue z p i nta
Oli v ar e s n u m ca v alo e x i b in d o co r a ge m e co n fi a n ça, q ua nd o a s u a p o s içã o j á esta v a
à mu ito “tr e mi d a” ( e p r es te s a cai r d o cav alo ) . Do mes mo a u to r , ver ta mb é m En e mi es o f fl at ter y, p . 1 0 3 -1 1 5 .
617
Fer n a nd o C hec a - Die g o Ve lázq ue z d a S il va , p . 4 5 .
618
J ean L o r r a i n - O S e n ho r d e B o u gr el o n, p . 4 1 .
616
170
•
E, finalmente, o porquê de toda esta «alucinação» barroca,
deste complexo mapa de olhares, de linhas imperiosas e
invisíveis que atravessam o seu espaço e que poderão
seguir
diversos
caminhos 619,
dando
origem
às
interpretações mais diversas e contraditórias: é uma obra
que figura como a representação da representação clássica,
ligando o espectador ao quadro (Foucault 620); é uma
pintura feita pelo ponto de vista do sujeito, que se torna
“rei” e rainha”, e onde o artista perde o seu ponto de vista
(Searle); não pode haver ponto de vista privilegiado, esse
foi o “erro” de Foucault e de Searle (Snyder/Cohen); o
espectador habita fora de todo o espaço de ilusão criado:
estar ao nível do rei e da rainha seria uma grave quebra do
protocolo; dizer que a obra é uma meditação sobre a
natureza da representação é exagerar, pois tal finalidade
era
desconhecida
no
tempo
de
Velázquez
(Jonathan
Brown); é uma obra onde um retratista retrata o retratar
(Ortega y Gasset), entre tantas outras...
Especulemos agora nós, imitando os gestos de tantos artistas que
reverenciaram a obra e a reinterpretaram 621.
619
Fo uc a ul t, e m A s M en in a s, a na li sa e sta q ue st ão co m u m d e ta l he i mp r e s sio n a nte :
o q uad r o p o d e ser l id o e m “x ”, co m u ma l i n ha q ue va i d o p i n to r a Nico l as ito , e d a
d a ma d e co mp a n hi a ao p er so n a ge m d e sco n h eci d o ; p o d e mo s ver ap e n a s a p ar te d e
b ai xo d o “X ”, c u r va q u e vai d a ca ma r ei r a a N i co la si to . Ma s ta n to s o ut r o s a u to r e s
q ue , r é g ua e m p u n ho , a n ali sa m p o nto s d e f u ga, c r uz a me n to d e d ia go n ai s, etc. !
620
O q u e acar r et a a i n s tab ilid ad e d o o l har : há u m a tr o ca co n sta n te d e p ap éi s e n tr e
s uj ei to /o b j ec to /o b ser v ad o r / mo d e lo .
621
As r ei n ter p r eta çõ e s d e st a o b r a são v as ta s, e d ão - l he no vo s si g n i fi cad o s. O seu
p r i me ir o e d i g no “her d e ir o ” e m ter r as e sp a n ho l a s ser á o gr a nd io so Go ya ( co m u ma
b ela có p ia e m á g ua - fo r te d a o b r a, e so b r et ud o co m A Fa m íl ia d e Ca rlo s I V ) , e
mu i to ma is t ar d e P ica s so , q u e f ez cer c a d e q uar e nt a o b r a s i n sp ir ad o n a s s ua s
“me n i n as ”; Mi ll ai s, W hi s tl er , Sar g e nt, e M an et s ão a s r esp o s ta s i n gl es as ,
a mer i ca na s e fr a nce sa s à s ua o b r a no sé c ulo XI X ; p o ste r io r me n te , j u nt a m - s e o
h u mo r d e Sa l vad o r Da li , o s d e se n ho s d e Ric h ar d Ha mi l to n, o s ad i s mo d e J o el -P e ter
W it ki n , V ic M u n iz co m a s ua co mp o siç ão ut il i za nd o c ho co la te, a s fo t o gr a f ia s d e
T ho mas S tr ut h no P r a d o , e a o b r a d e E ve S us s ma n /a s so c iad a à T he R u f u s
Co r p o r a tio n , i nt it u lad a 8 9 ´ a t Alca zá r ( víd eo d e 1 2 mi n u to s q u e co mp õ e
mi n u cio s a me n te to d o o ce nár io d aq ue la o f ici n a , até ao s 8 9 s e g u nd o s o nd e to d o s
171
O studium desta pintura é o ar respeitoso, reverencial, que todos
os personagens sem excepção evidenciam perante o rei e a rainha; as
vestes luxuosas que ostentam ligam-nos a uma classe privilegiada, a
uma posição destacada na sociedade, a um savoir-vivre palaciano (e a
uma certa «pose» d e manequim articulado — a roupa não ajudará —
que parece acompanhar todos estes aspectos). Aqui impera o «bom
gosto »: a oficina está recheada de pinturas antigas, decerto valiosas, e
era apenas a zona de trabalho do pintor. Resumindo, estas pessoas que
aqui vemos retratadas iriam ficar na História, independentemente de
terem ou não o testemunho/documento da pintura a comprová-lo ou a
«promovê-las ». (A codificação desta obra foi exemplarmente feita por
Foucault, que nela viu o lugar da pura reciprocidade, e portanto
remetemos o leitor para o seu lúcido ensaio que é, não haja dúvidas,
reflexivo: studium).
Perscrutamos esta obra vezes sem fim, varremo-la com o olhar,
na tentativa de apontar o dedo à marca que, nela, nos perturba, nos
fere, nos deixa sem palavras. Qual o punctum deste quadro?
As primeiras vezes que o observamos, sentimos que conseguimos
apontar nitidamente essa «ferida »: ela é Maribárdola, a anã. O seu
corpo
obeso,
(especialmente
o
rosto
grosseiro,
quando
comparado
o
seu
com
a
“aspecto
formidável” 622
«perfeição »
de
pérola
cintilante 623, de beleza diáfana da princesinha) causam-nos algum
incómodo. Como disse um poeta que admirou esta obra: O grotesco
fascina, de tal pigmento/ não disse tudo 624.
Mas se calhar este repúdio que sentimos é o da comparação, é o
desprazer causado pelo contraste princesa (com toda a linhagem de
sangue que a precede, posses, educação, etc.)/ anã (a «bobo da corte»,
que devia divertir e afastar o aborrecimento da rotina do rei e da sua
p ar ece m e s tar .. . ex ac ta me n te na s p o s içõ e s e m q ue o r etr a to d e V elázq u ez o s
co n g elo u !)
622
P alavr a s d e P alo mi n o , cit. p o r S uz a n ne Str at to n -P r u it t - Vel áz q ue z L a s
Me ni n as , p . 2 .
623
Fo i a s si m q u e Da l vad o r Dal í a vi u ; ver a s ua p in t ur a i nt it u lad a Th e P ea r l, d e
1 9 8 1 , F u nd ac ió n Ga la - Sal v ad o r Da lí . O p i n to r d ecid e p i n tar o r o sto d a in f a nta
co mo u ma es f er a p er fe it a, r e tir a nd o - l he , co n t ud o , q u alq ue r tr aço d o r o s t o .
624
Antó n io O só r io - L as M en i na s, p . 1 4 1 .
172
filha: boba monstruosa vestida de princesa que teria a função de “rir de
si mesma” 625; apesar de minimamente respeitada neste círculo 626, é
alguém que está claramente «fora-do-sítio»: até o cão de caça do rei
devia ter mais carácter de raza que ela). Mas com a violenta distância
que vai de uma a outra já estamos a pensar muito, a ir em direcção ao
studium.
Tentamos novamente. O punctum deste quadro é o espelho.
Não o espelho que sabemos que é uma imagem do rei e da rainha,
um hábil recurso de trazer para «dentro» do quadro o que se encontra
«fora », fazendo oscilar interior e exterior; não o espelho como
elemento que muda toda e qualquer leitura do quadro, que não se
contenta em “duplicar”, dizendo o que já foi dito, e que alguns viram
como símbolo de Prudência (uma lição para a Infanta) 627; não esse
espelho ao qual todos os personagens representados viram as costas,
sem qualquer cerimónia (excepto o aposentador da rainha), e que
“permite ver, no centro da tela, aquilo que no quadro é duas vezes
necessariamente invisível” 628; não o espelho que poderá ter sido um
forma de introduzir – discretamente – o retrato de um rei que não
queria ser retratado 629; não esse espelho que é o portador dos grandes
paradoxos do quadro 630, senão mesmo de toda a sua estrutura.
(Retiremo-lo de cena: o que fica?)
625
Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 9 .
O sal ár io d o s a nõ e s e d o s b o b o s, se g u nd o No r b er t W o l f - Die go Ve lá zq u ez ( p .
5 3 e 7 7 ) er a r e la ti va m en te el e vad o , mo str a nd o q u e não o c up a va m n a co r te u ma
p o si ção tão b a i xa q ua nt o is so . P o r o utr o l ad o , e e m co mp ar aç ão , u m d ecr e to r ea l
d e 1 6 2 8 co nced e ao s p i nto r e s d a co r te a me s ma r ação d iár ia d e al i me n t o s q u e ao s
b ar b eir o s d o r ei ! J á o p o eta An tó nio O só r io d izia : “b o b o so u d a c o r te, o utr o ,
ap e na s o ma i s a lto …”, e m L a s M e ni na s, p . 1 4 1 .
627
Hip ó te se “d id áct ic a” d e J . A. E m me n s ( 1 9 6 1 ) , mas q ue te m s id o r ej e itad a p o r
o ut r o s teó r ico s; se g u nd o el e, a I n f a nta es tar ia a ser ed ucad a p ar a r e i n ar , ma s e sta
hip ó te se fo i co lo cad a d e p ar te p o r q u e Mar g ar i d a não s uc ed e u a B a lta sar Car lo s
co mo her d eir a d o tr o no – a p r ó p r ia Hi s tó r ia não co r r o b o r a ne m n a s ua t ese , ne m n a
d e J o el S n yd er , ap r e se nt ad a e m 1 9 8 5 ( q ue v ê a o b r a co mo o eq u i va le nt e a u m
“ma n u a l d e ed uc ação d a p r i nce sa ”) ; ver S tr at to n -P r ui tt - Ve lázq u ez La s Me n i na s,
p . 1 2 6 -7 .
628
Mic h el Fo uc a ul t - As Me ni n as , p . 2 3 . E s ta s d ua s co i sa s ser ia m a p i n t ur a q ue o
p in to r f az d o mo d elo e o s r e i s a p o sar e m fo r a -d e -c e na.
629
T ese d e Fe r na nd o Mar í as Fr a n co , ver o se u e n s aio i n ti t ul ad o La s M en in a s, 2 0 0 0 .
630
P o d e mo s d i vid ir o s a u t o r es e m d ua s li n h as d e p en sa me nto : o s q ue ac h a m q ue o
esp e l ho r e f le ct ia o q ue o p i nto r p i nt a va na te la, e p o r ta n to ser ia o r e fle xo d e u ma
p in t ur a ( P alo mi no , H. W . J a nso n , Go mb r i c h, J o el S n yd er / Co he n, Leo Ste i nb er g , e
ma i s r ec e nte me nt e J o n at ha n B r o wn ) , e a id eia m ai s co mu m d o s q u e acr e d ita m q u e
626
173
Em resumo, não o espelho que mostra esse outro centro desta
composição (o seu centro secreto, soberano, o seu «coração»), o casal
real, os únicos que estão em pose no meio do devir (aquela pose onde
fabricamos
instantaneamente
outro
corpo,
“metamorfoseamo-nos
antecipadamente em imagem” 631, como afirmava Barthes).
Cremos que é a partir dele, ou melhor, do ponto virtual que ele
projecta no espaço (e a partir do qual mentalmente traçamos uma vasta
circunferência, não sabemos bem porquê: por ser a figura da perfeição
do ser ou simplesmente por ser a área de controlo panóptico do rei?);
seja como for, é esse centro que oferece “a mais comprometida das
imagens” como nos indica Michel Foucault:
No me io d e to d a s e s sa s fig u ra s a ta via d a s, ela s sã o a ma is p á l id a , a ma i s
ir rea l, a ma i s co mp ro me tid a d e to d a s a s i ma g en s: u m mo v im en to , u m p o u co
d e lu z b a s ta r ia m p a ra o s fa z er d e sva n ece r - se. De to d a s e s sa s p e r so n a g en s
rep re sen ta d a s, sã o ela s ta mb ém a s ma i s d e sp r e za d a s, p o i s n in g u ém p r es ta
a ten çã o a o ref lexo q u e d esl i za p a ra trá s d e t o d a a g en te e s e in tro d u z
si len c io sa m en te p o r u m esp a ço in su sp ei t a d o ; n a med id a em q u e sã o
vi sív ei s, sã o a fo r ma ma i s f rá g i l e ma is a fa sta d a d e to d a a rea lid a d e.
I n ve rsa men te, n a med id a em q u e, si tu a n d o - se n o exte rio r d o q u a d ro , se
re ti ra va m p a ra u ma in v is ib i lid a d e e s sen c ia l , o r d en a m em to rn o d e la s t o d a
a rep re sen ta çã o ; é d ia n te d e la s q u e a s o u tra s e stã o , é p a ra ela s q u e s e
vo lta m, é a o s s eu s o lh o s q u e s e mo s tra a p rin c es a n o seu ve s tid o d e fe s ta . 632
Todos estes aspectos são studium (tentaremos não abusar mais
desta palavra). O ponto que nos fere é o facto da área onde se encontra
o espelho estar totalmente mergulhada na penumbra: este espelho não
tem a claridade nem a precisão do olho negro e convexo de Van Eyck.
De onde vem então essa estranha luz que o espelho, generoso, irradia,
o esp el ho é o r e f le xo d o s r ei s, q ue e st ão p r es e nt es na s ala e p o sa m p ar a u m r e tr a to .
Fo uca u lt e sta r ia ne ste g r up o , lo go no i ní cio d o se u te x to d iz - no s q ue : “O p i nto r ,
li ge ir a me n t e a fa stad o d o q uad r o , co n te mp la o mo d e lo ; t al ve z se tr at e d e d ar o
úl ti mo to q ue, ma s t a m b é m é p o s sí ve l q ue ai nd a não t e n ha ap lic ad o a p r i meir a
p in ce lad a ”. C f . Fo uc a ul t - L a s Me ni n as , p . 1 7 . Est ud o s mai s r e ce nt e s ( a n í vel d e
ó p tic a e d e p er sp ec ti v a ) tê m d a d o ma io r r e le vâ n cia à p r i mei r a o p ç ã o , q u e fo i
d ur a n te mu i to t e mp o a ma i s d e sa cr ed itad a.
631
Ro la nd B ar t he s - C â mar a C lar a, p . 1 8 .
632
Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 3 1 .
174
mostrando duas silhuetas indistintas, imperturbadas pelo reflexo de
qualquer outra coisa que se intrometa no caminho, no meio de toda a
escuridão?
(Será que, por breves instantes, vimos o nosso rosto nele
reflectido? 633 Mas porque é que permanecemos invisíveis — também
nós tornados incorpóreos, “fauna fantasmagórica” 634?).
*
Roland Barthes lia em toda a fotografia histórica a “vertigem do
tempo esmagado” 635, e imediatamente a associava a um isto está morto
/isto vai morrer. Talvez tenha sido por essa mesma razão que o rei
Filipe IV não se parece ter ofendido com a estranha opção de
“perspectiva” do seu pintor favorito: sabia que era, que somos, como
Francis Bacon tão cruamente disse, “carcaças em potência” 636. Pensa-se
633
U m «p i s car » d e o l ho a U mb er to E co , e ao se u b r e ve e i n ter e s sa nt e e n saio
in ti t ul ad o S o b re o s E s p elh o s. P o r q ue é q u e o s e sp e l ho s s ão u m fe nó me no a se mi ó t ico ( d i to d e o utr a fo r ma : p o r q ue é q u e as i ma ge n s r e fl ec tid a s p el a s up e r fíc ie
d o s esp el ho s n ã o são si g no s? ) , eis q ue s tão a q u e o filó so fo a n al is a e à q ua l te n ta
d ar u ma r e sp o sta . De f o r ma r ad i ca l, i nd ica - no s u ma si mp le s e xp er i ê n cia cr u ci al
q ue p o d e ser fe ita p ar a d e s faz er e c lar i f ic ar e ve nt u ai s eq uí vo co s q ue to d a a
i ma ge m e sp ec u lar d e sp o let a: se o l har mo s p ar a u ma fo to gr a fi a ( i ma g e m co n gel ad a
d e u ma “ma r c a” no te mp o ) , u m fi l me ( u ma i ma g e m co n g el ad a q u e se mo ve) o u u ma
p in t ur a – to d o s el es si g n o s – q ue t e n ha m u m e sp el ho , e ss e e s p el ho n ã o i r á p r o d uz ir
u ma i ma g e m e sp ec u lar , e cit a mo s: “Es ta s i ma ge n s d e i ma ge n s e sp ec ul ar e s não
f u nc io na m co mo i ma g e n s e sp ec u lar e s ” ( p . 4 4 ) . Os e sp e l ho s tê m u ma ex i gê nc ia
“p ar a si tár ia” e m r el açã o ao r e fer e n te, o q ue não aco nt ece co m o s s ig n o s, q u e
p o r ta nto s e ab r e m, se g u nd o o a uto r , a u ma “p r a g má ti ca d a i n ter p r e ta çã o ” ( p . 4 1 ) .
I n ter e s sa n te se r á no tar q ue E co a f ir ma q ue o s si g no s p o d er ão men ti r ( le mb r e mo no s d o s e stó ico s e d a s ua ma g n í fi ca f o r mu l açã o i nco r p o r al, a d o f u m o q u e es t á
p elo fo go – e o nd e es te “fo go ” n ão e stá ao alc a nc e d o no s so r aio p er ce p ti vo e no s
p o d e i nd uz ir e m er r o ) , ma s q ue o e sp el h o e xi ge u ma ca u sa lid ad e e n tr e
co r p o /o b j ec to r e f lec tid o . O q u e o f az d e fe nd er q ue a i ma g e m e sp e c ul ar “n ã o p o d e
se r u sa d a p a ra men t i r. P o d e- se me n tir so b r e e ace r ca d a s i ma g e n s e sp ec u lar es ,
ma s não s e p o d e me nt i r co m e a tra v é s d a i ma ge m e sp e c ul ar ” acr es ce nt a nd o e m
se g u id a, no p o n to 7 , q u e: “A i ma g e m e sp ec u lar n ã o é in te rp retá ve l . Q u an to mu i to
o q ue é i n ter p r e tá v el é o o b j ecto p ar a q ue ela r e me te, o u me l h o r , o ca mp o
es ti mu l a n te d e q u e ela co n s ti t ui u m d up lo .” ( A mb a s as c it açõ e s n a p . 3 0 ) . P o is
aq u i a no ss a p r o vo c açã o : V elá zq uez fa z u m es p el ho o nd e o no s so p r ó p r io r e f le x o
se d eté m, u m esp el ho q u e me nt e, e q ue é ... i nte r p r etá v el, o u s ej a, f i cc io ná v el.
634
Or t e ga Y G as se t - Ve lá zq u ez, p . 3 7 .
635
Ro la nd B ar t he s – A Câ ma r a Cl ar a, p . 1 0 7 .
636
Fr a n ci s B a co n c it. p o r Gil le s De le uz e - Fr a nc i s B aco n, p . 6 4 .
175
que este era um quadro que muito estimava. Quando o via, ver-se-ia já
nos «bastidores » co m a sua pequena filha a ocupar agora o palco?
Várias vezes nos perguntámos, surpresos, como é que foi
possível ele fazer este tipo de obra, tendo em conta não só a altura em
que o fez — era uma época muito delicada a nível político: avizinhavase o fim da hegemonia espanhola dos Hasburgos na Europa —, mas
sobretudo tendo em conta a sua posição/função na corte. Talvez a sua
opção tenha sido a melhor: evitar retratar um rei (e uma dinastia) em
acelarada decadência, apenas insinuando a sua presença. Nesta parte
final focaremos muito brevemente a relação do rei-pintor: cremos que é
essencial para a leitura da obra.
Velázquez era para Filipe IV o que Charles Le Brun seria para
Luís XIV. Ambos exerciam a mesma função na corte: premier peintre
du roi. Mas enquanto que Le Brun foi durante vinte anos o “ditador da
arte da França” 637, o pintor da corte espanhola manteve uma certa
largueza de vistas na sua atitude de retratar a arte oficial, que em nada
se pode comparar ao que aconteceu em França. Segundo Arnold
Hauser, a arte da corte barroca francesa “não passa de um instrumento
ao serviço do governo do Estado, com a especial função de, por um
lado, aumentar o prestígio do monarca e desenvolver o novo mito da
dignidade régia, e, por outro, intensificar o esplendor da corte, como
enquadramento do domínio real. (...) O Rei é incapaz de pensar a arte a
não ser em ligação com a sua própria pessoa” 638.
Não podemos afirmar que o contrário se passasse em terras
espanholas: a missão dos dois pintores era a de contribuírem, com o
seu génio, para a glória das respectivas cortes (estamos portanto em
desacordo com Norbert Wolf quando este diz que “será no entanto falso
ver em Velázquez o retratista da corte e das futilidades, da abastança e
do amor do fausto” 639 — porque assim era a vida na corte, porque ele
também foi isso!).
637
Ar no ld Ha u ser - O B a r r o co na s Co r te s C ató li cas , p . 2 5 8 . A o p o s içã o ao se u
acad e mi s mo r i go r o so só se f ar á n a d éc ad a d e s et en ta.
638
Ar no ld Ha u ser - O B ar r o co na s Co r t es C ató li ca s , p . 2 5 2 .
639
No r b er t W o l f - V el ázq u ez, p . 3 4 .
176
A lei da “couraça do protocolo da corte” 640 cumpria-se de forma
escrupulosa nos dois países. Mas há uma grande diferença a assinalar,
que coloca Velázquez numa situação mais favorável: o seu rei era um
pouco frouxo a nível do comando político do reino 641 (la pasión de
mandar concentrava-se toda no seu ministro conde Duque de Olivares),
mas um verdadeiro amante da arte da pintura, e portanto deu-lhe
autonomia (autorizou-o a viajar por duas vezes de forma a estudar
obras
que admirava 642), valorizou-o, estimou-o,
admirou-o: sabia
atribuir um significado artístico às suas pinturas, coisa que não
acontecia de forma alguma com o rei francês, que atrofiava qualquer
estilo “pessoal” que surgisse. Os dois chegam a encontrar-se numa
ocasião muito celebrada: Filipe IV a dar a mão de sua filha Maria
Teresa ao sobrinho Luís XIV, selando um pacto que orquestrava... o
seu próprio fim 643.
Mesmo que não vejamos o ambiente da corte espanhola nos tons
negros de Ortega y Gasset — um ambiente paralítico, com uma
atmosfera “asséptica, esterilizadora” 644, onde o pintor fez quase o
impossível: retratar personagens sem grande interesse humano (leia-se
aqui, sobretudo, a figura do rei) — estamos em crer que não havia
qualquer imperialismo intelectual; Filipe IV e o pintor são um exemplo
extraordinário de longevidade a nível de mecenato real. Concordamos
com Jacques Lassaigne quando este diz: “dentro da sua escravidão
exterior ele tinha uma liberdade sem igual” 645.
640
No r b er t W o l f - V el ázq u ez, p . 7 3 .
Se g u nd o J o aq ui m C a nd eia s d a S il v a - D. Fi lip e I I I , p . 8 5 , e m P o r t u ga l “n ão l h e
p er d o ar a m a lo n ga a u sê nc ia, a p o lí ti ca o p r e ss i va d e Ol i var es , a a gr e s são f i sca l;
enq u a nto q u e e m E sp a n ha , p o r o u tr o lad o , n ã o l he p er d o ar a m a i mp er íc ia p ar a
ma n ter a U n ião I b ér i ca” . Le mb r a mo s q ue fo i o ú ni co so b er a no d e P o r t u g al q u e não
hab ito u ne m v is ito u o ter r i tó r io e nq ua nto r e i; p o r cá fi co u co n hec id o co mo O
Op r es so r, p o r ter r a s d e n u es tro s h er ma n o s co mo El Gra n d e.
642
Ap es ar d a s ua se g u nd a vi a ge m ser j á e m f u n çõ es “c ur ato r ia is ”: p r o c ur av a o b r a s
p ar a e n gr a nd e c er a co l e cção d o r ei.
643
E m 1 6 6 0 d e u - se a a s si na t ur a d o tr a tad o d o s P ir i né u s ; p o uco te mp o d ep o i s Le
B r u n f ar ia o d e se n ho d a tap eçar ia Th e Me et i n g o f Ph i lip I V a n d L o u is I V o n
Ph ea sa n t I sla n d ( 1 6 6 5 - 6 8 ) , q u e é u ma b o a o b r a p ar a se co mp ar ar e m d i fer e n te s
se n sib il id ad e s : a gr a vi d ad e esp a n ho l a f ace ao co lo r id o e xa ger ad o d a co r te
fr a n ce sa.
644
Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 5 .
645
J acq ue s La s sa i g ne - Vé la sq uez, p . 1 3 .
641
177
Ele era, sem dúvida alguma, o Apeles do rei 646.
*
Transcrevemos uma passagem fulcral de Ortega y Gasset que
muito apreciamos:
A p in tu ra a té V e lá zq u ez h a via q u er id o fu g ir d o t emp o ra l e f in g i r n a tela u m
mu n d o a lh e io e i mu n e a o temp o , fa u n a d a ete rn id a d e. O n o s so p i n to r
in ten ta o co n t rá r io : p i n ta o te mp o me smo q u e é o in s ta n te , q u e é o se r
en q u a n to e s tá co n d en a d o a d ei xa r d e se r, a tr a n sco r re r, a co rro mp e r - se.
I s so é o q u e o ete rn i za e es sa é, s eg u n d o ele , a mis sã o d a p in tu ra : d a r
ete rn id a d e p rec i sa men te a o in sta n te – q u a se u m a b la s fé mia ! 647
Uma breve nota final: um estudioso 648 confirmou a identificação
feita por Palomino do quarto do palácio onde foi pintada Las Meninas.
Recorreu a um inventário de 1686 de forma a identificar as pinturas
que
estavam
instaladas
naqueles
aposentos,
e
confirmou
que
“Velázquez pintou o quarto exactamente como era” 649, em toda a
exactidão do seu espaço. Pois aqui o facto curioso: não havia qualquer
referência nesse inventário a adornos de qualquer espécie, o que o leva
a concluir que o espelho era a única coisa que não existia naquela
sala. Foi inventado.
O
chão
do
realismo
começa
rapidamente
a
escapulir-se.
Palomino: “é a verdade, não é pintura” 650; Karl Justi: é um pedaço da
646
P lí nio - N at ur al Hi sto r y, p . 9 6 , nar r a - no s e s ta hi s tó r i a: Ap e le s, p i nto r vi r t uo so ,
er a o ú ni co p i n to r a q u e m Al e xa nd r e, O Gra n d e, d av a to ta l e xc l us i vid ad e d e p i n tar
o se u r etr ato ; p . 9 6 . ( B i b lio gr a f ia cap ít u lo I , Ul is se s) .
647
Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 5 1 .
648
E s se e st ud io so é S te ve n N . Or so , e a s ua i n ve s ti ga ção i n ti t ul a -s e: P hi li p I V a nd
T he D eco r a tio n o f t h e Alcáz ar o f Mad r id , 1 9 8 6 . Ap r o vei ta mo s p ar a acr e s ce nta r q ue
aq u ela o fi ci na co r r e sp o n d ia ao s ap o s e nto s d o p r í nc ip e B al ta sar C ar lo s at é à d a ta d a
s ua mo r t e, e m 1 6 4 6 . P o uco t e mp o d ep o i s, o p i n to r te ve a u to r i zaç ão p ar a o s u ti li zar
co mo o fi ci n a, e er a a i n d a a í q ue tr ab al h a va a q ua n d o d a s u a p r ó p r ia mo r te. Ve r
Ló p ez - Re y - V elá zq uez, p . 2 0 8 .
649
Str at to n -P r ui tt - Ve lázq ue z La s Me n i na s, p . 1 3 0 .
650
P alo mi no ci t. p o r J o na t ha n B r o wn - Ve lázq u ez and P h il ip I V , p . 2 6 0 .
178
“vida palaciana preservada com uma fidelidade mais que perfeita” 651
por um mestre da observação objectiva; Theóphile Gautier: “não há
véu, não há intermediário entre ele e a natureza 652; Jonathan Brown: é
um “intenso encontro com a realidade” 653.
Não ficará a blasfémia da “eternidade do instante” e todas as
teses das “fidelidades mais que perfeitas” um pouco comprometidas
com esta descoberta? Parece que, afinal, havia um “véu” entre ele e a
natureza, e esse véu era — quem diria? — um simples espelho 654.
Seja como for, ficaremos sempre prisioneiros diante desta obra,
verdadeira “sinfonia silenciosa” 655 e crepuscular: entre a fina ponta do
pincel e o gume do olhar, o espectáculo vai libertar o seu volume. 656
*
O filme que Roberto Rossellini dedicou a Luís XIV intitulado La
Prise de Pouvoir Par Louis XIV (1966) mostra-nos uma corte obcecada
com a lei, com a rigidez do “Grande Relógio” (expressa na figura do
rei). Não há lugar para improvisações. Tudo é rigorosamente calculado,
medido, examinado. Mazarin está a morrer: o seu suor, a sua urina e o
seu sangue são avaliados pelos melhores médicos do reino, que
discutem os diferentes pareceres entre si.
651
Kar l J us ti ci t. p o r J o na t ha n B r o wn - O n t he Mea ni n g o f La s Me n i na s, p . 8 8 .
T héo p hi le G a ut ier c it . p o r Al is a L u xe nb er g - Vel ázq ue z La s M e ni n a s, p . 2 9 .
( Li vr o ed it ad o p o r Str at t o n -P r ui tt) .
653
J o na t ha n B r o wn - Ve láz q ue z a nd P h ilip I V, p . 2 6 0 .
654
Ac h ar í a mo s se mp r e, me s mo s e m a “d e sco b e r ta ” d e Or so , q ue a s u a p i nt ur a nad a
ti n ha d e cap t ação i mp r e vi s ta d o i n s ta nt e na med id a e m q ue ta l co r r e sp o nd er ia a u m
f iel “p ed aço ” d e vid a q uo tid i a na – ( a s fo to gr af ia s ta mb é m me n te m) – , d ir í a mo s
an te s q ue e sb o ço u u m m u nd o . O se u u so d e p er s p ect i va é a li ás b a s ta nt e in s ti n ti vo ,
exp r e ss i vo e fl e xí v el ( e e n tão q u a nd o o co mp a r a mo s co m o me ti cu lo so Va n
E yc k…) ; J o s é Ló p ez - R e y t a mb é m i nd i ca u m fa c to a co n sid er ar : ha vi a 4 5 p in t ur a s
ne s sa sal a ( fei ta s p o r M azo , s e nd o a maio r p ar te có p ia s d e R ub e n s ) , ma s Velá zq uez
o p to u p o r s ub l i n har a “n ud e z” d o s ap o s e nto s, não mo b il ad o s e se m ad o r no s, co m
ex cep ç ão d o s q uad r o s e d o esp el ho na p a r ed e – “es tad o q u e mu i to d i f ici l me n te
p o d er ia ser d o q uar to r e al”. C f . Ló p ez - R e y - V e lá zq u ez , p . 2 0 9 e 2 1 7 . U m úl ti mo
p o n to f i na l: não e st ar á ta mb é m o p r ó p r io p i nto r d e mas iad o j o v e m p ar a o s se u s j á
5 7 a no s?
655
Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 8 .
656
Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 1 7 .
652
179
Um outro exemplo dessa «inflexibilidade» é o irónico retrato de
uma vulgar refeição do soberano: o décimo quarto prato é preparado
com todo o esmero e cuidado na cozinha, sendo depois pomposamente
escoltado por infindáveis corredores e escadarias até à grande mesa
onde o rei almoça, sozinho, diante de toda a corte, que o contempla de
pé. É aberto o cadeado que fecha a terrina metálica que o acondiciona,
mas após ser examinado pelo seu médico pessoal (que aconselha
vivamente Sua Majestade a não comer porco, pode-lhe fazer mal), a
iguaria é mandada embora sem sequer chegar a ser provada. Há uma
altura do filme onde ouvimos os sinos da Igreja a dar horas, mas
mesmo sem esse pequeno pormenor temporal sentimos que todos os
acontecimentos são cronometrados 657: lidamos com um tempo austero,
«mecanizado », que de certa forma também vai transformando as
pessoas em máquinas.
Teria porventura Velázquez já notado essa estranha associação
entre realeza/máquinas do tempo, quando pintou um pequeno relógio
assente sobre uma mesa, discreto no plano de fundo que ocupa o retrato
que fez de Mariana de Aústria (1653)? Segundo um crítico, esse
relógio “é talvez um símbolo da firmeza e constância que deve guiar a
autoridade real” 658. Por outras palavras, a autoridade real deveria agir
com a precisão e o ritmo invariável, sem surpresas e «infalível », de um
mecanismo construído artificialmente de forma a medir intervalos de
tempo.
Rebecca Horn também explorará obsessivamente este tempo na
sua obra, da qual resultarão as suas instalações com pêndulos, plumas,
ovos e espelhos – tornados máquinas. Elegemos estes elementos
específicos,
mas
a
artista
utiliza
muitos
outros,
todos
eles
transportando uma forte carga simbólica, que por vezes alguns também
apelidaram de alquímica e cosmológica 659. Horn liga as plumas e os
657
Ro s se ll i ni d á - no s u m r etr a to v alo r o so , p o r q u e vê - se q ue go s ta d e e xp l o r ar o
q uo tid i a no d a vid a d o r ei: o a co r d ar /d o r mir , o ve s tir / d e sp i r , a d o e nç a e a mo r t e
( d e Ma zar i n) , a i n fl u ê nc ia d a s ua mã e d o mi nad o r a, a d eco r ação , a s r e gr a s d e
etiq u eta , e tc.
658
Fer n a nd o C hec a - Dieg o V elá zq u e z d a S il va , p . 4 3 .
659
E ta nto s ma ter ia is m ai s p o d er í a mo s e n u mer ar : b e n ga la s, sap a to s, vio li no s,
p ia no s, c ai xa s, b o r b o l et as, f u n i s, ci nz as , t i nt a, l an ça, b as tão , b i nó c ulo s, co mp a s so ,
180
ovos a uma “energia eterna” 660 e as suas máquinas a uma vida com uma
duração precisa, tal como os homens, o que é uma perspectiva curiosa.
Em toda a sua obra há dicotomias constantes, sempre presentes:
máquina/homem,
artificial/natural,
isolamento/comunicação,
desejo/restrição, finito/infinito.
Há um texto seu que estamos em crer ser uma excelente
introdução a toda a sua obra 661. Apesar de ser um pouco longo,
transcrevemo-lo na sua totalidade:
No h e mi s fé rio su l d o n o s so p la n eta
h á u ma e sp é cie b a s ta n t e co mu m d e p á s sa ro s mig ra tó r io s
q u e s e p ro p a g a m tã o ra p id a men te
q u e a p en a s u m e st ra ta g e ma d a n a tu re za
n o s g u a rd a d e u m p e sa d elo h o r ren d o
Ca d a a n o ele s es cu rec e m o s céu s so b a Áf ri ca Ocid en ta l
On d e se ju n ta m p a ra a s u a p a s sa g e m
so b re o Ocea n o A t lâ n t ic o
A p en a s u m d éci mo ch eg a à Amé r ica d o S u l
n o ven ta p o r cen to ca e m mo r to s d e fa d ig a n o me i o d o ma r
n o p o n to o n d e o s cien ti s ta s a s su m em
q u e m ilh õ e s d e a n o s a t r á s
a g ra n d e te r ra se sep a r o u
em d o is co n t in en te s in te ira men te d is tin to s
Os p á s sa ro s co meça m f r en et ica m en t e a a n d a r e m c ír cu lo
p ro cu ra n d o a su a te r ra lá
o n d e já n ã o exi s te
o seu in st in to p re s er va d o d u ra n t e m ilh õ e s d e a n o s
g u ia n d o - o s à su a mo rt e exa u s ta
A p en a s o s ma i s in sen sí v ei s ch eg a m à co s ta . 662
fa ca s, e lec tr i cid ad e, mú si ca … e ta mb é m a ut il i zação d e á g u a, mer c úr i o , en xo fr e,
p ed r a o u p ó d e car v ão , q ue faz co m q u e al g u n s cr í ti co s li g ue m as s ua s p eç a s a
p r o ce sso s «má g i co s ».
660
R eb ec ca Ho r n e n tr e v is tad a p o r Ger ma n o C ela n t - R eb ec ca Ho r n, p . 1 4 .
En tr e v is ta d e 1 9 9 3 .
661
T exto q u e a ar t i sta e scr ev e u p ar a aco mp a n har a s ua o b r a S p i ra l B a th ( 1 9 8 2 ) .
662
Reb e cca Ho r n, t e xto l iv r e me n te tr ad uz id o d o en sa io d e Do r i s Vo n Dr at h e n Reb ecc a Ho r n, p . 6 0 . É i mp o s sí ve l l er mo s e s te t e xto d a ar ti s ta se m p en s ar mo s
i med i at a me n te no s t e r r í vei s p ás sa r o s d e Al fr ed H itc h co c k , q u e se v ão
mu l t ip l ica nd o a té co n s tit u ír e m u ma ver d ad eir a a mea ça p ar a a p o p u lação , e a
co n seq u e nt e se n saç ão d e med o - d e ver d ad eir o p ân ico - q ue p r o vo c a m.
181
É esta “insensibilidade” de ave migratória que caracterizará o
seu trabalho, e que acreditamos fazer um elo com a «s ecura» de
Velázquez.
Em todas as diferenças por demais evidentes, estes dois artistas
de épocas tão distintas partilham uma visão cinemática, com o seu
espaço altamente pensado (coreografado, barroco 663), a ideia de que a
arte é um documento que preserva a memória/História, mas também
pode ser uma arma (embora a obra de Rebecca Horn tenha um carácter
de “redenção” 664,
curativo, tenha um “relógio da revolta”, como
afirmou Doris Von Drathen no título de um dos ensaios que dedicou à
artista). Ambos têm alguma «frieza», sem por isso deixarem de ter
sensualidade. E depois há os aspectos formais: o interesse pela
transparência, pela fragilidade do ovo, pela delicadeza das plumas e
dos espelhos.
Acreditamos que o espelho sempre existiu na obra de Rebecca
Horn, mesmo quando parecia não estar lá (material e fisicamente).
Como já dissemos anteriormente, ela explora a dualidade, e por isso é
natural que o espelho/a repetição/os espelhamentos infinitos/ a simetria
sejam um factor recorrente na sua obra. Essa ideia já aparecia numa das
suas obras mais belas, uma escultura de nome The Feathered Prison
Fan que fez para um dos seus filmes intitulado Der Eintanzer [O
dançarino Solitário] (1978), e que é composto por duas ostensivas
plumagens
brancas,
montadas
de
forma
paralela,
que
revestem
inteiramente (e escondem) o corpo de uma jovem bailarina — o leque
de plumas de avestruz engolindo-a “como a uma planta carnívora” 665,
como afirmou Germano Celant —, ou da esquematização desta mesma
obra
(para nós, uma das suas peças mais conseguidas até agora) em
Peacock Machine (1982): o leque suave das plumas torna-se agora num
leque metálico de pavão, programado para se fechar e voltar a abrir de
x em x tempo. Na exposição dos Magiciens de la Terre, expõe uma
663
Vej a - se, p o r e x e mp lo , a o b r a i nt it u lad a Mo o n Mi r ro r ( 2 0 0 3 ) , na i ns ta lação d e
I gr ej a d o co n ve n to d e S . Do mi n go , P o ll e nça, e na S t. P a ul ´s Ca t hed r al e m L o nd r e s
( 2 0 0 5 ) , o u La lu n e d a n s le la c m i ro i r a u p le in co eu r d e la p e rle ( 2 0 0 0 ) , Av i g no n.
664
Do r i s Vo n D r at h e n - T h e C lo c k o f Re vo l t, p . 5 4 .
665
Ger ma n o Cel a nt - Reb e cca Ho r n, p . 4 1 .
182
formidável escultura circular em aço, que se separa em duas metades
que continuamente se abraçam (completando a figura geométrica,
clímax que causa uma descarga eléctrica azul), e que se afastam,
intitulada Kiss of the Rhinoceros (1989).
Quase todos os seus Berlin Exercises, Dreaming under water of
things afar (1975-76) se estruturam na ideia de espelho. Sendo um dos
seus primeiros trabalhos, observamos como o corpo ainda comanda a
máquina, ainda há resquícios de controlo humano. Em The Marionete
Exercise, duas bailarinas (as pernas de uma ligadas aos braços da outra
por fios, que têm sempre de permanecer esticados durante o exercício)
executam movimentos sintonizados frente a frente, tentando manter a
pose graciosa das bailarinas clássicas. Em todas as obras que até agora
referimos detectamos movimento, ou, mais concretamente, o suave
balançar do pêndulo de um relógio. Mas este não embala, é ameaçador
e inquietante como as tiras metálicas, afiadas e agressivas, cortantes,
do pavão.
Mas o espelho também esteve lá.
Rooms Meet in Mirrors, um dos seus «exercícios » que fazem
parte da obra Berlin Exercises (1974-75) é talvez o exemplo mais
conhecido: aqui a prótese extensiva do corpo já não são os fios das
bailarinas, mas as tiras de vários
espelhos, dos mais variados
tamanhos, que literalmente «vestem » um corpo que se move lentamente
pelo quarto. Será semelhante a tantas outras obras dos anos setenta que
tentaram desbravar o espaço-corpo e conhecer-lhe intimamente as
coordenadas, ultrapassando um ponto limite (novamente o pássaro do
poema, o seu voo e o seu querer ir mais além, a sua queda?), com a
diferença desta obra conter ainda alguma timidez: é um “casulo”
protector, afirma a artista numa entrevista 666 (e decerto o fato-espelho,
verdadeiro corpo-fortificado, lhe cria uma “distância almofadada” 667 da
realidade); é uma armadura, é Rebecca Horn vestida com o escudo de
Perseu, afirmamos nós. E, já mais audaz, desejosa de correr riscos e de
666
E n tr e v i sta co m Ger ma n o Ce la n t – Reb ecc a Ho r n, p . 1 8 .
B ice C ur i g er - Ge n tl e T r ans f er e n ce: Reb e cca Ho r n. P ar k et t. Zur ic h. I SS N 0 2 5 6 0917. 13 (1987) 54.
667
183
transcender o espaço com a sua nova «elasticidade» visual, olha para
um outro espelho, onde se vê a si mesma: a nós só nos chegam
fragmentos dispersos que atestam essa sua segunda e mais confortável
pele.
Mas, a pouco e pouco, o carácter intimista das suas peças vai-se
diluindo.
As
máquinas
vão
conquistando
o
seu
espaço,
vão-se
libertando dos homens e conquistando a sua autonomia. Agora têm um
lugar preponderante, vida própria. Na instalação Woodpecker´s Ballet
(1986-87), assistimos a uma pequena sinfonia de martelos que batem
repetidamente nos espelhos, e, quando o fazem, retrocedem muito
depressa (porque vêem os seus reflexos e se assustam, como Freud no
comboio? 668). É impossível não nos sentirmos ameaçados com estes
objectos
inofensivos,
provocando
algum
que
ruído.
sistematicamente
atingem
os
espelhos
Ficamos
estamos
em
“perigo
alerta:
iminente” 669.
Nancy Spector argumenta que a sua “gramática mecanicista” não
é nem “celibatária” nem “casada”, mas híbrida, numa clara alusão ao
Grand Verre (1915-23) de Marcel Duchamp e às máquinas imaginárias
de Michel Carrouges 670. Segundo ela, Duchamp criou uma máquina
onanista, auto-erótica, celibatária, fechada em si mesma – associal –
que evita a todo o custo o comportamento normativo burguês (a
monogamia, o casamento, a procriação). Por isso a apelida de máquina
“machista” 671.
A
autora
defende
o
carácter
hermafrodita
(a
inseparabilidade do masculino e do feminino) das máquinas desejantes
de Rebecca Horn. Para ela, estas são um “paradigma do híbrido” 672.
668
U m p o n to d e p ar t id a p ar a e sta o b r a fo i a o b ser v ação d a s r ea cçõ e s d e al g u n s
d o en te s n u ma cl í nic a p siq u iá tr ic a, q u e q u a nd o o l ha v a m p ar a u m ve l ho e sp el ho
d av a m u m sa lto p ar a tr á s, te me nd o a s ua p r ó p r ia i ma ge m.
669
Lyn n e Co o ke ci t. p o r Ré gi s D ur a nd - Re b ecca Ho r n : I m mi n e nt Dan g er .
I mmi n e n t D a n ger . I n Ar t P r e ss. P ar i s. I S SN 0 2 4 5 -5 6 7 6 . 3 5 : 1 8 1 -1 8 6 ( 1 9 9 3 ) e1 -e6 .
670
Ma s ta mb é m p o d e r e mo s p e n sar n as as máq ui n as e d es e n ho s i n fe r nai s d e J ea n
T in g ue l y, na mu l h er -p l u ma d e Ma x Er n st, na máq ui n a vo ad o r a d e Leo n ar d o d a
Vi nc i e na s máq u i na s d e Ra y mo n d Ro u s se l e d e Ro b er t M u lle r . J o s ep h B e u ys ,
Ka f ka, C a mu s , Ge n et, Do s to i e vs k y e V ir gi n ia W o o l f ( se g u nd o a ar ti s ta) são
gr a nd e s i n f l uê nc ia s no s se u s tr ab a l ho s.
671
Na nc y Sp ecto r – Reb e c ca Ho r n , p . 6 6 . ( Ver Ge r ma no Cel a nt , 1 9 9 5 )
672
Na nc y Sp ecto r - Reb e cc a Ho r n, p . 6 9 .
184
Sim, concordamos: a arte de Rebecca Horn demonstra que prazer
e perigo estão inexoravelmente ligados, e as suas máquinas são
híbridas, masculinas-femininas, sem preponderância de qualquer um
dos sexos.
Não, duvidamos: há uma “coexistência igualitária e harmoniosa
entre os sexos” 673. E como classificar então a agressividade de The
Room of Mutual Destruction (1992) senão como a raiva absoluta de
dois amantes, que focam o alvo e atiram a matar?
Neste trabalho dois espelhos são colocados frente a frente,
próximos um do outro. Perpendicularmente a cada um deles é instalado
um pequeno dispositivo móvel em aço que tem no final do seu
segmento uma pequena pistola (parecem dois braços mecanizados, que
lentamente sondam o espaço, como se quisessem fixar algo ou alguém).
Lynne Cooke defende que estas pistolas são a “incarnação do olhar” 674,
a forma corrosiva que Horn encontrou para denunciar a visão e a
visualidade: o olhar (a sua luxúria, possessão, inquietude) fere 675.
[Fazemos um breve parêntesis para dizer que a ideia é exactamente a
mesma quando ela “tapa” o olhar: no ano de 1984 faz um projecto para
a revista Artforum onde, numa reprodução de uma fotografia de Luis
Buñuel por Man Ray, se limita a cobrir com uma pluma os olhos do
cineasta, numa clara evocação do filme Un Chien Andalou (1929).
Germano Celant conclui que ela quer defender que o olhar deve ser
protegido, mas não continuará a ser um olhar que, não sendo cortado
com uma faca, continua a não conseguir ver, permanecendo cego?].
673
Na nc y Sp ecto r - Reb e cc a Ho r n, p . 7 2 .
Lyn n e Co o ke - Reb ec ca Ho r n, p . 2 6 .
675
Reb ecc a Ho r n co n vo ca r á, i n ú me r a s vez e s, o s en tid o d a a ud ição , q u e r i val iz a
co m a v i são e m a l g u ma s o b r a s ( o s so n s d i sso n a nt e s são cr uci ai s no s e u tr ab al ho ) .
Há a té q u e m d e fe nd a u ma ma ter ial id ad e “háp ti ca” n a s ua o b r a, e na e x p o si ção d o s
Ma g i cien s d e la Te r re, co m a s ua f o r mid á vel es c ul t ur a c ir c u lar d e aço , q ue s e
sep a r a e m d ua s me tad e s q ue co n ti n ua me nt e s e ab r aça m ( cl í ma x q ue ca us a u ma
d esc ar ga e léc tr i ca) , e s e sep ar a m, i n ti t ulad a K is s o f th e R h in o ce ro s ( 1 9 8 9 ) co mo
Lyn n e Co o ke o u Do r i s Vo n Dr a t he n. O c er to é q ue , co m e la, u ma si mp le s go ta d e
ág u a q u e é fo r çad a a c a ir a te mp o s r e g ul ar e s d e u m f u n i l ( d e 2 0 e m 2 0 se g u nd o s)
n u ma va s il ha – e aq u i ter e mo s a d i stâ n ci a q ue p er co r r e no e sp aço , e o so m q ue
p r o vo c a ao ca ir – g a n ha m u m e st at u to d e e sc u lt ur a . V er o se u t e xto d e scr it i vo d a
in s ta laç ão Th e C o u n te r mo vin g Co n ce r t ( 1 9 8 7 ) , e m Kr is ti n e St il es e P eter S el z T heo r ie s a nd Do c u me n t s o f Co n te mp o r ar y Ar t, p . 6 5 2 .
674
185
Seja como for, podemos afirmar que esta estratégia contra a
passividade da visão funciona: sentimos que não somos o alvo desta
erótica de “mútua destruição”, mas não deixamos de nos sentir intrusos
neste devastador fogo cruzado, neste espaço claustrofóbico (tal como
no quadro de Velázquez). Apenas os mais insensíveis chegam à costa.
Gostaríamos de acrescentar: as suas máquinas cultivam um lado
social: não são, de todo, autistas. Citamos a artista:
A s m in h a s má q u in a s n ã o sã o fá b ri ca s d e la va g e m a u to má t ica s. Ela s
p o s su em q u a se q u a l id a d es h u ma n a s e d e vem ig u a lmen te t ra n sfo r ma r - s e. E la s sã o
n ervo sa s e, p o r v ez e s, s ã o o b rig a d a s a p a ra r . S e u ma má q u in a p á ra n ã o sig n if ic a
q u e já n ã o fu n c io n a , a p en a s q u e e stá ca n sa d a . O a sp e cto t rá g ico e mela n có l ico
d a s má q u in a s é mu i to imp o rta n te p a ra m im . Nã o q u e ro d e to d o q u e fu n c io n e m
ete rn a m en t e . 676
As máquinas de Rebecca Horn têm um comportamento errático:
funcionam a ritmos diferentes (as máquinas de escrever em The Chorus
of The Locusts, I), vida prória (mesa que dança no filme Der
Eintanzer), são criativas (máquina que pinta de forma expressiva,
jorrando tinta a diferentes intensidades – ou “vomitando tinta” 677, como
diz Rosa Olivares da obra Les Amants, 1991). Bruce W. Ferguson
afirmou que estas máquinas em movimento “acariciam, dançam,
exploram, tacteiam, batem, esmorecem, hesitam, tremem, golpeiam,
fazem cócegas, murmuram e vacilam” 678. São melancólicas, trágicas,
humanas. Cansam-se. Ficam tristes. Por serem apenas máquinas, ou de
não serem homens?
Velázquez e Horn: neles vemos uma enorme elegância, a par de
uma grande lucidez. Ambas as obras vivem com o «horror», com o
arrepio que é o tempo mecânico, tempo que mede com precisão os
momentos de uma vida, e que se afasta, lentamente, de todo o tempo
«natural »:
676
677
678
as
fases
da
lua,
a
menstruação
das
mulheres,
etc.
R eb ec ca Ho r n, e n tr e v is tad a p o r S t uar t Mo r g a n e m 1 9 9 3 - Reb ecc a Ho r n , p . 2 9 .
Ro sa Ol i var es - Reb e cc a Ho r n, p . 2 2 .
B r u ce W . Fer g u so n - R eb ecc a Ho r n , T he Gl a nc e o f I n fi n it y, p . 3 1 .
186
Acreditamos que na obra destes dois artistas há uma síntese destes dois
elementos. Há a frieza e o peso do pêndulo, mas também há a carícia e
a leveza da pluma.
Através deles, ainda conseguimos ouvir o “barulho da madeira”
(Barthes), a organicidade e a beleza que não se deixa morrer. E há uma
menina que nos demonstra isso mesmo, autêntica escultura viva que se
passeia na sua saia balão (ou pelo menos, o que resta do seu esqueleto,
com rodas e motor), pequena infanta que parece ter saído da pintura do
grande mestre espanhol, e que poderia perfeitamente passear-se pelos
corredores do Prado visitando a sua gémea pintada. Não é uma obra de
Rebecca Horn, mas poderia passar por tal (ver Fig. 39).
187
De Pistoletto a Ricardo Jacinto – o infinito
O u n ive r so (a q u e o u t ro s ch a ma m a Bib lio teca ) co mp õ e se d e u m n ú me ro in d e fin id o , e ta lv ez in fin ito , d e g a ler ia s
h exa g o n a i s, co m va s to s p o ço s d e ven ti la çã o n o meio ,
cer ca d o s
por
p a ra p ei to s
h exá g o n o
vêe m- se
os
in te r min a v el men te.
A
b a ix ís s imo s.
p iso s
De
in fe rio re s
d is t rib u içã o
e
das
q u a lq u e r
s u p er io r es :
g a le ria s
é
in va riá v el. V in t e es ta n t es, a cin co lo n g a s es t a n te s p o r
la d o , co b re m to d o s o s la d o s m en o s d o i s; a su a a ltu ra ,
q u e é a d o s p i so s , ma l exc ed e a d e u m b ib l io te cá r io
n o rma l. Uma d a s fa c es li vr e s d á p a ra u m es t rei to
sa g u ã o , q u e va i d es em b o ca r n o u tra g a le r ia , i d ên ti ca à
p ri me ira e a to d a s. À e sq u e rd a e à d i re ita d o sa g u ã o h á
d o is g a b in e te s min ú scu l o s. Um p e rm ite d o r mi r d e p é; o
o u tro , sa ti sfa ze r a s n ec es sid a d es fin a i s. P o r a í p a ssa a
esca d a e m e sp i ra l, q u e se a fu n d a e e leva a p erd e r d e
vi sta . No sa g u ã o h á u m esp e lh o , q u e fie lm en te d u p lica a s
a p a rên c ia s. O s h o men s co stu ma m in fe r ir d e s s e esp e lh o
q u e a B ib l io t eca n ã o é in fin ita ( se o fo ss e r ea lm en te ,
p a ra q u e se rv i ria e sta d u p lica çã o ilu só ria ? ); eu p ref i ro
so n h a r
que
as
su p e rf íc ie s
p o lid a s
rep re sen ta m
p ro m ete m o in f in i to …
J o r ge Lu i s B o r ge s 679
679
J o r ge L ui s B o r g es - A B ib lio te ca d e B ab e l, p . 6 7 e 6 8 .
188
e
O Senhor Espelho nunca sabia o que iria fazer a seguir. Tinha
no entanto uma certeza: iria ter um espelho algures.
Sempre que alguém lhe perguntava como ocupava os seus dias,
fazia questão de responder muito rapidamente e com desenvoltura:
— Sou um “fazedor de espelhos.” 680
O Senhor Espelho era muito trabalhador.
Gostava de executar o seu ofício com avental de couro, como os
ferreiros – a arte deve ser artesã, orgânica, devemos sentir o peso e a
marca de uma mão, pois ela também comanda o espírito 681. Gostava,
não de construir obras de arte, mas de “liberar” 682. Era uma palavra
muito mais certeira, muito mais justa, porque implicava que as obras
também tinham um caminho a percorrer, seu, e que o faziam já sem
precisarem da sua companhia.
A palavra comunidade era uma das suas preferidas (pois
envolvia partilha, acção, energia), a par da palavra “restos”. Ninguém
mais do que ele acarinhava a ideia de erguer projectos feitos de sobras
que ninguém queria. Digamo-lo sem medo: de lixo. Sabemos que o
bicho-arte “devorava tudo: nenhum alimento era desagradável ou
esquisito – e tudo para ele parecia ser alimento” 683. Também gostava
dos movimentos surpreendentes do acaso (deixava-o entrar e passear
livremente em sua casa), da travessia, do percurso. A arte, para ele,
intersectava-se
naturalmente
com
a
sua
própria
vida,
era-lhe
equivalente.
O Senhor Espelho fazia questão em ter sempre um ponto de
partida, mas se alguém lhe perguntasse qual o seu ponto de chegada
não o saberia dizer. Tal não o embaraçava de todo: o processo, o
efémero, a contingência tinham vindo para ficar. E isso implicava que
o resultado final ficasse pelo caminho, meio perdido (senão mesmo
esquecido de todo). Desconhecia a palavra «acabado».
680
P is to le tto - M ic he la n g e lo P i sto let to , Co n ti ne n ti d i T e mp o , p . 1 2 9 .
C f. He nr i Fo c il lo n - E l o gi o d a Mão , p . 1 1 7 -1 2 0 .
682
T exto d e P i sto le tto - T he M i n us Ob j ec ts ( 1 9 6 6 ) , e m M ic h ela n g elo P isto le tto ,
Fr o m O ne to M a n y 1 9 5 6 -1 9 7 4 , p . 3 2 4 .
683
Go nça lo M . T av ar e s - O S e n ho r Ca l vi no , p . 2 5 .
681
189
Tinha orgulho no seu sentido de humor, que não era totalmente
desprovido de ironia. Afinal, não era qualquer um que arquitectava o
seu próprio fim 684. A sua divisa havia-a roubado a um poeta, sem
quaisquer remorsos:
“Não abras a porta,
Se for o sublime diz que não estou” 685
(aqui com muito pouca ironia).
Por
vezes
cruzava-se
com
alguns
habitantes
do
bairro.
Reverenciava (às vezes até lhe fazia uma pequena vénia) o Senhor
Duchamp, e a sua grande, magnífica, revolucionária invenção que
tinha já qualquer coisa de espelho, no sentido em que se podia
“entrar”
na
obra 686.
Perante
ele
ficava
sempre
sem
palavras.
Cumprimentava cordialmente o Senhor Klein quando o via, sentindo
alguma inveja do seu voo audaz: um corajoso salto para o vazio 687, de
braços abertos, sem medo da acção da força da gravidade – e das suas
consequências.
Respeitava o Senhor Fontana e o Senhor Burri 688 (o primeiro com
seus cortes cirúrgicos sobre a tela que se abriam para o real, o
segundo pela forma como evidenciava o lado físico, quase que
primitivo, dos materiais).
Mas havia habitantes do bairro que evitava.
Um deles era o Senhor Minimal — um maçador. E o Senhor
Abstracto, esse era um purista empedernido. Ambos viviam em
redomas. A eles respondeu com trapos, trapos e mais trapos, das mais
684
A o b r a La F in e d i P i st o let to ( 1 9 6 7 ) e n vo l via u ma sé r ie d e ac to r e s q u e ti n h a m
so b a s ua c ar a u ma má s car a co m u ma fo to gr a f i a d o r o sto d o ar ti s ta, e se g ur a va m
cad a u m u m e sp el ho , cr i and o u ma s ér i e d e p i sto l etto s q u e se r e f lec ti a m n a s al a ( e la
p r ó p r ia fo r r ad a co m a o b r a e sp el h ad a d o ar t i sta ) .
685
Ma n ue l An tó nio P i na - T alve z d e no it e, p . 3 6 4 .
686
Al u são à o b r a Le G ra n d V er r e ( 1 9 1 5 -1 9 2 3 ) , o b r a q ue fe z u so d a tr a n sp ar ê nci a
in co r p o r a nd o o e sp ec tad o r .
687
Y ve s K le i n e a s ua fo to gr a f ia i nt it u lad a L ea p in to th e Vo id ( 1 9 6 0 ) .
688
Luc io Fo n ta na ( 1 8 9 9 -1 9 6 8 ) e Alb er to B ur r i ( 1 9 1 5 -1 9 9 5 ) . A o b r a d e P ier o d el la
Fr a nc e sca ( 1 4 1 5 -1 4 9 2 ) t a mb é m é u ma r e f er ê nc i a p ar a P is to l et to , ta l co mo o íco n e
d as p i nt ur as a nt i ga s.
190
diversas proveniências, cores e texturas: tecidos impregnados de
história, de origens, de vivências, de memórias, que acumulava
freneticamente em pilhas, de forma caótica, e sob o olhar contrastante
de uma deusa de brancura marmórea 689. Pois se ele achava que um
simples trapo sujo pode valer tanto como o ouro! Não sabia, portanto,
porque é que insistiam em chamar-lhe um material “pobre” 690: para ele
era uma matéria cheia de possibilidades, nobre, e era (muito cuidado
com esta palavra, tão caída em desuso!) bela. Sim, os trapos velhos,
para ele, eram apenas isso: belos, belos “como sons” 691. E a quem lhe
dizia o que é que trapos velhos e espelhos tinham em comum,
respondia lapidarmente:
— Absorvem.
O Senhor Espelho sentia que todos os outros tinham tirado
partido da janela, enquanto que ele tinha descoberto a porta 692. E pela
porta podia-se, das duas uma: entrar ou não. Mas havia essa
possibilidade, esse novo espaço que se abria, esse umbral, esse
«entre» que ele cobiçava mais que tudo:
— Interessa-me a passagem por entre os objectos, mais do que
os objectos em si 693 —, dizia muitas vezes.
Não simpatizava por aí além com o esbanjamento da sociedade
em que vivia — e a bomba atómica? 694 —, e, embora compreendesse e
689
Al u são à o b r a d e P is to le tto i nt it u lad a V en e r e d eg l i S t ra c ci ( “V e n u s o f t h e
Ra g s” , 1 9 6 7 ) .
690
A “Ar te P o ver a” r e fer i a- s e não ap e na s ao u so d e ma ter iai s p o b r e s, ma s a u ma
co n v icç ão so b r e “p r o p o s içõ e s p o b r e s”. Ci ta mo s Car o l yn C hr i sto v - B a k ar gi e v - A rt e
P o ve ra , p . 2 5 : “O ter mo a r te p o ver a i n ici al me n te r e fer i u -s e n ão ao u so d e
ma ter ia is «p o b r e s », ne m a u ma cr í ti ca so c io ló gi ca d a so c ied ad e d e co n s u mo , ma s
ao co nce ito d e e mp o b r e ci me n to d a e xp er iê n ci a d o mu nd o d e c ad a i nd i víd u o ; i s to
i mp l ica a l ib er taç ão gr ad u al d a co n sc iê nc i a d e c ad a u m d e c a mad a s d e
p r eco nce ito s id eo ló gico s e teó r ico s b e m co m o d as no r ma s e d as r eg r a s d a
li n g ua g e m d e r ep r e se nt ação e d a fic ção ” . O s p r eco n ce ito s t o r na v a m- s e
«o b st ác ulo s » a ser r e mo vid o s p ar a alc a nça r u ma co ns ciê n ci a ma is l i vr e.
691
As si m a f ir mo u o ar t is t a e m - Mi c hel a n ge lo P is to l et to , Fr o m O n e to Ma n y, p .
336.
692
Mi c hae l T ar an ti no - M á s Di f íc il q ue so ñar , p . 2 2 . E st e a uto r co n ta q ue P isto le tto
se ir r i ta va q ua nd o p e nd u r av a m o s se u s Qu a d r i S p ecch ia n ti co mo s e fo s s e m j a ne la s,
q ua nd o er a m p o r ta s, p o r ta s q ue q u alq uer u m p o d ia a tr a v es sar .
693
T exto d e P i s to l et to - Mic h ela n g elo P i s to le tto , Fr o m O ne to Ma n y, p . 3 2 9 . O
te xto é d e 1 9 6 8 .
191
apoiasse o Senhor Pop, tinha para com ele certas... reticências (ele
atacava o consumo excessivo mas também vivia dele, como um
parasita. A estetização da banalidade não o convencia; não pela
banalidade em si, a quem ele até faria um hino, mas à própria noção
de estetização. Para ele, o impulso vital que procurava tinha de se dar
“não em diálogo com as coisas, mas através das coisas” 695).
Sim, ele também usou o «menos» minimal, mas de uma outra
forma 696, e ousou ir além da mera crítica «pintada». O que propunha
era outra coisa. Chamou-lhe “terceira via” 697: já tinha o manifesto
escrito e tudo.
Houve quem o incluísse num grupo que promovia uma espécie de
“guerrilha” 698
no
espaço
público.
