UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Imagem do Tempo: Os Espelhos na Arte Contemporânea Marta Alexandra Toscano DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES Especialidade de Ciências da Arte 2013 UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Imagem do Tempo: Os Espelhos na Arte Contemporânea Marta Alexandra Toscano DOUTORAMENTO EM BELAS-ARTES Especialidade de Ciências da Arte Tese orientada pela Professora Doutora Cristina Azevedo Tavares 2013 Do fu n d o re mo to d o co r red o r, esp re ita va - n o s o esp e lh o . J orge Luis Bor ges AGRADECIMENTOS Agradeço à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que me permitiu trabalhar como bolseira neste projecto durante um determinado tempo. Estar-lhe-ei para sempre grata. Agradeço também a orientação da Professora Doutora Cristina Azevedo Tavares. Como é característico da sua natureza, soube ser crítica sem deixar de ser humana, paciente, respeitadora do meu percurso (e dos meus erros). A sabedoria antiga japonesa dizia: Ca ra co l len to , len to , len to – so b e o F u ji . Logo imagino uma possível continuação para esse belo haiku: “Caracol/ rápido, rápido, rápido – resvala/ montanha abaixo.” Subida e queda neste caminho bipolar (que é um e o mesmo caminho, como diria um filósofo grego): foi bom trabalhar consigo, Professora! A todos os que, de alguma forma, cruzaram os seus reflexos com o meu, e tornaram todo este projecto não só mais aliciante, como também mais motivador: aos artistas Ricardo Jacinto, Rui Calçada Bastos e Cecília Costa, que responderam com interesse a todas as minhas questões sobre o seu trabalho, e que me colocaram... novas questões, sobre as quais eu não tinha pensado!; ao Professor Carlos Augusto Ribeiro, que tive o prazer de escutar num pequeno curso sobre o tema do duplo realizado na Universidade Nova de Lisboa; aos bibliotecários da Gulbenkian e da Biblioteca Nacional, sempre amáveis; ao Dr. Nuno dos Serviços Académicos das Belas-Artes, que contornou toda a burocracia da «lei » com destreza exemplar; por fim, ao Carlos Suzana, ao Ricardo e ao Luís Toscano, ao Hélder e à Inês. Tenho apenas uma palavra para partilhar com todos: obrigada. V Síntese O objectivo deste trabalho é explorar o tema do espelho na arte contemporânea, e relacionar as obras analisadas com a dimensão tempo. A ideia-chave que decidimos perseguir é simples: o espelho visto como um poderoso artifício, o que em última instância trará acoplado a própria «artificialidade» do conceito identidade. Exploraremos o mito de Perseu, o espelho grego e o espelho barroco — âncoras fundamentais; tentaremos assinalar a passagem de uma época especular «dual » para uma época pós-especular, onde tudo se parece fundir. A problemática do duplo, mesmo assim, vem ao nosso encontro – e nós temos medo. Por fim, reflectimos sobre o tema do espelho na arte, onde para cada par de artistas escolhido fizemos corresponder uma determinada «ideia» de tempo. Conheceremos espelhos que evocam um perigo eminente, espelhos infinitos, espelhos glaciares, espelhos-viajantes, espelhos «controladores »... Sintetizando: são obras que têm, algures, um espelho, que fogem da autorepresentação, que são impessoais, ardilosas, e que se relacionam de forma peculiar com o tempo. De certa forma, o espelho pode ser considerado como o mais «impossível » (e fascinante) dos objectos: máquina que tudo vê, mas que nunca se deixa ver. E o que é que acontece quando prevalece a inoperatividade, a falência ou a simples recusa da máquina em «ver »? A rigidez dos segundos, minutos e horas são esquecidos. Cronos deixa, apenas por breves instantes, de devorar cruelmente os filhos. Palavras-chave: espelho, tempo, artifício, arte contemporânea, olhar VII Abstract The aim of this work is to investigate the theme of the mirror in contemporary art, and to think about the way in which the examined art works can be related to the time dimension. The key-idea that we decided to follow is a very simple one: the mirror seen as a powerfull artifice, that ultimetel y brings along with it the «artificialit y» of the concept of identit y in itself. We will explore the myth of Perseus, the greek and the baroque mirror — vital anchors; we will then try to characterize the passage from a «dual » specular epoch to a post-specular one, where everything seems to get indistinct. Still the problematic of the double runs into to us – and we are scared. Finall y, we´ll think about mirrors in art, where for each pair of chosen artists we matched a particular idea of time. We will meet mirrors that recall eminent danger, infinite mirrors, glacier mirrors, travelling-mirrors, «controlling» mirrors... To summarize: the chosen works have, somewhere, a mirror, they run away from selfrepresentation, they are inexpressive and astute, and they can be related in a fruithful manner to time. In a certain way, the mirror can be considered as the most «impossible» (and fascinating) of all objects: a machine that sees everything, but doesn´t allow to be seen. What happens when inoperativit y prevails, and the machine fails or refuses to «see »? The harshness of seconds, minutes and hours are forgotten. Cronus stops, for brief instants, to cruell y devour his children. Key-Words: mirror, time, artifice, contemporary art, gaze IX ÍNDICE I II III Ag ra dec i me n t o s V Sí nt e se /A b st ra ct VII IN T RO D UÇ ÃO : A E NT RA DA NO E SP E LH O 1 P E RCO RR E ND O O T E M PO 20 O E sp e l ho d e P er se u 20 No E sp e l ho d e Ul is s es 44 O E sp e l ho I nt acto d e L u í s XI V 63 O E sp e l ho e o T e mp o 79 O SO NH O D E P LA T Ã O 91 A D u al id ad e E sp ec ul ar 91 Diá lo go d e P lat ão co m a s ua So mb r a 105 O P ó s -E sp ec ul ar : E sp aç o s d e I nd i st i nção 109 O DU P LO 112 A P r o v a d o E sp e l ho 114 Hi stó r ia s d e D up lo s 120 Ce n as d e u m Cr i me 130 XI IV O D up lo ao E sp el ho 135 N u m M u nd o d e Có p i as 139 O Ce go d e D id er o t 143 O M i se- en - A b y me 146 O D IS P O S I T IV O DO E SP E LH O 151 NA AR T E CO N T EM P O RÂ NE A: P en sa m en to s d e I nte rva lo U m p o nto no T e mp o 151 O “e n tr e ” d a s i ma ge n s 157 De Vel ázq ue z a R eb ec ca Ho r n – o in sta n te 161 De P i sto le tto a Ri car d o J aci nto – o in fin ito 188 De Ab r a mo v ic a Cec íl ia Co st a – a imo b ili d a d e 208 De R ui Cal çad a B as to s a R. S mi t h so n – o mo v im en to 224 De Lo u i se B o ur geo i s a Ha n s B e ll me r – a memó r ia 243 EP Í LO GO : UM M UND O D E R E F LE XO S 267 RE F LE XO Nº 1 267 O E sp e lh o d e A - Z RE F LE XO Nº 2 274 P a ra A ca b a r d e V e z Co m a V isã o RE F LE XO Nº 3 280 F a la o E sp e lh o XIII ÍN D IC E D E IM AG E NS 281 IM AG E N S 291 B I LI O GR AF IA 326 C AP Í T U L O I 326 O E sp e l ho d e P er se u O E sp e l ho e o T e mp o 326 335 340 342 C AP Í T U L O I I 345 C AP Í T U L O I I I 349 C AP Í T U L O I V 357 De Vel ázq ue z a R eb ec ca Ho r n - o in sta n te De Lo u i se B o ur geo i s a Ha n s B e ll me r – a memó r ia 357 362 366 369 376 ÍN D IC E O NO M ÁS T I C O 382 No E sp e l ho d e Ul is s es O E sp e l ho I nt acto d e L u ís XI V De P i sto le tto a Ri car d o J aci nto - o in fin ito De Ab r a mo v ic a Cec íl ia Co st a - a imo b il id a d e De R ui Cal çad a B as to s a R. S mi t h so n - o mo v im e n to XV INTRODUÇÃO: A ENTRADA NO ESPELHO I a m si lve r a n d exa c t. I h a ve n o p reco n cep tio n s. Wh a t eve r I s ee I s wa l lo w im med ia te ly Ju s t a s i t i s, u n mi s ted b y lo v e o r d i sl ik e. S yl v ia P l at h 1 No que respeita a espelhos, todos deveríamos ser como Alice. É bem conhecida a história onde ela, num sonho que se abeira do pesadelo, acredita convictamente que um espelho não é só um objecto que cumpre uma determinada função — ser uma superfície polida que reflecte luz de forma eficiente —, mas uma ponte para algo mais: e portanto faz de conta que o vidro é macio como gaze e passa agilmente através dele, descobrindo, maravilhada, outro mundo, habitado por uma estranha dimensão de tempo e povoado com personagens muito singulares. Não deveremos também nós recuperar alguma desta sensatez infantil (servida numa bandeja onde impera o absurdo, a ingenuidade e o maravilhamento), e ver no espelho um objecto a ser amplamente explorado? E não nos confrontará ele, do alto da sua importância, com a mesma pergunta desdenhosa que a Lagarta dirige a Alice: — Quem és tu? 2 Incapazes de suster a sua impertinência (ou de lhe dar uma resposta adequada), ignoramo-lo, e seguimos a corajosa Alice para dentro da sua superfície prateada, indo sempre, “sempre em frente sem parar: pois espelho é o espaço mais fundo que existe” 3. Sem nos darmos conta, é o que já nos acontece todos os dias, quando vivemos a nossa imagem «virtual » como se fosse uma imagem «real ». Magia? Não. 1 S yl v ia P la t h - T he Mir r o r , p . 3 4 . Le wi s C ar o l l - Al ice no P aís d a s M ar a v il ha s, p . 4 9 . 3 C lar i ce L i sp ec to r - Ág u a V i va, p . 6 3 . 2 1 Conseguimos compreender, pelo menos a um nível conceptual, que há uma razão específica para tal acontecer. Sabemos que a imagem que observamos no espelho depende de uma falsa suposição: de que a luz consegue realmente atravessá-lo — ou mesmo não sabendo, não importa — porque, sabendo ou não, somos sempre sabiamente iludidos. E isto é responsabilidade nossa (da nossa percepção “preguiçosa” 4, que colide com o nosso conhecimento), e não propriamente de uma característica inerente ao espelho em si. Sintetizemos o óbvio: sem um olho, sem alguém que olhe na sua direcção, a imagem especular é inexistente. Claro que lhe continuamos a «tirar o chapéu»: o truque funciona, o nosso cérebro «visual » é iludido! Não é portanto necessário enredarmo-nos em complexos teatros catóptricos fazedores de proezas fantasmáticas e feéricas: um simples espelho plano torna-se um objecto paradoxal, criador de imagens misteriosas e ambíguas. Ainda assim, o espanto: Como é que o espelho arrasta para fora a minha carne? 5 Como é que os raios do espelho reverberam, ressoam em mim? 6 Segundo defendeu Umberto Eco, somos “animais catóptricos” 7: sabemos como usar os espelhos. Poderíamos acrescentar à sua tese: somos animais virtuais — conseguimos entender que estamos a ver através de um espelho, embora saibamos que estamos, de facto, diante dele. Mas também há um sim para a questão acima colocada. O espelho confronta-nos com uma experiência notável: o encontro com um “misterioso irmão” 8, uma autêntica cópia viva de nós mesmos! Essa imagem brusca que se agarra a nós (vinda de que mundo?), que se introduz “malignamente em nós carregada de poderes inexplicáveis” 9, o que será senão uma verdadeira assombração, um extraordinário acto de pura magia? 4 5 6 7 8 9 R ic har d Gr e go r y - M ir r o r s i n M i nd , p . 2 6 1 . Ma ur ice Mer lea u -P o n t y - O Ol ho e o E sp í r i to , p . 3 1 . Ro la nd B ar t he s - Ro la n d B ar t he s p o r Ro la nd B a r t he s, p . 1 8 7 . U mb er to E co - So b r e o s E sp el ho s, p . 1 7 . J o r ge L ui s B o r g es – Ao esp el ho , p . 1 1 2 . Her b e r to He ld er - Ser v i d õ es, p . 1 1 . 2 Aos espelhos atribuímos uma propriedade que prezamos: o de reflectirem tudo, fielmente, com “indiferente precisão” 10 (Yeats), sem quaisquer pré-juízos (Plath). Devido à sua aparente “neutralidade” e “ex actidão”, consideramo-los bons juízes, o que nos deixa muito perto de os ver como reveladores de uma qualquer «Verdade ». Espelho, luz e verdade sempre gostaram de andar juntos... Mas há quem os veja do outro lado, do lado da mentira: eles revelam de forma parcial e ilusória. E será possível conhecer através do que é, à partida, «falso»? Jurgis Baltrusaitis “Hieróglifo da decide verdade, este o combate de espelho é forma cavalheiresca: igualmente hieróglifo da falsidade” 11. Ter decidido utilizar a palavra «hieróglifo » também é curioso. A que se deveu tamanho interesse por este «eco» visual, estudado de diferentes maneiras ao longo dos tempos por matemáticos, filósofos, artistas, e que perdura até aos nossos dias? Provavelmente, ao enigma da sua essência. Acreditemos na palavra rigorosa de um poeta que, lida e relida vezes sem conta, permanece esquiva, suspensa e fugaz como o nosso próprio reflexo: E sp e lh o s: o q u e so i s n a vo s sa e s sên cia , Nu n ca n in g u é m sa b e rá e xp li cá - lo . Co mo o s fu ro s d o c r ivo , so i s a a u s ên cia , Do t emp o a p re en ch e r c a d a in te r va lo . 12 * O objectivo primeiro deste trabalho consiste em estudar, de forma aprofundada, o uso dado ao espelho em algumas obras de arte (sobretudo e maioritariamente de arte contemporânea, mas não só), e a relação que estabelecem com uma dimensão algo desconsiderada em arte, a dimensão tempo. 10 11 12 W . B . Y eat s - Ro s a Alc he mi c a, p . 3 3 . J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 2 8 1 . Ra i ner Mar ia R il k e - O s So neto s a Or f e u d e R a in er Mar i a Ri l ke, p . 3 9 . 3 Ver o espelho como a “máquina arcaica por excelência” 13 é um pensamento que despoleta em nós o maior interesse. Não achamos que, no tempo que nos é dado viver, tenha deixado de o ser. Continua a ser uma máquina arcaica: continuará a ser uma máquina pertinente? Continuará a desafiar-nos com os seus paradoxos? Como entender a passagem do “dois” – que se acopla ao espelho com uma certa teimosia e resistência — ao um, ao três, ao muitos, ao... nada? Há poucos especificamente. scientifique: estudos que Referimos: révélations, Le abordam Miroir: science-fiction a temática Essai et sur do espelho une légende fallacies, de Jurgis Baltrusaitis (1978); Caryatid Mirrors of Ancient Greece, Lenore O. Keene Congdon (1981); Umberto Eco, Sobre os Espelhos e Outros Ensaios (1985); The Symbolism of Mirrors in Art From Ancient Times to The Present, de Hope Werness (1999); Dans L´Oeil du Miroir, de Jean-Pierre Vernant e Françoise Frontisi-Ducroux (1997); Mirrors in Mind, de Richard Gregory (1998); On Reflection, de Jonathan Miller (1998); Mirror, Mirror: A History of Human Love Affair With Reflection, de Mark Pendergrast (2003); The Claude Glass: Use and Meaning of the Black Mirror in Western Art, de Arnaud Maillet (2004) e Jorge Molder: O Espelho Duplo, de Delfim Sardo (2005). Por razões várias, detivemo-nos de forma mais atenta no estudo de Vernant /Frontisi-Ducroux. Mas nunca estabelecemos hierarquias de «importância» nos estudos acima mencionados. Acreditámos, desde o início, que um projecto multidisciplinar, que convocasse e cruzasse várias áreas de forma criativa (teoria de arte, filosofia, cinema, literatura, ciência), seria o caminho que melhor se adaptava aos nossos propósitos. De certa forma, cada um destes saberes projectou um «reflexo» singular na nossa investigação, e o produto híbrido daí resultante só poderia ser enriquecedor. Se este levantamento de informação (que muitas vezes se encontrava dispersa em várias obras) — e a sua «digestão » — acrescenta alguma coisa aos estudos anteriores, se possui alguma coisa de «original » (palavra 13 J o sé A. B r a g a nça d e M i r and a - Co r p o e I ma g e m , p . 3 1 . 4 perigosa num trabalho onde se aborda o tema do duplo), não nos caberá a nós dizer. Serviram de base a esta investigação alguns artigos publicados em revistas especializadas (quer de arte, quer de ciência), monografias, poemas e trabalhos académicos. Das conversas que tivemos com os três artistas portugueses incluídos na investigação, optámos por colocar as citações que achámos relevantes directamente no próprio texto, e não transcrever o nosso encontro na íntegra, como era o nosso propósito inicial. Estamos plenamente conscientes que esta escolha «direcciona » o olhar para o que queremos frisar. Gostamos de pensar que edifica um raciocínio que, ao primeiro assalto, atinge logo o âmago da dúvida, e não “esmorece a girar em torno da marmita” 14, para citar Montaigne — também nós somos capazes de comer a carne bem crua — mas sabemos que, também aqui, o «retrato » dos artistas se faz através de um pequeno fragmento... de um espelho convexo (a nossa memória, frágil, que «distorce» o que foi dito). O espelho decidiu reflectir apenas aquilo que ele viu. 15 Como em qualquer caminho percorrido, fizemos determinadas escolhas, estabelecemos alguns limites. Analisaremos de seguida, meticulosamente, a estrutura final que adoptámos (quatro capítulos distintos que comunicam entre si), tentando deixar bem claro qual o nosso centro, qual a nossa periferia, e até mesmo as hipóteses por nós lentamente ponderadas, buriladas, mas posteriormente descartadas — e o porquê de tal decisão. O primeiro capítulo é uma viagem no tempo. O historiador E. H. Gombrich falou-nos sobre a capacidade de se conseguir andar para trás no tempo, espreitando um passado cada vez mais distante, em Uma Pequena História do Mundo (1985). Curiosamente, comparou este recuo a uma experiência com espelhos. Pediu-nos a nós leitores que nos imaginássemos entre dois espelhos, descrevendo em seguida essa vivência, que passamos a citar: “Vê-se 14 Mo nta i g ne - Do s L i vr o s , p . 1 9 0 . J o h n As hb er y - Au to - R etr a to n u m e sp e l ho Co n ve xo , p . 1 6 3 . “E le” , n e s te ca so , é o p i nto r co n hec id o co mo P ar mi gi a ni no . 15 5 uma longa linha de espelhos brilhantes, cada vez mais pequenos, que se prolongam até ao horizonte, cada vez menos nítidos, de forma que nunca se chega a ver o último. Mesmo que não dê para ver mais nenhum, sabe-se que os espelhos estão lá, uns atrás dos outros” 16. E finaliza: é o que se passa com o “Era uma vez”. O “Era uma vez” é um poço perigoso, pois não tem fundo, por detrás dum princípio surge sempre um outro... Nós, que sempre pensámos que nos iríamos deter num «onde » e num «quando » dados pela História (num espelho primordial! Nas características e na simbologia do espelho nas mais variadas civilizações), depressa abandonámos de todo essa ideia, cingindo-nos a uma mais prática, que se descartasse de excessos e perseguisse um único ponto de fuga: o espelho como artifício. Portanto descemos, descemos, descemos numa queda onde queríamos avistar o fim, as gélidas águas do fundo. E o fundo do nosso poço começa então com um mito conhecido, o encontro fatal entre Perseu e a Górgona Medusa. Todos conhecemos a arma do crime que permitirá ao herói degolar o monstro: a superfície polida e brilhante de um escudo — um espelho. Perseu livra-se assim de ser mais um corpo a acrescentar às incontáveis figuras de homens e animais petrificados por contemplarem o terrível rosto. Mas, olhando para o outro lado, constatamos que não há espaço (e sabemos que eles ocupam um grande espaço) na literatura para a «voz » dos monstros. Ela é constantemente abafada, nos tempos antigos, pelo timbre dos heróis e dos deuses. Da valentia dos monstros ninguém fala... Para que conste: Medusa, o monstro que continha a morte nos olhos, enfrentou, um dia, o terrível Perseu — e perdeu. Olharemos também nós com atenção para a reconstrução deste mito ao longo do tempo por escritores e artistas (Homero, Hesíodo, Ovídio, Lucano, Luciano de Samósata, Eurípedes, Jean Clair, Sigmund Freud, S ylvia Plath, Roberto Calasso; Marina Abramovic, João Tabarra), e veremos de que forma se poderá relacionar com um outro 16 E . H. Go mb r ic h - U ma P eq ue n a H i stó r ia d o M u nd o , p . 2 5 . 6 mito, o de Penteu e de Agave. Uma simples batalha entre Razão versus Sentidos, ou um intervalo enevoado entre luz e sombra? Seja qual for a interpretação escolhida (e não pretendemos retirar qualquer «virilidade» ao mito), uma ideia perdura: o espelho poder ser equacionado ao conceito de logro. Esta foi a razão fundamental que nos atraiu para este mito, e não para o de Narciso: ele pode ser ligado à astúcia de um herói, enquanto que o segundo se centra numa contemplação “passiva” do reflexo, que o encerra numa vanitas onde o engenho não tem lugar. E nós fugimos (com a pressa do Coelho Branco) ao síndrome da madrasta da Branca de Neve (e ao seu raivoso Espelho meu, espelho meu...), às inúmeras lânguidas e sedutoras Vénus com o seu espelho... Passamos depois para o segundo subcapítulo a que intitulámos de “No Espelho de Ulisses”. Iremos ver de que forma o espelho é considerado na Grécia Antiga como pertencendo unicamente ao mundo da mulher. Os homens estavam proibidos de se verem ao espelho, e tinham de justificar o seu interesse por tal instrumento vergonhoso. Para eles, a consciência de si não passava por este objecto, mas por um olhar alheio (e se fosse de um jovem imberbe e musculado tanto melhor). Este último pensamento leva-nos a conhecer um outro herói — ou antes, um anti-herói, pois ele é dúbio, mentiroso, e por todos conhecido pelos seus dolos — de seu nome Ulisses, Ulisses dos mil ardis, como muitos insistem em chamar-lhe. Quem leu A Odisseia jamais o conseguirá esquecer. Há uma personagem que fica à sua sombra durante o longo poema, mas ela irá surpreender: estende uma subtil «teia » não só aos seus pretendentes (da sua mão e da sua riqueza) mas também ao próprio marido. Será nos olhos de Penélope que Ulisses se irá conseguir ver (como defende Jean-Pierre Vernant). Tentaremos enfatizar, com algumas passagens do texto, toda a questão de dueto/duelo habilmente esgrimido entre os dois. O requintado espelho barroco será a nossa próxima paragem. Decidimos criar vários «palcos », e apelamos ao leitor que percorra esta 7 nossa montagem anacrónica (fracturada com tempos múltiplos, como o singular pomar dos Feaces) saltitando entre eles. Convocámos historiadores que se centraram no barroco (Wölfflin, Orozco, Hauser, Eugénio D´Ors e Maravall), pensadores, curadores, poetas (Foucault, Herkenhoff; Calderón de la Barca, Baltasar Gracián) e artistas (Bernini, Candida Höffer). Não é nosso intento sermos exaustivos, mas sinuosos como o próprio movimento que tanto interesse demonstrou pelo “Relógio incómodo” 17. Em resumo temos: a grande máquina panóptica montada por Luís XIV no seu palácio (que não vive sem a sua figura mítica no centro, e onde o seu “corpo político” se irá apropriar de forma escandalosa do seu “corpo natural”); o espelho de Hostius Quadra, libertino, tão mal visto por Séneca; a condenação do espelho como um “demónio mudo” pelo Padre António Vieira; para no final voltarmos a entrar nos aposentos do rei, mais especificamente, no seu dormitório (sem termos quebrado nenhum protocolo), que é um excelente exemplo de todo o seu reinado de aparências, que soube glorificar o espelho como um Real cúmplice, com os seus múltiplos olhos... e ouvidos: Vive la ruse! Passaremos depois para uma primeira meditação sobre a problemática do tempo, onde nos debruçamos sobre a peculiar relação existente entre tempo e arte. Tentámos concentrarmo-nos mais nos dois “tempos” previamente estudados (Grécia e Barroco). Guiámo-nos sobretudo pelas palavras de Píndaro, Santo Agostinho, Ovídio, do físico Étienne Klein, do neurologista António Damásio e do historiador de arte Erwin Panofsk y. Especulámos, que é o que a etimologia da própria palavra espelho (oriunda do latim speculu-, «id. ») nos convida a fazer. Originalmente, especular “era observar o céu e os movimentos das estrelas, com a ajuda de um espelho” 18! No capítulo dois descemos à caverna de Platão. Perdão, rectificamos, entrando em sintonia com o filósofo: estamos na caverna e é-nos dada a possibilidade de sair para a luz. Percorremos 17 18 esse caminho sonâmbulos, Fr a n ci sco d e Q u e ved o - O Re ló gio d e Ar ei a, p . 2 7 3 . J ea n C he va li er e J e a n G he er b r a n t - E sp el ho , p . 3 0 0 . 8 e dolorosamente nos perguntamos sobre a insistência do número dois na sua filosofia; sobre o seu violento ataque à «imagem » (e a Homero); sobre a relação que estabelece com a sua própria sombra, Skia (num diálogo por nós criado); sobre o seu exemplo do espelho como um artífice excepcional, embora, contudo, vão criador de mentiras. Para Platão, o espelho também «inventa», devido ao seu poder de decepção. O que fica? Ficam formas sem substância, subtis, impalpáveis, reveladoras de uma natureza divina. Ficam imagens que ficam... aquém da Imagem. É que em Platão ainda há uma dicotomia pura (ou uma “estética puritana” 19, como queiramos) entre o falso/verdadeiro, o mito/logos, o reflexo/original, o irreal/real, a cegueira/visão, etc., que o que chamámos de época “pós-especular” tende a abolir. O que é que acontece quando já não há a possibilidade de distinguir entre um elemento e outro da equação, quando as diferenças deixam de ser absolutas, mas passam a ser permeáveis e porosas? Dizendo de outra forma: o que fazemos quando conseguimos, a muito custo, abandonar a caverna descrita pelo filósofo, e sair para a cruel luz do dia, que equivalerá a perguntar: o que fazemos quando o espelho se quebra, e a imagem dual platónica é estilhaçada em mil pedaços? Atrevemo-nos a antever uma resposta: uma assustadora realidade caleidoscópica. Ou então, para mantermos a metáfora do espelho, a saída de uma casa-espelho com um território delineável (Alice novamente) para uma cidade-espelho, para um mundo-espelho, cheio de inúmeros reflexos contraditórios, onde já não sabemos bem de que lado da superfície prateada nos encontramos, de que lado nos podemos posicionar, se é que há um lado... E quando nos olhamos ao espelho agora, tornamo-nos um cómico Vitangelo Moscarda (personagem de Pirandello) inseguro do seu lugar no mundo, da “prolixidade de si mesmos” 20, do Ninguém em que de repente se dissipa (Ulisses). Estamos em crer que a prosa brilhante, hipnótica e insuperável de Platão (onde palavras «vivas » também encontraram Medusa, e por 19 20 I r i s M ur d o c h - T h e F ir e & T he S u n, p . 1 2 . ( B ib l io g r a fi a c ap í t ulo I I ) . Fer n a nd o P e sso a - L i vr o d o De sa s so ss e go , p . 3 1 8 . 9 ela foram petrificadas) não terá o seu melhor exemplo na República, mas foi para a grande Imagem da caverna que fomos conduzidos (e aqui a provocação a Platão: ele também era um poeta), ajudados por Giorgio Colli, Jacques Derrida, Massimo Cacciari, Hans Blumenberg e Iris Murdoch, entre outros. O terceiro capítulo detém-se na figura do duplo. Começamos por relacionar um filme de François Truffaut a uma teoria oriunda da área da ciência que ainda hoje causa polémica (o L´Enfant Sauvage e o teste inventado nos anos setenta por Gordon Gallup, para «provar» a auto-consciência no reino animal). O menino oriundo da floresta nunca antes havia visto um espelho. No seu primeiro encontro com este estranho objecto cheira-o (como provavelmente cheiraria um possível animal que abatera na floresta) e tacteia-o (reunindo informação adicional sobre o pobre bicho?); o cientista/psicólogo também usará um espelho como instrumento determinante nos seus resultados de «reconhecimento» do eu. Um outro caso (o duplo de Sigmund Freud avistado num comboio) completará a nossa pequena introdução, que visa trilhar e dar conta de um caminho pouco percorrido: o do duplo que não é arquétipo do medo. Mas quando há reconhecimento — uma coisa ser igual a outra coisa, e darmo-nos conta disso mesmo (a Madeleine do Vertigo de Hitchcock igual à ««outra» Madeleine, de nome Judie, por exemplo) — aí há pavor puro. Quase todas as histórias de duplos exploram a ideia de um confronto com o duplo com terríveis repercussões (o «outro» que veio roubar o lugar do «original »/ a sua conquista gradual de território e domínio/ a sua superação em relação ao «primeiro» de direito). Falaremos sobre o que é viver num mundo de cópias flaubertiano; da necessidade que o duplo tem em se «ver » ao espelho; da possível resolução Original Vs. Cópia. Se é certo que tudo nos conduz à ideia de que vivemos num mundo de múltiplos reflexos (onde Madeleine = Judie), o certo é que ainda queremos acreditar no poder do único (Madeleine = Judie, mas há ligeiras diferenças entre as duas, umas vezes subtis, outras gritantes, que fazem com que Judie, a cópia, 10 não consiga nunca transcender o original). Mas ficamos a pensar: será mesmo assim, ou queremos acreditar em tal por uma mera questão de apaziguamento interior? É que muitos exemplos nos levam a mergulhar no abismo da terrível semelhança, dos fac-símiles irritantes, perfeitos, onde não conseguimos apontar qualquer diferença (ver Fig. 1). Seremos talvez uns melancólicos Tanizakis, sonhando com o carácter do único (do mundo saudoso da sombra que as luzes da cidade anulam)? Por fim, atentamos no sentido dado ao duplo: ele protege-nos do real (Rosset) ou é um mensageiro de morte (Otto Rank)? Os nossos guias em toda esta problemática vêm sobretudo da área da literatura (Kleist, Chamisso, Poe, Dostoiévski, Hoffmann, Maupassant, Stevenson) mas também do ensaio (Diderot, Anne Richter, Hillel Schwartz, Karl Miller, Dällenbach) e do cinema. Várias eram as hipóteses na área do cinema. Escolhemos dois film noir, um de 1963, de Joseph Losey, intitulado The Servant (que não conhecíamos de todo e que foi uma deleitosa e sombria surpresa), outro de Robert Hamer e Alberto Cavalcanti, obras individuais incorporadas em Dead of Night (1945). Ambos nos interessaram devido a um aspecto: a discreta mas sugestiva e elaborada forma dada ao «papel » do espelho nos filmes (algo ameaçadora, algo diabólica). Este age sobre a vida dos personagens (por exemplo: exclui um personagem menor do seu reflexo distorcido, condiciona as acções futuras dos personagens, etc.). É difícil não associar o primeiro a um olho orwelliano que tudo comanda da distância do seu seguro posto (especialmente a relação ambígua entre um aristocrata indolente e fraco e o seu criado), o segundo a um oráculo que pressagia desastres que irão acontecer no futuro. Por último, exploramos o significado ardiloso do mise-en-âbime. Uma nota final: a ausência de uma análise profunda à teoria de Jacques Lacan (estádio do espelho) será certamente notada. Apoderámo-nos do que mais nos interessava nele — a ideia de existir, num determinado tempo das nossas vidas, um corpo fragmentado que ainda não é um «eu». Por isso partimos para o nosso quarto e último 11 capítulo com um objectivo muito claro: insurgirmo-nos veementemente contra a opinião de Melchior-Bonnet em The Mirror: a History (2002), onde esta autora analisa o percurso do espelho através dos tempos, para concluir depreciativamente que a arte contemporânea parece florescer numa espécie de estádio de espelho lacaniano, mas virado do avesso. Traduzindo: que é um mero corpo reduzido a pedaços, e nada mais. Concordamos: é de facto um espelho vazio, partido, deteriorado, niilista, indiferente, impessoal — onde provavelmente a conhecida divisa humanista que a autora tanto preza é substituída pela consciência crítica, desconfiada, do espelho como um Desconhece-te a ti mesmo 21 — mas ele continua a ser digno do nosso interesse. Porventura já não será directamente associado a uma veritas, prudentia, sapientia, imitatio, vanitas, superbia (já não será um instrumento do diabo nem simbolizará a pureza imaculada da Virgem). Continuará a ter um simbolismo polissémico divisível entre virtudes e vícios? Cremos que não, que perdeu este lado moralizante. Agora poderá apenas ser um fascinante olho protésico, que prolonga um espaço inabitável, um objecto destabilizador, criador de abismos que nos angustiam e nos fazem periclitar. Último capítulo: reflexão sobre os espelhos em algumas obras de arte. Foram as surpreendentes palavras iniciais de George Kubler em A Forma do Tempo: Observação Sobre a História dos Objectos (1961) que prenderam a nossa atenção, e posteriormente despoletaram a construção que seguimos, por isso as evocamos com prazer: “Actualidade é o momento em que o farol fica escuro entre os clarões: é o instante entre os tiquetaques do relógio: é um intervalo vazio eternamente transcorrendo ao longo do tempo: a ruptura entre passado e futuro (...)” 22. Interessou-nos a ideia desse vazio decorrente entre acontecimentos “dignos” de mérito. É um vazio onde, aparentemente, nada acontece ou existe. O nosso projecto vive muito desta ideia de intervalo, deste caminho que quase nunca nos preocupamos em assinalar (porque “Não 21 22 Ka f ka ci t. p o r S u sa n So nt a g - E n s aio s so b r e Fo t o gr a f ia, p . 1 9 8 . Geo r ge K ub ler - A Fo r ma d o T e mp o , p . 3 1 . 12 coleccionamos transições – caminhadas entre um sítio e o outro” 23). Interessa-nos intuir este “entre” que tantas vezes desprezamos. Cremos que os cinco textos que compõem este capítulo irão privilegiar a sua obscuridade: são sempre intitulados “De.... a...”, aludindo pelo seu título a esse hiato existente entre as obras dos artistas mencionados, espaço não iluminado, não nomeável, que terá de ser imaginado, preenchido, construído. Também a ficção marca aqui o seu território. Os artistas terão muitas vezes coordenadas assíncronas, diferentes formas de respirar. Às vezes até se repelem, roubam o espaço do outro, anulando qualquer ideia utópica de um espaço equilibrado. Nós deixámos que assim fosse. Estamos em crer que esse confronto não só é necessário, como benéfico e produtivo. Podemos afirmar que fomos contra o que o personagem inventado por Domínguez chamava de “tema dos afectos” 24. Pois ele decidiu construir uma casa utilizando os livros como tijolos, tendo em mente uma única preocupação: não juntar, lado a lado, dois autores que não se entendessem! Nem sempre os nossos artistas possuem sensibilidades semelhantes, bem pelo contrário. E esse choque de mundos contraditórios (onde por vezes há o mesmo passo) agrada-nos. Fizemos corresponder a cada par de artistas analisado um bloco específico relacionado com a questão tempo. Assim, Velázquez e Rebecca Horn serão analisados sob a perspectiva do instante; agregámos Michelangelo Pistoletto e Ricardo Jacinto à noção de infinito; Marina Abramovic e Cecília Costa atraíram a ideia de imobilidade; Rui Calçada Bastos e Robert Smithson de movimento; Louise Bourgeois e Hans Bellmer apelaram ao conceito de memória. Não foi fácil decidirmo-nos por determinados artistas em detrimento de outros. Nunca é fácil escolher (e eliminar). Mas podemos afirmar que, uma vez escolhido afectivamente um, ele nos empurrava naturalmente a contemplarmos um outro do seu agrado/desagrado, alguém com quem estabelecesse um elo, mesmo que warburguiano, invisível. 23 24 Go nça lo M . T av ar e s - B r ev e s no ta s so b r e o M ed o , p . 1 5 . Ca r lo s M ar í a Do mí n g u e z - A C as a d e P ap el, p . 4 1 . 13 Aos artistas e escritores é dada uma grande vantagem, que eles usam da melhor forma em proveito próprio — brincam com est a fabulosa máquina abominável, multiplicadora de homens e de mundos, e, convenhamos, são sortudos, pois podem acreditar (como a Rainha de Alice do Outro Lado do Espelho) numa categoria que o comum dos mortais põe de lado: a das coisas impossíveis. Desde espelhos que não «espelham » o que deveriam (ou que, simplesmente, se recusam a «espelhar »), a reflexos perdidos, a reflexos que conseguem adivinhar um tempo futuro... Quase tudo lhes é permitido. O espelho pode, na arte, assumir um papel contrário ao de um mestre servil e obediente, consegue triunfar sobre a ciência, rebelar-se contra as leis do sentido, deixar de ser neutro e exacto, insurgir-se contra a sua apatia mimética... O espelho torna-se, na arte, um dispositivo «interessado». (Se ouvíamos a voz de trovão da Rainha gritar a plenos pulmões: Eles estão a matar o tempo! Cortem-lhes a cabeça! 25? Sim. Mas não ficámos nada surpreendidos!). Cada um dos subcapítulos de O Dispositivo do Espelho na Arte Contemporânea 26 trilhou um caminho autónomo e ditou o seu próprio andamento, debatendo-se com diferentes questões. Introduzimos este capítulo aludindo aos problemas levantados pelo Laocoon de Gotthold Ephraim Lessing (1766) — leitura já mediada por Gombrich e por Jacques Rancière — e pelo ensaio de Michel Baudson sobre a quarta dimensão, L´Art et le Temps: Regards sur la Quatrième Dimension (1985), obra inestimável sobre o tempo na arte. Expomos um breve resumo dos cinco textos realizados, procurando referir a forma como foi debatido o tema tempo (essa “bitola que não merece confiança” 27) em cada um: 25 Le wi s Car r o ll - Alic e n o P aís d a s M ar a v il ha s, p . 7 8 . I nic ia l me n te, e st e q ua r to cap í t ulo t i n ha co mo s ub t ít u lo I ma g e m e R ef le xo , e não Pen sa men to s d e I n te rva lo . Ab a nd o ná mo s es s a i d ei a p o r q ue no s ap er c e b e mo s q ue ela no s esp ar t il h a va a o q ue q uer ía mo s e scap ar ( o n ú mer o d o is) , e ap esa r d e ma n ter mo s u m p a r d e a r ti st as , ver - se - á q ue mu ito s o u tr o s p ar ti l har ão c o n no sco as s ua s o b r a s. 27 W . G. Seb ald - O s E mi gr a n te s, p . 1 5 5 . 26 14 1. Velázquez/Rebecca Horn. A falácia do instante; o complexo jogo de olhares nas Meninas: alucinação barroca; uma pintura que respira e que se mexe: a total imersão na representação; o studium (reflexivo) e o punctum (a marca que nos fere) desta obra; o recurso hábil do espelho no quadro, o seu «coração»; o fascínio e o horror pelo tempo mecânico , comum aos dois artistas; Rebecca Horn veste-se de Perseu (ou de égide de Atena) em Rooms Meet in Mirrors; quando o olhar fere, em Room of Mutual Destruction (e nós somos apanhados no fogo cruzado da visão); no reino do inapropriado: o espelho onde o reflexo não se detém; 2. Pistoletto/ Ricardo Jacinto. O Senhor Espelho; o que um monte de trapos velhos e o espelho têm em comum; quando o espelho = corpo, e passa de instrumento a «ser»; Le Stanze e Metrocubo d’ Infinito (a memória e a autonomia do espelho); a mão de Bartleby no estranho cubo; o infinito que não conseguimos ver; entre um diante e um dentro; um presente perfeito para Hostius; somos embalados por um espelho caleidoscópico, com a peça táctil e sonora de Ricardo Jacinto, que bem poderá residir dentro do cubo de Pistoletto; o tempo labiríntico e caótico de Orson Wells passeia-se por aqui; 3. Marina Abramovic/ Cecília Costa. O que Abramovic e o radical Simeão Estilita têm em comum; um conto de Kafka; a crueldade de Artaud; a perpetuação de acções inúteis; a não intimidação com falsos fardos; costas com costas, quase ouvimos cair o tempo, gota a gota: Relation in Time e desenho a carvão de Cecília; Nightsea Crossing e Ulisses e Penélope; a falsa simetria dos rostos mutantes de Cecília Costa; ideia de esquerda/direita e suas associações ao nível do cérebro; imobilidade e batalha mental; The Artist is Present: no fundo, apenas duas cadeiras; o olhar vítreo da 15 artista, olhar de Medusa?; um tempo suspenso ; uma nova era que desponta: a era glaciar; 4. Rui Calçada Bastos/Robert Smithson. Os espelhos que não conseguiam de forma alguma estar quietos; Séneca e Flaubert meditam sobre a viagem; o rio e o espelho; uma mala forrada com espelhos, por fora; 4´20”; a troca inquietante de uma coisa por outra igual; Smithson: o cheiro a destroços e podridão; 9 pontos num mapa: Incidents of Mirror-Travel in the Yucatan; fricção entre matérias, árvore/selva/areia – espelho; o desmoronamento do olhar; Clarence John Laughlin e os espelhos inoperativos; uma nova camada da história; Map of Glass (Atlantis) e o espelho-ruína; sobrevivência num país em ruínas; O Elba de Caspar David Friedrich e o Elba de W. G. Sebald; a textura do tempo: tempo cíclico e borgesiano (Calçada Bastos) e tempo geológico (Smithson); 5. Louise Bourgeois/Hans Bellmer. A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp – dissecação punitiva?; a estranha posição da mão; o teatro anatómico como arena; Bourgeois e Bellmer: a teatralidade de um corpo em profundo conflito psíquico; o par; o espelho na instalação The Red Room – Parents; uma fotografia de Bellmer e a sua relação com O Boi Esfolado; o espelho de Bellmer: espaço que duplica o que já de si é sinistramente duplicado (a Poupée); espelhos controladores, que favorecem um determinado aspecto; o uncanny; I Do. I Undo. I Redo e a inversão do espaço panóptico de Jerem y Bentham/Foucault; a incerteza das obras suspensas por um fio; uma memória roída pelas traças; andar para trás com o relógio do tempo . 