Mas
o
que
ele
realmente
ambicionava era, simplesmente, levar a arte para a rua. Fez uma
enorme bola com papel de jornal – uma bola feita de quotidiano,
portanto – e levou-a a passear ao ar livre, como quem passeia um cão
sem trela. E ela rolava pela estrada com vida própria, juntando
pessoas no seu caminho aleatório. Passava por cima de carros, pelo
meio da rua, por cima de várias mãos. Ficou tão gasta com as suas
694
U ma fo r ma d e d izer q u e P i sto let to se p r eo c up a co m q ue stõ es r e lac io nad as co m a
so c ied ad e, e q ue c r ê q u e a ar t e a tr a n s fo r ma, p o r q ue q u e m vi u co mo p r eo c up aç ão
f u nd a me nt al ( e p e so m o r al) a q u es tão d a b o m b a ató mi ca e d o Ho l o c au s to fo i a
ger ação a n ter io r a el e. C f. C ar o l yn C h r i st o v -B a k ar gi e v - T hr us t i nto t h e
W hi r ld wi nd , p . 2 0 -3 9 .
695
Ger ma n o Cel a nt - Ar te P o ver a , p . 1 9 8 . L i vr o ed itad o p o r Cr i sto v - B a kar gi e v.
696
P is to l et to fe z u ma sér ie d e tr ab a l ho s i n ti t ula d o s Og g et ti in M en o ( t r ad u zid o s
co mo “Mi n u s Ob j ec ts ” e m i n gl ês e “Ob j ecto s S ub tr a íd o s ” e m p o r t u g uê s) , o nd e
fa zi a a te n ta ti va d e r ec o r r er a e str u t ur a s e le me nt ar e s, d e sco nc er ta n te s p o r q ue não
ti n ha m q ua lq uer co ne x ã o e ntr e si ( e le p r ó p r io a fir ma q u e q ua nd o o s e xp u n ha a
to d o s ao me s mo te mp o não p ar ec ia m s er d a me s ma p es so a , ma s d e u m gr up o
co lec ti vo d e a r t is ta s) .
697
P is to le tto - T he T hir d P ar ad i se ( 2 0 1 0 ) . Ma n i fe sto q u e u ne d o i s te mp o s o p o sto s
( na t ur e za e ar t i fi cia lid ad e) , p r o d uzi nd o u m ter c eir o e sp aço q ue i nd i ca u ma
so c ied ad e co m cap a cid a d e d e cr iar u m no vo co n cei to ger ad o r d e e ner g ia .
698
Ger ma no Ce la n t, o p r i me ir o cr ít ico q ue lo u vo u a ar te p o v era p elo se u p o d er
co n te st at ár io d o “s is te ma ” e d a r e vo l u ção e s t éti ca e so c ia l q ue t o m o u na s s ua s
mão s. C f. C ela n t - Ar te P o ve r a: No te s fo r a G u er r il a W ar ( 1 9 6 7 ) , e m Ar te P o ver a
( ed it ad o p o r C hr i sto v -B ak ar gi e v) , e p r o va ve l me nt e o p r i me ir o a d i zer q ue fa l ho u
ne s se
seu
p ap el,
não
s e nd o
cap a z
de
s ub v er t er
o
s i st e ma
de
p r o d uç ão /d i str ib uiç ão / u so d a ar te, q u e p er ma ne cer i a, se g u nd o o se u p o nto d e v i sta ,
sep a r ad a d a vid a.
192
viagens que ele teve de a inserir numa outra estrutura mais forte, feita
de metal 699.
O Senhor Espelho andava sempre muito rapidamente e sem
hesitar.
Optava por ir pelo intervalo que se situa entre as coisas, dando
a ver um outro espaço: um espaço negativo, escondido, negligenciado.
E mais uma vez fez uma experiência: virou algumas peças de mobília
ao contrário (com a intenção de pesquisar outra coisa que não a mera
presença impositiva dos objectos), e neles colocou uma superfície
espelhada 700: agora uma mesa também tinha um outro ponto de vista.
Gostava de subverter pontos de vista dominantes.
Era obcecado por espelhos, e admitia-o. E sobre o tempo.
Chegou a dizer a alguém que lhe perguntou o porquê de tal interesse,
que a sua obra iria ser sempre sobre espelhos, e que ele iria fazer
espelhos até ao fim da sua vida 701. E que a dimensão temporal era
fundamental na arte: o tempo pode vestir o espaço 702. O espelho, para
ele, tornava-se tão elástico, maleável e reactivo quanto os trapos. E
com a sua polidez e o seu refinamento gélido adquiria uma curiosa e
paradoxal existência própria. Já não era um instrumento utilizado
para que qualquer coisa nele se reflectisse: tornava-se um “corpo” 703.
Já não era uma obra entendida como representação, mas um «ser».
699
Re f er i mo - n o s à s d ua s acçõ e s d e r ua f ei ta s e m 1 9 6 7 e 1 9 6 8 ( q u e fo r a m
d o cu me n t ad a s no fi l me d e U go N esp o lo Bu o n g i o rn o Mich ela n g e lo , e m 1 9 6 8 ) e q u e
se i nt it u la m S cu l tu ra d a P a s seg io , e Ma p p a mo n d o ( 6 6 -6 8 ) . P i sto le tto , e m G ra n d e
S fe ra d i G io rn a li ( 1 9 6 6 ) , d e u -l h e o u tr a co nt i n u id ad e, faz e nd o u ma b o l a d e j o r nai s
p r en s ad o s tão gr a nd e q ue q ua s e n ão cab ia no e sp a ço mu s eo ló g ico o nd e fo i
in s er id a . A li nd í s si ma P ied ra q u e ced e ( 1 9 9 2 ) , b o la f ei ta d e p la s ti ci na q ue va i
r eco l h e nd o a s uj id ad e q ue e nco n tr a p e lo ca mi n ho i nco r p o r a nd o -a à s u a “p e le”, d a
au to r i a d o ar t is ta me x i ca no Gab r ie l Or o z co , é u ma c o n ti n u ação i nter es sa n te d a s
acçõ e s d o ar t i sta i tal ia n o .
700
I n s tal ação no M u se u Ar ago n a P i g na te ll i, Mo b i li Ca p p o vo lt i ( 1 9 7 6 ) .
701
En tr e vi s ta d e H a ns Ulr ic h Ob r i st a P i sto l etto a 2 d e Dez e mb r o d e 2 0 1 0 ,
d isp o n í ve l e m: ht tp : // v i meo .co m/ 1 7 4 2 2 4 2 1 .
702
Enco n tr o d e P isto le tto e Mic he l Ma f f eso li - Mi ch ela n g elo P i sto le tto C o nt i ne n t i
d i T e mp o , p . 1 8 4 .
703
Ent r e vi s ta d e Car lo s V id al a P i st o le tto - O s f acto s i n ici ai s tr aze m co n si go a s
s ua s Or i ge n s. Ar te s & Leilõ es . Li sb o a. I SS N 1 6 4 6 -8 1 3 9 . 2 : 9 ( 1 9 9 7 ) 4 8 .
193
Resumo: o Senhor Espelho é agora famoso no seu bairro. As
suas obras vendem-se bem, sucedem-se exposições. Mas o seu mundo
reflectido também tem uma unidade de valor.
Várias dúvidas se colocam a quem o vê passar todos os dias: o
nó dessa antiga tribo que tudo minava 704 já se desfez, ou caiu em
esquecimento? A sua obra está agora (cuidado, muito cuidado com as
palavras!) mais... conformada? Deixou de ocupar um espaço de
resistência, de luta, “americanizou-se” 705?
Defesa de alguns moradores: Porque é que ter um lugar na
cultura industrial é sempre sinónimo de uma obra desinteressante?
Ataque de outros: E o lado artesanal/conceptual ao mesmo
tempo, tão prezado, para onde foi?
Defesa de um: É preciso viver neste tempo, no nosso tempo, e ele
exige a reprodução, mesmo que seja de lixo.
Contra-ataque de outro: há toda uma frescura que se foi
perdendo. Mas é preciso ser muito resoluto para conseguir dizer, como
ele o fez: “escrevo para aqueles que se sentam como um Papa e que
andam como um Rei (...)” 706.
O Senhor Espelho gostava de polémicas. Mas o que é que ele
tinha aprendido com o espelho?
1.
Que as imagens dos espelhos são todas as imagens
possíveis menos elas próprias;
2.
Que é necessário cortá-lo e dividi-lo em dois para o
próprio espelho se poder «ver» (deixando uma moldura
704
Ce la nt d iz q ue no mo me n to e m q u e o s e u te xto so b r e e ste gr up o d e ar t is ta s
es ta va e scr ito j á el e es t av a to ta l me n te co b er to d e b ur aco s d e b ala s. C f . C el a nt Ar te P o v er a, p . 1 9 6 ( l i vr o ed it ad o p o r Cr i sto v -B ak ar gi e v) .
705
C f. B e nj a mi n B uc ho lo h, J ea n - Fr a n ço i s C he vr i er e Ca t her i ne D a vid - Ar t a nd
P o lit ic s, p . 6 2 5 - 6 2 8 .
706
P is to le tto - M ic he la n g e lo P i sto let to , Fr o m O ne T o Man y, p . 3 4 7 .
194
que o enquadre, para ele conseguir ter noção dos seus
limites 707);
3.
Que não há nada mais gratificante do que pegar numa
picareta
e
partir,
alegremente,
espelhos
enormes,
enquanto vemos pedacinhos de mundo espalhados por
todo o lado 708.
(O mundo andava tão depressa).
O Senhor Espelho nunca sabia o que iria fazer a seguir.
Tinha no entanto duas certezas. A primeira é que iria ter um
espelho algures. A segunda é que, “frente a ele, estamos sós” 709. Se há
alguém que nos julga, apontando-nos o dedo em riste, é ele.
*
No princípio era o espelho. No fim também será o espelho.
A armadilha foi montada, mas julgamos que Pistoletto a soube
evitar. Precisemos: ela foi montada por si mesmo. De todos conhecido
como o autor dos famosos Quadri Specchianti (“mirror paintings”, a
sua poção mágica de druida 710), delas soube escapar e procurar outras
707
Ver as d i ver sa s o b r a s r eu n id a s p e lo mes mo tí t ulo : D iv is io n e e mo lt ip l ica zio n e
d ello sp ecch io ( 1 9 7 5 -7 8 ) .
708
Ver a s ua p er fo r ma n ce n a 5 3 a B ie n al d e Ve ne za, i nt it u lad a T w en ty T wo Le s s
T wo ( 2 0 0 9 ) . Da n iel B i r n b au m ( ed i to r ) - Far e M u nd i : Ma k i n g W o r ld s, p . 1 3 4 /1 3 5 . É
u ma o b r a q ue p o d e s er li gad a a u ma o ut r a p er f o r ma nce d o s a no s s es s e nt a d e Vi to
Aco ncc i i n ti t ulad a S ee Th ro u g h ( 1 9 7 0 ) , e m q u e est e es mu r r a va f ur io sa me n te , co m
o p u n ho fec h ad o , u m es p el ho – u ma , d ua s, tr ês vez es , as q u e fo s se m n ece s sár i as
até q ue o e sp e l ho se p ar ti s se e d e i xa s se d e r e f le ctir a s u a i ma g e m. Co m a d i fer e n ça
q ue e m P i s to l et to n ão há r a i va /ó d io /a n g ú st ia, ne m u m se n tid o d e ver no e sp e l ho
u m “i ni mi g o ” a ab at er : há a le gr ia. M as ta mb é m há , ta l vez, d e mas iad o
“esp ec tác u lo ” ( ad mi ti mo s q ue n ão é d a s no s s as o b r as f a vo r i ta s) .
709
T al
a fir ma
P i sto l etto
na
já
me nc io nad a
e n tr e vi s ta
co m
Ob r i st :
ht tp : // v i meo .co m/ 1 7 4 2 2 4 2 1 . P ar a nó s, f ico u p o r esc lar ecer d e q u e fo r m a é q u e el e
vê o esp el ho q u as e co mo u m eq ui v ale n te a “j ul g a me n to ” e a “r esp o n sab il id ad e ”
( p o r v e nt ur a o se u se n tid o cr i st ão , é ti co , a e mer g ir ? )
710
E st as o b r a s são , s e m d ú vid a, as mai s es t ud ad as d e P is to l et to , e s tab e lec e nd o u ma
r ela ção e sp e ci al co m a fo to gr a f ia/p i nt ur a e co m a p r ó p r i a so ci ed ad e . A ut il iza ção
d e u ma i ma ge m fo to gr áf ic a i n ser id a e m p l aca s d e aço i no xid á vel fa z co m q ue
195
formas de encarar esse medium que sempre o atraiu, o espelho. E é o
próprio artista a admitir que o espelho, muito mais do que um material,
é um “território de visão” 711.
Falaremos aqui de duas obras com uma componente escultórica e
uma ligação ao tempo muito fortes.
A primeira insere-se na exposição intitulada Le Stanze [“The
Rooms”, que poderá ser traduzido como “As Salas” ou “Os Aposentos”
na nossa língua]. Pistoletto decide fazer uma exposição um pouco fora
do comum — introduz-lhe um tempo específico (de Outubro de 1975 a
Setembro de 1976). Comprometia-se a fazer, durante um ano, doze
exposições no mesmo espaço, todas interligadas entre si. É a primeira
vez que usa o espelho «nu », sem qualquer intervenção da sua parte
(aplicação serigráfica de uma fotografia). E tal deveu-se à arquitectura
da própria galeria, que incentivava a perspectiva e o jogo ilusionista:
três salas que abriam para um eixo central, onde a passagem de uma
para outra era feita por uma porta.
Escolhemos referir-nos à sua terceira exposição: Padre, fliglio e
creatività (03-12-75), que mais não será que o encontro de um filho e
de um pai: Pistoletto grava a palavra “Figlio” no cimo da porta (três
vezes, tantas quanto as passagens), e coloca um espelho no final do
percurso. Quem percorre o espaço até ao fim — e esse será o objectivo,
percorrermos o espaço até quase nos fundirmos com a superfície
reflectora — vê os vários reflexos, mas a palavra que nos é dada é a de
“padre”, pai.
Citamos Pistoletto no texto que apresentou para a exposição:
“Cada homem é o filho do filho, do filho, do filho, e transporta consigo
o pai do pai, do pai, do pai, do pai” 712; explica também que é através do
ponto de vista do filho que olha para o trabalho, e que não podemos ser
f i g ur a e f u nd o co e xi st a m n u m e sp a ço i n st á vel , e m p er ma n e nte mu d a nça . São o b r a s
q ua se q ue ci ne má t ica s. Mu ito ma i s h a ver ia a d izer ; r e me te mo s o le it o r p ar a o s
se g u i nte s ca tá lo go s : Mic h ela n g elo P i sto let t o : Mir r o r P ai n ti n g s ( 2 0 1 1 ) , e
Mic h ela n g elo P i s to le tto e la Fo to gr a f ia ( 1 9 9 3 , co m te x to s d e J o r g e Mo ld er e d e
J ean - Fr a nço i s C h e vr i er ) .
711
Enco n tr o d e Mi c hel M a f fe so li e P i sto le tto - Mi ch ela n g elo P i sto le tto , C o nt i ne n ti
d i T e mp o , p . 1 8 5 .
712
Ver te xto d i sp o ní v el no se u s ite : ht tp : // www. p is t o let to .i t/ e n g/ te st i/ t he_ r o o ms.p d f
196
inteiramente pais até termos caminhado todo o comprimento do
caminho dos filhos. Inferimos que nos é dada a hipótese de «vermos » o
presente (o espelho), mas também de chamarmos a memória e
evocarmos outros tempos, outras vidas.
Segundo esta lógica, e fazendo uma ponte com o nosso primeiro
capítulo, leríamos Telémaco-Ulisses-Laércio, mas também poderíamos
ler
Laércio-Ulisses-Telémaco:
podemos
sempre
ir
em
ambas
as
direcções, o caminho fazemo-lo nós. Com a condição dos nossos passos
serem aqui a nossa «medida» do tempo, cada vez que passamos uma
porta. E não diremos como Dante na entrada da porta do Inferno:
Deixai toda a esperança, vós que entrais 713.
A outra obra, incluída na série dos “Oggetti in Meno”, intitula-se
Metrocubo d’infinito (1966). É um cubo composto por 6 espelhos; um
cordel forma um “x” em cada uma das suas seis faces. O espectador
reconhece que as faces do cubo estão formados por espelhos graças aos
segmentos que se estendem mais além da face superior e dos lados: isto
porque os espelhos (pequeno pormenor) estão voltados para dentro. O
espaço interior deste sólido geométrico, a acreditarmos no artista,
equivale a um metro cúbico (de infinito).
Transcrevemos a forma como o artista vê esta sua obra:
“O metro cúbico é algo que não é visível. Não é um cubo de
espelhos que reflectem o exterior, são espelhos que se reflectem entre
si do interior; é um espaço onde o espelho se torna autónomo. Começa
a criar o mundo, espaço minimal, espaço minimal que se multiplica até
uma totalidade. O que acontece no interior é exclusivamente para a
mente, para o pensamento, porque os jogos não conseguem entrar. É
um símbolo fenomenológico” 714.
Acrescentaremos também que, para Pistoletto, cada trabalho
deste grupo heterogéneo exibe a sua própria contingência 715: cada
objecto pretende levar a cabo uma acção, mas esgota, levando ao
limite, as possibilidades dessa mesma acção. Poderá ser um conceito
713
Da n te - A D i vi n a Co mé d ia, p . 4 7 ( I n fer no , I I I , 1 -1 0 ) .
Enco n tr o d e Mi c hel M a f fe so li e P i sto le tto - Mi ch ela n g elo P i sto le tto , C o nt i ne n ti
d i T e mp o , p . 1 8 7 .
715
Gab r iel e G u er ni co - Mi ch ela n g elo P is to l et to , Fr o m O ne to M a n y, p . 1 1 3 .
714
197
confuso para quem olha para todos os objectos por ele criados (tão
diferentes entre si, sem qualquer relação uns com os outros, de tal
forma que parecem ter sido feitos por pessoas diferentes: o Mosquera
de Pirandello passeia-se por aqui), mas em relação ao metro cubo será
muito simples: é um cubo interiormente forrado de espelhos, com a
possibilidade de tudo ver, nos mais diversos ângulos possíveis — um
olho perfeito — mas que «não vê», e que destrói e mina a própria ideia
de reflexão, de duplo, e de desdobramento.
Lancemos este singular cubo ao ar, e deixemo-lo cair nas suas
várias faces, uma por uma:
Face 1 – A gaveta que o Senhor Juarroz mais prezava era uma gaveta
para guardar o vazio. Ele próprio dizia, convicto:
— Quero encher esta gaveta de vazio 716.
E é claro que a sua esposa, atrapalhada com a falta de espaço que
existia em casa, protestava com aquilo que considerava ser “uma
péssima utilização do metro quadrado” 717.
Pistoletto também dá esta in(utilidade) à sua obra. Também ele
poderia dizer:
— Quero uma caixa para guardar todas as imagens possíveis.
(E talvez a caixa lhe respondesse:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo) 718.
Face 2 – Tudo pode ser reflectido no espelho. Carlos Basualdo afirma,
e damos-lhe razão pela sua lógica, que é “como se a própria noção de
“possibilidade”
fosse
encapsulada
716
primordialmente
Go nça lo M . T av ar e s - O S e n ho r J uar r ez, p . 1 3 .
Go n çal o M. T a var e s - O Se n ho r J u ar r ez , p. 13.
718
Fer n a nd o P e sso a - T ab a car i a, p . 3 7 .
717
198
na
superfície
reflectora” 719; mas sabemos também a “luz tem de encontrar um corpo
em que possa pousar para se reconhecer” 720 (Pistoletto). A luz não
consegue entrar neste cubo; não consegue encontrar nenhum corpo,
logo não se reconhece. Este cubo não reflecte, porque a luz não entra.
Diríamos, portanto, que a impossibilidade é encapsulada neste cubo
humano, feito à nossa escala.
Face 3 – Somos aprisionados (em pensamento) num nada que tudo é.
Tal lembra-nos um personagem inesquecível de um conto de Herman
Melville, Bartleb y, o escrivão eficiente, inofensivo e silencioso como
as velhas cadeiras do escritório onde trabalhava incansavelmente, dia e
noite, noite e dia, sempre “esfomeado por algo que copiar” 721. Copia à
luz do sol e à luz da vela, até ao dia em que diz ao seu chefe (quando
este lhe pede para conferir um determinado documento), com a sua voz
suave:
— Preferia não 722.
(“I prefer not”, responde sem qualquer vestígio de insolência).
E a resposta repete-se, vezes sem conta, com muito poucas
variações, quando lhe é pedido (e depois ordenado) que faça algo.
Bartleby elimina da sua estranha resposta o verbo «querer», e introduz
o verbo «preferir ». Escrivão que reivindica preferir não copiar, e se
torna folha em branco, virtualmente ilimitado. Poderia copiar, mas
prefere não o fazer.
Giorgio
Agamben
analisou
este
texto
de
forma
exemplar,
centrando-se na ideia de contingência: “Um ser que pode ser e,
simultaneamente,
não
ser,
chama-se,
em
filosofia
primeira,
contingente. O experimento, em que Bartleby nos arrisca, é um
experimento de contingência absoluta” 723. E, um pouco antes, afirma e
desenvolve que esta ““potência do não” é o segredo cardeal da doutrina
719
Ca r lo s B a s ua ld o - Mic h ela n ge lo P i s to le tto : Fr o m O ne to M a n y, p . 1 0 .
T exto d e P i sto le tto cit . p o r J ea n - Fr a nço i s C he vr ier - Mi c hel a n ge lo P i sto le tto e
la Fo to gr a fia , p . 1 2 4 .
721
Gio r g io Ag a mb e n - B ar tleb y, E scr ita d a P o t ê nci a, p . 8 3 .
722
Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 8 9 .
723
Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 3 5 .
720
199
aristotélica sobre a potência, que faz de toda a potência, por si mesma,
uma impotência” 724. Não debateremos as aporias deste conceito (o facto
de ser impossível realizar a potência no passado ou a questão da
necessidade condicionada), é nossa intenção de frisarmos apenas que
este cubo herda algo do escrivão pálido: pode mostrar, mas prefere
não. Resta-nos a nós fechar os olhos e ter como companhia a potência
do pensar.
Face 4 – Desenhemos uma possível constelação artística de toda esta
aridez:
•
A “negrura cúbica” 725 deste cubo remete para o “Quadrado preto
sobre fundo branco” (1915) de Kazimir Malevich, como tão bem
sugeriu um crítico;
•
Sabemos que é alvo de um processo (reflexão), tal como o
Condensation Cube (1963-65) de Hans Haacke;
•
É
um
cubo-jaula
que
poderá
lembrar
as
jaulas
espaciais
desenhadas rápida e agressivamente pelo pincel de Francis
Bacon;
•
Sol LeWitt enterrava solenemente um cubo em Buried Cube
Containing an Object of Importance but Little Value (1968), o
que causava perplexidade e curiosidade: o que estará guardado lá
dentro? Também aqui há um «dentro » sobre o qual especulamos;
•
A lâmpada de Alighiero Boetti, que apenas se acendia, se não
estamos em erro, 11 segundos por ano, de forma aleatória
(Lampada annuale, 1966), causando embaraço e expectativa no
espectador, também terá uma filiação nítida com esta obra:
estamos a ver, mas não estamos a ver tudo;
•
E por fim, os famosos cubos espelhados de Robert Morris
Untitled (Mirror Cubes, 1965), o reverso da medalha: cubos
espelhados na sua face visível ao olhar, camuflados no espaço
onde se inserem (e que foram, posteriormente, quebrados por
Jeppe Hein, in Broken Mirror Cubes, 2005);
724
725
Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 1 3 .
Mic h ae l T ar a nt i no - Má s d i f íc il q u e so ñar , p . 2 7 .
200
•
Este cubo é todo ele metalizado, frio, mas há um pormenor que
se destaca: o cordel que o envolve em forma de cruz, o seu lado
orgânico que sobressai discretamente, e que talvez remeta para o
magnífico cubo feito com uma tonelada de folhas de chá (e da
longa história da antiga China Imperial) de Ai Weiwei, Ton of
Tea, obra de 2005.
Face 5 – Quando nos encontramos “entre um diante e de um dentro” 726:
exercícios de tautologia e de crença. Segundo o filósofo Georges DidiHuberman, há duas formas muito específicas de encarar a imagem. Ou
como o:
•
Homem da tautologia (leitura fechada). O volume visível que se
encontra diante de mim, um cubo cinzento, não é outra coisa
senão o que lá vejo; há uma reacção de indiferença, de não
questionamento,
de
recusa
da
aura
do
objecto
(e
da
temporalidade, do trabalho do tempo e da metamorfose, do
trabalho da memória). “Este objecto que vejo é aquilo que vejo,
ponto final e pronto” 727. Não há equívocos: os objectos não
mentem, não escondem. Estamos diante do olho de Breton,
idealista, esse “olho que existe no estado selvagem” 728, como ele
afirma logo na primeira linha do seu ensaio sobre a pintura
surrealista;
•
Homem da crença (leitura mística). o homem que verá sempre
outra coisa para além daquilo que vê. A reacção de S. João
quando viu o túmulo vazio de Cristo: et vidit, et creditit 729 (ele
viu, e ele acreditou) poderá ser um exemplo. Esse túmulo
esvaziado de um corpo apontava para o deus morto e, ao mesmo
tempo, para o deus ressuscitado.
726
Geo r ge s Did i -H ub e r ma n - O q ue nó s ve mo s, o q ue n o s o l ha, p . 2 1 3 .
Did i -H ub er ma n - O q u e nó s ve mo s , o q ue no s o l ha , p 2 0 .
728
And r é B r eto n - Le S ur r éal is me e t la P e i nt ur e , p . 1 .
729
Geo r ge s Did i -H ub er ma n - O q ue nó s ve mo s, o q ue no s o l ha, p . 2 3 .
727
201
Nas duas formas de «ler » uma obra não devemos glorificar nem uma
nem outra, mas superar o dilema através da imagem dialéctica,
“inquietar-nos com o entre” 730 – o que nós vemos e o que nos olha.
Porque aquilo que vemos pode ser diferente daquilo que nos olha,
como refere o título do seu ensaio 731.
Face 6 – Gostamos (secretamente) de pensar que esta sexta face do
cubo encerra a obra Parque (composto por três peças performativas:
Peça de Embalar, Atraso e Os, 2001-2008) de Ricardo Jacinto, bela
como um som, habitada por sons (estranhos, desconexos, cavernosos,
uterinos). É para ela que agora caminhamos, sentando-nos na plateia
reservada aos espectadores deste evento, mas não sem antes atentarmos
a uma noção essencial à sua obra, a de partilha.
Ricardo Jacinto é um artista pouco comum, a vários níveis.
É muito pouco frequente, no universo da arte contemporânea, ver
artistas que optem por trabalhar com outras pessoas, não a um nível
provisório mas como um modo de «operar», e Jacinto trabalha quase
sempre em grupo ou parcerias, com músicos, arquitectos, bailarinos,
artistas plásticos, privilegiando a ideia que a contribuição de pessoas
de áreas diferentes apenas enriquecem um determinado projecto, e não
lhe retiram qualquer aura enquanto autor (pense-se também no grupo
Lo Zoo de Pistoletto, que era também isso: o encontro e a troca que
pode existir entre diferentes pessoas). Como afirma Bruno Marchand “o
artista cultiva uma consciente e necessária contaminação de meios,
instrumentos, disciplinas, processos e mesmo posições autorais” 732.
Ficamos
perplexos:
será
o
mesmo
Ricardo
Jacinto
o
autor
do
surpreendente Desenho Interrompido (água que circula através de uma
mangueira transparente, 2005), da peça Labyrinthitis #2 733, ou do
730
Did i -H ub er ma n - O q u e nó s ve mo s , o q ue no s o l ha, p . 5 8 .
Est e a uto r e xe mp li f ic a es ta q ue s tão d a se g ui n te fo r ma: St ep he n Ded a l u s ,
p er so n a ge m d o Ul is s es d e J o yce, ve nd o o mar q ue s e a fa s ta. Aq ui lo q ue o o l ha, n o
en ta n to , é a mã e q ue mo r r e. H ub er ma n – O q u e nó s ve mo s, o q ue no s o l ha, p . 2 1 2 .
732
B r u no Mar c ha nd - O Co r r ed o r , p . 3 .
733
Aq ua nd o d o no s so e nco nt r o co m R ic ar d o J ac i nt o , es te fez - no s v er q ue es ta p e ça
ta mb é m co n ti n h a a id e ia d e esp e l ho , o q ue no s t in h a p a ss ad o d esp er c eb i d o . A p e ça
é d i vid id a e m d o i s l u ga r es, cr ia nd o u m d iá lo go en tr e o ( d e s) eq u il íb r io fe ito p elo s
b alõ e s d e h élio a q ue a s p e sso as se p o d e m a gar r ar - co lo cad o s no p át io - e v ár io s
731
202
Liboscópio (feita em parceria com o arquitecto Pancho Guedes para a
Bienal de Arquitectura de Veneza)?
Há
uma
clara
impregnação
de
uma
identidade
por
uma
pluralidade, mesmo nele, já que o artista é um… e vários (arquitecto,
músico, artista plástico), e por vezes evidencia mais uma das vertentes,
noutras outra, mas cremos que permanece quase sempre, em todas as
suas
obras,
a
ideia
de
jogo,
de
surpresa,
de
efémero
e
de
imaterialidade. O artista diz-nos que as suas influências não vêm da
área das artes plásticas, mas sobretudo da música 734, o que não deixa de
ser curioso, porventura invulgar. Não estamos certos que ele concorde
com a nossa posição, mas sentimos que há um gosto por “materiais”
sem matéria a que nos possamos agarrar (o som ou a força da
gravidade, por exemplo). Há também a ideia de prazer: o artista pensou
profundamente nas obras, divertiu-se a projectar e criar as obras, e isso
transparece e fica como que gravado nas mesmas. O veículo Unidade 735
é demonstrativo disso: uma máquina-betoneira, de um amarelo vivo,
preparada para que as pessoas façam aquilo que mais desejam muitas
vezes numa exposição ao ar livre: sentar-se e conversar (e novamente
pensamos em Pistoletto, e na sua humorística Struttura per Parlare in
Piedi, 1965-66). Apenas acrescentamos que as suas parcerias e
«ligações » resultam efectivamente (para outros quaisquer tantas vozes
e egos dissonantes seriam algo muito próximo de um pesadelo), e
portanto deixam de ser utópicas para passarem a ser projectos
concretizados. Há uma partilha dos limites de cada um, como diria
p eq u e no s esp el ho s c ir c u lar e s a gr e gad o s a u m e i xo q ue g ir a ( si t uad o s n u ma sa la no
p iso s up er io r , e n ão e v i d en te s no víd eo q ue i nd icar e mo s ) q ue p o d er ão en f at izar a
id ei a d e p er d a d e c hão ( ná u s ea, a ns ied ad e) p ar a q ual a o b r a ma i s «mo n u me n ta l »
ap o n ta. E st a o b r a fo i i n st alad a n a Ma n i fat t ur a T ab acc hi, p er te nc e nd o à mo str a d a
Ma ni f es ta 7 ( Ro v ar e to , I t ál ia) . Ver : h t tp :/ / ww w. r i car d o j ac i nto . co m/ ma i n p r o j ects /p r o j ec ts /l ab yr i n th it i s/ lab yr i nt h it is -2 - 2
734
Os tr ê s no me s q ue Ri c ar d o J aci n to r e fer i u d ur an te o no sso e nco nt r o f o r a m: o
co mp o s ito r i ta lia no G ia cci n to Sce l si ( 1 9 0 5 -1 9 8 8 ) , o v io lo nc el i sta a me r ica no Fr ed
Lo nb er g -Ho l m ( n . 1 9 6 2 ) – q ue a f ir ma no se u si te o f ic ia l ser u m “a nt i vio lo nc el is ta ” – e o co mp o si to r a mer i ca no St e ve R eic h ( n. 1 9 3 6 ) . E s cu sad o s er á
d izer q u e J o h n Ca g e , c o m o s e u t r ab a l ho r i go r o so e o se u p e n s a me n to d a mú s i ca
enq u a nto i nd e ter mi n aç ã o ta mb é m é u ma r e f er ê n cia i mp o r ta nt e p ar a o ar t is ta.
735
Ob r a p r o j e ctad a p ar a G ui mar ã es Cap i ta l d a C u l tu r a 2 0 1 2 .
203
Jean-Luc Nancy 736, mesmo que a ideia de «comunidade » seja sempre
uma ideia impossível.
Ricardo Jacinto teve, na «trilogia» Parque e segundo a nossa
opinião, a ousadia de fazer dos elementos da sua cenografia escultórica
mais do que meros «adereços »: eles existem para serem tocados,
vivenciados e sentidos, tudo isto num determinado espaço físico e em
tempo real (para o espectador que assiste ao concerto). Este último
estava alheio à partitura precisa e detalhada que o guiava — a ele e aos
seus colaboradores —, mas intui o seu lado dinâmico, efervescente,
gestual; este esquema também é um desenho onde tudo é possível de
acontecer, e onde nada nos levaria a pensar que passaríamos a fazer
parte de uma complexa engrenagem maquinica de reflexos, sons e
luzes, que nos envolvem vindos de todo o lado e de todas as direcções.
De repente, estamos imersos num caleidoscópio visual e sonoro, num
tempo que remete para Orson Wells e para o seu complexo labirinto de
espelhos onde ninguém sabe muito bem onde está (recomendamos que
se veja o vídeo para uma melhor compreensão do que estamos a
afirmar 737).
É difícil não vermos o espelho desta obra como uma escultura
geradora de um “desvio perceptivo” 738, como afirma o crítico e curador
Delfim Sardo: “trata-se, de facto, de um elemento escultórico no
sentido mais próprio do termo, um dispositivo tridimensional que
afecta o espaço: trata-se de um espelho de grandes dimensões que
reflecte o público e se destina a ser percutido por detrás, devolvendo
permanentemente a sala e os espectadores de forma deformada e
trémula, alterando, portanto, a percepção da sala e de si próprios pelos
espectadores” 739.
Tudo é feito no sentido de fazer agir elementos que porventura,
possam parecer «passivos »: os focos de luz mexem-se como se fossem
um
instrumento,
iluminando
algumas
736
pessoas
(mais
ou
menos
J ea n - L uc Na n c y - T h e I no p er at i ve Co m mu n i t y ( 1 9 8 6 ) , p . 6 9 .
Di sp o ní v el e m:
ht tp : // www. r icar d o j a ci n t o .co m/ ma i np r o j ec t s/p r o j ect s/p ar q ue /p ar q ue
O fi l me ac i ma cit ad o é d e Or so n W e ll s , Th e La d y Fro m S h a n g h a i ( 1 9 4 7 ) .
738
De l fi m Sar d o - F ur t h ur . T este e Co mu n i d ad e n a o b r a d e Ri car d o J a ci n to , p . 3 5 4 .
739
De l fi m Sar d o – c it. 7 3 9 , p . 3 5 5 -6 .
737
204
intensamente), deixando na sombra outras; o grande espelho suspenso
que
confronta
deformante
a
plateia
torna-se
um
(para
quem
assiste)
mas
objecto
também
visual,
sonoro
e
táctil
(para
o
percussionista que o toca).
Este espelho não tem cordas, mas é tocado como se fosse um
instrumento musical, com baquetas de madeira ou de feltro, macias ou
duras, que embatem num determinado ponto, com mãos que riscam as
costas da sua superfície com maior ou menor velocidade, que lhes
batem com o punho fechado, que atravessam toda a sua área subindo ou
descendo, ou que se concentram apenas numa pequena zona; que
deixam o som ressoar pelo espaço ou que agarram a parte inferior do
espelho de forma a abafá-lo. Sentimos o espelho a vibrar, literalmente,
e nós também vibramos, sentindo o movimento embalado, de vai-e-vem
de um berço de sons e imagens. Sim, somos embalados — de forma
quase hipnótica — por um espelho.
Nestes três espaços distintos desta obra (espelho, plateia e palco)
há três monitores; dois que estão ao lado do percussionista e lhe
permitem ver o baixista e controlar as variações na superfície
espelhada (pois o monitor está ligado a uma câmara que lhe mostra um
plano aberto sobre o espelho); e um terceiro, que permite ao baixista
ver o percussionista. Actuam assim a várias vozes, mas tendo noção do
que os outros elementos do grupo estão a fazer nesse mesmo momento,
para se poderem situar e adaptar o seu próprio campo de acção.
O espelho, nesta obra, torna-se um mapa com um detalhe
impressionante (aconselhamos vivamente que se vejam as suas notas de
execução 740), com caminhos precisos e nítidos a serem percorridos, mas
também com espaço livre, determinado a ser preenchido com os
caminhos a explorar sem qualquer guião fixo.
*
740
C f. Ri car d o J a ci nto - De sen h o , F u nd aç ão C ar mo na e Co st a, s / mar cação d e
p ág i na s. “E SP E LH O SU SP E N SO : no t a s d e e xec uç ão .”
205
Metrocubo d´infinito já foi mostrado em diversos locais, que
certamente condicionam a nossa forma de olhar para ele (não o
podemos esquecer, portanto repetimos: somos sempre um sujeito que
olha). Como achamos que tem qualquer coisa de cubo “metafísico” (e
adoptamos aqui a teoria do homem crente, de Huberman) cremos que se
enquadra muito bem no ambiente do centro de meditação para várias
religiões, projectado por Pistoletto, para doentes oncológicos (mais do
que
numa
espécie
de
Mirrored
Room 741,
como
também
já
foi
apresentado, que apenas lhe acrescenta um ruído excessivo).
A Pistoletto apenas colocaríamos, se tivéssemos a oportunidade,
uma única questão: porquê metro cubo de infinito?
Diz-nos Jorge Molder: “Não podemos ver o infinito que o cubo
encerra mas adivinhamos o seu funcionamento, a mecânica imparável e
infinita de repetição de reflexos.” 742
Ou seja, vemos uma unidade que podemos medir (1 m 3), mas que
atenta o incomensurável (o infinito contido no seu interior). Talvez
uma resposta seja dada pelo simples facto da superfície reflectora que
contém nesse «dentro » que não vemos «representa» e «promete» o
infinito, como afirmou Borges. Talvez seja tão simples quanto isto.
Condenado a nunca acabar (a ser um fígado de Prometeu 743), esta
obra demonstra-nos que afinal o infinito poderá estar mais perto de
nós, apenas não nos permite um face a face.
Para finalizar, recorremos novamente a um cubo.
Robert Morris fez em tempos uma obra que tinha, encerrado no
seu interior, os sons da sua própria feitura 744. Apenas nos resta dizer
que o cubo de Michelangelo Pistoletto poderia perfeitamente conter
toda esta obra de embalar de Ricardo Jacinto. Para serem totalmente
equivalentes, e o turvamento do ver pudesse ser igual ao turvamento do
ouvir, talvez pedíssemos ao artista português para escrever uma nova
741
Ob r a d e L uc as S a mar r a s ( 1 9 6 6 ) .
J o r ge Mo ld er - Mi c hel a n ge lo P i sto le tto e l a Fo t o gr a f ia, p . 2 9 .
743
C f. Ka f k a - P r o me te u, p . 4 1 . O fí g ad o d e P r o met e u, d iz a le nd a, es ta va
co nd e nad o a ser e ter na me n te d e vo r ad o p o r á g ui a s f a mi n ta s – e co n s ta nt e me n te
r eno v ad o .
744
Ro b e r t Mo r r i s - B o x Wi th th e S o u n d o f it s O wn Ma k in g ( 1 9 6 1 ) .
742
206
partitura, um novo desenho, desta vez com infra-sons ou com ultrasons 745.
Ao espectador pediríamos que, simplesmente, acreditasse que
conseguia entrar nessas ondas de som que se propagavam sem fim.
745
O o u vid o h u ma no ap e n a s co ns e g ue o u vir so n s d e 2 0 a 2 0 0 0 0 Hz. Os so n s q u e se
si t ua m a ci ma o u ab ai xo d est a f r eq uê n cia são c h a mad o s d e u ltr a - so ns e in f r a - so n s,
r esp ect i va me n te , e n ão s ão p o r nó s a ud í vei s.
207
De Marina Abramovic a Cecília Costa – a imobilidade
S imeã o E s ti li ta p e r ma n ecia d e p é n u m p i la r. Du ra n te t rin ta a n o s
ma n te ve - se n o cu me m o n ta n h o so d e T eln e s in , n a S ír ia , a n o rt e d e
An tio q u ia , d ia e n o it e , em vig í lia co n s ta n te , esp eca d o d e p é n u m a
co lu n a c o m q u a se d o i s met ro s d e a l tu ra : e ra a ima g em vi va d o C r is to
cru c if ica d o . E s te n ã o fo ra o s eu p r im ei ro a c to d e so f r im en to e m n o m e d e
Deu s. « F a min to e sed e n to , a o ca lo r e a o f ri o , d e fo r ma co n s ta n t e e
in ce s sa n te , sú p l ic e, se m in te r ru p çã o e to d o o temp o d e p é, d u ra n t e
cin q u en ta a n o s, d ia e n o ite, b a n iu o so n o d o s o lh o s e o rep o u so d o
co rp o » , co n fo r me in s i st e o s eu b ió g ra fo . Pa s so u n o ve a n o s n u m mo st ei ro
a jeju a r « em ma ra vi lh o sa d i sc ip lin a e p rá t ica s rig o ro sa s» . E m s eg u id a ,
p er ma n ec eu d ez a n o s d e p é a u m ca n to d o p eq u en o mo s tei ro p e rto d e
Tel n e sin , à s ve ze s n u ma cela . P a ssa ra d ep o is s ete a n o s d e p é n u m p ila r
min ú scu lo . P o r f im, m u d a ra - se p a ra a q u el e p ila r co m ce rca d e d o i s
met ro s, so b re o q u a l v iv eu a té mo r re r, e m 4 5 9 .
Si mo n Go ld hi ll, i n A mo r , S exo e T ra g éd ia 746
Era d e n o it e e u m h u mi ld e se r vo sen to u - se so b o Ra sh o mo n [ p o r ta s d a
cid ad e ] , à e sp e ra q u e a ch u va t er min a s se.
R yu n o s u ke Ak u t a ga wa , in Ra sh o mo n 747
746
747
Si mo n Go ld hi ll - Amo r , Se xo e T r a géd i a, p . 1 2 7 .
R yn o s u ke Ak u t a ga wa - Ra s ho mo n e O u tr a s Hi st ó r ia s, p . 9 .
208
Marina Abramovic tem muito de Simeão Estilita.
A sua obra está unida, através de um laço desenhado a sangue, à
figura sacrificial, ex tremista e ascética deste santo que, estoicamente,
se recusou a viver fora do espaço restrito de um simples pilar no
deserto sírio (sobrevivendo primeiro num pilar “pequeno” e depois num
pilar “minúsculo”). Disciplina, rigor, meditação, espera: porventura
serão palavras eleitas da artista. Transcendência, também? Talvez.
Tudo é feito para que a mente seja elevada a um novo patamar mental,
onde atinge um ponto “onde o pensamento falha, e onde o cérebro tem
de desistir” 748, segundo palavras da própria artista. Que consiga
efectuar esse salto libertando-se das amarras condicionantes do tempo,
e
que
o
consiga
suster,
segundo
as
nossas
próprias
palavras.
Indiscutivelmente, ela é a artista que consegue passar para o outro lado
do espelho.
O seu «tudo aguentar » — ou o seu corpo com queda para o
martírio sádico, apático 749 — é um claro sinal disso mesmo. Marina
Abramovic fica sentada numa minúscula reentrância de uma rocha
inóspita e desconfortável, situada a grande altura do solo (ver Human
Nest, 2001), assemelhando-se a Simeão no seu pilar. Mostra a sua força
mas também a sua vulnerabilidade, tal como Simeão porventura
exibiria a sua vontade superior e as suas orgulhosas chagas expostas ao
sol. Mas o santo crê percorrer um caminho que lhe dará uma qualquer
«salvação », enquanto que a artista sérvia persiste em nome de...?
Há qualquer coisa nela que nos lembra o maravilhoso conto de
Kakfa (irónico, humorístico, e algo perverso) intitulado Um Artista da
Fome. Fala de um artista que queria espantar o mundo, e conquistar a
glória pelo simples facto de passar uma fome sem precedentes,
superando-se a si próprio “até roçar o incompreensível” 750, já que a sua
capacidade de passar fome não conhecia limites. Marina Abramovic
facilmente ganha este pódio de melhor artista da fome — medalha de
ouro da maior resistência, do maior esforço — pela sua prestação em
748
749
750
Mar i na Ab r a mo v ic - Ma r i na Ab r a mo v ic , St at e m en t s/ /1 9 9 2 , p . 2 1 2 .
Ver te se d e me s tr ad o d a au to r a - M ar i na Ab r a m o vi c : e n go l ir a d o r , p . 8 1 -8 7 .
Fr a n z K a f ka - U m Ar t i s ta d a Fo me , p . 2 3 .
209
performances que são cada vez mais exigentes, que visam a ruptura
com o limite: e sim, ela também jejua dias a fio, ela também faz uma
abstinência da fala. Sobretudo, o que mais nos afecta na sua obra não
será tanto o derrubar de barreiras que o corpo/a mente conseguem
realizar através da mera força de vontade, mas a sua “pureza moral
severa” 751 —
outro
nome
dado
por
Antonin
Artaud
à
palavra
«crueldade».
O poeta maldito, poeta da dor e da loucura, tentou explicar numa
carta endereçada a um amigo o nome escolhido para o seu teatro (tão
mal interpretado
por tantos, segundo
ele,
esse seu
“Teatro da
Crueldade”). Dizia que a palavra crueldade tinha de ser encarada num
sentido lato, e não no sentido de excesso físico e, sobretudo, “de
sanguinolência impiedosa” 752 que lhe era habitualmente associada.
Citamo-lo:
P o d e- s e ima g in a r p e rf eita men te u ma c ru eld a d e p u ra , se m d a n o
fí si co . E q u e é, co m ef ei to , a cru e ld a d e, f ilo so fi ca men te fa la n d o ? Do p o n to
de
vi sta
do
e sp í r ito ,
cru e ld a d e
sig n if ica
rig o r,
imp la cá ve i s, d e te r min a ç ã o in f lex íve l e a b so lu ta .
in ten çã o
e
d e c isã o
753
Afirmaria também que este teatro era, antes de mais nada,
“difícil
cruel” 754
e
para
si
mesmo,
e
continuava,
enigmaticamente, afirmando que:
(.. . ) n ã o se t ra ta d a c r u eld a d e q u e p o d e mo s p ra t ica r u n s co n tra o s
o u tro s,
ao
e sq u a rt ej a rmo s
r ecip ro ca men te
os
n o s so s
co rp o s,
ao
re ta lh a rmo s a s n o s sa s a n a to m ia s p e s so a i s, o u , ta l co mo o s imp era d o re s
a s sí rio s, a o en v ia r p e lo co r reio e mb ru lh o s co m o relh a s h u ma n a s, n a ri ze s
o u n a rin a s a r ra n ca d a s co m p e rfe içã o , — ma s si m d u ma c ru eld a d e mu ito
ma i s te r rí vel e n ece s s á ria , q u e a s co i sa s t ê m p o s sib il id a d e d e ex e rce r
751
752
753
754
Anto n i n Ar ta ud - O
Ar t a ud - O T eatr o e
Ar t a ud - O T eatr o e
Ar t a ud - O T eatr o e
T ea tr o e o s e u D up lo , p . 1 7 5 .
o s eu D up lo , p . 1 4 6 .
o s eu D up lo , p . 1 4 6 .
o s eu D up lo , p . 1 1 6 .
210
co n t ra n ó s. Nã o so mo s liv re s. E o c éu p o d e a i n d a to mb a r so b r e a s n o s sa s
ca b eça s.
Esta identificação de um teatro próximo da crueldade lúcida da
vida estará intimamente relacionada com a obra de Marina Abramovic.
É certo que o seu percurso inicial começa com uma ideia
contrária a tudo o que Artaud defende: o de haver um «derrame » de
sangue, recorrendo a uma violência gratuita (através do desejo de se
colocar em perigo, de auto-infligir dor a si mesma, diríamos que quase
que a tentativa destrutiva de tentar escapar ao seu próprio corpo —
cortando-se, chicoteando-se, esfaqueando-se, deixando de ter ar para
respirar, ficando voluntariamente inconsciente, etc.) 755. Mas quem
tenha seguido a sua obra ao longo do tempo constata que todo esse
extremismo se tem vindo a «suavizar»; não obstante, o poder e o campo
de atracção magnéticos continuam por lá. Abramovic continua a
enfrentar as coisas de frente (o medo, a dor, a morte). Mas onde antes
havia cortes e navalhas, violentas colisões de corpos no espaço e uma
exposição e abandono totais, agora há energias libertadas por minerais,
meditação, silêncio, e, mais importante talvez, regras que visam
preservar o seu corpo. Mesmo assim, a sua obra mais recente continua
a encadear-nos de forma excessiva, cruel.
Outra grande transformação: o público já não a domina.
Ela já não é o «objecto » (que assume total responsabilidade) que
se propôs ser em Rhythm O (1974). E se houve alguém que, dos setenta
e dois objectos disponíveis para serem utilizados livremente sobre ela
755
B ast ar á ap e na s me nc i o nar u ma e xp er iê nc ia q ue a ma r co u p r o f u n d a me n te na
j uv e nt ud e, e q ue a d ei x o u a tr e mer d e med o e b an h ad a e m s uo r , e q ue é a mui to s
ní v ei s e xe mp l i fic ad o r a d a s ua r ad ica lid ad e ( i n ) co n s cie n te. Dec id i u j o gar r o let a
r u s sa co m u m a mi g o . A id eia e r a co lo car ap e n as u ma b a la n u m r e vó l v er , r o d ar o
ta mb o r d a me s ma e ap o nt ar — e p r e mir — o g a til ho n a p r ó p r ia tê mp o r a . Nu n ca se
sab e o nd e é q ue a b a la es tá lo ca liz ad a, p o r i s so me s mo se c ha ma u m “j o go d e
azar ” . P o d ia ter co r r id o p io r : el a não mo r r e u, o a mi go não mo r r e u, q ue m f i co u
ma i s a fec tad o fo i o l i vr o d e Do sto ié v s ki q ue a ar ti st a ti n ha so b r e u m a est a nt e e
q ue l e vo u co m u ma b a la n a lo mb ad a . À t er c e ir a fo i d e v ez. ( No ta: a t ít u lo d e
in ter es s e, o li vr o q u e f ico u p ar ap l é gico fo i O I d io ta ) . C f. Ar t h ur D an to - T h e
Ar t is t i s P r es e nt, p . 3 1 . Ca tá lo go d e 2 0 1 0 .
211
(dando azo a todo o tipo de abusos, como se poderá calcular 756), optou
por escrever com um batom num espelho Y sono libero [“Eu sou
Livre”], fazendo com que ela o ostentasse quase como um manifesto,
perguntamos: terá esse indivíduo pensado que, ali, era ela própria, de
facto, que operava como um espelho? 757 Um espelho que se limitava a
reflectir as acções das pessoas presentes, e que revelou todo o espectro
de imagens: de fúria, de ódio, de simpatia, de rancor, de interesse, etc.
Não, de facto não somos livres. E nesse dia o céu caiu-lhe em cima da
cabeça.
O caminho que percorreu deu origem a uma nova forma de
pensar, que, contudo, já tem uma longa história: Abramovic explora
agora toda a potencialidade da inacção, e seria útil fazer aqui um
paralelo com a escola cínica grega 758. Imaginamos Diógenes sentado na
praça pública a colar, durante toda a tarde, as páginas de um livro 759
(que ideia genial!), Diógenes, lânguido, a apanhar banhos de sol e a
dizer ao todo poderoso Alexandre, O Grande, para se desviar, que lhe
estava a tapar os raios que lhe aqueciam o corpo.
Há claramente o interesse em perpetuar acções inúteis, vazias de
sentido, que surgem como bizarras e desinteressantes aos olhos de
todos os outros. Abramovic explora actividades como o sentar, o
deitar, o andar, o pentear, o estar. Simplifiquemos: ideias aborrecidas.
Segundo os seus discípulos, Diógenes morreu de forma singular:
simplesmente reteve a respiração 760. É esta lucidez assustadora, de
quem não se deixa intimidar com “falsos fardos” 761 que nos tiram a
756
O s o b j ec to s e r a m mu i to var iad o s, ha ve nd o o b j ecto s d e uso p e s so a l ( e sco va,
esp e l ho , b ato m) , d e v e s tir ( c hap é u , l e nço ) , al i me n tar es ( vi n ho , sal , aç úc ar , me l) ,
co r ta n te s e a me aç ad o r e s ( fac a, te so ur a, a g ul h a, lâ mi n a s b ar b ear , p i sto la ) , mu s ic ai s
( f la ut a) . F ica s e mp r e a q ue st ão : p o d er á u m o b j ecto ab so l ut a me n te i no fe n si vo
co n s ti t uir u m p er i go ?
757
C hr is s ie I le s - Mar i na Ab r a mo v ic : o b j ect s p e r fo r ma n ce vid eo so u nd , p . 2 1 . É
es ta cr ít ic a q ue d e fe nd e es ta me s ma id ei a.
758
C f . T ho ma s McE v il le y - Ar t i n t he Dar k ( 1 9 8 3 ) , p . 2 2 2 -2 2 7 . E s te cr í ti c o a na li sa
al g u n s ar ti s ta s co n hec id o s d a ár ea d a p er fo rma n ce li ga nd o -o s à e sco l a cí n ica e à
cap ac id ad e d e c u mp r ir e m o q u e ele ap e lid a d e u ma “Ar t e d e Vo to ” ( p . 2 2 6 ) , o nd e
u ma “e s tét ic a d a e s co l ha ” ec lip sa u ma e s tét ic a d o “p r o j ect ar ” e d o “f aze r ”.
759
T ho mas McE v il le y - D io g e ne s o f S i no p e, Se le cted P er fo r ma n ce P i ece s [ 1 9 8 3 ] ,
p. 210.
760
C f. P et er S lo t er d ij k - Gab i n ete d o s Cí n ico s. 1 . Dió ge n es d e S í no p e – Ho me mcão , f iló so fo , Z é -N i n g ué m, p . 2 0 9 -2 2 4 .
761
Slo t er d ij k - Gab i net e d o s Cí n ico s, p . 2 1 2 .
212
mobilidade — nem mesmo na morte —, que também encontramos em
Abramovic.
*
O espelho é recorrente na sua obra, embora, e aqui será talvez o
que mais nos chama a atenção, ele... nem sempre esteja lá.
Em Cleaning the Mirror #1 (1995) estava apenas contido no
título: a obra era a artista a lavar escrupulosamente, munida de um
balde e de uma escova e vestida com uma asséptica bata branca, um
esqueleto humano 762. Um pouco antes, em Mirror for Departure (1993),
Abramovic exibia retratos redondos, de rostos contraídos 763, esgares
fantasmais: a estética da dor continuava a dar cartas. Talvez os nossos
rostos antes de partirmos para uma outra morada? Temos depois todo o
trabalho desenvolvido com Ulay, feito durante mais de uma década,
que é, notoriamente, um trabalho onde a noção de espelho se aplica.
Relation in Time (1977) é um exemplo paradigmático: os dois estão
sentados numa posição pouco habitual, costas contra costas 764, com os
longos cabelos (de um e de outro) entrelaçados, de forma a formarem
um rolo, que, pouco a pouco — e é mesmo a conta gotas, já que a
performance tem a duração de 17 horas — se vão desprendendo,
soltando e desfazendo. Olhamos para as fotografias/ documentos que
ficam dessa obra, e é difícil não ver os antigos gémeos siameses que
estavam ligados um ao outro pelas costas: vistos de perfil eles são
762
Kr i st i ne S ti le s no catá lo go i n ti t ulad o Mar i na Ab r a mo v ic ( 2 0 0 8 ; v er
B ie se nb ac h ) , p r o p õ e q u e es ta p er fo r ma n ce sej a v is ta co mo “i ncr i mi n ató r i a” o u
ac us ató r ia, j á q ue co i n cid i u co m a G uer r a d a I nd ep e nd ê nci a d a Cr o ácia ( 1 9 9 1 1 9 9 5 ) , o nd e cr o a ta s ma s sacr ar a m o p o vo sér vi o e m ma s s a, e sco nd e nd o o s s e us
co r p o s e m c a ve s ( e sé r v io s e mp r ee nd er a m u ma «l i mp eza » é t ni ca, t o r t ur a nd o e
as sa s si n a nd o ) . A tr ad içã o es la va e x u ma va e la v a va o s o s so s. P o r ta n to , e se g u nd o a
au to r a, o «l i mp ar », a q ui , p o d er á ta mb é m s ig n i f icar «a n iq ui lar ». Mar i n a, no
en ta n to , s e mp r e a as so c io u co m o fi m d a s ua r e lação co m U la y, e n ão t an to co mo
u ma o b r a d e d e n ú nc ia p o lít ic a.
763
A t éc ni ca ut il izad a er a mu ito si mp le s : p r es sio n ar , s i mp l e s me n te, o r o sto
esco l hid o co ntr a o b a r r o , cr i a nd o u m b a i xo -r e le v o .
764
E m q u a se to d as a s p er f o r ma nce s q ue r ea liz ar a m j u nto s p o si cio nar a m- s e f r e nt e a
fr e n te : I mp o n d era b il ia ( 1 9 7 7 ) , Ba la n c e Pro o f ( 1 9 7 7 ) A A A - A A A ( 1 9 7 8 ) , R es t
E n erg y ( 1 9 8 0 ) e, me s m o e m Th e Gr ea t Wa l l W a lk ( 1 9 8 8 -2 0 0 8 ) o nd e c a mi n ha v a m
d ur a n te 2 5 0 0 q ui ló me tr o s e m d ir ecç ão ao o u tr o : a ú lt i ma p er f o r ma nc e q ue f izer a m
j un to s.
213
realmente muito parecidos: os mesmos sinais de cansaço, de luta, de
saturação... Há, no entanto, fios que nunca se irão desprender (ver Fig.
44 e 45).
Não podemos ignorar a lente do telescópio colocado na área da
galeria Sean Kelly destinada ao público. Este último era encorajado a
“espiar” minuciosamente os actos da artista, o seu corpo sem espaço
privado, em The House with the Ocean View (2002): também ele é um
espelho com funções «intrusivas ».
E depois há Nightsea Crossing (1981-87), ou a navegação por
águas “inconscientes” 765. As regras eram muito simples — e Marina
Abramovic tem sempre regras, ou “instruções”, como ela lhes chama:
ela e Ulay estariam, desta vez, sentados frente-a-frente, apenas com
uma sólida mesa de mogno a dividi-los, desde a abertura até ao fecho
dos Museus de Arte. Sem falar, sem ir à casa de banho, em total
silêncio. Sentados numa cadeira que fosse nem muito confortável, nem
pouco. Apenas a olhar para o outro durante um longo período de tempo.
Esta era a simples proposição que propunham, e que realizaram em
vários sítios do mundo (também passaram pela Fundação Calouste
Gulbenkian 766). O texto que acompanha esta obra é breve, traduzimo-lo
livremente:
P re sen ça .
E st a r p r es en te , so b r e g r a n d es p er ío d o s d e te mp o
A té q u e a p re sen ça su b a e ca ia , d e
Ma t er ia l a i ma te r ia l, d e
F o r ma a in fo rme , d e
Te mp o a in te mp o ra l. 767
765
O tít u lo é e xp l icad o p ela ar ti st a e m e ntr e vi st a a Ha ns Ulr ic h Ob r is t - Mar i na
Ab r a mo v ic : T he F ut u r e o f P er fo r ma nc e Ar t, p . 6 1 .
766
C f. Ve er l e V a n D u r me - Mar i na Ab r a mo vic / Ula y: Ni g h ts ea Cr o s si n g, Li sb o a :
F u nd aç ão Calo u s te G ulb en k ia n, 1 9 8 5 , s /p . ; o s ar ti st as v es ti a m- s e d e aco r d o co m o
q uad r ad o véd ico ( ver me l ho / az u l, a mar e lo / v e r d e, vio le ta e sc ur o / v io let a c lar o ,
ver mel ho /l ar a nj a, p r eto /p r eto , b r a nco /b r a n co ) e p o r vez es co lo ca va m p eq u e no s
o b j ecto s e m ci ma d a me s a, q u e s up o s ta me n t e o s aj ud a va m na med ita ção : u ma
p eq u e na co b r a, u m b o o m era n g , u ma te so ur a, et c.
767
Mar i na Ab r a mo v ic - Ma r i na Ab r a mo v ic , p . 8 9 . ( P ha id o n P r e ss, 2 0 0 8 )
214
Conotamos esta verdadeira obra épica com Ulisses e Penélope:
uma ligação intensa une-os aos dois (um contra o outro, um e outro,
apenas um) e isso transparece, sente-se, é palpável. Não sabemos qual
a reacção do público (claramente o número três, aqui, e muito
importante: a artista reitera vezes sem conta que, sem o público, nada
do que faz tem sentido). Provavelmente espanto: aquilo que as pinturas
do museu reclamavam como seu, serem movimento, aqueles artistas
abandonavam: serem estátuas, serem imobilidade!
Há uma performance pertencente a esta série que é muito
especial: os artistas conseguiram juntar um líder que os guiou no
deserto
australiano
a
um
monge
tibetano
(Nightsea
Crossing/
Conjunctions), e reuniram-se todos na mesma mesa. Esta tem a forma
de um círculo gigante forrado a papel de ouro, um «espelho » enorme,
dourado. Um espelho, já não de tensão ou de confronto, mas de paz.
*
Vemos o trabalho de Cecília Costa sob o mesmo denominador
comum: o duplo (série Notting Hill, 2007), a espera (a série de
desenhos Penélope, 2009), a (as)simetria.
Tal como na performance de Marina, onde nos é exigido que
olhemos com muita atenção, quase como numa brincadeira onde temos
de tentar descobrir as diferenças de um cartoon de jornal (os artistas
são, de facto, tão semelhantes que é quase chocante, mas se olharmos
bem eles têm diferenças físicas que não conseguem escamotear, como a
forma singular do nariz dela, a maçã de adão saliente dele, etc.; e
divergências
que
não
são
visíveis,
como
por
exemplo
a
nível
psicológico, onde porventura denunciam de forma subtil que têm
patamares de «resposta» diferentes ao que lhes é pedido), Cecília Costa
decide fazer um trabalho fotográfico manipulado, onde coloca o foco
na falsa simetria que está presente em qualquer rosto. Para tal,
simplesmente junta as duas metades esquerdas e as duas metades
direitas de diversas caras (incluindo a sua), construindo, por assim
215
dizer, novos rostos mutantes, novos olhares que são causadores de
grande
estranheza,
que
não
«pertencem » a
ninguém
(série
Pli,
fotografia 2005). E também temos de nos deter nestas novas faces
criadas, tentando perceber como é que elas serão na vida real.
Olhamos atentamente para os vários rostos, onde nada acusa os
processos transformadores de que foram alvo: o que acontece quando
os dois lados direitos se juntam? E os dois lados esquerdos? Serão os
primeiros pessoas mais confiantes e seguras de si, os segundos mais
sombrios e com falta de carácter?
Embora cada vez mais os neurologistas tendam a ver o cérebro
como altamente plástico (capaz de se refazer permanentemente, de criar
novas conexões entre neurónios, e, sobretudo, de não haver áreas
específicas para um e outro, de não haver uma «divisão» distinta a
nível de hemisférios, como durante tanto tempo se acreditou que
houvesse), globalmente o hemisfério esquerdo é tido como sendo mais
analítico, racional, lógico e matemático, e o hemisfério direito mais
propenso a ser sensível ao espaço, a ter capacidade para fixar rostos,
sensibilidade para apreender a cor e para ser criativo.
Por outras palavras, o primeiro é visto como sendo mais racional
– “e superior” 768 —, como frisa a artista aquando da nossa conversa
informal, o segundo mais emocional, e “inferior” (e o domínio da
racionalidade impera, conscientemente ou não - é dominante em 98%
das
pessoas,
segundo
a
fonte
da
wikipédia).
Haverá
uma
correspondência entre estados racionais e emocionais que poderá ter
uma relação e afinidade em termos visuais, por assim dizer? Poderá
traduzir-se na nossa própria resposta intuitiva, que «simpatiza» mais
com os primeiros e menos com os segundos? Não o saberemos dizer (é
uma boa pesquisa para investigadores da área das ciências).
Cecília
brinca
prejudicialmente
ao
com
direito
todas
e
ao
estas
ideias
esquerdo
que
associamos
(correcto/incorrecto,
natural/anormal, bom/mau), fazendo-nos reflectir na nossa própria
linguagem, que é tendencialmente condicionada (nunca diríamos “é
768
Co n v er s a d a a u to r a co m a ar t is ta Cec íl ia Co s ta, q u e te v e l u gar no d ia 7 d e
O ut ub r o d e 2 0 1 1 .
216
uma rapariga às esquerdas”, por exemplo; a própria lei que rege a nossa
sociedade é chamada de “Direito”...), e sobre a complementaridade que
deverá, sempre, existir entre ambos os lados.
Ela mesma referiu a memória de espanto que remonta à sua
infância no nosso encontro: “Porque é que temos dois pés, duas mãos,
dois lados do corpo...?” Porquê? As duas metades completam-se,
equilibram-se,
frequentemente
não
lutam
acreditamos
entre
si,
serem
não
–
a
são
sua
opostas
lindíssima
como
tão
máquina
“portátil” de duplicar metades, Le Machine à Plier 769 (2004) lembranos isso mesmo.
Michel Tournier, em Le Miroir des Idées, corrobora com o seu
pensamento, quando afirma que “Tradicionalmente, o bem está do lado
direito, o mal do esquerdo. Por exemplo, em relação ao Calvário, o
bom ladrão está à direita de Cristo, o mau ladrão à sua esquerda. No
Juízo Final, os escolhidos serão colocados à direita do Pai, os
rejeitados colocados do seu lado esquerdo” 770. Talvez os pré-juízos
subsistam, sem nós sabermos bem porquê.
Marina tem uma fotografia em que simplesmente esconde, apaga
e aniquila a metade esquerda do seu rosto com uma luva preta (Light
Side/Dark Side, fotografia a preto e branco de 2006; novamente surge a
associação de lado esquerdo a algo sombrio, preto, obscuro, terrível e
ao lado direito como a um lado diurno, solar, agradável).
Gostaríamos muito de ver os dois retratos (um nocturno outro
diurno) de Marina Abramovic feitos por Cecília Costa. Mirror de
Mineral Room (1994) ou Black Dragon: Haematite Pillows (1992), de
Abramovic, estariam por perto. E teríamos de ter em conta o aviso de
Tournier: “A famosa mão direita depende da metade esquerda do
cérebro.” 771
769
Co m p er fi l d e u m r o st o r eco r tad o e m vid r o , e nc ai xa mo s o no sso p r ó p r io r o sto
p r o d uz i nd o u m a u to -r e tr ato «a l ter ad o » ( co m d ua s me tad es esq u er d a s o u d u a s
d ir ei ta s - co mo p er cep c i o na mo s a no ss a p r ó p r ia i ma ge m? ) .
770
Mic h el T o ur ni er - L a D r o ite et la Ga u c he, p . 1 5 2 .
771
T o ur n ier - L a Dr o i te et la Ga uc he , p . 1 5 4 .
217
*
Durante três meses, sete horas por dia ou por vezes mais,
Abramovic sentou-se, silenciosamente, numa cadeira feita em madeira
no átrio do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, apenas com uma
outra cadeira à sua frente, convidando quem lhe quisesse fazer
companhia nesta sua viagem interior. A cadeira vazia que colocou à sua
frente (a cadeira de Ulay! A sua cadeira especular) foi muito
requisitada, e estamos em crer que quase nunca esteve vazia. Muitos,
muitos «olhos » a ocuparam: a artista olhou para centenas de rostos
durante o tempo que lá passou. (Buda é representado por uma cadeira
vazia, portanto também é interessante que estivesse desocupada por
algum tempo).
Novamente decidiu empreender uma obra que envolvia um frente
a frente, mas desta vez com pessoas desconhecidas, o público do museu
em geral, desconhecedores (ou não) da exigência e da agrura da peça.
As regras eram mais brandas, mas muito claras: mantinha-se o sentarse e o não falar, mas agora não se podia colocar qualquer objecto em
cima da mesa, e as pessoas poderiam permanecer o tempo que
desejassem: elas mesmas escolheriam quanto tempo dedicariam à
performance. O espaço que ocupavam no museu estava protegido por
um grande rectângulo branco desenhado no chão, que afastaria todas as
restantes pessoas que estivessem a observar, criando uma espécie de
área privada (ou de espaço «sagrado », se quisermos).
A imobilidade é, para a nossa civilização ocidental, uma palavra
estranha. Não gostamos dela. Basicamente, achamo-la restritiva: os
nossos pensamentos exigem movimento. Não é raro depararmo-nos com
escritores ou artistas que precisam de caminhar durante horas e horas,
sem rumo ou destino (Paul Auster 772, para dar um exemplo, ou Francis
Al ys nas suas deambulações). A ideia de nos sentarmos e não nos
772
I sab el L u ca s - P a ul Au st er , U m M u nd o F ei to a Ca mi n ha r . P úb l ico . I S S N 0 8 7 2 1 5 4 8 . Li sb o a . S up l e me n to d o j o r na l P úb lico i n ti tu lad o Í p si lo n ( 3 1 Ago st o d e 2 0 1 2 )
1 8 -2 1 .
218
mexermos durante horas é horrenda. Estar quieto exige concentração,
esforço físico. É uma batalha mental. Decerto abre outras áreas de
percepção, mas é muito difícil chegar a esse patamar (nós nem sequer
experimentamos). Isto para referir que sentimos que esta é uma obra
que é extremamente difícil para o público: a artista esticou aqui o
elástico da simpatia/cortesia da audiência a um limite insuportável (de
quase ruptura?). Ao mesmo tempo, confere-lhe um sabor teatral (e,
sim, estamos conscientes que ela não gosta da palavra «teatro »).
Marina Abramovic menciona duas coisas que destacamos: a
primeira é que encara a performance como a «vida real »: a performance
não é teatro, afirma categoricamente, teatro é uma coisa totalmente
diferente, é o actor escolher e interpretar um papel. É necessário viver,
e não representar, a performance. (Mas se o teatro invade todos os
poros das suas obras?). A segunda é que vê a arte do futuro como uma
arte sem objectos, imaterial:
(.. . ) o sécu lo vin te e u m va i s er u m mu n d o se m a rt e n o sen t id o em q u e a
en ten d e mo s a g o ra . V a i se r u m mu n d o se m o b jec to s , o n d e o se r h u m a n o
p o d e es ta r a u m n ív el tã o a lto d e co n sc ien c ia li za çã o e te m u m e s t a d o
men ta l tã o fo r te q u e ele o u ela p o d em t ra n s mi ti r p en sa m en to s e en erg ia à s
o u tra s p es so a s
se m
p rec i sa r em
de
o b j ec to s
en t re
ele s.
Nã o
h a v erá
escu ltu ra s, p in tu ra s o u in s ta la çõ e s. Ha ve rá a p e n a s o a r ti s ta e m f ren t e a o
p ú b lico (... ) . S en ta r- se- ã o a p en a s o u leva n ta r- se- ã o , co mo o s S a mu ra i n o
Ja p ã o a n tig o , o lh a n d o u n s p a ra o s o u t ro s e t ra n sm it in d o en erg ia .
773
Esta «profecia » que os objectos artísticos iriam desaparecer é de
1990. Dez anos mais tarde reflectia com um crítico de arte acerca da
performance que descrevemos na página anterior, que intitulou The
Artist is Present (2010), enquanto dizia a meio de uma conversa:
773
Mar i na Ab r a mo v ic - Mar i n a Ab r a mo v ic : o b j ect s p er fo r ma n ce v id eo so u n d , p .
66.
219
(no fundo, eram apenas duas cadeiras). 774
E duas cadeiras serão, apenas. Duas cadeiras e uma mesa.
Sabemos que nos últimos dias da performance retirou mesmo a
mesa, por achar que se tinha tornado um obstáculo à passagem de
energia, e só ficaram as cadeiras, aproximando-se mais desse estado de
não haver quaisquer objectos; só restam, agora, os samurai.
Sabemos também que o título foi escolhido por parodiar aqueles
convites mais antigos de exposições de arte, onde aparecia o local, a
morada, e no fim, numa pequena nota, uma breve frase que informava
apenas que o artista iria estar presente na inauguração. É essa palavra
que vingará: presença. Recomendamos que se veja o
impressionante
trabalho de Marco Anelli, que acompanhou a artista (e que foi,
literalmente, a sua sombra) durante toda a exposição, fotogrando todas
as pessoas que acataram as suas estranhas ordens 775. Mais notório ainda
serão as suas expressões: calmas, risonhas, tristes, emocionadas,
chorosas — em contraste com as da artista, e do seu olhar ausente,
vítreo. Por vezes, um ou outro rosto espelha-a. O seu grande amigo, e
também crítico de arte Klaus Biesenbach, afirmou certeiramente que
ela colocou uma “máscara de inércia” 776 que pediu emprestada à mesa e
às cadeiras. Nas raras vezes que a artista se emociona com a expressão
no rosto do Outro, e chora, a máscara de inércia mantém-se: as suas
lágrimas não nos convencem. Teatro, teatro, teatro...
Poderíamos voltar a citar Artaud: “Olhos que já não conhecem a
sua função, e cujo olhar está voltado para dentro.” 777
É que a artista, ao contrário do título, não dá mostras de estar
presente.
Os seus olhos parecem cegos, duas lentes que, como no
trabalho de Giuseppe Penone 778, já não dão quaisquer sinais que
774
Mar i na Ab r a mo vic e n tr ev i stad a p o r R ui Car va l ho d a Si l va - Mar i na Ab r a mo vic .
L+ Ar te. L i sb o a. 7 5 ( 2 0 1 0 ) 3 2 .
775
h ttp :/ / www. mo ma.o r g /i nt er a ct i ve s/e x h ib i tio n s / 2 0 1 0 / mar i naab r a mo vi c/
776
Kl a us B ie se nb ac h - Mar in a Ab r a mo v ic : T he Ar t i st i s P r e se n t, p . 1 4 .
777
Anto n i n Ar ta ud - O T ea tr o e o s e u D up lo , p . 2 3 .
778
Al u são à fo to gr a f ia d e Gu i sep p e P e no n e i nt it ul ad a Ro ve scia r i I p ro p ri o c ch i
( 1 9 7 0 ) , q ue se p o d er á d esc r e ver co mo u m a uto - r etr a to d o a uto r co m d u as le n te s d e
co n tac to esp el h ad a s, «ma g r i tt ia na s », q ue co n se g u ia m r e fl ec tir o e x ter i o r , ma s
d ei xa va m d e ter cap a cid ad e p ar a ver .
220
consigam ver. W. G. Sebald, no seu romance Austerlitz, faz o
personagem principal lembrar-se que “até bem dentro do século XIX,
costumavam deitar nos olhos das cantoras de ópera antes de subirem ao
palco e das jovens antes de lhes apresentarem um pretendente, umas
gotas de um líquido destilado de beladona, uma planta da família das
solanáceas, com o que os seus olhos ganhavam um brilho arrebatador,
quase
sobrenatural,
mas
elas
quase
deixavam
de
poder
ver” 779.
Abramovic poderá ter colocado nesta sua performance umas gotinhas
deste precioso líquido. (Ou será a situação inversa, o olhar nos animais
mortos que ainda parecem ver, como Genet constatava, passeando nos
matadouros dos Halles, onde julgava encontrar “olhos fixos, mas não
destituídos de visão, das cabeças de carneiro cortadas, dispostas em
pirâmide no passeio” 780?). Será ela uma Mirror Blind Grace 781, ou um
animal morto cujos olhos ainda vêem? (Fig. 45 e 46).
Facto indiscutível: ela marcou muito aquelas pessoas durante as
750 horas que por lá esteve, e nos quais estabeleceu um singular
diálogo. Que «revelação » ou «iluminação» terão sentido os visitantes
não
o
sabemos.
Podemos
contudo
afirmar
que
ela
incarnou
maravilhosamente o papel — e voltamos a insistir que é um papel —
mais difícil que terá tido até agora: por vezes o de um animal morto
que ainda olha, com o seu olhar humano (o coelho de Beuys, talvez?),
por vezes o olhar fix o e aterrador de Medusa, com o corpo ainda quente
— mas já morta por Perseu.
*
Regressando ao conto de Kafka, só o próprio artista da fome “é o
único espectador da sua fome inteiramente satisfeito” 782, mais ninguém
779
W .G. Seb ald - Au s t er l it z, p . 3 7 .
J ea n G e net - No S e nt id o d a No ite , p .1 1 4 .
781
Al us ão a u ma o b r a d e Do u gla s Go r d o n , d a sér i e Mi r ro r B lin d , o nd e es te ar t i sta
r etir a o s o l ho s ( p i n ta nd o -o s d e b r a n co o u co lo ca nd o so b r e el es u m p ap el
esp e l had o ) a ce leb r id ad es d o mu n d o d o ci n e ma , r es u lt a nd o e m o b r a s a gr e s si v a s e
cr u éi s, q u as e p ar ecid a s co m vio le nt a s b r i n cad e i r as d e cr ia nç a.
782
Ka f ka - U m Ar ti s ta d a Fo me, p . 2 1 .
780
221
consegue passar os dias a comprovar com os seus próprios olhos que
ele jejuara sem falhas nem interrupções. Continuará a ser um “bom
negócio” 783, continuará a haver quem conte os dias, quem conte as
horas de forma a assinalar o grande feito deste tipo de performance?
Continuará Marina Abramovic a dar oxigénio e energia ao seu público
desta forma, ou reinventar-se-á? O que poderá ela ainda desejar?
A sua obra mais recente tem como matéria o próprio tempo
(como no início tinha tido o corpo). Ignoramos se no “aqui e agora” 784
como defende um crítico, servindo-se das palavras da artista, mas
certamente que há um tiquetaque que soa ampliado, distendido,
suspenso (ou mesmo imóvel) mesmo que não o oiçamos. A artista conta
que um dos guardas lhe perguntou, amavelmente, se queria que ele
segurasse uma tabuleta de forma a lhe dar uma ideia do tempo (o tempo
que tinha passado, ou mesmo quanto tempo faltava para acabar a sua
jornada, presumimos). Mas se ela estava sentada a querer precisamente
esquecer-se do tempo! 785
Apenas podemos especular que a artista, quando esteve sentada
(hirta) na cadeira, tivesse o compasso mental variado do metrónomo de
Rhythm 2 (1974) — andante, allegro, vivace, presto — e também o
compasso de quem sabe que o tempo passa (psicologicamente) a
velocidades diferentes. O estado imaterial de ser a que quer chegar com
a obra de arte é também um estado imerso no tempo (mesmo que seja o
intemporal). É o tempo que lhe permite percorrer o “caminho para a
transcendência” 786, é ele o guardião da memória.
A performance teve a duração de noventa dias, mas, realmente,
quantos anos, quanto tempo se terá passado? Confrontamo-nos aqui
com o que a artista tem de mais invulgar, raro mesmo: ser criadora de
tempo. Pediu tempo a quem a via, e provavelmente também lhes terá
dado tempo: foi uma troca justa.
783
Ka f ka - U m Ar ti s ta d a Fo me, p . 1 9 .
Kla u s B ie se nb a c h - M ar in a Ab r a mo v ic , p . 1 3 .
785
Ver e ntr e vi st a d e S te ve P u li mo o d p ar a a Sl ee k i n ti t ul ad a “T he Mi str es s o f
Met ap h ys ic s”,
e
d i sp o ní ve l
e m:
h ttp :/ / www. s l ee k - ma g .co m/ p r i n t fe at ur es /2 0 1 2 /1 0 /t h e - mi str es s -o f - met ap h ys ic s /
786
C f. te x to d e Mar i na Ab r a mo vic “Rec ip r o c al to th e A mo u nt o f S u f f er i n g ” ( 1 9 8 6 ) ,
p r es e nte no ca tá lo go d a P ha id o n P r e ss, 2 0 0 8 ( ed itad o p o r K la u s B i e se nb ac h ) .
784
222
O desenho de Cecília Costa, com o seu traço contínuo, confiante,
despojado (que parece ter a textura de um fio de um novelo de lã, que
podemos puxar até à sua desintegração) também se articula bem com a
obra da artista sérvia: a ideia de (auto)controle está sempre muito
presente (vê-se que todo o percurso que o traço realiza sob o papel é
muito
pensado
previamente,
muito
analítico,
que
toda
a
inexpressividade é pensada; as duas utilizam o mesmo guião. Quem é
que acreditará no lema lapidar de Abramovic no predicted end 787?) Há
um fim, sim, e é muito previsível: era o que as artistas queriam que
fosse.
Um desenho de Cecília destaca-se dos outros. Um rosto,
descaracterizado, sem olhos, que se olha a um espelho, que entretanto
«absorveu » e arrancou parte das feições à cara, e que a nosso ver é um
belo protótipo de um desenho quase que paralisado no tempo, um
desenho de uma nova era que começa a despontar: a glaciar.
Não será por acaso que o perfil nítido traçado a carvão pareça
remeter para uma figura feminina, e que tenha curiosas analogias com
um espelho já muito antigo, o grego.
(Fig. 47).
787
E m “Ar t V it al ”, a ar t i st a p ar t il ha o se u b r e v e ma ni fe s to d e i nt e nçõ es ( ne s sa
alt ur a ai nd a tr ab al ha v a e m p ar cer ia co m Ul a y) , d o q ua l ap e na s r e tir a mo s p ar t e: “no
r eh ear se l, no p r ed ict ed end , no r ep e ti tio n” ; C f. catá lo go d a P ha id o n P r e s s – Mar i na
Ab r a mo v ic , p . 7 4 .
223
De Rui Calçada Bastos a Robert Smithson – o movimento
Hu n d r ed s o f ri ve r n a me s a re wo ven in to th e tex t. I th in k i t mo ve s.
C ar t a d e J a me s J o yce a Har r ie t W ea v er , 1 9 2 7 788
Ma s es ta ta rd e, a o lo n g o d o rio q u e d e Ve rã o , d i ze m - n o s,
d esa p a re ce, o p a s so ju n to a o meu é in so f i smá vel co mo o cu r so
d a á g u a , e n a su a o n d a , seg u in d o a cu r va d a s m a rg en s, ta l ve z eu
sa ib a q u em so u .
C l aud io M a gr i s, Da n ú b io 789
( … ) p ri mei ro , s ig o a o lo n g o d o r io (… ) 790
He nr y Da v id T ho r ea u, Ca m in h a d a
788
J a me s J o yce ci t. p o r Ha n s B l u me nb er g - W o r k o n M yt h, p . 3 4 .
C la ud io Ma gr i s - Da n ú b io , p . 4 0 .
790
He nr y D a vid T ho r ea u - Ca mi n h ad a, p . 2 6 .
789
224
É com a imagem de um rio que queremos começar.
Poderá ser esse rio de que fala James Joyce a uma amiga, escrito
e fixado tantas, tantas vezes, num texto, que fará parecer que este
último flui, efectivamente; ou a bela tapeçaria que Alighiero Boetti
teceu a negro sobre branco com os mais diversos nomes que nos
seduzem os ouvidos: Nilo, Amazonas, Mississípi, Yangtzé, Angara, Rio
Amarelo, da Prata, do Congo, etc. — uma lista dos mil rios mais longos
do mundo, em ordem decrescente 791. A simples imagem de um rio induz
ideias de movimento, percurso e deambulação (ele desce as montanhas,
insinua-se através dos vales, desloca-se para o alto mar, para os lagos,
ou para o próprio solo), mesmo que seja num suporte que está preso a
si mesmo, como a palavra fixa num livro ou uma tapeçaria pendurada
numa parede.
O Danúbio corre, largo, (…) 792, e poderíamos continuar: corre
calmo, corre turvo, corre enfurecido, indistinto, turbulento, impetuoso,
errante… mas corre, sempre. O rio é, por excelência — a par do
espelho — a figura que interroga a identidade inconstante do nosso ser.
(Mas apoiamos Roni Horn numa das pequenas notas de rodapé que
fazem parte do seu projecto dedicado ao rio londrino: 1 6 7 I won´t say
that the river looks like a mirror 793. Nós também evitaremos mencionálo. E no entanto…)
Seguiremos ao longo da travessia do rio, e veremos como a obra
de Rui Calçada Bastos e Robert Smithson se parecem tocar no que diz
respeito a questões de viagem e percurso (mesmo que seja uma viagem
ficcional, construída, e por vezes quase que o esboço de uma «antiviagem »), e se afastar em questões de temperamento: o primeiro mais
melancólico, o segundo renunciando (temendo?) a palavra. Ambos
talvez parodiem os caminhantes solitários, mas vestindo-lhes a pele
mesmo assim. Porque os seus espelhos atravessam cidades, florestas,
praias, areais, rios (o rio Passaic, um rio desconhecido a que não
791
792
793
C f. Ali g her o B o et ti , I mil le fiu mi p iù lu n g h i d el mo n d o , o b r a d e 1 9 7 6 - 8 2 .
C la ud io Ma gr i s - Da n ú b io , p . 3 4 4 .
Ro n i Ho r n - Ano t her W ater : ( t h e Ri v er T h a me s, fo r E xa mp le) , s / p á g i na s.
225
sabemos dar um nome), mas sempre denunciando a mais profunda
solidão nesse seu “talento especial para vaguear” 794.
Por estas razões, gostaríamos de ver as obras dos dois artistas
sob a perspectiva dos espelhos que não conseguiam de forma alguma
estar quietos, dos espelhos… viajantes.
*
Séneca não era adepto de grandes viagens. Não tinha pretensões
de ser um Humboldt, um Wordsworth ou um Thoreau 795.
O filósofo achava que, para onde quer que fossemos, nunca
iríamos escapar ao que tentávamos resolver: nós mesmos. Por isso
aconselha e diz a Lucílio, no seu estilo informal, quase carinhoso:
“…admiras-te, como se fosse um caso raro, de após uma tão grande
viagem e uma tão grande variedade de locais visitados não teres
conseguido dissipar essa tristeza que te pesa na alma? Deves é mudar
de alma, não de clima. Ainda que atravesses a vastidão do mar, ainda
que, como diz o nosso Vergílio, as costas, as cidades desapareçam no
horizonte, os teus vícios seguir-te-ão onde quer que tu vás” 796.
Interpretemos tal opinião da seguinte forma: a viagem tinha de ser
interior, espiritual. Ele não o diz, mas nós acrescentamos: o hino à
natureza e ao desconhecido pode ser feito sem nos afastarmos do nosso
espaço quotidiano. Pode fazer-se na nossa casa, no aconchego do nosso
lar (usando ou não um pijama cor-de-rosa, como de Maistre 797). Mas
Séneca citaria certamente com prazer o dicionário irónico de Flaubert:
“Viagem – Deve ser feita rapidamente” 798.
794
He nr y Da vid T ho r ea u - Ca mi n h ad a, p . 1 5 . Vej a - se a e ste r e sp ei to a s fo to g r a fi a s
d e 2 0 0 2 e 2 0 0 3 , A l l I H a d – P a ri s e A ll I Ha d – B er lin d e C alç ad a B a st o s, q ue são
to d o s o s se u s o b j e cto s c o lo cad o s a u m c a nto d o s q u ar to s hab it ad o s ne ss a s c id ad e s.
795
Ale x a nd er Vo n H u mb o ld t ( 1 7 6 9 -1 8 3 5 ) , geó g r af o , na t ur al i st a, e e x p lo r ad o r
p r u s sia no ; W il lia m W o r d s wo r t h ( 1 7 7 0 – 1 8 5 0 ) , p o et a r o mâ n ti co i n g l ês e H e nr y
Da vid T ho r ea u ( 1 8 1 7 -1 8 6 2 ) , fi ló so fo , hi sto r iad o r , e na t ur a li st a a me r i ca no .
796
Lú cio An e u Sé n eca - C ar ta s a Luc íl io , p . 1 0 4 . Li vr o I I I , car ta 2 8 .
797
C f. Xa v ier d e M ai st r e - Vi a ge m à Ro d a d o Me u Q uar to .
798
G us ta v e F la ub er t - D ici o nár io d e I d ei a s F ei ta s, p . 1 6 2 .
226
Rui Calçada Bastos desrespeita o parecer do filósofo antigo,
empreendendo uma viagem sem fim à vista (e sem parecer querer
mudar de alma). Julgamos que não será por acaso que uma das imagens
finais de The Mirror Suitcase Man 799 (vídeo a preto e branco de 2004 e
a única obra deste artista sobre a qual nos iremos debruçar aqui), seja
um rio; os dois elementos ligados entre si no final da travessia da
narrativa, espelho e rio, contrastando o “frio cintilar” 800 prateado das
suas superfícies, partilhando de forma provocatória o «t udo flui »
heraclitiano. E não seremos nós a julgar encontrar “terra firme no mar
do devir e da evanescência” 801.
Não há vestígios de mapas, bússolas, sextantes, barómetros,
telescópios, baús ou blocos de notas que acusem viagens por terras
incógnitas. Há apenas esse indício de que nos vamos deslocar de um
ponto a outro: uma simples mala. Este é o único elemento que
encontramos num campo com flores bravias, mas possui uma estranha
singularidade, no entanto: é totalmente forrada a espelhos, por fora.
O título por si já parece remeter para um bom enredo policial ou
um sombrio film noir. O grão do filme, a imagem que se faz passar por
antiga, e a voz masculina que ouvimos (e que dá à narrativa uma certa
aura
de
melancolia
reconhecemos?)
e
apenas
de
tristeza;
reforçam
que
essa
texto
ideia.
é
este,
Talvez,
a
que
não
qualquer
momento, venhamos a descobrir que aquele misterioso homem que
aguarda a chegada do seu comboio seja um Poirot dos nossos tempos
(dizemos dos nossos tempos porque se vêem sinais de graffitis numa
parede, um pouco mais à frente), ou um eventual Mister Norris 802. Mas
não. Apesar de não conseguirmos ver ao pormenor, os vincos das
calças não estão imaculados, os sapatos não estão luzidios.
O próprio comboio (nº 677) dá-nos mais uma pista sobre o tempo
em que nos situamos: tem um anúncio a Les Misérables. E a paisagem
que nos é dada a ver dos espaços que percorremos também é de
799
h ttp :/ / www. r ui cal cad a b as to s .co m/ wo r k s/ v id eo s/ s u itc as e/ . O ar ti st a p ub li co u
ta mb é m e st e no s so p eq u eno te x to no se u s ite , co m a no ss a a u to r i zaç ão .
800
St ép ha ne Ma ll ar mé - H er o d íad e, p . 8 3 .
801
Ni etz sc h e - A Fi lo so f ia na I d ad e T r ág ica d o s G r ego s, p . 3 8 .
802
Al u são a u m p e r so n a g e m d e C hr is to p her I s h e r wo o d - M i ste r No r r i s Mud a d e
Co mb o io .
227
desolação e pobreza: os espaços nas grandes cidades onde as pessoas
constantemente se cruzam (e chocam), mas parecem não ter tempo para
reparar no rosto que segue à sua frente na carruagem, ao seu lado no
campo, etc. É uma paisagem com pessoas, mas pessoas sem rosto, sem
humanidade: pessoas miseráveis.
O homem, nestes 4 minutos e 20 segundos da obra, passa por um
campo, uma estação de comboios, uma escada exterior de um prédio
(com umas escadas Spiral Jetty 803), uma igreja, um banco vazio de um
parque, crianças que brincam num baloiço, uma paisagem de ciprestes
(e ciprestes ondulantes, para nós, são Van Gogh), uma floresta. Depois
detém-se à beira de um rio – mais precisamente, de costas contra as
margens do rio. O que é interessante é que, em todos estes lugares
sucessivos que percorre em tão pouco tempo, o homem parece hesitar,
parar – e são as imagens no espelho que se precipitam, em catadupa, a
diferentes velocidades: rápido (o comboio e o baloiço), moderada (o
homem que sobe as escadas), lenta (o banco vazio, a igreja). A mala
espelhada torna-se numa espécie de GPS visual de quem a transporta, a
nossa única coordenada instável e sempre em mudança nesta obra.
Será suficiente dizer que o que se passa é uma simples troca de
mala, de um homem a quem nunca nos é dada a possibilidade de ver o
rosto a um outro, que parece exactamente igual? Mergulhamos
facilmente no universo do desenho a óleo de Michael Borremans em
The Replacement (2003), com a troca — muito inquietante, diga-se —
de uma coisa por outra muito parecida. Um homem por outro homem,
no nosso caso (ver Fig. 48 e 49).
Cremos que esta obra evoca também o deambular alegre e
criativo de Francis Al ys na cidade do México, com uma pintura
debaixo do braço, ou o de Lygia Clark apelando aos participantes
fazedores da sua obra para abrirem caminho ao acaso, com uma tesoura
numa fita de Mobius 804. Mas estes serão exemplos solares — lá é de
803
Al u são à o b r a d e Ro b er t S mi t h so n, e d a s ua «t o r r e d e B ab e l », a S p i ra l Je tty
( 1 9 7 0 ) r ea liz ad a n as á g u as a ver me l had as d o U ta h, e m Gr ea t S a lt La k e .
804
A o b r a d e Fr a nc i s Al y s i n ti t ula - s e Wa lk in g a Pa in t in g ( 2 0 0 2 ) ; no f i n al d a s ua
j o r nad a, a p i nt ur a e r a co lo cad a na p a r ed e d a ga le r ia e tap ad a co m u m vé u , p ar a q u e
p ud e s se d o r mir . A o b r a d e L yg i a Cl ar k, tão si m p le s, ma g n í f ica e o r gâ n i ca, i nt it ul a -
228
dia, aqui é noite cerrada. Porventura eles estarão mais ligados à
questão
da
surpresa,
do
maravilhamento
que
toda
a
viagem
proporciona, de uma resposta imediata a “Mas o que viram?”:
A h , n ó s vi mo s a st ro s
E o n d u la n t e s ca u d a i s; t a mb ém a r eia s v imo s;
E , ma u g ra d o a lg u n s ch o q u es e a b ru p to s d e sa st re s,
P o r ve ze s en fa s tiá mo - n o s, ta l co mo a q u i . 805
O que é manifesto nesta obra de Calçada Bastos é esse
aborrecimento do homem vestido de negro, que metodicamente cumpre
uma
missão,
parecendo
viajar
sem
esplendor,
ansiedade
ou
expectativas. A dúvida baudelairiana Faut-il partir? rester? 806 não
existe para ele. Existe, isso sim, uma “inclinação para a lonjura” 807, um
desejo incontido de levantar âncora e ir, ir não interessa para onde:
Tra n sp o rta - me va g ã o ! C o n d u z- m e tu , f ra g a ta !
P ra lo n g e! A q u i a la ma sã o o s n o sso s ch o ro s! 808
Para onde irá o segundo homem do vídeo, perguntam?
Mas já vos dissemos: Pra longe!
Ficamos intrigados com este magnífico trabalho de Rui Calçada
Bastos, e não deixamos de nos questionar sobre a seguinte questão:
quantas imagens, de facto, transportará um homem durante 4´e 20” da
sua vida? E, como somos curiosos, não deixamos de pensar: o que é
que há dentro da mala?
se Ca m in h a n d o , é d e 1 9 6 4 . E s ta fi ta é o b tid a p e la co la ge m d as d u as e xt r e mid ad es ,
ap ó s e fe ct u ar meia vo lt a a u ma d e la s; o se u n o me d er i va d o mat e má t ico q u e a
es t ud o u. O s e u esp aço não é o r i e nt á vel : o p ar t ip a nt e q u e a co r ta v a “p er co r r i a u m
ca mi n ho se m a ve s so n e m d ir ei to , se m fr e nt e n e m v er so ” ( t e xto d e Ma r ia Ali ce Lyg i a C lar k, p . 9 4 ) .
805
C ha r le s B a u d el air e - L e Vo ya ge , p . 3 2 5 .
806
B aud el air e - Le Vo ya g e , p . 3 2 8 .
807
Al e xa nd er Vo n H u mb o l t - P i n t ur a s d a Na t ur ez a, p . 7 8 .
808
B aud el air e - Mo es ta E t E r r ab u nd a, p . 1 7 3 .
229
É pouco provável que contenha “Quilos de papel branco/ Quilos
de papel branco/ E um amuleto” 809 (como o baú de Blaise Cendrars).
Podemos sempre imaginar: ela será aberta por um homem vestido de
negro, ao qual não vemos o rosto, e, lá dentro, terá uma outra malaespelho, um pouco mais pequena, que viajará por muitos lugares,
lugares impessoais e frios, até ser novamente aberta e conter outra
malinha-espelho,
e
outra,
outra…
existindo
a
obra
num
tempo
labiríntico, onírico e borgesiano.
Resumindo: uma excelente mala para as viagens de Alice.
*
O rio em Robert Smithson é feito de detritos, de lama, e até de
asfalto. E todos estes elementos se vão, paulatinamente, acumulando
uns sobre os outros, até ao ponto onde já não os conseguimos
distinguir 810.
É um rio deposicional, orgulhoso das suas inúmeras camadas
orgânicas, dos minerais formados ao longo do tempo, de muito tempo.
É um rio de águas profundas, primordial, cristalino 811. É um rio que,
quando gela — revelando o seu lado inorgânico, que também possui —
fere como uma lâmina aguçada.
Passaic, cidade de Nova Jérsia: digamos apenas que não é um
sítio onde desejaríamos ir passear. Vêem-se grandes tubagens assentes
sobre o rio, máquinas de bombear água no seu leito, tubos enormes que
809
B lai se Ce nd r ar s - Fo l ha s d e Vi a ge m, p . 3 5 e 3 6 .
Ver a d o cu me n t ação d a p o d er o sa o b r a d o ar t is ta i n ti t u lad a Asp h a lt Ru n d o wn
( 1 9 6 9 ) , q ue co n si s ti u n u m ca mião q ue se d e s f ez d a s ua ca r ga d e as f a lto q ue nt e,
d ei xa nd o - a e sco r r er p ela e nco st a ab ai xo ( o p e sad e lo d o s a mb i en ta li st as ) .
Acr e sc e nta r e mo s ap e n as q ue e st e s ite se si t ua v a na p e r i fer ia d e Ro ma , a cid ad e
eter n a – e q u e ta l n ã o é u m aca so . A o b r a Co n c re te Po u r ( 1 9 6 9 ) er a se me l ha n te, e
o d er r a me d e c i me n to r e s va la va p ar a u m g r a nd e la go .
811
A no ção d e “cr i s tal i no ” er a f u nd a me nt al p ar a o ar ti s ta, e so b r e e le r e fl e cti u n u m
te xto d e 1 9 6 6 i n ti t ul ad o “T he Cr ys t al La nd ” , e m Ro b e r t S mi t h so n: T h e Co ll ect ed
W r it i n gs, p . 7 -9 . E ste c o me ça co m a d e f i niç ão d e ge lo , o med iu m mai s estr a n ho à
vid a o r gâ ni ca ( u ma p eq u en a q u a nt id ad e d e ge lo d isr up ta co mp le ta me n te o p r o ces so
d a b io s fer a) . Ser á atr a vé s d es te co nce ito i mp es so a l q ue o ar t i sta d e sd e n ha r á d a
ex i stê n ci a d e u ma ú ni ca p o r ção d e te mp o /e sp a ç o , e ap e lar á a u ma «g eo lo g ia » d o s
s ub úr b io s, o nd e o se n tid o d o cr i s tal i no , se g u nd o ele, p r e va le ce.
810
230
se prolongam nas suas margens, acompanhando os seus meandros, ou
«vomitando » água negra nas suas águas. Smithson fotografa-os e
intitula-os de “monumentos” 812 dessa cidade industrial dos subúrbios. O
que queremos sublinhar aqui é que é esta a paisagem que ele quer
«contemplar» (usamos aqui esta palavra como provocação) que ele crê
ser digna de contemplação/intervenção.
Talvez
muitos
a
considerem
uma
anti-paisagem
(minas
abandonadas, parques industriais degradados, buldózeres e escavadoras
que, inactivos, se assemelham a dinossauros na terra remexida, lugares
votados ao abandono, etc.), mas não temos dúvidas quando afirmamos
que era, para Robert Smithson, uma paisagem muito amada: tanto
quanto a montanha Sainte-Victoire o foi para Cézanne. Este pintor era,
aliás, referência para Smithson. É a ele que daremos palavra agora,
citando-o enquanto conversava com Joachim Gasquet. Irritado, furioso
e sombrio, olhava para um dos quadros em que estava a trabalhar e
dizia amargurado: “Esta tela não sente nada. Diga-me que perfume se
liberta. Que cheiro liberta?” 813
O cheiro que se liberta destas fotografias dos subúrbios de
Robert Smithson é de podridão, de destroços e de corrosão.
Cheiram mal (é uma paisagem que já não sente?).
Apenas as referimos por uma razão: é o mesmo Robert Smithson
que introduzirá espelhos em paisagens mais idílicas — vastas, desertas,
inóspitas, remotas, e portanto mais receptivas “à beleza selvagem de
um solo coberto de montanhas e de florestas ancestrais” 814 — mas que
ainda contêm alguns vestígios deste odor “informe” 815, impuro, tão
específico, que as marcará sempre.
E vocês, na literatura palram, gritam Vénus, Zeus, Apolo,
quando já não conseguem dizer com emoção profunda espuma do mar,
nuvens do céu, força do sol 816, afirmava o pintor de Aix-en-Provence.
812
C f o s e u t e xto d e 1 9 6 7 e m Ro b er t S mi t h so n : T h e Co ll ec ted W r it i n gs , p . 6 8 - 7 4 .
P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 6 5 .
814
Al e xa nd er Vo n H u mb o l t - P i n t ur a s d a Na t ur ez a, p . 1 0 1 .
815
Ro s al i nd Kr a u s s e Yv e - Ala i n B o i s i ns er ir ão o ar ti s ta no se u e n sa io d ed icad o ao
in f o r me ( ao ap a gar e ao d es f azer d a fo r ma ) e m F o r mle s s: A U s er ´s G u id e ( 1 9 9 7 ) .
816
P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 7 2 .
813
231
Inesperadamente, Robert Smithson convoca os elementos da
natureza para um verdadeiro banquete (sobretudo o ar, a terra e a água)
em Incidents of Mirror-Travel in the Yucatan (1969). Esta obra é
composta por um conjunto de fotografias e um texto que o artista
escreveu com o mesmo nome 817, uma espécie de caderno de viagem
bastante detalhado (que vimos como parte integrante da mesma).
Deveremos lembrar-nos que foi uma obra de arte produzida com o
intuito de ser fotografada, e que portanto “regista, diagnostica e
informa” 818 (controla) o que o artista pretendia. E como poderíamos
esquecer que foi um caminho percorrido, com nove pontos que se
podem assinalar num mapa do México?
Descreveremos esta obra de forma muito simples: 12 pequenos
espelhos quadrados de 30 cm são inseridos em pontos específicos da
paisagem 819, dispostos de forma calculada. Primeiro ponto a assinalar: a
natureza de Smithson não expulsa o homem, mas agrega-o em si. Este
homem deixa pegadas numa paisagem aparentemente «intocada», como
que reivindicando o seu lugar nela (Mirror Displacement nº2); sente o
cheiro das algas secas junto a uma água cor de jade (Mirror
Displacement
borboletas
nº
4),
surpreende-se
precipitar-se
quando
erraticamente
sobre
vê
um
os
conjunto
espelhos
de
(tão
rapidamente que a máquina fotográfica só regista uns pequenos pontos
negros, e os espelhos quase nem deram pela sua presença, em Mirror
Displacement nº 3); medita sobre o sentido de uma estranha terra
queimada cheia de cinzas finas, que parecem tão macias (Mirror
Displacement nº 1). O artista optou por escolher, em muitos dos sites
escolhidos, um ponto de vista para fotografar que é quase rente ao
chão, talvez fazendo valer a sua tese humorística que os artistas
deveriam ter “olhos de lagarta” 820.
Os doze espelhos colocados em diversos pontos da viagem de
Smithson funcionam como uma adição ao site, como o artista refere
817
Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 1 9 -1 3 3 .
Se g u nd o S u sa n So nt a g, as tr ês p a la vr as q u e e x ig i mo s à fo to gr a fi a, e m En sa io s
so b r e Fo to gr a f ia, p . 1 4 6 .
819
No e nt a nto , co nt a mo s 1 3 esp el ho s no “S eco nd Mir r o r Di sp lac e me n t”.
820
Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 2 6 .
818
232
numa entrevista 821, mas também um peso que nos alerta quer para as
várias fricções existentes entre oposições de matérias em bruto que são
pressionadas
contra
o
espelho
(árvore-espelho/selva
luxuriante-
espelho/ areia-espelho…), quer para doze centros de gravidade (doze
espelhos colocados na posição horizontal, frágeis e efémeros) que estão
aptos para “capturar a luz em cada local” 822 (Cézanne!). Veremos de
seguida que esta luz apenas atordoará o nosso olhar.
Nas margens do rio Usumacinta (Mirror Displacement nº 8), os
espelhos foram montados num plano oblíquo que caía, escoava, erodia,
tombava: “O rio firmava-se em calcário, loess, e matérias semelhantes,
que firmava o declive, que firmava os espelhos. A mente firmava os
pensamentos e memórias, que firmava pontos de vista, que firmava
oscilantes olhares.” 823 A palavra mais repetida neste breve trecho do
artista, “firmar”, não cumpre o que promete (apoiar, suster, amparar).
Ou então é uma promessa vã, pois tudo se desmorona, até o nosso
olhar, nesta sobreposição consecutiva de camadas. A própria visão
recusa-se a firmar seja o que for, e desmantela-se: Os olhos, infectados
por todo o tipo de tropismos inomináveis, não conseguiam ver bem 824.
Chega-se mesmo a um ponto de ruptura onde o artista confessa que
parecia que apenas os pés conseguiam ver 825. A reflexão perfeita é aqui
sabotada (é uma “anti-visão” 826, como o próprio Smithson afirma), e
persiste a pergunta feita por ele, para a qual não temos resposta:
porque é que os espelhos mostram uma “conspiração de mutismo” 827 em
relação à sua própria existência?
Esta forma de pensar pode ser ligada de forma frutuosa a uma
fotografia de Clarence John Laughlin 828. Um rapaz, de pé numa grande
escadaria, tapa a cara com um espelho. Este tem um brilho tão forte
que irradia luz em redor – e nada reflecte. Este cancelamento da
821
Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p .
S mi t h so n, Ro b er t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i t in g s, p . 1 9 2 .
823
Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p .
824
S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 .
825
S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 .
826
S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 .
827
Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p .
828
C f. se g u i nte s c at álo go s: C la r en ce Jo h n La u g h lin , V i sio n a ry
Ha u n te r o f R u in s . P h o to g ra p h y o f Cla ren ce Jo h n La u g h l in .
190.
822
233
130.
124.
Ph o to g ra p h e r e
reflexividade, esta luz que é banida da sua superfície (o medium que se
vira contra si mesmo!) também existe em Smithson 829 (ver Fig 50 e 51).
Os espelhos inoperativos (por excesso ou por falta de luz), já
existiam na sua obra.
Cayuga Salt Mine Project (1968) tinha uma secção com espelhos
dispostos dentro de uma mina (provavelmente numa alusão à caverna
de
Platão?),
que
pouco
uso
teriam
a
quem
por
lá
passasse;
Enantiomorphic Chambers (1965; brevemente descrita na nota de
rodapé número 834) elimina sabiamente, através da ilusão óptica, o
reflexo do espectador. Mas o que é surpreendente em todos os seus
nove incidents é o que podemos ler nas entrelinhas. É uma obra que
põe em causa a visão (sim, isto ele diz), mas também aponta o dedo ao
que se entranha nas profundezas (isto ele não refere, mas subentendese).
Ziggurat Mirror (1966) ou Mirror Strata (1966-1969) são obras
que já aludem claramente a um outro tempo, fazendo-nos viajar para
outras paragens. Incidents of Mirror-Travels in the Yucatan faz derivar
o seu título a uma expedição do século XIX exactamente à mesma área,
feita pelo popular escritor de viagens americano John Lloyd Stephens,
que publicou um artigo em 1843 a que chamou Incidents of Travel in
Yucatan. Ele e Frederick Catherwood (o arquitecto britânico que
ilustrou os seus relatos) pretendiam mostrar o exotismo de uma
civilização rica, mas perdida e esquecida pelo tempo: as ruínas das
antigas cidades maias. Era todo um novo terreno virgem por desbravar,
novas formas e artefactos a serem descobertos (estelas, ídolos,
templos, etc.), que, uma vez catalogados, foram embalados com destino
incerto, rumo a Nova Iorque 830.
829
En a n t io mo rh i c Ch a mb er s b r i nc a co m a id e ia d e v is ão b i no c u lar ( vi são co mo
il u são d e u n id ad e) , j á q ue fa ci l me n te no s e sq ue ce mo s q ue a e str u t ur a d o s no s so s
o lh o s é es ter eo s có p i ca ( ve mo s e m d up li cad o ; a i ma g e m “f i na l” é a s si mi l ad a e j u n ta
p elo no s so cér eb r o ) . Ne st a o b r a as i ma ge n s e sp ec ula r e s ca nc ela v a m- s e, ab o li nd o a
i ma ge m c e ntr al f u nd id a – o q ue fa zia co m q ue o esp ect ad o r … d es ap ar ece s se; C f.
“E na nt io mo r p h ic Mo d e ls ”, d e An n R e yn o ld s , e m R o b er t S mi t h so n , catá lo go
ed it ad o p o r E u g e nie T sa i , p . 1 3 7 -1 4 1 .
830
C f. J e n ni f er L. Ro b er t s - Mir r o r -T r a v el s, p . 8 6 - 1 1 3 .
234
Porque é que Smithson alude à viagem destes exploradores de
forma tão óbvia, se depois não os refere no texto? Teria medo de ser
confundido com a anterior ganância imperialista, os seus “relatórios
sistemáticos” 831 das ruínas, os seus troféus? Duvidamos. A crítica
Jennifer L. Roberts vê o seu gesto como um “desfazer” 832 das operações
de Stephens, sobretudo do seu paradigma narrativo. E, de facto, os
espelhos
de
Smithson
eram
montados,
fotografados
e
depois
desmantelados (terão existido?); as ruínas estavam muito próximas do
seu campo de visão, mas nunca surgem nas fotografias. Esta nova
camada da história, feita com os seus espelhos-viajantes, apagariam
eles a viagem anterior? Podem eles “cancelar o tempo histórico” 833,
como
defende
a
mesma
crítica?
Ou
reconstroem,
como
as
Enantiomorphic Chambers, a nossa inabilidade para ver e o colapso do
nosso campo visual?
É que ele é um viajante que caminha para a cegueira, que vê com
os pés! — que consegue “ver” a própria cegueira! — e que apenas nos
pergunta o que é viajar, ver, representar? O que é um lugar, um ponto
no mapa?
E nós sentimos o que ele terá, porventura, sentido na altura em
que colocou estes espelhos na paisagem “extraterrestre” 834 de Yucatán:
o Yucatán fica noutro sítio 835. Esta é a enigmática frase final do seu
ensaio. (Consultemos o mapa do Sineiro de Carroll 836: talvez este
consiga precisar melhor a sua localização).
Quando olhamos para esta obra, não deixamos de pensar:
atenção! Haverá ainda espelhos obsidianos maias a serem descobertos
em templos escondidos pela vegetação, nas camadas mais fundas da
terra?
831
J en ni f er L. Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 8 8 .
J en n i fer L . Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 9 6 .
833
J en n i fer L . Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 1 1 0 .
834
P ala vr a s d o ar t i sta , e m 1 9 7 0 - Ro b er t S mi t h so n : T he Co l l ec ted W r i ti n g s , p . 2 9 5 .
835
Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 3 3 .
836
Ver Le wi s Ca r r o l l - A Ca ça ao S nar k, p . 1 4 . Ci ta mo s: “T r o u xer a p ar a b o r d o u ma
car t a d o mar / O nd e d e ter r a ne m c h eir o h a vi a./ E r a u m p ap el f a cíl i mo d e
in ter p r et ar / E o s ho me n s p ul ar a m d e ale gr ia ”. Ac o n se l ha mo s vi va me nt e q ue se vej a
o f ab ulo so d e se n ho d e st a “Car ta d o s Mar e s” , na p . 1 5 .
832
235
E o facto deste trilho de espelhos ser colocado não sobre, mas
dentro
de uma
«t erra devastada» (por
antigos
e desrespeitosos
exploradores; por sangue derramado, se considerarmos os sacrifícios
humanos praticados por este povo antigo) ganha imediatamente outro
significado, outro «cheiro ».
*
Map
of
incontornável
Glass
na
obra
(Atlantis) 837,
do
artista
é,
para
nós,
americano.
uma
Segundo
referência
a
nossa
perspectiva, ela introduz a ideia de um espelho-ruína, a par de um
inesgotável convite à especulação.
A obra alude, através do seu título e da sua forma, ao mítico
continente perdido da Atlântida, enorme ilha que as histórias antigas
contam ser de uma riqueza extraordinária (por vezes lembrando o
sereno mundo dos Feaces), mas cujo povo suscitou, pela sua ganância,
a cólera divina de Zeus, e acabou por ser castigado de forma perversa e
cruel. Apenas durante um único dia e uma noite terríveis, ou assim reza
a fábula, a ilha afundou-se no mar que ainda hoje partilha um nome
semelhante ao seu. Uma Pompeia inteira sepultada sob as águas 838…
Para nós, cépticos, esta é mais uma bela história (acreditar que
esta ilha existiu no espaço e no tempo é pura ficção científica – e
percebe-se porque é que Smithson, fã deste género literário, era
fascinado por esta questão). Nós não acreditamos que tenha existido,
ou que exista ainda algures — o que é diferente de dizer que a
conseguimos expulsar facilmente do domínio do pensamento.
Novamente a Atlântida nos remete para os vários envelopes que
o tempo contém: podemos considerar que foi um continente totalmente
«inventado » por Platão (no Crítias e no Timeu, baseando-se em
Heródoto e Tucídides), como defende Pierre Vidal-Naquet em A
Atlântida. Pequena História de um Mito Platónico (e a partir do qual
837
838
Co lo cad a e m L o vel ad i e s I sl a nd , No v a J ér si a, d e 1 1 a 3 1 d e J u l ho d e 1 9 6 9 .
J úl io Ver ne - U m C o nt i ne n te q u e D es ap ar e ce u, p . 3 3 2 .
236
se desenvolveram as mais diversas migrações). A Atlântida, e citamolo, é uma “anti-história” 839, é uma história que é fruto da imaginação de
Platão, é fabricada. Um professor de literatura grega e italiana (uma
mente lúcida que tinha algo de louco, segundo Vidal-Naquet), em 1779,
deu-lhe uma interpretação política que vale a pena referir: por detrás
do desmoronamento da Atlântida, é preciso “ler a queda de Atenas às
mãos dos seus inimigos no final da Guerra do Peloponeso, após vários
decénios de imperialismo marítimo” 840. A Atlântida foi, portanto, e
segundo este ponto de vista, uma catástrofe, um mundo que ruiu (a
cidade que ficou submersa e a cidade de Atenas que a imitou,
desabando também).
Aludamos à obra de arte em si.
Ela é de uma beleza extraordinária: finos pedaços de vidro
aleatoriamente dispostos em camadas formam uma pequena ilha de
fragmentos caóticos. Imaginamos que ao longo do tempo estes vidros
de arestas cortantes serão cada vez mais pequenos, até se tornarem
areia cinza-esverdeada. Conseguiremos nós ser como o passageiro da
música de Igg y Pop, escapando impunes?
I am the passenger
I stay under glass… 841
Nesta obra já não há pegada do homem. Entramos no domínio
entrópico do tempo, e isso assusta.
Estes pedaços de vidro não podem, como o espelho de Zhang
Peili
842
, ser (metódica e pacientemente) colados uns aos outros.
“Humpt y Dumpt y” 843 permanecerá desmembrado para sempre.
839
P ier r e Vid al - Naq ue t - A Atl â ntid a , p . 2 4 .
Gi u sep p e B ar to l i, c it. p o r Vid al - Naq ue t - A Atl ân tid a, p . 1 2 1 .
841
Letr a d e u ma mú s i ca d e I g g y P o p a n d th e S to o g es i nt it u lad a “T he P as se n ger ”.
842
Re f er ê n cia à víd eo -o b r a d e Z ha n g P ei li i nt it u la d a 3 0 x3 0 ( 1 9 8 8 ) , o nd e d ur a n te o s
se u s 1 8 0 mi n u to s d e d ur ação se v ê o ar ti st a a p a r tir u m e sp el ho , p ar a d e p o is vo lt ar
a j u nt ar o s p ed aço s co m co la, r eco n st r ui nd o -o le nt a me n te.
843
Ro b er t S mi t h so n go st av a d e e xp l icar o co n cei to d e e ntr o p ia r e f er ind o -s e à
le n ga le n ga i n fa n ti l i nt it ul ad a “H u mt y D u mp t y”, q ue c it a mo s d e se g uid a : “H u mp t y
D u mp t y sa t o n a wa ll, / H u mp t y D u mp t y had a gr e at fa ll . / All t h e Ki n g ´s ho r s e s/
840
237
Saltemos agora para um novo bocado de vidro transparente, na
esperança que o possamos «colar» mais tarde.
W. G. Sebald, em História Natural da Destruição (1999),
descreve uma zona residencial densamente povoada, a leste do rio Elba,
sobre a qual caíram dez mil toneladas de bombas na segunda Guerra
Mundial. É um relato pouco comum, politicamente incorrecto, porque
incide sobre a devastação de que os alemães (o outro lado da história)
foram alvo. Citemo-lo: “No seu auge, a tempestade levantou coberturas
e telhados de casas, atirou ao ar vigas e tabuletas inteiras, arrancou
árvores do solo e levou pessoas à sua frente como tochas vivas (…) Em
alguns canais a água ardia. Os vidros das janelas dos eléctricos
derreteram, o açúcar armazenado ferveu nas caves das padarias. Os que
tinham
fugido
dos
seus
abrigos
afundaram-se,
grotescamente
contorcidos, nas bolhas espessas formadas pelo asfalto derretido” 844.
São imagens que arrepiam; como é que se sobrevive num país em
ruínas? Qual a forma que as pessoas encontram para lidar com
experiências que ultrapassam o limite do tolerável? É possível que
acontecimentos terríveis se tornem arte?
Houve pintores que se aventuraram a representar essa zona
proibida que qualquer catástrofe anuncia (dor, pavor e terror), mesmo
as catástrofes ditas naturais, reinventando dessa forma o tema da
paisagem: Turner pintou um mar revolto, com enormes vagas escuras
que parecem fustigar vários pequenos barcos que rodopiam como um
pião na tempestade; Géricault 845 centra-se nas poses e expressões das
An d al l t he Ki n g ´s me n / Co uld n ´t p ut H u mp t y to g et h er a g ai n” . C f. M y Fa vo ur it e
N ur s er y R h y me s, s /p á g i na.
844
W . G. S eb ald - Hi s t ó r ia N at ur al d a De str u ição , p . 3 1 . E s ta o p er ação d e
d es tr uiç ão d e u ma c id ad e fico u co n he cid a co mo “Op er ação Go mo r r a”.
845
J o sep h Ma llo r d T ur ne r , O Na u frá g io ( e xib id o e m 1 8 0 5 , T ate B r i ta i n) e T héo d o r e
Gér i ca u lt, A Ja n g a d a d a Med u sa ( 1 8 1 9 , M u s e u d o Lo u vr e) . C f. Lu ke Her ma n n T ur n er ; so b r e Gér i ca u lt , v er o i n sp ir ad o r te xto d e J ul ia n B ar ne s – Na u fr á gio , p .
1 3 1 -1 5 8 , e Alb er t Al h ad e f f - T h e Ra f t O f T he Med u sa, o nd e p o d e mo s ver o s
esb o ço s q ue r ea lizo u p a r a o q u ad r o fi na l, d e m e mb r o s d ecep ad o s, e d e co r p o s e m
av a nçad o e st ad o d e d eco mp o si ção . Le mb r a mo s q ue fo i u m q uad r o q ue p a r ti u d e u m
aco nte ci me n to “r eal ” – ma i s d e u ma vi n te na d e ho me n s ab a nd o nad o s d ur a n te 1 5
d ia s, e m 1 8 1 6 , n u ma j an g ad a co m cer ca d e v in te me tr o s d e co mp r i me n to , q ue
ti ver a m d e co me ter o s a cto s mai s ho r r í v ei s p ar a so b r e vi v er , d e sd e b eb e r a p r ó p r ia
ur i na e p r a ti car o ca nib al i s mo , a a tir ar e m p ar a o mar a tr ip u laç ão q u e se
en co ntr a va e m e st ad o ma i s f r aco , d e fo r ma a r acio n ali zar e m a p o u ca co mid a
ex i ste n te. Ho u v e ho me n s q ue o p ta r a m p o r s al tar p ar a o mar a vi v er n aq u ele e sp aço .
238
pessoas que habitam uma pequena jangada de madeira sobrelotada,
onde mais de metade das pessoas parecem ter perdido a esperança,
virando as costas ao horizonte, e o pintor nos deixa ver a “melancolia
roída dos rostos, a tristeza daquela gente excitada” 846. Casper David
Friedrich, pintor da era romântica, tem uma outra abordagem ao mesmo
tema. Em Artic Shipwreck, quadro que por vezes também é conhecido
como
Polar
Sea
(1824),
decide
pintar
uma
tragédia
isenta
da
intensidade dramática de Turner e da angústia humana de Géricault.
Não há gritos nem choros, não há corpos putrefactos. Ele neste aspecto
é categórico: não quer apelar à nossa emoção. A sua paisagem é vasta,
imensa.
É
feita
de
blocos
de
gelo
—
enormes
lascas,
que,
silenciosamente, engolem e puxam para as suas águas frias um navio
(ou o que resta dele e da sua tripulação), e o devoram, inteiro.
A sua perspectiva mais rígida (implacável, se quisermos) talvez
demonstre o que Kant apelidou, não de sentimento de “belo”, mas de
“sublime” 847, e que simplificaremos da seguinte forma, esperando não
incorrer em erro: algo com o qual não podemos medir forças, pois
ficamos sempre a perder. É com “íntimo respeito” 848 que olhamos para
este quadro: é com calafrios no corpo que a ele reagimos. Ocorre-nos
Gér i ca u lt, p ar a a co n cr eti zaç ão d a s u a i mp o n en te p i n t ur a , falo u co m d o is d o s
so b r e v i ve nt e s d e s ta tr a g éd ia, e, fac to c u r io so , c o n str u i u u ma r ép li ca e x acta me nt e
ig u a l à d a j a n gad a, e m mi n ia t ur a , o nd e co lo co u mo d elo s d e cer a r ep r e s en ta nd o o s
so b r e v i ve nt e s.
846
P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 1 1 8 .
847
Fo i o a uto r g r e go Lo n g ino o r e sp o n sá ve l p o r c u n har o ter mo “s ub l i me ”, e m 2 0 0
d . C., co m u m tr a tad o i n tit u lad o “Do S ub l i me ” ( q ue p ar a ele eq u i va lia a u ma fo nt e
d e p r az er , d e b o nd ad e mo r al e d e e mb r i a g u ez) . E d mu n d B ur ke ( 1 7 2 9 -1 7 9 7 )
as so c io u -o p o s ter io r me n te a u m se n ti me n to d e med o , no se u tr atad o Ph ilo so p h i ca l
I n q u ir y in to th e O rig in o f Ou r I d ea s o f th e S u b li me a n d th e Bea u ti f u l ( 1 7 5 7 ) , e
ma i s t ar d e I m ma n u el Ka nt p o li r á o s id e ia s d o se u a n tec e sso r , s u g er i nd o q ue o q u e
d eno mi n a mo s d e “s ub l i me ” não é u m o b j ect o , ma s si m u ma “d isp o si ção d e
esp ír i to ” ( Ka n t – Se g u n d o Li vr o : An a lí tic a d o S ub l i me, p . 1 4 5 ) , u ma t en ta ti va d o
no s so j uí zo d e r e fl e xã o e m c ap tar o i li mi t ad o ; d es cr e ve u -o ta mb é m co mo u m
p r azer ne ga ti vo , u m “d esp r azer ”, o nd e j á não ex i st ia u ma “s er e na co n te mp l ação ”
d o b elo , ma s u m “ab a lo ” ( p . 1 5 4 ) o u u m mo vi m en to d o â n i mo . Fr i sa va t a mb é m q ue
o s esp ec tác u lo s o mn ip o t en te s q ue a n at ur eza o fe r eci a só er a m s ub l i me s na med id a
e m q ue nó s, o s e sp ec ta d o r es, no s e nco ntr á ss e mo s e m s e g ur a nç a ( p . 1 5 8 ) e q ue o
s ub l i me “u ltr ap a ss a o p ad r ão d e med id a d o s se nt id o s ” ( p . 1 4 5 ) . C f. t a mb é m
Fer na nd o Ro sa Dia s - S ub l i me e P i nt ur a , 9 2 -1 2 0 e Ala i n d e B o t to m - Do S ub li me ,
p . 1 5 5 -1 7 6 . E s te úl ti mo au to r r e s u me es te co n ce ito d a se g u i nte fo r ma : o s ub l i me é
“a no s sa fr a gi lid ad e co n fr o n tad a c o m o v i go r , a id ad e e a d i me n s ão d o u ni v er so ”
(p. 164).
848
Ka n t – Se g u nd o L i vr o , Ana lí tic a d o S ub l i me, p . 1 6 2 . O fi ló so fo r e fe r ia - se ao
r esp eito q ue d e v er e mo s ter p ar a co m o p o d er d e va s tad o r e s el v a ge m d a na t ur e za.
239
ao espírito o poema que Melville intitulou de “O Icebergue (um
sonho)”, que queremos partilhar, citando o seu início:
V i u m b a r co d e p o r te ma rc ia l
( De flâ mu la s a o ven to , e n g a la n a d o )
Co mo p o r me ra lo u cu ra d ir ig in d o - se
Co n t ra u m imp a s sív el ic eb erg u e,
S em o p er tu rb a r, em b o r a o en fa tu a d o b a rco se a fu n d a s se . 849
Breve nota final: o rio de Caspar David Friedrich, esse é o
mesmo do relato de Sebald — o Elba —, já que ele utilizou pequenos
estudos a óleo de blocos de gelo (num inverno particularmente
rigoroso, o de 1820-21), que posteriormente incorporou numa outra tela
no conforto do seu atelier. De Sebald para Friedrich: a passagem de um
rio de fogo a um rio de gelo. Em ambos se insinua a ruína.
É esta obra do pintor romântico que sentimos merecer conviver
lado a lado com Map of Glass (Atlantis). (Haverá outros pontos em
comum, que podem ou não ser levados em consideração 850.)
Em Robert Smithson já não há a procura de uma transcendência
na paisagem, nem se espera uma resposta (um ouvir das nossas preces).
Se ainda existe Deus (ou Zeus), eles devem estar soterrados sob os
escombros de Map of Glass. Nesta fascinante obra há apenas pedaços
de vidro que se tornarão pó, e um trabalho que é uma “calma
catástrofe” 851 de matéria e de mente, onde o silêncio reina.
*
849
Her ma n M el vi ll e - O I c eb er g ue ( u m so n ho ) , p . 5 5 .
U ma fo to gr a f ia d e Ro b er t S mi t hso n ti r ad a p o r Gia n f r a nco Go r go ni o nd e ele
ap ar ec e se nt ad o so b r e u ma s r o c ha s, a d e se n ha r no se u b lo co ( mu i to p ar ecid a co m
o s p er so na g e n s d e Fr i e d r ic h q ue co nt e mp l a m a v a st id ão d a p ai sa g e m ) . Só q u e o
enq u ad r a me n to d e S mi t h so n não é u ma p a i sa g e m “i nto c ad a” , ma s u m a p ai s a ge m
co m d o i s gr a nd e s p ne u s, co r d a s, ve s tí g io s d a s gr and es r o d a s d e ca mi õ e s na ter r a.
851
Ro b er t S mi t h so n - Ro b er t S mi t h so n : T he Co lle cted W r it i n gs , p . 1 9 4 . As si m
r es u me o ar ti s ta o se u tr ab al ho .
850
240
O tempo, no pequeno vídeo de Rui Calçada Bastos, parece ser
cíclico. É uma pedra que atiramos à água, e que engendra vários
círculos concêntricos. Em Smithson o tempo é geológico, entrópico,
estratificado. Há a procura explícita de uma colisão de tempos
diferentes, há o fascínio provocado por esse encontro inesperado, um
pouco parecido com o de um dos tripulantes do Náutilus, que, guiado
pelo capitão Nemo, descobre as ruínas da Atlântida: “Esmagava com os
meus pesados sapatos esqueletos de animais fabulosos (…)” 852. Mas em
ambos o tempo é o agente que dá uma certa “textura” 853 aos trabalhos.
Em The Mirror Suitcase Man o homem surge desumanizado, mas
ainda existe, condenado a repetir uma acção enfadonha (andar com uma
mala espelhada); no segundo, sentimos que se abre um fosso sobre a
história humana: a geologia vem à frente, e para ela o homem é
insignificante, ou simplesmente inexistente.
Damos agora a palavra ao crítico James Lingwood, que em Field
Trips escreveu de forma notável sobre o tempo pós-histórico de
Smithson:
S mi th so n q u e r ia q u e a su a o b ra e mu la s se o p r o ces so d e en t ro p ia . Qu er ia
b rin ca r co m o te mp o , l u ta r co m e le, a ce la rá - l o o u d e sa ce ra lá - lo a té a o
p o n to d e d e sin teg ra çã o , a p re s sa r o co la p so d a s e st ru tu ra s e d o s s is te ma s
d e cren ça s su b ja cen te s a ess e Te mp o “h i stó ri co ”. S mi th so n , o g ra n d e
a rt i sta / en t ro p ó lo g o d a su a g e ra çã o , p ro jec to u a su a o b ra n a s ex ten sõ e s
ma io re s d o te mp o e i m a g in o u a su a a ca l mia f in a l, a té a o p o n t o e m q u e
n a d a p o d er ia se r d i fe re n cia d o e tu d o d e ixa r ia d e te r fo rma .