16 Levantaremos agora algumas reflexões inerentes a todo o projecto. Damo-nos conta que esticámos, até ao limite, a bela constatação de Rancière: Uma imagem nunca está sozinha. 28 Cedemos à “orgia de ligações” 29 que todas as obras propõem, admitimo-lo sem quaisquer problemas. É um facto que as imagens remetem, de forma magnética, para outras imagens, oriundas dos mais variados meios. Pascal Quignard dizia que a própria arte é uma “produção parasitária” 30. Cremos que é um juízo certeiro: os artistas vão-se alimentando (de forma indiscreta e despudorada) de outras obras. Nós também o fizemos, mas com um desejo: o de não asfixiar a obra em questão com a nossa análise. Para isso contribuíram, e muito, os livros que nos acompanharam. Alguns — muito poucos — ficarão como livros-larva: livros que “deixam ouvir a sua voz anos depois de os termos lido” 31. Acrescentámos alguns nomes à nossa lista: Homero marcou-nos de forma inesperada (e podemos dizer que cruzarmo-nos com ele foi um puro acaso), Sebald surpreendeu-nos com a sua escrita vibrante e fragmentária (com espaços imaginados entre o clarão do farol), a irreverência e o humor de Thomas Bernhard... permanecerão. Cremos com isto talvez afirmar que muitos foram os livros que nos guiaram, e puxaram, e empurraram, que não tinham a temática do espelho como o seu fim, mas que nos ajudaram nessa mesma problematização. O nosso grande dilema: a articulação das obras referidas com a era da dissolução pós-especular terá sido conseguida? Mas sabemos a resposta: mais nuns casos que noutros... A nossa grande limitação: estamos conscientes que o «tempo » por nós abordado causará repulsa aos cientistas. É o tempo poético que teimosamente habita no “relógio da casa, lugar certo lá no meio do infinito” 32, não o tempo «verdadeiro », tão pouco intuitivo, dos astrofísicos. Falha nossa. Dela não sabemos como nos redimir. Há um 28 J acq ue s Ra nc ièr e - O Esp e ctad o r E ma nc ip ad o , p . 1 4 4 . ( B ib lio gr a f ia c ap . I V, o in s ta n te ) . 29 P hi lip p e Ar iè s - O T e m p o d a H is tó r ia, p . 1 4 . 30 P asc al Q ui g n ar d - As S o mb r as Er r a n te s, p . 1 0 4 . 31 J ul io Ra mó n Rib e yr o - P r o sa s Ap átr id a s, p . 1 2 3 . 32 Fer n a nd o P e sso a - L i vr o d o De sa s so ss e go , p . 6 0 . 17 poema de Whitman em que nos revemos (embora não na totalidade). Ele fala-nos de um cientista que dá uma palestra sobre o tempo, apresentando incansavelmente tabelas, provas, diagramas. Mas o narrador cansa-se, prefere ir-se embora a meio e enfrentar a húmida noite, olhando de vez em quando para as estrelas — em total silêncio 33. Consideremos agora os aspectos técnicos adoptados na tese. O texto foi escrito no antigo acordo ortográfico, e a norma bibliográfica utilizada é a norma portuguesa NP 405. Será necessário sublinhar que depositámos a nossa total confiança no olhar «mediado» dos tradutores, sempre que nos vimos “na solidão desamparada de quem ignora tudo da língua” 34. Fizemos um esforço para simplificar ao máximo as notas de rodapé: gostamos de apontar o caminho percorrido e futuras leituras, mas de forma sintética. Vezes houve em que tivemos de traduzir livremente os textos nós mesmos, por uma questão de comodidade para com o leitor e de uniformidade para com o próprio texto. No entanto, há raros casos em que não nos aventurámos a tal empresa: quando sentimos que iriam comprometer a musicalidade/complexidade da sua língua nativa (são sempre trechos muito breves, no entanto). Decidimos separar a bibliografia por secções, pois foi assim que trabalhámos; sempre que um livro é citado «fora » da sua secção, tal é apontado na nota de rodapé devida, indicando a secção onde poderá ser encontrado. Os livros citados na introdução e no epílogo foram associados à primeira e à última bibliografia, respectivamente. Tentámos que o material visual exposto funcionasse de forma independente ao próprio texto. Às vezes é um «corroborar» para o que se está a querer dizer, mas outras vezes é um apontar para outro ângulo, para uma relação (in)suspeita que se forma entre imagens. 33 34 Ver W al t W hi t ma n - W he n I H ear d t he L ear n ´d As tr o no mer , p . 2 9 8 . Mat h ia s É n ar d - Fa la - l h es d e B at al h as , d e Re i s e d e E le fa n te s, p . 4 6 . 18 * W.G. Sebald, escritor austríaco, desenvolveu uma ideia muito inquietante no final d' Os Anéis de Saturno. Diz ele que “... só conseguimos manter-nos neste mundo graças às máquinas que inventámos” 35. Haverá aqui expressa a ideia de uma subjugação do homem perante a máquina? Sabemos que o espelho, como máquina “insone e fatal” 36, não gostará do fim que lhe atribuímos no epílogo. O seu truculentamente olho vivo polido, brilhante, (desumano: tirânico, vai tornar-se despótico, humano, absolutista, controlador), um olho de vizinha curiosa que nos espia, sabendo que tem toda a legitimidade — e poder — para o fazer. Ele é o mestre. E portanto dita. 35 36 W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 7 5 . J o r ge L ui s B o r g es - O s E sp e l ho s, p . 1 8 8 . 19 CAPÍTULO I PERCORRENDO O TEMPO O Espelho de Perseu S eu o lh a r f ixo o sa n g u e p a ra l i sa , Pa ra em p ed ra n o s to rn a r: S a b es, é c la ro , d a h is tó r ia d e Med u sa . Go et h e, i n F a u sto 37 Perdoem-me, ó deuses! Perdoem-me, ó heróis! Cantai-nos agora, Musas, a glória dos monstros... Não foi com estas palavras que Homero iniciou as suas brilhantes narrativas épicas. O caminho que percorreu levou-o a falar do Homem, relembrando e reescrevendo alguns mitos, pensando talvez em gerações vindouras. O lugar soberano é dos heróis: é de Ulisses e não do Ciclope, mas as fantásticas e estranhas criaturas não foram esquecidas, pois encontram-se profundamente enredadas à história dos personagens «principais ». Os seus dois poemas, verdadeiros livros sagrados para os gregos, estão impregnados de monstros. Que fariam os heróis sem eles? Poderíamos alguma vez imaginar Édipo sem a Esfinge, Héracles sem a Hidra ou Teseu sem o Minotauro? Singulares na sua beleza terrível, grotesca, disforme, ganharam um estatuto especial no duelo — mortal, pois paga-se com a vida — de quem com eles se confronta. São um desafio, um teste às capacidades dos heróis, e estes querem sair vitoriosos a todo o custo. No final, o que resta? Resta, quase sempre, o destino trágico de todos: a esfinge, após a frustração de ver o seu enigma resolvido, atira-se para um grande fosso 37 J o ha n n W . Go et he - Fa u sto , p . 2 3 3 . 20 escarpado; a Hidra sofre a cauterização das suas nove cabeças de serpente que continuamente se regeneravam, e o esmagamento com uma enorme pedra da sua única cabeça imortal, que desta forma morre; o Minotauro sofre de um golpe limpo, certeiro, que lhe decepa o crânio. As soluções que os heróis encontraram para abater estes inquietantes seres desconcertam-nos sempre pela sua extrema simplicidade e eficácia: a palavra, a pedra, o fio de lã. Restam corpos enormes, escamas, penas, cabelos, tentáculos, provas irrefutáveis de terríveis e árduas batalhas — talismãs preciosos. Os heróis, neste aspecto, lembram abutres: rondam o corpo, dissecam os espojos, tentando aproveitar o que ainda sobra. Hércules, por exemplo, mergulha as suas flechas no sangue do monstro, pois sabe que de um monstro venenoso saem flechas venenosas, que lhe serão úteis para o futuro. Por fim, e quando o vazio se instala, resta procurar outro monstro. (Os heróis nunca se contentam com o que já conseguiram alcançar, são naturalmente ávidos 38). * A Górgona Medusa foi procurada por Perseu. É um dos muitos, belos contos que atravessam a Antiguidade grega, e terá todos os ingredientes necessários para tal: um herói atraído por “vãs quimeras” 39, um monstro com um poder assustador, uma cabeça decapitada. Medusa terá vários palcos, tantos quantos os muitos escritores que ousaram olhá-la de frente (Homero, Hesíodo, Píndaro, Eurípedes, Pseudo-Apolodoro, Ovídio e Lucano, dos mais antigos, e Sigmund Freud, S ylvia Plath, Jean Clair, Jean-Pierre 38 Ser ia e s te q uer er ir s e mp r e ma i s a lé m u ma car ac ter í st ica d o p r ó p r i o car ác ter gr e go ? O h i sto r iad o r T u cíd id es c ito u o q ue o s c o r í nt io s d i zi a m d o s gr e g o s: “Fa ze m u m p l a no ; s e f al ha , p en sa m q ue p er d e r a m al g u ma co i sa; se tr i u n fa, o êx ito não é nad a co m o q ue s e p r o p õ e m f azer d a p r ó x i ma v e z. É -l he s i mp o s s í vel go z ar e m a p az e a tr a nq u il id ad e, o u d e i xar e m o s o u tr o s go zá -l a s.” C f. H . D. F . Ki tto - Os Gr e go s, p. 170. 39 Go e t he - Fa u s to , p . 2 3 3 . 21 Vernant, Julia Kristeva, Françoise Frontisi-Ducroux dos mais recentes), e veremos que é um confronto que requer coragem. Tentaremos, também nós, reconstruir este mito 40, olhando atentamente para os testemunhos escritos e para a sua representação visual ao longo dos tempos, e detendo-nos em particular na característica que mais nos interessa explorar. Dissemos anteriormente que todos os heróis arranjavam um qualquer mecanismo, uma táctica surpreendente no combate ao monstro. No caso de Perseu, esse dispositivo foi um simples escudo-espelho. Nele nos iremos concentrar. Mas comecemos de novo. Perseu queria reclamar feitos ousados que lhe dariam “o esplendor de mil valentias” 41. Até aqui, nada de particularmente original: como todos os restantes heróis, ou até mesmo como os simples mortais, apenas procurava o reconhecimento que uma acção tão grandiosa lhe poderia proporcionar. O que é que os brilhantes atletas descritos nas odes de Píndaro levavam para casa? O prémio era uma simples grinalda de ramos de oliveira, de salsa silvestre, de pinheiro ou de loureiro, consoante os jogos a que se referiam 42. No entanto, ganhavam algo muito mais «imaterial »: seriam falados, honrados, adorados quase como deuses. E os heróis almejavam ser a “imagem desbotada” 43 dos seus próprios heróis, os deuses: por isso se 40 Fal a mo s e m r eco n s tr uç ão p o r q u e é d i sso me s m o q ue se tr ata q u a nd o f ala mo s d e mi to . P o d e mo s ap r o x i m ar o mi to à id ei a q ue t e mo s d e u m o s so : j u l g a mo - lo p o r na t ur e za i n er te , se m v id a, e p o r ta nto se m cr esc i me n to e se m r e g e n er ação . E sab e mo s q u e n ão é a s si m. O mi to so f r e i n ter p o laçõ e s vá r ia s ao lo n go d o s te mp o s , acr e sce n to s o u o mi s sõ e s p o r ve ze s s ub ti s ( q u e m d e u o q uê a P er se u na s ua l ut a co n tr a o mo n str o ; as Gr ei a s er a m d ua s o u t r ês ir mã s? ) , o u tr a s v ez es g r it a nt es ( Med u sa er a u m mo n s tr o ho r r í ve l ma s t a mb é m er a u ma j o ve m mu i to b e la...) É e sta car ac ter í st ica p ec ul iar , o f acto d e o mi to s er mu ta n te , q u e o to r n a t ã o r ico . Ma s ta mb é m é e la q u e to r na co mp li cad a a tar e f a d e «co n tar » a s ua h is tó r i a. 41 P índ ar o - Xª Od e Ne me ia, p . 1 0 5 . 42 Es te p r é mio s co r r e sp o n d ia m, r esp ec ti va me nt e, ao s J o go s O lí mp ico s e ao s J o go s Ne me u s, a mb o s e m ho n r a d e Z e u s, ao s j o go s Í st mi co s ( e m ho nr a d e P o sé id o n) e ao s J o go s P í tico s ( e m ho nr a d e Ap o lo ) . C f. a in tr o d ução d e An tó n io d e Ca str o Ca eir o - P í nd ar o , p . 1 2 . 43 Ro b er to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e d e H ar mo nia , p . 2 6 1 . T alve z o ens aio “me n o s” mi to ló gico , ma s cer ta me n t e u m d o s ma is l u mi no so s, i nte n so s, ab r up to s, à i ma ge m d o p r ó p r io te cid o mito ló gi co . 22 empenhavam tanto na procura de uma aretê, de uma excelência 44 que lhes granjeasse fama. Perseu queria a cabeça do monstro. Teria noção da insanidade do seu plano? Sabia que quem ousasse olhar directamente para Medusa transformar-se-ia nesse mesmo instante num duro bloco de pedra. “Nenhuma criatura viva, de facto, suportaria olhar para aquele rosto, nem mesmo as serpentes na sua própria cabeça” 45, diz-nos Lucano. Ela era, literalmente, a verdadeira femme fatale. Mas isso apenas aguçava o desejo de Perseu de se pôr à prova 46, e de, quem sabe?, degustar o requintado sabor desse troféu que todos diziam ser impossível (e que mais tarde todos saberiam ser envenenado). Calculamos que não deve ter sido fácil oferecer a Medusa o seu “fatídico destino” 47. Mas Perseu era conhecido como o Senhor da Morte ou Mestre do Terror (mèstor phoboio 48); a sua futura vítima como a que comanda, a que reina 49. Certamente duas grandes forças que chocam entre si: os dados já estavam lançados, o destino de cada um teria de ser cumprido. Não devemos negligenciar o poder que o nome tinha para os gregos. O nome era um mapa onde tudo já estava escrito, por isso lhe davam tanta importância. Por outras palavras, a etimologia possuía um sentido quase que profético, de previsão, o que para eles era o equivalente a dizer preciso, exacto. Visto desta perspectiva, quase que podemos ver o nome como uma espécie de fato de alfaiate, feito à medida de cada um, impecavelmente apropriado a cada vida, eterna ou fugaz, alegre ou infeliz, justa ou injusta. 44 H. D. F. K it to s u g er e q ue nó s ho j e ta l vez tr ad u zí s se mo s a p a la vr a a re tê p o r “v ir t ud e”, ma s o ter mo mai s ad eq uad o s er i a “ex cel ê nc ia” ( e n glo b a nd o o a sp ec to mo r al, i nt el ect u al e fí s ic o ) ; V er K it to - O s Gr e go s, p . 2 8 2 . 45 Lu ca no - T he M ed u sa R ead er , p . 4 1 . 46 El e p r ó p r io o t i n ha p r o p o sto ao r ei P o l icd e te s, e m t r o ca d a lib er t ação d a s ua mãe Da náe . Ca so não r e gr e s sa s se co m o p r o me t id o tr o fé u, a s u a mãe s er ia fo r çad a a cas ar - se co m o tir a no . Não ser á d e i g no r ar a te se d e Ro ger C ai llo is , q u e vê to d o o mi to co mo u m r ito d e i n ici ação ; ver o s e u e n sa io Th e Ma sk o f Med u sa , es p . p . 9 9 . 47 He sío d o - T eo go n ia, p . 5 0 . 48 J ea n -P ier r e V er na n t – Au mir o ir d e Méd u s e , p . 1 2 3 . 49 J u ni to d e So uz a B r a nd ã o - Di cio nár io M ít ico - Et i mo ló g ico d a Mi to lo g ia Gr e ga, p . 470. 23 O mapa de Medusa não agoirava nada de bom, porque, lembremo-nos, ela também era uma Górgona 50: impetuosa, terrível, apavorante. Reinou pelo medo que causava, mesmo aos próprios deuses! As suas ligações ao mundo infernal não passaram despercebidas a vários escritores, como Homero, Hesíodo ou Píndaro. Vamos encontrá-la na Ilíada como uma presença breve mas marcante, associada à “Discórdia”, à “Sanha” e ao “gélido Assalto” 51. O terror que ela provoca não deverá contudo ser associado a uma situação normal de perigo, é antes um pavor sem causa (sem rosto), “é o pavor em estado puro, o Terror como dimensão do sobrenatural” 52. É o terror por excelência, de ver... e de ouvir. Gritos agudos e inumanos saíam dos seus maxilares 53. Na Odisseia o cenário nocturno é ainda mais intensificado, com a descida de Ulisses ao Hades; os milhares de mortos que por lá vagueiam, fantasmas “sem entendimento” 54, fazem um barulho ensurdecedor, mas o medo de Ulisses era outro: “um pálido terror/ se apoderou de mim, não fosse a temível Perséfone enviar-me/ da mansão de Hades a monstruosa cabeça da Górgona” 55. No pior lugar para um ser vivo estar – bolorento e frio –, com a pior companhia possível – espectros sem raciocínio —, Ulisses tem medo de um Mal que se sobrepõe a todos os outros, que é inominável, indizível: a Górgona. A própria morada do monstro em nada nos apazigua, abismo longe dos homens e dos deuses, longe de tudo o que é vivo, segundo Hesíodo: “para lá do Oceano ilustre,/ na fronteira com a noite, na morada das Hespérides de voz/ cristalina” 56. É por aqui que Perseu tem de se aventurar, numa viagem longa e perigosa, onde, acreditando em 50 N u m cer to se n tid o , e l a er a a Gó r go n a p o r e xc elê n ci a, v is to q u e a s s ua s d ua s ir mã s É st e no e E ur í ale e r a m mo r t ai s, e lo go me n o s ap a vo r a n te s . 51 Ho mer o - I l íad a , p . 1 2 6 . C a nto V, 7 4 1 . 52 J ean -P i er r e Ver na n t – Dea t h i n t h e E ye s, p . 1 1 7 . En sa io no tá v el, í mp ar , d es te p en sad o r so b r e a fi g ur a d e Med u sa . 53 P índ ar o - P í nd ar o , p . 1 4 0 . P í nd ar o r e fer ia - se a o s so n s q ue sa ía m d e E u r íal e, ir mã d e Med u sa. Ate n a i n sp ir a - s e n es se so m g u t ur al p ar a i n ve n tar a f la u ta, o f er ece nd o - a d e p r e se nt e ao s mo r ta i s, se g u nd o o me s mo p o e m a. 54 Ho mer o - Od i s se ia, p . 1 9 3 . C a nto XI , 4 7 6 . 55 Ho mer o - Od i s se ia, p . 1 9 8 . C a nto XI , 6 3 3 -6 3 5 . 56 He sío d o - T eo go n ia, p . 5 0 E s tá i mp líc ito no p o e ma q ue a s Gó r go n as hab it a va m mu i to p er to d o r ei no d o s mo r to s. 24 Ovídio, ele chega a tocar nas estrelas com o seu bater de asas, contemplando lá do alto terras e mares. Por todo o caminho percorrido, o que ele viu não foram homens nem animais, mas estátuas de pedra. [Achamos que a fotografia a preto e branco de Marina Abramovic´, intitulada Looking at the Volcano (2009), propicia um vislumbre do que seria essa paisagem: humanamente despida, infértil, com um rasto de morte; ver Fig. 2]. Resumiremos de forma muito breve as três etapas que ele teve de passar (Greias, Ninfas e Górgonas). A primeira, o encontro com as Graiai, as Greias, guardiãs dos lugares proibidos. Nascidas com cabelos brancos e rugas, apenas tinham um olho e um dente comum às três. Iam trocando entre elas a missão de estar alerta, ou seja, de ver. Havia um momento, no entanto, em que o olho tinha de passar para uma das outras irmãs. O nosso herói aproveita esse “misterioso intervalo” 57 onde o olho não tem lugar, e agarra-o, cegando-as. É desta forma que as irmãs das Górgonas lhe dão as indicações que necessita: em troca da sua visão, revelam-lhe o segredo da residência das Ninfas. Estas últimas dão-lhe o kuneé, o capuz de Hades (que torna invisível quem o coloca) e o Kibisis (o saco onde ele deverá colocar, depois de cortada, a ainda letal cabeça de Medusa). Os deuses acrescentam duas decapitação, e outras umas prendas: sandálias a harpé, aladas, o presente instrumento de Hermes. de A invisibilidade, a sua própria protecção contra a sinistra cabeça, o instrumento mortal e a ubiquidade: eis as suas armas. Surge o grande momento para Perseu, e com ele o seguinte dilema: como matar um monstro que transporta a morte nos olhos? 58 Pseudo-Apolodoro (século II a.C.) será o primeiro autor a introduzir o escudo polido ao mito. Ele agirá como um instrumento que permite ao herói olhar para a sua superfície com “um olhar afastado” 59, segundo as suas próprias palavras. 57 J ea n -P ier r e V er na n t - L ´i n d i v id u, l a mo r t, l ’ a m o ur , p . 1 2 3 . Al u são ao tí t ulo d o e n s aio d e V er na nt , “Dea t h in t h e E ye s : Go r go , Fi g ur e o f t he Ot her ”, i n Mo r ta l s a n d I mmo rta l s , r e s u mo p er fe i to d o p o d er d e M ed us a. 59 Ap o lo d o r o - T he M ed u sa Re ad er , p . 2 4 . A exp r e ss ão i n g le sa u ti li zad a p e lo tr ad uto r J a me s Geo r ge F r azer é, e p a ss a mo s a ci t ar : “ wi t h a n a ver ted g az e”. 58 25 A versão de Ovídio (c. 43 a.C. - 17 d.C), o senhor de todas as transformações, é famosa. Ele dará primazia ao reflexo, e será da seguinte forma que falará dos meios utilizados por Perseu para ludibriar o monstro da “cabeça imunda” 60: E le, p o ré m, a p en a s vi ra a ima g em d a a r r ep ia n t e Med u sa re fle ct id a n o e scu d o d e b ro n ze q u e t ra zia n o b r a ço e sq u e rd o , e q u a n d o u m p esa d o so n o d o min o u a s víb o ra s e ela p ró p ria , co r to u - lh e a ca b e ça d o p esco ço ; 61 Lucano (c. 39-65 d.C), poeta romano, será o primeiro autor a utilizar o termo específico «espelho», e de forma extremamente inovadora: Atena faz o herói prometer que lhe dará a cabeça do monstro e, em troca, ensina-o a derrotá-lo. Citamos: E n tã o ela co lo co u um es cu d o p o lid o na su a mã o esq u e rd a , e d i s se - l h e q u e q u a n d o ch eg a ss e à f ro n tei ra d a Líb ia te ria d e vo a r d e co sta s a tra vé s d o t er r itó rio d a s Gó rg o n a s e u t il iza r o es cu d o co mo e sp e lh o , evi ta n d o d es ta fo r ma a p e tr if ica ç ã o . 62 (Atena poderá ser a deusa visionária que inventou o retrovisor). Mas vamos por partes. Porquê insistir na descrição Greias/Ninfas/Górgonas? (De notar que estas três fases podem ser maravilhosamente enquadradas numa das obras de Louise Bourgeois, Cell: Eyes and mirrors; ver Fig. 3. Interessante será reparar que os olhos são feitos de mármore – material cego? – e que os espelhos parecem, eles sim, seres expressivos, quase que... vivos: quem é que está a ver quem?) É de importância crucial notar que tudo começa com um olho roubado, e que todo o drama medusiano se centra em redor do tema da 60 Ov íd io - M eta mo r fo s e s, p .1 2 4 . Li v r o I V, 6 5 7 . O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 7 . Li vr o I V , 7 8 2 -7 8 5 . 62 Lu ca no - T he Med u sa R ead er , p . 4 1 . 61 26 visão — e especificamente do tema do olho e do par ver/ser visto (ou não querer ser visto...). Luciano de Samósata (c. 120-180 d.C), satírico grego, já avisava que o poder da língua não tinha equivalência ao poder da visão, as Sereias eram menos poderosas que as Górgonas, pois estas últimas afectavam profundamente a essência vital da alma 63... Perseu nunca atentou um face a face com o alvo: seria como querer olhar directamente para o sol. Os antigos acreditavam que apenas a águia tinha o poder de fixar o Sol de frente 64: o filho de Danáe soube evitar essa irresistível vontade em olhar para o sol negro que era Medusa. O espelho foi o instrumento que lhe permitiu combater a sua luz excessiva, colocando a cabeça do monstro “em perspectiva segura” 65, como tão bem disse uma poetisa. O seu trunfo, portanto, não foi o escudo em si: foi saber como utilizar a imagem especular (ou melhor, como olhar). Visto desta forma, a astúcia deste herói sobrepõe-se ao ingénuo e puro Narciso, que foi enganado pelo próprio reflexo, ele, que em vão tentou “agarrar a fugidia imagem” 66 que tanto desejava, não se dando conta que esta não tinha qualquer substância: com ele vinha, com ele permanecia, com ele partia. Narciso desmontou todo o dispositivo circular, mas já era tarde demais: este já o havia tragado, consumido, tornado flor 67. Perseu foi mais artificioso — essa será a característica que dele destacaríamos, acima de todas as outras — e inspirará, tempos mais tarde, outros heróis reais, outros escudos ilusionísticos (como por exemplo o de Filippo Brunelleschi 68). 63 L uc ia no d e Sa mó sa ta - T he Me d us a Read er , p . 4 3 . Geo r ge s B ata il le - O Â n u s So la r , p . 5 3 . 65 S yl v ia P l at h - P er se u s: T he T r i u mp h o f W it o v er S u f f er i n g , p . 1 0 0 . A exp r e ss ão ex act a d a p o et i sa é “i n s af e p er sp e ct i ve” . 66 O víd io – M et a mo r fo se s , p . 9 6 . Li vr o I I I , 4 3 2 . 67 O o r á c ulo a fir ma v a q u e ele ap e n as vi v er i a lo n g o s a no s s e n u nc a se co n he ce s se a si me s mo . E s te “co n he c er ” é d e f acto u m reco n h ece r, o u sej a, d e i xar d e i ma gi n ar a alt er id ad e d o o utr o a p ar tir d o se u p r ó p r io r ef le xo . So b r e o t e ma d e N ar ci so , r e met e mo s o lei to r p ar a o e ns aio d e M ar gar id a Med e ir o s - Fo to gr a fi a e Nar c i si s mo , p . 6 1 -6 6 . 68 Est e ar q ui tec to d o R e na sc i me n to ( 1 3 7 7 -1 4 4 6 ) r eco r r e u a u m e sp e l ho d e fo r ma ge n ia l: t e nd o p i ntad o o B ap ti stér io d e Sa n Gio va n n i e m F lo r e nç a, fez d ep o i s u m b ur a co na p i nt u r a, co i n cid e n te c o m a p o r ta d o mo n u me n to . Dep o i s, p e d ia a q ue m q uer ia ver a o b r a q ue s eg ur a ss e a p eq ue n a p i nt ur a n u ma mão ( co m o l ad o d e tr á s p ar a si) e q u e, n a o ut r a mão e u m p o u co ma i s à fr e n te, s e g ur a s se u m esp e l ho d e ta ma n ho s e me l ha nt e. O s e sp e ctad o r e s ver ia m r ef le ct id a a o b r a ( p i ntad a) e o cé u 64 27 Através dos três textos antigos referidos anteriormente (Apolodoro/Ovídio/Lucano), podemos constatar que o espelho actua como um produtor de distância: uma distância exacta, criadora — e sobretudo segura —, que ajuda e promove o acto homicida. O espelho, para Perseu, é a sua saída do labirinto: é o elemento que lhe permite superar a interdita visão, que lhe permite ver sem ser visto. * Seguimos Perseu até ao banquete sumptuoso oferecido pelo rei Cefeu. Este pede-lhe que conte as suas aventuras, o que ele faz de bom grado, mas é interrompido por uma curiosa pergunta de um dos ouvintes: porque é que só uma das irmãs tinha serpentes no cabelo? Ele responde que Medusa tinha sido uma bela jovem cobiçada por vários pretendentes. A característica que mais se destacava nela era o esplêndido cabelo. Um dia, Poseidon desflorou-a no templo de Minerva. A filha de Júpiter tapou o seu olhar, casto, com a égide, e para não deixar escapar impunemente o acto transforma os belos cabelos da jovem em cobras asquerosas. Quando, mais tarde, o convívio descamba em tumulto e luta e Perseu se vê obrigado a utilizar a cabeça que guardava no saco para matar os opositores, o mármore grava olhares de surpresa, espanto, incredulidade, submissão. O próprio rosto do rei Polidectes se torna numa “pedra sem sangue” 69. Se a crer que nada dura muito tempo com a mesma forma 70 — beleza radiosa depressa se transforma em monstro prodígio, em “aberração” 71: de ameaça a cabeça metamorfoseia-se em arma utilizada em proveito próprio. Torna-se amuleto defensivo, símbolo ( r eal) , co m as ver d ad ei r as co nd içõ e s a t mo s f ér i cas q ue c ap ta r ia m aq ue le me s mo mo me n to : o mo vi me nto d as n u v e ns , o u a c h u v a, o ne vo e ir o , u m p á ss a r o q u e p o r aca so p a s sa s se no cé u ... É i n ter es s a nte no ta r q u e o ar ti s ta, d e sta fo r ma , p r i vi le gio u o r ef le xo so b r e a s ua p r ó p r ia p i n t ur a. C f. Sa m ue l Y. Ed g er to n - T h e Mir r o r , T h e W ind o w a nd t h e T ele sco p e, p . 4 4 -5 3 . 69 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 3 6 . Li vr o V , 2 4 9 . 70 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 7 1 . Li vr o X V, 2 5 9 - 2 6 0 . 71 T er mo s ut il izad o s p o r Ov íd io p ar a d e sc r e v er Med u sa p o r Fi n e u. Ov íd io Met a mo r fo se s, p . 1 3 5 , 2 1 6 . 28 apotropaico 72, tal como a pequena gota que escorreu do sangue da Medusa degolada (que tinha a capacidade de dar a vida ou a morte), ou a madeixa dos seus cabelos que Atena oferece a Héracles (que era capaz de colocar todo um exército inimigo em fuga 73). Uma coisa podemos, para já, concluir: os textos antigos que se interessaram sobre este monstro, esta luta e esta cilada recusam-se também, com pleno direito, a reflectir sobre eles. Dizem-nos que Medusa é uma presença maléfica, caracterizam-na como criadora de desordem, mas não vão mais além do papel que a si mesmos atribuíram (o papel da escrita em si). E diríamos que é quase com pudor que a evocam. Nenhum texto grego a descreve detalhadamente: nunca o seu olho é mencionado, apenas os efeitos que provoca (a petrificação, a transformação dos seres em cadáveres, a morte pela magia do seu olhar). É uma “cara proibida” 74 na literatura, como nos diz FrontisiDucroux, mas será um rosto recorrente e abundante nas artes 75. Uma possível explicação para tal facto é que Medusa se torna um rosto que podemos suportar, porque se apresenta como duplicata, como simulacro. Enquanto ídolo é “fatal” 76, como adverte Mefistófeles a Fausto, enquanto eikôn 77 é suportável, porque lhe é dada uma forma que neutraliza os seus poderes. Dando corpo ao Medo ele torna-se muito menos aterrorizador, porque muito mais conhecido 78. Se no mito 72 A mu le to q ue p r o te ge e af as ta o «ma u - o l h ad o ». So b r e e s te t e ma, v er o en sa io d e Eu g e ne D wyer - E v il E y e ( 1 9 9 8 ) e o te x to d e Ro ger C ail lo i s - T h e Ma s k o f M ed us a ( 1 9 6 4 ) q u e cr ê no p o d er hip n o ti zad o r e p ar al is a n te d o o l ho . 73 Eur íp ed e s, no Í o n , i nt r o d uz d ua s go t as d o s a n g ue d a Gó r go na ao mi to : a q ue go t ej o u d a vei a ca va p r o te ge a v id a, ma s a o u t r a, co mo ve n e no d a s s e r p en te s d a Gó r go na, ma t a. P er co r r e m u ma lo n g a c ad ei a a té Cr e ú sa a s ut il izar , e m v ão ( C r e ú sa her d a -a s d o s e u p ai, q u e p o r su a vez a s her d a d e Er ictó n io , q ue a s t i n ha her d ad o d e Ate n a) ; so b r e o mi to d e Hér ac le s, c f . P ier r e Gr i ma l - D icio n ár io d e Mi to lo g ia Gr e ga e Ro ma n a , e n tr ad a “Ce fe u ”, p . 8 0 . 74 Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - T he Go r go n, P ar ad ig m o f I ma g e Cr e at io n, p . 2 6 3 . 75 As r ep r es e nt açõ e s p lá st ica s d a Gó r go na d is s e mi na m - s e p e la p ó li s a te ni e ns e a p ar tir d o sé c ulo VI I a. C. S ur g e m e m gr a nd e esc al a no f r o ntão d o s t e mp lo s, e m p ed i me n to s, acr o tér io s e an te f i xo s, ma s ta mb é m n u ma es cal a ma is r e d uz id a ( e m esc ud o s, mo ed a s, p ed r a s p r ecio sa s, va so s , e tc.) . 76 Go e t he - Fa u s to , p . 2 3 3 . 77 P ar a a d i st i nção e ntr e eid ô lo n e ei kô n ( d o i s ter mo s gr e go s q ue d e si g n a va m “i ma g e m” ) , v er o i nt er e s sa nt e te x to d e T o má s Mai a - As so mb r a, p . 2 9 -3 8 e o d e J ean -P ier r e V er na nt – A Fi g ur a d o s D e us e s I : G ó r go na , p . 6 9 -1 0 3 . 78 H.P . Lo vr e cr a f t, u m d o s me str es d o fa n tá st ico na l it er a t ur a, d i zi a q ue o med o é a ma i s a nt i ga e p o d er o s a d as e mo çõ e s h u ma na s, e q ue o t ip o d e med o ma is a n ti go e 29 o espelho actua como tela “amortecedora” da realidade, nas artes esse ecrã separador terá as mais diversas matérias, que não deixando de visar o nosso assombro, nos tornam imunes ao veneno da sua criatura. Serão os artistas vítimas ou senhores de Medusa? Deixemos esta pergunta em suspenso, enquanto nos concentramos em textos mais recentes sobre este ser mitológico. As conexões a um mundo obscuro perdurarão: Stefan Zweig associa-a ao poder vulcânico do demoníaco 79, Jean Clair a um “poder thanaturgico” 80 , Sigmund Freud a um “símbolo de horror” 81. Jean-Pierre Vernant propõe uma tese peculiar: o rosto da Górgona operar através da máscara, ser uma máscara de alteridade extrema onde os gregos encontraram um modo de revelação desse «outro » de si mesmos 82, que os arranca violentamente da vida e os mergulha num abismo – pois ela é “potência de morte” 83. A sua mais valia (ser um disfarce) comporta um risco: sermos enfeitiçados, tornarmo-nos no disfarce. Quando tal acontece ficamos alienados, sujeitos ao comando de um outro poder, superior, ao do “deus que nos coloca freio e rédeas” 84, se senta ao nosso lado e nos “arrasta no seu galope” 85. O autor enumera duas características fundamentais da representação da Górgona, que se conjugam de forma singular: a frontalidade e a monstruosidade. Eis a magnífica descrição da górgona arcaica: A ca b eça la rg a , a rr ed o n d a d a , evo ca u ma fa c e leo n in a , o s o lh o s fita m f ixa m en t e, o o lh a r é p en et ra n te . O ca b el o a s sem elh a - se a u ma cr in a de a n i ma l er i ça d a co m se rp en t e s. As o r elh a s sã o ma i s p o d e r o so ser i a o med o d o d e sco n h ec id o . C f. Lo ve cr a f t - O T er r o r So b r e na t ur a l na L i ter a t u r a, p . 1 1 . 79 St e fa n Z we i g - O Co mb ate co m o De mó n io , p . 1 4 . 80 J ean C la ir - Méd u se, p . 4 8 . 81 Si g mu n d Fr e ud – M ed us as ´s Head , p . 8 5 . 82 De r ealç ar q u e é o o u tro d e s i me s mo s e n ão o «o u tr o » d i fe r e nt e d o gr e go ( b ár b ar o , e scr a vo , e str a n ge ir o , j o v e m, mu l h er ) . Ver na n t ad ver te q ue t o d as e s ta s f i g ur a s ti n h a m co mo r e f er ê nc ia o mes mo mo d el o : o cid ad ão ma s c ul i no , ad ul to . C f. J ean -P ier r e V er na nt – D eat h i n t h e E ye s : Go r go , Fi g ur e o f t he Ot h er , p . 1 1 1 . 83 Ver na n t - De at h i n t h e E yes , p . 1 3 7 . 84 Ver na n t - Dea t h i n t he E yes , p . 1 3 8 . 85 Ver na n t - De at h i n t h e E yes , p . 1 3 8 . 30 exce s si va men te g ra n d e s , d efo rma d a s, p o r v ez e s sem elh a n te s à s d e u ma va ca . Co rn o s p o d e rã o n a sce r - lh e n o c râ n io . A b o ca , co m u m es tra n h o so r ri so , a lo n g a - se a o p o n to d e co rta r to d a a la rg u ra d o ro sto d e sco b r in d o f ila s d e d en t es co mo p re sa s d e ja va li. A l ín g u a , p ro j ecta d a p o r d ia n t e, a vo lu ma - s e n o exte rio r. O q u eixo é p elu d o o u b a rb u d o , a p e le p o r ve z es su l c a d a p o r ru g a s p r o fu n d a s. Es te ro sto é ma i s u m t re jei to q u e u m ro sto . P ela d i s ru p çã o d o s t ra ço s q u e co mp õ e m a fig u ra h u m a n a , ela exp ri me, a t ra vés d e u m ef ei to d e in q u ie ta n t e e st ra n h e za , u m mo n st ru o so q u e o s ci la en t re d o i s p ó lo s: o h o r ro r d o t er r íve l, o r is í ve l d o g ro t e sco . 86 Esta cabeça, que oscila entre o humano e o bestial, entre o belo e o feio 87 – e que lembra a figura do Bés egípcio, a dos sátiros, ou, mais ainda, a de Baûbo 88 – comporta aspectos insólitos, porque faz colapsar as rigorosas distinções entre deuses, homens e animais. Rilke, na sua primeira Elegia de Duíno, já se apercebera dessa estranha conexão que une a beleza ao terror, tão presente aqui: “o belo apenas é/ o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,/ e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha/destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.” 89 A máscara também pode ser aproximada ao espelho. Não a um espelho qualquer, mas a um muito especial, originário de uma história antiga narrada por Pausânias num templo em Licosura, na Arcádia. Este espelho causava perplexidade a quem fielmente esperava ver o seu reflexo: porque apenas via uma obscura reflexão, ou mesmo nada. Por outro lado, as figuras dos deuses que tinham lá estátuas (Deméter, Artemisa, um titã) surgiam claramente na sua superfície, em todo o seu 86 J ean -P ier r e Ver n a nt – D eat h i n t h e E ye s, p . 1 1 3 . Há mai s p ar es q u e p o d e m ser e n u mer ad o s, co mo o ma sc u li no / fe mi n i no , o j o ve m/ v el ho , o ce le st ia l /i n fer n al ; o c i ma /b a i xo ( a Gó r go na te m o s s e us d o is f il ho s, Cer ia so r e P é ga so , atr a v és d o p e sco ço ) e o d e nt r o / fo r a ( a l í n g ua e stá fo r a d o sí tio , o b sce n a me n te p r o t ub er a nt e no e x ter io r ) . 88 Hav er á o utr o s el e me n to s i mp o r tad o s, v i nd o s d o Or ie nt e. Ver n a nt d e s va lo r iz a -o s, af ir ma nd o q ue cr ia ção d o s gr e go s é “i n te ir a me n te no va, mu i to d i f er e nt e d o s an tec ed e n te s i n vo c ad o s ”, ci t. 5 0 , p . 7 1 . M as não ser á o “mi la gr e gr e go ” u m p r o d u to d a f u são d e c ul t ur a s e d e p o vo s ( co mo d ef e nd e K it to - O s Gr e g o s, p . 4 8 ) ? So b r e B a ûb o , ver Ma ur i ce O le nd e r - B e fo r e Se x ua li t y, p . 8 3 - 1 1 3 . 89 Ra i ner Mar ia R il k e - As E l e gia s d e D u í no , p . 3 9 . O p r ó p r io Geo r g e s B a ta il le p ar tir á d e s ta me s ma id e i a n o s e u e s t ud o so b r e o er o ti s mo . 87 31 esplendor. Era um espelho que não cumpria a sua função: em vez de reflectir aparências, revelava o divino, fazendo com que este fosse visto “numa brilhante e misteriosa epifania” 90. Vernant utilizará este caso bizarro de uma aparição para extrapolar para o campo ambíguo da imagem reflectida no metal. Ilusão desprovida de realidade ou manifestação de uma outra realidade? Cremos que o autor segue o elo que liga o espelho do templo à máscara com a segunda opção: ambos tornam “visível o invisível” 91. Quando somos engolidos pela máscara, contemplamos a figura fantasmática de nós mesmos: máscara e espelho poderão definir-se, de forma muito simples, como portas entreabertas para o Hades 92, manifestações de uma realidade outra. Imaginamos que essa terrível imagem que nos é dada a ver, enquanto somos pux ados pelo galope furioso do deus, será o nosso derradeiro instante, a «monstruosidade» – não da Górgona –, mas da nossa própria morte, que, como a visão do nosso olhar a olhar, é a pura imagem impossível 93. * Qual o lugar ocupado pelo monstro na história da arte? Como conseguiram os artistas contornar a frustração desta cara que atentava contra qualquer figuração, ou antes, que fez o tempo às representações da Górgona Medusa? Dissolveu-as, lacerou-as, desfigurou-as, tornou-as vãs? Ou trata-se de algo que ainda vem ao nosso encontro, indemne? E Onde? 94 90 Ver na n t – Au mi r o ir d e Méd u se , p . 1 1 8 . Ver n a nt - Au mir o ir d e Méd u se , p . 1 2 9 . A e xp r e s são é u ti liz ad a p ar a fa l ar ap e na s d a i ma ge m i nq u ie ta n te d a Gó r go na ; n ó s aq u i ten tá mo s u nir o s d o is tex to s d o p en sad o r , e ap r o xi ma r d o is d o s se u s p e ns a me n to s: má scar a e esp el ho . 92 De r e fer ir q ue es ta d e fi ni ção se ap l ic a va so me n te ao e sp el ho d o t e mp lo ; Ve r na nt - Au mi r o ir d e M éd us e , p . 1 1 9 . 93 I mp o s sí v el p o r q ue n u n ca p o d er á se r p r e se nc ia d a , o u “i n co r p o r ad a ”, c o mo r e fer e T o más Ma ia no s e u e n sa io As so mb r a, p . 6 7 . 94 Ro b er to Ca la s so - A L it er at u r a e o s De u se s , p . 1 4 . O s e nt id o d a fr a s e fo i d es v ir t uad o , p o is o a u t o r faz ia v al er o s e u p o nto d e vi st a na d e f es a d o q u e e le 91 32 A figura de Medusa está viva, e continua a assombrar a arte. Percorreu um longo caminho, assumindo as mais diversas formas ao longo do tempo, desde “máscaras” banais a máscaras inesperadas, consensuais a contraditórias. Momentos houve em que se eclipsou, talvez por haver tantos outros monstros a reclamarem atenção (como aconteceu na Idade Média), para mais tarde reaparecer (século XIX). Não foi maltratada: pelo contrário, foi sempre muito popular entre artistas, que, também eles, acrescentam novos fragmentos ao já muito remendado mito. A Górgona arcaica torna-se visível nos momentos dionisíacos (problemáticos, de dúvida); Jean Clair preferirá agrupar os movimentos estilísticos onde esta surge sob o nome de “pensamentos de declínio” 95, que opõe aos pensamentos esclarecidos da avant-garde 96. Ela ressuscita como discurso de discordância, de “ravina” 97 — (e é alta, tão alta a ravina! 98 ouvimos Mefistófeles gritar) — nunca em estéticas que tinham a ilusão de dominar o caos através da Razão. É estranho quando olhamos para a sua efígie “domesticada” 99, monstro abominável agora sereno, melancólico, com um sorriso pacífico nos lábios, tão longe daquelas representações que nos tiram o ar, disformes, hediondas, que não nos deixam esquecer que esta figura é descendente de Gigantes (ver Medusa Rondanini em oposição a uma taça com a representação da górgona arcaica, um de muitos exemplos possíveis, Fig. 4 e Fig. 5). Não será abusivo afirmar que quase todos os artistas, de quase todas as épocas, ignoraram algumas características bastante salientes do híbrido monstro (as asas de ouro, as presas de javali, as mãos de bronze), para se concentrarem no aspecto mais ctónico, «rastejante», de ch a ma d e «L i ter at ur a A b so l u ta »: u ma li ter a t ur a o nd e o s d e u se s e o mit o tê m l u gar , o nd e h á a p r o c ur a d e u ma id e ia d e i nd iz í vel . F o mo s, p o r ta n to , p e lo s c a mi n ho s d a rep re sen ta çã o d es se me s mo i nd iz í ve l q ue é M ed u sa.. . 95 J ea n Cla ir - Méd u se, p . 3 2 . E n u mer a mo s al g u n s mo me n to s a t ít u lo d e e xe mp lo : a ép o ca he le n ís ti ca tar d i a, o neo c la s sic i s mo , o si mb o li s mo , a ar te N o va , o s p r é r af ae li ta s, o se g u nd o r e n asc i me n to d ep o i s d o saq ue d e Ro ma , o ma n eir i s mo . 96 Mo me n to s d e eq u il íb r i o e d e c la s sic i s mo ( co mo o sé c ulo V gr e go e o p r i me ir o r en a sci me n to ) , c it. 9 5 , p . 3 0 . 97 J ean C la ir - Méd u se, p . 3 2 . 98 Go et he - Fa u sto , p . 3 1 4 . 99 J ean C la ir - Méd u se, p . 3 0 . 33 Medusa: as cobras. Assim a figuram, “couraça rodeada de víboras” 100, talvez o atributo que mais apela ao horror medonho e selvagem que querem transmitir 101. Notamos também que, dos três momentos possíveis de serem escolhidos para a «p aralisação» da história (o herói preparando-se para decapitar, o acto de decapitação em si, e o momento pós-decapitação), o terceiro é o mais popular. Perseu vem ao nosso encontro, corpo orgulhoso na sua clássica pose de vitória, erguendo de forma triunfante a cabeça do monstro na sua mão direita, e parecendo dizer-nos: afastai daqui o vosso olhar, se está aqui algum amigo! 102 É uma celebração, mas também é um aviso, um desincentivo a ataques futuros. (Ver duas formas de representar de forma escultórica o mesmo feito, por Canova e por Cellini, Fig. 6 e Fig. 7). Decapitar o inimigo é mais do que uma punição corporal, é mais do que, simplesmente, matá-lo. Freud, num pequeno texto de 1922 intitulado The Head of Medusa, propunha uma equação básica: decapitar = castrar 103. O problema é que ele não o afirma em sentido figurado (como um impedimento do desenvolvimento ou eficiência de...), mas em sentido literal (o medo de castração ligado ao medo de uma visão horrenda, à visão dos genitais femininos, especificamente os da mãe). Olhar para a cabeça de Medusa como um monstro “vulvar” 104, como lhe chamou Kristeva, parece-nos ter a sua razão de ser – ou não seria ela um “olho tornado sexo” 105 —, mas as consequências da tese de Freud tornam-se um tanto rebuscadas. Perseu transforma-se no herói que confrontou o poder materno; as cobras actuam como uma “mitigação do horror, pois substituem o pénis, a ausência do qual é a 100 Eur íp ed e s - Í o n, p . 8 9 . Fer na nd K no p f f ( 1 8 5 8 - 1 9 2 1 ) ser á u ma si n g u lar ex cep ç ão , co m a s ua e n ig mát ic a e cal ma co mp o s iç ão a p as tel d e u ma Med u sa q ue se a s se me l ha a u m a so l it ár ia ág u ia ; ver a s ua o b r a S leep in g Med u sa ( 1 8 9 6 ) . So b r e e st e ar ti s ta, q ue ta n to se in ter es so u p o r e st e mi t o , ver o t e xto d e M ic ha el Sa gr o s ke, “L a Mé d u se d a n s l ´Oe u v r e d e F er na nd K h no p f f ”, d e 2 0 0 4 . 102 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 3 4 . Li vr o V , 1 7 9 -1 8 0 . 103 Si g mu n d Fr e ud - T h e M ed u sa Read e r , p . 8 4 . 104 J ul ia Kr is te va - V i sio n s Cap it al es, p . 3 9 . 105 J ean C la ir - Méd u se , p . 4 4 ; e ste a uto r d i fer e nc ia - a d e B a ûb o , q ue s er ia u ma v ul v a to r nad a o l ho . 101 34 causa do horror” 106. A cabeça decapitada significará para nós, antes de mais, uma troca, uma absorção da energia e vitalidade do seu proprietário, permitindo a regeneração e sabedoria do herói, que absorve os seus poderes. Muitos artistas escolheram representar o mito através do que dele sobrou: a cabeça decepada. Detêm-se no instante da violência contida no olhar, ou concentram-se no que resta da cabeça, esse lugar de força vital brutalmente arrancado da vida. O primeiro caso tem Caravaggio como mestre, pintando um rosto humano de um jovem 107 uma pintura extraordinária feita num escudo abaulado, que actua como uma íris de um grande olho (a obra de Anish Kapoor, GreyLandscape Mirror, estabelece um curioso diálogo com a do antigo mestre, aumentando a sua escala e «virando» e sugando o olho-escudo para dentro; ver Fig. 8 e Fig. 9). No segundo caso, Rubens será o paradigma, sugerindo uma imagem surpreendente: da cabeça do monstro fogem apressadamente escorpiões, aranhas, salamandras 108. O caos é fecundo, e gera os seus tenebrosos filhos. Jean Clair leva mais adiante a abstracção. Vê o dripping de Pollock como o sangue gotejante da cabeça de Medusa, “desenhando a figura aleatória da nossa perdição” 109. Nós optámos por olhar mais de perto para três peças específicas. Marina Abramovic´, na sua performance intitulada Dragon Heads (1990, com duração de uma hora), propõe uma peça que causa um fascínio mortífero, e que acreditamos poder ter ligação ao mito. Convida para companheiras de espaço cinco pítons de três a cinco metros de comprimento, e senta-se numa cadeira, imóvel. Um círculo de blocos de gelo rodeia-a. A artista deixa os animais vaguear pelo espaço, pelo seu corpo, invadir a sua cabeça — deixa-as seguir “as suas 106 Si g mu n d Fr e ud - Med u s as ´s Head , p . 8 5 . Na s u a o b r a H ea d o f M ed u sa ( c. 1 5 9 8 -9 9 ) , é i n ter e s sa n te r ep ar ar q ue a cab eç a se an tr o p o mo r f izo u, e so fr eu u ma mu d a nça e m te r mo s d e se xo : d e b e la j o ve m p ar a b elo j o v e m, r o s to d o lo r o sa me n te h u ma n o . 108 Ver ó leo so b r e tel a d e R ub e n s i nt it u lad o Hea d o f M ed u sa , c. 1 6 1 7 -1 8 , K u ns t hi s to r i sc h es M u se u m. 109 J ea n Cla ir - Méd u se , p . 2 3 7 . 107 35 linhas de energia” 110, como ela própria diz —, sabendo que não eram alimentadas há duas semanas. A ameaça e o medo, aqui, são bem reais; o seu escudo protector será a sua própria imobilidade e disciplina, e a inteligente ideia de se “camuflar” 111 para sobreviver. Ela funda-se completamente com as próprias serpentes, torna-se serpente entre as serpentes, e é curioso ver fotografias em que ela olha para nós, olhos bem abertos, de serpente desafiadora, e fotografias em que tem os olhos completamente fechados, de Górgona adormecida. A “perspectiva segura” é, aqui, reduzida ao mínimo. (Ver Fig. 10: nós optámos por ver). Na obra de João Tabarra surgem também duas inquietantes figurações de Medusa, que se sobrepõem à sua própria representação do monstro 112: a primeira intitula-se Troféu (2007), e mais não será que uma imagem da cabeça decepada da adversária de Perseu, raiz pendurada, fora do sítio, a-visceral (e contudo extremamente violenta; ver Fig. 11). A segunda, a estranha e perturbadora série das Fadas. Dois personagens passeiam-se pelos mais variados locais (por um campo de abóboras, por uma paisagem íngreme cheia de pedras, ou junto do mar...), um mascarado a rigor — de fada —, outro com camisa branca e calças pretas, feições vulgares, que sabemos ser o próprio artista. Escolhemos uma imagem em particular: aquela em que os dois se passeiam por um pequeno trilho, rodeado de denso arvoredo. O homemfada está um pouco mais atrás, chapéu pontiagudo com véu, varinha mágica na sua mão esquerda, faca brilhante na mão direita, ambas escondidas atrás das costas. Aguarda o momento certo. Nesta fotografia, o artista continua a ser a Górgona, mas deixou de nos fitar frontalmente, apresenta-se de costas para nós. Nesta obra (e em toda a 110 Mar i n a Ab r a mo vic ci t. e m B I E S E NB AC H, Kla u s [ e t al. ] - Mar i na Ab r a mo v ic , p . 5 1 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ul o I V, a i mo b il id ad e ) . 111 U ma fo r ma mu i to d i fe r en te d e a g ir , se co mp ar a d a à p er f o r ma nc e I Li ke A me r ica a n d Ame ri ca L ik es Me ( 1 9 7 4 ) d e J o sep h B e u ys , q ue se i so lo u n u m p eq u eno esp aço co m u m co io t e, ma s q ue f azi a u m es f o r ço p ar a i nt er a g ir co m e le. Aq ui, a ap a tia é ev id e n te, e ser á a «s a l va ção » d a ar t is ta. 112 Fo to gr a fi a i n ti t ulad a L e B o xeu r, o nd e o ve mo s «ma sc ar ad o » d e Gó r g o na , co m u ma cab ele ir a d e p eq u e n as e co lo r id a s co b r a s p lá st ica s. 36 série), como nos filmes de Michael Haneke, somos assombrados pelo que não nos é dado a ver, pelo que é sugerido. Sentimos um calafrio: também nós nos tornamos “pedra sem sangue”, como o rei Policdetes. Para sempre suspeitaremos que o homem de camisa branca morreu como o basilisco do bestiário medieval. Não por um cutelo afiado na mão de um qualquer herói conquistador (ou de um heróifada), mas pela visão da sua própria imagem mortífera num espelho (ou numa faca). * A figura de Medusa continua a agir sobre nós, e acreditamos que isso se deve ao poder do próprio mito 113. Este eternamente retorna, recusando-se memória” 114 a repousar, perdurando como “herança viva na . A ele recorremos, tentando encontrar um sentido para o conflito que nos propõe. O que foi o primeiro modelo ocidental de uma decapitação, tantas vezes interpretado como o triunfo da Razão sobre os Sentidos, poderá ser visto de uma outra perspectiva. Citamos Calasso: “Faz parte da obra civilizadora do herói suprimir-se a si próprio. Porque o herói é monstruoso. Logo a seguir aos monstros, morrem os heróis.” 115 Daqui podemos presumir que uma nova classe de heróis é inaugurada por Perseu: o anti-herói que não quer morrer, que afronta com bravura a morte, mas que perpetuamente a adia. Não poderemos vê-lo como o coral, “alga fresca e ainda viva” 116, que absorve no seu interior poroso o poder mágico do monstro, e que, com o contacto, endurece e assume “uma rigidez inédita” 117? Não se 113 O mi to te m es se gr a n d e va lo r , q ue é o d e p er ma ne cer va sto , e n i g má ti co e ind ec i fr á ve l. 114 Geo r ge S te i ner - An t í g o na s, p . 3 2 6 . 115 Ro b e r to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e Ha r mo n ia, p . 7 6 . 116 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 6 . Li vr o I V , 7 4 4 ( no s so i tá lico ) . 117 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 1 2 6 , 7 4 6 . 37 converte o próprio herói no monstro: Perseu, o astuto 118, o que reina? Não trará a vitória do herói a sua própria ruína? A sua «razão» – que é também a nossa –, não se tornará ela numa razão «mineralizada», pronta a sucumbir? Se inventámos os monstros pela única razão de podermos pensar a nossa própria humanidade, como crê o filósofo José Gil 119, não conservarão eles a (ainda) viva suspeita dessa mesma humanidade? Há um outro par da tragédia grega que, fatalmente, ecoa a história de Perseu e Medusa, mas de forma inversa, e pode ser encontrado n'As Bacantes de Eurípedes. Penteu, rei de Tebas, vê a sua governação ameaçada quando um grupo de mulheres abandona os seus lares e os seus filhos (afastando-se “do tear e da lançadeira pelo aguilhão dionisíaco” 120), e sobe a uma alta montanha para celebrar os ritos a esse deus estranho, estrangeiro, desconcertante, que é Dioniso. Para Penteu era um claro sinal que não estavam na posse das suas faculdades, e cabia-lhe a ele impor a ordem, ou, para utilizar as suas próprias palavras, “dar-lhes caça para fora das montanhas” 121. Disfarçase de mulher e segue-as, espiando-as furtivamente do alto de um carvalho (note-se que ele as vigia de modo “longínquo, higiénico, permanecendo ao abrigo de qualquer contágio” 122). Penteu, escudandose, continua a não querer ver o culto prestado a um deus – apenas vê desordem e delírio de um grupo de Ménades. Por esta sua «visão » pagará caro. Evoé! O Coro, sempre desejoso de avançar com a espada sobre o “ímpio”, interroga-se: 118 Med u sa é q u e t a mb é m er a co n hec id a co mo a a s tu ta ; c f. Ro b er t G r a ve s - O s Mito s Gr e go s, p . 7 7 0 . A q ui , o j o go na tr o c a d e i d en tid ad e s co mo fo r ma d e mo s tr ar q ue mo ns tr o e her ó i não ser ão a s si m tão d i fer e nt es.. . 119 J o sé G il - Mo n str o s, p . 5 6 . T o d o este b r il h a nt e en sa io t e m co mo es t ud o o q ue o au to r ap el id a d e “ mo ns tr o s ter a to ló g ico s”, o u sej a, mo n str o s h u ma no s b i o ló gico s, e é u ma t e nta ti v a d e e xp l ic ar o fa sc í nio e a i nq ui eta ção q ue no s p r o vo c a m, ce ntr a nd o -s e so b r e t ud o no s f i nai s d a I d ad e Méd ia a té ao s no s so s d ia s. 120 Eur íp id e s - As B a ca n te s , p . 4 4 , 1 1 7 -1 1 9 . 121 Eu r íp id e s - As B aca n te s p . 4 9 , 2 2 9 . 122 J o sé P ed r o Ser r a – Co n he ci me n to e I g no r â nc i a, p. 326. A a ná li se d e s t a tr a géd ia p o r es te a uto r é i n sp ir a d o r a. V er t a mb é m Fr ed e r ico Lo ur e nço - Gr é cia Re v i sit ad a, p . 2 9 9 -3 0 1 , e a s no ta s i nt r o d utó r ia s d e M ar ia Hel e na d a Ro c h a P er ei r a à o b r a d e Eur íp id es , se mp r e e scl ar eced o r a s e f u nd a me n t ai s . 38 Qu em é e s te q u e ve m à mo n ta n h a , À mo n ta n h a , ó B a ca n te s , es te p e rs eg u id o r Da s fi lh a s d e Ca d mo q u e co rr em o s mo n t es? Qu em o g ero u ? É q u e e le n ã o n a sc eu De sa n g u e d e mu lh e r; d e u ma q u a lq u e r l eo a Ou Gó rg o n a d a L íb ia ve m su a ra ça . 123 Para o Coro, Penteu — o defensor da razão — não é humano: é filho de um animal ou de um monstro selvagem, e possui um “louco intento” 124 ao desdenhar do deus. O desfecho deste olhar «oblíquo » sobre o mundo é inquietante e extremamente cruel: Agave massacra e dilacera com as suas mãos o seu próprio filho, colocando o que resta do corpo — a sua cabeça decepada — na ponta de um tirso. Julga ver nele uma “tenra cria de leão selvagem”, 125 e orgulha-se da “feliz caçada” 126. Crê que praticou o ritual dionisíaco de matar um animal selvagem (para depois lhe comer a carne). Cadmo apenas lhe diz: Olha bem a direito. Pequeno é o esforço do olhar. 127 Só então ela ganha consciência do acto horripilante que cometera. Olhemos então, sem esforço, nós também: nem razão vitoriosa (Perseu), nem Razão impotente (Penteu) — nem Irracional perdedor (Medusa), nem Delírio que triunfa (Agave). A razão pode ser louca – o Coro sabe-o, di-lo vezes sem conta; o delírio também pode dissolver, volatilizar a identidade humana. Evitemos, pois, reduzir a interpretação deste mito e desta tragédia à simples oposição entre “razão e loucura, serenidade e delírio, lucidez e cegueira” 128. E. R. Dodds advertiu-nos de forma sábia sobre o “poder”, a “maravilha”, e o “perigo do irracional” 129. Nós subscrevemos, e 123 Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 8 6 , 9 8 5 -9 9 0 . Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 8 7 , 9 9 9 . 125 Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 9 4 , 1 1 7 9 . 126 Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 9 4 , 1 1 8 6 . 127 Eu r íp id e s - As B aca n te s, p . 1 0 0 , 1 2 7 9 . 128 J o sé P ed r o Se r r a – Co n he ci me n to e I g no r â n cia , p . 3 2 3 . 129 E. R. Do d d s - O s G r ego s e o I r r ac io nal , p . 2 7 4 . Ver ap ê nd ic e in ti t ul ad o “me n ad is mo ”, p . 2 8 9 -2 9 9 : a i ma g i na ção d e E ur íp id e s e sta r ia mu i to p r ó x i ma d o cu lto r ea l, se g u nd o o a u to r . 124 39 acrescentaríamos: e da razão. Nem poder da luz, nem elogio da sombra: tudo se passa entre a luz e a sombra, na estranha relação que se estabelece entre estes dois mundos; e sim, é perturbador compreender que a razão e a loucura nem sempre estão... onde se supõe que estejam. Seja como for, nestes dois exemplos referidos (Perseu Vs. Medusa ou Penteu Vs. Agave), deparamo-nos sempre com uma estética que anuncia a morte (Assassinai, matai, aniquilai! 130). Não se resumirá tudo a estas simples palavras, que passamos a enunciar: (.. . ) q u e d á d iva ma i s b el a Do s d eu se s, a o s o lh o s d o s h o m en s, Do q u e ma n t er a mã o se g u ra S o b re a ca b eça d o in im i g o ? 131 Meditemos agora, de forma sintética, no significado dos seguintes pontos: • A ideia de máscara; A máscara faz intuir que existe um rosto — qualquer que ele seja — por detrás do disfarce. A máscara de Medusa, no entanto, não nos oferece essa certeza reconfortante. Ela é a máscara do nada, com tudo o que este nada transporta de horrendo (pavor, desconhecido, sobrenatural, vertigem); o seu olhar fere-nos porque é um olhar de luz extrema que nos cativa para depois nos aprisionar, terrível astro brilhante que nos fulmina com a sua natureza dúplice. É um olhar que reina sobre a Noite Primordial... • A questão do reflexo/imagem/espelho; Importante será reter que estes três termos não tinham o estatuto que hoje lhes reconhecemos. Perseu apenas viu um reflexo da 130 131 Eu r íp id e s - Or e st es, p . 1 1 0 . Fa la d e E lec tr a. Eur íp id e s - As B a ca n te s , p . 8 0 ( 8 7 7 -8 8 0 ) . 40 Górgona, mas este estava longe de ser o que hoje entenderíamos como uma cópia bem conseguida: lembremo-nos que o espelho grego deformava, criando um halo em redor dos corpos reflectidos; como, ao mesmo tempo, havia a crença que a sua superfície absorvia o que nela era projectado — uma mulher menstruada formava na sua superfície uma nuvem ensanguentada, para citar um exemplo dado por Aristóteles em De insomniis — não se pode afirmar que o reflexo era uma aparência viva, nem dizer que era, apenas, uma aparência ilusória 132. • O escudo-espelho; Espelho = Logro. Se, e pegando numa expressão de Ovídio das Metamorfoses, as flechas são “armas irreflectidas” 133 (tal como a mão), podemos ver a presença do espelho neste mito como uma arma «reflectida» (ardil que serviu como medium no afrontamento da morte), com capacidade de dominar o terror. É o estratego ideal na criação de distância, que permite meditar não apenas no misterioso intervalo que se forma na passagem de um olho de uma irmã Greia para outra, mas também no intervalo indefinível entre a vida e a morte, o visível e o invisível, o ser e o não-ser, o real e a imagem, o corpo humano e corpo divino. Espaço que está em sintonia com o próprio lugar ocupado pelos monstros: afinal, estes sempre se dissimularam nos interstícios... Graças ao espelho...viverei 134, diz-nos Perseu, vitorioso. * 132 Ver Ver n a nt – Au mir o i r d e Méd u se, p . 1 2 4 . T o d o es te úl ti mo mó d ulo é d e ved o r a e ste p e n sad o r . 133 O víd io - Met a mo r fo se s, p . 7 5 . Li vr o I I , 6 1 4 . 134 Ad ap taç ão d a s ú lt i ma s p ala vr as d e O víd io na M eta mo r fo s e: “Gr aça s à f a ma ( .. .) , vi v er e i”, p . 3 8 9 . L i vr o XV, 8 7 8 -8 7 9 . 41 O u ve o q u e d i z a mu l h er ve s tid a d e so l Q ua nd o c a mi n h a no c i m o d as ár vo r e s «a q ue d i s tâ nc ia d ei x as t e o co r aç ão ? » J o sé T o le n ti no Me nd o nç a 135 Atena poderá ser a mulher, que, em vez de «vestida de sol », estará «vestida de égide ». Esta não se apresenta como um simples escudo que a protege, mas como a sua verdadeira pele. Desde que se lembra (pensando bem, desde o assassínio não premeditado da sua grande amiga Palas, ainda era ela uma menina) que ouve uma voz interior, que numa espécie de negro presságio lhe segreda: a que distância deixaste o coração? Há algo de «autista» nesta deusa, tal como em Apolo ou em Artemisa. Como Roberto Calasso frisa, todos eles avançam “envoltos no seu limbo. Olham o mundo quando têm de o ferir, mas de outro modo o seu olhar é longínquo, como dirigido para um espelho invisível onde encontram a sua própria figura separada do resto” 136. Bastará dizer apenas isto: quando ela nasceu, e nasceu de forma bem singular 137, Zeus soube que muita coisa iria mudar no Olimpo. Sabia que a pequena guerreira tinha um poder inexplicável sobre ele; também lhe veio vingativa a conhecer o 138 carácter: era fria, e, quando ofendida, . 135 J o sé T o le n ti no Me nd o n ça - B a ld io s, p . 5 4 . Ro b e r to Ca la s so - As N úp c ia s d e C ad mo e Ha r mo n ia, p . 5 9 . 137 Ate na n as ce u d a c ab eç a d o p r ó p r io p ai. Es te en go li u - a, j u n ta me n te c o m a s u a mã e, Mé ti s, p o i s Úr a no e Gei a ti n ha m- l he r e v el ad o q ue se Mé ti s t i ve ss e u ma fi l ha, ela ter ia d ep o is u m r ap az q ue l he t ir ar ia o i m p ér io d o c é u. H e fe sto f end e -l h e a cab eç a à ma c had ad a, a s e u p ed id o , na al t ur a d o p ar to . Del a sa lto u u ma me n i na to ta l me n te ar ma d a, s ua f il ha Ate n a. C f . P ier r e Gr i ma l – Di cio n ár io d e Mito lo gia Gr e ga e r o ma n a, e n tr ad a “At e na” . 138 Er a a ú nic a a q ue m Ze us d ei xa v a us ar o s eu r aio . As s ua s «v í t i ma s » ma i s fa mo s as fo r a m T ir é si a s e Ar ac n e. Ce go u o p r i me ir o , p o r q ue e s t e a t i n ha s ur p r e e nd id o no b a n ho ( mas d e u -l h e, e m co m p en sa ção , o d o m d a ad iv i n ha ção ) . Ar ac n e t i n ha o us ad o co mp e ti r co m e la n a a r te d e t ecer ( e, i n so l e nt e me n te, b o r d ad o ce na s a mo r o sa s – ver go n ho sa s ! – d o s d e u se s d o Oli mp o ) . A d e us a o l ho u p ar a o tr ab a l ho d ela a te n ta me n t e, e, não ve nd o o mí n i m o d efe ito a a s si na lar , f ic o u f ur io sa e tr a n s fo r mo u - a n u ma a r an h a, b i c ho q ue d e te st a va. P o d ia se mp r e co nt i n uar a faz er a f u n ção q ue ma i s l he agr ad a va : te cer . C f. Ro b er t Gr a ve s - O s Mi to s Gr e go s , p . 105. 136 42 A “deusa dos olhos garços” 139 tinha consciência que, a existir uma imagem que a representasse, ela seria o encontro de outras duas mulheres: Palas e Medusa. Por isso é que, por mais interessante que seja a representação que Gustave Klimt fez da deusa [quadro intitulado de Palas Atena (1898), onde a vemos banhada a ouro, com a górgona ocupando o seu lugar no peito, dourada também], sentimos que lhe falta qualquer coisa. Talvez o seu lado mais oculto, «medusiano»: o esgar de uma verdadeira guerreira. Atraente, mas repulsiva; bela, mas convocando o horror. Leonardo da Vinci dizia, em Da pele dos Animais que Mantêm o Sentido do que Nelas se Escreveu: “Quanto mais se falar com a pele, veste do sentimento, mais sapiência se adquire.” 140 Que mais dizer? Matar os monstros cria uma bela reputação perante os outros, mas tem o seu preço. Perseu e tantos outros caçadores de monstros sabem-no bem. Por isso se penitenciam, se purificam, e expiam o seu crime, aguardando o julgamento dos deuses. Os heróis sentem na pele o peso que esse troféu lhes dá: ele está cheio de «sentimentos », de propriedades do seu antigo inquilino. Talvez por isso Perseu, aliviado, tenha ofertado a cabeça à deusa? Atena concentra-se. Não tem medo de serpentes: há muito que elas fazem parte da sua vida 141. Prepara a aguçada seta (como, muito tempo antes, havia comandado o gesto de Perseu 142: com atenção), e lança o seu terrível grito de guerra que abala o céu e a terra. Foca com determinação o alvo. Atira a seta mortal sem sequer pestanejar. 139 É as si m q ue Ho mer o no s fal a d el a, vez es se m c o nt a, t al ve z r eco r d a nd o - no s a s u a o r i ge m co mo d e u sa d a N at ur e za. 140 Leo nar d o d a V i nc i - B e st iár io , Fáb ul a s e O utr o s Es cr i to s , p . 9 8 . 141 Ad o p to u E r ic tó nio , “f i lho d a ter r a ”, co mo u m fi l ho . Er a u m me n i n o q ue d a ci nt ur a p ar a b a i xo er a u ma ser p e nt e. E la d e i x o u -o à g uar d a d as f il ha s d o r ei d e Ate n as , g u ar d ad o ta mb é m p o r u ma ser p e n te. Q uer i a to r ná - lo i mo r ta l , ma s não co n se g u i u. C f. P ier r e Gr i ma l - D ic io nár io d e Mi t o lo gia Gr e g a e Ro ma n a, p . 5 4 . 142 Ver s ão d e L uc a no - T h e Med us a Re ad er , p . 4 1 . Se g u nd o es te e scr ito r , Ate na é q ue d ir e cc io no u a mã o d o h er ó i no i n sta n te d er r a d eir o d e Med u sa . 43 No espelho de Ulisses As si m, se Zêu x is , a n te s lo u va d o p o r to d o s, co n seg u i ra i lu d i r o s p á s sa ro s, Pa r rá sio fo ra ca p a z d e lu d ib ria r o p ró p rio Zêu xi s. N. P i ño n 143 Que reflecte o espelho grego? Nós diríamos que, numa primeira e intuitiva impressão, reflecte um mundo feminino de inúmeras Helenas 144 preocupadas com a sua beleza. Primeiro ponto a destacar: dizer «espelho», na Grécia antiga, significava dizer «mulher ». Este objecto de luxo estava intimamente conotado com o mundo do adorno e do asseio – vemo-lo representado em grande destaque ao lado de vasos de perfumes e de óleos para o corpo, de vestes vaporosas, de jóias, bandoletes, pentes, inserido em espaços interiores 145 onde presumimos que se movimentavam quotidianamente as mulheres, logo recatados, domésticos, e disso serão testemunhas todos os objectos que chegaram até nós (os espelhos gregos, as imagens pintadas nos vasos coríntios e áticos — verdadeiras continuações de Homero, segundo Vidal-Naquet 146 —, e os próprios textos). 143 Nél id a P i ño n - Ap r e nd i z d e Ho mer o , p . 1 5 6 . E vo ca mo s aq u i u m no m e q ue é “mu i to ma i s q ue u m no me d e mu l h er ”, c o mo no s fa z ver Ni co l e Lo ur a u x e m L es E xp é r ien c es d e Ti ré s ia s, p . 2 3 3 . 145 Fr a n ço i s L i ss ar a g ue , e m Hi s tó r ia d a s Mu lh er es n o Oc id en te , d e fe nd e q ue o “esp aço d as mu l he r e s e m i ma g e m é d i ver s i fic a d o e não se r ed uz a u ma s i mp le s p o lar id ad e i n ter io r / e xte r io r ” ( p . 2 5 3 ) . É cer to q ue i a m à fo nte e ao lo u té rio n , esp é ci e d e p ia p ed e sta li zad a ( s ur gi nd o ne s te s ú lti mo s co m u m e sp el ho na mã o ) , e ta mb é m r ea li za va m r i t u ai s e xc l u si v a me nt e fe mi ni n o s e m e sp aço s e x ter i o r es ma s – e não co n se g u i nd o i nd i c ar co m p r eci são u m va lo r exa cto – a s i ma ge n s d e in ter i o r e s são mu i to mai s fr eq ue nt e s. Fa ze mo s no s sa s as p al a vr a s d e Si a n Le wi s : “As mu l h er e s são r ep r es e n tad a s q ua se e xc l u si v a me n te e m esp aço s i n t er io r e s, e m gr a nd e s o u p eq u e no s gr up o s, to c a nd o mú s ic a, t r ab al h a nd o a lã o u ad o r na nd o - s e”. C f. S. L e wi s - T h e At he ni a n W o ma n , p . 1 3 0 . 146 P ier r e Vid a l -N aq ue t - O M u nd o d e Ho mer o , p . 153. 144 44 Examinemos brevemente estes três tipos de documentos, tentando estabelecer essa estreita relação existente entre mulher e espelho; em relação aos primeiros, os espelhos cariátidos, essa ligação é notória: estes desde logo evocam a mulher não só através da sua forma (uma pega coroada de um círculo, que remete para o símbolo feminino), como nas figuras humanas neles representadas, em poses frontais e um tanto hirtas (de deusas, sacerdotisas, donzelas? 147). O corpo destas mulheres misteriosas é o alicerce, o suporte do próprio espelho; espelho e mulher parecem fundir-se entre si, num pacto silencioso que se fecha ao território – mas não ao olhar – masculino. Os vasos onde surgem mulheres com espelhos afastam-se de outros porventura mais memoráveis, com imagens de guerras vingativas ou coléricas 148, de sátiros peludos com cascos de bode desenhados em jarros de vinho (que acompanhavam os homens nos longos simpósios nocturnos), ou mesmo da «masculinidade» guerreira das amazonas: aqui predomina a paz, e o espelho torna-se “símbolo de uma existência agradável, feita de tempo livre e ignorante de todo o trabalho penoso” 149. A presença de um espelho parece bastar, por si só, para representar a mulher (Fig. 12). Em relação aos textos, inúmeros são os exemplos, mas iremos concentrarmo-nos apenas num muito singular, onde Aristófanes parodia a figura efeminada de Ágaton, bastando-lhe para isso apenas dizer em jeito de provocação: 147 Ver e st ud o e xa u s ti vo d e Le no r e O. K ee ne Co n gd o n - C ar ya tid M ir r o r s o f An ci e nt Gr eec e, q ue fo c a a sp e cto s es ti lí s tico s, t éc nico s e d e d ata ção d e p eça s, n u m es t ud o co m ma i s d e ce m esp el ho s e m b r o nze a n ali sad o s. A a u to r a cr ê q ue a j u l gar p ela s e sca v açõ e s e f ec t u ad as , o s e sp e l ho s d e sap ar ecer a m no fi na l d a er a micé n ic a ( há esp el ho s q ue d at a m d e cer c a d e 1 4 0 0 a. C . ) , p ar a r e ap ar e cer e m n o f i nal d o séc u lo VI I . Co lo ca ta mb é m a h ip ó te se d el e s te r e m s id o i mp o r tad o s d o E gip to , o nd e ter i a m ap ar ec id o e m 2 6 0 0 a. C. 148 Não esq u eça mo s q ue a p e sad a p al a vr a d e ab er t ur a e sco l h i d a p o r H o me r o n a I lía d a é “có ler a ”. Ne s se p o e ma b e lí s si mo , t ud o é “v er g ad o e ma n ch ad o p e la g uer r a”, co mo d iz Ra c he l B e sp alo f f - So b r e a I l í ad a, p . 1 5 . 149 Ale k sa nd r a W a so wi cz - Mir o ir o u q ue no u il le? La r ep r é se n tat io n d e s fe m me s d an s la c ér a mi q ue a tt iq ue, p . 4 1 3 . N es te ar t i go a a uto r a d e s faz al g u n s eq u í vo co s p er p et u ad o s p o r esp eci a li st as : e m vár io s va so s gr e go s, o o b j ec to q u e e st es ac h a m ser u m esp el ho é d e f acto u ma r o ca. P r es ta m- s e f ac il me n te a s er co n f u nd id o s p o r q ue tê m a me s ma co n f i g ur aç ão . 45 Que aliança é essa de um espelho com uma espada?, para depois rematar sarcasticamente: ou és mulher? 150 Embora saibamos que o texto pertence a uma comédia satírica, não deixa de nos inquietar com a insinuação da clara divisão dos mundos: espadas para um lado, espelhos para outro, será? Ou, mais em consonância com a realidade dos estatutos sociais da época: bastões 151 para um lado, rocas de fiar a lã para outro? Ou serão estas posições «negociáveis »? Talvez seja imperioso, neste ponto, abordar a condição feminina/masculina da Antiguidade. Fazemo-lo contudo com a máxima cautela (e, confessamos, um pouco a contragosto), pois sabemos que é entrar em terreno de areias movediças, onde é muito fácil estabelecer ligações erróneas. Tornamos nossas as palavras de George Steiner: “Não temos qualquer perspectiva realista acerca da história íntima, do teor dos códigos sexuais e da percepção recíproca dos homens e mulheres da antiga Hélade” 152. Pensa-se, no entanto – e há boas razões para crer em tal – , que a coexistência homem/mulher obedecia ao primado masculino. Bastará apenas dizer que na “civilização da palavra” 153 política, a mulher não tinha o direito a quedar-se, fascinada, escutando “querelas na ágora” 154 ou na Assembleia; que, sendo a Antiguidade um “clube de homens” 155, eram eles próprios, os homens, o modelo da perfeição. Um pouco como os deuses homéricos, qualitativamente eles eram tudo “mais” em relação à mulher: mais ágeis e activos a nível do pensamento (e na própria fecundação, segundo Aristóteles 156), mais 150 Ar i s tó fa ne s - As M u l he r es q u e Ce leb r a m a s T es mo fó r ia s, p . 4 7 ( 1 4 0 -1 4 1 e 1 4 3 ) . Os b as tõ e s a s si n al a va m o ho me m l i vr e , o c id ad ã o d a p o l is . 152 Geo r ge S te i ner - An t í g o na s, p . 2 6 2 . 153 P ier r e Vid al - Naq ue t - Gr éc ia e M ito , p . 9 0 . 154 He sío d o - T eo go n ia e T r ab al ho s e D ia s, p . 9 2 , 2 9 . 155 Ni co le L o r a u x - Le s E x p ér ie n ce s d e T ir é s ia s, p . 7 . 156 Vej a - se o e n sa io d e G i ul ia S i ss a - F ilo so f ia s d e G é ner o , e sp . p . 1 1 0 . A a u to r a exp lo r a o p e ns a me n to d e Ar i s tó t ele s so b r e a n at ur eza d a mu l h er , fr ac a e in co mp l et a, se g u nd o o f iló so fo . A f ê me a fo r ne ci a a “ ma tér ia”, o sa n g u e me n s tr ua l, ma s er a o e sp er ma d o m ac ho o “p r i nc íp io d o mo vi me nto ”. 151 46 atléticos, brônzeos e musculados no corpo, mais... homens 157. A mulher, em oposição, era relegada para a esfera pouco digna do excesso, da animalidade, da “desmesura” 158 do amor, da obscuridade, da sujidade, como vários textos, antigos e recentes, o atestam 159. Hipólito diz ao pai de todos os deuses, não contendo toda a sua repugnância: Zeu s, p o r q u e ra zã o é q u e p u se s te a s mu lh e re s a v ive r à lu z d o so l, imp in g in d o a s si m a o s h o men s u m m a l f ra u d u l en t o ? 160 Este discurso deixa antever que não há reconciliação possível, porque só existe um sujeito «civilizado»: o homem. Falar de uma «História feminina » poderá então ser equiparado a uma delicada operação de salvamento: os vestígios da sua existência são tão ténues, que é difícil resgatar a sua memória dos escombros 161. De notar também que o «arquivo » da sua memória é construído e é masculino: o que se vê em todos os documentos, e passamos a citar: “não é tanto a realidade das relações entre os sexos como a perspectiva do olhar masculino que as construiu e que preside à sua representação” 162. Que fique portanto claro: a mulher que vemos nos textos e nos vasos é um mero fantasma, é imaginada, “é a imagem que os homens fazem dela” 163, como frisam George Duby e Michelle Perrot. 157 So b r e o co r p o d a mu lh er vej a - se o e ns aio d e S. Go ld h il l - A mo r , Se xo e T r agéd i a, e sp . p . 5 1 -6 0 , co r r e sp o nd e nt e s ao c ap ít ulo “O Co r p o f e mi n i n o – Mac io , Elá st ico , Dep il ad o e R e catad o ”. 158 T er mo r et ir ad o d o tí t ul o d e u ma o b r a d e H él ia Co r r e ia - De s me s ur a: e xer cí cio so b r e Med e ia. 159 C f. e ns aio s d e Fr o ma Z eit li n – P la yi n g t h e O t h er ; S ue B l u nd e ll – W o m en i n t he p o e ms o f Ho mer e Sia n Le wi s – T he W o me n ´s Ro o m. A O r es te ia d e Ésq u il o ta mb é m f o r nec e vár io s ex e mp lo s so b r e o “ca r áct er i mp u l si vo ” d a mu l h er , v er esp e ci f ica me nt e p . 4 3 , 4 8 2 . 160 Eu r íp ed es - H ip ó l ito , p . 4 4 . 6 1 6 -6 1 7 . 161 De lo u var , p o r ta nto , ser ão o s vár io s e ns aio s r e u nid o s p o r G eo r ge Dub y e Mic h el le P er r o t no li v r o in ti t ul ad o Hi stó r ia d as M u l her e s, e q ue f o ca a le n ta mu t aç ão d e ss a mu l he r q ue “le n ta me n te, mu i to le n ta me n te ”, ta mb é m se to r na “p es so a”, c o mo o s a u to r es f aze m q ue st ão d e fr i s ar no p r e f ácio , p . 9 . 162 Geo r ge s D ub y e Mi c he l le P er r o t - Hi stó r ia d a s Mu l her es , p . 8 . 163 Geo r ge s D ub y e Mic h el le P er r o t - Hi stó r ia d a s Mu l her es , p . 8 . 47 Podemos sempre perguntar se é válido julgar a condição masculina/feminina com base nas funções que cada um desempenhava na sociedade. Pois aí será muito fácil solucionar o problema, e aqui recorremos a Ovídio: E le s t êm a s b o la s v elo ze s e o d a rd o e o s d i s co s E a s a r ma s e o s ca va lo s q u e d o ma m n o red o n d e l ; 164 Onde nos atreveríamos a ripostar: E la s tê m a ro ca , o t ea r e a s id a s à fo n te E o s fi lh o s e o s esp elh o s q u e co n t emp la m n o g in eceu . Mas talvez seja um abuso, e, pior, um abuso inexacto? Marguerite Yourcenar dará primazia a Adriano ao invés de Plotina. E é a própria autora que nos explica a razão de tal escolha: “A vida das mulheres é limitada de mais ou excessivamente secreta. Que uma mulher se conte, e a primeira censura que lhe será feita é a de deixar de ser mulher” 165. Muito tempo antes da autora francesa, o romano Ovídio admite, num dos seus livros com conselhos sobre a arte de amar (em que se dirige especificamente ao público masculino), a vergonha de um homem segurar um espelho: E n ã o ju lg u e s q u e é v erg o n h a ( a in d a q u e v e rg o n h a se ja , h á - d e d a r - lh e p ra ze r ) S eg u ra r- lh e o e sp elh o c o m a tu a mã o d e h o m em liv re . 166 Era assunto delicado, «provar-se» que se era um homem. Que uma mulher “se conte”, que um homem “segure” num espelho: os estritos códigos de conduta impõem-se, delimitam a sua 164 O víd io - Ar t e d e A mar , p . 9 1 . Li v r o I I I , 3 8 3 -3 8 4 . Mar g uer it e Yo u r ce na r - Me mó r ia s d e Ad r ia no , p . 2 5 5 . 166 O víd io - Ar te d e A mar , p . 6 1 . Li vr o I I , 2 1 5 -2 1 6 . Se g u nd o e ste a uto r , to d a s a s mu l h er e s p o d e m ser co n q ui s tad a s, b a s ta q u e o s ho me n s saib a m “e st e nd e r as r ed e s”, p . 3 7 , 2 7 0 . Ap e na s o ho me m er a “li vr e ”. 165 48 área de acção, marginalizam quem ousa deles sair. Não nos enganemos ou simplifiquemos em demasia: saber o que era uma mulher na Antiguidade é tão difícil como saber o que era um homem. A ambiguidade de ambos os estatutos irá ser uma constante... embora paire no ar a canção trauteada pelo Professor Higgins em My Fair Lady: “Wh y can´t a women be more like a man?” 167 Queremos rematar esta tão complicada questão com uma luz auspiciosa. Lembrámo-nos das palavras sábias de Plutarco, que, dirigindo-se à Sacerdotisa de Delfos, Clea, fez questão de afirmar que não partilhava a opinião de Tucídides no que tocava à virtude das mulheres. Segundo este último, “a mulher mais virtuosa é aquela que menos motivo de conversa oferece a estranhos, quer sob a forma de censura, quer de elogio” 168; uma mulher de bem deveria manter-se “portas adentro da sua casa e não as transpor para o exterior” 169. Podemos considerar a opinião deste historiador grego – e a sua bela expressão “portas adentro” – como a opinião da maioria: quanto menos se falasse das mulheres (quanto menos elas falassem), melhor; Plutarco aqui é nota dissonante, ar fresco, raro nessa Grécia tão bafejada pelo calor: “é uma só e a mesma a virtude masculina e feminina” 170, acrescentando um pouco mais à frente um longo e cativante monólogo que julgamos crucial (fazemos acompanhar as notas que as tradutoras fizeram no texto através de parênteses rectos, de forma a simplificar a sua leitura): Nã o é, d ece rto , p o s sív e l a p reen d er m elh o r a s imi la rid a d e e a d ife ren ça en t re a vi r tu d e fe min in a e a ma scu l in a d e u m o u t ro 167 O fi l me My F a ir La d y é d e Geo r ge C u ko r , e d ata d e 1 9 6 4 . [ Q u e no s sir va d e co n so lo o mu nd o d a t r ag éd i a e d a ep o p e ia ho mé r ic a, o nd e se er g ue m “u ma co n s tel ação d e mu l he r e s i nco mp ar á v ei s na s ua ver d ad e e d i v er sid ad e ” ( Geo r g e Ste i ner – An t í go na s, p . 