854
Ao rio voltamos.
“ Uma
vez encontrado esse rio, mesmo de noite, não se poderia
perder, pois o curso gelado o guiaria” 855, conta-nos uma maravilhosa
história infantil, de um cavaleiro que, qual Ulisses, regressa a casa
após uma longa viagem.
852
J úl io V er ne - U m Co n ti ne n te q u e D es ap ar e ce u, p . 3 3 4 .
Gar y S hap ir o - E ar t h wa r d s, p . 3 9 .
854
J a me s Li n g wo o d – O P e so d o T e mp o , p . 1 7 .
855
So p hi a d e Me lo B r e yn e r And r e se n - O C a val eir o d a D i na ma r ca, p . 5 0 .
853
241
Os rios destes dois artistas inspiram-nos veneração e medo.
O rio de Smithson é semelhante ao de T. S. Eliot, “sua óleo e
alcatrão” 856.
É um rio infernal, com inúmeras ramificações, e que, como o
Aqueronte, nos projecta em abismos desconhecidos. Com o rio de Rui
Calçada Bastos bebemos a água do Letes 857 contra a nossa vontade,
enquanto entoamos o mantra de um outro artista contemporâneo: As
Long as I´m Walking, I Will Not Remember 858.
Sem o seu curso para nos guiar, para onde iremos a seguir?
856
T . S. E l io t - A T er r a D e va s tad a, p . 3 8 .
O r io Let e s er a u m d o s r io s mí tico s d o Ha d es, c uj a s á g ua s ca u sa va m, ao s
mo r to s q ue o b eb ia m, o esq ue ci me n to d o se u p as sad o , d a s ua vid a t er r en a ( e d e
ig u al mo d o , a nt es d e r e t o ma r e m u m co r p o e d e r egr e ss ar e m à v id a, d e le b eb ia m, o
q ue l he s r et ir a va a me m ó r ia d o q u e t i n ha m p r e s en ciad o no mu n d o s ub te r r â neo ) . O
Aq uer o nt e er a o ut r o d o s r io s d o s I n fer no s ( me nc io nad o n a Od i s seia e n a D iv in a
Co m éd ia d e D a nt e) , q u e a s a l ma s d e v ia m atr a ve s sar p ar a c he gar ao i mp é r io d o s
mo r to s; e st a va q ua se es ta g nad o , e ti n h a a s mar ge n s e mb ar a çad a s d e j u nco s e d e
lo d o . Ver a s r e sp ec ti v as e n tr ad a s e m P ier r e Gr i ma l - Di cio n ár io d a Mito lo gia
Gr e ga e Ro ma n a , p . 2 7 4 -2 7 5 e p . 3 5 , r e sp ec ti v a me n te.
858
Fr a nci s Al ys - Fr a n ci s Al ys , p . 1 3 3 . ( Cat álo go ed it ad o p o r C u a u hté mo c Med i na ,
P ha id o n, 2 0 0 7 )
857
242
De Louise Bourgeois a Hans Bellmer – a memória
A tr a sa r a vid a co mo s e a t ra sa u m re ló g io n o Ou to n o .
Ti ra r s imp le sm en t e o r eló g io - vid a d a p a red e e fa z ê - lo
a n d a r p a ra trá s, a n d a r p a ra trá s a té to d o s o s n o s so s
mo r to s a p a r ece r em, co m o a h o ra o fi cia l.
P hi lip Ro t h, O T ea t ro d e S a b b a th 859
A min h a in fâ n cia , re ve r a min h a in fâ n c ia ? M a is d e d e z
lu s t ro s me s ep a ra m d e la , e o s meu s o lh o s d e p r esb ita
ta lv ez lá p u d e s sem p en e tra r se a lu z q u e d ela d i ma n a n ã o
es tiv es s e in te rc ep ta d a p o r o b s tá cu lo s d e to d o o g én ero ,
q u e fo rma va m a lta s mo n ta n h a s: to d o s o s a n o s e ce rta s
h o ra s d a m in h a v id a .
I talo S v e vo , A Co n sc iên cia d e Zen o 860
Ma s
na
rea lid a d e
a
memó r ia ,
c la ro ,
fa lh a
se mp re.
Dema s ia d o s ed i fí cio s ru í ra m, a mo n to o u - se d ema sia d o
en tu lh o , sã o in tra n sp o n í vei s o s sed imen to s e a s mo r eia s.
W . G. Seb ald , O s An é i s d e S a tu rn o 861
859
860
861
P hi lip Ro t h c it . p o r J a m es W o o d - A Her a nça P e r d id a, p . 3 1 0 .
I ta lo S v e vo - A Co n sci ê nc ia d e Ze no , p . 5 .
W .G. Seb ald - O s An éi s d e S at ur no , p . 1 7 3 .
243
No ano de 1632, Rembrandt van Rijn (1606-1669) pinta uma tela
a óleo que será conhecida como A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes
Tulp.
Nesta pintura vemos um grupo de homens reunidos, solenemente
vestidos, a assistir à dissecação de um cadáver (o que na altura se fazia
numa cerimónia pública bastante concorrida, e muito poucas vezes por
ano, geralmente nos meses mais frios 862). Este acontecimento que o
pintor representa, no entanto, parece ter um carácter mais privado:
estes homens da ciência — com o seu olhar imbuído de uma “rigidez
cartesiana” 863, como afirmou W. G. Sebald — reúnem-se entre si para
debater e aprender com o famoso médico da guilda dos cirurgiões, o
Doutor
Tulp.
Estão
concentrados,
totalmente
absortos
na
lição
anatómica que está a ser dada, e não olham para nós.
O nosso olho leigo, ou “ignorante” 864 (como diz Julian Barnes)
nota três pormenores que imediatamente se destacam. Talvez o mais
notório seja que, apesar da abertura incisiva de uma parte do corpo,
não
haver
quaisquer
vestígios
de
sangue
naquela
mesa
de
«demonstrações » (nem um pingo salpicou aquelas golas elegantes e
esbranquiçadas);
personagens
o
segundo
«vivos»
estão
elemento
pintados
que destacamos
de
negro,
sobre
é que os
um
fundo
escurecido, e é o morto que emana luz, apesar de ter o rosto
parcialmente obscurecido; por último, os médicos de renome 865 olham,
não para o corpo, mas para o que parece ser um livro anatómico. O
corpo que está sobre a mesa não lhes interessa, ou antes, só lhes
desperta a curiosidade na medida em que é um corpo colocado ao
serviço da sua aprendizagem.
O nosso olho culto diz-nos outras coisas, sem todavia negar os
pensamentos anteriores. Segundo a opinião de muitos historiadores de
arte,
o
livro
que
consultam
com
862
interesse
deverá
ser,
muito
C f. S i mo n Sc ha ma - Au to p s y, p . 3 4 3 .
W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 .
864
J ul ia n B ar ne s - A H is tó r i a d o M u nd o e m 1 0 Cap ít u lo s e Me io , p . 1 4 8 .
( B ib lio g r a fi a 4 .4 )
865
Os p er so n a ge n s r e tr a ta d o s não er a m méd ico s, ma s si m p e sso a s i mp o r t an te s q ue
p ag a va m p ar a ser r ep r es e ntad o s p ar a a p o s ter id ad e. C f. P i er r e Cab a n ne Re mb r a nd t.
863
244
provavelmente, uma cópia dos diagramas rigorosos de Vesalius, De
Humani corporis fabrica, Libri septem 866, “obra única onde se combina
o
estádio
mais
desenvolvido
da
ciência
representação artística e sofisticada do corpo”
da
867
anatomia
com
a
; os órgãos extraídos
iam sendo nomeados 868 (e destaca-se portanto a importância da audição,
a par da visão em acontecimentos deste tipo); o rosto do morto, apesar
de estar na sombra, é revelado em toda a exactidão dos seus contornos,
o que foi, na altura, uma característica inovadora para a pintura
pertencente ao mesmo género artístico. Mas sobretudo apercebemo-nos
de um pequeno facto que ganha uma importância desmedida, e que faz
com que esta «lição» se torne uma lição no sentido mais literal do
termo: o corpo foi aberto começando pela mão.
Isto porque os cadáveres eram sempre abertos, primeiro, pelo
abdómen, e pela consequente remoção dos intestinos, que é o que
apodrece mais depressa e o que deixa no ar aquele fedor nauseabundo
(é o que observamos num quadro posterior de Rembrandt, A Lição de
Anatomia do Doutor Deyman, de 1656, onde o médico analisa o
cérebro, mas já existe uma enorme cavidade na zona do estômago).
Ora, como já dissemos anteriormente, este corpo contraria tudo isto,
por não ter seguido a ordem prevista. Também sabemos que aquele
homem deitado na mesa tinha sido um ladrão; poderemos então falar de
um gesto «simbólico », de um destino «moralizante»: vejam o que
acontece a quem comete um delito grave? 869
Sintetizando: esta dissecação tem qualquer coisa de vingativo, de
punição.
Não somos médicos e não sabemos avaliar até que ponto e com
que veracidade Rembrandt pintou os músculos e tendões do antebraço,
mas não deixamos de notar que esta mão adoptou uma posição deveras
866
Ver , p o r e xe mp lo , C hr is to p her B r o wn - T h e An ato m y Le s so n o f Dr J o a n
De y ma n , p . 2 6 6 .
867
Cr is ti n a Aze v ed o T av ar e s - A p r o c ur a d o b elo e d a ve r d ad e : ar te méd i ca e
es tét ic a, p . 1 6 .
868
Mie k e B a l - Dead F le s h , o r T he S me ll o f P ai n ti n g, p . 3 9 2 .
869
Mi e ke B a l é d e f e nso r d es ta id e ia. Af i r ma q u e a e xec u ção p úb li ca d e cr i mi n o so s
e a s ub seq ue n te mo s tr a d o s se u s cad á v er e s se r v ia m d e e xemp lu m ao s q u e a el e
as si s tia m; B a l - De ad F l es h, o r T he S me l l o f P ai nt i n g, p . 3 7 9 .
245
estranha: parece que não pertence àquele corpo em particular. O
escritor W. G. Sebald destacou um pormenor interessante sobre esta
mão dissecada (será mesmo como ele afirma?). Diz ele: “Esta mão tem
notáveis particularidades. Não só é, se comparada com a mão que está
mais perto do observador, grotescamente desproporcionada, como está,
anatomicamente, invertida de todo. Os tendões à vista que, pela
posição do polegar, deviam ser os da palma da mão esquerda, são na
verdade os das costas da mão direita.” 870 Haverá um “defeito de
construção” 871, um erro do pintor?
Se defeito ou erro foi, terá sido intencional.
Mais um facto a acrescentar: sabemos que o corpo de Aris Kindt
não tinha a mão esquerda, que esta lhe havia sido amputada antes de
ele morrer por enforcamento 872. Rembrandt imagina e constrói-lhe a
mão esquerda (talvez o braço tenha ficado um pouco curto) e distorce e
retalha a mão que é dissecada, querendo com este gesto talvez
significar a “violência exercida” 873 contra o morto, perante o qual, se
calhar, se identifica. Porque é que ele decide «fazer » uma nova mão,
camuflando o coto que na realidade via?
É muito improvável que chocasse os possíveis espectadores de
então. Seriam parecidos com o público, leigo em matérias de anatomia,
que não perdia a oportunidade de comparecer ao grande evento no
teatro anatómico? É que este último era muito pouco impressionável:
pagava um bilhete, ocupava as últimas bancadas do anfiteatro, e
deliciava-se com a música, com a comida e a bebida que estavam à
disposição, enquanto conversava com os vizinhos do lado e observava
os
órgãos
internos
do
corpo
a
serem
retirados
e
expostos,
“parcialmente obscurecidos pelo fumo do incenso queimado para
mascarar o cheiro desagradável do corpo” 874. O público já estava à
espera de «diversão » naquela pequena arena, não se chocaria com uma
mão amputada. Rembrandt opta por retirar de cena tudo isto. Seria
870
W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 .
Seb ald - O s An éi s d e S at ur no , p . 1 9 .
872
T al fa cto , tão i n só li to , é r e fer id o e m G ar y S c h wa r t z - Re mb r a nd t ´s U n iv er se, p .
166.
873
W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 .
874
Si mo n S c ha ma - Au to p s y, p . 3 1 3 .
871
246
porque assim lhe foi pedido, dado que o quadro iria ocupar um lugar no
próprio anfiteatro que representava, sítio de decoro e de sapiência, ou
porque a própria composição formal o levou para os caminhos
escolhidos? Nunca o saberemos.
Neste quadro de Rembrandt vemos uma tentativa de dar uma
«ordem » à desordem, de forma a que a morte não contamine tanto a
vida (ou que a morte consiga, ao menos, ser «útil » e servir os vivos).
Sobre a temática da morte, Rembrandt, como o ladrão Aris
Kindt, conseguiu ter mão firme.
*
Porquê esta introdução, ou antes, a «intrusão» deste quadro em
particular? Que elo de ligação poderá existir entre ele e a obra de
Louise Bourgeois e de Hans Bellmer 875?
Mais do que à partida poderíamos supor.
Não será abusivo dizer que estes dois artistas serão os «filhos
pródigos » do velho mestre, no sentido em que encontramos neles um
interesse (doentio) por um corpo que é, sistematicamente, mutilado,
aberto e exposto aos olhares dos outros. Há um claro desejo de ver
além da superfície das coisas, revelando o que estava escondido
debaixo da pele (o que neste caso significará empreender uma
«escavação » ao passado). Há também, em Louise Bourgeois e em Hans
Bellmer, se assim o podemos dizer, uma quase «violação» do corpo – e
aqui
os
discípulos
emocional”
876
superam
em
grande
medida
a
“intensidade
do professor. Temos a violência do gesto com que abrem
o dito corpo, mas também uma violência extrema no gesto com que o
fecham (os pontos de sutura de Bourgeois) ou que o unem, tentando
reagrupar as suas diversas partes soltas — os seus pedaços, as suas
875
Há u m mar a v il ho so c atá lo go q ue j u n ta a o b r a d est e s d o is ar ti st a s, e q u e
vi v a me n te aco n se l ha mo s, so b r et ud o d e u m p o nto d e vi s ta vi s ua l, gr áf ico . E l e
in ti t ul a - se Ha n s B e ll me r /Lo u is e Bo u rg eo i s, e es t á ed i tad o p ela D is ta n z V er la g.
876
Th e Rea l R e mb r a n d t: Th e S ea rch fo r a Gen i u s, fi l me r ea liz ad o p o r Kee s va n
La nd er a ad ; o a uto r fa la r á me s mo d e ma g n í fi ca s p i nt ur a s q ue e xp r es s a m e mo çõ e s
q ue “não p o d e m ser p i nt ad as ” ( co mo o med o d a mo r te e m O S a c ri fíc io d e I sa a c ) .
247
peças — num objecto compósito (Bellmer). As obras destes dois
artistas mostram-nos um corpo que não está em paz consigo próprio,
que vive conflitos internos que poderão levar à sua auto-destruição.
Fazem do corpo um “campo de batalha” 877 que vive assombrado por
pesadelos, fantasmas e memórias passadas, felizes ou dolorosas; nas
suas obras, o espelho assume talvez uma das suas funções primeiras:
questionar, apontar, ampliar (um defeito, uma fraqueza, um erro, um
medo) de forma despudorada. Até que ponto não será ele também um
inoportuno mensageiro de morte?
O teatro anatómico onde se situa a acção da corporação dos
médicos cirurgiões de Rembrandt, formado por um espaço central a
partir do qual se elevam, progressivamente, bancadas cada vez mais
altas (efectuando uma hierarquia de «importância » no público que
assistia ao espectáculo — os mais importantes no círculo mais
pequeno, os menos notáveis no círculo maior) também é um desenho
arquitectónico que nos interessa, e que pode ser relacionado sobretudo
com a obra da artista francesa, naturalizada americana. Mas já lá
iremos.
A questão do par será crucial aos três: são as duas peculiares
mãos de Rembrandt; são as mãos de mármore feitas por Louise
pertencentes a duas pessoas diferentes, onde uma parece oferecer
algum conforto à outra (ou estará a exercer alguma espécie de
pressão?); é o par de mãos de Bellmer que «brinca» com as posições
possíveis de adoptar (fazendo-se passar por uma simples imagem e o
seu reflexo?), e gerando alguma confusão, ou mesmo uma espécie de
agnosia em relação a uma parte do seu próprio ser (ver Fig. 54-57,
onde
também
introduzimos
uma
gravura
de
um
antigo
teatro
anatómico). E claro, o par ou oposição passado/presente: os vivos/o
morto; a pulsão de vida e a pulsão de morte nos outros dois artistas.
A questão da punição também nos acompanhará. Citamos Louise
Bourgeois (numa afirmação tão brutal que não admite quaisquer
877
C ar lo s Vid a l - Lo ui se B o ur geo i s. Co r p o , Mi to e Reco n h ec i me n to . Ar t e I b ér ica .
Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) p . 9 .
248
equívocos que possam surgir), e depois a historiadora de arte Sue
Taylor, referindo-se às criaturas híbridas e anagramáticas realizadas
por Bellmer:
I n my a r t, I a m th e mu rd ere r. 878
Há ó d io n e sta s fo to g ra f ia s d a b o n e ca p u n id a a té a o p o n to d a d e st ru iç ã o ,
p ro vo ca d a ta lve z p elo s p en sa me n to s rea i s e p o ten c ia i s d e Be ll me r em
re la çã o a u m a b a n d o n o emo c io n a l, ma s é u m ó d i o ero ti za d o . 879
Segundo uma outra historiadora, Hans Bellmer estilhaça também
as representações de pureza moral nazi, com as suas bonecas com
corpos “mortíferos e em ruínas” 880: “Congeladas e imobilizadas, como
se apanhadas num súbito desastre, as bonecas registam o retorno
traumático do reprimido.” 881
Apenas um exemplo mais: Louise Bourgeois, escrevendo vezes e
vezes sem conta num pedaço de papel a frase Je t´aime, que por ser
repetida até à exaustão se torna tudo menos tranquilizante, fazendo
lembrar um castigo escolar eternamente repetido, ou colocando a
mesma frase, desta vez bordada numa almofada (e bordar não
significará sempre atenção ao pormenor, cuidado, paciência, carinho?),
assente
numa
cama,
num
quarto
aterrorizador,
claustrofóbico,
demasiado arrumado, e com uma presença peculiar da cor vermelha:
Perigo! Esta almofada ocupa um espaço singular em The Red Room –
Parents (1994), tal como a caixa preta de um xilofone ou o troço de
uma linha de comboio em miniatura (que parecem deslocados naquele
ambiente tão austero), mas é o espelho que fixa, novamente, toda a
nossa atenção.
O
espelho
marca
a
sua
presença
neste
espaço
de
forma
ostentadora (é antigo, grande e oval, articulado). Tem uma presença
imponente, e, ao espreitarmos (pois apenas podemos espreitar através
destas instalações e não entrar) vemo-nos envolvidos naquele espaço:
878
879
880
881
Lo u i se B o ur g eo i s c it. p o r Ger ma n o Ce la nt - Lo ui s e B o ur geo is , p . 1 5 .
S ue T a ylo r - T he An ato m y o f An x iet y, p . 8 4 .
T her e se L ic h e n ste i n - B eh i nd Clo se d Do o r s, p . 1 5 9 .
L ic h e ns te i n - B e h i nd Cl o sed Do o r s, p . 1 6 0 .
249
também nós somos reflectidos. Terá porventura o espelho presenciado
dramas que não nos contará? (Seguimos aqui a «lição» racional de
Umberto Eco: se o espelho “nomeia” ele nomeia apenas um objecto
concreto, nomeia um de cada vez, e nomeia sempre e só o objecto que
tem à frente 882); seja como for, a sua presença torna o quarto ainda
mais sinistro, como se fosse mais um olho a vigiar a intimidade de uma
família. Esta obra apela, pelo seu simples título, às nossas memórias
pessoais: como é que era o nosso quarto, o dos nossos pais, o dos
nossos irmãos? Quais as relações que estabelecíamos entre nós, e cuja
disposição/aspecto dos quartos é um bom ponto de partida para dar azo
a essa mera especulação, porventura infrutífera?
O quarto de criança de Louise Bourgeois (Red Room – Child,
1994) contrasta vivamente com o dos pais: é um lugar mágico, cheio de
novelos de linhas vermelhas, algumas azuis, de fios soltos, de mãos
que se juntam (em harmonia ou em competição?), e onde sentimos uma
agradável desordem — aqui não há espelhos. Este quarto não tem
espelhos por não precisar deles, ou porque partilha dos medos de
Borges?
E u te mia , em c ria n ça , q u e o e sp e lh o
Me mo st ra ss e o u t ra fa ce o u u ma c eg a
Má sca ra i mp e s so a l q u e o cu lta r ia
A lg u ma co i sa a tro z. 883
Não
sabemos
explicar
bem
porquê,
mas
sempre
que
nos
confrontamos com estas duas obras (que já funcionam entre si em
espelho), surge-nos um terceiro elemento destabilizador, o desenho
Untitled, de 1950, que pode ser descrito como o ponto de vista de uma
882
883
U mb er to E co - So b r e o s E sp el ho s, p . 2 4 .
J o r ge L ui s B o r g es - O E sp e l ho , p . 1 9 7 .
250
criança que espreita por uma pequena abertura nas cortinas, curiosa e
amedrontada: que verão os seus olhos expressivos? 884
Bellmer também rodeia os seus cenários de objectos que supõem
paisagens de crueldade e repreensão (portas entreabertas, intimidantes
batedores de carpetes, homens ameaçadores dos quais só vimos uma
gabardine escura, um arco de brincar, etc.). E espelhos, que também
incluímos à lista anterior, já que presenciam factos que não deveriam
ver a luz do dia.
A
temática
psicanálise
885
da
abjecção/histeria/perversão,
ou
mesmo
da
, já foram propostas pelos mais variados críticos de arte
para a análise das duas obras (e não as contestamos de forma alguma),
mas propomos uma faceta um pouco diferente, a da teatralidade.
Tanto a obra de Bourgeois como a de Bellmer mostram-nos
rituais de sacrifício, não com o fito primeiro de ser uma “teatralização
da culpa cujo carácter ritual estava destinado a exorcizar o mal do
público” 886, como afirma Mieke Bal sobre o fito da aula do Doutor Tulp
de Rembrandt, mas com a intenção de ser uma culpa pessoal, uma
assombração de carácter íntimo — mais inconsciente do que consciente
— que se poderá (ou não) estender ao público. São obras que nos
provocam um intenso desconforto (o inconsciente, o nosso e o dos
outros, é sempre embaraçoso). Há por aqui histórias sombrias de
imprisionamento, espaços de vulnerabilidade, questões por resolver:
To d o
o
meu
tra b a lh o
n o s ú lti mo s cin q u en t a
a n o s en co n t ro u
a
su a
in sp i ra çã o n a m in h a in f â n cia . A m in h a in fâ n cia n u n ca p e rd eu a su a ma g ia ,
n u n ca p e rd eu o seu m is t ér io , e n u n ca p e rd eu o s eu d ra ma . 887
884
O te ma d o o l ho ta mb é m co n vi v e, e m mu i t as d as s u as o b r a s, co m o d o esp el ho ;
se g u nd o An n Co x, o o l h o p o d er á ser e n te nd id o c o mo u m q ue st io nar d e a uto r id ad e e
d e ver d ad e d o p r ó p r io o l har . V er Fr a nc es Mo r r is - L o ui se B o ur g eo i s, p . 7 6 .
885
Hal Fo s ter r ep e n so u o su r r ea li s mo a p ar tir d o p o nto d e vi s ta d a p s i ca nál i se,
o nd e t a mb é m f o co u o co n cei to d e u n ca n n y, e a na li so u a o b r a d e B ell me r e m
Co mp u l si ve B ea u ty ; so b r e a q ue s tão d a p s ic a ná li se n a o b r a d e Lo u is e B o ur geo i s ,
ver o s d o i s vo l u me s i n ti tu lad o s Th e R etu rn o f th e R ep re s sed .
886
Mie k e B a l - Dead F le s h , o r T he S me ll o f P ai n ti n g, p . 3 7 9 .
887
Lo u is e B o ur g eo i s - D es tr uct io n o f t he Fa t he r , Re co ns tr uc tio n o f t h e Fa t her ,
s/p á gi na .
251
O próprio artista alemão também descreveu a sua primeira
boneca como um “talismã” 888 com o qual poderia recuperar o jardim
encantado da infância. Diz-nos ele, de forma comovente, como quem
acaba de se aperceber nesse preciso momento que a infância não podia
ser recapturada, em Memories of the Doll Theme (1934):
P o d em a c red i ta r q u a n d o d ig o q u e a sa rj eta d e b a ixo d a m in h a ja n ela n ã o
ma i s se rá o M i ss i ss íp i, q u e o l ixo n a m in h a v el h a g a veta e a s ma n ch a s n a
p a red e sã o a p en a s me m ó ria s i ró n ica s d e u m ex ces so d e en e rg ia s p a s sa d a s.
Co m a m in h a in a ct iv id a d e in sta lo u - se o va g o m ed o q u e e s ta reg iã o co r - d ero sa (d a s m emó ria s in fa n ti s ) e s ta va , p a ra se mp r e, p a ra a lé m d e m im. 889
Não
tiraremos
conclusões
sobre
o
facto
desta
primeira
experiência de feitura de uma boneca ter sido construída no ano da
ascensão de Hitler ao poder (1933), mas há algo de fortemente antiariano nela (um “ataque à armadura fascista” 890, chamou-lhe Hal
Foster). Este «corpo» que ele nos apresenta está longe de ser um corpo
idealista e unitário, pelo contrário, é grotesco, decadente, fragmentado
e altamente sexualizado.
Há uma fotografia de Bellmer, muito marcante (pertencente à
maquete intitulada Le Jeux de la Poupée), onde vemos um dos seus
estranhos corpos desmembrados, pendurados numa árvore, à mercê dos
elementos da natureza e de quem por ali passe — lembra a brutalidade
do Boi Esfolado (1655) pendurado numa trave de madeira, do pintor
holandês. Neste último exibe-se a massa gigante de um corpo
sadicamente aberto, no primeiro a pequena área que constitui um
(precioso) ser, frágil, com a carne pateticamente exposta. Isto é o que
acontece a quem se porta mal… Há um outro elo que terão em comum:
888
Fa cto r e fer id o p o r Hal Fo s ter - A Li tt le An ato m y, p . 2 3 0 .
Ha n s B e ll me r - B e h i nd Clo s ed Do o r s, p . 1 4 4 . ( O te x to d e B el l mer é ap r es e ntad o
na í nt e gr a no ep í lo go d o li vr o ) .
890
Hal Fo s ter - F at al At tr ac tio n, p . 1 2 0 ; T her e se L ic he n st ei n - B e h i n d Clo sed
Do o r s t a mb é m i n ter p r e t a a s ua o b r a co mo u m p r o te sto ao p o d er na zi ( e se g u nd o
ela, u m p r o te s to co n tr a o p r ó p r io p ai, q u e er a f r io , r ep r es s i vo , e u m si mp a ti za n te
na zi) . Ha l Fo ster d i - lo d e fo r ma s i mp l es : há u ma “p èr e - ver si o n”. C f. Hal Fo st er P r o st he ti c Go d s, p . 2 3 6 .
889
252
o torturador, se está próximo, não se encontra no nosso campo de
visão. Mas há uma grande diferença para o acima citado quadro do
pintor dos Países Baixos: não há qualquer tentativa de denunciar uma
carne «visceral » (não há entranhas impuras ou sujas à mostra) — o que
é um passo em frente em termos da perversidade do olhar.
A simetria dos seus lados – parece que podemos fechar aquele
corpo mecânico em dois, como se dobrássemos uma folha de papel ao
meio (e fazemo-lo com horror e com atracção ao mesmo tempo) — é
exibida com extrema satisfação. Podemos dobrá-lo a partir de um eixo
vertical, e podemos dobrá-lo num eixo horizontal: é um estranho e
fascinante corpo para uma poupée. E se chamar-lhe poupée já foi um
acto cruel, esta poupée ter o tamanho de uma criança e sugerir uma
narrativa psicológica complexa, o que será? Nós sabemos: é um corpo
atroz que a “máscara impessoal” revela, como o poema de Borges; é
um corpo animado e inanimado, que posteriormente Bellmer pintou de
forma delicada e atenta a anilina de uma cor suave, em tons rosa e cor
de pele. É uma obra muito poderosa, e o corpo suspenso no ar lembra
um martírio, uma resignada crucifixação (com o pormenor de ter dois
pares de sapatos de verniz, com a meia de um branco sujo). Todo este
jogo de duplicações condensa ainda mais o mistério desta fotografia.
Há fotografias onde Bellmer recorreu a um ou dois espelhos para
sugerir um espaço que vertiginosamente duplica o que já é em si
mesmo duplicado (a bizarra boneca), mas, julgamos nós, nenhuma é tão
eficaz quanto esta fotografia. Terão os espelhos de Louise esta
«mortalidade» tão imediata? 891
Defenderemos aqui que o dispositivo do espelho na obra destes
artistas (que se articula também a um dispositivo de corte 892 e de
891
Cr e mo s q ue é na s s ua s úl ti ma s o b r a s, b u s to s fe ito s e m p a no q u e d a ta m d e 2 0 0 0
( q ue não p o s s ue m e sp e l ho s) o nd e ma is co n se g ui mo s p r es e nci ar e ss a mo r ta lid ad e
ater r ad o r a. Ver , a tí t ulo d e e xe mp lo , R ej ect io n ( 2 0 0 1 ) .
892
Han s B el l me r te m u m a uto - r et r ato o nd e s ur ge n o me io d e d o is a g uç ad o s p ed aço s
d e v id r o p ar tid o d e u ma j ane la, co mo s e t i ve s se sid o ( o u v ie s se a s er ) g u il ho t i nad o
p o r u ma l a sca. B o ur geo i s, na s u a Ce ll: Ch o i sy ( 1 9 9 0 -3 ) , o p ta p o r fa zer u m mo d elo
d a s u a ca sa d e i n fâ nc ia o nd e co lo ca u ma e no r me g ui l ho t i na a p air ar so b r e a s ua
ar q u it ec t ur a. Se g u nd o e la, é p ar a mo s tr ar q u e há p e sso as q ue se g u il ho t i na m n o
p r ó p r io s eio d e u ma f a míl ia, e q ue “o p a ss a d o é g u il ho ti n ad o p e l o p r es e nte ”
( cit ação o r i u nd a d o fi l m e d e Ca mi l le G ui c har d – Lo u i se B o ur g eo i s) .
253
memória), existe para reforçar e ampliar toda a teatralidade que as suas
obras já contém. São espelhos controladores: manipulam, distorcem,
contorcem-se como as bonecas (des)articuladas de Bellmer ou como os
reflexos múltiplos e distorcidos nos espelhos de Bourgeois, para
favorecer um determinado aspecto ou perspectiva. Na presença deles,
sentimos que estamos a ser não só observados, mas moralmente
julgados. São perigosos, pois brincam com a nossa mente. Que melhor
medium existirá, para além do espelho, para expressar intensos
conflitos psíquicos, ou um assumir de uma imagem fragmentada do
mundo?
Duas palavras importantes a reter no vocabulário de Louise
Bourgeois e de Hans Bellmer: desintegração e controlo. Elas serão a
chave para aceder às suas mentes e à sua obra.
Estes serão, porventura, os espelhos a serem velados.
Tapem-nos, por favor!
*
A obra destes dois artistas é uma complexa apropriação do
campo do uncanny.
Mecanismos psíquicos orientam o seu trabalho, pois ambos
regressam a uma ideia de trauma e a uma forma de a enfrentar: a arte.
Talvez haja um lado mais catártico na obra da artista, mas há, nos dois,
um interesse por temáticas «irrepresentáveis », como a memória ou a
dor, ou, fazendo nossas as palavras de Germano Celant, uma “imersão
na escuridão das obsessões” 893 (que certamente inspiram o “horror
tranquilo e silencioso” 894, que é como o poeta Jorge Luis Borges define
o uncanny; o estranho, o sinistro, o lúgubre, o inquietante, o horrível).
O bisturi do cirurgião é substituído na obra de Bourgeois por
vários instrumentos de corte que se lhe podem comparar: tesouras,
guilhotinas, serrotes, “lâminas que fazem parte de uma linguagem de
893
894
Ger ma n o Cel a nt - Lo ui s e B o u r geo i s, p . 1 6 .
J o r ge L ui s B o r g es – O No b r e c a ste lo d o c a nto I V, p . 3 6 4 .
254
perdas e de rupturas” 895, segundo o curador Paulo Herkenhoff. Mas não
são só cortes, também há um interesse em juntar, coser e reparar (e o
que é interessante notar é que a artista remenda o corpo — ideia
aparentemente tão inofensiva — como quem o mutila; ver a sua
possível mesa de operações de nome Three Horizontals, de 1998, tão
limpa de sangue e onde os pontos feitos sobre o tecido, contudo, nos
lembram uma carnificina, um ataque cruel a um corpo). Porque é que
Louise
Bourgeois
recorre
sistematicamente
ao
espelho,
o
que
significará para ela, qual o código simbólico que este encerra? Mais:
como é que se poderão ligar nela as palavras corte e espelho?
Para Louise, os espelhos representam uma confrontação com o
eu: “os espelhos podem ser vistos como uma vaidade, mas não é de
todo o seu significado. O acto de olhar para um espelho é realmente
sobre
ter
a
coragem
de
olharmos
para
nós
próprios
e
nos
encararmos.” 896 Numa pequena folha solta, uma entre várias que foi
acumulando ao longo dos anos, apontou o seguinte pensamento, tão
sincero (e destruidor):
I ca n n o t b ea r lo o k in g a t my se lf . 897
Não suporta olhar para si mesma, ou de se encarar ao espelho,
como ela própria diz (e viveu muito tempo numa casa sem espelhos),
mas
rodeia
muitas
das
suas
instalações
com
a
presença
desse
inquietante objecto (e de muitas formas esféricas semelhantes a olhos),
tornando o espaço da obra um lugar de confronto entre forças
obscuras… O espelho torna-se, com ela, um “símbolo de aceitação” 898,
que talvez a force a pôr os pés na terra, a ver-se e aceitar-se tal como é
(e não como gostaria de ser…)
895
P au lo H er ke n ho f f - Lo u is e B o ur geo is . Ob r as R e ce nte s, p . 9 0 .
Lo u i se B o ur geo is , e m en tr e v is ta co m T er r ie S ul ta n - Lo u i se B o ur ge o is : T h e
Lo c us o f M e mo r y, p . 1 9 4 .
897
Lo u is e B o ur g eo i s c it. e m P hi lip La r r at - S mi t h - Lo u i se B o ur geo i s : T he Re t ur n o f
th e Rep r es s ed , p . 7 . Vo l . I , No ta d e cer ca d e 1 9 6 5 , LB -0 0 0 8 .
898
Lo u is e B o ur geo is - D es tr uct io n o f t he Fa t her , p . 2 6 0 .
896
255
A ambiciosa obra que colocou no enorme átrio da Tate Modern,
intitulada I Do. I Undo. I Redo (1999-2000) será aqui um exemplo
paradigmático a estudarmos. Esta obra vivia desse confronto com o eu,
mas de uma maneira que já anunciava algo diferente. O espectador
tinha de subir umas enormes escadas espiraladas (e sabemos que ela
tinha um medo anormal de cair 899, o que aparentemente, em linguagem
médica, se chama de «basofobia» — cá está novamente: enfrentar o
medo: ai de nós se também formos um Scottie 900...); chegados ao topo,
éramos convidados a sentarmo-nos numa pequena cadeira de madeira;
ao nosso redor, e a toda a nossa volta, enormes espelhos côncavos,
giratórios, ofereciam-nos múltiplos pontos de vista de nós mesmos e do
que nos rodeava: “os espelhos côncavos permitem-nos brincar e aceitar
as deformações” 901, explica a artista algures. Sigamos a sequência
proposta pela artista: fazer, desfazer, refazer (por esta ordem), e
oiçamos o que ela afirmou sobre esta obra em particular:
O “E u fa ço ” é u m e s t a d o a ctivo . É u ma a fi rma çã o p o s iti va . E sto u em
co n t ro le , a va n ço e m d i r ecçã o a u m o b jec ti vo , a u m d es ejo . Nã o h á m ed o .
E m te r mo s d e re la çõ e s, a s co i sa s vã o b em e t ra n q u ila s. S o u a b o a mã e. S o u
g en ero sa e te rn u ren ta – a q u e d á , a q u e su st en ta . É o “A mo - t e” n ã o
in te re s sa o q u ê. O “ De s fa z er ” é o d e se ma ra n h a r. O to r men to q u e a s co isa s
n ã o es tã o b e m e a a n s i ed a d e d e n ã o sa b er o q u e fa ze r. Po d e rá h a ve r u ma
d es tru içã o to ta l n a ten t a tiva d e en co n t ra r u ma re sp o sta , e p o d e h a v er u ma
vio l ên cia te r rí fi ca q u e d esc e a t é à d ep re s sã o . Est a mo s i mó ve i s n o a co rd a r
d o med o . É a vi sta d o fu n d o d o p o ço . E m r ela çã o à s r ela çõ es co m o s
o u tro s, é a r eje içã o to t a l e a d est ru içã o . É o re to rn o d o r ep ri mid o . L evo
co i sa s co m ig o . P a r to co isa s, a s re la çõ es sã o p a rt id a s. S o u a mã e má . É o
d esa p a re ci men to d o o b jec to a ma d o . A cu lp a leva a o d e se sp e ro e à
p a s siv id a d e. R efu g ia mo - n o s n a n o s sa to ca p a ra p en sa r , re cu p e ra r e
rea g ru p a r. O “R e fa ze r” sig n if ica a so lu çã o en c o n tra d a p a ra u m p ro b le ma .
Po s so n ã o sa b e r a re sp o sta f in a l , ma s h á u ma te n ta ti va d e i r p a ra a f re n te.
O n o sso p en sa m en to to rn a - se cla ro . E s ta mo s n o va men te a ct ivo s. E s t a mo s
899
N u ma s ua o b r a i n ti t ul a d a I A m A f ra id ( 2 0 0 9 ) , b o r d a: “I a m a f r aid o f si le nc e/I
a m a fr a id o f t h e d ar k/ I a m a fr a id to f al l d o wn / I a m a fr a id o f i n so mn i a/ I a m a fr a id
o f e mp t i ne s s”.
900
P er so na g e m d o V e rt ig o d e Al fr ed H itc h co c k, q u e t i n ha u m e no r me p avo r d e
alt ur as , e q u e é fo r çad o a lid ar co m e le d a p io r d as fo r ma s.
901
Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is . Ob r as R e ce nte s, p . 3 8 .
256
co fia n te s o u t ra ve z. E m ter mo s d e re la çõ e s co m o s o u t ro s, a rep a ra ç ã o e
reco n ci lia çã o fo ra m c o n seg u id a s . A s co i sa s vo l ta ra m a o n o rma l. Há
esp e ra n ça e a mo r n o va men t e. 902
Dividida na sua relação com os outros e consigo própria
(expressa pela ambivalência de sentimentos: é uma boa mãe ou uma má
mãe? Dá ou tira?), não deixamos de partilhar a opinião de Frances
Morris, que, baseando-se nas palavras da artista, vê esta obra como
uma forma de negociação e renegociação das nossas relações ao longo
de uma vida 903. Neste seu pequeno esclarecimento desta obra tripartida,
a artista fica dividida entre o acto de construir e de destruir, de amar
sem restrições ou de exigir contrapartidas, enquanto luta com o seu
extenso (e bastante conhecido) catálogo de emoções “negativas” 904.
Mas levaremos a sério o seu conselho expresso noutro lugar — que as
palavras dos artistas são para ser lidas de forma “cautelosa” 905: o que
interessa é a obra em si, que ou resulta ou não resulta. E esta obra,
podemos dizê-lo, é uma “equação infalível” 906, testada pelos próprios
espectadores. Nela poderemos sentir-nos os reis do mundo: do cimo da
escultura de quase 14 metros de altura, tudo vemos mas ninguém nos
consegue ver. Temos a visão perfeita (ou pensamos que temos).
Se o seu trabalho conhecido como Cells se confrontava com a
dor, nas suas diversas manifestações (física, emocional, mental), e
também com o prazer e a emoção de ver e de ser visto 907 (palavras da
própria artista), esta obra em particular — intimidante em termos de
escala, estruturalmente rígida, toda ela feita em aço — pode ser
902
Lo u is e B o ur g eo i s, 2 8 d e Fe ve r eir o d e 2 0 0 2 , cit. p o r Mar i e - La u r e B er n ad ac Lo u i se B o ur geo i s, p . 1 6 0 e 1 6 1 .
903
Fr a n ce s Mo r r i s - Lo u i s e B o u r geo i s, p . 1 1 .
904
Le mb r a mo s q ue Lo u i s e fo i p ac ie n te d o p sic a na li s ta H e nr y Lo we n f e l d d ur a n te
cer ca d e tr i n ta a no s ( co m h ia to s) a té à mo r te d e st e úl ti mo , e q ue es ta va hab it u ad a a
r ef le ct ir so b r e o s se u s co n fl ito s i n ter io r e s at r av é s d a escr it a. Ver o p o ss í vel
ap azi g u a me n to q u e e st a l he tr o u xe , no e n sa i o d e Do n ald K u sp it n o catá lo go
ed it ad o p o r Fr a nc e s Mo r r is - W r i ti n g W o r d s a s T r an s it io nal Ob j ec t s, p . 2 9 5 - 3 0 2 .
905
Lo u i se B o ur g eo i s - De s tr uct io n o f t he Fa t her , p . 6 6 .
906
B o ur g eo i s v ia a s s u as esc u lt ur a s co mo eq ua çõ es i n fa lí v ei s, q u e t i n ha m d e t er
u ma d et er mi n ad a e st r at ég ia d e fo r ma a at i n gir u m d e ter mi n ad o o b j ec t ivo ( a d o r
d esap ar ec er , a te n são s ub i r , etc .) ; C f. “S ta te m en t s”, e m Mar ie - L a ur e B er n ad ac Lo u i se B o ur geo i s, p . 1 7 8 .
907
Lo u i se B o ur g eo i s - T h e Se cr et o f t h e Ce ll s, p . 8 1 .
257
encarada quase como uma torre de vigia, um dispositivo prisional de
controle, nos quais nós… estamos no centro da circunferência.
Aparentemente, tudo vemos mas não somos vistos. Poderá esta obra ser
associada ao panóptico de Michel Foucault/ Jerem y Bentham?
Só há um pequeno pormenor que não se enquadra no que
pretendemos, e que de certa forma nos «desfaz » a teoria: os espelhos.
Porque eles estão na periferia (seriam portanto os menos importantes
— como as bancadas mais afastadas do anfiteatro anatómico, ou os
reclusos no perímetro exterior das plantas idealizadas por Bentham —,
mas no entanto têm uma presença avassaladora, que não podemos
ignorar). Eles viram os seus gigantes «olhos » para o centro, para nós,
medem-nos de alto a baixo, escrutinam-nos, e reforçam a ideia que são
eles é que nos controlam.
Desfazemos e voltamos a refazer a nossa tese: os espelhos são,
nesta obra, os responsáveis por uma espécie de inversão da ideia do
panóptico: afinal a periferia da circunferência também pode controlar o
seu ponto mais importante, sem a qual ela própria não existiria: o
centro!
Neste
espaço,
os
nossos
«eus »
fecham-nos
num
labirinto
kertersziano, deformador, de onde não há fuga possível. Esta obra,
autêntica
cela
de
uma
prisão,
faz
disciplinador: sairá a nossa moral
dos
espelhos
“reformada” 908?
o
elemento
Evocamos
as
palavras escritas 1787 sobre esse modelo arquitectural circular, simples
e revolucionário, proposto por Bentham, e o seu grande objectivo de
«inspecção » às mais variadas pessoas: “(…) punirão os incorrigíveis,
guardarão os loucos, reformarão os viciosos, restringirão os suspeitos,
empregarão os ociosos, manterão os indefesos, curarão os doentes
(…)” 909
Com os espelhos não suspeitamos apenas que estamos a ser
vigiados — temos a certeza absoluta que o estamos a ser, o que apenas
reforça o seu poder. São eles os inspectores que exercem a “correcção”
e a “punição” (sejamos nós sãos ou doentes): eles, instantaneamente
908
909
J er e m y B e n t ha m - P a no p tico n, p r e fá cio . ( B ib lio gr a f ia cap ít u lo I , L u í s X I V) .
B en t ha m - P a no p ti co n, p . 1 .
258
(como a guilhotina de Choisy), agem de forma a se auto-imporem como
um “instrumento persuasivo” 910, que não admite desculpas.
Protegem-nos
do
exterior?
Sim.
Formam
uma
muralha
protectora? Sim. São os nossos guardas? Teremos de responder que
sim, que são. Mas, e quando a ameaça e o perigo vêm do interior?
Ficamos, saltamos, chamamos a Maman 911?
Mudemos de escala sem, contudo, diminuir o dramatismo: Cell
XXI (2003) e Cell: Twelve Oval Mirrors (1998), perseguem a mesma
ideia de forma muito diferente. Ambas são também espaços circulares,
mas possuem já um carácter intimista. Ao ponto central é novamente
dada toda a atenção, mas agora vemos uma figura espiralada castanha
presa por um fio, que oscila em frente a um grande espelho (gostamos
bastante de ver esta obra ao lado da figura suspensa, “contaminada”,
apodrecida, de Bellmer; ver Fig. 61 e 62).
Há
um
confronto
de
materiais
interessante:
a
macieza
e
maleabilidade do tecido/ a dureza das grades de ferro que circundam a
obra; na segunda «C ela», os veios dos pequenos bancos de madeira/ o
espelho sem veios, límpido. As duas obras afastam-se do ambiente
cavernoso das Passage Dangeroux (1997) – de túnel e ninho (também
ele repleto de pequenos espelhos circulares) —, mas cremos que as
duas continuam a ter qualquer coisa de casulo que incita à meditação.
A segunda obra, Cell: Twelve Oval Mirrors (que curiosamente é
muito pouco referida por entre os críticos, e é uma das nossas
preferidas), é quase um espaço monástico, um esconderijo espelhado,
voraz, onde Louise conseguiu ultrapassar o impasse dos “nós” difíceis
de desatar 912, e, mais leve, pondera sobre as múltiplas realidades/visões
que podem existir, questionando o nosso olhar. Os espelhos, ora
côncavos, ora convexos, parecem grandes jóias cintilantes, e poderão
também ser vistos como um símbolo de dúvida, de metamorfose, que
presencia a fragilidade do ser humano (Fig. 63).
910
Lo u i se B o ur g eo i s c ar ac ter i za nd o a g ui l ho t i na, n o f il me d e C a mi ll e G u ic har d .
Ma ma n ( 1 9 9 9 ) é u ma e sc u lt ur a d e B o ur g eo i s b as ta nt e co n h ecid a: é u m a e no r me
ar a n ha fe it a d e aço e d e már mo r e. A mã e, p ar a ela, r ep r e se nt a va a i n te l ig ê nc ia, a
p aciê n ci a, e a p er f ei ção fo r ma l.
912
Os nó s , p ar a Lo ui se B o ur geo i s , si mb o li za va m u m p r o b le ma p o r r eso l ver .
911
259
Citamos o sempre sedutor W. G. Sebald, e logo depois a artista:
No p r im ei ro d ia d e t ra b a lh o a la g a r ta tec e u ma tra ma so l ta , d e so rd en a d a ,
se m fo r ma , q u e é a es t r u tu ra d o ca su lo . A seg u i r, me xen d o co n t in u a men te a
ca b eça d e u m la d o p a r a o o u tro , t ira d e si u m só fio co m mi l ja rd a s d e
co mp ri men to p a ra co n s tru i r o ca su lo e m fo r m a d e o vo o n d e se en c e r ra .
Ne s ta h a b ita çã o q u e n ã o d eixa p a ssa r o a r n em a h u mid a d e, a la g a rta
tra n s fo r ma - se e m n in fa med ia n te u ma ú lti ma mu d a . 913
A n o s sa v id a d o n a sc im e n to a té à mo r te é só u m fio :
fio d e vid a
fio d a á g u a
fio d o p en sa men to 914
Germano Celant caracterizará a sua obra como uma “anatomia
existencial” 915, perturbadora, que contém “teatros de uma desintegração
física e mental” 916, onde as formas são criadas como um acto a escapar
ao medo, à depressão e à ansiedade.
Será errado ver os espelhos nestas suas duas últimas obras como
uma espécie de confessores mecânicos, que, sem a interromper, ouvem
a sua longa ladainha?
Nã o ten h o n a d a
n a d a a d i ze r
n a d a q u e p a ra m im se ja exci ta n t e
n a d a a exp l ica r
n a d a a p ro va r
n a d a a p ed i r
n a d a a co n ta r
n a d a a mo st ra r
n a d a a es co n d e r
n a d a a p la n ea r
913
W . G. Se b ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 6 9 .
Lo u i se B o ur g eo i s, n u m a e ntr e vi st a d ad a a P a u l o Her ke n ho f f , e m 1 9 9 6 - L o ui se
B o ur geo i s, Ob r a s Rec e n te s, p . 8 9 .
915
Ger ma n o Cel a nt - Lo ui s e B o u r geo i s, p . 1 9
916
Ce la n t - Lo u i se B o ur ge o is p . 1 7 .
914
260
n a d a a co n s e rva r
n a d a a a n te cip a r
n a d a a p erd e r
n a d a a cr it ica r
n a d a a co b ra r
n a d a a le mb ra r
n a d a a d e s eja r
n a d a a p er ceb e r
n a d a a esp e ra r
p o r i s so
n a d a a te me r (.. . ) 917
Serão eles os ouvintes atentos das suas histórias de tecedeira,
“perseguida até em sonhos pelo temor de ter puxado o fio errado” 918?
(Fig. 64)
*
Transcrevemos
um
breve
trecho
do
ensaio
que
Marie
Darrieussecq escreveu sobre a artista, e que nos continua sempre a
surpreender de cada vez que o relemos:
E sp re ito . A a ra n h a va i reg re s sa r . A p o rta va i a b ri r - se, e u ma so mb ra co m
o ito p a ta s va i co b ri r- m e. Ma s eu n ã o te ria m ed o . Ob s er va r ia o q u e ela
fi ze s se. Ela e xt ra i r ia o fio , mo lh á - lo - ia co m a su a b o ca g ig a n t es ca , en fiá lo - ia n u m en o rme fu n d o d e a g u lh a , e co meça r i a a co se r, p a ra m im e p a ra
se mp r e, u ma i men sa t eia q u e me en vo lv er i a . Ela fech a ria to d a s a s
a b er tu ra s, en c e rra r ia t o d a s a s p o r ta s, re men d a ria o s tec id o s ra sg a d o s,
a mo r tec e ria co m r ed e s f o fa s a s p o ss ív ei s q u e d a s p e la s e s ca d a s , co lma t a ria
o s va z io s d o s ca n to s, e a in d a tece ria p a ra mi m co lch õ es , p a n o s, ro u p a s ,
u ma n o va p el e. (… ) Ten h o , d ia n te d a a ra n h a , a sen sa çã o d e u m re fl exo , a
917
P ala vr a s d e Lo ui s e B o ur geo i s e m 1 9 9 7 - Lo u i se B o ur g eo i s. Ob r a s Re ce nte s, p .
7 9 ( exc er to tr ad uzid o p o r Hele n a Ca r d o so ) . Est e p eq ue no ap o nt a me nto ter mi n a
as si m: “p o r i s so / n ad a a la me n tar ”.
918
W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 7 8 .
261
cer te za d e ve r o m eu ro sto mu i to ma i s c la ra me n te q u e d ia n te d o s esp e lh o s
d o s q u a rto s. 919
De facto, é quase impossível não olhar para as aranhas de Louise
— que sabemos, pela própria, serem um “retrato” e uma homenagem à
sua própria mãe — e ignorarmos que também são um duplo de si
mesma:
paciente,
trabalhadora,
protectora,
intensa,
dominando
completamente o espaço em seu redor. Prendendo quem lhe caia,
inadvertidamente, na teia…
E temos a aranha, esse símbolo antigo que remete para a figura
da tecedeira: para a tecedeira reconstrutora de tapeçarias sua mãe, que
tanto admira, mas também para si mesma. Será a sua própria teia
parecida com a teia industriosa de Penélope, ou com a teia exímia de
Aracne?
Na obra de Bellmer não há nenhuma porta a ser aberta, ninguém
que nos vai confortar (nem mesmo um ser monstruoso cheio de patas
peludas). As portas estão quase sempre fechadas. Há um ensaio sobre a
sua obra que captou muito bem todo o ambiente desta no seu título:
Behind Closed Doors: The Art of Hans Bellmer. Nele, a autora, Therese
Lichenstein, defende que a boneca é, de facto, o duplo de Bellmer, e
que a sua obra oferece uma “projecção de repressões e ansiedades que
muitos serão relutantes em explorar”. 920 E vemo-la a ela, à boneca —
ou a ele, Bellmer — a ser encurralado num canto de um quarto,
rodeado pelas duas paredes que contém espelhos rectangulares, que
enfatizam ainda mais essa ideia de encarceramento; alguma vez a (o)
conseguiremos ver como uma simples vítima? Conseguiremos olhar
para esta fotografia e fugirmos à nossa própria vulnerabilidade e
fragmentação?
Aceitamos a sugestão de ambas as críticas e historiadoras de
arte, e ficamos a pensar em que medida as aranhas são o duplo de
919
920
Mar ie Dar r ie u ss ecq - L o ui s e B o ur geo is . Ob r as Re ce nt es , s/ i nd i caç ão d e p á gi n a .
T her e se L ic h e n ste i n - B eh i nd Clo se d Do o r s, p . 1 0 3 .
262
Bourgeois e as bonecas o de Bellmer. Diante deles, veremos realmente
as suas imagens reflectidas mais nitidamente do que num espelho?
Regressemos agora ao nosso ponto sensível, à nossa ferida ainda
aberta: os “palácios da memória” 921.
Ponto 1: Iremos aceitar que a memória é “obstinadamente
subjectiva, falível e selectiva, que as experiências mais intensas são
quase sempre mitificadas e repetidas em convincentes capítulos da
história de uma vida – ou seja, que a memória pode, tanto como o
romance moderno, reivindicar o direito a ser uma obra de ficção” 922; e a
vasta e inquietante obra de Bourgeois pode então ser vista como “a
memória activa de uma vida notável imaginada, vivida e transformada
em forte declaração estética” 923, como afirma Louise Neri. Estendemos
este pensamento ao artista alemão: memória e ficção andam (bem) de
mãos dadas.
Ponto 2: Carlos Vidal expressará o mesmo pensamento duma
outra maneira: “O interior da memória é um espaço só habitável no seu
sem-sentido, porquanto toda a temporalidade é de irrepetível e de
impossível
restauração.” 924
Para
ele,
as
Cells
simbolizam
a
“impossibilidade de reconfigurar a memória como um lugar com
sentido”. Nunca um isto foi pode ser traduzível num objecto específico,
diz-nos
ainda
(a
memória e
a sua
representação
tangível
num
determinado objecto são duas coisas distintas). Hal Foster dirá de
Bellmer: “Não deveremos ser muito rápidos a patologizar Bellmer” 925:
os ambientes por ele criados são representações e não realidades.
Ponto 3: Poderá Louise Bourgeois realmente “reexperenciar o
passado, vê-lo na sua proporção realista e objectiva” 926, “controlálo” 927? Não será essa sua pretensão absolutamente impossível?
921
Sa n to Ago s ti n ho - Co n f is sõ e s, p . 2 4 7 .
Lo u i se Ner i - Lo u i se B o ur geo i s. Ob r a s Rec e nt e s, p . 7 3 .
923
Ner i - Lo u i se B o ur geo i s. Ob r a s Re ce nt es , p . 7 3 .
924
Car lo s Vid a l - Lo ui se B o ur geo i s: Co r p o , M ito e Reco n h eci me nto Ar t e I b ér ica .
Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) 1 1 .
925
Ha l Fo s ter - A L it tl e Ana to m y, p . 2 3 2 .
926
Lo u i se B o ur g eo i s - De s tr uct io n o f T he Fa t her , p . 3 5 7 .
927
Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is : T h e Ret u r n o f T he R ep r e ss ed , p . 1 1 4 .
922
263
Em 1960, Louise Bourgeois dizia:
(.. . ) p ro cu ra r , p ro cu ra r , p ro cu ra r p a ra en co n t ra r o p a s sa d o n o va men te. 928
Quatro anos mais tarde disse:
(.. . ) q u a n d o e s to u b e m c o m o p re sen te, q u ero s il en cia r e d e st ru i r o
p a s sa d o . 929
Trinta anos mais tarde dirá:
My me mo r y i s mo th - ea t e n
F u ll o f h o le s 930
Esta última frase já contém uma coisa que, dizem, apenas advém
com a idade: sabedoria. Afirmar que possui uma memória cheia de
buracos, como se tivesse sido roída pelas traças — uma memória
incompleta, «rota», permeável — revela um imenso conhecimento.
Segundo Donald Kuspit 931, é através da arte que ela repara esses
buracos,
mas
perguntamos:
não
será
apenas
uma
reparação
momentânea, que conserta num sítio mas vê imediatamente outro que já
está a precisar de ser restaurado?
Não envelhecerá também a própria memória?
Georges Poulet, num ensaio dedicado ao tempo em Marcel
Proust, num livro intitulado Studies in Human Time (1956), defende a
tese
de
toda
ressonância”
932
a
obra
do
escritor
ser
uma
imensa
“caixa
de
, onde o ser é, continuamente, sempre recriado, sempre
reencontrado e sempre perdido — frisando que nada é mais alheio à sua
obra do que uma ideia fixa de permanência, seja das coisas ou dos
928
Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is : T h e Ret u r n o f T he R ep r e ss ed , p . 1 0 .
Lo u i se B o ur g eo i s - T h e Re t ur n o f t he R ep r e s se d , p . 7 8 .
930
Lo ui se B o ur geo is c it. p o r Do na ld K u sp i t - T he Re t ur n o f t h e R ep r e s sed , p . 1 3 1 .
Est a s ua a fir ma ção d at a d e 1 9 9 4 .
931
Lo ui se B o ur geo is c it. p o r Do na ld K u sp i t - T he Re t ur n o f t h e R ep r e s sed , p . 1 3 1 .
Vo l. I .
932
Geo r ge s P o u let - P r o us t , p . 3 2 1 .
929
264
seres. O mundo proustiano é “anacronista” 933 em si mesmo, afirma, e é
um
“mundo
intermitente” 934.
Deixa-nos
com
uma
imagem
absolutamente inesquecível: segundo ele, o escritor francês aprendeu a
representar a existência como o jogo trémulo, vacilante e momentâneo,
da luz de uma lanterna mágica. “Um mundo onde as coisas se
projectam ante os nossos olhos em imagens instantâneas que de seguida
são substituídas por outras imagens pertencentes a outros momentos e
outros lugares.” 935 E afirma já no final do seu texto: “Deste modo o
tempo aparece aos olhos de Proust como uma coisa de exclusões e
ressurreições, de fragmentos e espaços entre fragmentos, de eclipses e
anacronismos; um tempo fundamentalmente anárquico e, já que ganhálo num ponto não é recuperá-lo noutro, um tempo irrecuperável,
porventura permanentemente perdido para a mente” 936.
Esta
breve
citação
origina
novos
problemas
quando
a
relacionamos com a obra dos artistas por nós abordados. Como lidam
as suas reconstruções em “tamanho real” 937 de sentimentos oriundos da
infância, com a superfície anárquica e evanescente da memória? Ou
com a “natureza fugitiva” 938 da infância em si mesma? Julgarão eles
que o armazenamento das imagens retidas na nossa memória serão
indeléveis, prontas a ser encontradas de novo, recapturadas, se tal o
desejarmos?
Até que ponto Bourgeois e Bellmer confiam nas suas memórias, e
não são devorados pelo passado? Até que ponto serão também as suas
obras caixas de ressonância, que reforçam os sons, cheiros e imagens
de tempos distantes, vezes e vezes sem conta, quando estes já
deixaram, há muito, de «ressoar »?
A memória falha, inventa, preenche lacunas.
Com ela não há factos, mas invenção e nebulosidade. A memória,
se considerada sob este prisma, pode ser ameaçadora (porque é falível,
933
934
935
936
937
938
Geo r ge s P o u let - P r o us t , p . 2 9 3 .
P o ul et - P r o u s t, p . 2 9 3 .
P o ul et - P r o u s t, p . 2 9 3 .
P o ul et – P r o u s t, p . 3 1 8 .
Mar ie - La u r e B er n ad ac - Lo u i se B o ur g eo i s, p . 1 3 3 .
Fr a n ce s Mo r r i s - Lo u i s e B o u r geo i s, p . 1 5 .
265
“ex cêntrica” 939), mas também é um lugar que nos pode trazer alguma
paz e tranquilidade: com ela, temos algumas pistas sobre quem fomos
um dia, sobre quem somos agora, e, para citar Santo Agostinho na sua
belíssima formulação: É lá que me encontro a mim mesmo. 940 O que é
que de facto somos sem a memória? (Pensamos nesta questão enquanto
tragamos a madalena com o nosso chá, num domingo de manhã, e
sentimo-nos um pouco mais reconfortados). Tudo ganha solidez
novamente, alguma luz surge em toda esta escuridão.
Bellmer e Louise andam para trás com o relógio do tempo.
Ressuscitam fantasmas passados, fazem deles o seu refúgio — a
memória torna-se a semente provocatória, mas também sedativa, para
as suas obras. Querendo escapar à tirania do tempo, serão ambos os
seus prisioneiros predilectos, filhos desafortunados de Saturno?
Acabamos com um dos mais belos apontamentos de Louise
Bourgeois, uma bandeira branca da paz, uma luz ao fundo do túnel (que
sabemos, no entanto, que não durará muito):
A vio lên c ia , so f r im en to e o ó d io a ca l ma ra m
To m ei n o s meu s b ra ço s a s min h a s m emó r ia s (b o a s/ e má s ), tra n q u il i zei - a s e
emb a l ei- a s. 941
939
Do n ald K u sp i t - T h e Re tu r n o f t he Rep r es s ed , p . 1 3 5 . Vo l. I .
Sa n to Ago s ti n ho - Co n f is sõ e s, p . 2 4 9 .
941
Lo ui se B o ur geo is - T h e Ret u r n o f t he Rep r e s s ed , p . 9 5 . P e n sa me n to d e 1 9 7 2 ,
n u me r ad o 0 0 1 2 , Vo l . I I .
940
266
EPÍLOGO: UM MUNDO DE REFLEXOS
Reflexo Nº 1:
O espelho de A-Z
Ten d o - lh e
sid o
p ed i d o
que
exp l ica ss e u m seu “ es tu d o ” ma i s
d ifí ci l,
S ch u ma n n
s en to u - s e
e
to co u - o p e la seg u n d a ve z.
Geo r ge S tei n er 942
«Vestir» uma palavra pode ser uma tarefa muito difícil.
O poeta Helder Moura Pereira deu-se conta do embaraço que é
definir uma palavra, ao dizer com bastante humor: “os dicionários
nunca souberam ex plicar bem por que é que os elefantes têm uma
tromba tão grande e tão comprida.” 943 George Steiner também o intuiu,
defendendo que é preciso tomarmos consciência “de que as palavras se
referem a outras palavras, de que qualquer referência de um acto de
discurso à experiência é sempre um «por outras palavras» (...)” 944.
Apenas mais um exemplo: o conselheiro de estado, Polónio, pergunta
ao seu senhor, príncipe da Dinamarca, o que anda a ler. Este respondelhe, pronta e secamente: — Palavras, palavras, palavras. 945
Tendo estes argumentos em conta, confrontemo-nos com a
definição de «espelho » num dicionário vulgar. Pegamos no que temos
mais à mão (um dicionário já muito velhinho – ou não velho o
suficiente: mudarão as palavras assim tanto?) e lemos:
942
943
944
945
Geo r ge S te i ner - P r es e n ças Rea is , p . 2 9 .
He ld er Mo ur a P er eir a - A P e ns ar Mo r r e u u m B u r r o , p . 1 7 .
Geo r ge S te i ner - P r es e n ças Rea is , p . 2 9 .
W il lia m S h a ke sp e ar e - Ha ml et, p . 8 5 .
267
E sp el ho , [ Do la t. S p ecu lu m.] 1 . s. m. S up e r fíc i e p o l id a, q ue r e fle ct e a l uz
o u r ep r e se n ta o s o b j ec to s q ue e stão o u s e l h e p õ e m e m d ia n te . 946
Nada aqui nos fala do lugar enevoado, traiçoeiro, que cria, onde
realidade e ficção se confundem. Do seu rasto de gelo...
Nada nos fala dessa outra reflexão ao qual apela, interior,
identitária, atordoante, que temos de levar a cabo.