2 6 2 ) cr i a nd o p er so n a ge n s fo r te me n t e so l id ár ia s, p r i mi ti v as, fr ia me n te p r e med it ad a s, sa n g u i nár ia s e s e m r e mo r so s – ma s to d a s ab so l u ta me n te in e sq uec í ve is e p o d er o s as] . 168 P l utar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 3 . E ste li vr o i n ser e - se no s s e us es cr i to s éti co s i nt it u lad o s Mo ra l ia . A tr ad ução li ter al d e a re ta i g yn a iko n ser ia “A V ir t ud e d as M u l her e s” ; as t r ad u to r a s, no e n ta nto , ac har a m q ue o tí t ulo r e me t ia p ar a u ma exp r e ss ão “a l go i ne xp r e s si va e cr i st ia n izad a ” ( p . 1 1 ) q ue es ta va e m d es aco r d o co m o te xto , e o p tar a m p e la p al a vr a “co r a ge m” . 169 P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 3 . 170 P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p . 1 4 . 49 mo d o q u e n ã o seja a t r a vés d o co n f ro n to d e v id a s co m v id a s, fei to s co m fe ito s, co m o se fa z co m g ra n d e s o b ra s d e a rte , e ver if ica n d o se a ma g n ifi cên c ia d e S em í ra m is te m o me smo ca rá c te r e t ip o q u e a d e S esó st r is [ a le nd ár ia s o b er a na a s sír ia é co mp ar ad a ao far aó e g í p cio , q ue al g u n s id e nt i f ica m co m Ra ms é s I I ] , o u se a me s ma in t el ig ên c ia d e Ta n a q u il [ e s p o sa d e T ar q í n io P r isco , q ui n to r e i d e R o ma ] é a me s ma q u e a d e S é rv io , o re i [ tr at a - se d e S ér vio T úl i o , o se xto r e i d e Ro ma ] , o u se a sen sa te z d e P ó rcia [ fi l ha d e Ca tã o d e Ú ti ca e mu l h er d e B r u to ] é a m es ma d e B ru to , e a d e P eló p i d a s [ p r e st i gio so ge ner al e che f e p o lí ti co teb a no q u e v i ve u no s éc ulo I V a. C.] id ên ti ca à d e T imo c le ia [ ir mã d e T eá ge ne s d e T eb as, Ge ner al teb a n o q ue mo r r e u na B ata l ha de Q uer o ne ia] 171, no que to ca aos a sp ec to s ma i s imp o rta n te s d e id en t id a d e co mu m e d e fo rça mo ra l. D e fa c to , a s vi rtu d e s a d q u i re m ce r t a s d if e ren ça s, g ra ça s à su a n a tu r e za , co mo se t ra ta s se de um cro ma t i smo p ró p rio , e a s su mem se melh a n ça s p o r via d o s co s tu m e s em q u e se ra d i ca m, d o temp era men to d a s p e s so a s, d a su a cr ia çã o e mo d o d e vid a . 172 Esperamos ter conseguido fundamentar a ideia de espelho como “coisa feminina” 173. Françoise Frontisi-Ducroux, no ensaio que consagrou ao tema do espelho grego intitulado L´Oeil et le Miroir (1997), defende um ponto de vista que não devemos descurar, e que contraria a nossa primeira impressão: que o espelho não seria tanto a marca da beleza (já que as mulheres competiam com o “exército de corpos perfeitos” 174 dos jovens imberbes, e estes estavam interditos de se verem ao espelho – o que aliás era válido para a restante população 171 Ver cap ít u lo X XI V d o l iv r o d e P l ut ar co - A Co r ag e m d a s M u l her e s, p . 5 9 -6 2 . O se u ir mão mo r r e u ao l u t ar co ntr a o s Gr e go s, e e la p ad ece u a p r o va ção d e v er a s u a cas a i n v ad id a p o r u m h o me m “ar r o ga nt e” d a f acção i ni mi g a, ap e n as i nt er e s sad o na s s u a s r iq uez a s. T i mo cle ia d iz - l he q ue e sco nd e u to d a a s ua fo r t u n a n u m p o ço se m á g ua, a tr a i nd o -o p ar a lá, e d ep o i s d e e le d esc er ap ed r ej a -o e ma t a-o . O Re i Ale x a nd r e d ei xa - a i r e m lib e r d ad e. 172 P lu tar co - A Co r a ge m d as M ul h er e s, p .1 5 . 173 Fr a nço is e Fr o n ti s i -D u cr o u x , no li vr o fe ito a d ua s vo z es co m J e a n - P i er r e Ver na n t - Da n s L 'Oe il d u Mir o ir , p . 5 5 . 174 Si mo n Go ld hi ll - Amo r , Se xo e T r a géd i a, p . 2 1 . 50 masculina), mas “a marca de uma alteridade irredutível” 175 que irá interrogar a relação que a mulher e o homem mantém com ele. O uso do espelho pelos homens era raro, “vergonhoso” 176, e diremos (de forma simplificada) que tinha um uso «justificado»: eles olhavam-se de forma a melhorar a sua eloquência como oradores (Demóstenes, segundo Plutarco); olhavam-se de forma a «educar» uma pose (Sócrates, segundo Diógenes Laércio); olhavam-no de forma a estudar e compreender a visão, sentido que lhes era tão caro (Euclides, Arquimedes, Ptolomeu 177); olhavam-se de forma a ver-se envelhecer (Apuleio). Este último chega a ter de se defender de ter um espelho em sua posse, philosophus e desculpa-se [“Ele, um da seguinte filósofo, tem um forma: habet espelho” 178]. speculum O «dedo acusatório » era apontado a Sócrates, como que dando legitimação e autoridade ao próprio instrumento espelho. Porquê este medo pelo “bronze reluzente” 179? A autora sugere que olhar-se a um espelho comportava um grande perigo, o da “alienação” 180 – o converter-se em algo distinto ou indigno de um homem; no caso da mulher era um perigo irrelevante, já que esta era já “outra” por definição. Destacamos três pontos fundamentais: • É inevitável concluir que o espelho era um objecto que cativava e fascinava: os homens concediam às mulheres “o direito fútil de reflectir a sua beleza” 181, a serem Narcisas – negando a si mesmos esse direito, pelo perigo de fechamento que comportava (deixarem de ser sujeitos) –, mas eles próprios exploravam amplamente os seus recursos, 175 meditavam sobre as suas Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - Da n s L'O ei l d u M i r o ir , p . 5 9 . Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 6 1 . 177 Est es tr ê s p e n sad o r e s esc r e ver a m tr a tad o s so b r e o es t ud o d a r e f le xão , cr ia nd o u ma d i sc ip l i na a u tó no ma , a ca tó p t r ic a, no s séc u lo s I V a . C, I I I a. C e I I d . C, r esp ect i va me n te ; a o b r a d e Ar q u i med e s d es a p ar ece u . São o b r a s co m a a ná li se ma te má t ica d a v is ão , e x tr e ma me nt e co mp le xa s. 178 Ap u le io c it. p o r F r o nti s i -D uc r o u x - D a n s L'Oe il d u Mi r o ir , p . 6 2 . 179 As si m er a ap el id ad o o esp e l ho na Gr éc ia. Fr o nt i si -D ucr o u x - Da n s L'Oe il d u Mir o ir , p . 7 2 . 180 Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 3 . 181 Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 2 . 176 51 propriedades e analisavam o seu funcionamento, elegendo-o como modelo para conceber a visão. Eles darão primazia a um outro tipo de espelhos, “imateriais” chama-lhes Ducroux, feitos de metáforas e comparações que desencadeiam o motivo fundamental do “fazer ver” com as três palavras que o designam em grego – uma pluralidade de nomes para múltiplas «formas de ver»: katoptron, esoptron, dióptron. Olhar para, ver sobre, ver através de... O acto de ver torna-se espacial; o espelho transcende claramente o seu uso instrumental, concreto. Qual sonda de cirurgião, ele espia para outros mundos. • A consciência de si, na Grécia antiga, não passava pelo espelho, o que é um facto extremamente curioso. “Muito pelo contrário” afirma Ducroux, “parece excluí-lo, na medida em que a questão da identidade e do sujeito não diz mais que ao indivíduo varão, quem, precisamente, o tem como proibido” 182. Para o homem grego a consciência de si era existencial, e não reflexiva como a nossa. Ducroux e Vernant defendem que os homens apenas ganhavam essa consciência através de um “olhar alheio” 183, de um olhar de um outro ser (Sócrates a ver-se em Alcibíades e vice-versa). Esta reversibilidade – ver era ser visto – era de extrema importância. • O espelho funcionava como um “operador da discriminação dos sexos” 184; ele os separava (o corte dos dois mundos é evidente), mas também reunia (a mulher preparava-se para ser vista pelo homem através dele). É estranho observar como em alguns vasos gregos o espelho apenas está, símbolo suspenso, aéreo, ocupando poeticamente um espaço, ou então faz-se insígnia e surge quase que como soldado às 182 Fr a n ço i se Fr o n ti si - D ucr o u x - Da n s L'O ei l d u M i r o ir , p . 6 5 . Fr o nt i si - D ucr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 6 5 . 184 Fr o nt is i -D u cr o u x - Da n s L 'Oe il d u M ir o ir , p . 2 4 2 . 183 52 mãos das mulheres, num prolongamento metálico dos seus corpos. Nunca reflecte um rosto. Talvez porque, na visão masculina, as mulheres se assemelhassem à apaixonada Eco, espelho vocal (voz que nunca fala mas apenas repete, como que vestindo a pele mimética dos símios ou dos camaleões) – e portanto com a interdição de verem o próprio reflexo? Onde tudo é especulação (não sabemos dizer até que ponto o «real » contamina a imagem, a importância dada às mulheres, qual o seu papel e hierarquia, qual a sua História) o certo é que nunca neles vimos, nem mesmo esbatido, o reflexo de um rosto feminino. * É contrariado que Ulisses (.. . ) d e ixa A cid a d e s em g u a rd a E r esp o n d e a o a p e lo A rd ilo so d o ma r . 185 Ulisses não quer partir para Tróia com a frota grega, e tem razões válidas para isso: tem um filho pequeno nascido há pouco tempo, uma esposa, uma casa para tratar. Nada lhe é tão querido como a sua pátria, Ítaca. No desenrolar da narrativa e da sua viagem cheia de aventuras, constatamos que ele não é facilmente encurralado em heroísmos, ou mesmo que não é um homem “totalmente admirável” 186. Sejamos francos: de herói ele não tem quase nada. Simula estar louco para ser dado como inválido no esforço colectivo que qualquer guerra exige; não se mostra muito preocupado com o destino dos próprios companheiros, que morrem todos; nem 185 186 Hé lia Co r r ei a - De s me s ur a , p . 1 3 . Ant ho n y O ´H ear - O s G r and e s Li vr o s, p . 6 1 . 53 sequer poupa a “bela morte” tão apregoada na Ilíada 187. É oportunista, vil, manhoso, “velhaco astuto” 188. Há quem o considere mesmo um “herói curvo, côncavo, herói que sabe plantar-se frente ao seu inimigo e feri-lo por trás” 189, em oposição aos “heróis rectos” 190, detestados, temidos – mas com carácter. Ulisses serve-se de mil artifícios para atingir os fins que pretende. “Ulisses de mil ardis!” 191, assim é ele conhecido por todos. É com imediatamente. este “herói Ele escolhe dúbio” 192, ser atípico, homem, e é humanidade que confere todo o sentido ao poema” que essa 193 simpatizamos “escolha da . Quando dizemos que ele escolhe ser homem, não nos referimos somente à escolha de regressar para a sua mulher, bela mas mortal (recusando a oferta tentadora da ninfa Calipso de se tornar ele próprio num Bem aventurado), mas ao facto de aliar ao herói do “auto-domínio” 194 e do total controlo das suas acções, a faceta do homem “fraco” que chora quando pensa no retorno a casa, quando se emociona ao ouvir o aedo cantar a lenda do Cavalo de Tróia, ou quando, já no final da epopeia, reencontra a mulher. Passamos a citar os episódios da sua contenção quando finalmente vê Penélope (e lhe mente descaradamente), e a sua situação de prisioneiro saudoso: P o ré m, co mo se fo ss e d e ch if r e o u d e fe r ro , n a s su a s p á lp eb ra s, Os o lh o s p e r ma n ec ia m i mó ve is ; d o lo sa m en t e, co n tin h a a s lá g r ima s . 195 e 187 Ul i s se s c ap a o p o r q ue i r o tr a id o r , a tir a nd o d e se g u id a o se xo ao s c ãe s; d ep o is d ecep a - l he as mão s e o s p és ; C f. Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 6 6 ( X XI I , 4 7 4 - 4 7 7 ) ; o se u f il ho T elé maco e n fo r c a as s er va s tr aid o r as q ue ti n h a m d o r mi d o co m o s p r ete nd e nte s, p ar a q u e “mo r r e s se m d e mo d o co n fr a n ged o r ” ( Od is se ia, p . 4 7 3 ) . A “mo r te l i mp a” é to ta l me nt e i g no r ad a ( Od i s se ia, p . 4 6 2 ) . 188 Só fo c le s - Áj a x, p . 6 8 . As s i m o d e scr e v e Áj a x, ch eio d e r a nco r e j á me i o lo u co . Est e a uto r gr e go r e s sal ta a no b r e za d e U li s se s, q ue sa i e m d e fe sa d o se u p io r in i mi g o . 189 Fer n a nd o S a va ter - Cr ia tu r a s d o Ar , p . 6 5 . 190 Fer n a nd o S a va ter - Cr ia tu r a s d o Ar , p . 6 5 . 191 Ass i m Ho mer o o no me ia vár i a s ve ze s na ep o p e ia . O u tr o s ep ít et o s ser ia m “so fr ed o r ” e “d i v i no ”. 192 Ol i ver T ap l i n - T h e O x f o r d Hi s to r y o f t he Cl a ss ica l W o r ld , p . 5 1 . 193 P ier r e Vid al - Naq ue t - O M u nd o d e Ho me r o , p . 3 3 . 194 Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - A T ei a d e P e n é lo p e, p . 2 2 . 195 Ho me r o c it. p o r Mar ia He le na d a Ro c ha P er e i r a – A T ei a d e P e né lo p e, p . 1 8 . ( Co r r esp o nd e nte ao c ap í tu lo XI X d a Od i ss ei a, 2 1 0 - 2 1 2 ) . 54 (.. . ) n a p ra ia e sta va el e sen ta d o , a ch o ra r n o s ít io d o co stu me, To r tu ra n d o o co ra çã o c o m lá g ri ma s, tr i ste za s e la m en to s. E co m o s o lh o s ch e io s d e lá g ri ma s f ita v a o ma r n u n ca vin d ima d o . 196 Ele é, sem qualquer dúvida, a nódoa no espelho polido e brilhante de um corajoso Aquiles ou de um nobre Heitor 197. Fica aqui um pequeno retrato daquele que se tornará, na literatura, uma personagem inesquecível. Passemos agora para uma das questões centrais da epopeia — a reconquista progressiva da identidade —, onde mais uma vez o engenhoso Ulisses mostra toda a sua mestria. À pergunta Quem és tu?, dever-se-ia responder, segundo as leis da hospitalidade, com o nome próprio, o nome dos pais, o nome pelo qual todos os habitantes da cidade onde vivia o conheciam, e o próprio nome da cidade — “entre os homens não há ninguém que não tenha nome” 198 como diz o rei Alcínoo; ninguém nasce “de pedra ou do lendário carvalho” 199, como dirá Penélope. Transcrevemos quatro situações em que Ulisses se apresenta, que seguem a linha temporal do poema 200: A Alcínoo, simpático e acolhedor Rei dos Feaces, diz: S o u Ul is s es, f ilh o d e La er te s, co n h ecid o d e to d o s o s h o m en s p elo s m eu s d o lo s. A m in h a fa ma já ch eg o u a o c é u . É n a so a lh e ira Í ta ca q u e h a b ito . 201 A Polifemo, o monstro com um único olho que ele depois cega, responde: Ó Cic lo p e, p e rg u n ta st e co mo é o m eu n o m e fa m o so . Vo u d i ze r - to , 196 Ho mer o - Od is s eia , p . 9 3 . V, 8 2 -4 . Uli s se s r ep r e se n ta d e f o r ma b r il h a nt e “o mu nd o d o estô ma g o ” ( P ie tr o Ci tat i – Uli s se s, p . 8 7 ) q ue Aq u ile s ta n to d e sp r e za, q u e n ão s er á mai s d o q ue a r eal id ad e: co mer , d o r mir , l a var - se , e, so b r et ud o , a cei tar as le i s d a vid a. Q ua nd o P átr o c lo mo r r e e le ta mb é m mo r r e – e não se co n fo r ma . 198 Ho mer o - Od i s se ia, p .1 4 3 . VI I I , 5 5 3 . 199 Ho mer o – Od i s se ia, p. 312. XIX, 163. 200 P ar a u m ma io r d e ta l he no te ma d a mu l t ip l ic id a d e d e a u to -r ep r e se nt açõ es le vad a a cab o p o r Ul is se s, v e r b r il ha n te e ns aio d e Si mo n Go ld h il l - T he p o et her o : la n g ua ge a nd r ep r e se n ta tio n i n t h e Od ys s e y, p . 1 -6 8 . 201 Ho mer o - Od i s se ia, p .1 4 5 . I X, 1 9 -2 1 . 197 55 E tu d á s- m e o p re sen te d e h o sp ita lid a d e q u e p r o met es te. Nin g u ém é co mo m e ch a mo . Nin g u ém ch a ma m - m e A min h a mã e , o m eu p a i , e to d o s o s meu s co mp a n h ei ro s . 202 Ao porqueiro Eumeu declara, não sem antes lhe dizer que vai “falar com toda a sinceridade” 203: (.. . ) é q u e a mã e q u e me d eu à lu z era co n cu b in a Co mp ra d a , ma s ig u a l a o s f ilh o s leg ít imo s me e s t imo u Ca sto r, fi lh o d e Hí la x, d e q u em d ec la ro s er f ilh o . 204 A Penélope, sua mulher, diz relutantemente quando esta insiste que ele revele a sua linhagem: (.. . )T en h o o n o me fa mo s o d e Éto n . S o u o ma i s n o vo ; I d o me n eu e ra m elh o r e ma is v elh o . F o i e m C reta q u e v i Ul i s se s e lh e d ei h o sp ita lid a d e . 205 Em qual das situações é que ele é mais «verdadeiro » (ou menos «falso »)? Lembramos que toda a narrativa decorre sob o “signo do disfarce” 206. Que só após vinte anos de sofrimentos Ulisses vê os contornos da sua amada ilha, que finalmente regressa a casa e aos seus. Bem o velho Haliterses, logo no início, lhe traça o destino: só depois de muito sofrer e de perder todos os companheiros de viagem, só então aí regressaria, sem que ninguém o reconhecesse 207. Aos olhos de todos os outros surge um homem roto, sujo, velho – um mendigo que inspira dó (e que se parece, de forma assustadora, com o seu próprio cão, o único ser que o consegue ver 208). Atena quis que ele mudasse por 202 Ho mer o - Od is s eia , p . 1 5 5 . I X, 3 6 4 -3 6 7 . Ho mer o - Od is s eia , p . 2 3 1 . XI V , 1 9 2 . 204 Ho mer o - Od is s eia , p . 2 3 1 . XI V , 2 0 2 -2 0 4 . 205 Ho mer o - Od is s eia , p . 3 1 2 . XI X 1 8 3 -1 8 5 . 206 P ier r e Vid al - Naq ue t - O M u nd o d e Ho me r o , p . 6 7 . 207 Ver Ho mer o - Od i ss eia , p . 4 3 . I I , 1 7 0 -1 7 6 . 208 Ver ep i só d io d a Od i s se ia, p . 2 8 2 , o nd e Ar go s j az in ú ti l no e s ter co , co b er to d e car r aç a s, e j á se m a r ap i d ez, a fo r ça o u o far o a nt i go s. O r eco n h ec i me n t o é mú t uo . É d o s mo me n to s mai s co mo ve n te s d e to d o o t e xt o , o cão q u e e sp er a p elo d o no p ar a 203 56 completo a sua aparência, que se metesse na pele de outro, tornando-se irreconhecível mesmo para as pessoas mais íntimas. Engelha-lhe a pele e retira-lhe os cabelos louros, vestindo-o repugnância causam a quem os vir” 209 com “farrapos que . E portanto a sua «revelação» de identidade vai sendo levada a cabo de forma disciplinada, cautelosa, conseguindo através da sua «máscara» reconhecer lealdades ou traições, e aguardando o momento certo para se «desvendar ». Fazemos coro com Vernant: é possível um Ulisses sem disfarces, sem ardis ou mentiras? Quando é dissimulado, não dirá também uma verdade 210? Não deixamos de nos perguntar: qual o homem que revê um filho que entretanto se fez adulto, uma mulher que se manteve obstinadamente fiel ou um pai querido mas já muito desgastado pelas dores e pelo tempo e não os abraça e beija imediatamente, mas se contém? Ulisses. Ulisses dos mil rostos (visuais e verbais); Ulisses que põe cruelmente tudo e todos à prova, incluindo o filho, a mulher e o pai. Ulisses, que opta por ser nada nem Ninguém – novamente – degradando-se e tudo suportando 211 para levar a cabo o massacre dos cento e oito pretendentes da mão de sua mulher (que de forma insolente e arrogante esbanjam os seus deliciosos vinhos e carnes, dormem com as suas serventes, fazem a corte à sua mulher, conspurcam o espaço sagrado do oikos, o terreno da casa, dos bens e dos sentimentos). Um poema de luz quando comparado com a Ilíada? Sem dúvida, excepto neste pormenor: a entrada do deus da luz, Apolo, e logo do excesso, do assassínio e do “pálido terror” 212: não podemos deixar de ouvir o som mo r r er . De no t ar ta mb é m q ue é el e o ser q u e “me l ho r med e o te mp o ”, co mo a f ir ma Vid a l -N aq ue t, e m O Mu n d o d e Ho me ro , p . 1 4 0 . No va me n t e Ul i ss es se co n tr o la e co n té m a l á gr i ma q ue s e so l ta d o o l ho .. . 209 Ho mer o - Od i s se ia, p . 2 2 4 . XI I I , 4 0 0 . 210 É o q ue p r o p õ e J ea n -P i er r e V er na n t, no s eu te x to i n ti t ul ad o “U l ys se e n p er so n n e”, e m Da n s L´ O eil d u M iro i r. V er p . 2 8 , o nd e o a uto r e stab el ece a r el ação o u ti s ( ni n g u é m) - mét i s ( a r g úc ia) . 211 Os p r e te nd e n te s r ie m- s e à s ua c us ta, at ir a m- l h e o b j ecto s d e fo r ma a a gr ed i -lo e a a fa st á -lo ( Od i s se ia, p . 3 3 4 , XX, 2 9 9 ) ; c he g a a ter d e l u tar co m u m o ut r o me n d i go p o r u ma s tr ip a s r ec h ea d as d e go r d ur a – p ar a gá ud io d e to d o s. D ei x a d e ha ver co mp o s t ur a, mo r a lid ad e, p ud o r o u d i g nid a d e. ( P o d er á, e ve n t ua l me n te, s er co mp ar ad o ao ac to i n fa me d e P r í a mo b eij ar a m ão d o ass as s i no d o se u f il ho He ito r , le vad a a c ab o p o r Aq ui l es) . N u nc a se d e s ce u tão b ai xo . 212 Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 5 3 . XXI I , 4 2 . 57 sibilante das setas no ar enquanto, um por um, todos os corpos dos pretendentes caem. Há uma pessoa, no entanto, que o iguala nessa preciosa arte que cultiva, a do embuste: a sua mulher. Ele mesmo esboça um sorriso (a única vez que sorri em toda a epopeia) quando Penélope lhe fala dos “sinais” secretos, desses sinais em que alicerçamos a nossa vida e deles retiramos sentido. A prova dos olhos, a ela, não lhe basta (como bastou a Euricleia 213): precisa de outras confirmações. Os olhos enganam, o estrangeiro pode muito bem ser um deus. Citamos a sua reveladora fala ao filho, quando este a acusa de ter um coração “mais duro que uma pedra” 214: (.. . ) Ma s s e e le é Na v e rd a d e Ul is se s ch eg a d o a su a ca sa , s em d ú v id a el e e eu No s reco n h ece re mo s d e mo d o ma is s eg u ro , p o i s temo s S in a i s, q u e só n ó s sa b e mo s, e sco n d id o s d o s o u t ro s . 215 Num interrogatório cerrado Penélope lança-lhe o último dos testes, o único que poderia revelar o «seu» Ulisses. Diz despreocupadamente a Euricleia para fazer a cama e para a mudar para fora da divisão onde se encontrava, colocando-lhe “cobertores, velos e mantas resplandecentes” 216. Indaga de forma subtil pela cama que sabia ser imóvel e inamovível (como o destino): a cama que Ulisses tinha construído muito tempo antes num sólido tronco de oliveira, e que não se podia transportar, a não ser que se cortasse parte do tronco. Só depois das dúvidas terem sido desfeitas Penélope e Ulisses se reencontram, se abraçam e choram, sabendo agora quem é quem. Citamos uma grande helenista: “...é pela astúcia que se opera em definitivo o reconhecimento entre os dois” 217. Não deixamos de pensar 213 A a ma q ue vê a c ica tr i z q ue U li s se s ti n h a f ei to e m cr ia n ça e lo go acr ed i to u e s tar p er a nt e U li s se s e m p e s s o a . 214 Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 0 3 . 215 Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 0 7 -1 1 0 . 216 Ho mer o - Od is s eia , p . 3 7 1 . XXI I I , 1 8 0 . 217 Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - A T ei a d e P e n é lo p e, p . 2 2 . 58 que esta cama poderá ter uma ligação ao próprio tema da identidade 218, à inabalável constância do que somos, às coisas que, no meio do tumulto, permanecem estáveis, com raízes bem agarradas ao chão – ou, pelo menos, assim as queremos ver... Ulisses e Penélope agem, sem o saber, em espelho, cada um com os seus naufrágios. É frequente Ulisses queixar-se que é um homem que muito sofre: Qu em co n h e ce rd e s en tr e o s h o men s co m ma io r f a rd o De d e sg ra ça s, a e ss e m e a s se melh o n o s meu s so f ri men to s . 219 E “esse alguém”, que ecoa os seus sentimentos do outro lado do mundo e num belo pas des deux: Ou vi- me, a m ig a s! A mi m d eu - me o O lí mp io ma i s d o re s Do q u e a q u a lq u e r d a s mu lh e re s q u e co mig o n a sce ra m e fo ra m C ria d a s. 220 São parecidos mas, contudo, diferentes. É o espelho dos olhos da sua mulher, como Jean Pierre Vernant demonstra, “que lhe devolvem, intacta, a sua própria imagem” 221. Penélope é aquela que lhe dá respostas sobre si mesmo e sobre o seu passado, e é, sobre o seu espantoso olhar, que Ulisses “reconquista plenamente a sua identidade heróica e recupera o lugar que lhe corresponde, como esposo, pai e rei” 222. * 218 219 220 221 222 E ta mb é m ao t e ma d a fi d elid ad e. Ho mer o - Od is s eia , p . 1 2 2 . VI I , 2 1 1 -2 . Ho mer o – Od is se ia, p . 8 7 . I V, 7 2 2 -3 . J ea n -P ier r e V er na n t - D an s L ´Oe il D u Mir o ir , p . 5 0 . J ea n -P ier r e V er na n t - D an s L ´Oe il D u Mir o ir , p . 5 0 . 59 Temos de procurar o final fora do texto, a profecia de Tirésias assim nos ordena. Segundo o adivinho cego, Ulisses teria de voltar a partir para apaziguar o ódio de Posídon, o deus dos mares, percorrendo cidades com um remo ao ombro, até que alguém lhe perguntasse para que levava uma pá de joeirar. Só aí faria um sacrifício ao deus, com um carneiro, um touro e um javali e regressaria depois então a casa. Conta Ulisses a sua mulher: ...d o ma r so b rev i rá p a ra mi m a mo r te b ra n d a men te, q u e me co rta rá a vid a já ven cid o p ela o p u len ta velh ice ; e em meu red o r o s h o m en s v ive rã o fel i ze s: tu d o i sto eu v e rei cu mp r i r - s e. 223 Fundamentalmente um “poema de regresso” 224, como afirma Maria Helena da Rocha Pereira (o ansiado regresso a essa pátria “sem prodígios” 225). Mas não será também um poema da viagem? Essa viagem que serve de «pretexto» para errâncias futuras, tal como escreveu Cavafy na sua Ítaca 226? Entre a terra e o mar, o regresso e a viagem, Ulisses conta o seu destino. Lembremo-nos nós de Plutarco, do seu “vidas com vidas, feitos com feitos”... Que sabemos nós de Penélope? De Penélope apenas podemos adivinhar que: Permanecerá na sombra, portas adentro. Continuará a pertencer à “maldita estirpe e raça das mulheres” 227, mas não terá a imprudência da primeira mulher na terra, Pandora 228, nem o “fedor envolvente” 229 das mulheres de Lemnos. Sendo bela, não 223 Ho mer o - Od i s se ia, p . 3 7 6 . XXI I I , 2 8 1 -2 8 5 . Mar ia Hel e na d a Ro c ha P er eir a - O s P o e ma s Ho mé r ico s, p . 8 4 . 225 J o r ge L uí s B o r g es - Ar t e P o éti ca, p . 2 1 9 . 226 Co n st a nt i n Ca va f y - Í t a ca, p . 4 4 -5 . 227 He sío d o - T eo go n ia, p . 6 1 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ul o I ) . 228 P and o r a ser ia a “r uí n a” p ar a to d o s o s “ho me n s co med o r e s d e p ão ”, se g u nd o He sío d o . Fo i e la q ue a b r i u a v as il h a o nd e se en co ntr a va m e ncer r ad o s to d o s o s ma le s, o s q ua i s s e e s p al har a m p e lo mu n d o ( fe c ha nd o - a a t e mp o d e r et er a esp e r a nça ) . C f. He sío d o - T eo go ni a, p . 9 4 -9 6 , 6 0 -1 0 5 . 229 Ro b er to Ca la s so - As N úp ci as d e Cad mo e d e Har mo nia , p . 8 5 . E st as mul h er e s tr ucid ar a m o s se u s ho me n s, e co mo v i n ga nç a d i v in a co me ça r a m a c he ir ar mal. 224 60 aturdirá pela beleza que se torna “flagelo” 230 (como Helena), nem semeará o terror entre os homens (como as Amazonas 231) – mas está longe de não constituir um perigo. A sensata, fiel, esposa de Ulisses – “a que pondera as coisas de todos os lados” 232 e que por todos é respeitada –, inventará ela novos estratagemas que fazem ganhar tempo, qual Xerazade enganando o rei persa 233? Irá continuar a dormir muito, pois é uma criatura do sono e dos sonhos. E o sono é um bom aliado da espera. Terá um “estatuto de enclave” 234 sem dúvida, desse irrequieto Ulisses, mas isso não parece aborrecê-la (prevê que a pequena e frágil ilha se recusa a ser submergida por outra maior, desafiando-a com estratagemas nunca vistos; ver Fig. 13). Saberá também que ela própria é rainha mendiga, fantasma, máscara, Outis (Ninguém), sem necessidade de se ver ao espelho — o qual, também, não existiria 235. 230 Ho mer o - I lí ad a, p . 7 8 , I I I , 1 6 0 . O s r e ge n te s d o s tr o i a no s s us s ur r a m u n s ao s o ut r o s não s er s ur p r e s a q u e T r o ia no s e Aq ue u s so fr a m ta n ta s d o r es p o r ca u sa d e u ma mu l he r : Hel e na é r eal me n t e b el a. Acr e sc en ta m q u e, ap e sa r d e s er q u e m é, r eg r e ss e na s n a u s e p ar ta, e q ue não f iq ue co m o f la g elo p ar a el es e p a r a o s se u s f il ho s. T o d o o p o vo tr o ia no a d et es ta va e a co n sid er a va a c a us a d a g uer r a. Ver P ier r e Gr i ma l, e ntr ad a “Hel e na”, e m Di cio nár io d e Mito lo g ia G r e ga e Ro ma n a, p . 1 9 7 -2 0 0 . ( B ib l io gr a f ia c ap ít u lo I , P er s e u) . 231 As a ma zo na s er a m mu l her e s g u er r e ir a s q ue p r es ta va m c ul to à d e u sa Ar te mi sa . Não to l er a v a m a p r es e n ça d e ho me n s , e co nta - s e q ue só co ns er va v a m o s f il ho s d o se xo fe mi n i no , a q ue m a mp u ta v a m u m s eio p ar a d e s sa fo r ma f ac il ita r o ma nej o d o ar co o u d a la n ça. V er P ier r e Gr i mal - Di cio n ár io d e Mito lo g ia Gr e g a e R o ma n a , p . 2 3 , e ntr ad a “A ma zo na s” . 232 Exp r e s são d e Fel so n - R ub i n , ci t. p o r Mar ia He l en a d a Ro c ha P er ei r a - A T ei a d e P ené lo p e, p . 1 3 . 233 É co n he cid a a hi s tó r ia o nd e P e nélo p e t e nt a ga n h ar va n ta ge m so b r e o s p r ete nd e nte s q ua nd o e s te s a co n fr o nt a m co m o fa cto d e e la t er d e d ecid ir q ual d ele s ha v ia d e e sco l her p ar a c as ar : el a a f ir ma q ue só o far á q ua nd o co n cl u ir a mo r ta l ha q u e t ece p ar a L aer t e s, p a i d e U li s se s, e d e str ó i à no i te, à l uz d e to c ha s, o q ue ha v ia fe ito d ur a n te o d ia. De st a fo r ma , co n s eg u e il ud i -lo s d ur a n te q ua tr o a no s. Xer a zad e ta mb é m ad ia v a u ma d ec is ão d o p r ó p r io r ei Xar r iar : sab ia - s e q ue es t e co nd e na va à mo r te to d as a s e sp o sa s ap ó s a p r i me ir a no i te d e n úp c ia s, ma s e st a mu l h er i n te li ge n te d e ci d e co n tar - l he hi s tó r ia s mar a vi l ho s as q ue o f aze m fi car s u sp e n so na s na r r at i va s , e co n ti n u a me n te ad iar es sa fa tal d ec is ão . C f. Ho mer o Od i s sei a, p . 4 0 ( I I , 9 6 -1 1 0 ) e I talo C al v i no - Os ní ve i s d a r eal id ad e na L it er at u r a, p. 388. 234 Ni co le L o ur a u x - Le s E xp ér ie n ce s d e T ir é s ia s, p . 3 0 0 . 235 Não há e sp e l ho s n as e p o p eia s d e Ho me r o . O s ar q ueó lo go s co mp r o va m q ue o esp e l ho ap e na s s ur ge n a Gr éc ia a p ar t ir d o s éc ulo VI I . A ú n ica r e f er ê nc ia ao esp e l ho e s tá na I lía d a , e é u m e sp e l ho “n at u r al”. O s M ir mid õ e s i nc itad o s p o r Aq ui le s a va n ça m co mo lo b o s e m ma t il h a e d ele ita m - s e a b eb er : “e d o esp e l ho d a fo n te d e á g u a e sc ur a/ s o r ve m a s s ua s lí n g u a s d el gad a s a es c ur a á g ua, e nq ua nto / lh e s ve m à b o ca o s a n g u e d a ma ta n ça” ; C f. Ho m er o - I l íad a , p . 3 2 4 ( XV I 1 6 0 -1 6 2 ) . 61 Retirar-se-á para as profundezas do seu palácio, agora silencioso. Em raros dias de festa, fará libações aos deuses, deixando que estes sorvam o aroma do fumo dos ossos. Manterá as suas aias mais dedicadas junto de si e fará o que sempre fez, paciente e de forma hábil: fiar, tecer. “Fios pálidos, fios febris” 236, fios de mentiras invisíveis. Enquanto trabalha, relembrará o saque maravilhosamente planeado, digno do seu nome, feito aos pretendentes (“um belíssimo peplo e doze pregadeiras oferecidos por Antínoo, um colar de ambar e ouro, por Eurímaco, um par de brincos de pérolas por Euridamante e um colar de Pisandro” 237) e a teia racional, sem lacunas, falhas ou fendas que havia estendido ao seu marido, onde o símbolo da cama se impunha como chave de tudo (sobretudo desse elo artificioso que existia entre os dois; ver Fig. 14). Penélope sabe que tem, diante do marido, a sensação de uma extensão do seu próprio reflexo (Fig. 15), a certeza de ver o seu rosto muito mais claramente do que diante dos numerosos espelhos de água que se formam em pequenas poças no inverno, no grande pátio da sua casa. Parrásio que ludibria o próprio Zêuxis: eis o retrato de Penélope 238 (Fig. 16). Ma s se ho u ve s se e sp e l ho na ep o p e ia e le e st ar ia p r o va v el me n te j u n to a Her a , q ua nd o e st a ar r a nj a o c o r p o d e fo r ma a r ea lç ar to d a a s ua b el eza ( n u m e xer cí cio “h u ma n o ” d e sed u ção ? ) , p r ep ar a nd o u ma e mb o s cad a ao p r ó p r io ma r id o , Ze u s; ver I líad a, p . 2 8 7 ( XI V, 1 7 0 -1 8 6 ) . 236 J o sé T o le nt i no Me nd o n ça - P er d o a r H ele n a, p .3 8 . 237 P ietr o Ci ta ti - U li s se s e a Od is s eia , p . 2 3 2 . 238 Al ud e - s e aq u i a d o is p in to r e s gr e go s co n he ci d o s p e la s ua me str ia e m go lp e s il u sio n ís ti co s, hi s tó r ia nar r ad a p o r P l í nio , o V elh o , e m Na tu ra l Hi sto ry , p . 3 3 0 ( ve r b ib l io gr a f ia so b o no me d e “P li n y t he E ld er ”) . O p r i me ir o t i n ha p in tad o u m q uad r o o nd e as u va s er a m tão co n vi n ce n te s q ue o s p á s sar o s a s b i ca va m; o s e g u nd o d e mo n s tr o u, n a p r o v a p úb l ic a fe it a p elo s d o is c o m o i n t ui to d e co n f er i r q u al d el e s er a o me l ho r , q ue não lhe f ica v a atr á s e m e n ge n ho : Zê u xi s sai u d e r r o tad o , ao q uer er a f a star u m p a n ej ame n to q ue j u l ga va tap a r a o b r a d o o utr o ar t is ta. 62 O Espelho Intacto de Luís XIV [ Diz a O vel h a p ar a Ali c e] — Po d e s ve r à tu a f ren t e e d o s la d o s, se q u i se r es. Ma s n ã o p o d es o lh a r a to d a à vo lta , a n ã o s er q u e t en h a s o lh o s n a p a r te d e t rá s d a ca b eça . L. Car r o l l, Al ice d o Ou t ro La d o d o E sp e lh o 239 Que reflecte o espelho barroco? Sem qualquer hesitação, respondemos de imediato: reflecte o Rei, e todo o seu poder. O retrato oficial que Hyacinthe Rigaud pintou no ano de 1701, intitulado Luís XIV, Rei de França não deixa margem para dúvidas: Ele é o poder, Ele é a França (e a França é o Mundo...); não é necessário contemplarmos a tela com muita atenção: basta um rápido relance para nos apercebemos que este foi o homem que, três dezenas de anos antes, ao passar pela primeira vez a revista militar às suas tropas de dezoito mil homens expressou claramente o seu objectivo: toda a Europa deveria começar a ficar inquieta 240. Pode-se dizer também que, com ele, esta «vigilância» (para utilizarmos um termo caro a Foucault) não se expressaria somente a nível militar ou político, mas invadiria de forma tentacular todas as outras esferas, incluindo a artística. Tudo passa a ser rigorosamente regulamentado e a estar sob a tutela do Estado: e isso terá um preço. Como definir esta época, tão rica e contraditória? Paulo Herkenhoff fez uma tentativa cujo resultado é uma longa e curiosa lista: “O Barroco é: retorcido; glosas infinitas; movimentos complicados e imprevistos; conceitos alambicados e subtis; rimas 239 Le wi s Car r o ll - Ali ce d o O utr o Lad o d o E sp e l h o , p . 7 6 . A p a la vr a s ub l in h ad a a ne gr o é no s sa; no t e xto es tá e m i tá lico . 240 Ver Mic h el Fo uc a ul t - S ur ve il ler et P u ni r , p . 2 2 0 . E ste fac to d e u - se, mai s p r eci sa me n t e, e m 1 6 6 6 . 63 forçadas; gongorismo; Inquisição; confusão maravilhosa; fealdade brutalidade e inventada mutilação extrema; pelos criadores arquitectónica; primitivismo; da perplexidade intuição medíocre; rudimentar; arte de macacos; travessura; deformação; misticismo; êxtase; fruto degenerado do Renascimento; destrutivo, violento e fundamental; revolucionário; um veículo de grandeza e pompa absolutista; horror vacui; um padrão para a arte sumptuosa; a decoração pela decoração; uma forma tortuosamente lógica do silogismo medieval; uma visão febril de linhas atormentadas e relevos imprevisíveis; orgia decorativa; um gosto ambíguo, atormentado e doente; excesso; a mais fantástica extravagância de curvas; o oposto a Cartesianismo; o reverso do Renascimento e do racionalismo Iluminista” 241 e a caracterização continua... Como podemos constatar pelas suas palavras, o delírio e a “embriaguez” 242 Barroca convocam as mais diversas definições e datações 243, muitas dos quais contraditórias: êxtase e o mais puro misticismo, extrema liberdade e severa constrição, discurso sedutor e ao mesmo tempo moralista. Voltemos ao retrato e a todo o seu aparato: sapatos afunilados com salto e laçarote vermelho, collants brancos e saiote, uma riquíssima e pesada capa, ornamentada e bordada com fios de ouro, e uma gola e mangas laboriosamente rendilhadas. Uma cabeleira preta ondulada emoldura-lhe o rosto. Toda a pose é rígida, como impõe a etiqueta do retrato oficial. Rigaud soube adular o rei, não só na grandeza, sumptuosidade e fausto 241 com que classicamente o P aulo Her k e n ho f f - B r a zil : T h e P ar ad o xe s o f a n Al ter na te B ar o q ue, p . 1 2 7 . He i nr ic h W ö l f f li n - Re na ci mi e n to Y B ar r o co , p . 3 9 . 243 W ö lf f li n si t ua -o e n tr e o Re na sc i me n to e o Neo cla s sic i s mo q ue s u r ge n a se g u nd a me tad e d o sé c ulo XVI I I , ma s a f ir ma q u e o s gr a n d es me s tr e s p r ec ed e n te s j á ha vi a m p r ep ar ad o o ca mi n ho ; J e an Ro u s se t d i v id e a ép o ca e m tr ê s p er ío d o s q ue r en u n ci a m à cr o no lo gi a ar i t mé ti ca ( so b r ep õ e m- s e) : u m p r i me ir o l i gad o à Co ntr a - R efo r ma q ue ele c ha ma d e P ré- B a r ro co , mo r a li za n te, d e q u e o e xe mp lo ma i s co ns e g u id o ser ia a I gr ej a d e Ge s ù ( 1 5 8 0 -1 6 2 5 ) ; u m Ba rro co p len o ( 1 5 8 0 -1 6 6 5 ) , q u e ir ia d e T ass e a B er n i ni e u m P ó s- B a r r o co ( e aq u i ut il iza u m ter mo d e Fo ci llo n, o “ B ar r o co d o B ar r o co ”) ap ó s o a no d e 1 6 6 5 , q u e co r r e sp o nd er ia a u m lo n go cl a ss ic is mo ; ver o b r a c itad a na p á gi n a 1 7 5 e 2 3 3 . O ut r o a u to r , E u gé n io D ´Or s , ne ga - se a d eli mi t ar o p er ío d o p o r u ma cr o no lo g ia r í gid a , es te nd e nd o - o a té ao s r o mâ n tico s , tal co mo Her ke n ho f f o e s te nd e a té ao s b r a si leir o s no sé cu lo X X... Se o s e s p eci ali s ta s n ão co n co r d a m e m r e laç ão a p er ío d o s e d a ta s, q u as e to d o s o vê e m co mo u m mo v i me n to co s mo p o li ta, q u e a tr a ve s sa d i ver so s p aí s es. 242 64 representou, mas na própria perspectiva utilizada: o retrato está feito em plongée, obrigando o espectador a olhar com uma direcção bem definida, de baixo para cima (um recurso muito utilizado também na arquitectura desta época, fazendo com que os fiéis olhassem para o alto, para as abóbadas nos tectos, e aspirassem também eles a «subir»). Jean Rousset consegue definir apenas em duas palavras este conturbado tempo. As palavras que elege são “Circe” e “pavão”, que para o autor significam “metamorfose e ostentação, movimento e décor” 244. Não deixamos de pensar que este Rei, que construiu um palácio imenso com o único intuito de se auto-proclamar; que se movimenta, à falta de melhor termo, de forma tão artificial – é tão «postiço» quanto os seus cabelos – é ele que nos vai dar a viva imagem desse orgulhoso pavão barroco. O parecer triunfa sobre o ser, facto que não parece (desculpem-nos a tautologia) incomodá-lo de todo. Abram alas para a grande arte da dissimulação, também feita através de Hyacinte Rigaut. * No barroco, o teatro funde-se completamente com a vida. Desenrolaremos agora o nosso pensamento traçando um percurso que tem como cenário os mais variados palcos, mantendo o gosto pelo teatral que é tão característico deste tempo. Veremos, no final, como todas estas pequenas e fragmentadas «peças » podem ser acopladas ao tema do espelho. Assim começará o nosso jogo, com o rei a lançar os dados: Palco 1) No Palácio de Versalhes. Baltasar Gracián, escritor barroco por excelência (por sinal pertencente à Companhia de Jesus), já nos advertia no seu Oráculo 244 J ean Ro u s se t - L a L it tér at ur e d e L ´ Âg e B a r o q ue en Fr a nce, p . 8 . 65 Manual y Arte de Prudencia: “o que não se vê é como se não existisse” 245. O Rei impõe uma figura geométrica já desacreditada pelo novo estilo, mas a que ele não renuncia: o círculo (ou abarcar todo o espaço num instante; ou ver e ser visto). Porquê substituir a “inquietude” 246 da oval por uma forma perfeita e pura, que tudo vê e, mais importante ainda, tudo consegue controlar? Preso a esta “estética agorafóbica” 247 do espaço tectonicamente fechado, ele sente-se apto a exercer a soberania nessa cultura frívola da exibição – e a ser o personagem principal do espectáculo 248. Todas as condutas, atitudes, acções ou sentimentos dos que o rodeavam eram-lhe reenviados através de uma miríade de reflexos. O «ex ame», esse sim, era vertiginoso e infinito. Daqui daremos um salto até ao seu Pavilhão de Caça (núcleo preexistente a partir do qual se amplificou todo o restante palácio 249, que pode ser considerado como tendo uma arquitectura panóptica. Michel Foucault faz a seguinte definição: O P a n ó p t ico é u ma má q u in a d e d i s so c ia çã o d o p a r ve r - se r v i sto : n a s b o rd a s d a p eri fe ri a , o n d e se é to ta l men te vi sto , sem ja ma i s ver ; n a to r re cen tra l, v ê - se tu d o , se m se r ja ma i s vi sto . 250 Por outras palavras, o panóptico é uma castradora “máquina de observar” 251, dispositivo que opera de forma muito simples. Escusado será dizer que, no citado pavilhão de caça, a alta torre seria o Rei, e 245 B alta s ar Gr a ci á n - Or ác ulo M a n ua l Y Ar te d e P r ud e n cia , p . 2 5 5 . Af o r i s mo n ú me r o 1 3 1 . 246 W ö l f fl i n - Re na ci mi e n to Y B ar r o co , p . 6 8 . E st a fo r ma p r o p o r cio n a v a “l i vr e s p r o p o r çõ e s”. 247 Na tál ia Co r r ei a - I n tr o d uç ão à p o es ia B ar r o ca P o r t u g ue sa, p . 1 9 . 248 Ne st e se n tid o , o s co nd en ad o s d a ép o ca d e se n h a m u ma fi g ur a i n v er sa à s ua : n ão ver e m e não ser e m vi s to s, e i s o o b j ec ti vo . C f . F o uc a ul t - S ur ve il ler et P u ni r , p . 2 1 . 249 O p alá cio te m u ma p la nt a e m f o r ma d e U, q ue s e ab r e p ar a u m p átio ; fo i co n s tr uíd o p o r J u le s H ar d o u i n M a n sar t e Lo u is Le Va u ( 1 6 6 4 ) , e t ev e co m o r esp o n sá v el p o r to d a a d eco r ação d e i nt er io r es C h ar l es Le B r u n, d ir ec to r d a Acad e mia Rea l d e P i n t u r a. Co ns u lt e - se o li vr o V er sa il le s, d e Y ve s B o tt in ea u, o nd e se d á co n ta d a fei t ur a d e st e p a lác io , s ua s d i fer e n te s e tap a s e r e mo d ela çõ es. 250 Mic h el Fo uc a ul t - S ur v eil ler et P u n ir , p . 2 3 5 . 251 Fo uc a ult - S ur ve ill er e t P u nir , p . 2 0 4 . 66 que a restante construção que se dispõe em forma de anel circular (com uma divisão em várias células) seria o espaço dos súbditos. Haverá uma grande diferença que Foucault assinala para o panopticon de Jerem y Bentham, idealizado no final do século XVIII: este último tinha um poder incorporal, anónimo – era um “olhar sem rosto” 252 (que tantas vezes sentimos presente na vigilância moderna da nossa sociedade) –, enquanto que o corpo do rei não consegue (nem quer) escamotear a sua forte presença material e mítica. Não sabemos discernir qual dos dois modelos é a instituição «disciplinar » perfeita; ambos nos parecem extremamente eficazes, embora assustadores, despóticos e tirânicos 253, e poderão ser relacionados de forma produtiva com uma obra de Louise Bourgeois que analisaremos no último capítulo. Gostaríamos de referir outros dois lugares específicos no palácio de Versalhes. O primeiro é a Escadaria dos Embaixadores, que torna evidente a estreita relação (existente na altura) entre teatro e vida. No entanto, será imprescindível um acto físico da nossa parte para a usufruirmos (agora só poderá ser um acto físico mental, visto que foi demolida em 1752): subir, estarmos nós mesmos em movimento enquanto olhamos em redor. Mais do que maravilhados, ficamos suspensos: as paredes afundam-se para dar lugar a múltiplas personagens pintadas que se amontoam enquanto observam “a nossa compostura ao subir” 254. A Sala de Espelhos 255 é o nosso terceiro lugar, apogeu de todo o artifício (abolição total entre teatro e vida). Os espelhos forram uma das faces da divisão rectangular de alto a baixo criando uma longa parede cristalina, produto final perfeito numa época onde os espelhos 252 Fo uc a ul t - S ur ve il ler et P u nir , p . 2 4 9 . E scl a r eça mo s q u e e st e d i sp o si ti vo d e J er e m y B e nt ha m er a p ar a en cer r a r as p e s so a s q u e tê m d e s er co ntr o lad as ( “l o uco s”, “a no r ma is ”, “d o e nt e s”) ma s q ue p a s sar ia m a se r co ntr o lad a s d e fo r ma e co nó mi c a e vi s í ve is, ao co n tr ár io d o s a n ti go s co nd e nad o s. 253 Fo uc a ul t eq u ip ar a e st a “i n ve nç ão ” co m a t éc ni ca i nq ui s ito r ial – u m in ter r o g ató r io se m ter mo d e fi n id o , u m d o s s ier j a ma i s fe c had o ... ; Fo uca u lt S ur ve il ler e t P u nir , p . 2 6 1 . 254 E mi lio Or o zco D ia s - E l T eatr o Y L a T eatr alid a d d el B ar r o co , p . 1 0 1 . 255 Ob r a i nic iad a e m 1 6 7 8 e t er mi n ad a e m 1 6 8 4 , o b r a p r i ma d e C har l e s Le B r u n . P o ss u i d i me n sõ e s mo n u me n ta i s: 7 3 x1 0 .5 x1 2 .3 m. 67 ainda eram itens extremamente caros e luxuosos 256. Não é difícil imaginarmos que seria um local privilegiado para as muito aguardadas festas onde os cortesãos iam dançar, conviver e... actuar? 257 Os espelhos só reforçam esse mundo “instável, inconstante, enganoso” 258, onde a troca de olhares se dá num imenso “plano irreal” 259, por entre múltiplas testemunhas (entre as quais uma que é feita de vidro). É onde o “eco dos espaços infinitos” 260, para parafrasearmos Arnold Hauser, mais se faz sentir. Era talvez aqui que o Rei se poderia igualar ao Argos da mitologia, e ser dono de uma visão humanamente impossível e ilimitada. Palco 2) O Espelho Libertino de Hostius Quadra. Esse sentido dramático do espelho já tinha sido muito bem captado e descrito por Séneca (4 a.C. - 65), na sua obra intitulada Natural Questions. No seu estilo inconfundível (que resvala frequentemente para a hipérbole), expõe a Lucílio o que a extrema presunção e luxúria podem fazer, focando o seu ponto de vista na figura nada exemplar de Hostius Quadra, pessoa por ele definida como «apegada » ao que os olhos conseguem ver. Este autor começa por se interrogar se os espelhos enganam os nossos olhos e consistem de uma mera ilusão, ou se o que vemos neles pode ser visto como o real. Clarifica desde logo a sua posição: o espelho, para ele, é “deceptivo”, pois cria “uma ilusão de um corpo separado” 261. O que é mostrado no espelho “não existe”, de outra forma 256 U m e sp e l ho v e nez ia no p o d ia c u sta r o ito mi l l i b r as, ma i s d o q u e u ma p in t ur a d e Ra f ael , q ue se p o d i a co mp r ar p o r tr ê s mi l ! E. B o ile a u ci t. p o r M elc h i o r -B o n ne t T he M ir r o r , p . 3 0 . 257 Or o zco Dia s e xp lo r a e st e p o n to d e v is ta e m El Tea t ro Y La T ea t ra l id a d Del Ba r ro co . E r a mu i to co mu m q ue n a co r te d e Lui s XI V ( e no u tr a s co r t es e ur o p e ia s ta mb é m) o s me mb r o s p r es e nte s d a fa mí l ia r eal, fi nd o o esp ec tác u lo , se o fe r ece s se m e le s me s m o s co mo esp ec tác u lo ; ma i s ai nd a , q ue i nter v ie ss e m no s ap ar a to so s B a ll et s o u ó p er a s. No Hé rcu le s E n a mo ra d o ( lib r eto d e B ut ti co m mú s i ca d e C a va ll i) , ho u ve d e zo i to en tr ad as e n t u si as ta s d o r ei e me mb r o s d a Co r te, e m s ei s ho r as d e e sp e ct á cu lo ! 258 Or o zco D ia s - E l T eatr o Y La T eatr a lid ad D el B ar r o co , p . 9 8 . 259 Or o zco D ia s - E l T eatr o Y La T eatr a lid ad D el B ar r o co , p . 1 0 1 . 260 Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 3 9 . 261 Luc i u s An n ae u s Se ne ca - Na t ur al Q u es tio n s, p . 1 5 8 . 68 “não desapareceria ou seria instantaneamente sobreposto por uma outra imagem” 262, nem inúmeras formas desapareceriam num momento para serem captadas noutro. O que são então? São semelhanças, “imitações vazias de corpos reais” 263. Um pouco antes diz também uma frase peculiar, que transcrevemos: “Não interessa ao espelho o que é exposto perante ele: o que vê, devolve.” 264 Hostius Quadra era, segundo o seu ponto de vista, uma personagem obscena e impura: por duas vezes lhe chama “monstro” 265. Consta que ele tinha em sua posse espelhos amplificadores, que utilizava para sua própria gratificação sexual: neles, via de forma muito aumentada o corpo/membros dos seus parceiros (que não eram apenas homens mas também mulheres), e conseguia seguir todos os seus movimentos nos espelhos. Um antro do vício, portanto, que “nenhuma noite seria capaz de esconder” 266. Quase no final do seu longo discurso moralizador simula ser o próprio personagem maldito (no que temos de admitir ser um recurso táctico impressionante). Citamos: Deve r ei ro d ea r - me co m o tip o d e esp e lh o s q u e d ã o ima g en s in c r ive lm en te g ra n d e s. S e p u d es se , t o rn a va - a s rea i s; co mo n ã o p o s so , a li men t a r - m e- e i d a i lu sã o . 267 Analisemos agora um outro sermão, feito em terras portuguesas (Convento de Odivelas) às religiosas do Patriarca S. Bernardo. Palco 3) O Sermão do “Demónio Mudo”, do Padre António Vieira (1651). 262 Se nec a Se nec a 264 Se nec a 265 Se ne ca có p u la” , p . 266 Sé nec a 267 Sé n eca 263 Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 8 . Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 9 . Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 5 6 . - Nat u r al Q u es tio n s, p . 1 5 9 . Re fer e- s e t a mb é m à s u a “ mo n st r uo s a 160. Na t ur al Q ue s ti o n s, p . 1 6 0 . Na t ur a l Q ue st i o n s, p . 1 6 0 . 69 Erat Jesus ejiciens daemonium, et illus erat mudum (estava Jesus expulsando um demónio e este era mudo): assim começa o Padre a falar, em latim, para uma assistência feminina – era para elas que se dirigia o reparo. Este “demónio mudo” de que falava era o mais perigoso dos demónios, porque era invisível: não fazia alarido, mas marchava “em surdina” 268, entrando pelos claustros, passeando nos corredores e instalando-se nos dormitórios. Dava depois uma pequena pista: “Por sinal, senhoras, que muitas o deixastes na vossa cela, e o achareis lá quando tornares” 269. Continua a sua história: o “Religioso” que fora incumbido de “visitar” (eis uma palavra para Michel Foucault) os Conventos das Religiosas e os seus aposentos tinha ficado perplexo com o objecto que houvera encontrado pendurado em muitos quartos, o espelho. Nesse mesmo espaço onde as “senhoras” praticavam a sua “devoção” de forma tão excessiva (jejuns, disciplinas e cilícios). Dá depois ao relato um ar teatral, de pergunta confusa de quem é surpreendido e de resposta afirmativa de quem não quer acreditar: O espelho? Beatíssimo Padre, sim. 270 (Padre esse que seria o “vigilantíssimo Pastor Inocêncio X” 271, que foi papa de 1644-1655). Objecto tão pegado ao “coração”, tão resistente a ser arrancado e posto fora. O Padre António Vieira menciona de seguida Séneca (embora não haja qualquer menção às práticas «monstruosas » de Quadra – não fosse talvez contaminar os dóceis e disciplinados espíritos das monjas). Fala do estóico e da sua teoria; o espelho existia para que, e citamos Vieira citando, por sua vez, Séneca: “o moço que nasceu bem afigurado, vendo no espelho a sua gentileza, a não afeasse com vícios: e o que nasceu feio, suprisse, e emendasse aquele defeito com a formosura das virtudes (...) e o velho considerando as suas cãs, 268 P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 2 . P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 3 . 270 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 4 . 271 P ad r e An tó nio Vie ir a - Ser mã o d o De mó nio M u d o , p . 8 3 . E ste p ad r e co nd e no u o j an se ni s mo , co m to d a s as s ua s te nd ê nci as p ar a o r igo r mo r a l exa g er ad o . E mp e n ho u - se t a mb é m n o mece n ato d e o b r a s p r i ma s d e ar te b ar r o ca, e nt r e a s q uai s se d es tac a a co l u n ata d e B er ni ni q ue e nq u ad r a o r eci n to d a b as íl ic a V at ic an a. 269 70 as não afrontasse com a acção indigna delas” 272. O orador refere depois que na escola de Platão e de Sócrates também havia espelhos, para que eles “se vissem e compusessem os discípulos das virtudes, que nelas se ensinavam” 273. Mas, para ele, Deus tinha criado duas coisas muito parecidas: o demónio e o espelho. É com um engenho prodigioso que diz: Mu d o a d u la , mu d o en c a n ece, mu d o a t ra i , mu d o a fei ço a , mu d o en fe it iça , mu d o en g a n a , mu d o men te, e d es m en te ju n ta men t e n eg a n d o o q u e é, e fin g i n d o o q u e a g ra d a . 274 O que ele pede à sua audiência, calculamos que seja muito: que renunciem aos seus espelhos (que define de forma brilhante como “segundos olhos fora de nós” 275), o que em última instância significará que sacrifiquem a vista. O seu apelo é que consigam trocar esse “espelho da terra” 276 por outros dois: o da casta Virgem Maria, e o “temeroso” e “formidável” 277 espelho de que é a Imagem de Cristo na cruz. Os olhos terrenos deverão ficar “mais cegos” 278. [Aconselhamos vivamente a contemplação de um pormenor do Jardim das Delícias de Hyeronimus Bosh, patente na colecção do Museu do Prado, que consegue mostrar de forma magnífica este espelho «demoníaco» do Padre António Vieira (Fig. 17)]. Palco 4) Novamente em Versalhes, dormitório do Rei; Confuso, bizarro, ex travagante 279: utilizamos as mesmas palavras de que o século XVIII se apropriou para descrever o Barroco, de forma conscientemente insultuosa. Olhamos 272 para o lugar onde o rei P ad r e Antó n io V ie ir a - Ser mã o d o D e mó nio Mud o , p . 8 7 e 8 8 . É i n ter e s sa n t e co mp ar ar a t eo r i a co m a d o p r ó p r io Sé n eca n as s ua s Na tu ra l Qu e st io n s , p . 1 6 1 . 273 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 8 8 . 274 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 9 0 . 275 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 0 0 . 276 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 3 . 277 P ad r e An tó nio Vi eir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 6 . 278 P ad r e Antó n io Vie ir a - Ser mã o d o D e mó nio M u d o , p . 1 1 8 . 279 Ar no ld Ha u ser - O co nc eito d o B ar r o co , p . 2 9 . 71 descansava, e temos de admitir: é extremamente ruidoso, nenhum objecto está «isolado », provavelmente sofreríamos de dores de cabeça com tanto estímulo visual, padecimento comum, aliás, de muitos artistas da época 280. Novamente temos de admitir que o Barroco é uma estética violenta, dá-nos muito mas também exige muito de nós – e não nos deix a descansar. O quarto do rei foi construído, simbolicamente, no centro do palácio, mas não nos queremos deter agora nesse importante (e previsível) detalhe. A balaustrada que atravessa o espaço detém a nossa atenção (Fig. 18): ela anuncia o fim de qualquer intimidade ou recolhimento que pudesse existir no quarto. O deitar e o acordar passam a ser actos públicos, com a devida etiqueta laboriosa e... com assistência. Mais uma vez, o espectáculo! Na enorme parede lateral, um espelho, absolutamente camuflado pelos restantes objectos, confundindo-se com o panejamento da cortina, com o dourado do tecto, etc. Em baixo, um relógio, engenho mecânico anunciando uma preocupação que começa a surgir: a nascente obsessão com o tempo, tempo que é, tempo que passa... Palco 5) Candida Höffer: Ca´Dolfin Veneza (2003) e Teatro Nacional de S. Carlos (Lisboa, 2005); Estas duas fotografias são de uma fotógrafa alemã, mas possuem um elo entre si que é a ideia de palco. Na primeira, encontramo-nos no papel de actores – a plateia abre-se para nós; na segunda encontramonos no conforto e anonimato de quem vê uma determinada peça: somos espectadores. As duas estão absolutamente vazias de qualquer presença humana (e fazem-nos lembrar uma outra fotografia tirada por Atget na embaixada austríaca em França 281, onde é nítido o interesse do fotógrafo pelo espelho contido na rica divisão, que reflecte o tripé abafado pela cobertura de uma grande capa negra, mas onde não há 280 W ö l f fl i n - Re n ac i mi e nt o Y B ar r o co , p . 3 9 ( no ta 1 3 ) . C f. E u gè ne At get A mb a s sa d e d ´ Au t ri ch e, 5 7 ru e d e Va ren n e , 1 9 0 5 . Ob r a d a co lec ção d o S FMo ma . 281 72 qualquer vestígio ou indício de quem a tirou). Em que medida é que se podem ver estas obras como um epílogo a tudo o que foi dito? Antes de respondermos a esta questão, uma outra pergunta avança, imperiosa: haverá um princípio constante, um denominador comum para o barroco? Todos os historiadores e ensaístas afirmam convictamente que não, mas tendem a trilhar um caminho que parece dizer que sim. Wölfflin não consegue reconhecer-lhe uma unidade, ou “divisar linhas contínuas e evolutivas” 282, mas estudou de forma meticulosa as suas formas, opondo-as às do Renascimento 283; Rousset, como vimos anteriormente, centrou-se no par metamorfose/ ostentação; Deleuze viu na prega o conceito que o barroco mais almejava: a busca do Infinito 284; Perniola partiu da ideia de enigma; Orozco da ideia do teatro, Maravall da suspensão, etc. Toda a regra parece morrer com o barroco 285 dizem (mas todos os autores apresentaram, de certa forma, «regras » para o classificar, sejam elas morfológicas ou conceptuais). Queremos rever apenas uma dessas características: quase todos os autores afirmam que, com ele, a era do cartesianismo chegou ao fim. Será? É muito comum ligar-se a «ideia» de barroco a sensualidade, desordem, falta de estrutura, paixão, alegria de viver (Eugénio D´Ors relaciona-o, e bem, a duas instituições: às férias e ao carnaval, lugares onde toda a «lei » é abolida). Ligamos, talvez inconscientemente, o barroco a um mundo bizarro fundado sobre o irracional e com leis absolutamente incoerentes – mas é necessário frisar que este estilo, esta “pérola irregular”, tem leis, e bastante rígidas: o que é o decoro da etiqueta palaciana senão uma lei? O que é que é todo o «j ogo» feito 282 W o l f fl i n - Re n ac i mi e nt o Y B ar r o co , p . 1 5 . O est ud o q ue fez fo i u m d o s r e sp o n sá v ei s p e l a r e va lo r iz ação d o B ar r o co , as cate go r ia s q ue p r o p ô s s ão as s e g ui n te s: d o li ne ar p ar a as ma s s as ; d o p l ano p ar a o esp a ço / mo v i me n to ; d a fo r ma f ec had a p ar a a f o r ma ab er t a; d a cl ar id ad e p ar a a o p acid ad e; d a u nid ad e p ar a a mu l t ip l ic id ad e ; d as ar e st as v i va s e â n g ulo s r ec to s p ar a e str u t ur a s el á st ic as e mo ld á ve i s; d o g o sto p e la fo r ma p ar a o ele me n to in ap r e e ns í ve l. 284 Ver Gi lle s De le uz e - L e P li : L eib ni z e t l e B ar o q u e. Co mo o tí t ulo ind ic a, o f iló so fo cr uza a id e ia d e “d o b r a ” ( o u p r e ga ) co m a f ilo so fi a d as mó nad a s d e Leib n iz. C it a mo -lo na p ág i na 1 6 4 : o B ar r o co d e f i ne - se “p e la d o b r a q u e va i até ao in f i n ito ” . 285 De le uze - Le P li, p . 3 3 . 283 73 com os leques que as damas usavam para encorajar ou travar a galanteria senão uma lei? Vemos em Gracián todas as leis possíveis: não ser cansativo, não expor debilidades, saber esperar, saber adaptarse, saber renovar o brilho, saber deixar os outros com mel nos lábios; também ele encontra uma forma de resumir tudo: En una palabra, santo, que es dezirlo todo de una vez. 286 (Onde o autor torna explícito que “santo” significa “virtuoso”). Propomos a seguinte leitura para a obra de Höffer: ambas as fotografias apresentadas cultivam uma impessoalidade, uma gélida frieza, uma prudência que são minimais sem deixarem de ser, ao mesmo tempo, barrocas. Voltemos ao dormitório do rei: onde estão os copos de água, os livros amontoados, as pantufas confortáveis? Imaginamos estes objectos lá, sequer? (Ver relações existentes entre a Fig. 18 e a Fig. 19). Palco 6) Fonte dos Rios, Gian Lorenzo Bernini (Roma, 16481651); Esta fonte é uma espécie de montanha rochosa, turbulenta, agreste, em forma de pirâmide. Nela, Bernini esculpiu quatro divindades fluviais: apresentamos aqui um pormenor que nos interessa particularmente (Fig. 20). Segundo Jean Rousset, o melhor dia para se visitar a praça é num dia com muito vento 287. Concordamos. O véu que tapa a cara da possante divindade marinha, foi o vento que o arrastou pelos ares? Estará ele a tentar puxá-lo para desimpedir a sua visão, ou simplesmente a não querer ver o que o rodeia? Este registo (magnífico, cinemático) foi o barroco que Luís XIV recusou. É facto assente que tudo o que tenha medidas absolutistas, punitivas, atrai a repressão, o abafamento, e “atrofia” 288 tudo o que é singular. Hauser fez notar uma grande verdade: a arte absolutista torna286 B alta s ar Gr a ci á n - O r á cu lo Ma n u a l e A r te d e Pru d en cia , p . 5 8 5 . Af o r i s mo n ú me r o 3 0 0 . 287 J ean Ro u s set - L a Li tt é r at ur e d e L ´Âg e B ar o q u e e n Fr a n ce, p . 1 6 5 . T u d o p ar ece ag it ad o p e lo ve nto ( at é mes mo a p r ó p r ia fa c h ad a d e B o r r o mi n i q u e cir c u nd a a esc u lt ur a) . 288 Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 5 3 . 74 se “clara e precisa como um decreto” 289. Mas Foucault contrapõe uma outra que é inegável: “o poder produz” 290. Face às várias «pregas » do barroco (feitas de ar, feitas de fogo!), feitas de múltiplos panejamentos que insistem em estar presentes (quando talvez fossem desnecessários), feito de melodias infinitas e de uma constelação de espelhos, perguntamos: que não pode o artifício? Ele, que sabe ocultar-se a si mesmo? Não será ele a lei máxima do Barroco, o seu mestre? 291 Palco 7) O Barroco não sabe o que quer 292; No prefácio de 1954 da sua História Universal da Infâmia, Jorge Luis Borges diz com agudeza que o barroco é o estilo que deliberadamente esgota as suas possibilidades, e acrescenta depois: “eu diria que é barroca a etapa final de toda a arte, quando esta exibe e delapida os seus meios” 293. O Barroco, para Borges, é portanto um estilo intelectual que sabe bem o que procura, e que talha, e corta (como se de um diamante se tratasse) o seu próprio pensamento. Diríamos nós: que vê o artifício naquilo que ele é — um mero truque, ou, para utilizar uma palavra que começa a ser muito utilizada na época, um estilo que consegue ver através da “tramóia” 294. 289 Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d o B ar r o co , p . 5 4 . Mic he l Fo u ca u lt - S u r ve il ler e t P u n ir , p . 2 2 7 . E m ter mo s ar tí st ic o s, o R e i p r e fer i u T as se , G uar i n i e o s mar i n is ta s ( J ea n R o u s set na o b r a j á cit ad a , p . 2 3 8 ) . É ver d ad e q ue a s med id a s q ue i mp ô s ao s se u s tr ab al had o r es er a m “d r aco n i an as ”, ma s o cer to é q ue d a S a in t- Go b a in s aír a m e sp e l ho s p er fe ito s, s e m ve s tí g io s d e ve io s , n u ve n s, go r d ur a , lá gr i ma s, o u fib r as d e me ta l q ue co mp r o me te ss e m to d o a su a d eli cad a fe it ur a; so b r e es te ú lt i mo a sp ec to v er Melc h io r -B o n ne t - T he Mir r o r , p . 3 5 -6 9 . 291 Vej a - se a o b r a d e J ea n S tar o b i n s k i - D ´ Ar t i fi c es e n E d i fi ce s, e d e to d o o to u r vi s u al q ue o a uto r fez co m o b r a s b ar r o c as e a id eia d e ar ti f ício . Só q u e o r ela cio no u se mp r e co m u m p er c ur so ap e gad o ao se n s ua l... 292 Eu gé n io D ´Or s - O B ar r o co , p . 2 5 . Co m to d a a p ai xão q ue s e nte p e lo te ma , es te au to r o f er ec e - no s u m e x e mp lo mar a v il ho so : u m anj o q u e não s ab e o q ue q uer ... q u e le va n ta o b r aço , ma s b a i xa a mão . 293 J o r ge L ui s B o r g es - H is tó r ia U n i ver sa l d a I n f â m ia, p . 9 . 294 Mar a val l - A C u lt ur a d o B ar r o co , p . 3 1 7 . P ala vr a q ue d es i g na v a ar ti f íc io s, in v e nçõ e s o u ap ar ê nci as , e q ue er a a mp la me n t e ut il iz ad a p elo s J e s uí ta s. As car ta s d o s J e s uí ta s te s te mu n h a m q ue e ste s u ti liz a va m a e xp r e s são , o r e c ur so e o ar ti f íc io ( ve r no ta d e r o d ap é 9 8 d a me s ma p á gi n a d o l i vr o ) . 290 75 * Como ler toda esta montagem barroca? Luís XIV (1638-1715) é um rei que lembra um outro rei da farsa de Calderón: De tu d o q u e o ma r c ir cu n d a E q u a n to ilu min a o so l S o u eu o d o n o a b so lu to , S o u o su p re mo sen h o r. 295 Afastar-se-á drasticamente, portanto, do muito humano Ricardo II de Shakespeare. Pois o poeta e dramaturgo inglês priva o ceptro, a coroa e a pomposidade ao seu «Rei », deixando o leitor na presença de um «rei » pouco influente. Ernst H. Kantorowicz, em The King´s Two Bodies (1957), fala dessa curiosa ficção elaborada por juristas da doutrina Tudor. Eles legislaram que o corpo do rei era gemelar: de facto, havia dois corpos incorporados numa única pessoa: um “corpo natural”, corruptível (sujeito às enfermidades da velhice ou à “imbecilidade” própria da infância), e um “corpo político”, imortal: um Rei que, legalmente, nunca poderia morrer. Sabemos que Shakespeare dará grande importância à cena em que o seu rei se vê ao espelho e constata que o que o espelho lhe reenvia já não corresponde à experiência interior que tinha de si mesmo, fazendo-o dizer com incredulidade: Wa s th is th e fa c e? Th a t eve ry d a y u n d e r h i s h o u seh o ld ro o f Did keep th o u sa n d m en ? 296 295 Ca ld er ó n d e L a B ar c a - O Gr a nd e T eat r o d o M u nd o , p . 3 7 . W il li a m S ha k esp ear e c i t. p o r E r n st H. K a nt ar o wi c z - S h a ke sp ea r e: K i n g R ic h ar d II, p. 39. 296 76 E como quer desligar-se desse passado, parte o espelho (significando talvez querer destruir o seu próprio passado) — ou seja, parte o seu “corpo político”. Kantorowicz afirma que este gesto “corta com qualquer possibilidade de dualidade” 297. Ricardo II terá preferido o pó e o esquecimento, Luís XIV o ceptro, a coroa... e o espelho intacto (segredo que roubou a Veneza) 298. Vejam: um belo pavão rodeado de espelhos 299. Saberá ele o que fazer quando o pano desce, o fogo de artifício acaba e seu papel finda? Continuará, mesmo assim, o jogo, o divertissement? Movendo-se entre um “Teatro de verdades” 300 ou um teatro de ficções, através de um rosto ou uma de máscara, do ser ou do parecer, podemos afirmar que este espelho: 1) não era mudo (como o espelho do Padre António Vieira). Citamos Melchior-Bonnet: numa sociedade apaixonada pela galanteria, o espelho ganhou o lugar de companhia: “tinha olhos, um olhar por vezes indiscreto, e falava” 301. 2) era, miticamente, panóptico, e pode ser considerado como uma perigosa arma política; 3) era rabeliano (porque não conseguia viver senão imerso e «en golido » por espelhos 302); 297 E. H. Ka n tar o wi cz – T h e S h a ke sp ear e: Ki n g R ic har d I I , p . 4 0 . Os e sp el ho s v e nez ia no s er a m no ta v el me n te s up er io r e s ao s fr a nc e se s, e o r ei er a u m g r a nd e e i nc a n sá ve l ga s tad o r d e ss es o b j ec to s l u x uo so s ; Co lb er t – s e u mi n is tr o d as fi na n ça s – p ar a ma n ter a s ua t eo r ia d e mer c an ti li s mo q ue r eq uer ia q ue to d o s o s o b j ecto s q ue d e co r a s se m o p al ácio d e V er sal h es vir ia m d e Fr a nç a, d e cid e f u nd ar u ma gr a nd e fáb r ic a ( a S a in t- Go b a in , q ue ai nd a ho j e e xi s te) co m 6 0 0 a r te são s q ue so ub e s se m at i n gi r a me s ma p er f ei ção d o s me st r e s it al ia no s d a Mu ra n o , e co nto r n ar to d a a d i f íci l ar te d e p r o d uç ão e n vo l vid a na f ei t u r a d o s me s mo s. 299 Co n ta - se q ue , e m 1 6 8 6 , o r ei te ve d e atr a ve ss a r a p o nte d e No tr e - Da m e na s ua car r ua ge m ( i s to d ep o i s d e ter es tad o gr a ve me n t e d o e nt e) e q ue o s co me r cia n te s d e esp e l ho s o s co lo car a m n as mo ntr as , p r es ta nd o - l he a s si m a d e v id a ho me na g e m; ver Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 7 8 . 300 Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 6 8 . 301 Mel c hio r -B o n n et - T he Mir r o r , p . 1 4 1 . 302 Vej a - se o Gar gâ n t ua d e Rab e la is , o nd e há 9 3 3 2 e sp el ho s p ar a 9 3 3 2 q uar to s ( e o nd e o a uto r i ma gi no u e sp e l ho s co m a d i me n são d e u m ho me m, a nt ec ip a nd o n u ma ce nte n a d e a no s a s ua d esco b er t a) ; O i n ve n tár io fe ito p o r Fo uq uet so b o r ei nad o d e 298 77 4) era libertino (e utilizamos este termo no sentido dos libertinos que se regem por leis muito rígidas de conduta) 303; e lembra – facto peculiar – o moralista Séneca, sobretudo quando este afirma que o destino de Hostius Quadra foi demasiado “suave”: este deveria ter sido “imolado em frente ao próprio espelho”! 304 * É verdade que nos basta um pequeno e brusco gesto para rebentarmos facilmente essa «bola de sabão » que isola todo e qualquer artifício. Acreditamos que o homem barroco sabe perfeitamente onde é que o artifício está, e não se deixa iludir. Consegue ver claramente o logro: mas prefere ignorá-lo, e, educadamente, sem nunca perder a compostura, deixá-lo passar. (Fig. 21) L u í s XI V co n to u 5 6 3 esp e l ho s, fac to ab so l ut a me nt e i n v ul g ar n a ép o ca, d ad a a ai nd a r ar id ad e d o o b j ec t o ; C f. Sab i ne M el c hio r B o n ne t - T h e M ir r o r , p . 3 7 . 303 E as L ig a çõ e s P er ig o sa s d e C ho d er lo s d e L aclo s so b r ep õ e m - s e a q ua i sq uer 1 2 0 Dia s d e So d o ma p o r u m a ú n ica r azão : a d i s si mu lação , o f i n gi me n to , a f r i vo l id ad e, a co n sp ir aç ão e a i n tr i g a. E m a mb o s o s ca so s, no e n ta nto , a id e ia d e «ex ce s so » d e se n sa çõ e s é er r ó nea : é exa cta me nt e o o p o sto , u ma e s tr a n ha ap at ia q ue t ud o co n so me . 304 L uci u s An n a e us S e nec a - N at ur a l Q ue st io n s, p . 1 6 0 . E u gé n io D ´O r s ta m b é m é d e o p i nião q u e o B ar r o co é “lib er t i no ”, ma s d á - l he u m si g n i f icad o d i fer e nte , p o r q u e o vê co mo o p o siç ão ao es ti lo no r ma t i vo e a u t o r itár io d o c la s sic i s mo , co mo a “h u mi l h ação d a r azão ” ( v er E u g é nio D ´O r s - O B ar r o co , p . 8 7 e 8 9 ) . O no s so ca mi n ho ser á o u tr o , e m tud o se me l h a nte ao d e Mar io P er n io la , q u a nd o es te d e f i ne o b ar r o co co mo o l u g ar o nd e “o gr a nd e fr i o d a ap a tia e o gr a nd e calo r d o ar r eb a ta me n to p o ét ico ” se cr uz a m ( R azão e I r r acio n al p o d e m co i nc id ir ) . Ve r P er n io la - E n i g ma s, p . 1 5 8 . 78 O Espelho e o Tempo Ma s o t emp o p a s so u . N. Si l ver st ei n, A Á rvo re Gen e ro sa 305 Poderemos alguma vez prescindir do tempo? Píndaro chamou-lhe acertadamente de “pai”: pai de tudo quanto existe. 306 Ulisses, na sua maravilhosa viagem, contemplou admirado o pródigo pomar dos Feaces onde “há cachos de uvas verdes, cachos que amadurecem, uvas que são colhidas, outras que são postas a secar” 307. Este pomar também dá pêras, maçãs, romãs, figos que duram um ano inteiro, amadurecendo nos ramos mas nunca apodrecendo nem caindo. “Continuamente o Zéfiro faz crescer uns, amadurecendo outros./ A pêra amadurece sobre a pêra; a maçã sobre outra maçã;/ cacho de uvas sobre outro cacho; figo sobre figo” 308. Tal não significa que haja uma abolição do tempo neste fértil lugar, mas antes uma simultaneidade de acontecimentos que ocorrem em “tempos” diferentes. Também nós somos feitos de “montagens” (fusões) de tempos distintos que se reúnem num mesmo instante numa única pessoa. O problema do tempo não é portanto um problema 305 metafísico distante: toca-nos Sh el S il v er s te i n - A Ár vo r e Ge ner o sa , se m mar cação d e p á g i na s. T alv e z u ma d a s ma i s b el as h is tó r i as i n f an ti s so b r e a p a s sa ge m d o te mp o . Er a u ma ve z u ma ár vo r e q ue a ma va u m me n i no : o me n i no ap a n ha v a a s s ua s fo l h as , co l h ia o s se u s fr uto s, s ub i a p elo se u tr o nco e b alo iç a va no s se u s r a mo s. E r a u ma ár vo r e f eli z. Ma s o te mp o ... p as so u. O me ni no fo i cr e sce nd o , e d e t o d as a s vez e s q u e a fo i r ev e nd o – cad a ve z ma i s e sp a çad as e ntr e s i – fo i -l h e p ed i nd o d i v er sa s co is a s. A ár vo r e, ge n er o sa me n te, v ai - l he d and o t ud o o q ue te m: p r i me ir o maç ãs ( q ue e le ve nd e ) , d ep o i s o s se u s r a mo s ( c o n str ó i u ma c as a) , d ep o i s o se u tr o nco ( d e le fa z u m b ar co ) . De sp o j ad a d e t ud o o q u e a f azi a s er ár vo r e , r ee nco n tr a u m ve l ho – q u e ela c ha ma se mp r e d e “me n i no ” – q ue l he d i z q u e o q u e p r eci sa a g o ra é d e u m sí tio p ar a d esc a n sar . E o me n i no / v el ho se n ta - se no se u vel ho to co , e a ár vo r e fic a no va me n t e fe li z. 306 P índ ar o , I I a Od e O lí mp ica, e m An tó n io Ca str o Ca eir o - P í nd ar o , p . 4 2 . 307 P ietr o C it at i - Ul is se s e a Od is s eia , p . 1 3 1 . ( B i b lio gr a f ia cap ít u lo I , Ul is se s ) . 308 Ho mer o - Od i ss ei a, p . 1 1 9 . Ca nto VI I , 1 2 0 -1 2 1 . ( b ib lio g r a fi a ca p ít ulo I , P er se u) . 79 pessoalmente. “Cada gota de tempo me é preciosa” 309, dizia um grande pensador: com ele fazemos coro. Comecemos então por falar do «tempo» dos deuses, onde voltamos a evocar Píndaro, desta vez nas Nemeias: Uma só é a ra ça d o s h o men s e d o s d eu s es . A mb a s r e sp i ra mo s, vin d a s d a me sma mã e. P o ré m, u m p o d e r b e m d i st in to n o s sep a ra . Um n a d a é: e o b rô n z eo céu , e s se p er ma n e ce se mp r e seg u ro . No en ta n to , a lg o n o s a p ro x ima d o s imo rta i s, o u o esp í ri to su b l ime o u o co rp o , a p e sa r d e n ã o sa b e r mo s q u e ca min h o , d e d ia o u d e n o i te, o d es tin o t ra ço u p a ra n ó s p e rco r re r mo s. 310 Há uma distância imensa — irrecuperável — entre deuses e homens, que o escritor grego tão bem se apercebeu e que tão bem soube transformar em palavras: os Imortais nasceram para sempre, esse é o seu poder distinto. Os homens, ao invés, são voláteis, frágeis, sujeitos ao esforço, ao labor, à transpiração, à fadiga – e portanto «consumidos », «destruídos », «desgastados » pelo tempo voraz. Perante os deuses... nada somos. Por outras palavras, a existência dos deuses homéricos desenrola-se num horizonte em que a morte é estranha: e se são deuses “activistas” 311, como tendem a crer Giulia Sissa e Marcel Detienne, por certo os seus rostos não irão ficar sulcados de rugas. Citamos Sissa: “Os Olímpios não vivem, no entanto, numa eternidade imóvel, mergulhados numa luz límpida. É na continuação de uma continuidade 309 Sa n to Ago s ti n ho - O Ho me m e o T e mp o , p . 3 1 1 . P í nd ar o ( Ne mei as , VI , 1 -7 ) , c it. e m Mar ia He le na d a Ro c ha P er eir a - H élad e , p . 1 7 3 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u) . 311 Mar ce l Det ie n n e e Gi ul ia S is s a - Os De u se s d a Gr é ci a, p . 2 0 . E s ta no ç ão p r es s up õ e q ue e le s q ue não e s tão ad o r me cid o s e a co n te mp lar o s ho me n s ( ao lo n g e, co mo E p i c ur o o s c ar ac te r izo u) : a ge m, e n vo l ve m- se, to ma m p ar tid o . 310 80 «efémera» que se renova dia após dia que eles desfrutam o seu afastamento da negra morte...” 312 Este “dia após dia” causa inicialmente alguma estranheza. Sendo os deuses eternos, também eles desfrutam do passar das horas, de um quotidiano? A autora afirma que a sua única medida de tempo vai do nascer ao pôr do sol (Sol e Aurora, Noite e Sono são figuras do tempo), e isso “aproxima-nos” deles, afirmamos nós. Daremos apenas dois exemplos onde o tempo figura de forma exemplar, ambos nas Metamorfoses de Ovídio: o primeiro será de Aurora, no trágico dia em que o seu filho foi morto por Aquiles, e em que esta se recusa a mostrar as cores que habitualmente a caracterizam, “prolongando” a Noite: V iu , e a q u ela co r, co m a q u a l a s h o ra s d a ma d ru g a d a R u b o re sc em, emp a lid ece u , e o c éu o cu lto u - se a t r á s d a s n u v en s. 313 O segundo exemplo virá no Livro XV, intitulado O Discurso de Pitágoras, uma longa e curiosa reflexão sobre o tempo, com a inevitável metáfora do rio (e da sua impossibilidade de imobilização do instante), das quatro fases do ano que imitam a própria vida, da degeneração da idade do ouro até à idade do ferro (breve evocação de Hesíodo); enfim, da transformação, do fluir imperioso de determinadas formas para outras: O q u e é T eb a s , a d o s f il h o s d e Éd ip o , s en ã o u m n o me ? 314 Tudo passa. A morte é cessar de ser uma coisa para passar a ser outra, num ciclo eterno que nada tem de dramático. Longe vai o tempo em que uma mãe sufocava por ter dentro de si filhos que a comprimiam por não terem espaço para virem à luz do dia e terem existências 312 313 314 Mar c el De tie n n e e Gi u l ia Si s sa – O s D e us e s d a Gr éc ia, p . 5 6 . O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 2 6 . Li vr o XI I I , 5 8 1 - 5 8 2 . ( B ib lio gr a f ia cap ít ulo I ) . O víd io - Met a mo r fo se s, p . 3 7 6 , 4 2 9 . 