Nada nos fala do objecto raro que em tempos foi, acessível
apenas aos muito poderosos. Objecto que chegou a ser sagrado,
enterrado com os mortos, assegurando vida eterna e luz na escuridão
dos túmulos aos seus habitantes (Egipto); que foi visto como um
símbolo de sabedoria cósmica (China), como um símbolo de sabedoria
divina (espelho sem nódoa de Deus), como símbolo da pureza perfeita
da alma (Japão), e como um objecto oracular e ritual (Grécia e Incas).
Consoante a crença, o espelho adquire poderes ora protectores, ora
maléficos. Reza a lenda que foram vários espelhos, actuando de forma
colectiva, a arma conceptualizada por Arquimedes para incendiar e
manter as frotas inimigas romanas ao largo de Siracusa, verdadeiros
espelhos feitos de fogo. E que foi condenado e perseguido pela
inquisição quem ousasse conduzir experiências com espelhos (e unhas,
e espadas, e...)! Numa bula de 1326, com a assinatura do Papa João
XXII, a prática ilícita da magia e a condenação do espelho mantém-se
na ordem do dia. Le miroir est le vrai cul du Diable 947, velho provérbio
lembrado por Baltrusaitis, que sintetiza esse lado mais «negro » que
sempre possuiu. Tantos espelhos, tantos sentidos!
Ninguém nos alerta para a ambiguidade do seu lugar (de limbo).
Segundo Foucault, o espelho situa-se entre um espaço utópico (já que é
“um lugar sem lugar” 948, que nos permite ver-nos onde estamos
ausentes) e um espaço que ele chama de “heterotopia” (algo que é
absolutamente «real », que existe de facto). E toda a estranheza que daí
946
Gr a nd e D ic io nár io d a L ín g u a P o r t u g u es a, Câ n d i d o d e F i g ue ir ed o , 1 9 9 6 , p . 1 0 4 9 .
Vo l. I I .
947
J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 1 9 3 .
948
C f. Mi c he l Fo u ca u lt - O f O t her Sp a ce s, p . 2 6 2 -2 6 6 . T e xto d e 1 9 8 6 .
268
decorre. O espelho separa, para citar Richard Gregory e o seu curioso
trocadilho, “eye-deas” (imagens oriundas da percepção, rapidamente
captadas) das “I-deas” 949 (concepção das imagens retínicas, que se faz
de forma muito lenta e que se ligam a um «eu »). E isto provoca
confusão em nós.
Estaremos preparados para enfrentar as ideias de magia, de
infinito, de labirinto, de fantasmagoria, de ilusão, de vertigem, de
delírio, de abismo, de confusão, de imersão, de “servente” (muito...
ambivalente) que o espelho despoleta em nós? Poder-se-ão traduzir
todas numa só: morte? Será ele um outro relógio que mede a nossa
“turva eternidade” 950?
É um espaço que habitamos de forma impermanente, e que, no
entanto, continua a causar fascínio. E por mais próximos que estejamos
dele — já nos habituámos a viver num mundo de reflexos, onde o nosso
corpo e o espelho se tornam seres (quase) simbióticos — nunca será a
nossa casa.
Jean Cocteau fez a sua travessia ao interior do espelho em
silêncio, discretamente, em Le Sang d´un Poéte (1930) (apesar do
grande splash! imersivo). Mas as centenas de pássaros que chocam e
embatem violentamente na sua superfície camaleónica contam-nos uma
outra história. Eles saberão que ainda há uma diferença entre estar
dentro ou fora. Nós apenas vemos o perigo da eliminação de fronteira.
Deixámos de saber onde pôr o pé.
Eis o “nosso” espelho (feito de falácias, erros e lacunas), de AZ:
A
alice/ artifício/adivinha
Abocanho tudo o que passa à minha frente: sou um espelho 951.
949
Ric h ar d Gr e go r y - Mir r o r s i n Mi nd , p . 2 1 2 . T amb é m ne s te a sp ec to d a “v i são ” o s
gr e go s d er a m c ar t as : B r u no S ne ll a ler ta - no s p a r a u m f ac to si n g u lar : o s i n ú mer o s
ver b o s e x i ste n te s r e la ti v o s à vi são e m Ho me r o . Ver er a d ete r mi n ad o p el o o b j ecto e
p elo sen ti men to q ue o a co mp a n ha va ( ver a Gó r g o na er a d i fe r e nt e d e v er u m j a v al i,
p o r exe mp lo !) H a via vá r ia s fo r ma s d e “v er ”, o q ue é e x tr ao r d i nár io . C f . Sn el l - A
De sco b er ta d o E sp ír ito , p . 1 9 -4 6 .
950
Her b e r to He ld er - Ser v i d õ es, p . 7 3 .
951
Es ta id ei a fo i s u g er id a p ela le it ur a d e A To ca d e Ka f k a , p . 1 4 .
269
Tenho todo o tempo do mundo: sou um espelho.
Replico, desdobro, acrescento: sou um espelho.
B
barroco/ borges
A turbulência febril do barroco encadeia-se bem com a depuração
contemporânea. Quanto a Borges, é simples: é o mestre dos espelhos.
C
cegueira
Demócrito de Abdera arrancou os olhos para pensar;
o tempo foi o meu Demócrito. 952
D
duplo
“Sábio — Eu sei tudo, e sei que és a Morte.” 953
E
o enigma do entre
F
frieza polar
Um vento polar percorre Moby Dick, admitiu o seu criador, Herman
Melville 954. Este mesmo vento insistirá em varrer a nossa tese, com a
sua rajada de ar frio. O que fica? Uma paisagem inóspita, uma terra de
neve (Kawabata) onde ninguém parece querer viver.
G
gatuno
Rouba descaradamente imagens que não lhe pertencem.
H
humor
Consegue desconjuntar o tempo: não é isto o que se chama ter humor?
I
intervalo
In me she has drowned a young girl, and in me an old woman
952
953
954
J o r ge L ui s B o r g es - E lo gio d a So mb r a , p . 3 9 7 .
Ma n ue l An tó nio P i na - Hi stó r ia d o S áb io Fe c ha d o n a S u a B ib lio tec a, p . 1 3 .
Har o ld B lo o m – I ntr o d u ctio n, p . 1 4 .
270
Rises toward her day after day, like a terrible fish. 955
J
já!
É uma criança birrenta, este defensor acérrimo da instantaneidade.
Com ele (ao invés da fotografia) não há transferência de lugar: é o aqui
e o agora.
K
kafkiano
L
labirinto (límpido)
M
medusa/ montagem
N
não
(aqui não mora Narciso)
O
olho
O tema do olho/olhar é muito importante, e é transversal a toda a tese.
Como se olha será um aspecto fulcral a ter em conta: seja com o olhar
ininterrupto das geias; o olhar escudado, indirecto, de Perseu; o olhar
artificioso de Ulisses (e o querer ir além da prova dos olhos, da sua
ainda mais artificiosa mulher, Penélope); o olhar ditatorial de Luís
XIV,
que
se
poderá
estender
ao
olhar
controlador
de
Bentham/Foucault/ Losey (um olhar digno de Argos); o olhar de Hostius
Quadra e o do Padre António Vieira, que se situam em lados opostos: o
primeiro apegado ao que vê, olhar terreno, o segundo a pedir-nos que
os olhos fiquem “mais cegos”: um olhar merecedor de Deus; sem
esquecermos o olhar moralizante de Platão, hiper-regulamentado,
recomendando-nos para onde devemos dirigir o nosso olhar. Por fim, o
olhar do personagem de Thomas Bernhard (o texto que se seguirá):
olhar que tem consciência que tem quebras, que não é completo, total
955
S yl v ia P la t h - T he Mir r o r , p . 3 4 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u)
271
ou perfeito: é um duvidoso olhar fragmentado , que sabe que vê aos
soluços, de forma retalhada.
Este ênfase na visão anda estreitamente ligado com o arrepio da
falta da visão, seja ele idealizado (Diderot), poético (Borges, Homero),
profético
(Tirésias),
castrador
(o
Coppelius
de
Freud)
ou
simplesmente... assustador.
Citamos João Barrento: “Nesta era da imagem que, no entanto,
não é um tempo do olhar, o mundo está aí, ainda e sempre, à espera de
ser... não interpretado (o seu sentido escapar-nos-á sempre), não
transformado ou revolucionado, mas simplesmente olhado com olhos de
o ver, e ao que nele ainda brilha” 956. E, felizmente, ainda parece brilhar
muita coisa.
P
perseu/ penélope/ panóptico/ poder
No início de tudo, as águas estagnadas, a pedra vulcânica. Depois a
prata (Ag). Juntar-se-ão a ela o mercúrio (Hg), o estanho (Sn), o índio
(In), o fósforo (P). Para quem gosta de fórmulas químicas, ei-la, a
responsável pelo que chamamos de “reflexo”. Miraculum!
Q
queda com fim
Espelho = questionador do espaço entre real/ irreal = máquina que
governa.
R
rio/ ruína
“Usais os nomes das coisas como se tivessem uma duração fixa; mas
até o próprio rio, no qual entrais pela segunda vez, já não é o mesmo
que era da primeira vez” 957. Pergunta da esfinge: poderemos banhar-nos
duas vezes nas águas de um espelho?
S
sombra
T
tempo
956
957
J o ão B ar r e n to - O M u n d o es tá c heio d e De u se s, p . 9 8 .
Fr i ed r i c h N ie tz sc he - A Fi lo so fi a na I d ad e T r á g ica d o s Gr e go s, p . 3 8 .
272
Ama, serei eu bela?
Um astro, na verdade: mas esta trança cai... 958
U
urdir/ ulisses/ uso
V
vassalagem
Sujeição, submissão, obediência.
W
wonder
«Maravilhamento » é a palavra apropriada no que diz respeito aos
caminhos que o espelho abre na ciência. Veja-se, a título de exemplo, o
James Webb Space Telescope (JWST), um espelho ultra leve feito com
berílio (Be), programado para ser lançado em 2018. Tem 6.5 metros de
diâmetro, e apenas se abrirá... no espaço! Também ele irá espreitar
mundos distantes 959.
X
xis = ?
Nome da letra que geralmente, numa equação, representa uma coisa
desconhecida.
Y
yô-yô
Passado - presente - futuro.
Z
zeloso
Dedicado, diligente — às vezes. Quando lhe convém ganha vida
própria.
958
959
Stép h a ne Mal lar mé - He r o d íad e, p . 7 7 .
Ver o si te d a N as a: www.j ws t. na s a.o r g
273
Reflexo Nº 2:
Para Acabar de Vez com a Visão
É fe ito d e c in za s
O e sp e lh o q u e o b se rvo 960
J . L. B o r ge s
Em Antigos Mestres — uma amarga «comédia » — Thomas
Bernhard conta a história de um personagem singular, que, dia sim, dia
não, visita uma sala do Museu de Arte Antiga de Viena, onde faz
questão de se sentar no mesmo banco, contemplando a mesma tela,
durante trinta anos.
Esta sua devoção extrema por olhar para quadros antigos
contrasta vivamente com os pensamentos que tem sobre a arte em
geral:
a
maior
parte
dos
quadros
é-lhe,
de
facto,
detestável,
insuportável mesmo, e para os poder tolerar entretém-se com um
exercício que leva muito a sério: procurar, em cada obra-prima, um
erro grave, um defeito por demais evidente. Quando o detecta,
tranquiliza-se: a “perfeição” e a “totalidade” 961, mesmo nos grandes
mestres, não existem.
Para ele, portanto, todas as obras-primas trazem em si a marca de
um “fracasso do seu criador” 962 (de Velázquez, por exemplo, dirá:
“nada mais que arte estatal”, “pintura do poder” que só fica bem ao pé
de outros “monstros empolados” 963 como ele). A pintura é quase toda
feita de obras impressionantes que, num instante, estoiram e se
desfazem em nada – que não resistem ao seu sentido crítico, à sua
decomposição, à sua (in)sensibilidade — e ao tempo.
Vence a ideia que arruinamos as obras que contemplamos.
960
961
962
963
J o r ge L ui s B o r g es - O c ego , p . 4 7 9 .
T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 6 1
B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 6 0 .
B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 7 4 , 7 5 e 8 1 , r e sp ect i va me n te.
274
Em primeiro lugar, porque não sabemos ver (queremos ver tudo
— enchemo-nos de arte, como afirma, amargamente, o personagem 964);
em segundo lugar, porque achamos que só através do discurso falado
descortinamos a obra, mas, ao invés, apenas a atrofiamos. Sobre a arte
contemporânea não será mais generoso de opinião, afirmando com um
humor corrosivo: não vale um caracol, como se costuma dizer. 965 A
grande questão que se coloca é: «lobotomizaremos » nós as obras de
arte que observamos/comentamos?
Nelson Goodman decerto corroboraria a afirmação que não
estamos, de todo, equipados para ver: “a nossa capacidade para não ver
é virtualmente ilimitada” 966, afirma. Porque apenas encontramos aquilo
que estamos preparados para encontrar. Estudos científicos demonstram
que assim é, de facto: não só apenas vemos uma pequena área no centro
do nosso campo visual, como o olho conduz uma espécie de “caça
desenfreada” 967 ao seu objecto de interesse (movimentos constantes e
imperceptíveis de exploração visual que implicam redobrada atenção
em certos pontos mais chamativos — chamados de “atractores de
atenção”, que variam de pessoa para pessoa — ignorando outros). Tal
significa, simplesmente, que seleccionamos. Assimilemos o mais
importante a reter: ver é um acto de conhecimento, como defende Vítor
dos Reis 968.
Nós concordamos com o personagem de Bernhard: decifrar
minuciosamente pode por vezes ser decepcionante. As obras, muitas
vezes, desmoronam-se perante nós (que é o mesmo que dizer que
perdem um pouco da sua magia). E quem nunca sentiu, calcorreando os
museus, que «enche» desagradavelmente a barriga de arte? Vemos
demais/ não sabemos ver/ destruímos o que vemos... ao pensar demais.
964
T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 1 7 4 .
B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 1 8 5 .
966
Nel so n Go o d ma n - Mo d o s d e Fa zer M u nd o s, p . 5 9 ( no s so i tá lico ) . Es t e teó r i co
p ar ti l har á a vi são d o p er so n a ge m cr i ad o p o r B er n h ar d , so b r et ud o q ua nd o f al a d e
“d es e mb ar açar a ar t e d o s ma ta g ai s a s fi x ia nt e s d a i nte r p r et ação e d o co me nt ár io ”
(p. 105).
967
W il li a m Ho gar t h ( 1 6 9 7 -1 7 6 4 ) ci t. p o r Ví to r d o s Re i s - A C aça D es e n f r ead a, p .
2 8 . U m e xce le nt e e s t ud o d ed ic ad o ao acto d e ve r .
968
Ví to r d o s Re is – A C aç a De se n f r ead a, p . 4 .
965
275
O “desassossego óptico” 969 do personagem de Bernhard, Reger (que
imita
a
nossa
própria
forma
de
ver
o
que
nos
rodeia)
tem
consequências. Lembramos um grande poeta que exprimiu este pesar de
forma absolutamente magistral:
P u d es se eu p o d e r co m er ch o co la te s co m a me sm a ve rd a d e co m q u e co m e s!
Ma s eu p en so e, a o a ti r a r o p a p e l d e p ra ta , q u e é d e fo lh a d e e sta n h o ,
Dei to tu d o p a ra o ch ã o ( ...) 970
(No fundo, não gostaríamos todos de ser um “Esteves sem
metafísica” 971, que consegue saborear um chocolate com alegria e
verdade?)
Voltemos ao nosso livro para esclarecer uma última questão. Em
relação aos erros dos artistas, estamos em total desacordo com Reger.
O erro também nos atrai, e muito, mas consideramo-lo como uma marca
distintiva, autoral: El Greco poderá não conseguir de maneira nenhuma
pintar mãos (“parecem sempre luvas molhadas e sujas” 972), mas não
será essa grave «imperfeição» a sua marca expressiva, e o que torna as
suas obras memoráveis? Não nascerá a criação também do erro?
Mas haja esperança (e salvação): há uma obra que aguenta o
escrutínio infame e cruel do peculiar personagem criado por Thomas
Bernhard. Não diremos é qual.
*
V i o p o p u lo so ma r, vi o a ma n h ec e r e a ta rd e , v i a s mu lt id õ e s d a Am ér i ca ,
vi u ma p ra tea d a te ia d e a ra n h a n o cen tro d e u ma n eg ra p i râ mid e, v i u m
la b i rin to d es fe ito (.. . ), vi ra íz e s, n eve , ta b a co , b ico s d e m eta l, va p o r d e
á g u a , vi co n ve xo s d e se r to s eq u a to ria i s e ca d a u m d o s s eu s g rã o s d e a re ia ,
vi em I n ve rn e s s u ma mu lh e r q u e n ã o esq u ece re i , vi a vio len t a ca b ele i ra , o
969
Mi c hae l B a x a nd al l c it . p o r V íto r d o s Rei s - A Caç a D e se n fr e ad a , p . 1 9 ; e s te
au to r a f ir ma v a q ue , d e i n st a nte p ar a i n st a nte , n u nc a ve mo s a me s ma i ma ge m.
970
Fer n a nd o P e sso a - T ab a car i a, p . 3 9 . ( B ib lio gr a f i a 4 .2 )
971
Fer na nd o P e s so a - T ab a car i a, p . 4 2 .
972
T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 2 4 6 .
276
a lti vo co rp o , v i u m ca n cro n o p e ito , v i u m c ír cu lo d e te rra se ca n u ma
ver ed a , v i u m exe mp la r d a p ri me ira ed i çã o in g le sa d e P lín io (... ) vi a s
so mb ra s o b l íq u a s d e u n s f eto s n o ch ã o d e u ma es tu fa , vi t ig r es , ê mb o lo s,
b iso n te s, ma re ja d a s e ex érc ito s, v i to d a s a s fo r m ig a s q u e h á n a te r ra , vi u m
a st ro lá b io p e rsa , vi u m g a vetã o d a esc ri va n in h a (e a let ra fe z - me t re me r )
ca r ta s o b sc en a s , p re ci s a s, q u e B ea t ri z en d er eç a ra a Ca r lo s A rg en t in o , (... )
vi a r el íq u ia a tro z d o q u e d el icio sa men t e t in h a sid o B ea t ri z V it erb o , v i a
ci rcu la çã o
do
meu
es cu ro
mo d i fica çã o d a mo r te ( .. .)
sa n g u e,
vi
a
e n g ren a g e m
do
a mo r
e
a
973
Não é, mas poderia de facto ser o «discurso» de um espelho (e
vindo de Jorge Luis Borges, é muito provável que o caminho lá vá dar
— sabemos que vai 974). Sophia de Mello Breyner abreviará toda a
linguagem onírica de Borges para uma simples fala do seu espelho
animado:
V i, vi, v i. E u so u u m es p elh o ; p a s se i to d a a m i n h a vid a a ve r. As i ma g en s
en t ra ra m to d a s d en t ro d e mi m. V i, v i, v i . E a g o r a esto u n e s ta sa la o n d e n ã o
h á u m lu g a r o n d e o s m e u s o lh o s d e v id ro d e sc a n se m. 975
Tanto
viu
o
espelho
de Sophia
que
ficou
completamente
extenuado, apenas querendo pousar o seu olhar vítreo numa “parede
branca, nua e lisa” 976. Nós propomos outro desfecho: um espelho que
feche os olhos para sempre. Não serão Borges, Homero e Tirésias
figuras que inveje?
E mesmo que possa ser enganado pelo facto de não ver, como o
Gloucester de O Rei Lear (que é levado a crer que caminha num piso
“terrivelmente escarpado” 977 , quando de facto anda sobre um piso
plano), tal situação é preferível à bulimia voraz de imagens que é
obrigado a consumir diariamente.
973
J o r ge L ui s B o r g es - O Alep h , p . 1 6 9 e 1 7 0 .
O a u to r d á - n o s u ma d e f i niç ão d o q u e é o “Al e p h” : o l u gar o nd e e s tão to d o s o s
lu g ar e s d o g lo b o , vi s to s d e to d o s o s â n g ulo s ( m as se m s e co n f u nd ir e m) . Es te r e i no
d e fa n ta si a, d i ga mo s a s si m, é i n sp ir ad o n u m c o nt o d e H. G . W e ll s “T he Cr ys t al
Eg g ” ( 1 8 9 9 ) .
975
So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - A F ad a Or ia na, p . 2 0 .
976
So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - A F ad a Or ia na, p . 2 1 .
977
W il lia m S h a ke sp e ar e - O Rei Lea r , p . 1 5 7 . Ac t o I V, Ce n a VI , 3 1 6 .
974
277
Vi todos os espelhos do planeta e nenhum me reflectiu 978, diz a
certa altura o personagem de Borges no conto O Aleph, perturbado com
o encontro excessivo de espelhos defeituosos (ou sempre assim o
interpretámos). Mas há uma segunda hipótese: nenhum espelho o
reflectiu porque, simplesmente, o narrador não conseguia ver.
Talvez aí resida uma possível solução para tudo: o espelho
renunciar ao sentido que lhe é mais caro. Ao sentido que, em nós
humanos, perversamente inventa e constrói “um mundo segundo o seu
próprio entendimento” 979. Essa será a sua utopia: anestesiar — iremos
mesmo mais longe: matar — a visão.
Fora, vil gelatina! 980
*
H. G. Wells escreveu um breve conto intitulado The Country of
the Blind (1904), que valerá a pena citar. Uma comunidade constituída
há várias gerações por cegos vivia isolada de tudo num pequeno vale.
Certo dia, um alpinista sofre uma grande queda e depara-se com esta
população, que, virá a saber, desconhece o que é ser-se cego e, por
oposição, o que é «ver». A primeira vez que os encontra fala da sua
cidade (Bogotá), do céu sem fim — e tropeça num balde. Um dos
habitantes partilha o seu pensamento com os outros: “— Os seus
sentidos são ainda imperfeitos (...) Tropeça e profere palavras sem
sentido. Levemo-lo pela mão.” 981
Julgam-no demente e com os olhos “enfermos” 982.
Apelidam-no de Bogotá.
E ele, que se esforçava ao máximo para pôr em prática o velho
provérbio “Em terra de cegos quem tem olho é rei”, começa a desistir
de lhes ensinar as vantagens que a visão proporciona, e a amar o seu
estranho e deturpado mundo. A história não acaba bem: o mundo dos
978
J o r ge L ui s B o r g es - O Alep h , p . 1 7 0 .
Ne lso n Go o d ma n - Mo d o s d e Fa zer M u nd o s, p . 1 2 6 .
980
W ill ia m S ha k e sp ear e - O Rei Lea r , p . 1 3 1 . ( Act o I I I , Ce na VI I , 5 8 6 : Fa l a d o
D uq ue d e Co r n ual h a, q u and o ar r a n ca o se g u nd o o lh o d e Glo u ce ster ) .
981
H. G. W e ll s - E m T er r a d e Ce go s, p . 2 8 .
982
H. G. W e ll s - E m T er r a d e Ce go s, p . 4 7 .
979
278
cegos é exterminado para sempre devido ao derramamento brutal das
terras; ele, que antevê o que irá acontecer, avisa-os, mas ninguém o
leva a sério. Só ele e a sua amada conseguem escapar.
Numa primeira versão da história escrita por Wells, é o
visionário proscrito que morre, e o mundo dos cegos que prossegue,
com a felicidade simples de sempre. Gostamos mais desta versão (que
não sabemos dizer se ficou apenas na mente do escritor ou se chegou a
ser impressa) – vence o mundo das trevas, acaba-se de vez com a visão.
Vi, vi, vi...
O nosso espelho, exausto, será um anti-Bogotá (aceitando de boa
fé que lhe façam uma cirurgia para remover os «olhos »), colocando
sem constrangimento ou cortesia a frase de Valéry e do seu Senhor
Teste na negativa:
Afastai todas as coisas que eu não quero ver 983.
Talvez assim o seu olho deixe de ser capaz “de contar os botões
ao fato do carrasco...” 984. Talvez assim se deixe sufocar, de livre
vontade, na sua pequena, abafada e sufocante campânula de vidro 985.
983
P aul V alér y - O Se n ho r T este, p . 5 2 ( acr e sc e n tá mo s o “n ão ” e m i tál ic o à fr a se
cit ad a) .
984
P au l V alé r y - O S e n ho r T este, p . 1 0 5 .
985
Al u são a u m li vr o d e S yl v ia P lat h i n ti t ulad o A Ca mp â n u la d e Vid ro ( 1 9 6 3 ) .
279
Reflexo Nº 3:
Fala o Espelho
Observo-os, sem pausas ou descanso.
Eles não sabem que os fito, sempre, com as minhas nunca baças
pupilas de gato, de animal programado para caçar à noite. Convém
dizer: sou um animal, mas de sangue-frio. Detesto movimentos
imprevisíveis.
Pouco
me
mexo
nesta
minha
“toca
invulnerável,
prodigiosamente cavada de labirintos, cheia de provisões, de defesas,
de recantos” 986 onde posso esperar, calcular, espiar tudo o que
acontece, ver tudo o que fazem, dizem ou pensam! Eles não fazem ideia
que por detrás da minha superfície algo palpita, pulsa. São minhas
presas,
mas
deixo-os
sempre
fugir.
Melhor
assim:
mundos
incomunicáveis. Superfície que poucos conseguem atravessar. Também
não parecem conceber que a minha pele, parecendo frágil, “é tão dura
como/Ovos de répteis” 987. Pior: acusam-me de soberba, acusam-me de
crueldade, acusam-me de loucura...
Desde que o mundo se tornou espelhado que acham que já não há
mistério. Tantas, tantas, tantas imagens, mas eu agonio na minha
solidão — mentiria se dissesse o contrário. Tenho o isolamento da
dama de Lord Alfred Tenn yson na sua torre espelhada: também eu vejo
um outro mundo a passar lá fora (Camelot), de que me chegam apenas
vestígios que não consigo agarrar 988.
Alice faz-me companhia. Desde que se fundiu com a sua imagem
duplicada, “fechou-se de vez dentro do livro” 989. E de mim. Outros
também aqui estão, sobretudo poetas, artistas. Alguns perguntam-me,
de forma insistente e maçadora:
— E agora, como é que se sai?
986
987
988
989
Ag us ti n a B e s sa - L u í s - Ka f ki a na, p . 7 1 .
J o h n As hb er y - Au to - R etr a to N u m E sp e l ho Co n ve xo , p . 1 7 1 .
Ver Lo r d Al fr ed T e n n y so n - T h e L ad y o f S halo tt.
J o sé J o r ge Le tr i a - O S egr ed o d e Al ic e, p . 1 0 4 .
280
ÍNDICE DE IMAGENS
281
1.
Fel i x Go nza lez -T o r r e s, “Un ti tled ” ( P e rf ect Lo v er s ), 1 9 9 1 .
Do i s r e ló gio s, ti n ta d e p ar ed e. 3 5 .6 x7 1 .2 x7 c m.
Co l ecç ão : M u se u m o f M o d er n Ar t, No va I o r q u e. Nº : 1 7 7 .1 9 9 6 .a -b
© 2 0 1 3 T h e F e l i x G o n z a l e z - T o r r e s F o u n d a t i o n , N e w Y o r k ; c o r t e s i a An d r e a R o s e n Ga l l e r y ,
New York
2.
Mar i n a Ab r a mo vi c, Lo o kin g a t th e Vo l ca n o , 2 0 0 5 .
Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , 1 0 0 X8 0 c m.
© M a r i n a Ab r a m o v i c
3.
Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll: E ye s a n d mi r ro r s, 1 9 8 9 - 9 3 .
I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is ( már mo r e, esp el ho s, a ço )
2 3 6 .2 X 2 1 0 .8 x2 1 8 .4 c m.
Co l ecç ão d a T at e G al ler y, L o nd r e s. Re f .: T 0 6 8 9 9
© the estate of Louise B ourgeois
4.
Au to r De sco n h ecid o , M e d u sa Ro n d a n in i
Már mo r e , 4 0 c m d e a lt ur a. Có p ia r o ma na d o o r i g in al d e Fíd ia s, séc u lo V
Gl yp to t he k, M u n iq ue. N º in v. 2 5 2
© M a t t h i a s Ka b e l
5.
Au to r De sco n h ecid o
T aça co m c ab eç a d e Gó r go na , p er ío d o ar c ai co gr ego
Cer ca d e 6 2 5 -6 1 0 a. C . T aça co m 3 7 c m d e d iâ me tr o e 1 0 c m d e al t ur a.
Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m, Lo nd r e s. Nº I n v. : 1 8 6 1 .4 - 2 5 .4 6
©trustees of the British Museum
6.
Ca no v a, P e r seu s Ho ld in g Med u sa ´ s Hea d , c. 1 8 0 0 .
E st át u a d e má r mo r e , co m 2 4 6 .8 c m d e a lt ur a.
Mu s e u d o V at ica no , s al a Ca no v a. Nº I n v. : 9 6 9 .
© Marie-Lan Ngu yen
7.
B en v e n uto Ce ll i ni , P e r s eu s´ s Wi th th e Hea d o f Med u sa , 1 5 4 5 -5 4 .
E st át u a d e b r o n ze, co m 3 2 0 c m d e al t ur a
Lo g g ia d ei L a nz i, P ia zz a d el la Si g no r a, Flo r e nç a
© almostpanda
8.
An i s h K ap o o r , G rey La n d sca p e M i rro r, 2 0 0 7 .
Fib r a d e v id r o e ti n ta. 3 0 1 X3 0 1 X1 1 5 c m
© C o p yr i g h t An i s h Ka p o o r 2 0 1 3 .
282
9.
Car a va g gio , Med u sa , c . d e 1 5 9 8 -9 9 .
Óleo s /t ela co l ad a n u ma mad ei r a d e c ho up o , 6 0 x 5 5 c m.
Gal er i a d e g li U f fi zi, F lo r en ça.
© I D - AR T - U S
10.
Mar i n a Ab r a mo vi c, Dra g o n Hea d s, 1 9 9 1 .
P er fo r ma n ce E d ge Fe s ti va l 9 0 , Ne wca s tle . D ur a ção : 1 hr .
© Phaidon Press
11.
J o ão T ab ar r a, Tro féu , 2 0 0 7 .
Víd eo , co r , lo o p .
©artecapital.n et 2006
12.
J o ve m r ap ar i ga co m e sp el ho
Est el a d e má r mo r e co m p ed i me n to , p r o v a vel me n te fe ito e m At e na s.
P er ío d o á tico ( c. 3 3 0 a. C - 3 1 7 a. C) . 8 x3 .9 x1 0 c m.
Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m. Nº r e gi s to : 1 9 0 9 , 0 6 1 1 .1
© trustees of the British Museum
13.
Gab r i el Or o z co , I sla en la I sla , 1 9 9 3 .
Fo to gr a fia a co r e s. 4 0 .6 x 5 0 .8 c m.
© c o r t e s i a d o a r t i s t a ; M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y
14.
Lo u i se B o ur geo i s, R ed R o o m (Pa ren t s ), 1 9 9 4 .
I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is . 2 4 7 .7 x4 2 6 .7 x 4 2 4 .2 c m
Co l ecç ão Ur s u la Ha u ser , S ui ça
( p o r me no r )
©the estate of Louise Bou rgeois
15.
Gab r i el Or o z co , E xten s i o n o f R e fl ec tio n , 1 9 9 2 .
Fo to gr a fia a co r e s. 4 0 .6 x 5 0 .8 c m.
© c o r t e s i a d o a r t i s t a ; M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y , N e w Y o r k ; Ga l e r i e C h a n t a l C r o u s e l ,
P a r i s ; a n d Ku r i m a n z u t t o , M e x i c o c i t y
283
16.
Mar k u s Rae tz, Ha g en sp i eg el [ Har e M ir r o r ] , 1 9 8 8 -2 0 0 0 .
Esp e l ho , f io , ma d eir a p i nt ad a
© h t t p : / / p e t e r a n d t h e h a r e . f i l e s . w o r d p r e s s . c o m / 2 0 0 7 / 0 8 / h a r e - m i r r o r . j p g ? w= 5 0 0
17.
H yer o ni mu s B o s h, Ja rd im d a s Del íc ia s, c. 1 4 8 0 -1 5 0 5 .
Óleo s / mad eir a, 2 2 0 x1 9 5 c m. Nº in v .: 2 8 2 3
P o r me no r d o ca n to i n f er io r d o p a i ne l d ir ei to .
Mu s e u d o P r ad o
©prado
18.
Do r mi tó r io d o Rei L ui s XI V
( P r o ve n iê nc ia : E mil io O r o zco Dí as, E l Tea tro y la Tea t ra lid a d d e l Ba r r o co ,
p. 89).
©Arborio Mella
19.
Ca nd id a Ho f fer , T ea t ro Na c io n a l d e S . Ca rlo s , 2 0 0 5 .
Fo to gr a fia a co r e s.
©Candida Hoffer
20.
Gia n Lo r e nzo B er ni n i, F o n te d o s Qu a t ro R io s , 1 6 4 8 -1 6 5 1 .
Már mo r e . P r aç a N a vo na, p o r me no r d o R io N ilo
© wi k i a r q u i t e c t u r a
21.
Gab r i el Or o z co , B u b b le o n sto n e , 2 0 0 8 .
Fo to gr a fia a co r e s, 4 0 .6 x5 0 .8 c m
© M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y
22.
L u k as F ur t e na ge l, De r Ma l er Ha n s Bu rg k ma i r u n d sein e Fra u An n a , g eb .
A ll er la i [ Ha n s B ur g k mai r a nd hi s W i fe] , 1 5 2 9 .
Óleo s / t el a, 6 0 x 5 2 c m. Nr . I n v. : G G_ 9 2 4
Mu s e u d e Ar t e, V ie n a
©kunsthistorischesmuseumviena
23.
Do u gla s Go r d o n, Ta to o ( fo r r ef lec tio n ), 1 9 9 7 .
Fo to gr a fia a co r e s, 6 9 .9 x6 9 .9 c m.
So lo mo n R . G u g g e n hei m M u se u m
©DouglasGordon
284
24.
Ós car M u no z, A l ien to , 1 9 9 6 -2 0 0 2 .
P o r me no r d a i ns ta laç ão , q u e p o s s u i no ve esp el h o s c ir c u lar e s.
© F o t o : T h i e r r y B a l ; c o r t e s i a In i v a
25.
Lo u i se B o ur geo i s, S tu d y ( M ir ro r fo r Red Ro o m ), 1 9 9 4 .
Ag u ar e la s/ p ap e l, 3 0 .5 x 2 2 .9
Co l ecç ão P r i vad a, M u ni q ue
© the estate of Louise Bou rgeois
26.
Co r ne li u s Co r n el is z, Th e Ca ve o f P la to , 1 6 0 4 .
Gr a v ur a d e 3 .3 0 x4 .6 0 c m, i mp r es são d e J a n Sa e nr ed a m.
Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m. Nr . I n v.: 1 8 5 2 ,1 2 1 1 . 1 2 0 .
©trustees of the British Museum
27.
C hr is ti a n B o l ta n s ki, Th é â tr e D´ Omb re s, 1 9 8 4
I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is ( l u z, fi g u r a s v ár ia s) .
© M a r i o n Go o d m a n Ga l l e r y
28.
Gr a nd vi ll e, Th e S h a d o w s ( Th e F r en ch Ca b in et ) fr o m La Ca r ica tu re , 1 8 3 0 .
( P r o ve n iê nc ia : E . H. Go mb r ic h, S h a d o w s: Th e D ep ic tio n o f Ca st S h a d o w s in
We st ern A rt, p . 5 9 .)
29.
D ua ne Mi c hal s, A l ice´ s Mi r ro r, 1 9 7 4 .
Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , s ér i e d e se te ( p o r m eno r d a fo to gr a f ia nº 6 ) .
©duane michals
30.
Mic h ela n g elo P is to l et to , C ro n e o f Mi r ro rs , 1 9 7 3 -1 9 7 6 .
E sp e l ho s e co r d a. 1 2 0 x2 0 0 x2 0 0 c m.
Ga m- Ga ller ia C i vi ca d ´ ar te Mo d er n a e Co n te mp o r an ea, T o r i no
©Cea
31.
Dia n e Ar b u s, I d en t ica l T win s, R o s el le, Ne w Je r sey , 1 9 6 7 .
Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , 3 .7 5 x3 .6 8 c m.
Co l ecç ão T ate Ga ll er y/ Nat io na l G al ler ie s o f Sc o tla nd
Proveniência: www.cavetocanvas.com
285
32.
Mar k u s Rae tz, M e/ We, 2 0 0 7 .
Fo to gr a v ur a e a g uar el a, 1 6 x2 3 .5 c m.
P r o v e n i ê n c i a : h t t p : / / w w w . w e - f i n d - wi l d n e s s . c o m / 2 0 1 2 / 1 0 / m a r k u s - r a e t z /
©markus raetez
33.
5 Fi l m St il l s d o fi l me T h e S e rva n t , d e J o sep h L o se y, 1 9 6 3 .
Fi l me a p r e to e b r a nco , co m d ur aç ão d e 1 h4 0 mi n ut o s.
34.
Proveniência: www.mubi.com
Reb ecc a Ho r n, H ig h Mo o n , 1 9 9 1 .
I n st ala ção co m d ua s esp in g ar d a s, co nte n to r r ect an g u lar , l íq uid o
©celineju lie
35.
Die go Ve lázq u ez, La s M en in a s, 1 6 5 6 .
Óleo so b r e t ela , 3 1 8 x2 7 6 c m. P o r me no r ( e sp e l h o ) .
Mu s e u d o P r ad o . Nº I n v. : P 0 1 1 7 4
©prado
36.
Reb ecc a Ho r n, Th e F ea t h ered P ri so n F a n , 1 9 7 8 .
B ail ar i na , máq u i na co m p lu ma s ( q ue fec h a m e a b r e m)
© h t t p : / / u wf b o d y e c l e c t i c . b l o g s p o t . p t / 2 0 1 1 / 0 5 / b o d y- a s - s c u l p t u r a l - c o m p o n e n t . h t m l
37.
Reb ecc a Ho r n, R o o m s M eet in Mi r ro rs, 1 9 7 4 -7 5 .
Vár io s f r a g me n to s d e es p el ho ve s ti nd o u m co r p o .
© 1974 Rebecca Horn
38.
Reb ecc a Ho r n, Wo o d p ec ker ´ s B a l let , 1 9 8 6 -8 7 .
I n st ala ção co m vár io s e s p el ho s, mar te lo s, mo to r , o vo s.
Co l ecç ão T ate. Re f. : T 0 6 5 5 1
©tate
39.
J ana S ter b a c k, R emo te C o n tro l, 2 0 0 8 .
P es so a, mo to r , es tr ut u r a e m fer r o , co n tr o le r e mo to .
Co l ecç ão : M u sée Dép ar t e me nt al d ´ Ar t Co nte mp o r ai n d e Ro c hec ho u ar t
©co r te sia mu s e u m b o ij ma n s v a n b e u n i n ge n
286
40.
Vel ázq ue z, La s M en in a s , 1 6 5 6 .
Óleo so b r e t ela , 3 1 8 x2 7 6 c m. P o r me no r ( i n f a nta ) .
Mu s e u d o P r ad o . Nº I n v. : P 0 1 1 7 4 .
©prado
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Mic h ela n g elo P is to l et to , Me t ro cu b o d i in fin ito , 1 9 6 6 .
E sp e l ho s e co r d a. 1 2 0 x1 2 0 x1 2 0 c m.
F u nd aç ão P i sto le tto , B ie lla.
©http://www.farticulate.wordpress.com
42.
Ri car d o J a ci n to , P a rq u e ( 2 0 0 1 -2 0 0 5 )
Co nc er to /i n st al ação no T eatr o C ur vo Se med o , 2 0 0 5 .
Co m p ar t ic ip aç ão d e : N u no R ib e ir o , Ma n ue l P i n he ir o , N u no T o r r e s, H u go
B r ito , An d r é S ier , J o ão P in h eir o , Di no Réc io , N u no Mo r ão , Da n ie l Ma l h ão .
©http://www.ricardojacinto.com/main-projects/projects/parque/parque
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Ce cí lia Co s ta, s /t ítu lo , 2 0 1 0 .
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©cortesia da artista
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Mar i n a Ab r a mo vi c + Ul a y, R e la t io n in T im e , 1 9 7 7 .
Fo to gr a fia d a p e r fo r ma n ce ( co m d ur aç ão d e 1 7 h o r as) , 1 1 0 x1 5 0 c m
© V B K, W i e n , 2 0 1 1
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Mar i n a Ab r a mo vi c, Th e A rt i st i s P re sen t, 2 0 1 0 .
D ua s cad eir as , u ma me s a e a p r e se nç a d a ar t is ta .
P er fo r ma n ce no Mo ma , No va I o r q u e
©marco anelli
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Do u gla s Go r d o n, Mi r ro r Blin d (G ra c e ), 2 0 0 2 .
Fo to gr a fia . 3 1 .4 x3 1 .4 c m
© http://www.deadfly.biz/TaintedLove_Artists/Douglas_Gordon.html
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Ce cí lia Co s ta, s /t ítu lo , 2 0 0 9 .
De se n ho ( car vão s / p ap e l) .
2 1 x1 6 c m
©cortesia da artista
287
48.
R ui Cal çad a B as to s, Th e Mi r ro r S u i tca se Ma n , 2 0 0 4 .
S til l r et ir ad o d o v íd eo .
©cortesia do artista
49.
Mic h ael B o r r e ma n s, Th e R ep la cem en t, 2 0 0 3 .
De se n ho a láp i s, ó leo e ver n iz s / p ap e l. 2 6 .5 x1 8 .4 c m.
© Z e n o X Ga l l e r y
50.
Ro b er t S mi t h so n, I n c id e n ts o f Mi r ro r- T ra vel in t h e Yu ca ta n , 1 9 6 9 .
Mir r o r Di sp lac e me n t nº 1 .
( p ar te d e u ma s ér i e d e 9 i mp r e s sõ e s, d e 6 1 x6 1 c m) .
Co l ecç ão So lo mo n R. G u g ge n h ei m M u se u m, No va I o r q ue.
©Estate of Robert Smithson
51.
Cl ar e nc e J o h n La u g h li n , Th e M ir ro r o f No th in g n es s, 1 9 5 7 .
Fo to gr a fia , 3 4 .6 1 x2 7 .1 5 c m. Co l ecç ão SF Mo ma
©Th e Hist oric New Orleans Collection
52.
Ro b er t S mi t h so n, Ma p o f B ro ken Gl a s s ( At la n ti s ), 1 9 6 9 .
I n st ala ção . L a n na n Fo u n d atio n.
©Florian Holzherr
53.
Ca sp ar Da v id Fr i ed r i c h, A r tic S h ip w rec k
[ ta mb é m co n he cid o co m o Po la r S ea ] , 1 8 2 3 -2 4 .
Óleo s /t ela , 1 2 6 .9 x9 6 .7 c m.
K u ns t ha lle Ha mb ur g, Al e ma n ha.
©the yorck project
54.
Re mb r a nd t, A Li çã o d e A n a to m ia d o Do u to r Ni c o la e s Tu lp , 1 6 3 2 .
Óleo s / t el a, 1 6 9 .5 x2 1 6 . 5 c m.
Mu s e u d e Ar t e M a ur i ts h ui s, P aí se s B a i xo s
©www.geh eugenvanned erlan d.nl
55.
Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll ( Gla s s S p h e re s a n d Ha n d s ), 1 9 9 0 -9 3 .
I n st ala ção co m vid r o , m ad eir a, me ta l, t ec id o . 2 1 8 .4 x2 1 8 .4 x2 1 0 .8 c m.
©the estate of Louise Bou rgeois
288
56.
Tea tro A n a tó mi co , U n i v er s id ad e d e Leid e n , c. 1 6 1 0 .
Gr a v ur a d e W il le m V an S wa n e nb ur g h ; có p i a d e d es e n ho d e J o ha n ne s
W o ud a n u s.
© wi k i m e d i a c o m m o n s
57.
Ha n s B e ll me r , Un ti tl ed , 1 9 3 5 .
Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco .
T he B u hl Co ll ect io n, Ne w Yo r k
( P r o ve n iê nc ia : S u e T a yl o r , Th e A n a to my o f A n xi ety , p . 1 0 5 ) .
© U b u Ga l l e r y , N e w Y o r k ; G a l e r i e B e r i n s o n , B e r l i n
58.
Re mb r a nd t, Ca r ca s s o f a n Ox [ B o i E s fo l ad o ] , 1 6 5 7 .
Óleo s / mad eir a, 5 1 .7 x7 3 .3 c m.
Mu s e u d o Lo u vr e, Fr a nç a.
© h t t p : / / a l b e r t i s - wi n d o w . c o m / c a t e g o r y / c o n t e m p o r a r y - a r t /
59.
Ha n s B e ll me r , La P o u p é e, 1 9 3 8 .
Fo to gr a fia co lo r id a à mã o co m a n il i na s, 5 .4 x5 .4 c m.
Co l ecç ão Ub o Ga ll er y e Gal er i e B er i nso n. P o r me no r .
( P r o ve n iê nc ia : T her e se L ic h te n ste i n, Beh in d C l o sed Do o rs: Th e A rt o f Ha n s
B el lme r, P lat e 7 , s / i nd i cação d e p á g i na) .
© A l i E l a i , C a m e r a r t s , In c .
60.
Lo u i se B o ur geo i s, I Do . I Un d o . I Red o , 1 9 9 9 - 2 0 0 0 .
Ob r a co mp o s ta p o r tr ês p eça s d i s ti n ta s:
I Do . Vár io s mat er i ai s ( aço , e sp e l ho s, t ec id o ) . Alt u r a: 9 m
I Un d o . Vár io s ma ter iai s ( a ço , e sp e l ho s, tec id o ) . Al t ur a : ap r o x. 1 4 m
I R ed o . Vár io s mat er i ai s ( aço , esp el ho s) . Al t ur a : ap r o x. 1 0 .5 m
I n st ala ção no T ur b i n e H all, T ate Mo d er n, L o nd r es.
©http://www.moma.org/exp lore/collection/lb/about/chron ology
61.
Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll X XV I , 2 0 0 3 .
Mat er ia i s vár io s ( r ed e, e sp e l ho , t ec id o , fio ) .
© T h e G o o d Kn i g h t
62.
Ha n s B e ll me r , La P o u p é e, 1 9 3 8 .
Fo to gr a fia p i n tad a a a n i li na, 1 7 .8 x1 7 .8 c m
Co l ecç ão G il ma n P ap er Co .
©Hans Bellmer
289
63.
Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll: T wel ve Ova l M i r ro r s, 1 9 9 8 .
Aço , al u mí n io , mad e ir a. 2 2 8 .6 x2 4 3 .8 x3 3 5 .2 c m
©ghost-light.blogspot.com
64.
Ce cí lia Co s ta, s / T ítu lo , 2 0 0 8 .
De se n ho ; car v ão s/ p ap e l. 2 1 x1 6 c m ( p o r me no r )
©cortesia da artista
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IMAGENS
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323
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325
BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO I
O Espelho de Perseu
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B ART HE S, Ro la nd - Ro la nd B a rt h es po r Ro la nd B a rt h es . T r ad . d e J o r ge
Co n st a nte P er eir a e d e I sab e l Go n çal v e s. Rei mp . L i sb o a : E d içõ es 7 0 , 2 0 0 9 . I SB N
9 7 8 -9 7 2 -4 4 -1 5 6 5 -9 .
— A Câ ma ra C la ra : N o t a so b re a Fo t o g ra f ia . T r ad . d e Man ue la T o r r es. Li sb o a :
Ed içõ e s 7 0 , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 2 -4 4 -1 3 4 9 -7 .
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B AT AI L L E , G eo r ge s - O Â n us so la r : ( e o ut r o s t e xt o s do So l) . T r ad . d e An íb al
Fer na nd e s. 1 ª ed . L i sb o a : As sír io e Al vi m, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 1 9 5 -0 .
B L AN C HOT , Ma ur ic e - O ca n to d a s s er e ia s. I n O Liv ro po r V ir . T r ad . d e Mar ia
Re g i na Lo u r o . 1 ª ed . L i s b o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 8 4 . p . 1 1 -1 7 .
B ONN E T , J acq u es - B ib lio t e ca s C heia s de F a nt a s ma s. T r ad . d e J o sé M ár io S il v a.
Lis b o a : Q u etz al, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 0 6 - 0 .
B OR GE S, J o r ge L ui s – O Liv ro do s Ser e s I ma g i ná r io s. T r ad uç ão d e Ser a f i m
Fer r eir a . Li sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 0 4 -8 .
— T lo n, Uq b ar , O r b i s T er ti us . I n F i cçõ e s. T r ad u ção d e J o sé Co laço B ar r e ir o s.
Lis b o a: E d i to r i al T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 3 0 -8 . p . 1 1 -3 0 .
— O s E sp el ho s. I n J o r g e L ui s B o rg e s : O br a s Co mp let a s. L i sb o a : T eo r e ma,
1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 1 -0 . vo l I I , p . 1 8 8 .
— Ao esp el ho . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s C o mp let a s. Li sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 .
I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 1 1 2 .
B OW R A, Ce ci l M . - O Asp ecto He r ó ico . I n A E x per iê nc ia Gr eg a . 1 ª ed . Li sb o a :
Ar cád ia, 1 9 6 7 . cap ít u lo no no , p . 3 8 -6 9 .
B R AG AN Ç A D E M I R A ND A, J o sé A. - Co r po e I ma g e m. 1 ª ed . L i sb o a : V e ga,
2 0 0 8 . P as sa g e ns, 4 5 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 9 -8 9 5 -2 .
B R AND ÃO , J u ni to d e So uza - Gó r go na s. I n Dic io ná rio M ít ico - Et i mo ló g ico da
M it o lo g ia Gr eg a . 2 ª ed . R io d e J a ne ir o : Vo ze s, 1 9 9 1 . I SB N 8 5 -3 2 6 - 0 1 4 8 -0 . vo l I ,
p . 4 7 0 -4 7 1 .
— P er s e u. I n Di cio ná r i o M ít ico - Et i mo ló g i co d a M it o lo g ia Gr eg a . 2 ª ed . R io d e
J ane ir o : Vo ze s, 1 9 9 1 . I SB N 8 5 -3 2 6 -0 4 5 6 -0 . vo l I I , p . 2 6 9 -2 7 3 .
B UR KE RT , W a lter - M i t o e M it o lo g ia . T r ad . d e Mar ia He le n a d a Ro c ha P er e ir a .
1 ª ed . Li sb o a : E d içõ e s 7 0 , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -4 4 - 0 7 4 7 -0 .
C AI L L OI S, Ro g er - Th e M a sk o f M ed u sa . T r ad . d e Geo r g e Or d is h . 1 ª e d . Lo nd o n
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C AL AS S O, Ro b er to – A L it e ra t u ra e o s D eu se s . T r ad . d e C lar a Ro wl a n d . Li sb o a :
Gó t ica, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 2 -0 7 9 -9 .
327
— As N ú pcia s d e Ca d mo e H a r mo nia . T r ad . d e Ma r ia J o r ge Vi lar F i g ue ir ed o . 1 ª
ed . Li sb o a : E d içõ es Co t o vi a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -9 0 1 3 -2 5 - X.
C AR R O L L, L e wi s - A s Av ent ura s d e Al ice n o P a ís da s M a ra v il ha s ; Alice do
O ut ro La do do E sp el ho . T r ad . e no ta s d e Mar gar id a V al e d e Ga t o ; il. J o h n
T en nie l. L i sb o a : Re ló gi o D ´Ág u a Ed ito r e s, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 0 8 -9 1 9 -2 .
CH E V AL I E R,
J ea n ;
GHE E RB R ANT ,
Ala i n
–
E sp e l ho .
In
Di cio ná r io
do s
Sí mb o lo s : mi t o s , so n ho s , co st u me s , g e st o s, f o r ma s, f ig ura s, co re s, nú me ro s.
T r ad . d e Cr i s ti na Ro d r i g ue z e Ar t ur G uer r a . Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 6 9 5 -2 1 5 -8 . p 3 0 0 -3 0 2 .
C LAI R, J ea n - M éd us e: co nt r ib ut io n à u ne a n t hro po lo g ie de s a rt s d u v i su el. 1 ª
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D A VI N CI , L eo nar d o - B est iá rio , F á bu la s e O ut ro s E scr it o s. Ap r e s ., se le c., e
tr ad . d e J o sé Co la ço B a r r eir o s. 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 3 7 -0 3 8 8 -2 .
DO DD S, E . R. - O s G r eg o s e o Irra c io na l. T r ad . d e Leo no r S a nto s C ar v al ho . 1 ª
ed . Li sb o a : Gr ad i va, 1 9 8 8 .
DOM Í N GUE Z , Car lo s Mar í a - A Ca sa d e Pa pel . T r ad . d e H e nr iq u e T avar e s e
Ca s tr o . 2 ª ed . L i sb o a : As a, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -2 3 -0 8 6 9 -2 .
DW YE R, E u ge n e - E vi l E ye . I n R OB E RT S, Hel e ne E., ed . - E ncy clo pe dia o f
Co mp a ra t iv e Ico no g ra phy : Th e me s De pi ct e d in Wo r ks o f Art . 1 ª e d . C hi ca go ;
Lo nd o n : Fi tzr o y De ar b o r n P ub l i s her s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 - 0 0 9 -2 . vo l. I , p . 2 8 7 292.
EC O, U mb er to – So b r e o s E sp el ho s. I n So bre o s E s pel ho s e O ut ro s En sa io s .
T r ad . d e He le na Do mi n g o s e J o ão F ur tad o . Li sb o a : Di f el, 1 9 8 9 . p . 1 1 -4 4 .
EDG ERT O N, Sa mu el Y . - B r u ne ll es c hi ´s M ir r o r . I n T he M irro r, Th e W in do w a nd
t he T el es co p e. H o w Re na i s sa n ce L i nea r P e rs p ect iv e Cha ng e d O u r V i sio n o f t he
Un iv er se . I t haca a nd L o nd o n : Co r n ell U n i ver si t y P r e s s. I SB N 9 7 8 -0 -8 0 1 4 -7 4 8 0 -4 .
p . 4 4 -5 3 .
328
ELI ADE , Mir cea - Mo r fo lo gia e F u nç ão d o s Mito s. I n Tra t a do d e H is t ó ria da s
Rel ig iõ es . P r e f. Geo r ge s D u mé zi l; tr ad . Fer n a nd o T o maz, N at ál ia N u ne s. 5 ª ed .
P o r to : As a, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -4 1 -3 7 0 2 -3 . cap ít u l o XI I , p . 5 0 7 -5 3 8 .
É N AR D, Mat h ia s - F a la - lh es d e B a t a l ha s, de R ei s e de E lef a nt e s. T r ad . d e P ed r o
T a me n. 1 ª ed . Li sb o a : D. Q u i xo t e, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -2 0 -5 1 7 4 -3 .
EU RÍ P E DE S – A s B a c a nt e s. T r ad . i n tr o d . e no t a s d e Ma r ia H ele n a d a Ro c h a
P er eir a. 2 ª ed . L isb o a : E d içõ e s Se te n ta, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 8 5 3 -1 .
— Ío n. T r ad . i n tr o d . e no t a s d e Fr ed er i co Lo ur en ço . Lisb o a : Co lib r i, 1 9 9 4 . I SB N
9 7 2 -8 0 4 7 -8 3 -5 .
F AXO N, Alic ia Cr a i g - Fe m me Fa ta l. I n ROB E RT S, He le n e E., ed . - E ncy c lo pe dia
o f Co mp a ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pi ct ed i n Wo r ks o f A rt . 1 ª ed .
C hi ca go ; Lo nd o n : Fi tzr o y De ar b o r n P ub li s her s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 -0 0 9 -2 . vo l . I ,
p . 3 1 5 -3 2 0 .
— M eta mo r p ho s i s. vo l I I , p . 5 9 1 -5 9 6 .
F REU D, S i g mu n d - Me d u sa s ´s Head . I n G AR B ER, M ar j o r ie ; VI C KE R S, Na nc y,
ed s. - T he M ed u sa Rea der . 1 ª ed . Ne w Yo r k a nd Lo nd o n: Ro u tl ed ge, 2 0 0 3 . I SB N
0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 8 4 .
F RO NT I SI -D U C RO UX, Fr a nço i se – T he Go r go n, P ar ad i g m o f I ma ge C r eat io n. I n
G ARB E R, Mar j o r ie ; VI CK E RS, N a nc y, ed s. - T he M ed u sa Rea der . N e w Yo r k a nd
Lo nd o n : Ro u tled g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 2 6 2 -2 6 6 .
— And r ó med a et la n a is sa n ce d u co r a il. I n G E O RG OU DI , St el la ; V E R N ANT ,
J ean -P ier r e , ed s. - M y t he s G rec s a u F ig uré, de l´ A nt iq ui t é a u B a ro qu e. 1 ª ed .
P ar is : Ga lli mar d , 1 9 9 6 . I SB N 2 -0 7 -7 3 9 1 0 -4 . p . 1 3 5 -1 6 5 .
G ALV ÃO, Ro s a Mar ia , co o r d – No r ma s P o rt ug ue sa s de Do c u ment a çã o e
In f o r ma çã o . Li sb o a : B ib lio te ca Na cio na l d e P o r t u ga l, I n s ti t uto P o r t u g uê s d a
Q ual id ad e , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 9 7 2 5 6 5 4 5 7 6 . ( Li vr o co n s u ltad o )
GI L, J o s é - M o n st ro s. 1 ª ed . Li sb o a : Q uet zal Ed ito r es , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 -1 8 9 2.
GOET HE , J o h a n n W o l f ga n g Vo n - F a u st o . T r ad . i n tr o d ução e g lo s sá r io d e J o ão
B ar r e nto ; i ma ge n s d e I l d a D a vid . 1 ª ed Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a Ed i to r es, 1 9 9 9 .
I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 5 5 5 -5 .
329
GOMB RI C H, E r n st Ha n s - U ma Pe qu ena H ist ó ria do M undo . T r ad . R aq uel
Mo u ta. Li sb o a : T i nt a -d a- C h i na, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -8 9 5 5 -9 0 -8 .
GOM ES , Ma n u el J o ão - Al ma na q ue do s e sp e lho s : v a r ia çõ e s na r cí si ca s so bre
t e ma s de O v íd io , H o f f ma n n, Cha mi s so , Ri ca r do R ei s, Lew i s Ca rro l, Álv a ro de
Ca mp o s, N erv a l , We nc es la u de M o ra es , B o rg es e M a u pa s sa nt . L isb o a : & E t c,
1980.
GR AV E S , Ro b er t – P er s eu. I n O s M it o s Gr eg o s . T r ad . d e Fer na nd a B r a nco . 3 ª ed .
Lis b o a : E d i çõ e s D . Q u i xo t e, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 0 -2 7 4 0 -9 . p . 2 4 3 -2 5 0 .
GR EG O RY, Ri c har d - M irro rs i n M ind. O x fo r d ; Ne w Yo r k ; H eid e l b er g : W . F .
Fr ee ma n, co p . 1 9 9 7 . I S B N 0 -7 1 6 7 -4 5 1 1 -9 .
GR I M AL , P i er r e – A M it o lo g ia Gr eg a . T r ad . e p r e f . De Vi cto r J ab o ui ll e. 3 ª ed .
Me m Mar t i n s : E ur o p a - A mér ica, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -1 0 2 6 6 1 -1 .
— Di cio ná r io de M it o lo g ia Gr eg a e Ro ma na . Co o r d . d a ed . p o r t. Vi cto r
J ab o u il le. 5 ª ed . Li sb o a : Di fe l, 2 0 0 9 . Li sb o a : Di fe l, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 9 0 9 2 9 /0 9 . ( L i vr o co n s u lt ad o )
HE L DE R, H er b er to - S e rv i dõ e s. Li sb o a : As s ír i o & Al v i m, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 3 7 -1 6 9 6 -2 .
HE S Í O DO - T eo go nia . I n T eo g o n ia : Tra ba l ho s e D ia s. P r e f . d e Ma r ia He le na d a
Ro c h a P er e ir a ; i n tr o d ., t r ad ., e no ta s d e Ana El i as P i n h eir o , J o s é Rib e ir o Fer r eir a.
Lis b o a : I N C M, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -2 7 -1 3 9 1 -4 . p . 2 5 -7 3 .
HOM E RO - Il ía da . T r a d . e no ta s d e Fr ed er ico Lo ur e n ço . 1 ª ed . L i sb o a : Li vr o s
Co to v ia, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 1 8 - X.
— O di s se ia . T r ad . e no t as d e Fr ed er i co Lo ur e nç o . 2 ª ed . Li sb o a : Li vr o s Co to via ,
2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 6 0 -4 .
KE RÉN YI , Car l – P er se u s. I n T he H ero e s o f t h e G ree ks . 2 ª ed . Lo nd o n : T ha me s
& H ud so n, 1 9 9 7 . I SB N 0 -5 0 0 -2 7 0 4 9 - X. p . 4 5 -5 8 .
KI T T O, H. D. - Ho mer o . I n O s Gr eg o s. T r ad . d e J o sé M a n u el Co u ti n ho e Ca str o .
3 ª ed . Co i mb r a : Ar mé n i o Ar mad o , 1 9 9 0 . p . 7 5 -1 0 6 .
KR I ST EV A, J úl ia - Q ui e st Med u s e? I n N A P OLÉO N, Ai le, ed . li t . - V i sio n s
Ca p it a l es . P ar i s : P ar t i P r is , 1 9 9 8 . Ob r a p u b lic ad a p o r o c as ião d a exp o s ição
330
o r ga n iz ad a e p at e nt e no Mu sé e d u Lo u vr e, d e 2 7 d e Ab r il a 2 7 d e J ul h o d e 1 9 9 8 .
I SB N 2 -7 1 1 8 - 3 6 6 8 -1 . p . 3 5 -4 9 .
KUB LE R , Geo r ge – A F o r ma do T e mpo : o bs erv a çõ e s so bre a h ist ó ria do s
o bj ec t o s. T r ad u ção d e J o sé Vi eir a d e Li ma . 3 ª e d . Li sb o a : Ve ga, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 6 9 9 -2 3 6 -2 .
LI SP E CT O R, Cl ar i ce - Ág ua Viv a . Lisb o a : R el ó gi o D ´ Ág u a, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 6 4 1 -2 8 4 -5 .
LOU RE N ÇO , Fr ed er ico – Do i s P o e ma s d e Au to r Anó ni mo : A I lí ad a e a Od is s eia .
I n No v o s E n sa io s H e lé nic o s e Al e mã e s. 1 ª ed . Lisb o a : Co to v ia, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 9 7 2 -7 9 5 -2 5 3 -3 . p . 1 1 -2 5 .
— Gr écia Rev is it a da : E nsa io s so br e C u lt u r a G reg a . 3 ª ed . L isb o a : Co to vi a,
2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 9 2 -2 .
L OV E C R AFT , H.P . - O Ter ro r So br ena t ur a l na L it e ra t u ra . T r ad . d e An a
Ma ga l hãe s, D a ni el S eab r a Lo p es . 1 ª ed . Li sb o a : Ve ga , 2 0 0 6 . Co lec ção P as sa ge n s,
4 0 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -8 5 2 -2 .
L U C ANO - P har sa li a. I n G ARB E R, Mar j o r ie ; VI CK E RS, Na n c y, ed s. - T he
M edusa Rea de r. N e w Yo r k a nd Lo nd o n : Ro u tled g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 .
p . 4 1 -4 3 .
L U CI ANO DE S AM Ó S AT A - T he Ha ll. I n G AR B ER, Mar j o r i e ; V I CKE R S, Na nc y,
ed s. - Th e M ed usa Rea der . N e w Yo r k a nd Lo n d o n : Ro ut led ge , 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 1 5 9 0 0 9 9 -9 . p . 4 3 .
M AB I LL E , P i er r e - Mir o ir s . M i no ta u r e . P ar i s. 1 1 ( 1 9 3 8 ) 1 4 -1 6 .
M AI A, T o má s – As so mbra : E nsa io so b re a O rig e m da I ma g e m. 1 ª e d . Li sb o a :
As s ír io e Al vi m, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 - 1 3 5 9 -6 .
M AI LLE T , Ar na ud - Th e C la u de G la s s : Us e a nd M ea ni ng o f t he B la c k M irro r
in We st er n A rt . N e w Y o r k : Zo ne B o o ks , 2 0 0 4 . 1 -8 9 0 9 5 1 -4 7 -1 .
M AN G UE L, Alb e r to - No B o s q ue do E s pe l ho . T r ad . d e M ar gar id a Sa n ti a go .
Al fr a gid e : D. Q ui xo te, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 0 - 3 8 3 3 -1 .
331
ME DE I R O S, Ma r gar id a - O Co r p o Não - Re co n he cid o : Nar ci so . I n Fo t o g ra f ia e
Na rc is i s mo : o A ut o - R et ra t o Co nt e mpo râ n eo . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al v i m,
2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 6 0 6 -7 . p . 6 1 -6 6 .
MEN DO N Ç A, J o s é T o l en ti no - B a l d io s . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & A lv i m, 1 9 9 9 .
I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 5 4 2 -7 .
ME R LE AU -P O NT Y - O O lho e o E s pí rit o . P r ef. d e Cl a ud e Le fo r t. [ Li sb o a] :
Ve ga, 1 9 9 2 . P a ss a ge n s, 9 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -3 5 2 -0 .