81 autónomas; ela própria não tinha espaço, Úrano (o Céu) estava sempre deitado em cima dela, e, como ela, era muito grande. Esta mãe (Geia, a Terra) decide acabar com a humilhação que o pai dos seus filhos a sujeitava, e concebe um plano que vai ser levado a cabo pelo seu filho mais novo, o único que ousou enfrentar o pai. “Cronos de pensamentos tortuosos” 315, deus cruel e cheio de manha, corta os órgãos sexuais do pai com uma harpé de aço: Úrano soltou urros de dor e foi fixar-se no topo do mundo. Crono separou desta forma o pai da mãe (o céu da terra), criando entre eles um espaço livre, onde os seres poderiam respirar, viver e gerar. khronos (o Tempo) libertou Crono (O Deus) 316. O tempo abre-se agora a uma sucessão de gerações 317. Tiquetaque, Tiquetaque, Tiquetaque: o relógio, com o seu compasso rítmico, sonolento, lembra-nos que nem todos se alimentam a néctar e a ambrósia — o único alimento dos deuses imortais —, e que nem todos podem fugir à sujeição ao tempo 318. Há três tempos que conseguimos enunciar: o tempo dos deuses (“a eternidade onde nada acontece, tudo existe já nela e nada desaparece” 319); o tempo dos homens (um tempo linear, que vai sempre na mesma direcção: nascimento, crescimento, envelhecimento e morte; poderemos também pensar numa cadeia sucessiva de seres: Laertes/Ulisses/Telémaco...); e um terceiro tempo que é circular (Vernant lembrará como exemplo o fígado de Prometeu, que é devorado 315 He sío d o - T eo go n ia, p . 4 5 . C f. P i er r e Gr i mal - D ic i o nár io d e M ito lo g ia Gr e ga e Ro ma n a, p . 1 0 5 . 317 Cr o no u ne - se a Rei a ( u ma e sp é cie d e “d up lo d e G eia ”) , ma s e s tá co n s cie n te d o p r ó p r io p er i go q ue co r r e: ser v ít i ma d e u m d o s se u s p r ó p r io s fi l ho s. T o ma a s s ua s p r eca uçõ es : s e mp r e q u e te m u m fi l ho , e n go l e -o , co lo c a nd o -o no s eu p r ó p r io ve n tr e. S e g u nd o Ver na n t , Cr o no é não só o p r i m eir o r ei d o d e u se s ma s “o p r i me ir o p o lít ico ”, “o p r i me ir o a p en sa r d e ma n eir a as t ut a co m med o d e ser d e sa p o s sad o d o se u cep tr o ”. Co mo s e sab e, não co n s e g uir á f u g ir d a s u a d í v id a às Er í n ia s ( d i vi nd ad es d a v i n ga nç a p o r cr i me s co me tid o s co ntr a co ns a n g uí n eo s ) . A s u a so b er a nia te m u m f i m e u m n o me : Ze u s. El e d o mi n ar á o t e mp o d a í e m d ia nt e. Ver J ean -P ier r e V er na nt - O U ni ver so , o s De u se s e o s Ho me n s, p . 3 2 e 3 9 . 318 Há o ca mi n ho i n ver so , q u e r ar a me nt e é f ala d o : aq ue le s q ue d es ej ar ia m se r mo r ta is e n ão o são , co mo Í xio n ( co nd e na d o a and ar a tad o a u ma r o d a e m c ha ma s q ue g ir a e ter na me nt e no T ár tar o ) o u Sí si f o , q u e e mp ur r a u m r o c hed o a t é ao ci mo d a mo nt a n ha – el e, c lar o , ca i – e é o b r i gad o a r eco me çar se mp r e o me s mo p e no so tr ab a l ho . 319 Ver na n t - O U n i ver so , o s D e u se s e o s Ho me n s, p . 7 7 . 316 82 de dia pela águia de Zeus e que pela noite torna a crescer 320), semelhante aos movimentos dos astros que regressam sempre ao mesmo ponto de partida: a imagem móvel da eternidade imóvel 321. * O espelho, a vela, a ampulheta, relógios de areia, clepsidras, flores, bolas de sabão, esqueletos, crânios, lagartas, borboletas, muletas, matéria em decomposição: tudo símbolos da passagem do tempo e da fragilidade da vida que parecem perseguir (de forma por vezes mórbida e tenebrosa) o barroco. E como poderemos esquecer esse outro sinal característico de velhice muito utilizado neste período: a foice e a gadanha? Erwin Panofsk y, em O Pai Tempo (1939), compara a parecença entre Chronos (expressão grega para tempo) e Kronos (Saturno romano, o mais velho dos deuses), e defende que estes atributos específicos dados ao tempo poderão ter sido introduzidos neste período tendo em conta este mais velho membro do panteão grego e romano, que, como patrono da agricultura, trazia geralmente uma foice. Como tal, as imagens e concepções antigas do Tempo como Kairos (momento decisivo que marca um ponto crucial na vida dos seres humanos, ilustrado pela figura da Oportunidade) ou Aion (princípio divino da criatividade eterna, ilustrado por atributos de poder cósmico) são substituídas por símbolos de decadência ou destruição que visam realçar o seu significado temporal. Panofsky conclui: “Mas nenhum período esteve tão obcecado pela profundidade e pela amplitude, pelo horror e pelo sublime do conceito de tempo como o Barroco, a época 320 Ver na n t, O U n i ver so , o s De u s es e o s Ho me n s, p . 7 7 . A h is tó r i a d e P r o me te u, e d a s ua a s t uta d i vi são d a s car n es d e u m to ur o , m ar ca o i n ício d e u m no v o te mp o : a sep a r ação d o mu n d o d o s d eu se s d o mu nd o d o s h o me n s. Ze us e sco l he o n aco co m o asp e cto mai s atr ae nt e ( go r d ur a b r a nc a q ue e sc o nd e ap e n as o s o s so s) f ica nd o o s ho me n s co m a s p e le s d o an i ma l e s fo l ad o , co nt e nd o no i n ter io r b e lo s naco s d e car ne s uc ul e nt a. Co mo c as ti go p e la p ar tid a , to r n a- s e ele p r ó p r io al i me n t o d a ág u ia d e Ze u s. 321 Ver na n t - O U n i ver so , o s D e u se s e o s Ho me n s, p . 7 7 . 83 em que o homem enfrentou o infinito como qualidade do universo, em vez de ser uma prerrogativa de Deus.” 322 Mas Deus continuará por lá, como defende Philippe Ariès: “Com melancolia e amargura, a sensibilidade barroca regista o facto que a vida é vazia. Apenas Deus e a religião podem preencher esse vazio.” 323 O tempo é o grande protagonista deste período, e nele irá brilhar. Todos os símbolos referidos tornam-se não só vivas imagens do efémero que somos, mas também do pó que iremos ser 324. A morte esconde-se em todas as coisas que vivem, e alguns objectos eleitos — o espelho será apenas um deles — irão «congelar» no tempo a impermanência e indizibilidade desse mesmo tempo. O tema das vanitates (ampliada pela tradição bíblica: Vanitatum et omnia vanitas 325 [vaidade das vaidades, e tudo é vaidade], com os seus «discursos » persuasivos, moralizantes, pode ser visto como um “sismógrafo da(s) atitude(s) perante a morte” 326, segundo afirmou Manuel Gantes. Nós diríamos que há vários pontos altos que anunciam algo de novo nesta relação espelho-morte 327, mas que o pico desse sismo da evanescência do mundo – a verdadeira ruptura – estará, quanto a nós, em Hans Burgkmair and His Wife (1529), de Lucas Furtenagel 328. Talvez por manter 322 o enigma, a ambiguidade, Er wi n P a no f s k y - O P ai T e mp o , p . 8 1 . P hil ip p e Ar iè s - O mn i a Va ni ta s, p . 1 8 9 . 324 Ma n uel Ga n te s, e m Va ni ta s, d i vid e es te s s í mb o lo s e m q u atr o gr up o s : sí mb o lo s d a vid a ac ti va , d o sab er e d o p o d er ( liv r o s, i ns t r u me n to s ar t í st ico s o u c ie nt í fi co s , d in h eir o , cep tr o s, co r o as, et c.) ; p a ss at e mp o s/ fr i vo l id ad es ( car ta s d e j o gar , in s tr u me n to s mu s i ca is , cá lic e s d e vi n ho , e sp e l ho s) ; p a ss a ge m d o te mp o ( r o sa s mu r c ha s, o s so s, vel a s e la mp ar i na s, a n i ma is e m b al sa mad o s, r e ló gio s, c l ep s id r a s) e sí mb o lo s d e v id a no a lé m ( r a mo s d e o li ve ir a) . A me n s a ge m d e to d o s e le s ser á: o s p r azer e s ter r e no s são b r ev es . Vej a - se o t e xto d e An a Ha t her l y - R ep r e s en taç ão d o T e mp o n a I d ad e B ar r o ca, p . 9 1 -1 0 4 , o nd e a au to r a fr i sa q ue n e m se mp r e a d eci fr ação d a s o b r a s é t ão s i mp l es co mo p o d er á p ar ecer . 325 Ecle s ia ste s 1 2 :8 , c i tad o no t e xto d e L ia na De G ir o l a mi C he n e y Va ni t y/ Va n ita s, p . 8 8 4 . O eq ui va le n te cl á s s ico d es ta fr a se r e mo n ta ao sé c ulo VI a.C ., a T ale s: h o mo b u l l a ( o ho me m é u ma b o l h a) . Vej a - se ta mb é m I v a n G as k el l T he I ma g e o f Va ni ta s e o cat álo go d e J o h n Ra ve na l - Va n ita s. 326 Ma n uel Ga n te s - Va n it a s, p . 1 4 . 327 Vej a m- s e a s se g u i nt e s o b r as : Alb r ec ht D ür er , All eg o r y o f Yo u th , Ag e a n d Dea th ( 1 5 2 0 -1 ) , d e se n ho d a co lecç ão d o B r i ti s h M u se u m; Ha n s B a ld u n g Gr ie n Dea th a n d th e Ma id en ( c. d e 1 5 1 0 ) , K u ns t hi s to r i sc h es M u se u m, V ie na. 328 Es te q uad r o co nd e n sa tr ês id eia s : id ei a d e veri ta s ( v er d ad e) , d e va n ita s ( va id ad e) e d e p ru d en t ia ( p r ud ê nc ia ; o “K no w t h ys el f ” i n scr ito n a mo ld ur a d o esp e l ho ) . E nco n tr a - se n a co l ecç ão d o M u se u d e B el as - Ar te s d e V ie na . C f . E lai n e S he fe r - M ir r o r / Re fl ec ti o n, p . 6 0 2 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u) . 323 84 apresentando-nos um espelho do «futuro». Um casal faz-se retratar a olhar para um pequeno espelho convexo, mas este, ao invés de reflectir os seus rostos decide antes (por sua livre iniciativa), reflectir dois pequenos crânios. Se olharmos com alguma atenção reparamos na seguinte inscrição em alemão no topo direito do quadro (que traduzimos para português): “Tal era a nossa forma em vida; no espelho nada permanece para além disto.” Será o reflexo por vezes mais verdadeiro que a própria realidade? (Ver Fig. 22 e 23). * Desfaçamos alguns equívocos que a questão tempo provoca. O tempo é um grande actor, que coloca sempre em cena os seus duplos, para nos ludibriar com as suas máscaras e tácticas falaciosas. Vemo-lo como “uma espécie de evidência familiar, um ser claro, uma realidade unânime. Adivinhamo-lo sempre, em nós, em redor de nós, secreto, silencioso, mas constantemente em acção, na folha que cai, na criança que nasce, na parede que decai, na vela de aniversário que se sopra, no amor que começa, nesse outro que desvanece” 329. Mas o que flui no tempo (os fenómenos que o vestem, digamos assim), não pode ser equiparado ao que o tempo é. Assim, atributos como a mudança, o devir, o movimento, a repetição, a sucessão ou a morte – e podemos ver esta última como a sua última roupagem – são desdobramentos do tempo e falham a missão de nos apresentar o tempo sob o seu aspecto ontológico (como é em si mesmo). Um ponteiro que continuamente gira em redor do seu eixo para nos dar as horas, minutos, segundos – e que imediatamente associamos à definição «tempo » – só mantém o engano: “o tempo habita fora do 329 Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 3 . U m ma g n í f ico e b r il h a nte e ns aio so b r e o te mp o . 85 relógio.” 330 Nunca podemos vê-lo, nem cheirá-lo, escutá-lo ou tocá-lo: na verdade, percebemos apenas “os seus efeitos, as suas obras, os seus adornos, as suas metamorfoses (...)” 331. Mas em nenhuma delas este responsável pela sucessão dos instantes se deixa realmente ver. Sintetizemos: o tempo é um ser que engloba três conceitos distintos (simultaneidade, sucessão e duração); possui uma paradoxal imobilidade (as coisas passam mas ele não); contrariamente a nós, o ontem/hoje/amanhã apreendermos, são temos para ele momentos de recorrer não ao equivalentes. curso do Para o tempo propriedades do tempo que passa), mas à “flecha do tempo” 332 (as (o que ele tem de inabalável, de constante), segundo nos diz o físico Étienne Klein. A muito antiga querela Ser Vs Devir (Parménides Vs Heraclito) reemerge. Para o primeiro pensador, tudo podia ser descrito a partir do conceito de imobilidade (o devir era ilusório; esta é a posição que é tomada pelos físicos actuais, seduzidos pela tranquilidade da invariância); para o segundo tudo era móvel, não se podendo imaginar um ponto fixo para avaliar as mudanças produzidas no mundo (tudo é devir). O tempo do ponto de vista da física é-nos distante e estranho (cada vez mais, se pensarmos na incompreensível física quântica); ela diz – postula – que, com o tempo, nem tudo passa! Neste mesmo momento, ocupamos um determinado espaço e tempo precisos. Os dois estão sempre acoplados: tal deve-se a uma descoberta efectuada em 1905 por Einstein (a teoria da relatividade), onde este físico defendeu que o tempo físico não é newtoniano (ou seja, absoluto 333). O que está para nós presente num determinado momento já não existe ou ainda não existe para um observador que se desloque em direcção a nós. Consequência: é impossível definir um instante presente. O tempo torna-se 330 mais pessoal, relativo ao É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o , p . 1 5 . Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 5 . 332 Kl ei n - O T e mp o , p . 3 3 . 333 E i n st ei n p ar t i u d a d e sc o b er ta q ue a ve lo cid ad e d a l u z é a me s ma p ar a to d o s o s o b ser v ad o r e s. P o r o u t r as p a la vr as , a p al a vr a “a go r a ”, q ue er a v is ta co mo tr a n sp ar e n te e “cl ar a” – o q ue se p a s sa a g o ra p ar a mi m p as sa - s e a g o ra p ar a to d o s o s o b ser vad o r e s d o U ni v er so – n u nca mai s ir i a s er a me s ma . 331 86 observador que o mede. Cada observador tem a sua própria medida de tempo que “depende do local onde está e da maneira como está a mover-se” 334. O objecto quadrimensional espaço-tempo 335 afecta e é afectado por tudo o que acontece no universo: é um objecto dinâmico. Se o primeiro termo (o espaço) aparece como local de liberdade (podemos ir e vir em todas as direcções), o segundo (o tempo) encarcera-nos ao presente. Convém lembrarmo-nos que “qualquer trajecto efectuado no espaço é cronofágico” 336 (nada se desloca num nada de tempo); espaçotempo estão agora indelevelmente ligados. Ninguém terá levado o problema insondável da essência do tempo tão a peito como Santo Agostinho. O bispo de Hipona foi dos primeiros a aventurar-se a afirmar que qualquer tentativa de medir o tempo está condenada a colapsar: pois quem é que pode, realmente, medir o tempo que passou ou o tempo futuro que ainda não chegou? Estes não se podem medir porque não existem! Apenas o “espírito” pode medir o tempo: Em ti, meu espírito, meço os tempos! 337 É impressionante constatar como Santo Agostinho ousou pensar (de forma quase «revolucionária») num tempo psicológico, duma duração interior presente na nossa memória. Umberto Eco verá esta medida não métrica como um “audacioso coup de théâtre” 338 deste pensador. Este teólogo conseguiu traduzir a experiência humana do tempo de forma brilhante, instituindo três desdobramentos do presente: o presente das coisas passadas (a memória), o presente das presentes (a atenção, que liga passado e futuro), e o presente das futuras (a expectativa). Citemo-lo: 334 St ep he n Ha wk i n g - B r e ve Hi s tó r i a d o T e mp o , p . 4 7 . E sta teo r ia te m i m p lic açõ e s “r ea is ”: se co n sid er ar m o s d o i s g é meo s q ue d ec i d e m ir v i ver p ar a lo ca i s d i fer e n te s, u m d el es p ar a a mo nt a n ha e o o ut r o p ar a p e r to d o mar , p o r e xe mp lo , o p r i me ir o ir ia e n ve l hec er ma i s r ap id a me n te q u e o se g u nd o ! 335 O nd e tr ês co o r d e nad a s d ef i ne m a p o s iç ão d e u m p o nto no e sp a ço e ap en as u ma ma r ca u m aco n te ci me n to no te mp o . 336 É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o , p . 7 9 . 337 Sa n to Ago s ti n ho ci t. p o r É ti e n ne Kl ei n - O T e m p o , p . 3 2 2 . 338 U mb er to E co - T i me s, p . 1 2 . 87 Meço a i mp re s sã o q u e a s co i sa s g ra va m em t i [ no e sp ír ito ] à su a p a s sa g e m, imp re s s ã o q u e p er ma n ec e, a in d a d ep o i s d ela s te rem p a s sa d o . Me ço - a a ela en q u a n to é p r esen te, e n ã o à q u ela s co i sa s que se su ced era m p a ra a imp r es sã o ser p ro d u zid a . É es sa im p re s sã o o u p e rcep çã o q u e eu me ço , q u a n d o meço o s t emp o s. Po rta n to , o u e s ta i mp r es sã o é o s temp o s o u eu n ã o meço o s t emp o s . 339 Se é certo que só temos um tempo, ele nunca é o mesmo: o nosso “espírito” (consciência) projecta sobre ele uma miríade de inúmeros reflexos. O papel da memória é fulcral, e ainda hoje constitui um grande desafio em termos de estudo para as neurociências: como é que o cérebro apreende imagens, sons, odores e sabores, num registo multimédia que recupera mais tarde, na altura própria? Citamos António Damásio, que se aventurou na desconstrução desta complexa arquitectura cerebral: “Com o tempo, a recordação poderá desvanecerse. Com o tempo, e com a imaginação de um fabulista, o material será embelezado, baralhado e voltará a ser ordenado num romance ou num argumento cinematográfico.” 340 Muito mais haverá a descobrir nas nossas memórias de “efeito proustiano” 341. A arte desafia, contesta – brinca – com o tempo. Os artistas não conseguem antecipar nascimentos ou prolongar partos (como Hera faz), mas também dilatam e manipulam o tempo à sua maneira. Gostam das vestes do tempo e das suas várias máscaras. Há exemplos notáveis 342. 339 Sa n to Ago s ti n ho - O Ho me m e o T e mp o , p . 3 2 3 . Antó n io D a má sio - U m a Ar q u ite ct ur a p ar a a M e mó r ia , p . 1 6 8 . 341 Antó n io Da má s io - U m a Ar q u it ec t ur a p ar a a M e mó r ia , p . 1 7 1 . O a uto r r eco r r e a Mar ce l P r o u s t p ela c ap a cid ad e d e s te e scr ito r e m r eco r d ar co nt e xto s, e não ap e na s ce na s i so lad a s. 342 L e mb r ar e mo s o b r a s c o m as q uai s te mo s a fi nid ad e s: a s p i n t ur a s d e C h ir ico ( fe it a s d e so mb r a s) , d e Mar ce l D u c ha mp ( f eit as d e “ac aso ” e d o o l har d o esp e ct ad o r ) , d e Do u g la s Go r d o n ( f ei ta s d e te m p o d il atad o ) , d e Hi r o s h i S u g i mo to ( fe it a s d e r ep et ição s er i al) , d e Fr a n ci s Al ys ( fe ita s n u m d e ter mi nad o ... te mp o ) ; a li st a p o d er ia co nt i n uar . . . ur ge no mear u m e x e mp lo f u nd a me nt al : a p e ça d e J o h n Ca g e i nt it u lad a 4 ´ 3 3 ´ ´ , q ue co n s is ti a no p i a ni s t a Da vid T ud o r l e va n tar a ta mp a d o p ia no e se n tar - s e d e fr o nt e d el e d ur a nte 4 mi n uto s e tr i nt a e tr ê s s e g u nd o s, s e m to car ab so l ut a me n te n ad a. A p eça er a so b r e o s ilê n cio ? Não ; er a so b r e a i mp ac iê nc ia e a ir r it açã o d e q ue m ti n h a id o «o u vi r » aq ue la p eça . E st a o b r a na sc e 340 88 Temos de ter em mente que todas as obras, sem excepção, instauram relações com o tempo 343, embora haja algumas que nos façam pensar apenas e só nele [a respiração nos espelhos de Oscar Muñoz, por exemplo (Fig. 24); esta obra tira um grande partido do factor tempo, pois apenas é «accionada » com a nossa respiração sobre os espelhos circulares expostos: apenas por breves momentos temos consciência que o artista gravou outros rostos no metal, que se fundem perversamente com o nosso (rostos de pessoas que foram mortas de forma violenta). Constatamos que a obra também poderá remeter para uma antiga superstição associada ao espelho: quando havia um morto, colocava-se um espelho em frente à sua boca para ter a certeza que ele não embaciava, uma prova de que ele estaria mesmo... morto. Aqui o processo é semelhante: nós, os não mortos, iremos embaciar a sua superfície e vislumbrar de forma fugaz esses rostos incógnitos, que pouco nos dizem]. Seremos capazes de definir o “abismo” 344 que o tempo é? A arte tentou várias vezes a sua sorte. E há sonhos ingénuos que continua a ter: o de se furtar ao tempo, passando uma rasteira à morte; o de fazer com que o tempo se detenha (como em casa do chapeleiro de Alice, em que são sempre cinco horas da tarde, hora do chá, e se esvaziam e enchem chávenas); o almejar ser imortal, como os struldbrugs de Swift 345; ou simplesmente, crer possuir o dom de Funes 346. d o téd i o d e esp er ar p o r u ma d e ter mi n ad a ac çã o : e é p er a n te e ste d e se sp er o , q ue, p r o va v el me n t e, mai s co n se g u i mo s se n tir u m t e mp o e m e s tad o p ur o , p o r q ue na s ua co mp a n hi a... es ta mo s só s. 343 U mb er to E co , no te x to O Temp o d a A r te , es tab e lece e m q ue se n tid o é lí cito fa lar d e te mp o n u ma o b r a d e ar te. E n u me r a d o i s t e mp o s: o te mp o d a exp re s sã o ( q ue p o r s ua v ez se d i v id e e m tr ês f ac to r e s: a e xp r e s são d es e nr o l a - se no te mp o ; r eq uer u m te mp o d e p e r c ur so ; r eq uer u m te mp o d e r eco mp o si ção ) e o te mp o d o co n teú d o ( te mp o d o e n u nc iad o e te mp o d a e n u nc iaç ão ) . Lyo tar d d ir á q u e há u m te mp o d e p r o d uç ão d a o b r a, u m t e mp o d e co ns u mo , u m t e mp o ao q u al a o b r a se r ef er e, u m d eter mi n ad o t e mp o q u e d e mo r o u a ch e gar at é nó s, e o te mp o q u e ela p r ó p r ia é; ver Lyo tar d - O I n s ta nt e, Ne wma n , p . 8 5 . 344 J ea n -Fr a nço is L yo t ar d - O I n st a nte , N e wma n , p . 8 0 . 345 P er so n a ge n s i n v e nt ad o s p o r J o nat h a n S wi f t e m As Via g en s d e Gu l li ve r, q u e não p o d ia m mo r r er e q ue r e p r es e nta v a m u ma i ma ge m ter r í ve l d a d ec ad ê nc ia h u ma n a. O nar r ad o r lo go d es co b r i u q u e ser i mo r ta l n ão er a u m so n ho as s i m tão i nt er e ss a nte ... Ver S wi f t , o b r a ci tad a, p . 2 8 0 -2 9 1 . 346 P er so na ge m cr iad a p o r J o r ge L ui s B o r ge s e m “F u ne s o u a me mó r ia”, q ue t i n h a u ma me mó r ia “i mp lac áv el” , u ma p er cep ção ex ac ta d o t e mp o , c o n se g u i nd o 89 Para regressarmos à metáfora de onde havíamos partido — eterno retorno não do rio, mas da árvore — evoquemos um último exemplo: a árvore gigante do Sequoia Natural Park, com 84 metros de altura e a provecta idade de dois mil e seiscentos anos — companheira em tempos idos de Heraclito e de Parménides 347, portanto —, totalmente alheia à impermanência ou à imobilidade do tempo. Sem dúvida que os seus inúmeros veios redondos acabarão por se tornar também eles “matéria entregue às suas próprias leis” 348. Decerto haverá um menino que brinque à sua sombra, depois faça uma casa dos seus ramos, um barco com o seu tronco, e por fim se sente em cima do seu velho toco (mas não o mesmo menino da história, um outro). Time is flowing in the middle of the night, dizia Tennyson 349. Não faz alarde da sua presença constante, não se detém, não fica suspenso como por vezes julgamos (ou quereríamos), não pode fazer “taquetique” (não é reversível). Está sempre vigilante — característica que partilha com os espelhos —, mesmo a meio da noite, quando todos dormimos e mergulhamos em queda livre nesse estranho reino da atemporalidade 350 (Fig. 25). Invocamo-lo como a um ser familiar (“embora ninguém o tenha visto cara a cara e ele não dê sinal” 351), mas seria mais correcto falar dele como um ser abstracto. O «coração » do tempo nunca faz pausas, nunca pára de bater, palpitando de vida. r eco n sti t ui r p o r vez es u m d ia i nte ir o ( se nd o q u e d e mo r a v a u m d i a i n te ir o p ar a ta l e mp r e sa) . Ver B o r ge s - Ob r a s Co mp let a s, p . 5 0 3 -5 0 9 ( vo l. I ) . H á u m a o b r a d e Do u gla s Go r d o n q u e é u m e xe mp lo ma r a v il ho s o d e tal fe ito : e le te n ta r eco r d ar e esc r e ver o s no me s d e to d as as p e sso as co m q ue m j á se cr uzo u n a s u a vi d a; ver L is t o f n a m es ( 1 9 9 0 – o n g o in g ) . 347 O r e sp o ns á vel p o r es t a a s so ci ação s ur p r ee nd e nt e é M a x Do r r a e m H eid eg g e r, Pri mo Lev i e t le S eq u o i a , Ga ll i mar d , 2 0 0 1 ; é ci tad o p o r É ti e n ne Kl ei n - O T e mp o , p . 3 9 , no t a d e r o d ap é 2 1 . 348 Mar g uer it e Yo u r ce na r - O T e mp o , e s se Gr a nd e Esc u lto r , p . 5 2 . 349 Lo r d Al fr ed T e n n ys o n c it. p o r J o r g e Lu is B o r ge s - O T e mp o , p . 2 0 8 . ( vo l . I V ) 350 Vej a - se Mar ia Z a mb r a n o - A Ate mp o r a lid ad e, p .5 5 -9 0 . 351 Étie n n e K le i n - O T e mp o , p . 1 7 . 90 CAPÍTULO II O SONHO DE PLATÃO A Dualidade Especular To d a s a s co i sa s co n h ec i d a s t êm u m n ú me ro . Po rq u e n a d a p o d e s er p en sa d o n em co n h ecid o s em o n ú me ro . Her a cl ito 352 Do n o t a ll ch a rm s fly At th e m er e to u ch o f co l d p h ilo so p h y? Th e re wa s a n a w fu l ra in b o w o n ce in h ea ven : We kn o w h e r wo o f , h e r te xtu re; sh e is g iven I n th e d u ll ca ta lo g u e o f co m mo n th in g s . Ph ilo so p h y w il l c lip a n An g el´ s win g s, Co n q u e r a ll my st e rie s b y ru le a n d lin e, Emp t y th e h a u n t ed a ir, and g n o m ed min e … Un w ea ve a ra in b o w… J o h n K ea ts , La mia 353 Tudo começa com Platão, pelo menos no que à “fria filosofia” diz respeito. O escritor Giorgio Colli diz-nos que as origens da filosofia grega (e portanto de todo o pensamento ocidental) são 352 353 Fr a g me n to d e H er ac li to d e DI E LS ci t. p o r S i mo n e W ei l - A Fo nte Gr e ga, p . 1 6 3 . J o h n Kea t s - L a mi a, p . 4 3 1 . 91 “misteriosas” 354. Nós arriscamo-nos a colocar a seguinte hipótese: no princípio... era a sombra da caverna. Sombra e filosofia platónica podem ser definidas por um conceito comum, o de falta. Como definir sombra? Como uma falta de luz. Já Platão defende que o seu próprio pensamento pode ser encarado como uma falta de conhecimento (designa-a de «philosophia», amor da sabedoria, em oposição à «sophia» que o precedeu, época dos grandes sábios). O fim da filosofia surge então como “nunca detido” 355: é uma procura, um cuidar, um dedicar-se à verdade. O único ser capaz de fazer sombra a este filósofo não era o seu promissor discípulo (Aristóteles), nem os persuasivos sofistas (que arduamente carregavam o fardo da sua eloquência), nem mesmo o seu adorado e estranho mestre (Sócrates). O inimigo de Platão era Homero. Citamos Roberto Calasso: “Toda a República de Platão pode ser interpretada como a encenação da disputa entre Platão e Homero, uma disputa que nunca se concluiu e que ainda hoje guia invisivelmente as nossas palavras” 356. Platão, na realidade, gladiava-se com um fantasma — três séculos os separavam 357 —, e podemos antever a sua maior angústia: conseguiria chegar a Filosofia (com o número, a regra e a linha) at é onde chegava a poesia com a mera palavra encantatória? Poderia alguma vez suplantá-la? Ficaria realmente Homero à porta da sua “justa”, “bela” e “boa” cidade? Qual a real razão para a sua guerra aberta aos poetas? Acreditamos que o seu ataque não visava os poetas em si (apesar de detectarmos um certo ressentimento em todo o seu discurso; talvez a 354 Gio r g io Co ll i - L a Na is sa n ce d e la P hi lo so p h ie, p . 1 5 . Es te a u to r v alo r i za o “tr o nco ” q u e p r ec ed e u P latão : He r ac li to , P ar mé n id e s, E mp éd o c le s, q ue mu i to co n tr ib u ír a m p ar a faz er d a fi lo so f ia a cr ia t ur a c o mp ó si ta q u e ho j e co n h e ce mo s. 355 Mar ia F ilo me n a Mo ld e r - E sc u tar ía mo s nó s u m car v al ho o u u ma p ed r a, se el e s d is se s se m a ver d ad e? , p . 7 9 . Fica a id ei a d a i mp o s sib il id ad e d e tr a çar li mit e s p r eci so s ao ho r izo n te d a f ilo so f ia. 356 Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul as, p . 1 0 1 . 357 Es ta ma r ge m d e tr ê s s éc ulo s não é u m n ú mer o p r eci so , j á q ue a d a t ação d as o b r as d e Ho mer o ( e co n seq u e nt e me n te d a s ua vid a / mo r te) es tá e n vo lta e m co n tr o vér s ia. Ap o nt a - se a Od i s seia co mo se nd o d o i n íc io d o s éc ulo VI I e a I l ía d a p o e ma d o séc u lo V I I I ( ver i nt r o d ução d e Fr ed e r ico Lo ur e nço a a mb o s o s p o e ma s) . P latão mo r r e a 3 4 8 -3 4 7 a. C. 92 sua consciência indicasse que eles tinham clara vantagem e supremacia em termos estéticos 358), mas o que eles representavam como mestres educadores da Grécia. As suas razões condenatórias eram, portanto, metafísicas. Os poetas não instruíam — antes pelo contrário, corrompiam a nossa mente, comprometendo a ordem da polis —, seduziam-nos com “fábulas falsas” 359 que eram indecorosas, pois retratavam os deuses de forma pouco abonatória 360. Platão não permite tais atitudes danosas: “tudo o que é relativo a divindades e deuses é totalmente alheio à mentira” 361. Mas não era só essa a razão dos poetas não serem bem-vindos. Segundo Eric Havelock, no seu Preface to Plato (1963), o ataque de Platão é dirigido ao sistema educativo vigente, totalmente centralizado na cultura oral (ou seja, na memorização e na mera repetição). Ele queria propor uma ruptura com esta cultura existente, a que pertencia o grande poeta Homero (o “enciclopedista” 362), pois acreditava que a poesia colocava um perigo moral/intelectual, confundia os valores do homem e retirava-lhes qualquer perspectiva sobre a verdade. O que Platão almejava, segundo este autor, era rejeitar esta tradição, e afirmar a psicologia do indivíduo autónomo, a afirmação de um sujeito pensante: ( … ) a co n v icçã o q u e “e u ” so u u ma co i sa e a tr a d içã o o u t ra ; q u e “eu ” p o s so d i s ta n c ia r- me d a t ra d içã o e e xa min á - la , q u e “eu ” p o s so e d evo q u eb ra r o f eit iço d a su a fo rça h ip n ó tica . 363 358 I r is M ur d o c h, no se u d i v er t id o d iá lo go A ca s to , co lo ca me s mo u m d o s p er so n a ge n s a d iz er q ue P latão d e te st a a ar t e p o r in v ej a. “T e m i n vej a d o s gr a nd e s p o eta s, p o r q u e go sta r ia d e s er u m d ele s” . Ob . ci t., p . 7 0 . 359 P latão - A Rep úb l ica , p . 8 7 . Li v r o I I . 360 P ar a P l at ão , e se g u nd o Har o ld B lo o m - O nd e E st á a S ab ed o r ia, p . 4 8 , “O s d eu se s d e ver ia m ser li v r es d a l u x úr ia, d o f u r o r , d a i n vej a, e d e t ud o o ma i s o q ue no s i n ter es s a no Ze u s d e Ho mer o ”. 361 P latão - A Rep úb l ica , p . 9 8 . Li v r o I I . 362 E . Ha ve lo c k - P r e f ace t o P lato , p . 4 9 . A e xp r e s são é ir ó ni ca, p o is sab e mo s o q ue P latão p e n sa v a d o sa b er “e nci clo p éd ico ” q ue a tr ib u ía ao s so f is t as e ao s d e ma go go s. No F ed ro , e se g u nd o a l ei d e Ad r a st eia ( p o d er ao q ua l ni n g ué m co n se g u e e sc ap ar , o I n ev it á vel ) , e st es o c up a v a m o p e n úl ti mo l u gar . O úl ti mo p er te n cia ao s t ir a no s, o p r i me ir o ao s fi ló so fo s. Ver p . 6 4 d o li v r o ci t ad o , 2 4 8 d 2 4 9 a. 363 Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 1 9 9 . 93 Tudo isto produz uma pequena «revolução»: torna-se possível identificar o sujeito em relação ao objecto pelo simples facto que deixa de haver identificação. E este ponto é fundamental: a co n cep çã o d e “eu a p en sa r so b re Aq u i le s ” a o in v és d e “ eu a id en t if ica r- me co m Aq u ile s ” n a sceu . 364 Se queremos acompanhar as propostas de Platão, teremos de nos situar na passagem do mundo-imagem do épico para o mundo-abstracto da descrição científica 365, onde o poder de pensar, de calcular, de conhecer é agora totalmente distinto de uma capacidade de ver, ouvir ou sentir 366. Nasce assim o discurso conceptual. Platão queria portanto derrubar o grande poeta grego — o seu próprio inconfessado mestre? — numa batalha espiritual. A palavra mago, bruxo, é aqui essencial: “é ela que define o inimigo, seja ele deus ou poeta” 367. Ele quer que o reino da imutabilidade perdure sobre o da metamorfose (desses deuses que ele recusa veementemente como sendo “feiticeiros que mudam de forma” ou “seres que nos iludem com palavras e actos” 368). Os deuses merecem ser tratados com dignidade. A poesia é então vista por ele como “sedução” e “dano” 369. É bem conhecido o mural intitulado A Escola de Atenas 370 onde Rafael representa vários pensadores, mestres longínquos, supostamente apanhados desprevenidos numa alegre reunião da Academia. O pintor retrata Platão no único gesto capaz de “denunciar” a sua doutrina filosófica: a mão direita está fechada, mas o dedo indicador aponta para cima (para a abóbada do tecto? Para o mundo inteligível? Para a saída da caverna pelo filósofo?). O gesto que não lhe associaríamos tão facilmente mas que é, de facto, revelador da «sua» verdade é o gesto 364 Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 0 9 . Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 8 -9 . 366 Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 0 6 . 367 Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul a, p . 1 0 3 . 368 P latão - A Rep úb l ica , p . 9 8 . Li v r o I I . 369 P latão - A Rep úb l ica , p . 4 7 0 e 4 7 2 . Li vr o X. 370 A E sco la d e A ten a s ( 1 5 0 9 -1 5 1 0 ) , fr e sco co m 5 x7 m, P a lác io Ap o stó li co , Vat ica no , Ro ma. 365 94 iconoclasta, inaugurador da metafísica, como Jacqueline Lichtenstein tão bem observou. Citemo-la: E xclu íd a d o re in o d a meta fí s ica , d ep o sta d e q u a lq u e r p o s içã o rea l, a i ma g e m en co n t ro u - se r ed u z id a , p elo me smo a cto q u e p er mi tiu a co n st itu içã o d e u m d i scu rso f ilo só f ic o , d e ma i s n ã o se r q u e u m si mu la cro so b re a s p a red e s d e u ma ca v ern a , a p en a s u ma so mb ra . Ma s ela n ã o fo i su p r im id a , a sso mb r a n d o a filo so f ia d esd e en tã o , co mo a fig u ra d o mo rto a s so mb ra o cr im in o so : co mo u ma so mb ra , p re ci sa m e n te . 371 Demos aqui um salto da poesia para a «imagem » (que terá uma definição mais ampla), mas o fundamental mantém-se: novamente a «sombra» que parece não dar descanso a Platão. Tentemos agora resumir brevemente as razões do seu ataque feroz ao que decidimos chamar de “ficção da imagem” (e onde incluímos as “artes miméticas” como a poesia e a pintura, que Platão pressentiu terem analogias entre si, mas que também pode ser extensível à própria escrita ou à música). Veremos que até somos tentados, em alguns pontos, a concordar com a sua hábil argumentação. Através da ficção da imagem: 1) Deixamos de pensar. A imagem é a antítese da ciência, pois corrompe o intelecto. Ficamos emocionalmente presos (possuídos) pelas suas ladainhas que nos enfeitiçam, distraem, arrepiam, hipnotizam e, pior, suspendem as nossas operações racionais e críticas, permitindo que mergulhemos no mundo das aparências fabricado pelo seu autor. A produção de simulacros, aos olhos de Platão, teve sempre “uma manifestação mágica, taumatúrgica” 372. Mas toda esta ficção mais não é que um “perfume sem essência, que transforma a ordem em adorno, o cosmos em cosmética” 373, como afirmou o filósofo Jacques 371 372 373 J acq uel i ne L ic h te n s tei n - L a Co u le ur É lo q ue n te , p . 9 . J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 1 7 4 . J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 1 7 7 . 95 Derrida. Deixemos Platão falar por si: “todas as obras dessa espécie [de carácter mimético] se me afiguram ser a destruição da inteligência dos ouvintes” 374. Platão propõe um novo discurso, uma nova experiência do mundo: “reflexiva, científica, tecnológica, teológica, analítica.” 375 2) É-nos dada uma visão mono focal e contraditória. O pintor apresenta-nos o objecto pintado de um determinado ponto de vista por ele escolhido, controlando o aspecto do que é representado e do que nos é dado a ver: engana-nos com a sua visão mono focal. Citamos a pergunta de Sócrates no Livro X, ao tentar encaminhar o interlocutor para a questão da pintura ser a arte de imitar a realidade como ela é ou em aparência: “(…) se olhares para uma cama de lado, se a olhares de frente ou de qualquer outro ângulo, é diferente de si mesma, ou não difere nada, mas parece distinta?” 376 Imaginemos agora um enredo criado por um poeta, onde nos debatemos com características contraditórias: um herói pode agora ser «bom », mas daqui a um bocado passa a ser «mau»: ou seja, falha um padrão de “bondade” no abstracto. O que faz à psyche dos ouvintes? Identificamo-nos totalmente com o que está a ser dito, e portanto tornamo-nos também bons ou maus consoante a situação que nos é apresentada. Não há qualquer consistência, apenas irracionalidade. Platão quer ir mais além das proporções ou propriedades que constantemente mudam (que são e não são ao mesmo tempo) e chegar ao “Ser em si” 377, ao que “é”, e “é” para sempre. 3) Aprenderemos realmente algo? Ensinar-nos-á a ficção da imagem qualquer coisa? Dar-nos-á a arte conhecimento, ensinar-nos-á genuinamente? A imagem é produtora de opinião, não de ciência (por outras palavras, não de verdade, mas de aparência). Platão visa a excelência (a verdade 374 P latão - A R ep úb li ca, p . 4 4 9 . Li vr o X. Er ic Ha ve lo c k - P r e fac e to P la to , p . 2 6 7 . 376 P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 5 . Li v r o X, 5 9 8 a -b . 377 P latão - A Rep úb l ica , p . 2 6 4 . Li v r o V , 4 8 0 a. 375 96 total: o tal ideal de imutabilidade, generalidade, atemporalidade), e portanto a “opinião” não é suficiente, o objectivo final é a contemplação do mundo das Ideias. Será então correcto fazer eco com Panofsk y: Platão atribui às artes o “delito de reter o olhar interior do homem no âmbito das imagens sensíveis” 378. Platão precisa de afirmações categóricas, de normas, da lei verdadeira, e isso é algo que a ficção da imagem não lhe pode dar. Alguma coisa fica do que Platão disse 379, decerto. As implicações do que acima foi dito são de extrema importância: a ficção da imagem é banida porque Platão via nela um enorme perigo, um enorme poder que ele não saberia domar ou domesticar, e a solução que encontra é escorraçá-lo completamente da sua cidade ideal (e será esta apenas um símbolo da alma, como defende Simone Weil? Custa-nos a crer em tal). Platão não está louco quando proíbe os poetas de se aproximarem das suas muralhas, pelo contrário, está extremamente lúcido: foi um dos raros pensadores que “levou as imagens a sério, ou seja, crendo na força do seu poder” 380. E este é um pensamento reconfortante: a ficção que toda a imagem representa — no final — ganha. Antes de avançarmos, queremos advertir que não somos os leitores «ideais » d a República. Talvez pelo que alguns críticos chamaram de “ruído da ideologia” 381 que se faz por vezes sentir (só a profunda convicção que se está a “fundar uma cidade mais perfeita que tudo” 382 deixa-nos logo desconfiados, muito mais incomodados de que com a sua suposta “antipatia à democracia” 383); pela adopção de uma hierarquia inflexível, tirânica, onde cada um ocupa um lugar muito preciso; por ser um diálogo que não tem a frescura de outros textos mais memoráveis (e até onde a figura de Sócrates — A grande ficção 378 379 380 381 382 383 Er wi n P a no f s k y - I d e a, p . 3 1 . B er tr a nd R u s se ll - A Ut o p ia d e P lat ão , p . 1 0 9 . J acq uel i ne L ic h te n s tei n - L a Co u le ur É lo q ue n te , p . 1 0 . And r e w Fo r d c it. p o r H ar o ld B lo o m - O nd e E s t á a Sab ed o r ia? , p . 4 3 . P latão - A Rep úb l ica , p . 4 4 9 . Li v r o X, 4 9 5 a. R. C . Cr o s s e A.D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 1 9 8 . 97 platónica? — nos parece pouco convincente). A prosa límpida, vi va , cintilante a que Platão nos habituou não está aqui (e é que com ela perdoaríamos-lhe tudo, até utopias políticas). Seja como for, fica a certeza que a desmontagem deste texto tão antigo é absolutamente impossível. Ele está fechado numa redoma de imperceptibilidade que o próprio Platão anteviu em todo o texto escrito (que não pode nem responder nem perguntar, que não se pode defender, que necessita sempre da “ajuda” do seu autor 384). A escrita, para Platão, e como defende Derrida, é pharmakon, “espaço de alquimia” 385: remédio mas também veneno, droga. Como antídoto poderoso, a dialéctica, a lei, a filosofia 386. Seria contudo incorrecto não admitirmos também que, perante este seu texto, nos identificamos com Trasímaco, o «douto» sofista, perante a argumentação superior de Sócrates — suamos, coramos. A sua Politeia 387 derrota-nos sem esforço. É para lá que nos dirigimos agora, tentando reconstituir o caminho da detestada sombra para a amada claridade. * Sócrates dialoga com Gláucon, a sua «vítima» 388, sobre um artífice extraordinário, capaz de executar todos os objectos, mas também modelar plantas e fabricar todos os seres animados, alguém que “faz a terra, o céu, os deuses e tudo quanto existe no céu e no 384 Ver P lat ão - Fed r o , p . 1 2 2 , 2 7 5 e. E s ta e s tr a n h ez a d a e s cr i ta é t a mb é m p ar ti l had a co m a p i nt ur a, o u sej a, a to ta l i nco mp a tib il id ad e en tr e es cr i ta /p i n t ur a e v er d ad e. 385 J acq ue s D er r id a - L a P h ar mac ie d e P la to n, p . 8 7 . 386 O p r ó p r io méto d o d a d ial éct ic a – u m p r o c es s o d e d is c us s ão o r a l p o r meio d e p er g u n ta e r e sp o sta , ap r o x i ma - se d e u ma d is c u s são r e al e co ntr ar i a a r i gid e z d o te xto . V er i ntr o d u ção d e Ma r ia H ele n a d a Ro c h a P er e ir a à R ep ú b l ica d e P la tão , p . XX XI I I . 387 T ítu lo o r i gi n al d a o b r a, c uj o se n tid o e ti mo ló gi co d er i v a d e “co n s ti t ui ção ” o u “fo r ma d e Go ver no ” d e u ma p o li s o u c id ad e - e st ad o . R es u mi nd o , ab o r d a tud o o q u e d iz r e sp e ito à v id a p úb l ica d e u m Es tad o , i nc l ui nd o o s d ir ei to s d o s c id a d ão s q ue o co n s ti t ue m. 388 Di ze mo s «v í t i ma » p o r q ue não d e i xa mo s d e p e n sar q ue o se u mé to d o p a r a ap ur ar a v er d ad e l e mb r a u ma j ib ó ia a ap r o xi mar - se d a p r e sa : c ir c u nd a - a, r o d eia - a, e d ep o i s e str a n g ul a -a se m d ó . 98 Hades, debaixo da terra” 389. Perante o espanto e surpresa do seu interlocutor, Sócrates diz-lhe que ele próprio seria capaz de executar tudo isso, não seria nada difícil, teria apenas de: ( … ) p eg a r n u m e sp e lh o e a n d a r co m e le p o r to d o o la d o . E m b r eve cr ia rá s o S o l e o s a s t ro s n o c éu , em b re ve a T er ra , em b rev e a ti me s mo e a o s d e ma i s se re s a n ima d o s, o s u ten sí lio s, a s p la n ta s e tu d o q u a n t o h á p o u co se re fe riu . - S im, ma s sã o o b jec to s a p a ren te s, d e sp ro v id o s d e ex is tên cia rea l . 390 O espelho torna-se, para Sócrates, a metáfora ideal para questionar a natureza da mimésis (a arte que simula e engana, o “teatro de sombras de fantasmas” 391, como Eric Havelock definiu tão difícil palavra), do que pode ser criado mas não é verdadeiro, pois como o próprio filósofo diz “faz o que não existe, e não pode fazer o que existe” 392 – como o trabalho de todos os artífices «imitadores » que enuncia de seguida (o pintor, o marceneiro, e o “corifeu” 393 da tragédia). Podemos depreender que todos os produtos feitos pelas suas mãos são como as imagens especulares: um nada. No espelho, não podemos ver mais que simples fenómenos (tudo o que os nossos sentidos podem apreender), porque é isso que o espelho produz: “o espelho reflecte, mas não reflecte o que é verdadeiramente” 394, não é um “mediador da verdade” 395, segundo constata Massimo Cacciari. No breve texto intitulado El Espejo de Platón (2000), este autor explora as consequências que advêm de tal facto: os fenómenos podem ser considerados como um “negativo”, uma “ausência”, o que não está efectivamente presente. É um fazer que não conduz à presença, mas um aparecer de phantásmata que ocultam o que é, no momento preciso em que dão a impressão de representá-lo. O próprio pintor age como o espelho, escondendo a ideia. 389 P latão - A R ep úb li ca, p . 4 5 1 . P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 2 . 5 9 6 e. 391 Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 . 392 P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 2 . Li v r o X, 5 9 7 a. 393 P latão - A Rep úb l ica , p . 4 5 6 , 5 9 8 e. 394 Ma ss i mo C acc iar i - E l E sp ej o d e P lató n , p . 6 1 . 395 Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 1 . 390 99 É neste sentido que este autor defende que o espelho de Platão “é cego” 396: a sua imagem não olha para a ideia, não pressupõe nada verdadeiro, não vê o que é. Parece ver: tal é a sua suprema aparência. 397 E continua com o seguinte encadeamento de pensamentos: o que aparece como perceptum é na realidade um fictum (e conhecer significa simplesmente descobrir esta ficção, o “carácter imaginativo” da percepção); tal “a ficção suprema dos espelhos” 398: o que colocam em imagem não pode ser captado como percepção, pois toda a percepção se transforma em ficção; o que julgamos uma presença é uma ausência inalcançável. Cacciari conclui que o espelho platónico: Mo st ra - n o s o n eg a ti vo d e to d a a p re sen ça , a fic çã o d e to d a a ma n ife s ta çã o , o se r fen ó men o d e to d a a rea lid a d e – a leth e co n st itu ti va d e to d a a a lét h eia . 399 Recuemos agora até ao Livro VII, tentando estabelecer um elo com o que já foi dito (as palavras «ludibriar» e «verdade» terão de estar presentes, pois são uma ponte entre as duas ideias). Platão recorre aqui a uma alegoria extraordinária que provavelmente tem raízes nos mistérios de Eleûsis e nos cultos antigos 400, a alegoria da Caverna, para nos instruir sobre a sua teoria das ideias. Tentemos visionar o estranho quadro que nos é relatado, numa passagem que é sobejamente conhecida: S u p o n h a mo s u n s h o men s n u ma h a b ita çã o su b t er râ n ea e m fo r ma d e ca ve rn a , co m u ma en tra d a a b e rta p a ra a lu z, q u e s e es ten d e a to d o o co mp r i men to d e s sa g ru ta . E stã o lá d en t ro d e sd e a in fâ n c ia , a lg ema d o s d e p ern a s e p e sco ço s, d e ta l ma n ei ra q u e só lh e s é d a d o p e r ma n e ce r n o me smo lu g a r e o l h a r e m f re n te; sã o in ca p a ze s d e vo lta r a c a b eça , p o r ca u sa d o s g r ilh õ e s, se rv e - lh es a ilu min a çã o d e u m f o g o q u e se q u ei ma a o lo n g e , n u ma em in ên cia , p o r d et rá s d el es; en t re a fo g u ei ra e o s p ri sio n e iro s h á u m ca m in h o a scen d en t e, a o lo n g o d o q u a l se co n s tru iu u m p eq u en o mu ro , n o 396 Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 5 . Ca cc iar i - E l E sp ej o d e P lató n, p . 6 6 . 398 Ma ss i mo C acc iar i - E l Esp ej o d e P lató n , p .6 7 . 399 Ca cci ar i - E l E sp ej o d e P lató n p . 6 8 . A p a l avr a e m lat i m “le t he” p o d e ser tr ad uz id a p o r “ap a ti a”, “ let ar gi a”, se nd o q u e “al ét he ia” s i g ni f ica “ver d a d e”. 400 T eo r ia d e f e nd id a p o r S i mo ne W ei l - A Fo nt e Gr eg a, p . 9 1 . 397 100 g én ero d o s t a p u me s q u e o s h o men s d o s « ro b e rt o s» co lo ca m d ia n t e d o p ú b lico , p a ra mo s tra re m a s su a s h a b il id a d e s p o r c ima d el e s . 401 Esses homens transportam ao longo do muro toda a espécie de objectos, tais como estatuetas de homens e de animais, feitas de pedra e de madeira, e uns fazem o seu caminho a falar, outros percorrem-no em silêncio. Estes prisioneiros que tomam por reais as sombras das figuras que passam (e que julgam que os ecos que ouvem são as suas vozes) são “semelhantes a nós” 402, diz enigmaticamente Sócrates. Como interpretar esta alegoria? Será que ainda “Somos assim (e não fomos…)” 403? As implicações de toda esta doutrina «mística » é assustadora, e Simone Weil descreveu-as melhor que ninguém: Na sce mo s e vi ve mo s n a men t i ra . S ó n o s sã o d a d a s men ti ra s. Nó s p ró p r io s cr emo s v er- n o s a n ó s p ró p rio s, e vemo s a p en a s a so mb ra de nós p ró p r io s. Co n h ece - te a ti p ró p rio . P r ece ito imp ra t icá v el n a ca v ern a . Vemo s a p en a s a so mb ra d o fa b ri ca d o . Est e mu n d o em q u e e s ta mo s e d o q u a l vemo s a p en a s so mb ra s (a p a rên cia s ), é u ma c o isa a rt if ic ia l, u m jo g o , u m s imu la c ro . Op o s içã o q u e me re ce c o n sid era çã o . O s er q u e é r ea l men t e s e r, o mu n d o in te lig íve l, é p r o d u zid o p elo Be m su p re mo , e ma n a d ele . O mu n d o ma te ria l é fa b ri c a d o . 404 Vivemos num sonho permanente, temos mesmo “dependência total” 405 em relação às sombras que vão passando na caverna. O que aconteceria se um dia soltassem um desses prisioneiros e o obrigassem a ir até ao exterior, na direcção da luz? 401 402 403 404 405 P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 5 . Li v r o VI I , 5 1 4 a -b . P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 6 . Li v r o VI I , 5 1 5 a. Si mo n e W e il - A Fo n te Gr e ga, p . 8 9 . W eil - A Fo n te Gr e g a, p . 9 1 . W eil - A Fo n te Gr e g a, p . 9 2 . 101 Platão evidencia de forma clara que essa «ascensão» é um caminho doloroso. Sigamos as várias etapas como se fossemos o tal prisioneiro: 1) Libertávamo-nos das correntes que nos prendiam os movimentos e a muito custo olharíamos para a luz, doer-nosiam os olhos 406, e buscaríamos “refúgio” – palavras de Platão – junto dos objectos para os quais podíamos olhar; 2) Faziam-nos subir o rude caminho em direcção à luz do Sol, onde chegaríamos à luz com os “olhos deslumbrados”, mas continuaríamos a não ver os verdadeiros objectos; o factor tempo entraria depois em acção, os nossos olhos habituar-seiam aos poucos à luminosidade, e já veríamos sombras, reflexos, só depois os próprios objectos/seres; 3) numa outra fase, olharíamos para o que há no céu, depois o próprio céu; e só no fim é que conseguiríamos contemplar o Sol, em si, “ele mesmo, no seu lugar” 407. Aqui estará implícita a visão do Bem, coincidente com o topo do caminho, e as instruções para a leitura da alegoria; o Bem: “a causa de quanto há de justo e belo, que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vêla para se ser sensato na vida particular e pública” 408; 4) Regresso à caverna (talvez a maior surpresa na teoria platónica), e novamente o choque: a descida da luz para as sombras, a habituação às trevas, nossa morada anterior, mas desta vez mais bem preparados, em estado de vigília e não de sonho. (O gesto de Rafael não foi exacto). 406 407 408 P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 7 . Li v r o VI I , 5 1 5 e. P latão - A Rep úb l ica , p . 3 1 7 . Li v r o VI I , 5 1 6 b . P latão - A Rep úb l ica p . 3 1 9 , 5 1 6 c. 102 Após presenciarmos a verdade transcendente nesta ascensão da alma ao mundo inteligível (o toque em deus?), o descer, o voltar à miséria humana, onde somos desacreditados e encontramos resistências pelos que permaneceram sempre nesse reino de sombras. Voltamos ao «cá em baixo», onde também há a “contemplação do Ser e da parte mais brilhante do Ser” 409 (definição do Bem). Por outras palavras, onde também há presença transcendental no sensível? A tese subjacente é que a educação filosófica é crucial para a manutenção da virtude política. Esta faz com que os filósofos verdadeiros olhem para onde devem (é um imperativo moral), e que sejam “mil vezes melhores” 410 no reconhecimento de cada imagem/ no que ela representa. Fará sentido ligar esta alegoria a outros dois símiles, o do Sol e o da Linha 411, como propõem Cross e Woozley? Exploram todos a mesma ideia, a ascensão ao Bem. E essa linha vertical que se divide em quatro estados mentais (que vão ascendendo num princípio de claridade, correspondendo-lhes quatro classes de objectos dispostos numa escala ascendente de verdade), poderá ela ser rebatida para ilustrar o mesmo percurso na caverna? Citamos os referidos autores: A L in h a é u m ma p a d e u m p a í s a t ra vé s d o q u a l a men te h u ma n a te ve d e via ja r en q u a n to a va n ço u d e u m b a ixo n í ve l d e in te lig ên cia p a ra u m a lto , en q u a n to q u e a A leg o r i a d a Ca ve rn a r ep r es en t a a v ia g em a t ra v és d o p a ís ma p ea d o n a lin h a . 412 409 P latão - A Rep úb l ica , p . 3 2 1 . Li v r o VI I , 5 1 8 c. P latão - A Rep úb l ica , p . 3 2 4 . Li v r o VI I , 5 2 0 c. 411 Sí mi l e d o So l ( L i vr o V I , 5 0 5 a - 5 0 9 c) e S í mi le d a Li n ha ( Li vr o VI , 5 0 9 c - 5 1 1 e) ; n u m b r e v e r es u mo , o p r i me ir o é u ma a na lo gi a q ue i l u str a o p ap el d o so l no mu nd o vi s í ve l r e la ti v a me n te à vi s ão e ao s o b j ec to s v i sto s e ao p ap el d o B e m no mu n d o in te li g í ve l r el at i va me n t e ao co n hec i me n to e ao s o b j ecto s co n h ecid o s ( Fo r ma s) ; o se g u nd o é u ma li n h a a s c end e nte q ue é d i v id id a e m d i f er e nt e s n í vei s d e r eal id ad e e ver d ad e. 412 R. C . Cr o s s e A.D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 2 0 8 . 410 103 Há um paralelismo entre as duas, os quatro estádios na viagem podem de facto corresponder aos quatro níveis de inteligência indicados na linha. Se voltarmos aos prisioneiros da caverna, e tentarmos fazer uma ligação com essa linha vertical, eles estariam num estado de eikasia (de “conjectura” 413, de ilusão: só quando se voltam da parede é que descobrem que há um «original » que projecta a sombra). O próprio Platão diz que os prisioneiros olham para sombras, e menciona as sombras como um dos objectos da Linha (510a) 414. Para finalizar, organizemos algumas ideias-chave: Platão gosta do número: para ele “a realidade é racional, científica e lógica, ou nada é” 415; O número dois: o seu número eleito? Dois são os mundos esboçados na sua alegoria da caverna (o da sombra e o da claridade, sendo o objectivo do filósofo a transição de um para o outro, da pistis para a dianoia e desta para a noesis). O primeiro é multíplice, impuro, mutável, o segundo uno, puro e imutável; o dos objectos sensíveis, das cópias imperfeitas/ o dos modelos e cópias perfeitas (as Ideias); o da magia e da ilusão/ o da ciência e da dialéctica; o das coisas múltiplas/ o da essência; o da mentira/ o da verdade, etc.). As dicotomias são várias: Platão esforçou-se na ordenação da simulacros” 416 “promiscuidade dos (para nos apropriarmos de um termo de Calasso), e quer fazer ver que esse mundo do sensível depende de um outro (o que mais não é que reconhecer que os “particulares requerem Formas” 417). Os criadores de imagens, “criadores de fantasmas” 418, como Platão os chama, imitadores, nunca teriam a hipótese de sair da sua Caverna, permanecendo sempre do domínio da “opinião” (ou seja, da “suposição” e da “fé”). O entendimento e a ciência estavam-lhes vedados. Mesmo que tivessem neles o vivo desejo de subir, e aqui 413 Cr o s s e W o o zl e y - S u n, Li ne a nd Ca ve , p . 2 1 9 . Est a i n ter p r e ta ção t a mb é m co lo ca d i f ic u ld a d es, p o is co mo o s s e u s a uto r e s ev id e nc iar a m, Só cr at es ap r e se n ta o s p r i sio ne i r o s d a ca v er na co mo a co nd i ção no r ma l d o ho me m, q ue , e m ter mo s d e vi são , é p is ti s e n ão e ika sia ( s e ns o -co mu m e não il u s ão ) . 415 Er ic Ha v elo c k - P r e fa ce to P la to , p . 2 5 . 416 Ro b e r to Ca la s so - O T er r o r d a s F áb ul as, p . 1 0 9 . 417 R. C. Cr o s s e A. D. W o o zle y - S u n, Li n e a nd C a ve, p . 2 2 8 . 418 P latão - A Rep úb lic a, p . 4 6 9 . 414 104 apropriamo-nos de um outro texto platónico, não teriam força suficiente, e “seriam derrubados e arrastados no movimento circular, pisando-se a atropelando-se mutuamente” 419. Nunca poderiam contemplar o Ser. A eles o labirinto da multiplicidade! A eles a caverna e a luz artificial do fogo! A eles as sombras, os reflexos, a realidade «distorcida» — o lixo rejeitado pelos verdadeiros filósofos! 420 Não se importando com o facto da sua cidade existir ou não, ela não deixa de reflectir o seu Demiurgo: geómetra dual, especular, que vive entre uma imagem pura, absoluta, nítida, e o seu impuro e enevoado, turvo reflexo. Quando os reis forem filósofos… Diálogo de Platão com a sua Sombra No s p ó rt ico s q u e la d ea v a m a Á g o ra . Pla tã o e S k ia 421, su a so mb ra , co n ve r sa m se m g ra n d e en tu s ia s mo . Est á mu ito ca lo r e a s so mb ra s p ro j ec ta d a s n o so lo sã o a b ru p ta s. S kia So u t ão ma ltr at ad a p o r t i, q uer id o P la tão . .. Dece r to j á r ep ar a s te q ue co met e ste u ma ter r í vel inj u st iça co ntr a nó s, so mb r as . 419 P latão - Fed r o , p . 6 3 , 2 4 8 a. A Ca ver n a d e ho j e, s eg u nd o An t ho n y S k il le n - Fi ct io n Yea r Z er o : P lato ´s Rep ub li c, p . 2 0 5 , ser ia m to d o s aq u el es i nd i v íd uo s q ue sab e m d o mu n d o a tr a vé s d o s med ia . Cr o s s e W o o zl e y ( o b . cit., p . 2 2 3 ) ta mb é m ab o r d ar a m e st e p o n to : to d o s o s j uízo s e m “se g u nd a mã o ” q u e ac ei ta mo s se m p en sa r , e q ue n o s são d a d o s a tr a vé s d o s j o r na is e d a tel e vi sã o p r o j ecta m a l g u ma l uz so b r e o q ue P la tão q u i s d izer co m o mu nd o - so mb r a. M u nd o es se q u e e st á cad a ve z mai s es c ur o , se co ns i d er ar mo s o p o d er d e d i v ul ga ção d as r ed e s so ci ai s? 421 T er mo gr e go p ar a so m b r a, q ue se p o d er á tr ad uz ir p o r “tr aço ”. A id ei a p ar a a co n s tr ução d e st e d i álo g o s ur g i u d a le it u r a d o li vr o d e Ro b er to Ca s ati i nt it u lad o S h a d o w s ( ver cap ít u lo 4 : “S had o w V is io n s”, p . 1 5 3 ) . 420 105 Pla t ã o T r atei - vo s d a f o r ma q u e vo cê s mer ece m, S k ia. Q ua se s er e m p i sad a s. O q ue n ão é r eal d e ve se r i g no r ad o . S kia Ma s e u so u b e m r e al. Só nã o te n ho me mó r ia. Pla t ã o Não é s f ei ta d e car n e e o s so , não te n s c h eir o , nã o co ns e g ue s se nt ir d o r . É s es tr a n ha . E és ne gr a. Co mo d ete s to t ud o o q u e me le mb r a a es c ur id ão ! S kia Es sa s são , d e f ac to , a s mi n h a s gr a nd e s q ua lid a d es. V i vo n u m mu n d o e va n es ce n te... e n o e nt a nto co n se g ue s ver - me b e m d e li ne ad a n o c hão . Ma s não mer e cia t er sid o co nd e nad a a fic ar n u m a ca v er na es c ur a e ser u sad a co mo ex e mp lo d e u m co n hec i me n to i n fer io r . Ai nd a fa r e mo s gr a nd e s co i sa s... [ Ver gr a v ur a d e Co r ne li s Co r ne li sz , Th e Ca ve o f Pla to , 1 6 0 4 , Fi g. 2 6 .] Pla t ã o Ah ! Ah ! E s sa te m p i ad a. Q ue ma i s p o d e s t u fa zer , alé m d e ser i n tr us i va e i ma ter ial? S kia Ag u ar d a. P r e s si n to q u e no s e sp e r a m gr a nd e s f eito s, so b r e t ud o e m as t r o no mi a 422, es sa ciê n ci a q ue ta n to e s ti ma s. Ai nd a ser e mo s lo u vad as 423. E te mi d a s. Sab ia s q ue p ar a o s lad o s d o v al e d o Ni lo o s ho me n s t ê m mu i to c uid ad o p ar a q u e a s ua so mb r a não cai a p er to d e u m cr o co d ilo q u e a d e vo r e? 424 Co n se g ue s i ma g i nar u m mu n d o se m so mb r a s? 422 A a str o no mi a, a ma te m áti ca e a geo metr ia er a m a s ciê n cia s e lei ta s p o r P la tão . Aq ui p e n sa mo s n u m n o me e m co ncr eto , Er ató st en es ( c. 2 7 3 -1 9 2 a. C) , d ir ec to r d a B ib lio te ca d e Al e xa nd r i a, q ue co mp ar a nd o d ua s so mb r a s e m d o i s p o n to s d o mes mo me r id ia no , d et er mi no u a ci r c u n fer ê nc ia d a t er r a n u ma p r e v is ão b a s ta nt e f iá ve l ( cer ca d e 2 5 0 0 0 0 s ta d ia ) . Ver e sta s e o u tr a s d es co b er ta s r e la cio na d as co m a so mb r a e m Ro b e r to Ca s ati - S h ad o ws . 423 J u nic h ir o T an iz a ki, no se u E lo g io d a S o mb ra , f ala - no s d o e n i g ma d a so mb r a, d a b elez a d a s ua p e n u mb r a d e u ma fo r ma i ni g ua lá v el, co m a i nt e nção d e fa zer r e vi v er es se u n i ver so “d e sp o j ad o ” na l it er a t ur a. 424 J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 1 0 . ( B ib lio gr a f ia c ap í t ulo I , P er se u ) . 106 Pla t ã o Só l u z. Ac ho q ue ir ia go st ar . M as o s se n tid o s es tão se m p r e co n no sco , e… S kia I ma gi na só : se m so mb r a s t ud o te p ar e cer i a p l a n o , se m p r o f u nd id ad e, co mo se to d a s as co is as f l ut ua s se m à tua vo lta . Nó s so mo s o chão , a p r o f u nd id ad e. So mo s o esp a ço . Vez es há q ue at é d a nça mo s à l uz tr é mu l a d a s ve la s ! [ Ver o b r a d e C hr i st ia n B o lta n s ki Th éâ t re D’ Om b re s, 1 9 8 4 , F i g. 2 7 .] Pla t ã o És u ma p ar as it a, i s so si m. E é s mi n h a es cr a va , és o b r i gad a a ir o nd e e u vo u. Faço d e t i o q u e q uer o . S kia En g a na s -t e no v a me n te. Co n si go r e vo lt ar - me. M ai s: co n si go d e s ma s car a r - te, co mo j á f iz co m t a nto s t r ap a ce ir o s co mo t u. [ Ver Gr a nd vi lle , Th e S h a d o w s ( Th e F ren ch Ca b in et ) e m La Ca r ica tu re , 1 8 3 0 , Fi g. 2 8 ; o nd e é a so mb r a d e cad a me mb r o d o Ca b in e t fr a n cê s q ue r e ve la a «ver d ad e ir a » na t ur e za d o se u p o r tad o r : u m b êb ad o , u m d e mó ni o , u m p o r co e u m p e r u .] Pla t ã o Ser á q ue a l g u ma vez no s va mo s r eco n ci lia r ? S kia D u vid o . Pla t ã o Dei x a - me co n tar - te u ma p eq ue na hi s tó r i a, S ki a, d e u m s o n ho q u e Só cr ate s te v e e q ue p ar ti l ho u co mi go . E le es ta v a se n tad o . “U m ci s ne p eq ue no , cin ze n to , en co ntr a va - se a ni n h ad o no s e u co lo . De s úb i to , a p l u ma g e m d a a ve tr a n s fo r mo u - se no b r a nco g lo r io so d o c is n e ad u lto . A cr iat ur a s o lto u u m gr i to – u ma n o ta so no r a , clar a e p ur a – e er g ue u - s e no ar . Só cr a te s a co r d o u, p e r g u nta nd o - se o q ue si g n i fi car ia aq u ilo ” 425. No d ia se g u i nte , co n he ce u - me . 425 Mar k Ver no n - I P la tão , p . 3 7 . 107 S kia Ci s n e b r a nco , c is n e p r e t o , o q ue é q ue i n ter es s a? P en se i q ue só te i nte r e ss av as p el ´ O C i sn e . Pla t ã o Q ua nd o é q ue Só cr a te s c he g a? Det es to não ter i n ter lo c uto r e s à mi n h a al t ur a. S kia A p er f eiç ão não e xi st e, sab e s? Ah ! D es c ulp a, não , não sab e s. ( re cita so len emen te ) …Ra iva , e sp u ma , a i men sid ã o q u e n ã o ca b e n o m eu len ço 426. Pla t ã o Co mo o d eio me i as - v er d a d es. S kia To d o o p en sa men to el ev a d o d e q u e so mo s ca p a z es te m fa lh a s 427. Não é s u m d e u s, P l atão .. . n ão é s o so p ro d o mu n d o 428. (E xp r e ssã o fu rio sa n o r o sto d e P la tã o ). S kia (V en d o q u e es tá e m a p u ro s ) Ap a n ha - me , se co ns e g ui r es. .. Ne s se mo m en to P la tã o a co rd a so b re s sa l ta d o . Tin h a d e se en co n t ra r c o m S ó c ra t es e ten ta r d es mo n ta r to d o a q u el e p e sa d elo . Tin h a d e p en sa r: v ive r ia ele, u m fi ló so fo , ta mb é m e m so n h o ? 426 Fer n a nd o P e sso a - A P a s sa ge m d a s Ho r as ( fr a g me n to ) , p . 8 9 . I r i s M ur d o c h - Aca sto , p . 7 2 . 428 Os E stó ico s ac r ed i ta va m q ue o Fo go ( no se n ti d o d e en er gi a) er a “o s o p r o q u e s u sté m o mu n d o ” . V er S i mo ne W e il - A Fo n te G r eg a, p . 1 5 5 . 427 108 O Pós-Especular: Espaços de Indistinção Afu n d a va - me, q u a n d o o ve rd e e o a zu l s e tra n s fo r ma ra m n u m m a r d e ch a ma s e m e a r ra s ta ra m n o tu rb i lh ã o e, a o se r leva d o , o u vi so b re a min h a ca b e ça u ma vo z a g r ita r: - O esp elh o p a rt iu - se e m d o i s! – E o u t ra vo z re sp o n d e r: - O e sp elh o p a rt iu - se e m q u a t ro ! – E o u tra vo z ma i s lo n g e g ri ta r, exu lta n te: - O esp e lh o p a rt iu - se em mi l ! W . B . Ye at s, “R o s a Alc he mi c a” 429 Qual a ironia que mais nos assusta, a de Homero ou a de Platão? Não sabemos responder. Ambos são manipuladores, ambos controlam os fios da marioneta que nos guia invisivelmente os passos. Cremos no entanto que Platão, ao tentar quebrar o “feitiço” do grande poeta grego, nos deu um outro: um sonho místico do absoluto (quase de fé?) que, curiosamente, não deixa de ser imagético 430. Sabemos que o que fascina Platão são os dissoi logoi (os duplos discursos) e o conflito irredutível entre timai (valores) opostos 431. Os valores opostos que aqui estão em causa poderão ser encontrados na fórmula Mito Vs. Logos (e não cremos que serão irredutíveis): uma vez chegados à «racionalidade» da ciência, o mito torna-se obsoleto, frívolo, algo que não é para ser levado a sério — ou assim crê Platão. Citamos Robert Wallace interpretando o ensaio de Blumenberg (que poderia muito bem, por sua vez, estar a interpretar Platão): quando o passo do “mythos ao logos” se dá, só pode ser perverso 429 W . B . Y eat s - Ro s a Alc he mi c a, p . 3 3 . Es ta é a t es e d e Ha v el o ck - P r e f ace to P lato , p . 2 7 1 . Diz - no s el e: n ã o ser á o Ti meu a “t r ai ção d a d i al éct ica ”? 431 T ese d e f e nd id a p o r M a s si mo Cacc iar i , E l Dio s q ue b ai la , p . 1 5 . 430 109 voltar atrás 432. E a tese de Hans Blumenberg proposta em “After the Absolutism of Reality” 433, em Work on Myth (1979), o grande filósofo nunca a aceitaria: sobrevivência mito humana, e e racionalidade o primeiro não são indispensáveis precede o à segundo, coexistindo ambos. Não são idênticos (poderão a poesia e a física sêlo?), mas também não competem um com o outro. A linha fronteiriça entre um e outro “é imaginária” 434. Platão rejeitaria esta proposta com horror. O mito em si não era, não podia ser, um modo de realização do logos. Quando se dá um desabamento deste seu mundo metafísico, extremamente ordenador, hierarquizador das imagens — «controlador » será talvez a melhor palavra para o descrever — o que fica? A imagem «total » (de deus, de verdade, etc.) desmorona-se. Solta-se o fantasma da pluralidade, do múltiplo, do profuso no espaço que vemos como o nosso, o da contemporaneidade. Abre-se a porta ao imaginário, ou ao seu “descontrolo”, para citarmos o título de um texto de Bragança de Miranda 435. Platão abstractamente separa original de cópia, para que haja a representação de um original (essência). Acreditava que havia um discurso verdadeiro/falso e que um e outro deveriam poder distinguirse, e não entrecruzar-se, numa realidade caleidoscópica onde deixa de haver distinções: será hoje possível separar e distinguir o remédio do veneno, o verdadeiro do falso, o original da cópia? Nesta nova “ordem” predominará a sensação do caos, do híbrido, dos múltiplos reflexos. 432 Ro b e r t W al lace na i ntr o d uç ão ao li vr o d e Ha n s B l u me nb e r g - W o r k o n M yt h, p . VI I I . 433 Ha n s B l u me n b er g d e f i ne “Ab so l u ti s mo d a Re al id ad e ” co mo u m a a mea ça ( i mp l íc ita n a no ss a na t ur e za b io ló g ica) à no ss a cap a cid ad e d e so b r e v iv ê nc ia. O ho me m to r no u - se u m a ni mal si mb ó li co d e fo r ma a co mp e n sar a s u a fa lt a d e in s ti n to s b io ló g ico s ad ap ta ti vo s ao me io a mb ie nt e; o mi to te m aq u i u m p ap el f u nd a me nt al, p o is red u z e ss a a me aça , es s e “ab so l ut is mo ” d a r e a lid ad e. Ve r B lu me nb er g - Af ter t he Ab so l ut i s m o f Re al it y, p . 3 -3 3 . 434 B l u me nb er g - Af ter t he Ab so l ut i s m o f Re al it y, p . 1 2 . 435 Ver B r a g a nça d e Mi r a nd a - Co n tr o lo e D es co nt r o lo d o I ma g i ná r io , p . 4 9 -7 2 , o nd e o a uto r te nt a d et er mi n ar a nat u r ez a d o i ma gi n ár io , fo ca nd o e sp ec i f ica me n te o mo me n to e m q u e o m u nd o d as i ma g e n s se fr a g me nt a, e p o r t a nto e ntr a e m “d es co ntr o lo ”. U m te xto i mp o r ta n te q u e no s d e u mui ta s p i sta s e p o n to s d e p ar tid a, ma s q u e não é fá ci l d e s in te ti zar . 110 O espelho partiu-se em mil, como diz o poeta romântico Yeats: esta será talvez a mais breve e exacta definição da era do pósespecular. O espelho quebra-se, deforma-se, apresenta-nos visões e paradoxos insuspeitos: o rosto que se esconde para sempre no reflexo impossível do homem de Magritte, em La Reproduction Interdite (esse espelho que, invejoso, guarda para si o que devia estar reflectido – o rosto – para mostrar o que nós mesmos já vemos como espectadores – as costas de um homem de casaco escuro e colarinho branco 436). Tudo é reflexo e falta uma realidade, como nota Massimo Cacciari 437. As correspondências e relações que o logos ditava quebram-se em múltiplos pedaços, “como as coroas dos reis no traeurspiel” 438. Deixa de haver origem. Voltemos ao início deste texto, à nossa segunda citação. Vemos Platão tentado a querer “desfazer o arco-íris”, separando o manto colorido composto pelas suas várias cores, como nos diz o poeta (haverá imagem mais bela do múltiplo?), a “esvaziar o ar assombrado” e a “cortar as asas a um anjo” de modo a fazê-lo cair. Impossível: a filosofia não consegue tanto. O Ninguém do Ulisses Homérico torna-se agora nos Cem mil do Vitelangelo Moscarda de Pirandello (esse estranho personagem que se arruína quando decide partir para a desmontagem provocatória do seu «eu »; ver Fig. 29). Julgando-nos um, somos de facto Um, Ninguém e Cem mil 439: somos fragmentados, plurais, não só para nós mesmos como para todos os outros que nos rodeiam (Fig. 30). O arco-íris nunca poderá ser encontrado no “aborrecido catálogo das coisas comuns” (Keats), pronto a ser esventrado e sujeito a que lhe retirem o coração. O número dois ficou, irremediavelmente, 436 pelo caminho. Es ta ma g n í fi ca p i nt ur a a ó leo é d e 1 9 3 7 , e p o d e s er v i sta no M us e u B o ij ma n s Va n B e u n i n ge n, e m Ro t er d ão . E r a u m “r et r ato ” d o se u p atr o no Ed wa r d J a me s. 437 Ma ss i mo C acc iar i - Nar ci so , o d e la p i n t ur a, p . 8 0 . 438 Ma ss i mo C acc iar i - E l esp ej o d e P la tó n, p . 5 9 . 439 T ítulo d e u ma o b r a d e L u i gi P ir a nd el lo , f u nd a d a na q ue s tão ( o u i nd e f i ni ção ) d a id e nt id ad e . O p er so na ge m a cer ta al t ur a d iz ( p á g. 9 ) : “j ul g a va q ue er a p ar a t o d o s u m Mo scar d a co m o na r iz d ir e ito , e f i nal er a p a r a to d o s u m Mo sc ar d a c o m o nar iz to r to ” . E s te p eq u e no i nc id e nt e co m o s e u nar i z l ev a -o p ar a c a mi n ho s i m p en sá v ei s, fr e n te ao e sp e l ho e não só … 111 CAPÍTULO III O DUPLO S ó cia : (.. . ) ju ro p o r tu d o , Qu e d o a ca mp a men to p a rt i u m só , Ma s a Teb a s ch eg u ei já d u p lica d o ; Qu e aqui p a s ma d o me en co n tr ei co mig o ; Qu e es te Eu, que p era n te vó s se en co n t ra , To d o e sta fa d o d e ca n sa ç o e fo me, Co m o u tro e sb a r ro u , q u e vin h a d e ca sa , Fre sco co mo u ma a lfa ce, o en d ia b ra d o ; Hei nr ic h Vo n Kle i st 440 O n o s so d u p lo é u m s in a l d e mo r te, d iz ia a b ri sa d o en ta rd e cer . Hél ia Co r r ei a 441 Fo i o a d ven to d o seg u n d o a viã o , a a d eja r já b a ixo p o r c i ma d a Está tu a d a Lib e rd a d e: fo i e ss e o mo m en to d eci si vo . Mar t i n A mi s 442 440 He i nr i c h Vo n K le is t - O An f it r ião , p . 7 3 ( 6 7 4 -6 8 1 ) . O An f itr ião é u m g e ner al d o s teb a no s q u e se v ê c o n fr o n tad o co m u m só s i a, J úp i ter , q u e l he u s ur p a a mu l h er ( Alc me na) , e l he d e so nr a o no me. H á ta mb é m u m p er so na g e m d e no me Só s ia q ue ta mb é m e nco n tr a u ma p e r fe it a i mi taç ão s ua ( Mer cúr io d is f ar çad o d e Só si a) . 441 Hé lia Co r r ei a - Ad o ec e r , p . 2 5 0 . 442 Mar ti n A mi s - O Se g u n d o Avi ão , p . 1 3 . 112 Não nos precipitemos não ainda — a imitar o gesto eficiente do homem da casaca cinzenta, enrolando a sombra da sua mais recente presa como se de um mero papel se tratasse 443. Não nos livraremos do duplo assim tão facilmente. Este vai opor resistência, impor a sua vontade, perseguir-nos. Na sua companhia sentiremos calafrios, pavor, “uma certa inquietação” 444. Talvez porque o duplo envolve sempre o dois (a duplicação de qualquer coisa), ou um um que pode ser percepcionado como dois (um homem que contém outro homem; o mesmo, e, no entanto, diferente: um e dois). O Duplo é difusão ou divisão, e quase sempre terreno de loucura, alucinação, delírio. De um estado doentio. De uma insistente estranheza. Escolhemos algumas passagens que cremos serem as mais emblemáticas para ilustrar o que decidimos chamar de “o duplo ao espelho”. Vêm sobretudo da literatura e do cinema (fazemos alusão a apenas dois exemplos paradigmáticos da área das artes plásticas), e sentimos que depois de as analisarmos e considerarmos, poderemos então atentar uma outra explicação, mais completa. Que formas é que o duplo pode assumir, quais as suas características e constelações, quais as épocas que dele fizeram o seu alimento principal? Qual o papel reservado ao dispositivo do espelho nestas «aparições » do duplo? Como definir o recurso que apela à duplicação dentro da própria obra? Acima de tudo, não o subestimemos: Great deeds were done, with the help of the double 445. 443 Ver a s i n g ul ar o b r a d e Ad alb er t Vo n C ha mi s s o - A Hi stó r ia Fab u lo sa d e P ete r Sc h le mi h l, o nd e u m ho me m ve nd e a s u a so mb r a a o utr o ( u m d e mó n io ? ) , e m tr o ca d e fo r t u na il i mi tad a. D ep r e ss a co mp r ee nd e q u e, s e m so mb r a, se to r n a r ep ul s i vo p ar a to d o s o s o utr o s — se m so mb r a p er d e a id e nt id ad e — e fic a co nd e n ad o a vi v er só . U ma d a s ma i s b e la s h i stó r ia s so b r e o d up lo , co m u m lad o mo r a li za nt e: n u nca d ev e mo s sal tar p o r ci ma d a p r ó p r ia so mb r a ( q ue aq u i ad q u ir e u ma cl ar a eq u i va lê nc ia a “a l ma ”) . 444 Ad a lb er t Vo n C h a mi s so - A Hi stó r ia Fab u lo sa d e P eter S c hle mi h l , p . 4 0 . 445 Kar l M il ler - Do ub le s, p . 1 5 3 . 113 A Prova do Espelho François Truffaut, num filme realizado em 1969 e intitulado L´Enfant Sauvage, traça a complexa história (baseada em factos «verídicos »), de um menino que tinha sido abandonado na floresta francesa, tendo lá vivido oito a nove anos em completo isolamento. Ficará conhecido como Victor de Aveyron, e será um case-study paradigmático para médicos interessados em teorias educacionais, como era o caso de Jean-Marc Gaspard Itard (papel interpretado pelo próprio Truffaut). O médico, especialista na aprendizagem de crianças surdas-mudas, coloca o rapaz sob a sua custódia. O primeiro contacto que temos com ele mostra-nos um ser simiesco, correndo agachado junto ao chão, grunhindo, uivando e mordendo quando se sentia ameaçado, balançando-se de forma autista em cima de uma árvore. Para quase todos, um caso perdido: aquele «selvagem » nunca se adaptaria aos hábitos e às regras da vivência humana. O tema do filme é a sua (não) adaptação à «civilização». Duas situações são dignas de destaque; a primeira é quando o médico constata, alegremente, como era interessante observar Victor a realizar certas tarefas pela primeira vez: andar na posição erecta, comer com talheres, calçar uns sapatos, aprender alguns sons ou a trabalhar a memória, etc. E também a primeira vez que ele se olha ao espelho. A sua reacção é surpreendente: ele cheira-o intensamente, e depois tacteia-o. Não mostra qualquer sinal de reconhecimento. Itard coloca-se depois por detrás dele, movendo uma maçã de um lado para outro, e ele demora muito tempo a perceber que o desejado objecto está atrás de si, e não no plano da superfície reflectora. O médico nota, talvez não nesse mas noutro momento do filme, que ele “olha sem ver”. Bastante mais tarde, nos momentos finais da sua aprendizagem, dá uma prova de entendimento crucial: a tomar o pequeno almoço de frente para o seu professor, Victor observa-o enquanto ele próprio coloca umas pequenas placas com letras de madeira, viradas para si, e escreve a palavra “Lait” (o alimento que ele mais cobiçava). O rapaz 114 “selvagem” pega então nas peças do seu professor e inverte-lhes a ordem para que façam sentido do seu ponto de vista: uma outra forma de comunicar que tinha aprendido o que era a imagem especular? Será curioso relacionar este filme com o que nos diz Jacques Lacan no seu famoso estudo datado de 1949, Le Stade du Miroir comme Formateur de la Fonction du Je telle qu´elle nous est révélée dans l´expérience psychanalytique. Não é nosso propósito explorarmos aqui em detalhe os meandros da complexa tese do psicanalista francês, alvo de inúmeras e díspares leituras 446, mas gostaríamos de evidenciar o simples facto de que a noção de identidade/alteridade presentes no estádio do espelho – cremos que são esses os alvos que Lacan pretende explorar – ser alicerçada numa ideia primordial de dilaceração, de desmembramento 447, senão vejamos: (.. . ) le sta d e d u mi ro ir e st u n d ra m e d o n t la p o u s sée in t e rn e se p r ec ip i te d e l´ in su f fi sa n c e à l´ a n tec ip a tio n – et q u i p o u r l e su je t, p r i s a u leu r re d e l´ id en ti fi ca t io n sp a tia l e , ma ch in e l e s fa n ta sm es q u i se su ccèd en t d ´ u n e ima g e mo rc elé e d u co rp s à u n e fo rme q u e n o u s a p p ell ero n s o r th o p éd iq u e d e sa to ta li té, - e t à l´ a r m u re en f in a s su m ée d ´ u n e id en t ité a l ien a n te, q u i va ma rq u er d e sa st ru c tu re rig id e to u t so n d éve lo p p emen t m en ta l. 448 A chave de tudo é a passagem da percepção de um corpo fragmentado ou despedaçado (“morcelée”), para um corpo considerado na sua “armadura” (ou totalidade). Isto é algo que crianças dos seis aos dezoito meses conseguem já fazer: reconhecer-se enquanto unidade ao espelho – e fazem-no alegremente, jubilando, segundo Lacan. Roland Barthes, em Roland Barthes por Roland Barthes (1975), «ilustrou » a teoria lacaniana de forma simples e acutilante: mostra-nos o que parece ser uma fotografia de uma mãe com o seu pequeno bebé 446 E te nd o e m co n ta q ue o p r ó p r io J acq u es Lac a n co n ti n uo u a d e se n vo l ver a s ua te se d ur a n te vár io s a no s, a s so ci a nd o -a à d ia lé cti ca, ao n ar ci s is mo , à ali e nação p ar a nó i ca, à a gr e s si v id a d e, ao e u - id e al, et c. 447 Não ser á d e ad mi r ar q ue o no me d e H ye r o ni m u s B o s h sej a o ú n ico a r ti st a p o r ele no me ad o : p i nt ur a f eit a d e p e sad e lo s, d e f r ag me nto s, d e u ma va g a no ç ão d e p erd a ? Ve r La ca n - L e St ad e d u M ir o ir , p . 