MI LLE R, J o nat h a n - O n Ref lect io n . Lo nd o n : Na tio n al Ga ll er y, 1 9 9 8 . I SB N 0 3 0 0 -0 7 7 1 3 -0 .
MONT AI GN E – Do s Li vr o s. I n E nsa io s : a nt o lo g ia . I n tr o d ., tr ad . e n o ta s d e R u i
B er tr a nd Ro mão ; p i nt ur as d e P ed r o Ca lap e z. Li sb o a : R eló g io D ´Ág u a , 1 9 9 8 . I SB N
9 7 2 -7 0 8 -5 0 5 -9 . p . 1 8 3 -1 9 7 .
O LE NDE R, Ma u r ic e - A sp ec t s o f B a ub o : An c ie n t T ex t s a nd Co n te x t s. I n ZEI T LI N,
Fr o ma ; H ALP E RI N, D av id M ., ed s. - B ef o r e Se x ua l it y : T he Co n s t ruc t io n o f
Ero t ic E xp er ie nce i n t he A nc ie nt Gre e k Wo rl d. P r i nce to n : P r i nc eto n Un i ver si t y
P r es s, 1 9 9 0 , I SB N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 8 3 -1 1 3 .
OVÍ DI O – M et a mo rf o s es. T r ad . e i ntr o d . d e P au lo Far mh o u se Alb er to . 1 ª ed .
Lis b o a : Li vr o s Co to vi a, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 9 5 -2 0 6 -9 .
— Art e d e A ma r. T r ad . , i n tr o d . e no t as d e C ar l o s As ce n so An d r é. 2 ª e d . Li sb o a :
Li vr o s Co to v ia, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 5 3 -8 .
P E NDE R C R AST , Mar k - M irro r , M irro r : A H is t o ry o f t h e H u ma n Lo v e Af f a i r
w it h R ef l ect io n. Ne w Y o r k : B a si c B o o k s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 6 5 -0 5 4 7 0 -6 .
P E RE I R A, Ale xa nd r e ; P OUP A, Car lo s, ed s. – A no r ma p o r t u g u e sa. I n Co mo
E scr ev er u ma Te se M o no g ra f ia o u L iv ro C ien t íf ico u sa ndo o Wo rd. 5 ª ed .
Lis b o a : E d i çõ e s Sí lab o , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 1 8 -6 9 1 -5 . p . 6 4 -7 4 .
P ESS O A, Fe r na nd o - L iv ro do De sa s so s seg o : co mp o s t o po r B er na r do So a re s,
a j uda nt e d e G ua r da - Li v ro s na c ida de de L i sb o a . Ed . d e Ri c har d Ze n it h. 4 ª ed .
Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 1 2 1 -9 .
332
P Í ND AR O – XI I Od e P íti ca, p a r a M id a s d e Agr i ge nto , Ve n ced o r a C o nc ur so d e
Fla u ta. I n P í n da ro : O d es P ít ica s. T r ad . e no ta s d e An tó nio d e Ca str o C aei r o . 1 ª
ed . Li sb o a : P r i me B o o k s, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -8 8 2 0 -8 3 -6 . p . 1 3 9 .
— X a Od e Ne me ia . I n Set e O de s d e Pí nda ro . T r ad . e no ta s d e Mar ia Hele n a d a
Ro c h a P er eir a. 1 ª ed . P o r to : P o r to Ed i to r a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -0 -4 5 0 0 3 -7 . p . 1 0 5 1 1 1 . Co me n t ár io d a tr ad uto r a p . 1 1 3 - 1 1 6 .
P LAT H, S yl v i a – P er s eu s : T he T r i u mp h o f W it o v er S u f fer i n g. I n G ARB E R ,
Mar j o r ie ; VI C KE R S, N an c y, ed s. - T he M ed u s a Rea der. Ne w Yo r k a n d Lo nd o n :
Ro ut led g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 1 0 0 .
— Mi r r o r . I n C ro s s ing t he Wa t er . 1 ª ed . Ne w Yo r k : H ar p er & Ro w, 1 9 7 1 . I SB N
0 -0 6 -0 9 0 7 8 9 -4 . p . 3 4 .
QUE VE DO, Fr a nc i sco d e - O R eló g io d e Ar e ia. I n A nt o lo g ia da Po e sia E spa n ho la
do « sig lo de o ro » . S el ec., tr ad ., p r o l. e no t as d e J o sé B e nto . L i sb o a : As s ír io &
Al v i m, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 1 8 3 -9 . vo l I I , p . 2 7 3 -2 7 4 .
QUI GN AR D, P a s cal – As So mb ra s Erra nt e s : Últ i mo Re i no . T r ad . d e Mar ia d a
P ied ad e Fer r eir a. 1 ª ed . L is b o a : Gó tic a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 2 -0 8 4 -5 .
R AMÓ N R I B E Y R O, J u lio – P ro sa s A pá t ri da s. T r ad . d e T iago S za b o . 1 ª ed .
Lis b o a : E d i çõ e s Ah ab , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -1 -1 .
RI LKE, Ra i ner M ar i a – O s So net o s a O r f e u de Ra i ner M a ria R il k e . T r ad . d e
Va sco Gr aç a Mo ur a. 1 ª ed . Li sb o a : Q ue tza l, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 -2 1 2 -0 .
— A s Eleg ia s d e D uí no . T r ad . d e Mar i a T er es a Dia s F ur tad o . Li sb o a : As sí r io &
Al v i m, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 3 4 1 -6 .
RO C HE , Se r ge - M irro rs in Fa mo u s Ga ll er ie s a nd Co lle ct io n s . P ar i s : Ge r ald
D uc k wo r t h & Co Ltd , 1 9 5 7 .
S AG RO SK E, M ic ha el - L a Méd u s e Da n s L ´O e u vr e d e Fer na nd K h no p f f . I n LEE N,
Fr ed e r i k, co o r d . – F er n a nd K h no pf f , 1 8 5 8 -1 9 2 1 . B r u xe ll es : M u sé es R o ya u x d e s
B ea u x - Ar t s, 2 0 0 4 . I SB N 9 0 -7 6 7 0 4 -4 2 -2 . p . 5 3 -6 3 .
SE B AL D, W . G. – O s A néi s de Sa t ur no : U ma Ro ma g e m Ing le sa . T r ad . d e T el ma
Co st a. L isb o a : E d i to r i al T eo r e ma, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 8 9 -7 .
— O s E mi g ra nt e s : qu a t ro co n t o s lo ng o s. T r ad u ção d e T el ma Co sta . L i sb o a :
T eo r e ma , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 3 9 -0 .
333
SE R R A, J o s é P ed r o - C o n he ci me n to e I g no r â n c ia. I n P e ns ar o T r á gi co : Ca te go r ia s
d a T r agéd ia Gr e ga . Li sb o a : [ s. n.] , 1 9 9 8 . 3 6 0 p . T ese d e Do uto r a me nto e m C u lt u r a
Cl á ss ica , U n i ver sid ad e d e Li sb o a. cap . VI I , p . 3 1 5 -3 2 6 .
SHE FE R, E la i ne - M ir r o r /R e fl ec tio n. I n ROB E R T S, Hel e ne E., ed . - En cy clo pe dia
o f Co mpa ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pic t e d i n Wo r ks o f Art . 1 ª ed .
C hi ca go ; Lo nd o n : F it z r o y Dear b o r n P ub li s he r s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 - 0 0 9 -2 . vo l.
I I , p . 5 9 7 -6 0 8 .
SI EB E R S, T o b i n - Med u sa. I n T he M irro r o f M ed usa . C hr i s tc h ur c h , N e w Ze la nd :
C yb er ed i tio n s Co r p o r ati o n, 2 0 0 0 . I SB N 1 -8 7 7 2 7 5 -0 8 -5 . p . 3 1 -5 6 .
SO NT AG, S u sa n - E ns a io s so br e Fo t o g ra f ia . T r ad . d e
J o sé Af o n so F ur t ad o . 1 ª
ed . Li sb o a : Q ue tza l, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 5 8 -6 .
ST E I NE R, Geo r g e – A nt íg o na s : A per si st ê nci a da le n da de An t íg o na na
lit e ra t u ra , a rt e e pe n s a me nt o o ci de nt a i s. T r ad . d e Mi g u el Se r r a s P er eir a. 2 ª ed .
Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a E d i to r e s, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 - 7 0 8 -2 6 6 -1 .
T AV AR E S, Go nç alo M. - B rev e s No t a s so bre o M edo . Li sb o a : Reló g io D ´Ág u a
Ed ito r es , 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 0 8 -9 7 2 -0 .
VE RN ANT , J ea n -P ier r e ; D ET I ENNE , M ar ce l - L ´O e il d e B r o nz e. I n L e s Ru se s de
L´ i nt el lig e nc e : La mè t is de s G rec s. [ P a r i s] : Fl a m mar io n, 1 9 7 4 . I S B N 9 7 8 -2 0 8 1 2 -1 4 8 2 -8 . p . 1 6 9 -1 7 7 .
VE RN ANT , J ea n -P ier r e – O Un iv e rso , O s D eu se s, O s H o me ns . T r ad . M a gd a
B igo tt e. 1 ª ed . L i sb o a : P ub l ica çõ e s D . Q u i xo t e, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -2 0 -1 8 3 5 -3 .
— A Fi g ur a d o s De u se s I : Gó r go na . I n Fig ura s, Ído lo s, M á sca ra s. T r ad . d e T el ma
Co st a. Lisb o a : T eo r e ma , 1 9 9 3 . I S B N 9 7 2 -6 9 5 -1 7 5 -5 . p . 6 9 -1 0 3 .
— Dea t h i n t he E ye s : Go r go , F i g ur e o f t he O th er . I n M o rt a ls a n d I m mo rt a l s :
co ll ect e d e ssa y s. 1 ª ed . P r in ceto n : P r i nc eto n U ni v er si t y P r e s s, 1 9 9 2 . I SB N 0 -6 9 1 0 1 9 3 1 -2 . p . 1 1 1 -1 3 8 .
— O M it o e a Rel ig iã o na Gré cia A nt ig a . T r ad . T el ma Co sta. 1 ª e d . L i sb o a :
T eo r e ma , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -1 4 0 -2 .
— O rig e n s do P en sa me nt o G reg o . T r ad . Ma n u e la T o r r e s. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma,
1987.
— Au mi r o ir d e Méd u se . I n L’ In d iv i du , la mo r t , L ’ a mo ur : So i- mê me et l´ a ut re
en Gr èce a nc ie n ne. 1 ª e d . Fr a n ce : Ga ll i mar d , 1 9 8 7 . I SB N 2 -0 7 - 0 3 2 9 2 2 -4 . p . 1 1 7 129.
334
W HI T M AN, W al t – W h en I Hear d t he L ear n ´d As tr o no mer . I n Wa l t Wh it ma n :
T he Co mp l et e P o e ms . L o nd o n : P e n g ui n , 1 9 8 9 . I SB N 0 -1 4 - 0 4 2 2 2 2 -6 . p . 2 9 8 .
ZI VK OVI C , Zo r a n – A B ib lio t e ca . T r ad . Ar ij an a Med v ed ec . Li sb o a : Ca v alo d e
Fer r o , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -1 3 7 -8 .
ZW E I G, Ste f a n - P r ef á cio . I n O Co mb a t e co m o De mó n io : H o l der li n, K le i st ,
Niet z sc he. T r ad . d e J o sé Mir a nd a J us to . 1 ª ed . Lisb o a : Ant í go na, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 6 0 8 -1 6 9 -6 . p . 7 -2 3 .
No Espelho de Ulisses
AN DR ES E N, So p h ia d e Mel lo B r e yn er – Od ys s e u s /P er so na. I n Dua l. I l u st. Ar p ad
Sze n es . 3 ª ed . L isb o a : E d içõ e s Sa la ma n d r a, 1 9 8 6 . p . 5 7 .
— O s Esp el ho s. I n G eo g ra f ia . 2 ª ed . Li sb o a : Át ica, [ D. L. 1 9 7 2 ] . p . 6 1 .
AR I ST Ó F ANE S - A s M ul he re s q ue C el eb ra m a s Te s mo f ó ria s. 2 ª ed . Co i mb r a :
I n st it u to Nac io na l d e I n ve s ti ga ção C ie n tí f ic a , Ce ntr o d e E st ud o s Cl a ss ico s e
H u ma ní s ti co s d a U ni ver sid ad e, 1 9 8 8 .
B ESP AL OF F, R ac he l - So b re a Il ía da . T r ad . d e F il ip e J ar r o . 1 ª ed . L i sb o a :
Co to v ia, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 2 3 -6 .
B LUN DE L L , S ue - W o me n i n t he p o e ms o f Ho me r . I n Wo me n in A nc i ent G re ece.
1 ª ed . Ca mb r id ge, Ma s s ac h us et ts : Har var d U n i ver s it y P r e s s, 1 9 9 5 . I S B N 0 -6 7 4 9 5 4 7 3 -4 . p . 4 7 -5 7 .
B OR GE S, J o r ge L u is - Ar te P o ét ica . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s C o mp let a s. 1 ª
ed . Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 4 7 - 2 . vo l. I I , p . 2 1 9 .
C AL VI NO, I t alo – O s n ív ei s d a r e al id ad e n a l it er at ur a. I n Po nt o Fi na l : E sc rit o s
so b re L it era t ura e So cie da de. T r ad . d e J o sé Co laço B ar r e ir o s . 1 ª e d . Li sb o a :
T eo r e ma , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -5 4 7 -5 . p . 3 7 6 -3 9 1 .
— As Od i ss eia s na Od is se ia. I n P o rq u ê L er o s C lá s s ico s. T r ad . J o sé Co l aço
B ar r eir o s. L i sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -8 8 2 -6 . p . 1 5 -2 1 .
335
— O esp el ho , o al vo . I n A M e mó r ia do M u n d o . T r ad . d e J o sé Co la ço B ar r eir o s.
Lis b o a : T eo r e ma, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -2 4 1 -7 . p . 2 1 3 -2 2 9 .
C ANT ARE L L A, E va - Gr ee ce. I n Pa n do ra ´ s D a ug ht er s : Th e Ro le a n d St a t us o f
Wo me n i n Gre e k a n d Ro ma n A nt iq u it y . 1 ª e d . B alt i mo r e : T he J o h n Ho p ki n s
U ni ver s it y P r e s s, 1 9 8 7 . I SB N 0 - 8 0 1 8 -3 3 8 5 -X . p . 1 -9 8 .
C AR S ON, An n e - P u tt i n g H er i n He r P lace : W o ma n , Dir t a nd D es ir e . I n B ef o re
Se x ua l it y : Th e Co nst r uct io n o f E ro t i c E x per i enc e in t he A nci en t G r ee k Wo rl d .
P r in ceto n : P r i n ce to n U ni v er si t y P r e ss , 1 9 9 0 . I S B N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 1 3 5 -1 6 9 .
C AV AF Y, Co n s ta nt i no - Í taca. I n 9 0 e M a is Q u a t ro Po e ma s . P r e f. co m en t. e no ta s
d e J o r g e d e Se n a. 2 ª ed . Co i mb r a : Ce n tel h a, 1 9 8 6 . p . 4 4 -4 5 .
CI T AT I , P ietr o - Ul i ss e s e a O di s se ia : a M en t e Co lo ri da . T r ad . d e Mar i a J o r g e
Vil ar d e F i g ue ir ed o . 1 ªe d . Li sb o a : Co to v ia, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 2 0 -1 .
CO NG D ON, L eo no r e O ´ Kee n - Ca ry a t i d M irro rs o f A nc ie nt Gre ece . 1 ª ed . Ma i nz
: Vo n Zab er n , 1 9 8 1 . I SB N 9 7 8 -3 8 0 -5 3 0 -2 4 5 -6 .
CO R R E I A, H él ia – D e s me s u ra : E xer cí cio co m M ed eia . Li sb o a : Re l ó gi o d ` Ág u a,
2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -9 1 3 -5 .
— Ra n co r : E xe rc ício s o bre H e le na . 1 ª ed . Li s b o a : Re ló gio d ` Ág u a, 2 0 0 0 . I SB N
9 7 2 -7 0 8 -5 7 6 -8 .
— Per d içã o : E xe rcí ci o so b re Ant íg o na . 1 ª ed . Li sb o a : Do m Q u i xo t e, 1 9 9 1 .
I SB N 9 7 2 -2 0 - 0 9 6 3 -X.
CO ST A, Vic to r , co o r d . - O E s pel ho de Uli s se s I. S. J o ão d a M ad e ir a : Ce n tr o d e
Ar te , 2 0 0 5 . Ob r a p ub li cad a p o r o ca s ião d a e xp o si ção o r ga n izad a e p ate n te no
Ce n tr o d e Ar te S. J o ão d a Mad eir a , No v . d e 2 0 0 5 .
DR EY FU S, H ub er t, K E L LY, Se a n Do r r a nce – O P o li te ís mo d e Ho m er o . I n U m
M undo Il u mi na do : U ma le it ura do s c lá ss ic o s à pro cu ra d e u m s ent ido nu m
mu n d o sec u la r. T r ad . d e Fr a nci s co Go n çal v e s . 1 ª ed . Al fr a g id e : L u a d e P ap e l,
2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -2 3 - 1 5 8 7 -4 . cap . 3 , p . 7 3 -1 0 3 .
É SQ UI LO - O re st eia : Ag a mé mn o n : Co éf o ra s : Eu mé n id es . T r ad . d e Ma n ue l d e
Oli v eir a P ulq uér io . 2 ª e d . Li sb o a : Ed içõ e s 7 0 , 1 9 9 2 .
336
EU RÍ P E DE S – H i pó lit o . T r ad ., i n tr o d . e no t as d e Fr ed er ico Lo ur e nço . 1 ª ed .
Lis b o a : Co l ib r i, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 -8 0 4 7 -2 2 -3 .
— M ede ia . Co i mb r a : [ s .n.] , 1 9 5 5 .
GO L DHI L L , Si mo n – A mo r, S e xo e Tra g é d ia : A Co nt e mp o ra ne ida de do
Cla s sic i s mo . T r ad . d e Mar i a d a Gr aça Li ma Go me s. 1 ª ed . Li sb o a : Alê t hei a
Ed ito r es , 2 0 0 4 . I SB N 9 8 9 -6 2 2 -0 3 3 -6 .
— T h e p o e t he r o : la n g u ag e a nd r ep r es e nta tio n i n t he Od ys s e y. I n T he P o et ´ s Vo ic e
: es sa y s o n P o et ic s a n d Gr ee k Lit e ra t ure. C a mb r id ge : Ca mb r id ge U ni ver s it y
P r es s, 1 9 9 1 . I SB N 0 -5 2 1 -3 9 0 6 2 -1 . p . I -6 8 .
GR AV E S , Ro b er t – As d ea mb ul açõ e s d e U li s se s; O r e g r e sso d e U li s se s. I n O s
M it o s Greg o s. T r ad . d e F er na nd a B r a nco . 3 ª ed . L isb o a : E d i çõ e s D . Q ui xo te,
2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 0 -2 7 4 0 -9 . p . 7 2 6 -7 4 3 e 7 4 3 -7 5 0 .
LEW I S, S ia n - T he W o me n ´s Ro o m. I n T he At he nia n Wo ma n : A n i c o no g ra ph ic
ha n d bo o k. 1 ª ed . Lo nd o n a nd Ne w Yo r k : Ro u tled g e, 2 0 0 2 . I SB N 0 -4 1 5 -2 3 2 3 4 -1 .
p . 1 3 0 -1 7 1 .
LI S S AR R AG UE , Fr a nç o is - A F i g ur a ção d a s Mu l her es . I n D UB Y, Geo r ge s ;
P E R ROT , Mi c hel le, ed . lit . - H is t ó ria da s M ul h ere s no O c id ent e . T r ad . d e Hele n a
d a Cr u z Co el ho , I r e n e Vaq ui n h as , Leo n ti n a Ve nt ur a, G u il h er mi n a Mo ta. 1 ª ed .
P o r to : Af r o nt a me n to , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 - 4 . vo l I : a a nt i g uid ad e, p . 2 0 3 -2 7 1 .
LI S S AR R AG UE , Fr a nço is ; F R ONT I SI - D U CR O UX, Fr a nço is e - F r o m A mb i g ui t y to
A mb i va le n ce: A Dio n y si ac E xc u r s io n T hr o u g h t he “An a kr eo n ti c” Va se s.
In
B ef o re Se x ua l it y : Th e Co n st r uct io n o f Ero t ic E x per ie nce i n t h e A nc i ent G ree k
Wo rl d. P r i nce to n : P r i n ceto n U ni v er s it y P r es s, 1 9 9 0 . I SB N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 2 1 1 256.
L O R AUX, N ico l e – As M ã es de L ut o . T r ad . Ma r ia Cr is ti n a P i me n te l. 1 ª ed . L isb o a
: Ed i çõ e s Co s mo s, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -8 0 8 1 -3 2 -4 .
— O q ue é u ma D e us a? I n D UB Y, Geo r ge s, P E R ROT ; Mi c he lle , ed . li t. - H i st ó ria
da s M ul her es no O ci d ent e ; tr ad . d e Hel e na d a C r uz Co e l ho , I r e ne Vaq ui n h as ,
Leo nt i na Ve nt ur a, G ui l her mi na Mo t a. 1 ª ed . P o r to : Af r o n ta me n to , 1 9 9 0 . I SB N
9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 -4 . vo l I : a an ti g u id ad e , p . 3 0 -7 5 .
— Le s E x pér ie nce s de T ire sia s : Le f é mi n in et l´ ho mme Gr ec. 1 ª ed . P ar i s :
Éd it io ns Ga ll i ma r d , 1 9 8 9 . I SB N 2 -0 7 -0 7 1 7 0 0 -3 .
337
ME N DO N Ç A, J o sé T o l e nt i no - P er do a r H el ena . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al v i m,
2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 7 - X.
O ´HE AR , An t ho n y - Ho me r o . I n O s G ra n de s Li v ro s : da I lía da e da O di s se ia , d o
Fa u st o de Go et h e a o s L us ía da s , u ma v ia g e m p elo s 2 5 0 0 a no s da lit era t ura
clá ss ica . T r ad . Mar ia J o sé Fi g u eir ed o . Li sb o a : Alê t hei a Ed ito r es , 2 0 0 8 . I SB N
9 7 8 -9 8 9 -6 2 2 -1 7 3 -7 . p . 2 1 -6 3 .
P EREI R A, Mar ia H ele n a d a Ro c ha – H é la d e : a nt o lo g ia da c ult ura g r e g a . 1 0 ª ed .
Lis b o a : G u i ma r ãe s E d it o r es, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 6 5 -6 2 5 -8 . ( Li v r o co n s ul tad o ) .
— A te ia d e P e n élo p e . I n O LI V EI R A, Fr a nci sc o d e, co o r d . - Pe nélo pe e Ul i ss e s.
Co i mb r a : As s o ci ação P o r t u g ue sa d e Es t ud o s Cl ás si co s , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -9 8 1 4 2 -1 X. p . 1 1 -2 4 .
— Os P o e ma s Ho mér ic o s. I n Est u do s de H i st ó ria da Cu lt ura Clá s s ica . 6 ª ed .
Lis b o a : F u nd ação C alo u st e G u lb e n k ia n, 1 9 8 8 . p . 4 7 - 1 3 9 .
— O H eró i É pi co e o H eró i Trá g i co . Li sb o a: [ s . n.] , 1 9 8 5 -1 9 8 6 . C o mu n ica ção
ap r e se nt ad a à Cla s se d e L etr a s.
— O Co nc eit o de P o e sia na G réc ia A rca i ca . Co i mb r a : I n st it u to d e Es t ud o s
Cl á ss ico s, 1 9 6 2 .
P I ÑON, N él id a - A pr en diz de H o me ro . R e v. P e d r o Er ne sto F er r e ir a. 1 ª ed . Lisb o a
: Cír c u lo d e Le ito r es , T e ma s e Deb a te s, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 4 4 -1 0 0 -5 .
P LI NY T HE E LD E R - Ap o llo d o r u s, Ze u xi s a nd P ar r h as i u s. I n Na t u ra l H is t o ry : a
Sel ect io n . E n gl a nd : P e n g u i n B o o ks , 1 9 9 1 . I SB N 0 -1 4 0 -4 4 4 1 3 -0 . p . 3 3 0 .
P LUT AR C O - A Co ra g e m da s M ulh ere s : P lu t a rco . T r ad . d e Ma r ia d o Cé u
Fia l ho , P a ul a B ar a ta D i as e Cl á ud i a Cr a vo d a Si l va.
1 ª ed . Co i mb r a : Mi n er va,
2 0 0 1 . I SB N 9 7 2 -7 9 8 -0 0 0 1 -5 .
S AFO - P o e ma s e F ra g me n t o s de Sa f o . T r ad . d e Eu g é nio d e An d r ad e . 5 ª ed . P o r to
: F u nd ação E u gé n io d e An d r ad e, 1 9 9 5 .
S AV AT E R, Fer n a nd o - Cria t ura s do Ar. T r ad . d e M i g ue l Ser r a s P er e ir a. 1 ª ed .
P o r to : A mb ar , 2 0 0 7 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -4 3 -1 1 6 4 -7 .
SI S S A, Gi u li a – F ilo so f ia s d e G é ner o : P la tão , Ar i stó te le s e a D i fer e n ç a d o s se xo s.
I n D UB Y, Geo r ge s ; P E R R OT , Mic he ll e, ed . lit . - H is t ó ria da s M u lhe re s no
O ci de nt e ; tr ad . d e H el en a d a Cr u z Co el ho , I r en e Vaq u i n ha s, Leo n ti n a Ve nt ur a,
G ui l her mi n a Mo ta. 1 ª e d . P o r to : Af r o nt a me n to , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 -4 . vo l I :
a a nt i g uid ad e, p . 7 9 -1 2 3 .
338
SNE LL, B r u no - A C o nc ep ção d o Ho me m e m Ho mer o . I n A De sc o bert a do
E sp ír it o : As O r ig e ns d o P en sa me nt o E uro pe u na Gr écia . T r ad . d e Ar tu r Mo r ão .
2 ªed . Lisb o a : E d i çõ e s 7 0 , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -4 4 -1 1 3 5 -4 . p . 1 9 -4 6 .
SÓ FO C L E S – An tí go n a ; Áj a x ; Re i É d ip o . Lisb o a : Ver b o , [ D. L. 1 9 7 0 ]
T AP LI N, O li ve r - Ho m er . I n B O AR D M AN, J o h n, G RI FFI N, J a sp er , MU R R AY,
Os wyn ( ed . li t.) - Th e O xf o rd H i st o ry o f t he Cla s sica l Wo r ld . O x f o r d : O x fo r d
U ni ver s it y P r e s s, 1 9 8 6 . I SB N 9 7 8 – 0 1 -9 8 7 2 -1 . p . 5 0 -7 3 .
T E NNY SO N, Al fr ed - U l ys se s. I n P o e ms . 1 ª ed . Lo nd o n : Ed war d Mo xo n, 1 8 6 3 . p .
2 6 5 -2 6 7 .
VE RN ANT , J e a n -P ier r e ; F R ONT I SI - DU C R OU X, Fr a n ço i se – Da n s L ´ O e il d u
M iro ir. P ar is : E d it io ns Od i le J aco b , 1 9 9 7 . I SB N 2 -7 3 8 1 -0 4 9 7 -5 .
VI D AL - N AQ UE T , P i er r e - O M un do de H o mero . T r ad . d e Co nc eiç ã o Mo r e ir a,
Fát i ma Co s ta e T el ma C o st a. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -4 8 4 -3 .
— A Gr éci a An t i ga: Ci v ili zaç ão . I n R I COE U R, P au l, ed . - G réc ia e M it o . T r ad . d e
Leo no r Ro c ha V ieir a. 1 ª ed . L isb o a : Gr ad i va, 1 9 8 8 . p ar t e I I I , p . 6 1 -9 3 .
VI L L AR D, Fr a nço i s - L es Va se s Gr ec s. P ar i s : P r ess es U n i ver s ita ir e s d e Fr a nc e,
1956.
W AS OW I C Z, Al e ks a nd r a - M ir o ir o u q ue no u il le? La r ep r é se n tat io n d es f e m me s
d an s la cér a mi q ue at tiq u e. I n M ACT O U X, M ar ie - Mad e lei n e ; GE NY , E v el yn e, ed s.
- M éla ng e s P i err e L É VÊ Q U E. P ar i s : B esa n ç o n, 1 9 8 9 . Ant hr o p o lo gi e et so c ié té.
I SB N 9 7 8 2 2 5 1 6 0 3 7 7 3 . T o me I I , p . 4 1 3 -4 3 8 .
YO UR C E N AR , Mar g u er ite - M e mó r ia s de A dr ia no : s eg u i do de a po nt a me nt o s
so b re a s me mó ria s de Ad ria no . T r ad . d e M ar i a L a ma s. 1 4 ª ed . L isb o a : Ul i ss eia ,
2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 8 -4 6 9 -9 .
ZE I T LI N, Fr o ma I . - P la yi n g t he O t her : T hea ter , T heatr ica li t y, a nd t he f e mi ni n e i n
Gr ee k Dr a ma. I n P la y i ng t he O t he r : Ge n de r a nd So ci et y i n Cla s s ica l Gr ee k
Lit era t ur e. C hi ca go : T he U ni v er si t y o f C hi ca g o P r es s, 1 9 9 6 . I SB N 0 - 2 2 6 -9 7 9 2 2 9 . p . 3 4 1 -3 7 4 .
339
O Espelho Intacto de Luís XIV
B ENT H AM , J er e m y – P a no pt i co n : o r, T he In s pect io n H o u se. [ S .I .] : Do d o
P r es s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -1 -4 0 9 9 -5 2 0 2 -2 .
B OR GE S, J o r ge L u i s – H is t ó ria U niv e r sa l da I nf â mia . T r ad . J o sé B e n t o . Li sb o a :
As s ír io e Al vi m, 1 9 8 2 . Co l ecç ão G ato Ma ltê s. I SB N 9 7 2 -3 7 -0 3 5 0 -5 .
B OT T I NE AU, Y ve s – Ver sa i ll es : M iro ir de s P ri nc e s. P ar i s : Ar t h a ud , 1 9 8 9 .
I SB N 2 -7 0 0 3 - 0 7 4 7 -X. ( L i vr o co n s u ltad o )
C AL DE R ÓN DE L A B AR C A - O Gra n de Te a t ro do M un do de Ca l deró n de la
B a rca . Re vi s ta, p r e fac i ad a e a no tad a p o r P a u l o Q ui nt el a. Co i mb r a : T eatr o d o s
Est u d a nt es d a U ni ve r s id ad e, 1 9 4 5 .
CO R R E I A, N at ál ia - I n tr o d ução à P o e sia B ar r o ca P o r t u g ue sa. I n A nt o lo g ia da
Po es ia do per ío do B a rr o co . Li sb o a : Mo r a es Ed ito r e s, 1 9 8 2 , p . 7 -3 6 .
DE LE U ZE , Gi ll es - L e Pli : L ei bn iz et le B a ro q ue. P ar is : Le s É d it io ns d e
Mi n ui t, 1 9 8 8 . I SB N 9 7 8 -2 -7 0 7 3 -1 1 8 2 -5 .
DI AS, E mi lio Or o zco - I n tr o d ucc ió n al B ar r o co : De lo ap ar e nte a lo p r o f u nd o . I n
M a nieri s mo Y B a rro co . Mad r id : C áted r a, 1 9 7 5 . I SB N 8 4 -3 7 6 -0 0 4 4 -8 . p . 2 1 -6 1 .
— La V id a P úb l ic a Y d e La Co r te Y L a Fie s ta T eatr a l; L a Act u ació n en la V id a
co mo P er so naj e T eatr al. I n E l Tea t ro Y la Tea t ra li da d del B a rro co : E nsa y o d e
In t ro du cció n a l Te ma . B ar celo n a: P la ne ta, 1 9 6 9 . p . 8 9 -1 0 7 e 1 0 4 - 1 1 8 .
D ´O R S, E u g e nio - O B a rro co . T r ad . d e L u í s Al ve s d a Co sta . L isb o a : Ve ga, D. L .
1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -2 3 8 -9 .
FO U C AU LT , M ic he l - L es Mo ye n s D u B o n Dr es se me n t. I n S urv e il ler et P u ni r :
La Na i ssa nc e d e la P r iso n. P ar is : G al li ma r d , 1 9 7 5 . I SB N 9 7 8 -2 - 0 7 -0 7 2 9 6 8 -5 .
cap í t ulo I I , p . 2 0 0 -2 6 4 .
GR AC I ÁN, B al ta sar - O rá cu lo M a nua l y a rt e d e P r ud en cia . Mad r id : J ur a , 1 9 5 4 .
H AUSE R , Ar no ld - O Co n ceit o de B a rro co . P r ef. d e Da go b er to M a r k l ; B er ta
Me nd e s, An to n i no d e S o u sa e Alb er to C a nd e ia s, tr ad . Lisb o a : V e ga, 1 9 9 7 . I SB N
9 7 2 -6 9 9 -5 1 2 -4 .
340
HE RKE NH O FF , P a ulo - B r a zi l: T h e P ar ad o xe s o f a n Al ter n ate B ar o q u e. I n
AR M ST RO NG, E liz ab e t h ; Z AM U DI O -T AY LO R, V icto r , ed s. - Ult ra B a ro q ue :
As pe ct s o f P o st La t i n A me ri ca n A rt . C al i fo r n ia : M u se u m o f Co n te mp o r ar y Ar t
o f Sa n Di e go , 2 0 0 1 . I SB N 0 -9 3 4 4 1 8 -5 6 - X. p . 1 2 7 -1 3 9 .
K ANT OR OW I C Z, E r n st H. – T he P r o b le m: P lo wd e n ´s R ep o r t s; T h e S h ak esp ear e :
Ki n g R ic har d I I . I n Th e K i ng s Tw o B o d ie s : A St udy i n M ed ia ev a l Po l it ica l
T heo lo g y . 7 ª ed . P r i n ce to n , Ne w J er se y : P r i n c eto n U n i ver si t y P r e ss, 1 9 9 7 . I SB N
0 -6 9 1 -0 1 7 0 4 -2 . p ar te I e I I , p . 7 - 2 3 e 2 4 -4 1 .
M AR AV AL L , J o sé An t ó ni o - No vid ad e, I n ve nç ão , Ar t i fí cio ( P ap el So c ia l d o
T eatr o e d as F es ta s) . I n A C u lt u ra do B a rro co . T r ad . d e He nr iq u e R ua s. Li sb o a :
I n st it u to S up er io r d e No va s P r o f is sõ e s, 1 9 9 7 . I S B N 9 7 2 -9 2 2 5 -1 4 -1 . p . 3 0 1 -3 2 9 .
P E RNI O L A, M ar io – E nig ma s : O M o me nt o Eg í pc io na So ci eda de e na Art e .
T r ad . d e C at ia B e n ed e tt i . Ve nd a No v a : B er tr a nd , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -2 5 -0 7 6 2 -1 .
RO S SE LL I NI , Ro b er to – La P ri se de P o uv o i r P a r Lo ui s X IV [ Re g i sto víd eo ] .
Re al iza ção d e Ro b er to Ro ss el li n i e ar g u me n to d e P hi lip p e E r l a n ger e J ea n Gr ua lt .
[ Fr a n ce] : I n s ti t ut nat i o na l d e l ´a ud io vi s ue l, 1 9 6 6 . 1 DV D v íd eo ( 9 4 mi n .) co r .
Re s ta ur ad o e m 2 0 0 8 p o r Cr ite r io n Co lle ct io n.
RO U SS E T , J ean - La Lit t éra t ur e d e L ´ Âg e B a ro q ue e n F ra nc e : Cir cé et le
Pa o n. 3 ª r e i mp . P ar i s : J o sé Co r ti, 1 9 5 4 . p . 7 -3 1 e 1 7 7 -2 5 0 .
SEN E C A, L u ci u s An n a eu s - O n …F ir e s. I n N a t ura l Qu e st io n s. T r ad . Har r y M.
Hi ne . C h ic a go : T h e U ni v er si t y o f C hic a go P r es s, 2 0 1 0 . I SB N 0 -2 2 6 -7 4 8 3 8 -3 .
li vr o I , p . 1 3 6 -1 6 2 .
ST AR OB I N S KI , J ea n - D´ Ar t if ice s e n Ed if i ce s o u le pa r co u rs se n si bl e à t ra v er s
le s a rt if ice s de s é dif ice s re na i s sa nt s, ma n iér i s t es, ba ro qu e et ro co co . Gen è ve :
Le S ep t iè me Fo u , 1 9 8 5 . I SB N 2 -8 8 1 7 4 - 0 0 2 -2 .
T AV AR E S, Do mi n go s - T eatr o d o M u nd o . I n F ra nc es co B o r ro mi ni : Di nâ mi ca s
da Ar qu it ec t u ra . 1 ª e d . [ P o r to ] : Da f ne , Se b en ta s d e H i stó r ia d a Ar q ui tec t ur a
Mo d er na, 2 0 0 4 . p . 4 7 -6 1 .
VI E I R A, P ad r e Antó n i o - Ser mão d o De mó n io M ud o . I n P I M ENT E L, M a n ue l
Câ nd id o , ed . l it. ; Ar na l d o Esp ír ito Sa nto , Mar i a P i me nte l e An a P au la B an za, co au t. - Ser mã o d e S. A nt ó n io a o s Pe i xe s, Se r mã o do Se xa g és i mo , S er mã o do
341
de mó n io M u do . [ L i sb o a ] : As so ci ação d a s U ni v er s id ad e s d e Lí n g ua P o r tu g u e sa, D.
L. 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -9 5 4 2 5 -7 -0 . p . 7 9 -1 1 9 .
W Ö LF F LI N, He i nr i c h - Re na c i mi e nt o y B a rr o co . 1 ª ed . P ar is : P a i d o s, 1 9 8 6 .
I SB N 8 4 -7 5 0 9 - 3 5 0 -7 .
O Espelho e o Tempo
AR I ÈS , P h il ip p e - O m ni a V a ni ta s. I n I ma g es o f M a n a nd D ea t h. Ca mb r id ge,
Ma ss ac h u se tt s
a nd
Lo nd o n
:
Har v ar d
U ni ver s it y
P r e s s,
1985.
I SB N
9780674444102. p. 176-211.
B AL, M ie ke – St ic k y I ma g e s: t h e fo r e s ho r te ni n g o f t i me i n a n ar t o f d ur a tio n . I n
GI L L, C ar o l yn B ai le y, e d . – T i me a nd t h e I ma g e. 1 ª ed . Ma n c he st er , Ne w Yo r k :
Ma nc he s ter U ni v er s it y P r es s, 2 0 0 0 . I SB N 0 -7 1 9 0 -5 8 1 4 -7 . p . 7 9 -9 9 .
B OR GE S, J o r ge L u i s - O T e mp o . I n J o rg e L ui s B o rg es : O b ra s Co mp l et a s. 1 ª ed .
Lis b o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 2 1 -9 . v o l. I V , p . 2 0 8 -2 1 6 .
— F u n es o u a Me mó r ia. I n J o rg e L u is B o rg e s : O bra s Co mp l et a s . 1 ª e d . Li sb o a :
T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 4 7 -2 . vo l. I , p . 5 0 3 -5 0 9 .
C AL L AH AN , J o h n F . – P lato : T i me, t he Mo v i n g I ma ge o f E ter n it y. I n F o ur Vi ew s
o f Ti me in A nci ent P h i lo so p hy . 1 ª ed . W es tp o r t, Co n n ec tic u t : Gr ee n wo o d P r es s,
1 9 6 8 . I SB N 0 -8 3 7 1 -0 3 3 7 -1 . p . 3 -3 7 .
CH ENE Y, Li a na d e G ir o la mi – V a ni t y/ V a ni ta s. I n R OB E RT S, He le n e E., ed . E ncy c lo p ed ia o f Co mp a ra t iv e I co no g ra p hy : T he me s De pic t e d i n W o r ks o f Art .
1 ª ed . C hi ca go ; Lo nd o n : Fi tzr o y D ear b o r n P ub l is h er s , 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 -0 0 9 -2 .
vo l . I I , p . 8 8 2 -8 8 7 .
D AM ÁS I O, An tó n io - U ma Ar q ui te ct ur a p a r a a Me mó r ia. I n O Liv ro da
Co n sc iê nc ia : A Co nst r uçã o do C ére bro Co n s cie nt e . T r ad . Lu í s M i g u el O li v eir a
Sa n to s. 1 ª ed . Li sb o a : Cír c ulo d e Le ito r e s, T ema s e Deb ate s, 2 0 1 0 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 6 4 4 -1 2 0 -3 . cap ít u lo 6 , p . 1 6 7 -1 9 5 .
DET I ENN E , Mar cel , SI SS A, G i ul ia - O s De us es da G réc ia . T r ad . d e Ma n ue la
Mad ur e ir a. L i sb o a : P r e se nç a, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 - 2 3 -1 4 1 4 -9 .
342
DI DI - HUB E R M AN,
Ge o r ge s
-
Dev a nt
le
T e mp s
:
H i st o ire
de
L´ Art
et
Ana ch ro n is me d es I ma g es. 1 ª ed . P ar i s : Le s É d itio n s d e M i n ui t, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 8 2 -7 0 7 3 -1 7 2 6 -1 .
EC O, U mb er to – T i me s. I n LI P P I N C OT T , Kr is te n, ed . - T he St o ry o f Ti me .
Lo nd o n : Mer r el l Ho b e r t o n P ub li s h er s : Na tio n al Mar i ti me M u se u m, 1 9 9 9 . I SB N 1 8 5 8 9 4 -0 7 2 -9 . p . 1 0 -1 5 .
— O T e mp o d a Ar te. I n O s E s pe lho s e O ut ro s E nsa io s. T r ad . d e Hele n a Do mi n go s
e J o ão F u r tad o . 1 ª ed . L isb o a : Di f el, 1 9 8 9 . p . 1 3 3 - 1 4 3 .
FI AL H O, Mar ia d o C é u - O vé u d o te mp o e a lu z d a li r a: Ol ím p ica I I . I n
LOU RE N ÇO , F r ed er ico , o r g. - E nsa io s So br e Pín da ro . 1 ª ed . Lisb o a : Co to v ia,
2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 9 5 -1 8 8 -8 . p o nto 2 , p . 3 5 - 4 5 .
G ALI S ON, P e ter - O L u gar d o T e mp o . I n O s Re ló g io s de Ei n st e i n e o s M a pa s d e
Po in ca ré : I mp é rio s d o Te mpo . T r ad . d e Nu n o Gar r id o d e Fi g ue ir ed o , 2 0 0 5 . 1 ª
ed . Li sb o a : Gr ad i va, 2 0 0 5 . I SB N 9 8 9 -6 1 6 -0 1 4 -7 .
G ANT ES, Ma n ue l – Va ni ta s : A Me mó r ia d e T e mp o n a P in t ur a . L isb o a : [ s. n.] ,
2 0 0 3 . T ese d e Me str ad o e m P i nt ur a so b a o r i e nt ação d o P r o fe s so r P ed r o Sar a i va e
co -o r ie n taç ão d o P r o fe s so r T h ier r y d e D u v e, Fa cu ld ad e d e B e la s Ar t es d e Li sb o a.
G ASKE L, I va n – T he I ma g e o f Va n it as : E f fo r es ce nc e a nd E va n e sce n ce . I n
LI P P I N C OT T , Kr i ste n , ed . - T he S t o ry o f Ti me . Lo nd o n : M er r e ll Ho b er to n
P ub l is h er s : Na tio n al M ar it i me M u se u m, 1 9 9 9 . I SB N 1 -8 5 8 9 4 -0 7 2 -9 . p . 1 8 6 -1 8 9 .
GR I M AL , P i er r e - C r o n o . I n D icio ná r io de M it o lo g ia G reg a e Ro ma na . Co o r d . d a
ed . p o r t u g u es a V ic to r J ab o u il le. 5 ª ed . Li sb o a : D i fel D. L. 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 2 9 -0 9 2 6 /0 9 . p . 1 0 5 .
H AT HE R L Y, An a - R ep r e se nt ação d o t e mp o n a id ad e B ar r o ca. I n O La d rã o
Cri st a li no . 1 ª ed . L i sb o a : Co s mo s, 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 - 7 6 2 - 0 4 2 -6 . p . 9 1 -1 0 4 .
H AW KI N G, S tep he n - B rev e H i st ó ria do T e mpo . T r ad . d e Mar ia Ali c e Go me s d a
Co st a. 6 ª ed . L i sb o a : G r ad i va, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 - 6 6 2 -0 1 0 -4 .
HE RKE NH O FF , P au lo ; M AR C O CI , Ro xa na, co -a u t. ; B ASI LI O, Mi r ia m, co - a ut. Te mp o . Ne w Yo r k : T h e M us e u m o f Mo d er n Ar t , co p . 2 0 0 2 . I SB N 0 -8 7 0 7 0 -6 8 6 -1 .
343
K LEI N, É tie n n e – O T e mp o : de Ga li le u a Ei n st e in . T r ad . Ed uar d o d o s Sa nto s. 1 ª
ed . Ca sal d e Ca mb r a : C ale id o s có p io , 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 1 0 -7 9 -7 .
— E i nst ei n + 6 : a Rev o lu çã o . T r ad . d e T iago Mar q ue s. 1 ª ed . Ca s al d e Ca mb r a :
Ca le id o s có p io , 2 0 0 7 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 1 0 -9 3 -3 .
KUB LE R , Geo r ge s - A F o r ma do Te mpo : O bs erv a çã o so b re a s hi s t ó ria s do s
o bj ec t o s. T r ad . J o sé Vi eir a d e Li ma . 3 ª ed . Li sb o a : Ve g a, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 2 3 6 -2 .
LAU RI O Z, H ub er t – E s p el ho . I n Dic io ná rio de Su pe rs t içõ es : O rig en s, S í mb o lo s ,
Seg r edo s. T r ad . I sab el St. Au b yn .
1 ª ed . Li sb o a : T e ma s e D eb at e s, 1 9 9 9 . I SB N
9 7 2 -7 5 9 -1 7 2 -8 . p . 1 0 7 .
L OD E R ME YE R, P et er ; DE J O NG H, Ka r l yn ; GO LD, Sar a h , ed s . – P erso na l
St r uct ur es : T i me. S pa ce. E x i st e nce. Ger ma n y : Du Mo nt B uc h ver la g, 2 0 0 7 . I SB N
9 7 8 -3 -8 3 2 1 -9 2 7 9 -2 .
L YOT ARD , J ea n - Fr a n ço is – O t e mp o , ho j e ; O i n st a nte , Ne wma n . I n O In u ma no :
Co n si de ra çõ e s so bre o Te mp o . T r ad . d e An a Cr i st i na Se ab r a e E li s ab et e
Ale x a nd r e. 1 ª ed . Li sb o a : E st a mp a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 3 -0 7 6 1 -8 . p . 6 5 -8 3 e 8 5 -9 4 .
MO RG AN , J es si ca ; MU I R, Gr e go r , ed s. – Ti me Zo ne s : Re ce nt Fil m a nd V i deo.
Lo nd o n : T ate P ub li s h i n g, co p . 2 0 0 4 . I SB N 1 -8 5 4 3 7 -5 4 9 -0 1 . ( Li vr o co n s ul tad o ) .
MUÑ O Z, O sca r ; M us eo E xtr e me no e I b er o a me r ic a no d e Ar t e Co nt e mp o r á ne o
( B ad aj o z, E sp a n ha) , e d . li t. ; J i mé n ez,
Ca r lo s , co -a u t.
- O s ca r
M uño z :
Do c u me nt o s de la A mne sia . B ad aj o z : MEI AC, D. L. 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -8 4 -6 1 2 6 7 2 8 -E .
P ANO F SK Y,
E r wi n
-
O
P ai
T e mp o .
In
E st u do s
de
Ico no lo g i a
:
Te ma s
H u ma n í st ico s na A rt e do Re na s ci me nt o . T r ad . d e Ol i nd a B r a ga d e S o u sa. 1 ª ed .
Lis b o a : E st a mp a, 1 9 8 6 . I SB N 9 7 2 -3 3 1 -0 1 8 - X. p . 6 9 -8 9 .
R AVE N AL , J o h n B . ; V i r g i nia M u se u m o f Fi ne Ar t s, ed . l it . ; R u ms e y, Mo n ic a, ed .
lit . – Va n it a s : M ed it a t io n s o n L if e a n d D ea t h in Co nt e mp o ra ry Ar t . R ic h mo nd
: V ir gi n ia M us e u m o f F i ne Ar ts , 2 0 0 0 . I SB N 0 - 9 1 7 -0 4 6 -5 5 -2 .
S ALLI S , J o h n – T i me a nd I ma g e. I n GI L L, C a r o l yn B ai le y, ed . – Ti me a nd t h e
I ma g e. 1 ª ed . Ma n c he st er , Ne w Yo r k : Ma nc h e st er U ni v er s it y P r e s s, 2 0 0 0 . I SB N
0 -7 1 9 0 -5 8 1 4 -7 . p . 1 1 -2 0 .
344
S ANT O AG OST I N HO - O Ho me m e o T e mp o . I n Co nf is sõ e s. T r ad . d e J . Oli ve ir a
Sa n to s e A. A mb r ó sio P in a . 6 ª ed . P o r to : Li vr a r ia Ap o s to lad o d a I mp r e n sa, 1 9 5 8 .
li vr o XI , p . 2 9 5 -3 2 7 .
SHE FE R, E la i ne - M ir r o r /R e fl ec tio n. I n ROB E R T S, Hel e ne E., ed . - En cy clo pe dia
o f Co mpa ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pi ct ed in Wo r ks o f A rt . 1 ª ed . Lo nd o n
: F it zr o y D ear b o r n P ub li s her s, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 8 -1 5 7 -9 5 8 -0 0 9 4 . vo l. I I , p . 5 8 7 -6 0 8 .
SI LVE RST E I N , S h el - A Árv o re G en ero sa . T r ad . d e Mi g u el Go u ve ia. 3 ª ed .
Fi g u eir a d a Fo z : B r ua á E d ito r a, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 1 6 6 -0 0 -5 .
SW I FT , J o n at ha n - A s Via g e n s de G ul liv er. T r ad . e p r e f. L u zi a Mar ia Mar ti n s. 1 ª
ed . Li sb o a : E d i to r ia l P r ese n ça, 1 9 6 4 .
VI D AL - N AQ UE T , P ier r e – Di vi n e T i me a nd H u ma n T i me . I n T he B la c k H u nt e r :
Fo r ms o f T ho ug ht a nd F o r ms o f So ci et y i n t he G ree k Wo r ld . T r ad . d e And r e w
Sze g ed y- M as za k. 1 ª ed . Lo nd o n : T he J o h n Ho p ki n s U n i ver si t y P r e s s, 1 9 8 6 . I SB N
0 -8 0 1 8 -5 9 5 1 -4 . p ar te I , p . 3 9 -6 0 .
YO UR C E N AR , Mar g ue r ite - O T e mp o , e s se gr and e es c ul to r . I n O T e mp o , es se
Gra n de Es cu lt o r. T r ad . Hele n a Vaz d a S il v a. 5 ª ed . Mir a flo r es : Di fe l, 2 0 0 1 .
I SB N 9 7 2 -2 9 - 0 5 6 2 -7 . p . 4 9 -5 3 .
Z AMB R AN O, Ma r ia - A At e mp o r a lid ad e. I n O s So n ho s e o Te mp o . T r ad . d e
Cr i s ti n a Ro d r i g ue s e Ar t ur G u er r a. 1 ª ed . Li s b o a : Re ló gio d ´ Ág u a, 1 9 9 4 . I SB N
9 7 2 -7 0 8 -2 2 2 - X. p . 5 5 -9 0 .
CAPÍTULO II
O Sonho de Platão
B L OO M, Ha r o ld - O s Gr e go s: a Di sp ut a e nt r e P latão e Ho mer o . I n O nd e E st á a
Sa b edo ria ? . T r ad . d e Mi g ue l S er r a s P er ei r a. 1 ª ed . Li sb o a : Re ló gio D ´Ág u a
Ed ito r es , 2 0 0 8 . Co l ecç ão Antr o p o s. I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 4 1 -0 5 2 -0 . p r i me i r a p ar te : o
p o d er d a sab ed o r ia , p o nt o 2 , p . 3 9 -7 5 .
B L UME NB E RG , Ha n s – Li g h t a s a Met ap ho r fo r T r ut h at t he P r e li mi n a r y S ta g e o f
P hi lo so p h ic al Co nc ep t Fo r ma tio n ( 1 9 5 7 ) . I n LE VI N, Da v id M ic ha el,
345
ed .
-
M o dern it y a n d t he H eg e mo ny o f Vi sio n. B er k el y, Lo s An g el e s, Lo nd o n :
U ni ver s it y o f C al i fo r ni a P r ess, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 8 -0 -5 2 0 -0 7 9 7 3 -1 . cap í t ul o 1 , p . 3 0 62.
— Af t er t he Ab so l u ti s m o f Re ali t y. I n Wo r k o n M y t h. T r ad . e no t as d e Ro b er t M.
W all ace. 2 ª ed . C a mb r i d ge , Ma ss ac h u se tt s a nd Lo nd o n : T he M I T P res s, 1 9 9 0 .
I SB N 0 -2 6 2 5 2 - 1 3 3 -4 . p a r t I , p . 3 -3 3 .
B R AG AN Ç A DE MI R A ND A, J o sé A. – Co n tr o lo e De sco n tr o lo d o I ma g i nár io .
Co mu n i ca ção e So cied a d e . I S S N 1 6 4 5 -2 0 8 9 . 4 ( 2 0 0 2 ) 4 9 -7 2 .
C AC CI AR I , Ma ss i mo – E l E sp ej o d e P la tó n ; N ar ci so , o d e la P i nt ur a. I n E l D io s
qu e ba ila . T r ad . d e Vi r g i nia Gal lo . 1 ª ed . B u eno s Air e s, B ar c elo n a, Méx ico :
P aid ó s, 2 0 0 0 . I SB N 9 5 0 -1 2 -6 5 1 7 - X. p . 5 7 - 6 9 e 7 1 -8 7 .
C AL AS S O, Ro b e r to - O T er r o r d as Fáb u la s. I n O s Q ua re nt a e No v e Deg ra u s.
T r ad . d e Mar ia J o r g e V ilar d e Fi g u eir ed o . 1 ª e d . Li sb o a : Ed içõ e s Co t o vi a, 1 9 9 8 .
I SB N 9 7 2 -8 0 2 8 - 6 5 -2 . p o nto 1 1 , p . 9 9 -1 1 2 .
C AN FO R A, L u cia no - U m O f í cio Per ig o so : a Vi da Q uo t id ia na do s F iló so f o s
Gr eg o s. T r ad . M a n uel R ua s. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -5 4 6 -7 .
C AS AT I , Ro b er to – S h a do w s : U nlo c king Th eir Se cret s, f ro m P la t o t o O u r
Ti me . 1 ª ed . Ne w Yo r k : Vi n ta ge B o o k s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -3 7 5 -7 0 7 1 1 -5 .
CO LLI , Gio r g io - La N a is sa nce d e la P h ilo so ph ie . T r ad . d o i tal ia no d e P atr ici a
Far a zz i. 1 ª ed . P ar is : É d itio n s d e l ´é c lat , 2 0 0 4 . I SB N 2 -8 4 1 6 2 - 0 8 4 -0 .
C RO S S, R . C. , W OO Z L E Y, A. D . - S u n, Li ne a nd Ca ve. I n P la t o ´ s Re pu b lic : A
Phi lo so p h ica l Co mme n t a ry . 1 ª ed . Lo nd o n : The M acM il la n P r e ss , 1 9 6 4 . I SB N 0 3 3 3 -1 9 3 0 2 -4 . cap ít u lo 9 , p . 1 9 6 -2 3 0 .
DE C RE S CE N Z O, L uc ia no - O Mi to d a Ca ver n a. I n H i st ó r ia da F ilo so f i a G reg a a
pa rt ir de Só c ra t e s. T r ad . M ar ia J o r g e V il ar d e F i g ue ir ed o . 1 ª ed . Li sb o a :
P r ese n ça, 1 9 8 8 . p . 7 9 -8 4 .
DE R RI D A, J acq u es - La P har ma ci e d e P l ato n. I n La D i ss é mi na t io n. 1 ª ed . P ar i s :
Éd it io ns d u Se ui l, co p . 1 9 7 2 . I SB N 2 -0 2 -0 2 0 6 2 3 -4 . p . 7 7 -2 1 3 .
GOMB RI C H, E . H. – Sh a do w s : T he De pi ct io n o f Ca st S ha do w s in W e st e rn Ar t .
Lo nd o n : Nat io na l G al le r y P ub l ic at io ns, 1 9 9 5 . I SB N 0 -3 0 0 -0 6 3 5 7 -1 .
346
H AVE LOC K, E r ic - T he Nec e ss it y o f P lato n is m. I n P r ef a ce t o P l a t o . 1 ª ed .
Ca mb r id ge, Ma s sac h u se tt s a nd Lo nd o n : T he B el k nap P r e s s o f Ha r var d Un i ver s it y
P r es s, 1 9 6 3 . I SB N 0 -6 7 4 -6 9 9 0 6 -8 . p ar t e d o i s, p . 1 9 7 -2 7 5 .
KE AT S, J o h n - La mi a. I n B AR N AR D, J o h n, ed . - J o h n K ea t s : T h e Co mp let e
Po e ms . 2 ª ed . Lo nd o n : P en g u i n B o o ks , 1 9 7 7 . p . 4 1 4 - 4 3 3 .
LI C HT E NST E I N, J acq u eli n e - De L a T o il et t e P la to nic ie ne . I n La Co u le ur
Élo q ue nt e
:
R hét o r iq ue
et
Pe int ur e
à
L´ Âg e
Cla s si q ue.
2ª
ed .
P ar is
:
Fla m mar io n, 1 9 9 9 . I SB N 2 -0 8 -0 8 0 0 9 9 - X. p . 4 5 -6 3 .
MO LDE R, Mar ia F ilo me na - E s c uta r ía mo s Nó s u m C ar va l ho o u u ma P ed r a, se el es
Di s se ss e m a V er d ad e? I n Mo ld er , Mar i a Fi lo me na ; So ar es, M ar ia L uí s a Co uto ( o r g.
p o r ) - A F i lo so f ia e o Re st o : U m Co ló qu io . Lis b o a : Co lib r i, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 8 2 8 8 -5 5 -7 . p . 7 7 -8 7 .
MU RD O CH , I r i s - Aca st o : do i s diá lo g o s p l a t ó ni co s . T r ad . d e M a r ia L eo no r
T elle s. 1 ª ed . L i sb o a : E d içõ e s Co to v ia, 1 9 9 0 . I S B N 9 7 2 -9 0 1 3 -1 3 -6 .
— T he F ire a n d T he S un : Why Pla t o B a n is he d T he Art ist s ( B a se d U po n t h e
Ro ma n Lect ur e 1 9 7 6 ) . 1 ª ed . O x fo r d : C lar e nd o n P r e ss , 1 9 7 7 . I SB N 0 - 1 9 -8 2 4 5 8 0 7.
P ANO F SK Y, E r wi n - L a Ant i g ued ad . I n Id ea : Co nt ri b ució n a la h i s t o ria de la
t eo ria d el a rt e. T r ad . d e Ma r ia T er e sa P u ma r e ga. 1 ª ed . Mad r id : Cá t ed r a, 1 9 7 1 .
I SB N 8 4 -3 7 6 -0 1 0 1 -0 . p . 1 7 -3 3 .
P EREI R A, M ar i a He le n a d a Ro c ha - P r o j ecçã o d a F i g ur a d e P la tão na C u lt ur a
Gr e ga. I n E st u do s d e H is t ó ria da C ult ura C lá s s ica . 8 ª Ed . Lisb o a : F u nd a ção
Ca lo u ste G u lb e n ki a n, i m p . 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -3 1 -0 7 9 9 -6 . vo l. I , p . 4 8 5 -4 9 5 .
P ESS O A, F er na nd o - A P as sa ge m d a s Ho r a s ( fr a g me n to ) . I n P o e ma s E sc o lh ido s de
Álv a ro d e Ca mp o s. E d . Fer n a nd o Cab r al Mar ti n s e R ic h ar d Ze ni t h. 1 ª ed . Li sb o a :
As s ír io & Al vi m, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 6 9 4 - 8 . p . 8 5 -9 0 .
P I R ANDE L L O , L u i gi - U m, N i ng u é m e C e m M il. T r ad . d e M ar gar id a P er iq u ito .
Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o E d ito r e s, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -0 4 1 -8 .
P L AT ÃO – F ed ro . I n tr o d ., tr ad . e no ta s d e J o sé Rib e ir o F er r e ir a. 2 ª ed . Li sb o a :
Ed içõ e s 7 0 , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -4 4 -1 5 9 5 -6 .
347
— A R ep ú bl ica . I ntr o d ., tr ad . e no ta s d e M ar ia He le n a d a Ro c ha P er eir a. 1 1 ª
ed ição . Li sb o a : F u nd a ção Calo u s te G u lb e n k ia n. Ser v iço d e E d u caç ão e B o ls as ,
2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 1 - 0 5 0 9 -8 .
P LOT NI T S KY,
Ar kad y
- Co nc l u sio n : W it ho ut
Ab so l ut es .
I n P LO T NI T SKY,
Ar kad y, R AJ AN, T ilo tt a ma ( ed .) - I dea li s m W it ho ut Ab so lu t e s : Ph ilo s o phy a n d
Ro ma nt ic C ult ur e. 1 ª e d . Ne w Yo r k : S tat e U n iv er si t y o f Ne w Yo r k P r es s, 2 0 0 4 .
I SB N 0 -7 9 1 4 - 6 0 0 1 -0 . p . 2 4 1 -2 5 1 .
RU S SE L L , B er tr a nd - A U to p i a d e P l at ão . I n H i st ó ri a da Fi lo so f ia O ci de nt a l .
T r ad . d e Vi eir a d e Al me id a. L i sb o a : Cír c ulo d e Lei to r e s, 1 9 7 7 . vo l. I , p . 9 7 -1 3 1 .
SKI L L E N, An t ho n y - Fi ctio n Y ear Z er o : P la to ´ s Rep ub li c. T he B r it i s h J o ur n al o f
Ae st he ti cs . O x fo r d . I SS N 0 0 0 7 -0 9 0 4 . 3 2 : 3 ( 1 9 9 2 ) 2 0 1 -2 0 8 .
S LOT E RDI J K, P ete r - Te mp era me nt o s F i lo só f ico s : U m B rev iá rio de P la t ã o a
Fo uca ul t. T r ad . d e J o ão T iago P r o e nç a. Lisb o a : Ed . 7 0 , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -4 4 1 6 9 3 -9 .
T ANI ZAK I , J u ni c hir o - Elo g io da So mb ra . T r ad . Mar ga r id a Gi l Mo r ei r a. Li sb o a :
Re ló gio D ´ Ág u a E d ito r e s, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 5 2 1 -0 .
T AV AR E S, Go n ça lo M. - P l at ão . I n B i bl io t e ca . P o r to : Ca mp o d a s Le tr a s, 2 0 0 4 .
I SB N 9 7 2 -6 1 0 - 7 9 9 -7 . p . 1 4 1 .
VE RN ON, Mar k – I pla t ã o : F ilo so f ia pa ra o dia - a - dia . T r ad . d e Ar t ur Lo p e s
Car d o so . L i sb o a : C l ub e d o Auto r , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -8 4 5 2 2 -0 -7 .
W EI L, Si mo n e - A F o n t e Greg a : E st udo s so bre o pe nsa me nt o e o es pí rit o da
Gr éc ia . T r ad . d e Fi lip e J ar r o . 1 ª ed . Li sb o a : Li vr o s Co to vi a, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 - 7 9 5 1 3 7 -6 .
YE AT S, W il lia m B u tl er - Ro sa Alc he mic a. I n R o sa A lc he mica , A s Tá b ua s da Lei ,
A Ado ra çã o do s M a g o s. T r ad . De He le n a Car d o so . L isb o a : Ro ma E d ito r a,
Co l ecç ão So p r o , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 6 3 -2 1 -2 . p . 1 5 -9 1 .
348
CAPÍTULO III
O Duplo
AL E X AND RE , An tó nio Fr a n co – d up lo . I n U ma Fá bu la . Li sb o a : Ass ír io &
Al v i m, 2 0 0 1 . Co le cção Ser p e n te E mp l u ma d a. I S B N 9 7 2 -3 7 -0 6 5 7 -1 . p . 3 1 -4 6 .
AMI S, M ar t i n - O Seg un do Av iã o : 1 1 de S et e mb r o : 2 0 0 1 - 2 0 0 7 . T r ad . J o r g e
P ir es .
1 ª ed . L i sb o a : Q uet zal E d i to r e s, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 6 4 - 0 . p . 1 3 -1 9 .
AN DR E S E N, So p h ia d e Me llo B r e yn er – D er i va. I n Na v eg a çõ e s. Li sb o a :
Ca mi n h o , 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 0 4 9 -7 . p . 3 0
AR NO LD, C ar r i e - Mo n ke y i n t he Mir r o r : co u ld r h es u s ma caq u e s b e se l f -a war e?
Sci e nt i fi c Amer ic a n Mi nd . [ E m li n ha] . [ Co n s u ltad o a 2 d e O u t ub r o d e 2 0 1 3 ] .
Ar t i go e scr ito e m M ar ço d e 2 0 1 1 . Di sp o ní v el e m
ww w< u r l : h ttp :/ / www. s c ie nt i fi ca me r ic a n.co m/ ar t icl e.c f m? id = mo n ke y - i n - t he - mir r o r
B AUD E L AI R E , C h ar le s - E d ga r P o e, a s ua vi d a e a s s ua s o b r as ; N o va s No ta s
so b r e Ed g ar P o e. I n A Inv en çã o da M o der ni da d e ( So br e Art e, Lit era t u ra e
M úsica ) . T r ad . P ed r o T a me n. 1 ª ed . Li sb o a : R eló gio D ´ Ág u a Ed ito r es, Clá s si co s ,
2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -7 0 8 -8 8 5 -6 . p .7 1 -9 3 e 9 4 -1 1 1 .
B AUD RI L L AR D , J ea n - Si mu la cro s e S i mu la ç ã o . T r ad . d e Mar ia J o ã o d a Co sta
P er eir a. 1 ª ed . L i sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a Ed i to r e s, An tr o p o s, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 1 4 1 - X.
B ÉN AR D D A CO ST A, J o ão – Os Se gr ed o s d e Or so n W el l s ( 2 8 - 1 1 -0 3 ) . I n
Cró nica s : I ma g en s P r o f ét ica s e O ut ra s. P r e f ácio d e J o sé T o le n ti no Me nd o nça ;
Lú cia G u ed e s V az, ed . li t. L i sb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 1 4 7 2 -2 . vo l I , p . 3 6 7 -3 7 1 .
— V er t i go . I n O s F i l mes da M in ha Vi da . Li s b o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 7 . I SB N
9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 3 4 -6 . p . 2 0 5 -2 1 0 .
— V ert i g o /1 9 5 8 . C i ne ma te ca P o r t u g u es a – Mu s e u d o Ci ne ma, te x to d e 1 8 d e
J ane ir o d e 1 9 9 9 . Ace s sí ve l na C i ne ma t eca d e Li sb o a, P o r t u ga l.
— P er so na /1 9 6 6 . C i ne ma te ca P o r t u g ue sa – Mu s e u d o C i ne ma , te xt o d e 2 2 d e
No ve mb r o d e 1 9 9 7 . Ace s sí ve l na C i ne ma t eca d e Li sb o a, P o r t u gal .
— P er so na. A E xi s tê nc ia d o T er r í ve l. I n O s Fil me s da M inha V ida ; o s me u s
f il me s da v i da . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 2 6 0 -6 . p . 1 0 3 -1 0 9 .
349
B ENJ AMI N, W a lter - A Ob r a d e Ar t e na E r a d a su a R ep r o d ut ib i lid ad e T écni ca. I n
So b re Art e, T éc nica , Li ng ua g e m e P o lít ica . T r ad . d e Mar ia L u z Mo ta, M ar i a
A mél ia Cr uz, Ma n u el Alb er to ; p r e f. T . W . Ad o r no . 1 ª ed . Lisb o a : R eló gi o
D ´Ág u a E d i to r e s, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 1 7 7 -0 . p . 7 1 -1 3 5 .
B E R GM AN, I n g mar - P er so na [ Re gi s to víd eo ] . R ea liz ad o e es cr i to p o r I n g mar
B er g ma n . T ar t a n F il ms : AB S ve n s k Fi l mi nd u s tr i, 1 9 6 6 . 1 D VD v íd eo ( 8 0 mi n.)
( P AL) : p r eto e b r a n co , s o n.
B L OO M, Har o ld – Cer va n te s e S ha ke sp e ar e . I n O n de E st á a Sa be do ria ? . T r ad .
Mi g ue l Se r r a s P er eir a. L is b o a : Reló g io D ´ Ág ua Ed ito r es , Antr o p o s, 2 0 0 8 . I SB N
9 7 8 -9 8 9 -6 4 1 -0 5 2 -0 . p . 7 7 -1 0 7 .
— A A ng ú st ia da I nf lu ênc ia : U ma t eo r ia da po e sia . T r ad . Mi g u el T a me n . 1 ª ed .
Lis b o a : E d i çõ e s Co to v i a, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 9 0 1 3 -8 1 -2 .
B OR GE S, J o r g e L u i s – B o rg es V er ba l. I n B R A VO, P il ar ; P AO LET T I , Mar io , ed s.
; tr ad . d e J o sé B e nto . Li sb o a : As s í r io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 6 8 0 -6 .
— O O u tr o . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O b ra s Co mp l et a s. Li sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 .
I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 9 -1 4 .
CO R R E I A, Hé li a – A d o ecer. 1 ª ed , 1 ª r e i mp . Li sb o a : Re ló gio D ´ Á g ua , 2 0 1 1 .
I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -1 6 0 - 2 .
C AV ALC ANT I , Alb er to ; C RI C HT ON, C har le s ; D E AR DEN , B as il ; H AM ER ,
Ro b er t - Dea d o f N ig h t [ Re g is to víd eo ] . Rea l izad o p o r A. C a val ca n t i , C h ar l es
Cr i c hto n, B as il Dear d e n e Ro b er t Ha mer . I ma g e UK : Ca n al, 1 9 4 5 . 1 DV D v íd eo
( 9 9 mi n.) ( P AL ) : p r e to e b r a nco , so n.
CH AMI S SO , Vo n Ad el b er t - A H is t ó ria F a b ulo sa de P et er S ch le mih l. T r ad . e
en sa io d e J o ão B ar r e n to ; e sco l h a d e i ma g e n s d e Lo ur d es Ca str o . Li sb o a : As sí r io &
Al v i m, co lec ção o i ma g i nár io , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 2 -9 .
CO N CEI Ç ÃO, Ca r lo s Au g u sto R ib eir o d a - Nã o E st a mo s Só s so b a P ele : u ma
exp o s ição p o s sí ve l a cer ca d e d up lo s . Li sb o a : [ s. n.] , 2 0 0 6 . 2 v. Di s s er ta ção d e
Do uto r a me nto , ár e a d e Ciê n ci as d a Co mu n i ca ção . Or ie nt ação d e J o s é Au g us to
B r ag a nça d e M ir a nd a.
CO R R E I A, H él ia – A do ecer. L isb o a : Re ló gio D ´Ág u a Ed ito r es, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 9 8 9 -6 4 1 -1 6 0 -2
350
D ÄL L E NB AC H, L u ci e n - T he M irro r i n t h e T e xt . T r ad . J er e m y W hi tel e y e E m ma
H u g he s. 1 ª ed . C hi ca go : T he U n i ver si t y o f C hi ca go P r es s, 1 9 8 9 . I S B N 0 -2 2 6 1 3 4 9 1 -1
DE QU I N CE Y, T ho ma s - Do A s sa s sí nio co mo u ma da s B ela s A rt e s. T r ad . J o ão d a
Fo ns eca Ama r a l. 2 ª ed . L is b o a : Ed i to r i al Es ta m p a, 1 9 8 3 . Li vr o B , 3 .
DE LE U ZE , Gi ll es – A I ma g e m- Te mpo : Ci n e ma 2 . T r ad . e i ntr o d . d e R a fae l
Go d i n ho . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -1 0 9 6 - X.
— A I ma g e m- M o v i me n t o : Ci ne ma 1 . T r ad . So u sa Dia s. 2 ª ed . Li sb o a : As s ír io &
Al v i m, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -3 7 -0 9 5 8 -2 .
DI DE R OT , De n i s - Ca r t a so bre o s Ceg o s : pa ra u so da qu ele s q ue v êe m. T r ad .
Lu í s Ma n ue l Ve n t ur a B er n ar d o . 1 ª ed . Li sb o a : Ve ga, 2 0 0 7 . P a ss a ge n s , 4 3 . I SB N
9 7 8 -9 7 2 -6 9 9 -8 6 9 -3 .
DO ST OI É V S KI , Fió d o r - O Du p lo . T r ad . Ni na G ue r r a e Fi lip e G u er r a. 1 ª ed .
Lis b o a : E d i to r i al P r es e nç a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 3 -2 9 6 0 -6 .
F L AUB E RT , G u st a ve - B o uv a r d e Péc uc het : Ro ma n ce. T r ad . P ed r o T a me n.
Lis b o a : E d i çõ e s Co to v i a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -9 0 1 3 -1 7 -9 .
F LO R Y, D a n – A M ul h er q u e Vi v e u D ua s V ez es : Mé to d o C it e nt í fico , Ob s es são e
Me nt es H u ma n a s. I n B AG GE T , Da v id ; D RU MI N, W i ll ia m, o r g. - A F ilo so f ia
Seg un do H it ch co c k. T r ad . P ed r o Vid al. 1 ª ed . Al f r a gid e : E s tr e la P o lar , 2 0 0 8 .
I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 8 2 0 6 -0 8 - 4 . ter ceir a p ar te, p o nto 9 , p . 1 4 1 -1 5 5 .
FO U C AU LT , Mi c hel - Niet z sc he, F re ud & M a rx : T hea t r u m P h ilo so f icu m. T r ad .
d e J o r g e L i ma B a r r eto . São P a u lo : P r i nc ip io Ed ito r a , 1 9 9 7 .
F R AZ E R, J a me s Geo r g e – T he P er il s o f t he So u l. I n T he Go ld en B o ug h : A St u dy
in M a g ic a n d Rel ig io n. I n tr d . e no ta s d e R o b er t Fr a ser . Re i mp . N e w Yo r k :
O x fo r d U n i ver s it y P r e s s , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -0 -1 9 - 9 5 3 8 8 2 -9 . p . 1 5 3 -1 6 5 .
— T he B el ie f i n I m m o r tal it y. I n M a n, G o d a nd I mmo rt a lit y : T ho ug ht s o n
H u ma n P ro g r es s. K ila , Mo n t. : K e ss i n ger , 1 9 9 8 . I SB N 0 -7 6 6 1 -0 1 8 8 -6 . p . 3 4 7 -3 8 5 .
F REU D, Si g mu n d - T h e U nc a n n y. I n T he U n ca n ny . T r ad . d e Da v id Mc Li n to c k.
Lo nd o n : P e n g u i n B o o ks , 2 0 0 3 . I SB N 0 -1 4 -1 1 8 2 3 7 -7 . p . 1 2 1 -1 6 2 .
351
G AL L UP , Go r d o n - C h i mp a nz ee s: S el f - R eco g n itio n . Sc ie nce . I SS N 0 0 3 6 -8 0 -7 5 .
1 6 7 : 3 9 1 4 ( 1 9 7 0 ) 8 6 -8 7 .
GÓ GO L, Ni ko lai – Co n t o s de S. P et e rs b urg o . T r ad . Nin a G uer r a e Fi l ip e G uer r a.
Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 7 . Co l ecç ão B I . 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 7 -1 1 8 4 -4 .
— O Ret ra t o . T r ad . d e Ni n a G u er r a e Fi lip e G uer r a . L isb o a : As sír i o & Al vi m,
2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 3 5 -3 .
GO N ZÀL E Z, An to n io B all es ter o s - El d o b le co mo ar q ue tip o d el mied o . E x it . I SS N
1 5 7 7 -2 7 2 1 . Mad r id . 0 ( No v. 2 0 0 0 -J a n 2 0 0 1 ) 9 8 -1 0 3 .
HI T CH C O CK, Al fr ed – Vert ig o : A M ul her qu e Viv eu D ua s Ve ze s [ R e gi sto
víd eo ] . R eal iz ação d e A. Hi tc hco c k. P ar a m o nt P ic t ur e s : Al fr ed Hi tc hco c k
P r o d uc tio n s, 1 9 5 8 . V HS ( 1 h, 2 3 mi n .) co r , so n .
HO FF M ANN , E .T . A. – T he sa nd ma n . I n E. T. A H o f f ma n n : Ta l es o f H o f f ma nn .
T r ad . d e R. J . Ho l li n gd a le. Re i mp . Lo nd o n : P e n g ui n B o o k s, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 8 -0 -1 4 0 4 4 3 9 2 -9 . p . 8 5 -1 2 5 .
— As Av e nt ur as d a No ite d e S. Si l ve st r e. I n Co nt o s do s H o me n s Se m So mb ra .
Sel ec., i ntr o d . e no ta s d e Ma n ue l J o ão Go me s. 2 ª ed . Li sb o a : E d ito r ia l E s ta mp a,
2 0 0 3 . Li vr o B , 4 6 . I SB N 9 7 2 -3 3 -0 2 3 8 -1 . p . 1 1 7 - 1 6 0 .
— O Ho me m d e Ar e ia.
I n Co nt o s Si ni st ro s. 1 ª ed . São P a ulo : E d ito r a Ma x
Li mo nad e, 1 9 8 7 . p . 1 9 -5 2 .
KE E N AN, J u lia n P a u l ; G AL L UP , Go r d o n ; F A LK, De a n, ed s. - T he F a ce in t he
M irro r : Th e Sea r ch f o r t he O rig i ns o f Co ns ci o us ne s s. 1 ª ed . Ne w Yo r k : Har p er
Co l li n s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -0 6 -0 0 1 2 7 9 - X.
K LEI ST , H ei nr ic h Vo n – A nf it riã o : U ma Co médi a seg un do M o lièr e . T r ad . Air es
Gr aç a e An ab e la Me nd e s . 1 ª ed . Li sb o a : Co to via , 1 9 9 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -9 0 1 3 -9 6 -6 .
KOE RT H -B AKE R, M a g gi e - K id s ( a nd a ni ma l s ) who fa il cl as s ic mir r o r tes ts ma y
st il l ha v e a se n s e o f se l f. Sie n ti f ic Ame r ic a n [ E m l i n ha] . [ Co n s u ltad o a J u l ho d e
2 0 1 1 ] . 1 1 ( No v e mb r o 2 0 1 0 ) . Di sp o n í ve l e m
ww w< u r l :
h ttp :/ / ww w. s ci e nt i fic a mer ic a n.co m/ ar tic le. c f m? id = k id s - a nd -a n i ma l s -
wh o - fa il -c la s si c - mir r o r .
KU RO S AW A, Ak ir a – K a g e mu s ha : T he S ha do w Wa r rio r [ R e gi sto víd eo ] .
Escr ito e r e al izad o p o r Akir a K ur o s a wa Ma s ato I d e . T we nt ie t h Ce nt u r y F il m
352
Co r p o r a tio n : T o ho Co mp a n y, 1 9 8 0 . 1 ca s se te víd eo ( D VD) ( 1 5 2 mi n. ) P AL: co r ,
so n.
L AC AN , J a cq ue s - L e S tad e d u M ir o ir co m me f o r mate ur d e la fo n ct io n d u j e, te ll e
q u ´e ll e no u s e st r é vél é d an s l ´e x p er ie nc e p s yc h a nal yt iq u e. I n É cr i t s. P ar i s :
Éd it io ns d u Se ui l, 1 9 6 6 . I SB N 9 7 8 2 0 2 0 0 2 7 5 2 6 . p . 9 3 - 1 0 1 .
LAG ER L Ö F, Sel ma - O s M ila g re s do A nt i c ri st o . T r ad . Li lie te M a r ti n s. 1 ª ed .
Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o E d ito r e s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -0 7 7 -7 .
L AN G, F r i tz - Th e Wo me n i n t h e W in do w [ R eg i sto víd eo ] . Rea li zaç ã o d e Fr i tz
La n g co m p r o d uç ão e ar g u me nto d e N u n na ll y J o h ns o n. Me tr o - Go ld wy n - Ma ye r
St ud io s : P a c ka ge De s i g n, 1 9 4 4 . 1 D VD víd eo ( 9 5 mi n.) : p r e to e b r a nco , so n.
L OS E Y, J o sep h - T he Serv a nt [ R e gi sto víd eo ] . R ea liz ação d e J o sep h Lo s e y co m
ar g u me nto d e Har o ld P i nt er . Op ti mu m C la s si c : Sp r i n gb r o o k Fi l ms , 1 9 6 3 . 1 DV D
víd eo ( 1 1 0 mi n .) P AL p r eto e b r a nco , so n .
M AUP AS S ANT , G u y d e – O H o rla e O ut ro s C o nt o s Fa n t á st ico s : o U niv er so da
In q ui et a çã o . T r ad . d e E ma n u el Go d i n ho . 2 ª ed . Lis b o a : Ed i to r ia l E st a mp a , 1 9 9 8 .
Li vr o B , 3 0 . I ncl u i a p r i me ir a e a s e g u nd a ver sã o d o co nto “Ho r la” . I SB N 9 7 2 -3 3 0 2 2 3 -3 .
ME LV I LLE , He r ma n – M o by Dic k. T r ad . d e Al fr ed o Mar g ar id o e D a nie l
Go nça l ve s. L i sb o a : Rel ó gi o D ´ Ág u a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -8 5 3 -8 .
MI LLE R, K ar l – Do u bl es. 1 ª ed . Lo nd o n : Fa b er a nd F ab er , F ab er F ind s, 2 0 0 8 .
I SB N 9 7 8 -0 - 5 7 1 -2 4 8 3 5 - 3 .
MO LDE R, M ar i a F ilo me na - As P r o v as d o s D up l o s. I n M a t éria s Se ns ív e is. Li sb o a
: Reló g io D ´Ág u a E d i to r es, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 8 -7 0 8 -5 6 1 - X. p . 1 8 3 -1 9 3 .
— Au r a e V es tí g io . I n S e mea r na Nev e : E st u d o s so bre Wa lt er B e nj a mi n . Li sb o a
: Reló g io D ´Ág u a E d i to r es, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -5 1 6 -4 . p . 5 5 -5 9 .
MU RN AU , F. W . - No s f era t u : E in e Sy mp h o nie d e s Gra ue n s [ A S y mp ho n y o f
Ho r r o r ] [ Re g is to víd eo ] . Rea liz ação d e F. M ur n au. Ger ma n y : Fr i ed r i c h -W il he l mMu r na u - St i ft u n g,
1921.
1
DVD
v íd eo
(93
mi n .)
P AL
p r e to -e -b r a nco ,
Re s ta ur ad o e m 2 0 0 7 p o r E u r e ka, co nt é m u m se g u nd o DV D co m s up le me nto s.
353
so n.
O LI V AR E S, Ro sa - E l T ie mp o d e lo s Rep li ca nt e s. I n O bj et o d e R ép li ca : Re pl ica
O bj e ct . Vi to r i a -Ga s te iz : Ar t i u m, co p . 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -8 4 -9 3 6 8 9 8 -6 - 5 . p . 2 1 5 223.
P AP I N I , G io va n ni - O E sp el ho q ue Fo g e . T ex to s se lec. p o r J o r ge Lu is B o r ge s ;
tr ad . d e Mar ia J o r ge V il ar d e Fi g ue ir ed o . Li sb o a : P r ese n ça, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 2 3 -3 7 3 9 -7 .
P AL ME R, J a me s ; RI L E Y, M ic h ael - An E x te n si o n o f Rea li t y. T he Ser v a nt . I n T he
Fil ms o f J o s ep h Lo sey . Ca mb r id ge : C a mb r id g e U ni v er s it y P r e s s, 1 9 9 3 . I SB N 0 5 2 1 -3 8 7 8 0 -9 . p . 4 2 -6 3 .
P I N A, Ma n u el An tó nio – P o esia , Sa uda de da Pro sa : u ma a nt o lo g ia pe s so a l. 1 ª
ed . Li sb o a : As s ír io & Alv i m, 2 0 1 1 . Gr ão s d e p ó le n, 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 5 8 7 -3 .
— Hi s tó r i a co m o s o l ho s fec h ad o s . I n H i st ó r ia s q ue me co nt a st e t u; il. d e J o ão
B o tel ho . 2 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 5 5 4 -0 . p . 5 7 -6 7 .
P L AUT O – A nf i t riã o . I nt r o d . tr ad . e no ta s d e Car lo s Alb er to Lo ur o F o n sec a. 2 ª
ed . Li sb o a : E d içõ es 7 0 , 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 8 8 2 -5 .
P OE, Ed gar All a n - W il l ia m W i l so n. I n E dg a r A lla n Po e : To do s o s Co nt o s. T r ad .
d e J . T ei xe ir a d e Ag u il a r ; i l u str a ção d e J o a n -P e r e V ilad eca n s. E sp a n ha : Q u etz al e
Cír c ulo d e L ei to r e s, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -5 6 4 -7 9 4 -3 . vo l. 2 , p . 2 0 6 -2 2 5 .
— Po é t ica : Te xt o s T eó rico s. 1 ª ed . Lisb o a : F u nd aç ão Calo u s te G ulb e n k ia n,
2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -3 1 -1 1 0 5 -5 .
— O R etr ato O va l. I n H is t ó ria s de M i st ér io e de I ma g i na çã o . Li sb o a : Ed i to r ial
Ver b o , [ D. L. 1 9 7 1 ] . B ib lio t eca b á si ca ver b o , 1 5 . p . 1 0 2 -1 0 5 .
QUI RI NY, B er n ar d - C o nt o s Ca r nív o ro s . T r ad . Mi g ue l Ser r a s P er ei r a. P o r to :
Ed içõ e s Ah ab , 2 0 1 1 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -0 -4 .
R ANK , O tto - Le Do u b le. I n Do n J ua n e t l e Do u b le . 3 ª ed . [ P ar i s] : Éd i tio n s
P a yo t & Ri v a ge s, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 8 -2 - 2 2 8 -8 9 5 1 4 - 9 . p . 1 1 -1 4 2 .
RI CHT E R, An n e - Le s Mé ta mo r p ho se s d u Do ub l e. I n H i st o ire s de s Do u b le s :
d´ H o f f ma n à Co rt á za r . [ B r u xel le s; P ar i s] : É d itio n s Co mp le x e, 1 9 9 5 . I SB N 2 8 7 0 2 7 -5 6 6 -8 . p . 9 -2 3 .
354
ROB I S ON, Ar t h ur - W a rn ing S ha do w s : A No ct ur na l H a l lu ci na t i o n [ Re g i sto
víd eo ] . Rea li zad o p o r Ar t h ur Ro b i n so n. T r an s it Fi l ms : F r ied r ic h W il he l m M u r na u St i ft u n g, 1 9 2 3 . 1 DV D v íd eo ( 8 5 mi n .) , p r eto - e - b r an co .
RO S SET , Clé me nt - Le Rée l et so n Do u bl e. [ P a r is] : É d it io n s G al li ma r d , 1 9 7 6 .
S AC KS, O li v er – Ver e Não Ver . I n U m A nt ro pó lo g o e m M a rt e : Set e H i st ó r ia s
Pa ra do xa i s [ Li vr o e le ctr ó ni co ] . T r ad u ção
d e B er n ar d o C ar va l ho . S. P a ulo :
Co mp a n h ia d as Le tr a s, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 8 8 5 7 1 6 4 4 7 2 4 .
S AR AM AG O, J o s é - O H o me m Du pl ica do . Lisb o a : Ed ito r ia l Ca mi n ho , 2 0 0 2 .
I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 2 1 -1 5 0 7 - 0 .
S AR DO, De l fi m - J o rg e M o lder : o E s pe lho Du plo . Li sb o a : Ed ito r i al Ca mi n h o ;
P aço d e Ar co s : E d i mp r esa , 2 0 0 5 . I SB N 9 8 9 - 6 1 2 -1 2 3 -0 .
S CHW ART Z,
Hi ll el
-
T he
C u lt u re
of
The
Co py
:
St ri ki ng
Li ke ne s se s,
Un rea so na bl e F a cs i mi l es. Ne w Yo r k : Zo ne B o o k s, 1 9 9 6 . I SB N 0 -9 4 2 2 9 9 -3 6 -1 .
SH AKE SP E AR E , W i ll ia m – H a ml et . T r ad . d e An tó n io M. Fe ij ó . Li sb o a : Ed içõ e s
Co to v ia, 2 0 0 1 . E d ição b ili n g u e. I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 0 7 -8 .
ST E VE N S ON, Ro b er t L o ui s - O E str a n ho Ca so d o Dr . J e k yl l e d o Sr . H yd e. I n O
E st ra nho Ca so do D r. J e ky ll e do S r. H y de : e o ut ro s co nt o s . T r ad . p r ef . e no ta s
d e J o r ge P er eir i n ha P ir e s. 1 ª ed . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 7 . B el te neb r o s, 9 .
I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 2 6 2 - 9 . p . 1 0 3 -1 9 8 .
ST OI C HI T A, Vic to r – A có p ia o r i gi na l. I n O Ef eit o Pig ma l iã o : pa ra u ma
a nt ro po lo g ia do s s i mu l a cro s . L i sb o a : KK YM , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 6 8 4 -0 -6 . p .
1 9 9 -2 2 0 .
— A S ho rt H i st o ry o f t he S ha do w . Lo nd o n : Re a kt io n B o o ks, 1 9 9 7 . I SB N 1 -8 6 1 8 9 -0 0 0 -1 .
— P ai n ti n g s, Map s a nd Mir r o r s. I n T he Se lf - Aw a re I ma g e : a n I n sig ht int o Ea rly
M o dern
M et a - P a i nt in g .
C a mb r id g e;
Ne w
Yo r k;
Me lb o ur ne
:
Ca mb r id ge
U ni ver s it y P r e s s, 1 9 9 7 . I SB N 0 -5 2 1 - 4 3 3 9 3 -2 . p . 1 5 1 -1 9 7 .
T AK AL A, P il vi – T he Rea l Sno w W hit e [ Re g i sto víd eo ] . [ Co n s u lt ad o e m J ul ho d e
2 0 1 3 ] Di sp o n í ve l e m
ww w< u r l : h ttp :/ / w ww. p i lv it a ka la.co m/ s no wwh i t ev id eo . h t ml
355
T ARK OV SK Y, And r ei - M irro r [ Re g i sto víd eo ] . Re al iza ção d e And r ei T ar ko v s k y
e ar g u me n to d e T ar ko v s k y e Ale k sa nd r M is h ar i n. A Mo s f il m U n it 4 P r o d uc tio n :
Lud mi l a Fe ga no v a, 1 9 7 4 . 1 D VD v íd eo ( 1 0 2 mi n .) co r e p r eto e b r a n co .
T RUF F AUT ,
Fr a nço i s
-
L´ E nf a nt
Sa uv a g e
[ Re g i sto
v íd eo ] .
R e ali zaç ão
de
Fr a nço i s T r u f f a ut, ar g u me n to d e T r u f fa u t e J e an Gr ua u lt. P a r i s : L e s Fi l ms d u
Car r o s se, 1 9 6 9 . 1 DV D víd eo ( 1 hr 2 1 mi n .) P AL, co r , so n.
UG RE SI C, D ub r a v k a - O M use u da Re n diçã o In co n d icio na l. L i sb o a : C a valo d e
Fer r o Ed i to r e s, 2 0 1 1 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -6 2 3 -1 5 2 -1 .
VI D AL , Car lo s - Se n s is mo o c ular il u mi n i s ta; mi s e e n s cè ne b ar r o c a ( tea tr o ,
p in t ur a) e “ar te so lar ” ( mú s i ca) : d a mio p ia ( c is ão d a at e nção ) ao i n f i ni to ( mi se en
a b yme) . I n I n v i s ual id ad e d a P in t ur a : H is tó r i a d e u ma Ob se s são ( d e C ar a va g g io a
B r uc e Na u ma n ) . Li sb o a : [ s. n.] , 2 0 0 9 . 3 v. T ese d e Do u to r a me n to e m P i n t ur a ,
Fac u ld ad e d e B ela s - Ar t es, o r ie n tad a p o r J o aq u i m M . L i ma d e Car v al h o e Si l vi na
Ro d r i g ue s Lo p e s. p . 3 4 8 -4 0 7 .
W E GE NE R, P au l - T he St u de nt o f Pra g u e [ R eg i sto víd eo ] . R eal iza ç ão d e P aul
W eg e ner
e
ar g u me n to
de
Ha n n s
H ei n z
E we r s.
N ar b er t h
:
Al p ha
Vid eo
Di str ib ui to r s, 1 9 1 3 . 1 D VD v íd eo ( 4 1 mi n.) fi l m e mu d o a p r eto - e -b r a nco .
W ELLE S, Or so n – T h e La dy Fro m S ha ng h a i [ Re g i sto víd eo ] . Re ali zaç ão e
ar g u me nto d e Or so n W e ll s. Co l u mb ia P ic t ur e s I nd u str ie s, 1 9 4 8 . 1 DV D víd eo ( 8 4
mi n .) P AL p r e to e b r a nc o , so n.
W H ALE , J a me s - T he M a n in Th e Iro n M a s k [ Re g i sto víd eo ] . Re a liz ação d e
J a mes
W h al e
co m
ar g u me n to
de
Geo r g e
B r uc e.
S/ Lo cal
:
E d wa r d
S ma ll
P r o d uc tio n s, 1 9 3 9 . 1 D V D víd eo ( 1 0 6 mi n .) p r e t o - e - b r a nco , so n .
W I L DE , Os car - O R et ra t o d e Do r ia n Gra y . T r ad . e no t a i nt r o d ut ó r ia d e
Mar gar id a Va le d e Gato . Li sb o a : R eló g io D ´Ág ua Ed i to r e s, C lá s si co s , 1 9 9 8 . I SB N
9 7 2 -7 0 8 -3 9 1 -9 .
356
CAPÍTULO IV
O Dispositivo do Espelho na Arte Contemporânea
De Velázquez a Rebecca Horn - o instante
AN DR E S E N, So p hi a d e Mel lo B r e yn er - L isb o a. I n Na v eg a çõ e s. L isb o a: E d ito r ial
Ca mi n h o . I SB N 9 7 2 -2 1 - 1 0 4 9 -7 . p .7
B AUD S ON, Mi c hel [ et al.] - L´ a rt e t le Te mp s : Reg a r d s s ur la Q ua t r i è me
Di me n sio n. P ar is : Alb i n Mic h el, 1 9 8 5 . I SB N 2 - 2 2 6 -0 2 2 1 1 -2 .
— A rt a nd T i me. L o nd o n : B ar b ica n Ar t G al ler y, 1 9 8 6 . I SB N 0 -9 4 6 3 7 2 -1 3 -6
B E T T I , Rena to – Máq ui na. I n En ci clo pé dia Ei na u d i. Li sb o a : I mp r e n sa N acio n al
Ca sa d a Mo ed a, 1 9 9 6 . v o l. 2 7 , Cé r eb r o -M áq ui n a , p . 2 9 8 -3 2 0 .
B L AN C HOT , M a ur i ce – A E xp er iê nc ia d e P r o u st. I n O Liv ro po r V ir . T r ad uç ão
d e Mar ia R e gi na Lo ur o . 1 ª ed . L i sb o a : Re ló gio d ´Ág u a, 1 9 8 4 . p . 1 9 -3 2 .
B OR GE S, J o r g e L uí s - H is t ó ria da Et er ni da d e. T r ad . d e J o sé Co l aço B ar r eir o s.
Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 9 2 -3 .
B ROW N, J o n at ha n – I n d et ai l: Ve lázq u ez ´s Las M e ni na s ( 1 9 8 0 ) ; En e mi es o f
f lat er r y: Ve lázq u ez ´s p o r tr ai t s o f P h il ip I V ( 1 9 8 6 ) . I n Co l lect ed W rit i ng s o n
Velá zq ue z. Ne w H a ve n a nd Lo nd o n : Ya le U n iv er si t y P r e s s, 2 0 0 8 . I S B N 9 7 8 -0 3 0 0 -1 4 4 9 3 -2 . p . 7 7 -8 6 , 1 0 3 -1 1 5 .
— I ma g e s o f P o wer a nd P r es ti g e ; V el ázq ue z a nd P h il ip I V. I n V elá z q uez :
Pa in t er a nd Co ur t ie r. Ne w Ha ve n a nd Lo nd o n : Yal e U ni v er s it y P r e s s, 1 9 8 6 . p .
1 0 7 -1 3 8 e 2 4 1 -2 6 4 .
— O n t he Me a ni n g o f L a s Men in a s. I n I ma g es a nd I dea s in S ev e nt ee n t h C en t u ry
Spa n is h P a i nt i ng . P r i n c eto n : U n i ver si t y P r e s s, 1 9 7 8 . p . 8 7 -1 1 0 .
B ROW N, J o n at ha n , G A R RI D O, C ar me n – Ve l á zq uez : La T éc ni ca del Gé n io .
Mad r id : E d ic io ne s E n c u en tr o / Ya le U ni v er s it y, 1 9 9 8 . I SB N 8 4 -7 4 9 0 -4 8 7 - 0 .
C AND E I AS D A SI L V A, J o aq u i m - D. Fi li pe I I I, O G ra nd e : Di na st i a F il i pi na
1 6 2 1 - 1 6 4 0 . Ac ad e mi a P o r t u g ue sa d a H is tó r i a, Lisb o a : Q uid No vi , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 9 8 9 -5 5 4 -5 9 5 -7 .
357
CE L ANT
,
Ger ma no ,
co -a u t.
;
SP ECT O R,
Na n c y,
co - a ut.
;
M USÉ E
DE
GR E N OB LE , ed . li t. ; S O LO MO N R . GU GG EN HEI M, ed . li t. ; M O RG AN , S t uar t,
en tr e v is tad o r - Re be cc a H o rn. [ P a r i s] : R é u nio n d e s M u sée s Na tio na u x , 1 9 9 5 .
I SB N 2 -7 1 1 8 - 2 9 7 2 -3 .
CE NT RE GE O RGE S P OMP I D OU - M a g ici en s de la T err e. P ar i s : Mu s ée d ` Ar t
Mo d er ne, 1 9 8 9 . I SB N 2 - 8 5 8 5 0 -4 9 8 -9 .
CH E C A, Fer na nd o - Di ego Vel ázq ue z d a S il v a 1 5 9 9 -1 6 6 0 . I n B O R CH E RT , T ill Ho l ger ; B R OW N , Cr is t o p her ; LU C C O, Ma ur o , ed s . – Vé la z qu ez : Th e Co mp let e
Pa in t i ng s . An t we r p : L u d io n, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 0 -5 5 4 4 -7 4 1 -1 . p . 1 1 -5 3 .
CH I C Ó, Már io T av ar e s ; F R AN Ç A, J o s é Au g u s t o ; G U SM ÃO, Ar t ur No b r e d e, o r g .
- V elá zq uez, Dio go d a Sil v a y. I n D icio ná r i o da Pint ura Un iv er sa l . Li sb o a :
Est ú d io s Co r , 1 9 6 2 -1 9 7 3 . vo l. I I , p . 3 3 6 -3 3 9 .
CO OK E, Lyn n ; FE R G US ON, B r uce W . ; H E E N LE I N, Car s te n [ et al.] - Re be cca
H o rn : T he G la nce o f I nf i ni t y . Z ur ic h ; B er l i n ; Ne w Yo r k : Sca lo , 1 9 9 7 . I SB N 3 9 3 1 1 4 1 -6 6 -7 .
CU RI GE R, B i ce – Ge nt le T r a ns f er e n ce: Reb ecca Ho r n. P ar ket t . Z u r ic h. I SS N
0 2 5 6 -0 9 1 7 . 1 3 ( 1 9 8 7 ) 5 4 -5 7 .
DE LE U ZE , Gi ll es - F ra nci s B a co n : Ló g ica da Se nsa çã o . T r ad . e i ntr o d . d e J o sé
Mir a nd a J us to . 1 ª ed . L i sb o a : O r fe u Ne gr o , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 3 2 7 -1 0 -9 .
DU R AN D, R é gi s ( e nt r e vi s ta co m) - Reb e cca H o r n : I m mi ne n t Da n g er . I n Ar t P r es s .
P ar is . I S S N 0 2 4 5 -5 6 7 6 . 3 5 :1 8 1 -1 8 6 ( 1 9 9 3 ) e1 - e 6 .
ELLI OT T , J o hn H . ; G AR RI D O, Car me n - La s Me ni n as a s a Ma s ter p i ec e ( 1 9 9 9 ) . I n
Co l lect ed Wr it ing s o n Ve lá z qu ez. Ne w H a v en a nd Lo nd o n : Ya le U ni v er s it y
P r es s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -0 -3 0 0 -1 4 4 9 3 -2 . p . 1 6 5 -1 8 5 .
F AU RE, Él ie - L´E sp a g ne. I n H i st o i re d e L´ Ar t . P ar i s : G. Cr é s, 1 9 2 1 - 2 3 . vo l. 4 :
L´ Ar t Mo d er n e, p . 1 0 1 - 1 4 3 .
FO U C AU LT , M ic he l - La s Me n i na s. I n A s Pa la v ra s e a s Co i s a s : u ma
a rq ueo lo g ia da s c iê nc ia s hu ma na s. T r ad . d e Antó n io R a mo s Ro s a. Li sb o a :
P o r tu g ál ia, 1 9 6 8 . p . 1 7 - 3 3 .
358
F R AN CO, F er na nd o Ma r ía s - La s M eni na s. Ma d r id : E lec ta, 1 9 9 9 . I SB N 8 4 -8 1 5 6 2 1 3 -0 .
GOMB RI C H, E r n st H . - Mo me nt a nd Mo ve me n t in Ar t. I n Th e I ma g e a n d T he Ey e
: Furt her St ud ie s i n t he P sy c ho lo g y o f P ic t o ria l Re pre se nt a t io n . Lo nd o n :
P ha id o n P r e ss, 1 9 9 4 . I S B N 0 -7 1 8 4 -3 2 4 3 - X. p . 4 0 -6 2 .
— A H is t ó ria da A rt e. Rio d e J a neir o : L i vr o s T éc nico s e C ie n tí f ico s E d i to r a,
1 9 9 3 . I SB N 8 5 -2 1 6 -1 0 3 7 -8 . ( Li vr o co n s ul tad o ) .
GU GGE NH E I M MU SE U M, ed . li t. ; MU SÉ E D E G RE NOB LE , ed . li t. ; C E LANT ,
Ger ma n , co -a u t. ; ST U ART , Mo r g a n, e n tr e vi s tad o r - R eb ecca H o rn . [ P ar is] :
Ré u n io n d e s M us ée s N at io n a u x, 1 9 9 5 . I SB N 2 -7 1 1 8 -2 9 7 2 -3 .
H ALL, E d wi n - P r o b le m s o f S y mb o l ic I nter p r et a tio n. I n T he Ar no lf i ni B et ro t ha l :
M ediev a l M a rria g e a n d t he E n ig ma o f Va n Ey c k´ s Do u bl e P o rt ra i t . B er k el y a nd
Lo s An g e le s: U ni v er s it y o f C al i fo r na P r e s s, 1 9 9 4 . I SB N 0 -5 2 0 -2 1 2 2 1 -5 . p . 9 5 -1 2 9 .
H AUSE R , Ar no ld - O Co nc ei to d e B ar r o co ; O B ar r o co d a s Co r te s Ca tó l ica s. I n
H is t ó ria So cia l da Art e e da C ult ura . [ L is b o a] : V e ga, D. L. 1 9 8 9 . vo l . I I I , p .
2 2 3 -2 3 8 e 2 3 9 -2 6 9 .
HO RN , Reb ecc a - T he Co u n ter mo v i n g Co n ce r t: De sc r ip tio n o f a n I n st al lat io n
( 1 9 8 7 ) . I n ST I LE S, Kr i st i ne ; SE LZ, P et er , ed s. – Th eo r ie s a n d Do c u me n t s o f
Co nt e mp o ra ry Art : a so u rce bo o k o f a rt ist s´ w rit i ng s . B er k el y ; Lo s An ge le s ;
Lo nd o n : U ni ve r s it y o f Ca li fo r n ia P r e s s, 1 9 9 6 . I SB N 0 5 2 0 2 0 2 5 3 -8 . p . 6 5 2 -6 5 4 .
KE I T H, L ar r y - Ve lázq ue z P ai n ti n g T ec h niq ue . I n C AR R, Da ws o n W . ; B R AY ,
Xa vi er ; E LI OT T , J o hn – Velá z q uez. Lo nd o n : Ya le U n i ver si t y P r e ss , Nat io na l
Gal ler y, 2 0 0 6 . p . 7 0 -8 9 .
KUB LE R , Geo r g e - T he Mir r o r i n La s M en in a s . I n T h e Ar t B u ll eti n . Ne w Yo r k.
I SS N 0 0 4 -3 0 7 9 . 6 7 ( 1 9 8 5 ) 3 1 6 .
— T hr ee Re ma r k s o n L a s Men in a s. T he Ar t B u lle ti n . N e w Yo r k. I S SN 0 0 4 -3 0 7 9 .
4 8 :2 ( J u n ho 1 9 6 6 ) 2 1 2 -2 1 4 .
L AC L OT T E ,
M ic he l
;
C U ZI N,
J e a n -P ier r e,
d ir .
-
Ve lázq ue z,
Die go .
In
Dict io nna ire de la P ei nt u re. P ar is : Lar o u s s e, 1 9 9 9 . I SB N 2 -0 3 -5 1 1 4 4 1 -1 . p .
1 0 6 4 -6 6 .
359
L AS S AI G NE , J acq ue s – Vé la s q uez : Le s M én i ne s, M u sée d u Pra do . Fr ib o ur g :
O f fi ce d u L i vr e, 1 9 7 3 .
LI GHT M AN, Al a n – L u z An t ig a : U ma I nt ro d uçã o à Co s mo lo g ia . 1 ª e d . P o r to :
As a, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 -4 1 -1 6 8 3 -2 .
— O s So n ho s de E in st e in. P o r to : Asa, 1 9 9 5 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -4 1 -1 3 8 0 -7 .
LI SP E CT O R, Cl ar i ce - É P ar a Lá Q ue E u V o u. I n O nd e E st iv e st e de No i t e :
Co nt o s. L i sb o a : Re ló gi o D ´Ág u a , [ D. L. 1 9 9 0 ] . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -1 0 7 -X . p . 7 1 -7 2 .
L ÓP E Z- RE Y, J o s é - T h e Ma st er a nd t he Fo l lo wer . I n V elá z q uez . Ko l n : T asc h e n :
W ild e n s tei n I n s ti t ute , co p . 1 9 9 6 . I SB N 3 -8 2 2 8 -8 6 5 7 -2 . vo l. 1 : “ P ai nter o f
P ai nter s” , p . 2 0 4 -2 1 8 .
— V elá zq ue z . I SB N 3 - 8 2 2 8 -8 6 5 7 -2 . vo l. 2 : Ca t alo g ue r ai so n né wer k v er zeic h n i s.
LO R R AI N, J ea n - O S en ho r de B o ug re lo n . T r ad . d e Aníb a l Fer na n d es. 1 ª ed .
Lis b o a : S i ste ma So l ar , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -0 4 -1 .
MC KI M - S MI T H, Gr id le y – L a ú lti ma d écad a: L as me n i na s. I n C ie nc ia e H i st o ria
del A rt e : Velá s qu ez e n e l P ra do . Mad r id : M u seo d el P r ad o , 1 9 9 3 . 8 4 -8 7 3 1 7 -2 3 5 . p . 3 5 -4 9 .
ME LCHI O R -B O NN E T , Sab i ne - T he M irro r : a H ist o ry . En g la nd : Ro ut led g e,
2 0 0 2 . I SB N 9 7 8 -0 4 1 5 9 2 2 4 4 7 4 .
O LI V AR E S, Ro s a - Re b ecca H o r n : Th e Dr u n ken D eer. Se v il h a : Ce nt r o And al u z
d e Ar te Co n te mp o r á n eo , 2 0 0 1 . I SB N 8 4 -8 2 6 6 -2 2 6 -0 .
ORT E G A Y G AS SE T , J o sé - Ve lá z q uez. Mad r i d : Re v is ta d o Oc cid e n te , 1 9 5 9 .
OS Ó RI O, An tó n io - Ve lázq ue z P i nt a nd o A s M en in a s. I n Ca sa Da s S e me nt e s :
po e sia e sco l h ida . Lisb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -3 7 -1 1 5 1 - 6 . p . 1 4 1 142.
P AMU K, Or ha n - O R o ma n ci st a Ing én uo e o Sent i me nt a l. L i sb o a : E d ito r ial
P r ese n ça, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 3 -4 8 0 1 -0 .
P ANO F SK Y, E r wi n – R ef le ct io ns o n H is to r i ca l T i me. I n Cr i ti cal I nq u ir y. C hi ca go .
I SS N 0 0 9 3 -1 8 9 6 . 3 0 :4 ( 2 0 0 4 ) 6 9 1 -7 0 1 .
360
— J a n Va n E yc k. I n Le s P ri mi t if s F la ma nd es. P ar i s : Haz a n, 1 9 9 2 . I SB N 2 1 5 0 2 5 -2 6 7 -0 . p . 3 2 5 -3 7 1 .
P RO UST , M ar ce l - E m B us ca do Te mpo Per d i do : Do La do de Sw a n n. T r ad . d e
P ed r o T a me n. Li sb o a : Re ló gio d ´ Ág u a , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -7 3 0 -2 . vo l I .
— E m B us ca do Te mp o P erd i do : À So mb ra da s ra pa rig a s e m Flo r. I SB N 9 7 2 7 0 8 -7 3 6 -1 . vo l. I I .
— E m B us ca do Te mp o P erd i do : O La do de G uer ma nt e s. I SB N 9 7 2 -7 0 8 -7 4 5 -0 .
Vo l I I I .
R AN CI È RE , J acq u es – O De st i no da s I ma g e ns . T r ad . d e Lu í s Li m a. Li sb o a :
Or fe u Ne gr o , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 3 2 7 -1 7 -8 .
— O E sp ect a do r E ma nci pa do . T r ad . d e J o s é Mir a nd a J u sto . Li sb o a : Or fe u
Ne gr o , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -8 3 2 7 -0 6 -2 .
REB O LL AR , Mó ni ca - Las M e ni na s d e E ve S u s s ma n. Lap iz . M ad r id . I SS N 0 2 1 2 1 7 0 0 . 2 2 5 ( J u l ho 2 0 0 6 ) 5 0 -5 3 .
RO S SE LL I NI , Ro b er to - La P r i se de Po uv o ir pa r Lo u i s XI V [ R e gi sto víd eo ] .
Fi l me r e al izad o p o r Ro s se ll i ni co m 1 9 6 6 . P ar i s: I n st it u te na tio na l d e l á ud i o vi s ue l,
1 9 6 6 . 1 ca s se te v íd eo ( D VD) ( 9 4 mi n.) : co r , so n.
SE AR L , J o h n R . - La s Me ni n as a nd t he P ar ad o xe s o f P i cto r ia l Rep r es e nt at io n. I n
MI T CHE L L , W . J . T ., e d . - T he La ng ua g e o f I ma g e s. C hi ca go : T he U ni v er si t y o f
C hi ca go P r e s s, 1 9 7 4 . I S B N p . 2 4 7 -2 5 8 .
SEI DE L, L i nd a - P o et ic F ict io n s ; T he P o wer o f Si g h t. I n J a n V a n Ey c k´ s
Ar no lf in i P o rt ra i t : St o rie s o f a n Ico n. C a mb r id ge [ U ni ted St at es] : U ni ver s it y
P r es s, 1 9 9 3 . I SB N p . 1 7 1 -2 1 8 e 1 7 1 -2 1 8 .
S LOT E RDI J K, P et er – A p r i me ir a p a la vr a d a e ur o p a . I n Có l era e Te mpo : E n sa io
Po lit ico - P s ico ló g ico . T r ad . d e Ma n ue l Re se nd e. Li sb o a: Re ló gio d ´Á g ua , 2 0 1 0 .
I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -1 7 4 - 9 . p . 1 1 -2 0 .
ST R AT T ON -P RUI T T , S uza n n e, ed . - Ve lá z q uez´ s La s Me ni na s. C a mb r id ge :
Ca mb r id ge U ni v er si t y P r es s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -5 2 1 - 8 0 4 8 8 -4 .
SU S SM AN, E ve ; R UF US CO RP O R AT I ON - 8 9 Seco nd s At A lcá za r . B r o o kl yn ,
Ne w Yo r k : R u f u s P r e s s, 2 0 0 6 . I SB N 0 -9 7 8 5 9 3 3 - 0 -8 .
361
SY LVE ST E R, Da v id – E nt ret ie n s a v ec F ra n ci s B a co n. T r ad . d e M ic he l Le ir i s.
Ge nè ve : S k ir a, 1 9 9 6 . I S B N 2 -6 0 5 -0 0 3 1 6 -7 . ( Li v r o co ns u lt ad o )
VO N D R AT HE N, Do r i s - T he Clo c k o f Re vo l t. I n Th e Co lo ni e s o f B ees
Un de r mi n i ng
t he
mo l e´ s
su bv e rs iv e
B uc he nw a ld / Re bec ca H o rn.
ef f o rt
t hro ug h
Ti me
:
C o nce rt
for
Zur ic h; Ne w Yo r k ; B er l i n : Sc alo : 2 0 0 0 . I SB N 3 -
9 0 8 2 4 7 -2 2 -5 . p . 4 2 -1 0 2 .
VO N D R AT H EN, Do r is ; M AD O FF, S te ve n H enr y ; C O RK, R ic h ar d - Re bec ca
H o rn M o o n M ir ro r
: S it e- Sp ec if ic
I n st a ll a t io n s 1 9 8 2 - 2 0 0 5 . K u n st mu s e u m
St u g ar t : H atj e Ca n tz, 2 0 0 5 . I SB N 3 -7 7 5 7 -9 1 8 7 - 6 .
W I L DE , Os car - T he B i r t hd a y o f t he I n f a nt a. I n Th e B irt h da y o f t h e I nf a n t a a n d
O t he r Ta le s. I l u st . d e B en i Mo n tr e so r . Ne w Yo r k : At he ne u m, 1 9 8 2 . p . 3 - 2 4 .
W O LF , No r b e r t - D ieg o Velá zq ue z, 1 5 9 9 - 1 6 6 0 : A Fa ce de E spa n ha . Ko l n :
T asc he n, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -3 -8 3 6 5 -3 4 3 7 -6 .
ZW E I T E ,
Ar mi n
[ et
al.]
-
R eb ecca
Horn
:
Bo d yla nd s ca p e s:
De se n ho s ,
E sc ult ura s, I n st a la çõ e s 1 9 6 4 - 2 0 0 4 . Li sb o a : C e ntr o C u lt ur al d e B elé m, 2 0 0 5 .
I SB N 9 7 2 -8 1 7 6 - 9 5 -3 .
De Pistoletto a Ricardo Jacinto – o infinito
AG AMB E N, Gio r g io ; P AI X ÃO, P ed r o A. H., ed . – B a rt le by , E s crit a d a Po t ê nc ia
: “ B a rt l eby , o u da Co n t ing ên cia ” ; seg ui do de B a rt l eby , o es criv ã o d e H e r ma n
M elv ill e . T r ad . d e Ma n ue l Ro d r i g ue s. Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 8 . Ar t e e
p r o d uç ão , d is cip li na s e m no me , 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 9 5 -7 .
AMM AN N, J e a n - Cr i sto p he - Al ig hie ro B o et t i : Ca t a lo g o G en era le . Mil a no :
Elec ta, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 8 8 -3 7 0 -7 1 2 7 -1 .
B AS U AL DO , C ar lo s, ed . - M iche la ng elo P i st o l et t o : Fro m O ne t o M a ny , 1 9 5 6 1 9 7 4 . P hi lad e lp hia : P hi lad e lp hi a M u se u m o f Ar t i n a s so ci at io n wit h Y al e
U ni ver s it y P r e s s, 2 0 1 1 . I SB N
362
B I RB AUM, Da ni el, ed . e d ir . ar t e s v is u ai s ; VO L Z , J o c h e n - M a ki n g Wo rl ds :
Fa re M o n di: 5 3 r d I nt e r na t io na l A rt E x hi bit io n. Ve ni ce : Mar si lio E d ito r i, 2 0 0 9 .
Ob r a p ub lic ad a p o r o ca si ão d a 5 3 a B ie n al d e Ve nez a. I SB N 9 7 8 -8 8 - 3 1 7 -9 6 9 6 . 2
vo l .
B OR GE S, J o r ge L u i s - A B ib l io t eca d e B ab e l. I n F ic çõ e s . T r ad . d e J o sé Co laço
B ar r eir o s. L i sb o a : E d it o r ial T eo r e ma, 1 9 8 9 . I S B N 9 7 2 -6 9 5 -3 3 0 -8 . p . 6 7 -7 7 .
B RE T ON , And r é - Le S urr ea l is me e t la P ei nt u re. P ar i s : G all i ma r d , 1 9 6 5 . ( L i vr o
co n s u ltad o ) .
B UC HO L D, B e nj a mi n ; C HE V RI E R, J ea n - Fr a nço i s ; D AV I D, C at he r i ne - T he
P o lit ica l P o t e nt ia l o f Ar t, P ar t 2 . I n D AV I D, Ca t her i ne, CHE V RI E R, J ea n Fr a nço i s, ed s. - Po lit ic s, P o et ic s : Do cu me nt a X, t he bo o k . O st f ild er n - R u it :
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b r o ch u r a.
MO LDE R, J o r ge ; CH E V RI E R, J ea n - Fr a n ço i s ; P E RN E S,
Fer na nd o [ et. al .] -
M ichela ng e lo P ist o let t o et la Fo t o g ra f ia . P o r to : F u nd aç ão d e S er r al v es ;
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MU SÉE D ´ ART MO DE RN E ET D ´ART CO N T E MP OR AI N - Art e P o v era le s
M ult ip le s : 1 9 6 6 - 1 9 8 0 . Nic e : M u sée d ´ar t mo d e r ne et d ´ar t co n te mp o r a i n, 1 9 6 6 .
MU SÉ E
D 'ART
CO N T E MP OR AI N
DE
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ed .
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P I S T OLET T O,
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W W W :< ur l : h ttp :// v i me o .co m/1 7 4 2 2 4 2 1
No ta : e nt r e vi s ta d e Ob r i st a P i s to l etto , co m d ur a ção d e 1 hr e 1 0 mi n, r ea liz ad a a 2
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P I ST OLE T T O, Mic h el a n ge lo – M ic he la ng elo P is t o let t o : T he Th ir d Pa ra di se .
Ve ni ce : M ar s il io , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -8 8 -3 1 7 -0 6 4 9 -0 .
— M ich ela ng e lo P i st o l et t o ( si te o f ic ial ) [ E m L in h a] . I tá li a. [ Co n s ul ta d o a 2 6 d e
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S AR DO, De l fi m – F ur t h ur . T e ste e Co mu n id a d e n a o b r a d e R ic ar d o J aci nto ;
B ar r o co e p er fo r ma n ce na o b r a d e Ri car d o J aci n to . I n A V isã o e m Ap neia :
E scr it o s so br e a rt ist a s . L i sb o a : B ab el , At h e n a, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 3 1 -0 0 1 6 -5 .
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365
— A p r o p ó si to d e u ma e sc u lt ur a d e R ica r d o J aci nto co m u ma B i cic le ta e u ma Fac a.
I n B AR RO S,
An tó nio ,
co o r d .
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do s P e n sa me nt o s d a s Art es :
E nco nt ro s d e Art es . C o i mb r a : As so cia ção N acio na l d e Far má ci as , 2 0 0 0 . I SB N
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T AR ANT I NO, M ic h ael – Más D i fí ci l q u e s o ñar : u n d iá lo go i ma g in ár io co n
Mic h ela n g elo P i sto le tto . I n J O RQ UE N A, An n a J i mé n ez ; T ET AS, An na, co o r d . M ichela ng e lo P i st o let t o . B ar celo n a : Ac tar : Macb a , 2 0 0 0 . I SB N 8 4 - 9 5 2 7 3 -2 7 -6 .
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T AV AR E S, Go n çalo M. – O Sen ho r Ca lv i no . De se n ho s d e Rac h el Ca i ano . 2 ª ed .
Lis b o a : E d i to r i al C a mi n ho , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 7 6 0 -2 .
— O Se n ho r J ua rro z. Des e n ho s d e R ac he l Ca ia no . 2 ª ed . Li sb o a : Ed i to r ia l
Ca mi n h o , 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 6 5 7 -6 .
— O Se n ho r Va l éry . De se n ho s d e Rac h el C a ia no . Li sb o a : Ed ito r ia l C a mi n ho ,
2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 4 7 0 -0 .
VI D AL , Car lo s - O s f acto s i n ici ai s tr aze m c o n si go a s s ua s Or i ge n s . Ar te s &
Lei lõ e s . L isb o a. I S SN 1 6 4 6 -8 1 3 9 . 2 : 9 ( 1 9 9 7 ) 4 2 -5 1 .
VI L ADE RJ O , Car lo s – Co nt e mp o ra ri es : Th e Q ue st f o r r ea l it y [ Re g i sto víd eo ] .
[ S.I .] : T h e Ro l a nd Co l l ect io n, [ s.d .] . 1 ca s se te ( VH S) ( 5 3 mi n ) : co r , so n.
W AR D, F r az er , ed . - V it o Acco nc i. Lo nd o n ; Ne w Yo r k : P h aid o n P r es s, 2 0 0 2 .
I SB N 0 -7 1 4 8 - 4 0 0 2 -5 . ( L iv r o co n s ul tad o ) .
De Marina Abramovic a Cecília Costa – a imobilidade
AB R AM OVI C , Ma r i na - Mar i na Ab r a mo v ic St ate me nt s // 1 9 9 2 . I n MO R LE Y,
Si mo n ; B L AZ W I CK, I wo na, ed s. - Th e Su bl i me . L o nd o n : W hi t ec hap e l Ar t
Gal ler y, Ne w Yo r k : T he MI T P RE SS , 2 0 1 0 . Do c u me n t s o f Co nte mp o r ar y Ar t.
I SB N 9 7 8 -0 - 8 8 4 -8 8 1 7 8 - 9 . p . 2 1 2 .
— Th e Ar t i st i s P re se nt [ E m li n h a] . No v a I o r q ue : Mo ma [ Co n s ul ta d o a 1 6 d e
J ul ho 2 0 1 3 ] . D i sp o ní ve l e m
W W W :<U R L : ht tp : // www. mo ma .o r g/ i nter ac ti ve s /e x hib it io n s/2 0 1 0 / mar i n aab r a mo v ic
366
AK UT AG AW A, R yu n o s u ke - Ra s ho mo n e O u t ra s H i st ó r ia s. T r ad . d e V ir gí lio
T enr ei r o V i se u. L i sb o a : Ca v alo d e Fer r o , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 2 3 -1 5 3 - 8 .
ART AUD, An to n i n - O Tea t ro e o se u D up lo . P r ef. d e Ur b a no T avar e s Ro d r i g u e s
e tr ad . d e Fi a ma Ha s se P ais B r a nd ão . [ Li sb o a] : Mi no ta ur o , [ 1 9 - ]
B I E SE NB AC H, K la u s, ed . - M a rina A bra mo v ic : Th e Ar t i st i s P re se nt . N e w
Yo r k : T he M us e u m o f Mo d er n Ar t, co p . 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -0 - 8 7 0 7 0 -7 4 7 - 6 .
B I ESE NB AC H,
K la u s
;
I LE S,
Cr is s ie
;
ST I LE S,
Kr is ti n e,
ed s .
-
M a ri na
Ab ra mo v ic . Ne w Y o r k : P ha id o n P r e ss , 2 0 0 8 . I S B N 9 7 8 -0 -7 1 4 8 -4 8 0 2 -2 .
C AL H AU, F er na nd o ; S AR DO , Del f i m ; VEI G A, Mar g ar id a [ te xto s d e] - O C erco :
a rt e co nt e mp o râ nea . L i sb o a : Mo d u s Op er a nd i, 1 9 9 3 .
C AR LO S, I sab e l - O n Rea so n a nd E mo t io n. I n CO ST A, I sab e l, ed . lit . - O n
Rea so n a nd E mo t io n : B ien na l e o f Si d ney 2 0 0 4 . S yd ne y : B i e nal d e S yd ne y,
2 0 0 4 . p . 2 4 -2 7 .
DU DE N, An n e - E s f i n g e – Atr á s d a s Gr ad e s. I n Po e ma s do De sa s so s s eg o . T r ad . e
o r g. d e J o ão B a r r e nto . [ L is b o a] : I n st it u to Ca mõ es, 1 9 9 9 . p . 4 5 -5 1 .
GEN ET , J ean - No Se nt ido da No it e . T r ad . e ap r es. d e An íb a l F er na nd e s. L i sb o a :
Si st e ma So lar , 2 0 1 2 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -0 8 -9 .
I L E S, C h r i s sie , ed . - M a rina A bra mo v i c : o bj ec t s pe rf o r ma nce v ide o so u nd .
O x fo r d : M u se u m o f Mo d er n Ar t St u tt g ar t, Ge r m an y : Ha n sj o r g M a yo r , 1 9 9 5 . I SB N
0 -9 0 5 8 3 6 -8 8 - X.
K AFK A, Fr a nz - U m Ar ti st a d a Fo me . I n Co n t o s. S ele c. e p r ó l. d e J o r ge L u i s
B o r ge s, tr ad . d e I sab el Ca s tr o S il v a. Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 7 0 8 -8 6 8 -6 . p . 1 9 -3 1 .
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McE VI L LE Y, T ho ma s - Dio ge n es o f Si no p e, Se l ected P er fo r ma nc e P iec e s ( 1 9 8 3 ) ;
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B o dy . Lo nd o n : P ha id o n , 2 0 0 0 . I SB N 0 -7 1 4 8 -3 5 0 2 -1 . p . 2 1 0 e p . 2 2 2 -2 2 7 .
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OB RI ST , Ha n s U lr i c h - Mar i na Ab r a mo v ic . I n B OUT OU X, T ho ma s, ed . - H a n s
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I mma g i n e D is co ver y, co p . 2 0 0 3 . I SB N 8 8 -8 1 5 8 - 4 3 1 - X. p . 2 9 -4 4 .
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Mu n ic h [ et c.] : P r e ste l, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -3 -7 9 1 3 - 5 0 2 8 -8 . p . 6 0 -6 3 .
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P I J N AP P E L , J o ha n, ed . lit . - M a rina A bra mo v i c : Cl ea n ing t he H o u se . Lo nd o n :
Acad e m y E d it io ns, 1 9 9 5 . I SB N 1 -8 5 4 9 0 -3 9 9 -3 .
P I NH AR AN D A, J o ão L i ma [ e t al .] – Po rt u g a l : Alg u ma s F ig u ra s/ A lg una s
Fig u ra s. L i sb o a : Gab i n ete d a s Re la çõ e s C u lt ur ai s I n ter na cio n ai s d o Mi ni s tér io d a
C ul t ur a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 5 8 -0 1 8 -1 .
— II B ie na l d e F o t o g ra f ia . V il a Fr a nc a d e Xir a : Câ mar a M u n ic ip a l, 1 9 9 1 .
P UL I MO O D, S te ve - T h e M ist re s s o f M et a phy s ic s [ E m L i n ha] . B er li n , Ger ma n y :
Sle e k M a gaz i ne. [ Co ns u ltad o e m Dez e mb r o d e 2 0 1 2 ] . Di sp o n í ve l e m
W W W :<U R L:
h ttp :/ / ww w. s le e k - ma g. co m/p r i nt - f ea t ur e s/2 0 1 2 /1 0 / t he - mi s tr e s s -o f -
me tap h ys i c s/
RO SE , Hea t her - Si tt i n g wi t h Mar i na. Ar t & Au s tr a lia . Au s tr a li a. I S SN 0 0 0 4 3 0 1 X. 4 9 : 3 ( 2 0 1 2 ) 4 5 0 - 4 7 5 .
S AR DO, D el f i m – Ma r i n a Ab r a mo vi c : No P lac e L i ke Ho me . I n A V isã o e m A pn eia
: E scr it o s so b re Art i st a s. L isb o a : B ab el , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -3 1 -0 0 1 6 -5 . p . 2 7 6 282.
— M e mó r i a e F u t ur o . I n 5 Art i st a s no M i ni st é r io da E co no mi a e da I n o v a çã o .
Lis b o a : M i ni st ér io d a E co no mi a e d a I no vaç ão , 2 0 0 6 . p . 1 9 -2 0 .
— M ar i n a Ab r a mo vi c : A n si ed ad e : I l u mi na ção . A r te I b é r ic a . Li sb o a. I S S N 0 8 7 3 5 7 0 0 . 2 ( j an . - fe v . 1 9 9 7 ) 1 3 -1 8 .
SE B AL D, W . G. – A u st e rli t z. T r ad . d e T el m a Co s ta. 1 ª ed . L i sb o a : Q uet za l
Ed ito r es , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 5 1 -7 .
SI LV A, R u i Car v al ho d a - Mar i na Ab r a mo v ic . L + Ar t e . Li sb o a. 7 5 ( 2 0 1 0 ) 3 2 -3 5 .
368
S LOT E RDI J K, P ete r - G ab i ne te d o s C í nico s. 1 . Dió ge n es d e Sí no p e – H o me m- cão ,
f iló so fo , Zé - n i n g ué m. I n Cr ít i ca da Ra zã o C í nic a . T r ad . d e
Ma n u el R es e nd e.
Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -2 5 0 -0 . p . 2 0 9 -2 2 4 .
SU C HI N, P ete r [ e t a l.] – B a g in s ki : Ev a B e ns a s so n, Ce cí lia Co st a , J o ã o Pa u lo
Sera f i m, Da n ie l M a lhã o . Li sb o a : Gal er i a B a gi n s ki, 2 0 0 5 .
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Sad e e Ar te Co nt e mp o r ân ea . L isb o a : [ s. n .] , 2 0 0 6 . 1 4 6 f. T ese d e m es tr ad o e m
Est u d o s C ur a to r ia i s, F ac uld ad e d e B e la s - Ar t es d e L i sb o a, co m o r i en taç ão d a
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Fo l io , 1 9 9 6 . I SB N 9 7 8 -2 -0 7 -0 4 0 1 0 5 -5 . p . 1 5 2 -1 5 4 .
V AN
D U RME ,
Ve er l e
-
M a ri na
A bra mo v i c /
U la y
:
Nig ht sea
Cro ss i ng :
Perf o r ma nce . Li sb o a : F u nd aç ão C alo u st e G u l b en k ia n, Ce n tr o d e Ar t e Mo d er na,
1985.
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De Rui Calçada Bastos a Robert Smithson – o movimento
AL B E RT O - O Anj o M udo . 2 ª ed . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 1 . I S B N 9 7 8 -0 2 6 2 -2 3 2 6 2 -3 .
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AR NH EI M, R ud o l f - Ar t e e E ntr o p ia: E n s aio so b r e a De so r d e m e a Or d e m. I n P a ra
u ma P si co lo g ia da Art e , En sa io s. A rt e e E nt ro pia : E n sa io so br e a D eso r de m e
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B AR NE S, J u li a n – Na u fr á g io . I n A H i st ó ria do M undo e m 1 0 Ca pí t ulo s e ½ .
T r ad . J o sé Vie ir a d e L i ma . L isb o a : Q ue tza l, 1 9 9 0 . p . 1 3 1 -1 5 8 .
B AR R O, Da v id - V id e o cr eac ió n e n P o r t u g al : U n N ue vo Ac ad e mi c is mo ? Lap iz .
Mad r id . I S S N 0 2 1 2 -1 7 0 0 . 1 9 5 ( J u l ho d e 2 0 0 3 ) 2 0 -3 5 .
B AUD E L AI R E , C har le s - Mo e s ta E t Er r ab u nd a ; Vo ya g e. I n A s F lo r e s do M a l .
T r ad ., p r ef ., cr o no lo gia e no ta s F er na nd o P i n to d o A mar a l. 4 ª ed . Li sb o a : As sír io
& Al v i m, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 3 0 5 - X. p . 1 7 3 -1 7 5 e 3 1 9 -3 3 1 .
B EC KE R, Kat hr i n - C ad a N u ve m te m l e nçó i s d e p r ata : a l g u n s a sp ec to s d a o b r a d e
R ui C alç ad a B a sto s. Dar d o Ma gaz i ne . Sa n tia go d e Co mp o s tel a. I SS N 1 8 8 6 -0 8 9 3 . 7
( Fe v. - Ma io d e 2 0 0 8 ) 1 0 4 -1 1 9 .
B OI S, Y ve - Al ai n ; K R AU SS , Ro s al i nd , ed s. – F o r ml e s s : A Us er´ s G ui de . Ne w
Yo r k : Zo ne B o o k s; Lo n d o n : T he MI T , 1 9 9 7 . I S B N G U L
B OR GE S, J o r ge L u is - O Mo n str o Aq uer o n te. I n O Liv ro do s Ser es I ma g i ná r io s.
T r ad . d e Ser a f i m F er r e ir a. 2 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -6 9 5 -8 9 1 8 . p . 1 4 3 -1 4 4 .
— Her a cl ito . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s Co mp l et a s. I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l .
III, p. 359.
B OT T ON, Al ai n d e – D o s ub l i me . I n A A rt e d e V ia j a r. T r ad . d e M i g ue l Ser r a s
P er eir a. 2 ª ed . L isb o a : D. Q u i xo t e, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 - 2 0 -2 6 7 0 -4 . P . 1 5 5 -1 7 6 .
B RU N, J e a n – Her acl ito . I n O s P ré- So crá t ico s. T r ad . Ar mi nd o Ro d r i g u e s. Li sb o a :
Ed içõ e s 7 0 , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 5 7 3 -7 . p . 4 1 -5 6 .
C AMP I N O, C ata r i na - Co r p o d e T r ab alho : R ui Ca lçad a B as to s . Ar te I b ér i ca .
Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . 4 4 ( Mar ço d e 2 0 0 1 ) 3 0 -3 1 .
370
C ANO G AR , Da n ie l - T h e P lea s ur e o f R ui n s. E x i t . Mad r id . I SS N 1 5 7 7 -2 7 2 1 . 2 4 :2 4
( 2 0 0 6 ) 3 8 -4 5 .
C AR R O L L, L e wi s - A Ca ça a o S na r k. De se n ho s d e He nr y Ho lid a y ; tr ad . d e
Ma n ue l Re se nd e . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 7 8 7 - X.
C AST E LO , M ar i a J o s é Vel a yo s - E l T ie mp o Cr ead o r . L ap i z . Mad r id . I SS N 0 2 1 2 1 7 0 0 . 1 7 5 : 2 0 ( J u l ho -De z. 2 0 0 1 ) 2 4 -3 5 .
CE ND R AR S, B la i se - F o lha s de Via g e m. S ele c ., tr ad . e no ta s L ib er to Cr uz . 1 ª ed .
Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 4 -5 .
CH EV AL I E R,
J ea n –
R io .
In
Di cio ná r io
do s
S í mbo lo s :
M it o s,
So nho s,
Co st u me s, Ge st o s, F o r ma s , F ig ura s, Co re s, N ú me ro s. T r ad . Cr is ti n a Ro d r i g ue s,
Ar t ur G uer r a. [ L i sb o a] : Cír c u lo d e Le ito r e s, 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 -4 2 -1 5 5 9 -8 . p . 5 6 9 570.
CI T AT I , P ier r e - P ar mi g gi a ni ´s Sea o f I ce. I n AL MI C, S yl v ai n, ed . l it . - Cla ud io
Pa r mi g g ia no , Na uf ra g io co n S pet t a t o re . Mi la no : Si l va na , 2 0 1 0 .
I SB N 9 -
7 8 8 8 3 6 -6 1 8 6 2 0 . p . 1 5 3 .
CI XO US, Hél é ne - T he P up il. I n Ro ni H o rn . Ri ng s o f Li s pect o r ( A g ua Viv a ) .
Lo nd o n : Ha u ser & W ir t h, co p . 2 0 0 5 . I SB N 3 -8 6 5 2 1 -1 4 9 -6 . p . 5 8 -6 2 .
CO OK E, L yn n e , ed . - A P o si tio n o f E l se wh er e. I n Ro b ert S mit h so n S pi ra l J et t y :
Tr ue F ict io ns, F a l se Rea l it i es . Ne w Yo r k : Dia Ar t Fo u nd a tio n ; B er k el y; Lo s
An g el es ; Lo nd o n : U ni v er s it y o f Ca li fo r n ia P r e s s, 2 0 0 5 . I SB N 0 -5 2 0 -2 4 5 5 4 -7 . p .
5 2 -6 9 .
CO OK E , L yn n e ; GO D F RE Y , Mar k ; R AT T EMEYE R , C hr i st ia n, ed s. - A lig hi ero
B o et t i : Ga me P la n. N e w Yo r k : T he M u se u m o f Mo d er n Ar t ; Mad r i d : Mu s eo
Nac io nal Ce n tr o d e Ar t e Rei n a So fi a; Lo nd o n : T ate P ub l is h i n g, co p . 2 0 1 2 . I SB N
9 7 8 -0 -8 7 0 7 0 -8 1 9 -0 .
CO UT I NH O, L il ia n a - E n Vo y a g e. P ar is : L e P la tea u, 2 0 0 6 .
D AVI E S, Ke it h F. - Cl a ren ce J o hn La ug h li n : Vi sio na ry P ho t o g ra p her . Ka n sa s
Ci t y, Mi s so ur i : Hal l mar k Ca r d s, 1 9 9 0 . I SB N 0 -8 7 5 2 9 -6 2 9 -7 .
371
DE M AI ST R E, Xa v ier - V ia g e m à Ro d a d o M eu Q uar to . I n V ia g e m à Ro da do
M eu Q ua r t o S eg ui do de O Le pro so da C ida de de Ao st a . T r ad . d e Cé li a
He nr iq u e s. L isb o a : & E tc, 2 0 0 2 . p . 1 9 -1 1 4 .
F AU RE, É li e - P a ul Cé za n ne, po r É lie F a u re ; seg ui do de O qu e Ele M e Dis se …
po r J o a c h i m G a s q uet. T r ad . d e Aníb al Fer n a n d es. 1 ª ed . L i sb o a : Si st e ma So la r ,
2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -1 6 -4 .
F L AM, J a c k, ed . - Ro bert S mi t h so n : Th e Co l lect ed W rit ing s. B e r ke l y : T h e
U ni ver s it y o f Cal i fo r ni a P r es s, 1 9 9 6 . I SB N 0 -5 2 0 -2 0 3 8 5 -2 .
GOM E S , P in h ar a nd a - Her a cl ito d e É fe so . I n Filo so f ia G reg a Pr é - So crá t i ca . 4 ª
ed . Li sb o a : G ui ma r ã es E d ito r es , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 - 6 6 5 -1 3 2 -8 . p . 1 1 4 -1 2 6 .
GR I M AL , P ier r e – Aq ue r o n te; L et e. I n D icio ná r io da M it o lo g ia G reg a e Ro ma na ,
co o r d . d e Vic to r J ab o ui l le. 5 ª ed . Li sb o a : Di f el , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 9 -0 9 2 6 /0 9 .
p . 3 5 e 2 7 4 -2 7 5 .
H AL DEM AN N, An i ta ; D O RO SH EN KO, P ete r ; G RO VE, J e f f tr e y D., ed s. M icha el B o rre ma ns : Zeic h nu ng e n/ T e ken ing en /Dra w i ng s. Cl e ve la nd : Cl e ve la n d
Mu s e u m o f Ar t, 2 0 0 5 . I SB N 3 -8 8 3 7 5 -8 3 2 -9 .
HE RM AN N, L u k e – T u rne r : Pa i nt i ng s, Wa t e rco lo ur s, Pri nt s & Dr a w ing s . 2 ª
ed . O x fo r d : P ha id o n, 1 9 8 6 . I SB N 0 -7 1 4 8 -2 4 2 0 - 8 .
HO FM AN N, W er ner - Ca s pa r Da v id Fr ie dr i ch. Lo nd o n : T ha me s & H ud so n,
2 0 0 0 . I SB N 0 -5 0 0 -0 9 2 9 5 -8 .
HO RN , Ro ni - A no t h er Wa t er ( Th e R iv er T ha me s , f o r E xa mp l e) . Z ur ic h ; B er l i n
; N e w Yo r k : S calo , 2 0 0 0 . I SB N 3 -9 0 8 2 4 7 -2 5 - X.
I GG Y P OP AN D T HE S T OOGE S – Th e P a s se n g er [ Re g i sto mu s ic al] . [ E m L i n ha] .
Yo u T ub e [ Co n s u lt ad o e m 1 0 d e J ul ho d e 2 0 1 3 ] . Di sp o ní v el e m
W W W :<U R L : ht tp : // www. yo ut ub e.co m/ wa tc h? v = y4 hP n Z UMB wA
I SH ERW OO D, C hr is to p her - M i st er No r ri s M uda de Co mbo io . T r ad . d e L ucí li a
Fi lip e . L isb o a : Q ue tza l E d ito r es , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 4 5 -6 .
J ENSE N, J e n s C hr is ti a n - El Océ a no G lac ia l. I n Ca s pe r Da v i d Fr ie dri c h, V i da y
O bra . B ar ce lo na : B l u m e, 1 9 8 0 . p . 1 8 8 -1 9 1 .
372
K ANT , I mma n u el - S e g u nd o Li v r o : An al ít ica d o Sub li me. I n Cr ít ica d a Fa cul da de
do J uízo . I ntr o d . d e An t ó ni o Ma r q ue s; tr ad . e n o ta s d e An tó n io M ar q ue s e Va lér io
Ro d he n. L i sb o a : I mp r e n sa N acio n al Ca sa d a Mo ed a, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 2 -2 7 -0 5 0 6 -7 .
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K AW AB AT A, Y a s u mar i - Te rra de Nev e. T r ad . d e Ar ma nd o d a S il v a C ar v al ho . 1 ª
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KR AU S S, Ro sa li nd – Sc ulp t ur e i n t he E xp a nd ed Fi eld . I n FO ST E R , H al, ed . - T he
Ant i- A es t h et ic : E ssa y s o n P o st mo der n C ult ur e . Se att le : B a y P r e s s, 1 9 9 3 . I SB N
0 -9 4 1 9 2 0 -0 2 - X. p . 3 1 -4 2 .
— T he Do ub le Ne ga ti v e: a Ne w S yn t a x fo r S cu lp t ur e. I n Pa s sa g es i n M o der n
Sc ul pt ure. Ca mb r id ge : T he MI T P r e ss, 1 9 8 1 . p . 2 4 3 -2 8 8 .
KR E ME R, B o r is , ed . l it. - R ui Ca lça da B a st o s : Se lect ed Wo r ks . B er li n :
K u ns tl er ha u s B e t ha n ie n, co p . 2 0 0 3 .
L. R OB E RT S, J en n i fer - M irro r- T ra v el s : Ro bert S mit h so n a nd H is t o ry . Ne w
Ha ve n ; Lo nd o n : Yal e U ni ver s it y P r e s s, 2 0 0 4 . I SB N 0 -3 0 0 -0 9 4 9 7 -3 .
L AW RE N C E , J o h n H. ; B R ADY , P atr i ci a, ed s. - H a unt er o f R ui n s : Ph o t o g ra p hy
o f Cla re nce J o h n La ug hl in . B o s to n : A B u l fi n c h P r e s s B o o k, 1 9 9 8 .
LE I G HT ON, J o h n - Ca s per Da v i d F ri ed ri ch : Wi nt e r La n d sca pe. L o nd o n : T he
Nat io na l G al ler y, 1 9 9 0 .
LI NGW OO D, J a me s - O P eso d o T e mp o . I n B ern d & H i lla B ec h er, Ro be rt
S mi t hso n : F iel d Tr ip s , P o r to : F u nd a ção d e S er r al v es , 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -7 3 9 -0 9 9 4 . p . 8 -1 7 .
M AG RI S, Cla ud io – D a nú b io . T r ad . Mi g u el Ser r as P er e ir a. Li sb o a : Q u et zal ,
2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -5 6 4 -8 4 3 -8 .
M ALLAR M É , St ép ha ne – Her o d íad e. I n Po e s ia s. T r ad ., p r e f. e no t as d e J o sé
Au g u s to Seab r a. L i sb o a : As sír io e Al v i m, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 8 1 -7 . p . 7 2 -8 7 .
MEDI N A, C ua u ht é mo c ; F ER GU S SO N, R u s sel l ; FI S HE R, J ea n , ed s. - F ra n ci s
Aly s. Lo nd o n : P ha id o n P r es s, 2 0 0 7 .
373
ME LV I LLE , H er ma n - O I ceb er g u e ( u m so n ho ) . I n Po e ma s . T r ad . d e Már io Av ela r .
Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 3 5 7 -2 . p . 5 4 -5 7 .
MI LLI E T , M ar i a Ali ce - Ly g ia C la r k : O bra - T r a j ect o . São P a u lo : ED U SP , 1 9 9 2 .
N AZAR É , L eo no r - R ui C al çad a B as to s. I n De ns i da d e Re la t iv a . Li sb o a :
F u nd aç ão Ca lo us te G ulb en k ia n, C e ntr o d e Ar t e Mo d er na J o sé d e Azer ed o P er d i gão ,
2 0 0 5 . p . 1 7 8 -1 7 9 .
NI ET ZS CH E , Fr ied r ic h - A F ilo so f ia na É po ca Trá g ica do s Greg o s. Li sb o a :
Ed içõ e s Se te n ta, 1 9 8 7 .
O ´C O NN O R, Fl a n ner y - O R io . I n U m B o m H o me m É Dif íc il d e E nco nt ra r . 1 ª ed .
Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o , 2 0 0 6 . I SB N 9 8 9 -6 2 3 - 0 1 4 -5 . p . 2 7 -4 7 .
P LAT H, S yl v i a - P ela Ág ua . T r ad . d e Mar ia d e Lo ur d es G u i mar ã e s . Li sb o a :
As s ír io & Al vi m, 1 9 9 0 . E d ição b i li n g ue . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 2 5 4 -1 .
P RÉ MI O DE ART E S P L ÁST I C AS U NI ÃO LAT I N A, 6 º ; F u nd açã o C alo u st e
G ulb e n k ia n, Ce n tr o d e Ar te Mo d er na J o sé d e Azer ed o P er d i gão , ed . lit . - P ré mi o
de Art es P lá st ica s Un i ã o La t i na 2 0 0 4 . L i sb o a: F u nd aç ão Ca lo u ste G ulb e n k ia n :
Ca i xa Ger a l d e Dep ó s ito s, 2 0 0 5 .
RO S A DI AS, Fer na nd o - S ub li me e P i nt ur a : O Ol h ar Ab i s ma d o . Ar te T eo r ia .
L is b o a: Fa c uld ad e d e B e la s - Ar te s. 9 ( 2 0 0 7 ) 9 2 -1 2 0 .
S AR DO, D el f i m - R ui Ca lçad a B a s to s : E ntr e I r o n ia e I nc er t eza . I n A Vi sã o e m
Ap ne ia : E scr it o s so br e Art i st a s. Lisb o a : B a b el, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -3 1 -0 0 1 6 5 . p . 3 8 3 -3 8 5 .
SE B AL D, W . G. – Do Na t u ra l : U m Po e ma El e me n t a r . T r ad . d e T el ma Co s ta.
Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 7 2 2 -0 2 5 -8 .
— O Ca mi n ha nt e So lit á rio . T r ad . d e T el ma C o st a. Li sb o a : E d i to r ial T eo r e ma ,
2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -8 8 6 -4 .
— Ve rt ig en s. I mp re s s õ es. T r ad . d e T el ma C o st a. L isb o a : E d i to r i a l T eo r e ma,
2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -7 0 5 -8 .
— H i st ó r ia Na t ura l da De st r ui çã o : Gu erra A érea e L it era t ura . T r ad . d e T el ma
Co st a Li sb o a : E d i to r ia l T eo r e ma , 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 5 6 -0 .
374
SÉN E C A, L ú cio An e u – ( Car ta s 2 2 -2 9 ) . I n C a rt a s a Lu cí lio . Li sb o a : F u nd a ção
Ca lo u ste G u lb e n ki a n, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 1 -0 5 3 6 -0 . li v r o I I I , p . 7 9 -1 1 0 .
SH AP I R O, Gar y – Ea rt hw a rd s : Ro b ert S mi t h so n a n d Af t er B a be l. B er k el y; Lo s
An g el es ; L o nd o n : U ni v er s it y o f Cal i fo r ni a P r e s s, 1 9 9 5 . I SB N 0 -5 2 0 -0 8 8 5 6 -5 .
SO LNI T , R eb ec ca - T h e R u i ns o f Me mo r y. E xi t . M ad r id . I S SN 1 5 7 7 -2 7 2 1 . 2 4
( 2 0 0 6 ) 1 3 6 -1 4 6 .
T . S. EL I OT - A T err a Dev a s t a da . I n tr o d . e tr ad . d e G ual ter C u n h a. Li sb o a :
Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 9 9 . E d ição b i li n g ue . I SB N 9 7 2 - 7 0 8 -5 4 4 - X.
T HORE AU , He nr y – C a mi n ha da . T r ad . Mar ia Afo n so . Li sb o a : An tí go na , 2 0 1 2 .
I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 6 0 8 -2 2 5 - 5 .
T SAI , E u g e nie ; B UT LE R , Co r ne li a, o r g. - Ro b ert S mit h so n . Lo s An ge le s :
Mu s e u m o f Co n te mp o r a r y Ar t, 2 0 0 4 . I SB N 0 -5 2 0 -2 4 4 0 9 -5 .
V AGN O Z ZI , B ar b a r a [ et al.] - M y Fa v o ur it e N ur sery R hy me s. Lo nd o n :
Lad yb ir d , A P e n g u i n Co mp a n y, s/ d ata .
V AUG H AN, W il lia m - Ca sp ar D a vid Fr ied r ic h. I n Ge r ma n Ro ma nt ic Pa in t i ng . 2 ª
ed . Ne w Ha v e n, Lo nd o n : Ya le U n i ver si t y P r e s s, 1 9 9 4 . I SB N 0 -3 0 0 -0 6 0 4 7 -5 . p .
6 5 -1 1 7 .
VE RNE ,
J úl io
-
Um
Co n ti ne n te
q ue
De s ap ar ec e u.
In
Vi nt e
M il
Lég ua s
Su b ma r ina s. T r ad . d e G. B o r ge s d e Av ela r . Lisb o a : C ír c u lo d e Le it o r es, 1 9 9 6 .
I SB N 9 7 2 -4 2 - 1 2 9 4 -7 . p . 3 2 4 -3 3 5 .
VI D AL - N AQ UE T , P ier r e – At lâ n t i da : Peq ue n a H ist ó r ia d e u m M it o Pla t ó n ico .
T r ad . d e C ar lo s Co r r eia Mo nte ir o d e O li ve ir a . Lis b o a : T eo r e ma, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 9 7 2 -6 9 5 -7 0 0 -3 .
VO N HU MB O L DT , Ale xa nd er - P int ura s da N a t ure za : U ma A nt o lo g ia . T r ad . d e
Gab r i el a Car d o so . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 3 0 -8 .
W I LLI AMS, W il li a m C a r lo s - Ant o lo g ia B r ev e : Wi llia m Ca rlo s Wi ll i a ms . T r ad .
d e J o sé Ago st i n ho B ap ti st a. L isb o a : As sír io & Al v i m, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 3 8 6 -6 .
375
De Louise Bourgeois a Hans Bellmer – a memória
AN DR ES E N,
So p h ia
de
Me llo
B r e yn er
–
A
Fa da
O r ia na .
I l u s tr açõ es
de
Nat i vid ad e Co r r êa. P o r t o : F i g ue ir i n h as, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 2 3 0 -2 0 -1 .
— O E sp e l ho o u o Ret r ato Vi vo . I n A Á rv o re . P o r to : F i g ue ir i n ha s, 1 9 8 5 . I SB N
9 7 2 -6 6 1 -1 9 3 -8 . p . 2 1 -3 1 .
B AK AR GI E V, C ar o l yn , ed . lit. - T he Da n ce W as Ve r y Fr e n et ic, Li v el y, Rat tl i n g,
Cl a n gi n g, Ro l li n g, Co n t o r ted , a nd La s ted Fo r a Lo n g T i me . I n T he B o o k o f B o o ks
: Do c u me nt a ( 1 3 ) . O st f i ld r e n : H atj e Ca n tz, co p . 2 0 1 2 . p . 3 0 -4 6 .
B AL, M ie k e - Dead F l es h, o r T he S me l l o f P ai nt i n g. I n Rea di ng Re mb r a n dt :
B ey o n d t he Wo rd- I ma g e O ppo s it io n. C a mb r i d ge : U n i ver s it y P r es s, 1 9 9 1 . I SB N
0 -5 2 1 -3 9 1 5 4 -7 . p . 3 6 1 -3 9 8 .
B AR R ENT O, J o ão – O M undo E st á C heio de De u se s : Cri s e e Crí t ica do
Co nt e mp o râ neo . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 5 7 7 -4 .
B AUD RI L L AR D , J ea n - A d e s fo r r a d o p o vo d o s esp el ho s. I n O Cr i me P erf eit o .
T r ad . d e Si l vi n a Ro d r i g ue s Lo p es . Li sb o a : Re l ó gi o D ´á g u a Ed i to r e s, 1 9 7 8 . I SB N
9 7 8 -7 0 8 -3 2 8 -5 . p . 1 8 9 -1 9 0 .
B E AU ME L L E , Ag nè s d e la ( so b a d i r ec ção d e ) - H a n s B e ll mer : A n a t o mi e d u
Dé sir . P ar i s ; G al li ma r d : Ce n tr e P o mp id o u , 2 0 0 6 . I SB N 2 -0 7 -0 1 1 8 4 1 - X.
B E NE SH, Ot to – Re mb r a ndt . G e né ve : S kir a, 1 9 9 0 . I SB N 2 -6 0 5 -0 0 1 6 5 - 2 .
B E R N AD AC, Mar ie - L a ur e - Lo ui se B o urg eo i s . P ar i s : F la m ma r io n , 2 0 0 6 . I SB N
9 7 8 -2 -0 8 -0 3 0 5 5 3 -4 .
B E R N AD AC, Mar i e - La ur e ; OB RI ST , Ha n s U lr ic h , ed . l it. - Lo ui se B o urg eo i s.
De st r uct io n o f t h e F a t her , R eco nst ru ct io n o f t he F a t her :
W ri t ing s a n d
In t erv iew s, 1 9 2 3 - 1 9 9 7 . Lo nd o n : Vio let te Ed i tio n s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -9 0 0 8 2 8 -0 7 -3 .
B E R N AD AC, M ar i e - La ur e ; HE R KE N H OF F, P au lo ; N E RI , Lo ui se [ te xto s d e ] Lo ui se B o urg eo i s : o b r a s r ece nt e s = rec en t w o r ks. Li sb o a : Ce n tr o C ul t ur a l d e
B elé m, 1 9 9 8 . I SB N 2 -8 7 7 2 2 1 -1 6 3 -0 .
376
B E R NH AR D, T ho ma s – Ant ig o s M est r es : co mé d ia . T r ad . d e J o s é A. P a l ma
Ca eta no . Li sb o a : As s ír i o & Al vi m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 1 7 -5 .
B ES S A- L UÍ S, Ag u s ti n a - K a f kia na . Lisb o a : B a b el, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 6 5 -6 7 7 7.
B L OO M, Har o ld , ed . – I nt r o d uct io n. I n H er ma n M elv ille ´ s M o by - Di c k. Ne w Yo r k
: I n fo b a se P ub li s hi n g , 2 0 0 7 . I SB N 0 -7 9 1 0 -9 3 6 3 - 8 . p . 1 -6 .
B OR GE S, J o r ge Lui s – O A le ph . T r ad ução d e J o sé Co la ço B ar r eir o s. L i sb o a :
Q uet zal , 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 7 1 -5 .
— E lo gio d a So mb r a ; o ce go . I n J o rg e L ui s B o rg es : O bra s Co mp let a s. Li sb o a :
T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 1 -0 . vo l I I , p . 3 9 7 e 4 7 9 .
— O E sp el h o ; O No b r e Ca s telo d o c a nto I V . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s
Co mp l et a s. L i sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 1 9 7 e p .
3 6 4 -3 6 8 .
B ROW N, Cr i sto p h er ; K EL C H, J a n ; T HI E L, P i eter va n - T he An ato m y Le s so n o f
Dr J o a n D e y ma n. I n Re mb r a n dt : T he M a st er & H i s Wo r ks ho p: pa in t ing s. N e w
Ha ve n ; Lo nd o n; Yal e U ni v er si t y P r es s : Na tio n al Ga ll er y P ub li ca tio n s, 1 9 9 1 . I SB N
0 -3 0 0 -0 5 1 5 0 -6 . p . 2 6 2 -2 6 6 .
C AB AN NE , P ier r e – R e mb r a n dt . Li sb o a : Ver b o , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -2 2 -1 5 9 0 -6 .
CE L ANT , Ger ma no - L o ui se B o u rg eo is : T he Fa br ic Wo r ks. M il a n : S kir a, 2 0 1 0 .
I SB N 9 7 8 -8 8 - 5 7 2 -0 6 5 4 - 7 .
CO CT E AU, J ea n – Le S a ng D´ U n Po ét e [ Re g i st o víd eo ] . Fi l me r e ali zad o p o r J ean
Co c tea u . [ P ar i s] , 1 9 3 0 . 1 ca ss ete ( D VD) ( 5 0 mi n.) : p r e to e b r a nco , so n .
C RO NE , Rai n er ; S H A E SB E R G, P et r us Gr a f, co - a ut. - Lo ui se B o urg eo i s : T he
Sec ret O f Th e C el l s. M u ni c h ; Lo nd o n ; Ne w Y o r k : P r e st el, 1 9 9 8 . I SB N 3 -7 9 1 3 1 6 1 0 -9 .
D A SI LV A, Ag o s ti n ho - A Vi da e a Art e de Re mb r a n dt. Vi la No va d e Fa ma li cão
: Gr a nd e s O f ic i na s Gr á f i cas “M i ner v a”, 1 9 4 3 .
FO ST ER,
H al
–
A
Lit tl e
An ato m y.
In
Pro st he t ic
Go ds.
Ca mb r id ge
Ma ss ac h u se tt s; L o nd o n : T he MI T P r e ss , 2 0 0 4 . I SB N 0 - 2 6 2 -0 6 2 4 2 -9 . p . 2 2 5 -2 5 4 .
377
;
— F ata l Attr ac tio n. I n Co mp u l siv e B ea ut y . Ca mb r id ge ; Ma s sac h u se tt s ; Lo nd o n :
T he MI T P r e ss, 1 9 9 3 . I S B N 0 -2 6 2 -0 6 1 6 0 -0 . p . 1 0 1 -1 2 2 .
GE S E L L S CH AFT ,
K es t ner
; H AE N LEI N,
Ca r l,
ed .
li t.
- H a ns
B ell me r
:
Pho t o g ra p hi en. Ha no v e r : K e st ner - Ge se ll s c ha ft Ha no ver , 1 9 8 4 .
GO OD M AN, Nel so n – M o do s de Fa zer M un d o s. T r ad uç ão An tó n io D uar te. 1 ª ed .
P o r to : As a, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 -4 1 -1 5 6 0 -7 .
GUE R R A DO S RE I S, Vít o r Ma n ue l – A Ca ç a Des en f rea d a : O Mo vim en to d o s
Olh o s e o A c to d e V e r. L is b o a : [ s. n.] , 2 0 0 0 . 5 9 f. R el ató r io na ár e a c i en tí f ic a d e
T eo r ia d a I ma g e m, F ac u ld ad e d e B e la s - Ar te s d e Lis b o a.
GUI C H AR D, Ca mi lle - Lo u is e B o urg eo i s [ R e gi s to v íd eo ] . Fi l me r ea liz ad o p o r
Ca mi l le G uic h ar d co m J er r y Go r o vo y e B er nar d Mar cad é co mo co - a uto r es. [ P ar i s]
: Ré u nio n d e s M u sé es N atio n a u x, 1 9 9 3 . 1 ca s set e ( V HS) ( 5 2 mi n. ) : co l, s o n.
HE RKE NH O FF , P au lo , cur ad o r e a ut. - Lo u is e B o urg eo i s. R io d e J an ei r o : Ce nt r o
C ul t ur a l B a n co d o B r a si l; São P a u lo : B ie n al d e S. P a u lo , 1 9 9 7 .
J ELI NE K, E l f r ied e, co -a u t. ; MI LLE R, H e nr y co - a ut. ; KI T T ELM ANN, Ud o ;
KY LLI K KI , Zac h ar i as , ed . lit. - Lo ui se B o urg eo i s/ H a ns B e ll me r. B er li n :
Di st a nz Ver la g, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -3 -8 9 9 5 5 -4 0 3 -8 .
K AFK A, Fr a nz – A To ca . T r ad . d e Fr a nc i sco Ag ar e z. Li sb o a : LxX l, co p . 2 0 0 9 .
I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 8 6 1 5 -0 8 - 6 .
L AN DE R AAD , K ee s V an
- T he Rea l Re mb r a ndt : T he Sea rc h f o r a Ge ni u s
[ Re g i sto v íd eo ] . F il me r eal iz ad o p o r K ee s va n La nd er a ad . [ L o nd o n] : P haid o n ,
1 9 9 1 . 1 ca s se te ( VH S) ( 5 4 mi n.) : co l., so n.
L AR R AT , P h il ip , F RE UD MU SE UM - Lo ui se B o urg eo i s : T he R et u rn O f T he
Re pre s se d. Lo nd o n : Vi o let te, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 - 1 -9 0 0 8 2 8 -3 0 -7 . vo l I
— Lo u i se B o urg eo i s : T he Ret ur n O f T he Re pre s se d. Lo nd o n : Vio l ett e, 2 0 1 2 .
I SB N 9 7 8 -1 - 9 0 0 8 2 8 -3 0 - 7 . vo l I I .
LE I G H, C hr i sti a n ; KUT I K, C ha r lo tta ; S U LT AN , T er r ie - Lo ui se B o u rg eo i s : Th e
Lo c u s o f M e mo ry . Ne w Yo r k : T he B r o o k l yn Mu s e u m, H ar r y N. Ad a ms, 1 9 9 4 .
I SB N 0 -8 1 0 9 - 3 1 2 7 -3 .
378
LET RI A, J o sé J o r ge – O Se gr ed o d e Alic e. I n O Liv ro B ra n co da M ela nco l ia .
Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 - 4 7 2 -7 . p . 1 0 4 -1 0 5 .
LI C HE NST E I N, T her e s e - B e h in d Clo se d Do o rs : T he Art o f H a n s B e ll me r .
B er k el y; Lo s An g e le s; Lo nd o n: U ni v er sit y o f C al i fo r ni a P r e s s; Ne w Yo r k :
I n ter na tio n al C e nter o f P ho to gr ap h y, co p . 2 0 0 1 . I SB N 0 -5 2 0 -2 0 9 8 4 -2 .
M AN DI AR G RE S, An d r é P ie yr e d e - Le Tré so r Cr uel d e H a ns B el l mer . P ar i s : Le
Sp hi n x, 1 9 8 0 . I SB N 2 -8 5 1 -9 9 2 -0 8 -2 . ( Li v r o co n s ul tad o )
MO R RI S, F r a nce s – Lo ui s e B o ur geo i s : A Fi g h t to t he Fi n i s h. I n Ar t & Aus tr a lia .
Au s tr a lia . I SS N 0 0 0 4 -3 0 1 - X. 4 8 :2 ( D ez. 2 0 1 0 - Fe v. 2 0 1 1 ) 3 1 9 -3 2 5 .
— Lo u i se B o urg eo i s. L o nd o n : T ate P ub li s hi n g, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -1 -8 5 4 3 7 -7 6 1 -6 .
MO R RI S, Fr a nce s ; M O RG AN , S t uar t - Rit e s o f P a s sa g e : Art F o r t h e E nd o f t he
Ce nt u ry . Lo nd o n : T ate Gal ler y, 1 9 9 5 . I SB N 1 -8 5 4 3 7 -1 5 6 -8 .
P EREI R A, H eld e r Mo ur a – A V er d ad eir a H is tó r ia d a T r o mb a d o E le f a nt e. I n A
Pen sa r M o rreu u m B urro : e O ut ra s H i st ó ria s. De se n ho s d e Lu is Ma n u el
Ga sp ar . L i sb o a : As s ír io & Al v i m, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 5 5 5 -9 . p . 1 5 -2 2 .
P LAT H, S yl v ia – A Ca mp â n ula de Vi dro . T r a d . d e Már io Ave lar . 2 ª ed . Li sb o a :
As s ír io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 0 2 1 -2 .
P OU LE T , Geo r ge s - P r o u st. I n St u di es in H u ma n T i me. B a lt i mo r e : T he J o h n
Ho p ki n s P r e s s, 1 9 5 6 . p . 2 9 9 -3 2 2 .
R AM AC H AND R AN , V. S., B L AC K E S L E E , S a nd r a – T hr o u g h t he Lo o ki n g G la s s.
I n P ha nt o ms i n t he B r a in. N e w Yo r k : Har p e r Co l li n s, 1 9 9 9 . I SB N 0 - 6 8 8 -1 7 2 1 7 2 . cap í t ulo 6 , p . 1 1 3 -1 2 6 .
R AMÓ N RI B E Y RO, J u l io - A Pa la v ra do M u do . T r ad . d e T ia go Sz a b o . 1 ª ed .
Lis b o a : Ah ab , 2 0 1 2 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -6 -6 .
RE VO L , J ea n – B el l mer : P ei nt u re s, Go ua c he s, Co lla g e s. P ar i s : L ´Au t r e M u sée,
1983.
RI NDE R, La wr e nc e - L o ui se B o urg eo i s : Dra w ing s a n d O b se rv a t io n s. B er k el y :
U ni ver s it y Ar t M u se u m and P ac i fi c Fi l m Ar c h i v e, U ni ver s it y o f C al i fo r ni a B o s to n:
A B ul f i nc h P r e s s B o o k, L it tl e B r o wn a nd Co mp a n y, 1 9 9 5 . I SB N 0 -8 2 1 2 - 2 2 9 9 -6 .
379
S ANT O AGO ST I NH O - O E n co ntr o d e De u s . I n Co nf is sõ e s. B r a ga : Li vr ar ia
Ap o s to l ad o d a I mp r e n sa , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -5 7 1 -1 1 9 - X. l i vr o d éci mo , p . 2 3 9 -2 9 0 .
S CH AM A, S i mo n - Au t o p s y. I n R e mb ra n dt ´ s Ey e s. Lo nd o n : T he P e n g ui n P r es s,
1 9 9 9 . I SB N 0 -7 1 3 -9 9 3 8 4 -7 . p . 3 4 2 -3 5 3 .
S CHW ART Z, Gar y – T he Ne w M ar ke t. I n Re mb r a n dt ’ s Un iv e rs e : hi s a rt , h i s
lif e , h is w o r ld. Lo nd o n : T h a me s & H ud so n, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -0 -5 0 0 -0 9 3 3 1 -3 .
p .1 6 4 -1 6 9 .
SH AKE SP E AR E , W il li a m - O R ei Lea r. T r ad uç ão e no t a s d e Ál var o C u n h al ;
in tr o d . d e L u is d e So u sa Reb e lo . 3 ªed . Li sb o a : Ca mi n ho , 2 0 0 2 . I S B N 9 7 2 - 2 1 1 4 8 5 -9 .
ST E I NE R, Geo r ge - O p acto q ueb r ad o ; p r es e nç as. I n P re se nça s Rea i s : As Art es
do Se nt ido . T r ad . e p o s f. d e M i g ue l Ser r a s P er eir a. 1 ª ed . L isb o a :
P r ese nç a,
1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 -2 3 -1 6 1 9 -2 . p . 5 5 -1 2 3 e 1 2 7 -2 0 5 .
SVE VO , I ta lo - A Co ns ci ên cia d e Ze no . T r ad . d e Mar i a Fr a n co e Cab r a l d o
Na sci me nto . Al fr a g id e : D. Q ui xo te, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -2 0 -3 8 0 0 - 3 .
T AV AR E S, C r i st i na Az ev ed o - A p r o c ur a d o b elo e d a ver d ad e: ar te méd ica e
es tét ic a. Ar te T eo r ia. L isb o a : Fa c uld ad e d e B e la s - Ar te s. I S SN 1 6 4 6 -3 9 6 X. 1 4 /1 5
( 2 0 1 1 /1 2 ) 9 -1 5 .
T AY LO R,
Sue
-
Hans
B e ll me r
:
T he
A n a t o my
of
A n x iet y .
C a mb r id ge ,
Ma ss ac h u se tt s; L o nd o n, E n g la nd : T he MI T P r es s, 2 0 0 0 . I SB N 0 -2 6 2 -2 0 1 3 0 -5 .
T E NNY SO N, Al fr ed L. – T he La dy o f S ha lo t t . I l us t. d e C har le s K eep i n g. O x fo r d :
O x fo r d U n i ver s it y P r e s s , 1 9 8 9 . I SB N 9 7 8 -0 -1 9 - 2 7 2 3 7 1 -0 .
UN DE RD O RF E R, Mic h aela - Lo u is e B o urg eo is : Wo r ks in M a rbl e. M u ni c h :
P r est el, 2 0 0 2 . I SB N 3 -7 9 1 3 -2 7 8 1 - X.
V AL É R Y, P a ul – O S en ho r T es t e. T r ad uç ão d e An íb al Fe r na nd e s. Li sb o a :
Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 8 5 .
380
VI CT OR Y,
Ma gd a le na
Ag ui ló
-
E ntr e v i st a
a
Lo u is e
B o ur geo is .
In
Lo u is e
B o urg eo i s : R epa i s i n t he S ky . M al lo r ca : F u nd a ció P i lar i J o a n Mir ó , 2 0 0 5 . p .
8 5 -8 9 .
VI D AL , Car lo s – Co r p o , Mito e Reco n h ec i me n to . Ar t e I b ér ica . Li sb o a . I SS N 0 8 7 3 5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) p . 8 -1 2 .
— Do Co r p o d a P o l ít ica à P o lít ica d o Co r p o . C o ló q uio Ar te s . Li sb o a. I SS N 0 8 7 0 3 8 4 1 . 3 8 : 1 1 1 ( O ut. - De z . 1 9 9 6 ) 1 3 -3 0 .
W ELLS , H . G. - E m Te rra de Ceg o s. T r ad . p ad r õ e s c ul t ur ai s ed i t o r a. 1 ª ed .
Lis b o a : P .C .E ., 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 1 6 0 -1 4 -0 .
W ER NE SS, Ho p e B . - T he Sy mb o l i s m o f M irro rs i n Art f ro m A nc ie nt Ti me s t o
t he Pre se nt . Ne w Yo r k : T he E d wi n M el le n P r e s s, 1 9 9 9 . I SB N 0 -7 7 3 4 -8 2 6 9 -5 .
W OO D, J a me s - A H er a nça P e rd i da : E n sa io s so b re Lit era t ura e Cr ença . T r ad .
d e B r u no V ie ir a A mar a l. L i sb o a : Q u etz al, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 4 4 -9 .
W OO L F, Vi r gi n ia - A Se n ho r a no E sp e l ho : U ma r e f le xão . I n Co nt o s . T r ad . d e
Mi g ue l S er r a s P er e ir a, Ma n ue la P o r to , Cl ar a R o wla nd e Mar g ar id a Va le d e G ato .
Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 6 8 2 -9 . p . 9 7 -1 0 4 .
381
ÍNDICE ONOMÁSTICO
382
Michel, 14, 156
Bellmer
Hans, XIII, 16, 243, 247, 248, 249, 251, 252,
253, 254, 259, 262, 263, 265, 266, 376,
378, 379, 380
Bénard da Costa
João, 124
B e n j a mi n
Walter, 140, 194, 353, 363
Bentham
Jeremy, 16, 67, 258, 271
Bernadac
Marie-Laure, 257, 265
Bernhard
Thomas, 17, 271, 274, 275, 276
B e r n i n i , 8, 64, 70, 74
Bessa-Luís
Agustina, 280
Beuys
Joseph, 36, 184, 221
Biesenbach
Klaus, 213, 220, 222
Birnbaum
Daniel, 195
Blanchot
Maurice, 157, 158
Bloom
Harold, 93, 97, 140, 141, 142, 149, 270
Blumenberg
Hans, 10, 109, 110, 224
Boetti
Alighiero, 200, 225, 362, 371
Boltanski
Christian, 107
Borges
Jorge Luis, I, 2, 19, 60, 75, 89, 90, 119, 149,
188, 206, 250, 253, 254, 270, 272, 274,
277, 278, 327, 330, 335, 342, 350, 354,
364, 367, 370, 375, 377
Bourgeois
Louise, XIII, 16, 26, 67, 243, 247, 248, 249,
250, 251, 253, 254, 255, 256, 257, 259,
260, 261, 262, 263, 264, 265, 266, 376,
377, 378, 379, 380, 381
Bragança de Miranda
José A., 4, 110, 350
Breton
André, 201
Brown
Jonathan, 166, 167, 170, 171, 173, 178, 179,
245, 379
Brunelleschi
Filippo, 27, 328
Burke
Edmund, 239
Burri
Alberto, 190
A
Ab r a m o v i c
Marina, XIII, 6, 13, 15, 25, 35, 36, 208, 209,
211, 212, 213, 214, 217, 218, 219, 220,
221, 222, 223, 366, 367, 368, 369
Aconcci
Vito, 195
Agamben
Giorgio, 199
A i W e i w e i , 201
Akutagawa
Ryunosuke, 208
Alys
Francis, 88, 218, 228, 242, 373
Amis
Martin, 112, 138
Andresen
Sophia de Mello Breyner, 137, 159, 241, 277
An e l l i
Marco, 220
A n t ó n i o F r a n c o A l e x a n d r e , 128
Ap o l o d o r o , 21, 25, 28
Arbus
Diane, 120, 121
Ariès
Philippe, 17, 84
A r i s t ó f a n e s , 45, 46
A r i s t ó t e l e s , 41, 46, 92, 338
A r q u i m e d e s , 51, 268
Artaud
Antonin, 15, 210, 211, 220
Ashbery
John, 5, 280
Atget
Eugène, 72
Au s t e r
Paul, 218, 367
Azevedo Tavares
Cristina, II, V, 245, 369
B
B a co n
Francis, 162, 175, 200, 358, 362
Bal
Mieke, 245, 251
Baltrusaitis
Jurgis, 3, 4, 106, 268
Barnes
Julian, 238, 244
Barrento
João, 272, 329, 350, 367
Barthes
Roland, 2, 115, 116, 161, 164, 174, 175, 187,
326
Basualdo
Carlos, 198, 199
Bataille
Georges, 27, 31
Baudelaire
Charles, 143, 145, 229
Baudrillard
Jean, 136, 145
Baudson
C
Cabanne
Pierre, 244
Cacciari
Massimo, 10, 99, 100, 109, 111
Caillois
Roger, 23, 29
383
George, 49
C u r i ge r
Bice, 183
Calasso
Roberto, 6, 22, 32, 37, 42, 60, 92, 94, 104
C a l d e r ó n d e l a B a r c a , 8, 340
Candeias da Silva
Joaquim, 177
C a n o v a , 34
Capgras
Jean-Marie, 138
C a r a v a g g i o , 35, 356
C a r l o s Au g u s t o R i b e i r o , V, 350
Carroll
Lewis, 63, 235
Carrouges
Michel, 184
Carvalho da Silva
Rui, 220
Casati
Roberto, 106
C a s p a r D a v i d F r i e d r i c h , 16, 240, 372, 375
C a t h e r i n e D a v i d , 194
C a t h e r wo o d
Frederik, 234
C a va f y , 60
C a va l c a n t i
Alberto, 11, 132, 350
C e c í l i a C o s t a , V, XIII, 15, 208, 215, 216, 217,
223, 366, 369
Celant
Germano, 181, 182, 183, 184, 185, 192, 194,
249, 254, 260
Cellini
Benvenuto, 34
Cendrars
Blaise, 230
Cézanne
Paul, 231, 233, 239, 372
Chamisso
Von Adelbert, 11, 113, 121, 135, 330
Checa
Fernando, 162, 163, 170, 180
Chevalier
Jean, 8
Chevrier
Jean-François, 194, 196, 199
Christov-Bakargiev
Carolyn, 191, 192
Citati
Pietro, 55, 62, 79
Clair
Jean, 6, 21, 30, 33, 34, 35
Cocteau
Jean, 269, 377
Coello
Alonso Sánchez, 163
Colli
Giorgio, 10, 91, 92
Conceição
Carlos Augusto, 125, 339
C o n gd o n
Lenore O. Keene, 4, 45
C o o ke
Lynne, 184, 185
C o r n e l i s C o r n e l i s z , 106
Cross
R. C., 97, 103, 104, 105
C u ko r
D
Dali
Salvador, 151, 171
Dällenbach
Lucien, 146, 147, 148, 149
Damásio
António, 8, 88
Dante
Alighieri, 197, 242
Danto
Arthur, 211
Darrieussecq
Marie, 261, 262
Darwin
Charles, 117
Deleuze
Gilles, 73, 162, 175
Derrida
Jacques, 10, 95, 96, 98
Detienne
Marcel, 80, 81
Diderot
Denis, XIII, 11, 119, 143, 144, 145, 272
Didi-Huberman
Georges, 201, 202
D i ó g e n e s , 51, 212, 369
Dodds
E. R., 39
D o s t o i é vs ki
Fiódor, 11, 121, 122, 123, 124, 125, 211
D o u g l a s G o r d o n , 88, 90, 221
Duby
George, 47
Duchamp
Marcel, 88, 141, 151, 184, 190
Dumas
Alexandre, 121
Durand
Régis, 184
D w ye r
Eugene, 29
E
Eco
Umberto, 2, 4, 53, 87, 89, 175, 250
Edgerton
Samuel Y., 28
E i n s t e i n , 86, 152, 161, 343, 344, 360
E i s e n s t e i n , 155
Emmens
J. A., 173
Énard
Mathias, 18
É s q u i l o , 47
E u gé n i o D ´ O r s , 8, 64, 73, 75, 78
E u r í p e d e s , 6, 21, 29, 47
384
Graves
Robert, 38, 42
Gregory
Richard, 2, 4, 269
G r i d l e y M c K i m - S m i t h , 164
Grimal
Pierre, 29, 42, 43, 61, 82, 242
Guichard
Camille, 253, 259, 378
F
Faure
Élie, 162, 173, 179, 231, 239, 372
F e l i x d a C o s t a , 168
Ferguson
Bruce W., 186
F i l i p e I V , 162, 166, 169, 170, 175, 176, 177
Flaubert
Gustave, 16, 141, 226
Focillon
Henri, 64, 189
Fontana
Lucio, 190
Foster
Hal, 140, 251, 252, 263
Foucault
Michel, 8, 16, 63, 66, 67, 70, 75, 117, 159, 165,
167, 171, 172, 173, 174, 179, 258, 268, 348
F r a n c e s M o r r i s , 257
F r e d e r i c o L o u r e n ç o , 38, 92, 329, 330, 337
Freud
Sigmund, 6, 10, 21, 30, 34, 35, 117, 118, 119,
123, 128, 129, 130, 137, 145, 184, 272, 351
F r i t z L a n g, 125, 353
Frontisi-Ducroux
Françoise, 4, 22, 29, 50, 51, 52
Furtenagel
Lucas, 84
H
H . G . W e l l s , 277, 278, 279
Haacke
Hans, 200
Hamer
Robert, 11, 350
Hamilton
Richard, 171
Haneke
Michael, 37
Harris
James, 152, 154
Hauser
Arnold, 8, 68, 71, 74, 75, 166, 168, 176, 371
Havelock
Eric, 93, 94, 96, 99, 104, 109
Hawking
Stephen, 87, 156
Hein
Jeppe, 200
He l d e r
Herberto, 2, 269, 379
H e l d e r M o u r a P e r e i r a , 267
Hé l i a C o r r e i a , 47, 53, 112
H e r a c l i t o , 86, 90, 91, 92, 370, 372
Herkenhoff
Paulo, 8, 63, 64, 255, 260
H e s í o d o , 6, 21, 23, 24, 46, 60, 81, 82
Hitchcock
Alfred, 10, 124, 137, 150, 181, 256, 351, 352
Höffer
Candida, 8
Hoffmann
E.T.A., 11, 121, 135, 330, 352
Hogarth
William, 275
H o m e r o , 6, 9, 17, 20, 21, 24, 43, 44, 45, 54, 55,
56, 57, 58, 59, 60, 61, 79, 92, 93, 109, 269,
272, 277, 330, 336, 338, 339, 345
Horn
Rebecca, XIII, 15, 145, 158, 159, 161, 180,
181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 225,
357, 358, 359, 360, 362, 371
Humboldt
Alexander Von, 226
H ye r o n i m u s B o s h , 71, 115
G
G a b r i e l O r o z c o , 193
Gallego
Julián, 169
Gallup
Gordon, 10, 116, 117
Gantes
Manuel, 84
Garrido
Carmen, 163, 343
Gasquet
Joachim, 231, 372
Genet
Jean, 184, 221
Géricault
Théodore, 238, 239, 369
Gheerbrant
Jean, 8
Gide
André, 147
Goethe
Johann W., 20, 21, 29, 33, 338
Gogól
Nicolai, 122
Goldhill
Simon, 47, 50, 55, 208
Gombrich
E. H., 5, 6, 14, 153, 154, 155, 159, 160, 163,
169, 173
G o n ç a l o M . T a v a r e s , 13, 189, 198
Go o d m a n
Nelson, 275, 278
Go y a , 151, 171
Gracián
Baltasar, 8, 65, 66, 74
I
I g g y P o p , 237
Isherwood
Christopher, 227
I t a l o C a l v i n o , 61
Itard
Jean-Marc Gaspard, 114, 144
385
J
L a u gh l i n
Clarence John, 16, 233, 371, 373
Le Brun
Charles, 66, 67, 176, 177
L e o n a r d o d a V i n c i , 43, 184
Lessing
Gotthold Ephraim, 14, 152, 153, 154
Lewis
Sian, 44, 47, 328, 330, 371
Lewis Caroll, 1
L e w i s C a r r o l l , 14, 63, 235
L e Wi t t
Sol, 200
Lichenstein
Therese, 249, 252, 262
Li c h t e n s t e i n
Jacqueline, 95, 97
Li n g wo o d
James, 241
Lispector
Clarice, 1, 155, 371
Lissarague
François, 44
Lo n gi n o , 239
López-Rey
José, 178, 179
Loraux
Nicole, 46
Lorrain
Jean, 170
Lo s e y
Joseph, 11, 133, 271, 353, 354
Louraux
Nicole, 44, 61
Lovrecraft
H. P., 29
Lowenfeld
Henry, 257
Lu c a n o , 6, 21, 23, 26, 28, 43
Lu í s X I V , 63, 76, 78, 120, 176, 177, 179
Lu t e r o
Martinho, 138
L y g i a C l a r k , 228, 374
Lyotard
Jean-François, 89, 157
Janson
H. W., 173
J e n n i f e r L . R o b e r t s , 234, 235
J o h n C a g e , 88, 203
J o r g e M o l d e r , 4, 123, 196, 206, 355
J o s é Gi l , 38
J o s é J o r g e L e t r i a , 280
Joyce
James, 202, 224, 225
K
Kafka
Franz, 12, 15, 184, 206, 209, 221, 222, 269
Kant
Immanuel, 239
Kantorowicz
Ernst H., 76, 77
Kapoor
Anish, 35
K a r l J u s t i , 178, 179
Kawabata
Yasunari, 270
Keats
John, 91, 111, 347
Keenan
Julian P., 117
Kitto
H. D. F., 21, 23, 31
Klein
Étienne, 8, 85, 86, 87, 90, 190
Kleist
Heinrich Von, 11, 112, 121, 139, 146, 335
Klimt
Gustave, 43
Knopff
Fernand, 34
Koerth-Baker
Maggie, 118
Kohler
Wolfgang, 116
Krauss
Rosalind, 231
Kristeva
Julia, 22, 34
Kubler
George, 12
Kurosawa
Akira, 124, 352
Kuspit
Donald, 257, 264, 266
M
Maffesoli
Michel, 193, 196, 197
Magris
Claudio, 224, 225
M a g r i t t e , 111, 138
Maia
Tomás, 29, 32
Maillet
Arnaud, 4
Malevich
Kazimir, 200
M a l l a r m é , 127, 227, 273
M a n e t , 171
Maravall
José António, 8, 73, 75
Marchand
Bruno, 202
M a r i a F i l o m e n a M o l d e r , 92, 140
L
Lacan
Jacques, 11, 115, 116, 117
Laclos
Choderlos de, 78
Lagerlöf
Selma, 143
Landeraad
Kees van, 247, 378
Lassaigne
Jacques, 162, 169, 177
386
O s c a r M u ñ o z , 89, 344
Osório
António, 172, 173
O v í d i o , 6, 8, 21, 25, 26, 27, 28, 34, 37, 41, 48, 81,
330
M a r i a n a d e Aú s t r i a , 180
Marías
Fernando, 170, 173, 359
Maupassant
Guy de, 11, 121, 135, 137, 330
M a x E r n s t , 184
M a z a r i n , 179, 180
McEvilley
Thomas, 212
Medeiros
Margarida, 27
Medina
Cuauhtémoc, 242
Melchior-Bonnet
Sabine, 12, 68, 77, 117, 158
Melville
Herman, 199, 200, 240, 270, 362, 377
M e m l i n g , 147
Mengele
Josef, 121
Merleau-Ponty
Maurice, 2
M i l l a i s , 171
Miller
Jonathan, 4, 11, 113
Molyneaux
William, 144
Monet
Claude, 151
Montaigne, 5
Morris
Robert, 200, 206, 251, 265
Muniz
Vic, 171
Murdoch
Iris, 9, 10, 93, 108
Murnau
F. W., 138, 353, 355
P
P a d r e An t ó n i o V i e i r a , 8, 69, 70, 71, 77, 271
Palomino
Antonio, 165, 172, 173, 178
P a n o fs k y
Erwin, 8, 83, 84, 97, 167
Pantoja de la Cruz
Juan, 163
P a r mé n i d e s , 86, 90, 92
Pendergrast
Mark, 4
Penone
Giuseppe, 220
Perniola
Mario, 73, 78
Perrot
Michelle, 47
Pessoa
Fernando, 9, 17, 108, 198, 276, 365
Pina
Manuel António, 130, 138, 190, 270, 345
P í n d a r o , 8, 21, 22, 24, 79, 80, 333, 343
Piñon
Nélida, 44
Pirandello
Luigi, 9, 111, 198
Pistoletto
Michelangelo, XIII, 15, 188, 189, 190, 191,
192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199,
202, 203, 206, 362, 364, 365, 366
P l a t ã o , XI, 8, 9, 71, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98,
99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107,
108, 109, 110, 111, 127, 234, 236, 271, 338,
345, 347, 348
Plath
Sylvia, 1, 3, 6, 21, 27, 271, 279
P l í n i o , 62, 178, 277
P l u t a r c o , 49, 50, 51, 60, 338
Poe
Edgar Allan, 11, 121, 123, 124, 125, 138, 143,
349, 354
P o l l o c k , 35
Poulet
Georges, 264, 265
Proust
Marcel, 88, 157, 158, 264, 265, 357, 379
Pulimood
Steve, 222
N
Nancy
Jean-Luc, 184, 185, 204, 329, 331, 333, 358
N a t á l i a C o r r e i a , 66
Nespolo
Ugo, 193
Nietzsche
Friedrich, 117, 227, 272, 335, 351
O
O ´ He a r
Anthony, 53
Obrist
Hans Ulrich, 193, 195, 214, 365, 368
Olender
Maurice, 31
Olivares
Rosa, 141, 142, 186
Orozco Dias
Emilio, 67, 68
Orso
Steven N., 178, 179
O r t e g a y G a s s e t , 162, 163, 166, 170, 171, 177,
178
Q
Q u e n t i n M e t z ys , 147
Quevedo
Francisco de, 8, 162
Quignard
Pascal, 17
387
S e n e c a , 68, 69, 78
Séneca
Lucius Annaeus, 8, 16, 68, 69, 70, 71, 78, 226
Serra
José Pedro, 38, 39
S h a ft e s b u r y
Lord, 152, 154
S h a k e s p e a r e , 76, 77, 124, 148, 149, 150, 267,
277, 278, 341, 350
Shapiro
Gary, 241
Shefer
Elaine, 84
Silverstein
Shel, 79
Sissa
Giulia, 46, 80, 81
Skillen
Anthony, 105
Sloterdijk
Peter, 212
S mi t h s o n
Robert, XIII, 16, 224, 225, 228, 230, 231, 232,
233, 234, 235, 236, 237, 240, 241, 242,
369, 371, 372, 373, 375
Snell
Bruno, 269
S ó c r a t e s , 51, 52, 71, 92, 96, 97, 98, 99, 101, 104,
107, 108, 127, 346
S ó f o c l e s , 54
Sontag
Susan, 12, 232
Souza Brandão
Junito de, 23
Spector
Nancy, 184, 185
Starobinski
Jean, 75
Steiner
George, 37, 46, 49, 267
S t e ve n s o n
Robert Louis, 11, 136, 137, 146
Stiles
Kristine, 185, 213
Stratton-Pruitt
Suzanne, 165, 168, 172, 173, 178, 179
Struth
Thomas, 171
Sugimoto
Hiroshi, 88
Sussman
Eve, 171, 361
S v e vo
Italo, 243
S wi ft
Jonathan, 89
R
R a b e l a i s , 77
R a f a e l , 68, 94, 102, 351, 369
Rancière
Jacques, 14, 17, 155, 159
Rank
Otto, 11, 125, 126, 130, 138
Reich
Steve, 203
R e m b r a n d t , 244, 245, 246, 247, 248, 251, 376,
377, 378, 380
Ribeyro
Julio Ramón, 17
R i c a r d o J a c i n t o , V, XIII, 15, 188, 202, 203, 204,
205, 206, 362, 364, 365, 366
Richter
Anne, 11, 121
Rilke
Rainer Maria, 3, 31, 333
Rocha Pereira
Maria Helena da, 38, 54, 58, 60, 61, 80, 98,
327, 329, 330, 333, 348
Rosa Dias
Fernando, 239
Rossellini
Roberto, 179, 180, 341, 361
Rosset
Clément, 126, 127, 128
Roth
Philip, 243
Rousset
Jean, 64, 65, 73, 74, 75
R u b e n s , 35, 163, 169, 179
R u i C a l ç a d a B a s t o s , V, XIII, 16, 224, 225, 227,
229, 241, 242, 369, 370, 373, 374
Russell
Bertrand, 97, 373
S
Sacks
Oliver, 119, 144
Samarras
Lucas, 206
S a mó s a t a
Luciano de, 6, 27
S a n t o A g o s t i n h o , 8, 80, 87, 88, 154, 263, 266
S a r a m a go
José, 125
Sardo
Delfim, 4, 123, 204
Savater
Fernando, 54
Scelsi
Giaccinto, 203
Schama
Simon, 244, 246
S c h e l l i n g , 129
Schwartz
Hillel, 11, 121, 124, 140, 141, 246
Searle
John R., 171
Sebald
W. G., 14, 16, 17, 19, 221, 238, 240, 243, 244,
246, 260, 261
T
T . S . E l i o t , 242
Tabarra
João, 6, 36
T a ka l a
Pilvi, 142
Tanizaki
Junichiro, 106
388
Pierre, 44, 46, 54, 56, 57, 236, 237
V í t o r d o s R e i s , 275, 276
Von Drathen
Doris, 181, 182, 185
Ta p l i n
Oliver, 54
Ta r a n t i n o
Michael, 191, 200
Ta y l o r
Sue, 249
T e n n ys o n
Lord Alfred, 90, 280
Th e ó p h i l e G a u t i e r , 179
Th o m a s d e Q u i n c e y , 139
Th o r e a u
Henry David, 224, 226
Ti c i a n o , 163
Ti n t o r e t t o , 163, 167
To l e n t i n o M e n d o n ç a
José, 42, 62, 349
To u r n i e r
Michel, 217
Tr u f f a u t
François, 10, 114, 118, 356
Ts a i
Eugenie, 234
Tu r n e r
Joseph, 151, 238, 239, 372
W
Wasowicz
Aleksandra, 45
Weil
Simone, 91, 97, 100, 101, 108
Wells
Orson, 15, 204, 349, 356
Werness
Hope, 4
Whale
James, 121, 356
Wh i s t l e r , 171
Whitman
Walt, 18, 335
Wi l d e
Oscar, 124, 125, 141
Wi t ki n
Joel-Peter, 171
Wolf
Norbert, 173, 176, 177, 184
Wö l f f l i n
Heinrich, 8, 64
Woozley
A. D., 97, 103, 104, 105
Wordsworth
William, 226
U
Ucello
Paolo, 156
Ugresic
Dubravka, 145
V
X
Valéry
Paul, 279, 366
Van Eyck
Jan, 147, 167, 174, 179, 359, 361
V e l á z q u e z , XIII, 15, 158, 159, 161, 162, 163,
165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173,
175, 176, 177, 178, 179, 180, 182, 186, 274,
357, 358, 359, 360, 361, 362
Vernant
Jean- Pierre, 4, 7, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 31, 32,
41, 50, 52, 57, 59, 82, 83
Verne
Júlio, 236, 241
Vernon
Mark, 107
V e s a l i u s , 245
V i c t o r d e A v e y r o n , 114, 117
Vidal
Carlos, 44, 46, 54, 56, 57, 149, 193, 236, 237,
248, 263, 351
Vidal-Naquet
X a v i e r d e M a i s t r e , 226
Y
Yeats
W. B., 3, 109, 111
Yourcenar
Marguerite, 48, 90
Y v e - A l a i n B o i s , 231
Zambrano
Maria, 90
Zeitlin
Froma, 47
Z h a n g P e i l i , 237
Z we i g
Stefan, 30
389
Z
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Os Espelhos na Arte Contemporânea Marta Alexandra Toscano