9 7 . 448 J acq ue s La ca n - L e St a d e d u M ir o ir , p . 9 3 -1 0 0 . 115 ao colo (fotografia essa que, devido à sua forma ovalada, cria a ilusão que ambos se situam defronte de um espelho e olham para ele, e não para a lente de uma câmara fotográfica), e legenda-a da seguinte forma: O e stá d io d o e sp elh o : « tu é s i s so » . 449 No início do século XX Wolfgang Köhler e, mais tarde, nos anos setenta, Gordon Gallup 450, provaram que há, no mundo animal, seres capazes de nos imitarem nesta pequena revolução que é o reconhecimento da imagem ao espelho: os chimpanzés. Como é que se consegue provar a auto-consciência no reino animal, é possível? Eis o “teste” de Gallup — tão simples e que no entanto abriu tantas portas — nas suas diversas fases: 1º - Os animais tinham de ser expostos de forma prolongada às suas imagens reflectidas no espelho (dez dias); 2º - Eram anestesiados e depois marcados sub-repticiamente com um marcador colorido, inodoro, num sítio que não conseguissem ver sem a ajuda exterior dada pelo espelho, como na testa, por cima das sobrancelhas ou atrás dos ombros; 3º - Depois de recuperados da anestesia, os investigadores certificavam-se que os animais não se tinham apercebido da marca (indicando que não a sentiam ou cheiravam). Era contado o número de vezes que lhe tocavam. Para passar à fase seguinte, tinham de ter a certeza que o animal não estava consciente da presença desse novo sinal; 4º - O espelho era reintroduzido. Eram observadas as reacções dos chimpanzés aquando confrontados com a sua imagem especular. 449 Ro la nd B ar t he s - Ro la n d B ar t he s p o r Ro la nd B a r t he s, s/ p á gi n a. Kö hl er ( 1 8 8 7 -1 9 6 7 ) p ub l ico u u m e n sa io e m 1 9 1 7 so b r e a me n tal i d ad e d o s p r i ma ta s, c uj a i n ve s ti g ação L aca n co n he ci a ( a p ar d o s es t ud o s d e J a me s M ar k B al wi n e d e H e nr y W al l o n) ; Go r d o n G al l up é o au to r d o te s te i n ti t ul ad o d e MS R: Mi r ro r S e lf R eco g n it io n , ai nd a ho j e u ti liz ad o no mu n d o cie n tí f ico , e d o q ua l d esc r e ve mo s b r e ve me n t e o f u nc io na me n to no no s so p r ó p r io te x to . V er te x to d e Gal l up n a r e vi s ta S cie n c e - C hi mp a nze es : Se l f - R eco g ni tio n. I SS N 0 0 3 6 - 8 0 -7 5 . 1 6 7 ( 1 9 7 0 ) 8 6 -8 7 . 450 116 Os chimpanzés reagiam de forma inequívoca: colocavam a sua própria mão na marca desenhada (como que estranhando esse novo sinal que não estava lá anteriormente), e depois tentavam eliminá-lo esfregando-o com as mãos. Há uma nota interessante, digna de destaque: os chimpanzés criados em isolamento, sem qualquer contacto com outros membros do grupo, não reagiram da mesma forma, não demonstraram sinais de reconhecimento ou de surpresa 451. Hoje, poderemos achar esta investigação difícil de compreender nos seus propósitos — talvez porque tomemos como garantido o reconhecimento da imagem especular — mas ela relançou o debate sobre a consciência, e abriu novos caminhos na área do estudo do cérebro 452. Victor de Aveyron não passaria nesta «prova » do espelho (que também é realizada nos seres humanos exactamente com o mesmo objectivo de determinação de uma auto-consciência), pelo menos no que respeita aos momentos iniciais, logo após ter sido «capturado ». E já tinha onze ou doze anos na altura. Decerto que um chimpanzé sociável ficaria mais bem colocado que ele. O rapaz aproxima-se mais do animal que este do homem: o mecanismo que acciona para viver é inato, é o da preservação da espécie. Dir-nos-ia talvez Foucault com a teoria de Sigmund Freud em mente: este caso específico fazia lembrar uma das “feridas narcisistas” da nossa civilização, a descoberta darwiniana que descendemos dos macacos 453. Significaria então que ele 451 Ver Mel c hio r -B o n n et - T h e M ir r o r , p á gi n as in tr o d u tó r ia s d o te x to . Es t ud o s r ece n te s tê m d e mo n str ad o q ue h á o u tr o s a ni ma i s q ue t ê m e sta cap acid ad e d e r eco n hec i me n to ( o s go l f i n ho s , o s e le fa n te s o u as o r ca s, p o r e xe mp lo ) , ma s não ter ão s id o u na n i me me n t e ace it e s p e la co m u n id a d e ci e nt í fi ca. 452 Ver l i vr o d e J u li a n P . Kee n a n, Go r d o n Ga ll u p e D ea n Fa l k - T he F ace i n t he Mir r o r . E st e e s t ud o a n ali sa a i n ve s ti ga ção d e Ga ll up e m d et al he ( e a d o s se u s p r ec ur so r e s q ue ut il iz ar a m o e sp el ho co mo u m i n s tr u me n to ci e n tí f ico , u m “me d id o r ” d e a u to -co n s ciê nc ia, co mo C har le s Dar wi n , W il h el m P r e yer o u La ca n) . O p a sso se g u i nt e fo i a tr ib u ir u ma z o na d o cé r eb r o o nd e v i ver ia a a u to -c o n sc iê nc ia, o “e u ”; p e n so u - se d ur a nt e mu i to te mp o q u e er a o he mi s f ér io e sq uer d o q ue t er i a es se p ap e l ( j á q ue “ar q ui v a” a l i n g ua ge m) , ma s c he go u - se à co nc l us ã o q ue é o he mi s f ér io d ir ei to , ( e s p eci f ica me nt e o có r t e x d ir ei to p r é - fr o n ta l, v er p . 1 3 4 ) , tr ad i cio n al me n te co n si d er ad o “ me no r ” , q ue d et é m a c ha v e p ar a o a u to r eco n hec i me n to . P e s so a s q ue te n ha m le sõ e s c e r eb r ai s ne s ta zo n a não co n se g u e m r eco n hec er e id e n ti f ica r a p r ó p r ia i ma g e m. São c aso s e x tr e ma me n te r ar o s . 453 Mic h el Fo uca u lt - Ni et zsc h e, Fr e ud e Mar x, p . 1 7 . As o utr as d ua s d e sco b e r ta s ser ia m a “f er id a ” i mp o s t a p o r Co p ér n ico e a d e sc o b er ta d o i nco n sc ie n te p o r Fr e ud . 117 não tinha consciência de si, não conseguia pensar sobre si mesmo nos primeiros momentos em que foi encontrado? 454 O filme de Truffaut deixa um sabor amargo. Será Victor mais do que uma mera experiência? Apesar de todas as aprendizagens que com sucesso vai efectuando, está muito longe de satisfazer as exigências do seu tutor, ou, visto de outra perspectiva, muito próximo do que é importante: da chuva que cai e que ele saboreia com prazer, por exemplo. Nesses raros momentos – que evitaremos a todo o custo chamar de «regressão » – ele torna-se, novamente, num pequeno ser selvagem. Convoquemos agora outro grande psicanalista para este debate, Sigmund Freud. Fascinado pela questão do duplo (sobretudo pelas sensações que este provoca), relata-nos em The Uncanny (1919) um estranho caso por si mesmo vivido, causador de «desprazer», aquando de uma viagem de comboio. Oiçamo-lo: E st a va so zin h o n o d o r mit ó r io d a ca r ru a g e m q u a n d o o co mb o io o sc ilo u vio l en ta men t e. A p o r ta d a ca sa d e b a n h o a d ja c en te a b r iu - s e e u m sen h o r d e id a d e, n u m ro u p ã o e to u ca d e d o rm ir en t ro u n o meu co mp a rt imen to . A s s u mi q u e, q u a n d o sa iu d a c a sa d e b a n h o , q u e es t a va lo ca li za d a en t re d o is co mp a rt imen to s, t ive s se vira d o n a d i rec çã o e rr a d a e en tra d o n o meu p o r en g a n o . S a lt ei p a ra o met er n a o rd e m, ma s d esco b r i p a ra min h a su r p re sa q u e o in t ru so e ra a min h a p ró p ria i ma g em , ref l ect id a n o e sp elh o d a p o rta . A in d a m e l emb ro q u e a c h ei a su a a p a rên cia fra n ca men te d e sa g ra d á v el. 455 454 A S cien ti fi c A me r ica n d e No ve mb r o d e 2 0 1 0 exp lo r a es ta q ue st ão , e co lo ca o ut r a s q u e l he e stão a s s o ciad a s. M a g gi e Ko er t h -B a k er e m K id s (a n d An ima ls ) Wh o Fa il C la s s ic Mi r ro r Te st s Ma y S t il l Ha ve a S en se o f S e lf a n al is a al g u n s e st ud o s r ece n te s d e te s te s d e MS R ; u ma i n ve s ti gad o r a r eal izo u o t es te no Ke n ya, o nd e ap e na s 2 e m 8 2 cr i a nça s “p a s sar a m” no te st e, al g u ma s d a s q ua i s j á co m se is a no s – is to e m 2 0 1 0 . O utr o i n v es ti gad o r co nc l ui u q ue o s go r ila s s e e sco nd ia m n u m ca n to e tir a v a m a mar ca aí – e en fa ti za q ue e st e s a ni mai s r ep ud ia m o co n t acto vi s ua l. Si n tet iz e mo s al g u ma s “fa l ha s” : é u m t e ste mu i to ce ntr ad o na v is ão , e q ue é ma is d ir i g id o a c u lt ur a s i nd e p end e nte s, ao i n vé s d e i nt er d ep e nd e nt es ( co mo é o ca so d e cu lt ur as não -o cid e nta i s) . Co mo d iz u m d o s i n v e st i gad o r e s : a a us ê nci a d e u m e fe ito não si g n i fi ca nec es sa r ia me n te a a u sê n cia d a co i sa q ue e st ão a te n tar m ed ir . Não ser á te mp o d e p ô r e m ca us a a u ni v er s al id ad e d o te st e? E st e ar t i g o p o d e ser co n s u ltad o e m: h ttp : // www. s c ie n ti f ica me r ica n. c o m/ ar t ic le.c f m? id =k id s -a nd an i ma l s - wh o - f ai l -c la ss ic - mi r r o r 455 Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 6 2 . 118 O terceiro caso que queremos relatar vem da área da neurologia. Oliver Sacks menciona, com a habitual fluidez e paixão que lhe conhecemos, o caso de um doente seu, cego há quarenta anos. Este homem, já adulto, decide fazer a operação que lhe permitirá ver após tantos anos de «escuridão ». Não nos alongaremos, querendo apenas evidenciar que quando a sua visão já tinha sido restituída, ele optava — mesmo assim — por apagar a luz da casa de banho, e barbear-se no escuro. O espelho fazia-lhe confusão, sentia que os seus movimentos eram mais precisos se seguisse os hábitos que tinha criado ao longo da sua vida 456. O uso dos olhos retirava a um clarividente a segurança da mão. 457 Se tivesse o dom de prever o futuro (como Tirésias) talvez optasse por desistir da operação, e aperfeiçoasse o órgão «funcional » que tinha: escolheria também ele ter braços compridos, como desejava o cego de Puisieux descrito por Denis Diderot 458? Escolhemos estes três casos específicos para a introdução deste texto sobre o duplo, porque são invulgares, raros: não há qualquer susto ou terror aquando do confronto com o duplo (a reacção mais esperada e também a mais provável), porque simplesmente não há reconhecimento. Podemos dizer até que, nos três exemplos referidos, e tendo em conta a singularidade de cada um, há uma certa «cegueira». E a cegueira, como dizia o grande poeta Borges, “é um modo drástico de apagar os espelhos” 459. Voltaremos mais tarde ao texto de Freud para o estudar em pormenor, porque acreditamos que a arte contemporânea tem, para com ele, uma enorme dívida por saldar. O magnífico ensaio de Diderot, a sua Carta aos Cegos para uso daqueles que vêem (1782), também irá ser abordado em detalhe. Ele ensina-nos a «negociar» com o sentido que mais estimamos (a visão) e a cultivar o primado da invisualidade, 456 Ver e ns aio d e O li v er Sa ck s – Ver e Não Ver [ L i vr o ele ctr ó n ico ] . Den i s D id er o t - C ar t a so b r e o s c e go s, p . 9 9 . O ca so q ue o f iló so fo r ela ta é e m tud o s e me l ha nt e ao d e Sac k s ( co m a d i f er e n ça d e d ata r d e 1 7 8 2 -8 3 !) , e i nc id e so b r e u m ce go d e na sc e nç a q ue t i n ha sid o o p er a d o às c ata r at as , ma s q ue p ar a r ap ar a cab e ça se a fa s ta va d o esp e l ho e s e co lo ca v a à fr e n te d e u ma p ar ed e l i s a. 458 De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 3 6 . 459 J o r ge L ui s B o r g es - B o r ge s Ver b al, p . 7 8 . 457 119 que também é central para a compreensão da arte do século XX em diante, anti-retiniana por excelência. Por agora, aventuremo-nos no reino da escuridão que esta vasta galeria de duplos convoca. Histórias de duplos É de Diane Arbus (1923 -1971), fotógrafa norte americana, a obra «instalada» na nossa memória e pronta a ser recordada mal nos perguntem que obra poderá representar — de forma imediata — o tema do duplo nas artes. A obra em questão intitula-se Identical Twins, Roselle, New Jersey (1967), e é um sóbrio retrato a preto e branco de duas irmãs gémeas. Poderíamos dizer que o que faz esta fotografia ser tão especial, e ao mesmo tempo tão estranha é, de facto (e perdoem-nos a repetição), as gémeas serem gémeas. A semelhança entre as duas, por si só, já confere um ambiente assustador à obra, mesmo apesar das pequenas diferenças que vamos apontando. Depois há tudo o resto: os vestidos escuros com a grande gola branca, idênticos, o mesmo corte de cabelo, o facto de estarem muito juntas uma da outra e de fixarem directamente a câmara. Sem sombra de dúvida, elas são o que os contemporâneos da artista (e até mesmo nós) chamariam de freak: elas são um fenómeno bizarro. Ter um outro (de carne e osso) como espelho deve ser estranho, mais estranho ainda quando se olham as duas, simultaneamente, ao espelho (Fig. 31 e 32). O filme The Man in The Iron Mask também seria um bom exemplo: Luís XIV é brindado com dois filhos gémeos, mas só há um trono... A certa altura, Fouquet, ministro das finanças, desmascara perante a assistência o que ele considera ser um falso casamento do “segundo” gémeo com Maria Teresa, ou antes, uma farsa total: “He may look like the King, he may dress like the King, he may speak like 120 the King, but he is not the King” 460. Qual dos gémeos terá o poder de eclipsar o outro? Quase sempre, as histórias com gémeos envolvem uma comparação inevitável entre os dois (como em Arbus), ou mesmo uma luta pela própria vida (como em The Man in The Iron Mask). Ficção à parte, os gémeos foram, no passado (e continuam a ser no presente), um cobiçado objecto de estudo por parte de cientistas 461: “olhamos para eles tentando desvendar a medida do que é inalteravelmente humano” 462, afirma Hillel Schwartz, em The Culture of The Copy (1996). Há mesmo casos estudados de gémeos idênticos que se tornaram patológicos. Uma psiquiatra inglesa tratou dois irmãos que ignoravam tudo à volta a não ser o outro: “Há poucas dúvidas”, dizia ela, “que viver na presença do gémeo era para eles sinónimo de viver na presença do seu próprio reflexo” 463. E que dissabores isso lhes trouxe. E há (vulgarmente vários casos conhecidos registados como gémeos de gémeos siameses), combinados que viveram «presos » ao outro, pelo crânio, pelo peito, pelas costas, etc. 464 Eram uma ou duas identidades? Eis a grande questão... O século XIX absorve todos estes «monstros » avidamente, sobretudo o romantismo alemão, que dará ao doppelgänger 465 uma “ressonância trágica e fatal” 466. E dá-nos a nós, em troca (com Hoffmann, Chamisso, Poe, Maupassant, Kleist, Dostoiévski, porventura 460 Th e Ma n in Th e I ro n M a sk, f il me r ea liz ad o p o r J a me s W ha le e m 1 9 3 9 , b ase ad o n u m r o ma n ce d e Ale x a nd r e D u ma s ( no s so it ál ico ) . C ad a gé meo t e m p o r ta nto d e o cup ar o l u g ar q ue l he c o mp e te : u m na s ma s mo r r as, co m u ma má scar a d e f er r o q ue esco nd er á, d e to d o s e p a r a se mp r e, a s s u a s f ei çõ es ( e o gr a nd e s e gr ed o d o fa cto d e ser e m d o i s f il ho s e não u m) , o o utr o na lid er a nç a d o r e i no d e Fr a n ça. 461 J o se f Me n ge le co nd u zi u e xp er iê nc ia s co m 2 5 0 p ar es d e gé me o s j ud e u s e ci ga no s, e s up e r v i sio no u a s s ua s mo r te s. V er H ill el S c h wa r tz - T he C u l tu r e o f T he Co p y, p . 3 5 . A q ue s t ão q u e o s ci e nt is ta s c o lo ca m é: so b r ep õ e - se o asp e cto ge n ét ico , o u o fac to r a m b ie nt al f al a ma is al to ? 462 Sc h war tz - T he C u lt ur e o f T he Co p y, p . 3 6 . 463 A p s iq uia tr a Do r o t h y B ur l i n g ha m co n vi ve u co m es te s gé me o s ( q ue ti n h a m fa n ta si a s ho mo s se x u ai s e as sa s si na s : so n ha v a m e m ma tar o o utr o ) e n tr e 1 9 5 5 -5 8 . C f. Sc h war tz - T he C u lt ur e o f T he Co p y, p . 4 6 . 464 Ca so d o s gé me o s ta il a nd e se s q u e e mi g r ar a m p ar a a A mér ica , tr ab al h and o n u m cir co , E n g e C h a n g B u n ker ( 1 8 1 1 -1 8 7 4 ) , o u d as gé me a s R it ta - Cr i st i na ; Ver Sc h war t z - T h e C ul t ur e o f T he Co p y, p . 4 8 -8 7 . 465 O d up lo ta n g í ve l d e u m a p e sso a na f ic ção , q u e t ip ic a me n te r ep r e se n ta o ma l. 466 An ne R ic ht er - L es Mé t a mo r p ho s es d u Do ub le, p . 1 2 . Co n vir á fr i sar , no en ta n to , q ue a te má t ica d o só si a e d o s ir mão s gé meo s, p o r e xe mp lo , j á e st a va m p r ese n te s no tea tr o a n ti go . O e xe mp l o d o A n f it riã o d e P la u to é aq ui e sc lar e ced o r . 121 os escritores mais célebres que se debruçaram sobre esta temática), exemplos inesquecíveis de duplos. O último escritor citado faz do seu personagem principal, Goliádkin (temo que vem de goliadka: nu, pobretão, miserável) em O Duplo (1846), o ser mais esquizofrénico e paranóico alguma vez criado nas páginas de um livro, desde que se dá conta que há um outro homem, réplica perfeita de si próprio, que insiste em trilhar os mesmos caminhos que os dele. Esse outro, que ele considera uma ameaça — chama-o de pernicioso” 467 “gémeo infame”, “gémeo indecente” e “gémeo — faz com que, progressivamente e ao longo da narrativa, ele se abeire do delírio total. Convém frisar que este seu personagem era absolutamente obcecado com as escadas da hierarquia social 468, com os chefes e subchefes de repartições perante os quais tinha de responder, e ao pé dos quais se sentia “um verdadeiro insecto” 469. O seu homónimo (assim é-lhe o outro apresentado), só piora as coisas, pois consegue brilhar mais perante essas figuras de autoridade. No momento em que encontra o seu duplo – um “autêntico Goliádkin!” 470 – o seu coração “gelou”, e “um arrepio percorreu-lhe as costas” 471: (...) n a d a fo ra e sq u ec id o , a b so lu ta men te n a d a , p a ra a p er fei ta s em elh a n ça , de ma n ei ra q u e, se se p u s es s em ao la d o um do o u tro , n in g u ém, a b so lu ta m en te n in g u é m se ria ca p a z d e d e te rm in a r q u a l d e le s e r a o verd a d ei ro sen h o r Go l i á d kin e q u a l o fa l so , q u a l o n o vo e q u a l o ve lh o , q u a l o o rig in a l e q u a l a có p ia . 472 467 Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p . 1 3 7 , 1 3 9 e 1 4 6 , r e sp ec ti va me nt e. Do sto ié v s ki ti n ha , ne s te as p ec to p ar t ic ul ar , a her a n ça d e N ico l ai Go gó l , q u e ta mb é m e sc r e ve u o b r a s ab so l uta me nt e i nco n to r n áv ei s so b r e o d up lo , co mo é o ca so d e “O R etr ato ” o u “O N ar iz ”. 469 Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p . 3 8 . 470 Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 8 4 . 471 Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 4 9 e 4 5 . 472 Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 5 2 . 468 122 De tal forma era a semelhança que, em duas situações específicas, o personagem pensa que está a olhar para si mesmo (o inverso da experiência sentida por Freud): À p o rta , q u e a té a o mo m en to o n o sso h e ró i to ma ra p o r u m e sp elh o , co m o já lh e a co n tec e ra u ma ve z, es ta va ele . 473 Deixemo-lo entregue à sua loucura, e analisemos um outro conto antecedente do grande mestre do suspense e do rigor americano (pois acreditava que um poema tinha de ser trabalhado com a “precisão e sequência rígida de um problema matemático” 474), Edgar Allan Poe. William Wilson (1839) tem também esse cálculo finamente elaborado. A situação é em tudo semelhante à do autor russo, abordando todo o horror passível de existir no encontro com o duplo (que mais não será que o horror do “encontro de si, fora de si” 475, como diz o crítico de arte Delfim Sardo) e a maldição que isso acarreta para a vida do personagem. Aqui, no entanto, uma pequena mudança: os dois são semelhantes em todos os aspectos (no nome, no dia de nascimento, na altura, nas palavras e até nos actos) excepto num: Wilson tinha um defeito nas cordas vocais, e só conseguia sussurrar de forma abafada. Quando finalmente se encontram num baile de máscaras, há um combate. William Wilson ataca Wilson feroz e repetidamente com uma espada, mas: Ha via a g o ra – o u a s si m m e p a rec eu d e in íci o , n a m in h a co n fu sã o – u m esp e lh o o n d e a n t es n ã o se via n en h u m ; e, a o a p ro x ima r - m e d e le, p r es a d e ext re mo t er ro r, a m in h a p ró p ria ima g em, ma s d e fe içõ e s ext re ma m en te p á lid a s e co b e r ta s d e s a n g u e, a va n ço u a o m eu en co n t ro co m p a s s o d éb il e va ci la n te . 476 473 474 475 476 Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 1 3 5 . Ed g ar All a n P o e - P o é ti ca, p . 3 6 . De l fi m Sar d o - J o r ge M o ld er , p . 1 7 . Ed g ar All a n P o e - W il li a m W i lso n , p . 2 2 4 . ( Ver são tr ad uz id a, 2 0 0 9 ) 123 Por agora, podemos afirmar que, nestes dois casos específicos, se retiram duas características importantes: • A tirania e força do outro na recusa de uma submissão à vontade do primeiro; • A situação um tanto caricata da réplica «transcender» o original: o outro Goliádkin impressiona mais os “cavalheiros brilhantes e graduados” 477; o outro William Wilson possui uma “ponderosa sensatez” 478 que falta à vida de «depravação» e «vício » de William Wilson. Neste sentido, ambas as «cópias » percorrem o caminho oposto a Judy no famoso filme de Alfred Hitchcock, Vertigo (1958): ela nada pode para com o original, a magnífica mulher dos cabelos loiros arranjados em espiral que domina todo o filme, de nome Madeleine 479. Eles podem, e aniquilam-no. Resumindo: os gémeos – os nossos “duplos de sangue” 480 – serão então uma das categorias possíveis da figura do duplo, mas há outras: os duplos manufacturados (autómatos, manequins ou figuras de cera); os duplos espectrais (os fantasmas, sempre tão presentes na obra de Shakespeare, o guerreiro sombra do filme de Akira Kurosawa, Kagemusha 481, ou mesmo a assombração causada pela bela Madeleine serão possíveis exemplos); os duplos animais (papagaios e símios); a voz; o retrato (impossível não pensar aqui em Oscar Wilde e o seu Retrato de Dorian Gray, n´O Retrato Oval de Edgar Allan Poe ou no 477 Fió d o r Do sto ié v s ki - O D up lo , p. 34. Ed g ar All a n P o e - W il li a m W i lso n , p . 2 2 3 . 479 Ver Ver ti go , o b r a p r i ma d e Al fr e d H itc h co c k, f il me to ta l me n te a n c o r ad o na id ei a d e d up lo ; e o s d o is te x to s d e J o ão B én ar d d a Co s ta so b r e o me s mo , me n cio n ad o s na b ib l io gr af ia f i na l. 480 Hi lle l Sc h wa r t z - T h e C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 1 7 6 . 481 Ak ir a K ur o sa wa - Ka g e mu s h a ( 1 9 8 0 ) , f il me q ue nar r a a h i stó r ia d e u m ho me m q ue é co ntr atad o p ar a f aze r d e d up lo d e u m te me r o so c h e fe g u e r r eir o q u e en tr e ta n to mo r r e, ma s cuj o s i ni mi go s acr ed i ta m a i nd a e s tar vi vo , gr aça s à s u a «a c t ua ção ». U m d o s mo me n to s ma i s ma r ca n te s d o f il me é o c a valo q ue to mb a no ca mp o d e b a ta l ha, e i n si s te — r ep e tid a me n te — e m t e nta r le v a nt ar - s e, p ar a no va me n t e c air ( l e va n ta r - se, c air ) , co n st it u i nd o tal v ez u m b o m d up lo p a r a o no s so d up lo . C ur io so no tar q u e é ta mb é m u m f o go so c av alo n e gr o , p r o p r ie tár i o d o a nt i go líd er , o ú ni co a co ns e g u ir ver alé m d a p er fe ita s e mel h a nça / far sa . 478 124 filme de Fritz Lang The Woman in the Window 482), o sócia (o sério Tertuliano Máximo Afonso de Saramago 483); a sombra ou o reflexo. Contra a nossa vontade, entramos no frenético pesadelo de Goliádkin: Go l iá d kin co r re a o a ca s o , s em ve r o ca m in h o , à vo n ta d e d o d e s tin o , l ev e - o es te a o n d e o le va r; ma s a ca d a p a s so d e le, a ca d a b a te r d o seu p é n o g ra n i to d o p a s se io , vã o su rg in d o , co mo sa íd o s d e b a ixo d a te rra , ma i s u m sen h o r Go liá d kin , e ma i s u m , e ma i s u m, a b so lu ta men te ig u a i s e ig u a lm en te a b o min á v ei s n a d ep ra va çã o d o co ra çã o . Já s e a l a st r a , p o r f im, u ma te r rí vel mu l tid ã o d e a b so lu ta me n te ig u a i s . 484 No meio de toda esta confusão, fiquemos com uma certeza: não há sujeito sem o fantasma do duplo 485. * Otto Rank publicou Le Double em 1914, pouco depois do primeiro filme com o tema do duplo ter surgido, filme que muito o 482 Est e fi l me d e Fr itz L a n g, d e 1 9 4 4 , é so b r e u m r esp eit ad o ho me m d e m eia - id ad e q ue se ap a i xo na p o r u m a mu l her p i n tad a n u m r etr a to , p i nt u r a q u e v ê n u ma mo n tr a d e u m a nt iq uár io . D e r ep e nt e e ss a mu l h er to r na - s e r ea l, s ur ge ao s eu lad o , e co n v id a -o a té s ua ca s a … u m d o s p o uco s fi l m es o nd e u m ho me m es c ap a a u ma co nd e naç ão p o r cr i me? O l i vr o d e Os car W ild e é p o r d e ma i s co n he cid o : Do r ia n Gr a y co ns er va u ma j u ve nt u d e e b e le za i n vej á ve is, e nq u a nto q ue a s ua i ma g e m no r etr a to vai e n v el h ece nd o e mi r r a nd o … s ur g i nd o u ma si t uaç ão o nd e a i ma ge m – o se u d up lo – te m ma i s vi d a q u e o se u r ep r e se n tad o ; no co nto d e P o e u ma esp o sa q ue p o u sa va p ar a o se u ma r id o p i n to r va i fic and o cad a ve z ma is “fr aca ” e “d es al e ntad a”, ao i n vé s d o se u r etr ato , cad a ve z mai s s e me l ha n te a si, e q ue p o r f i m l h e ap o d er a a s t uc io s a me nt e a v id a ! 483 Li vr o d e J o sé S ar a ma g o - O Ho me m D up l icad o , 2 0 0 2 . O p er so n a ge m p r o c ur a d ese sp er ad a me n t e a d i fer e nça q ue e x i st ir á e nt r e s i e o o u tr o : d e sco b r e q ue na sc er a m co m tr i n ta e u m mi n u to s d e i n ter va lo , e q ue p o r ta nto “d ur a n te t r i nt a e u m mi n u to s o d up l icad o o cup ar á o e sp aço d o o r i gi n al, s er á o r i gi n al el e p r ó p r io ”, p . 2 2 3 . T er tu li a no er a o d u p lic ad o . 484 Do s to i é v s ki - O D up lo , p . 1 0 1 . 485 C f . te se d e d o u to r a me n t o d e Ca r lo s Au g u s to Co nc eiç ão - N ão E s ta mo s Só s So b a P ele ( 2 0 0 6 ) , q ue tr at a d a q ue stão d o d up lo d e fo r ma i n sp i r ad o r a. 125 tinha impressionado 486 e que será o ponto de partida para o seu estudo. A tese de Rank é simples: o duplo é um “mensageiro de morte” 487. O homem, segundo ele, tenta obter consolações (através da religião, da filosofia e da arte) para obliterar a sua própria destruição. A ideia de perda de si mesmo é-lhe absolutamente insuportável. Citamo-lo: “O homem crê, talvez de forma ingénua, numa vida eterna sem morte, mas é obrigado a admitir que existe apenas uma imortalidade colectiva. De forma a se defender contra esta imortalidade colectiva, ele cria o seu Duplo, mas, nele próprio também, é obrigado a reconhecer a morte que ele primitivamente negava como símbolo da sua própria imortalidade” 488. Sabemos que vamos morrer, e punimo-nos a nós mesmos através da concepção de um duplo (um “diabo” 489 inimigo da nossa alma), algo que nos dá algum reconforto e alento. Este duplo que nos representa é imortal, segundo Rank, e encarregue de nos colocar ao abrigo da nossa própria morte. Clément Rosset considerou este ponto de vista demasiado simplista (acusa-o de ser “justo, mas superficial” 490, para sermos exactos). Mais do que a proximidade da morte, segundo ele, o que nos causa verdadeira angústia é a nossa não-realidade, a nossa nãoexistência. Para ele, o duplo é ilusão. E a ilusão relaciona-se com o real. Aceitar sem reservas a “imperiosa prerrogativa do real” 491 – admitir a realidade – é algo que é muito frágil, muito difícil. Ele divide as ilusões em três categorias: • A ilusão oracular da tragédia grega, onde se dá um desdobramento do acontecimento (o oráculo que anuncia o acontecimento com antecedência); 486 F il me d e M e yer s i nt it u l ad o Th e S tu d en t o f P ra g u e , b a se ad o no r o ma nc e d e H a ns Hei n z E wer s. O h er ó i d a hi s tó r i a, B ald u i n, p r o me te à s ua a mad a q u e i r á matar o se u o p o ne n te n u m d u elo , mas no se u ca mi n h o p a r a d u elo c r uza - se co m o se u d up lo , q ue j á tr ato u d o a s s u nt o p el as s u a s p r ó p r ia s m ão s. ( D e no t ar q u e o se u d up lo se d esp r e nd e d o e sp e l ho , i ma g e m d e v er a s s ur p r ee nd e n te te nd o e m co nt a a d ata e m q ue fo i f il ma d o , 1 9 1 3 ) . 487 Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 6 6 . 488 Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 2 8 . 489 Ot to Ra n k - Le Do ub l e, p . 1 4 2 . 490 C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le, p . 1 1 7 . 491 Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 7 . 126 • A ilusão metafísica inerente aos filósofos idealistas (a duplicação do real em geral, no «outro » mundo). Valerá a pena referir que o exemplo dado é Platão, e que para ele o platonismo não é uma filosofia do duplo, mas uma “filosofia do singular” 492, fundada precisamente sobre a impossibilidade do duplo. Baseiase, para tal, no Crátilo, numa passagem onde Sócrates demonstra que duas vezes Crátilo é uma teoria absurda: a essência de Crátilo é uma só. Por definição é imitável, mas não é duplicável. Tal conduz a uma filosofia do único; • A ilusão psicológica (o desdobramento da personalidade no homem). A função de todas elas é apenas uma: protegerem-nos do real. Não a recusa em percebê-lo (e certamente também não anulando-se a si mesmo, como faz o suicida, nem através de um desmoronamento mental, como faz o louco), mas sim o desdobrar do real: fazer como o ilusionista, e de uma coisa surgirem duas. Remataremos o ponto que ficou por debater e que queremos ver esclarecido, e que diz respeito à questão do único. Para este autor, a realidade humana apenas começa na “segunda vez”: Uma m ed id a p a ra n a d a : ta l é a d iv i sa d es ta via em s eg u n d o g ra u , q u e fa z o a g ri cu l to r sa cr if ica r o p r ime i ro a lq u ei re d a su a p r ime i ra co lh e ita , o s jo ven s ro ma n o s fa z er em a Jú p it er o sa c r if ício d a su a p r im ei ra b a rb a , a s esp o sa s ca r ta g in esa s d e sa c ri fi ca r em o s eu p ri me iro f ilh o e m h o n ra d o d eu s B a a l. O rea l só c o meça à seg u n d a vo l ta , q u e é a verd a d e d a vid a h u ma n a , ma rca d a p elo c u n h o d o d u p lo . 493 Acrescentaremos também que, e segundo a sua opinião, os Contes Indiens, de Mallarmé, são um dos exemplos mais curiosos do 492 493 C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le , p . 5 5 . Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 6 0 . 127 duplo e da estrutura oracular. Transcrevemos a sua convicção: “é um conto cruel sobre a impossibilidade de estar aqui e ali, de sermos um e outro” 494. Tudo, para Rosset, se resume a ser “particular” — ou a nãoser. Refutamos a sua tese no ponto concreto da particularidade: ela não conseguir admitir que há um e outro, verdadeiro e falso (e não um ou outro, verdadeiro ou falso: o mesmo e o outro “à vez” 495, como o próprio Rosset defende), e que nisso não há nenhuma impossibilidade «real ». Apenas lhe dizemos três nomes contidos num outro bem conhecido, que não mencionaremos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos (entre tantos outros possíveis): a invenção do homem maravilhosamente múltiplo e divisível. Rosset parece sugerir o contrário (o homem que não pode de forma alguma permanecer dois, e daqui concluímos nós que portanto há sempre um que pode ser considerado como um impostor, uma fraude). Talvez... — dizemos novamente enfatizando as reticências: talvez... — os deuses sejam os eleitos, os únicos “dignos de viver sob o signo do único” 496 (mas como, se também eles escolhem tornar-se duplos? (...) eu que tão facilmente me transformo/ em chuva de ouro, em águia, abutre ou vento 497, como diz um grande poeta). Para todos nós, não deuses, a segunda volta: o mundo em segundo grau, o mundo que já é um paste. * É com alguma relutância que Sigmund Freud se aventura no que chama de investigações estéticas, e numa área particular da estética que, segundo ele, não era muito tratada: o conceito de das unheimlich (termo que poderá ser traduzido por “uncanny” ou “eerie” em inglês, 494 Ro s set - Le Rée l e t so n Do ub le , p . 1 0 0 . A s ua d e f i ni ção d e d up l o é o q ue p o i s co n te st a mo s: “é o q u e é, à ve z , o me s mo e u m o u tr o ” ; Ro ss et , ci t. 4 9 4 , p . 4 0 , no s so i tá lico . 496 C lé me n t Ro s s et - L e Ré el e t so n Do ub le , p . 6 0 . 497 Antó n io Fr a nco Al e xa n d r e - d up lo , p . 4 4 . 495 128 ou “inquietante”, “sinistro”, “fantasmagórico”, “inóspito” ou “lúgubre” em português) estudado por ele em 1919. Este conceito não estará relacionado com o belo convocados pelo belo) (e com os “sentimentos mas, pelo contrário, positivos” 498 ligar-se-á mais a sentimentos que causam repulsa e inquietação, pouco registados nos registos da estética de então (com excepção do estudo médico/psicológico de Ernst Jentsch mencionado pelo próprio Freud, que este no entanto considera questionável em certos pontos). Freud começa por reunir equivalências semânticas da palavra nas mais diversas línguas, para concluir que, em muitas delas, falta uma palavra para definir correctamente o termo. Percorre depois alguns autores que dela fazem uso, e um comentário de Schelling chama-lhe a atenção: “Uncann y is what one calls everything that was meant to remain secret and hidden and has come into the open” 499. É este enunciado que o vai prender, e o que ele vai trabalhar. Acrescente-se a isto a própria definição da palavra heimlich (qualquer coisa que é familiar e conhecido, confortável, íntimo) e obtemos a fórmula que Freud acolherá com gosto e que optará por desenvolver como sua: a ambiguidade contida no conceito unheimlich; algo que por um lado nos é confortável e familiar, mas que ao mesmo tempo é secreto, escamoteado e escondido. Algo que foi afastado por um processo de recalcamento: o prefixo “un-” torna-se, para Freud, o “indicador da repressão” 500. Segundo o psicanalista, o exemplo mais poderoso do uncanny pode ser encontrado na obra de E.T.A. Hoffmann, The SandMan 501. Mas ao contrário de Jentsch, que vê na boneca Ol ympia a súmula do conceito (estará este autómato vivo?), Freud prefere a figura do homem de areia, o maléfico Coppola que arrancava os olhos aos meninos como o exemplo mais marcante, já que se relaciona com o medo infantil do roubo dos olhos (e que Freud faz equivaler ao medo de castração). Mas também poderá haver exemplos de situações de estranheza 498 499 500 501 no que Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 2 3 . Sc h ell i n g c it . p o r Fr e ud - T he U nca n n y, p . 1 3 2 . Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 5 1 . T r ad ução e m p o r t u g uê s: E .T . A Ho f f ma n n - O H o me m d e Ar e ia, p . 1 9 -5 2 . 129 Freud apelida de “recorrência do mesmo”, e que muitos de nós talvez tenhamos experimentado algures na nossa vivência: num mesmo dia dar-se a estranha coincidência de uma repetição dum mesmo número (de uma morada, um hotel, um lugar numa carruagem de comboio, etc.) ou quando, perdidos na escuridão de um quarto que conhecemos mal, sistematicamente colidirmos com a mesma peça de mobiliário. O complexo de castração e as repetições não propositadas, a par da feitiçaria, do animismo, da magia e do duplo são factores que fazem o uncanny assustador e terrível. Não será novidade a herança da infância ser lugar de conflito para Freud [pensamos em Manuel António Pina em As vozes, perfeito resumo da teoria freudiana: A infância vem/pé ante pé/ sobe as escadas/ e bate à porta 502(...)], onde memórias e experiências passadas – e reprimidas – nos batem à porta, condicionado e assombrando a nossa vida adulta. O que surge como novidade é Freud concluir que um efeito uncanny surge quando as fronteiras entre fantasia e realidade são enevoadas. Ora este enevoamento é o território do duplo. Tendo sido em tempos uma asserção de imortalidade, o duplo torna-se num “objecto de terror” 503, um “mensageiro de morte uncanny” 504, diz o psicanalista alemão, ecoando o estudo do seu discípulo Otto Rank, mas acrescentando-lhe uma poderosa (e pelos vistos intraduzível) palavra, que o movimento surrealista irá acarinhar. Cenas de um Crime O cinema deu-nos vários exemplos memoráveis de obras onde o duplo/ o espelho é um factor crucial para o desenvolvimento da narrativa. Escolhemos analisar duas obras onde este dispositivo é essencial, e ambas — não por qualquer estranho acaso — podem ser 502 503 504 Ma n ue l An tó nio P i na - P o esi a, Sa ud ad e d a P r o s a, p . 2 4 . Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, 1 4 3 . Si g mu n d Fr e ud - T h e U nc a n n y, p . 1 4 2 . 130 rotuladas como pertencentes a um estilo muito em voga nos anos quarenta e cinquenta, o film noir. Este género de filme fez do espelho o seu avatar, cúmplice e actor principal. Dead of Night é uma obra notável, com uma montagem brilhante. É difícil de acreditar que foi um dos primeiros filmes de terror a ser produzido, em 1945. Um homem vai visitar uma casa de campo com o intuito de promover um projecto de arquitectura, e quando chega é apresentado a várias pessoas que já lá se encontram. Parece apático, quase sonâmbulo, e finalmente se percebe porquê. Diz a todos os outros: eu já estive aqui com todos vós, recorrentemente, num pesadelo. E dando cada vez mais credibilidade ao seu dejà vu, vai enunciando tudo o que se vai passar a seguir (uma morena vai entrar, ele vai dar um violento estalo uma jovem rapariga, uns óculos vão-se partir, etc.) Ele crê firmemente que todas as situações que descreve conduzem a um fim que lhe é desconhecido, mas que lhe provoca sentimentos de verdadeiro terror: I feel i´m in the grip of a force that´s driving me towards something unspeakably evil, afirma em pânico. Tudo o que descreve vai acontecendo tal como ele previu, e todos os convidados acreditam nele; só um famoso médico psiquiatra é que tenta explicar e racionalizar constantemente tudo (e de certa forma, “desrelativizar” o terror por ele sentido). Todos eles vão contribuindo com narrações de pesadelos; são portanto cinco sonhos (realizados por cinco realizadores diferentes), fragmentos aparentemente díspares que são todos acoplados no fim, conduzindo-nos a nós espectadores, de forma onírica, desconexa e violenta (a inegável matéria dos sonhos) ao... início. “O Espelho Assombrado” é o sonho de Joan, mulher elegante e divertida, que conta como a prenda que ofereceu ao seu futuro marido lhe foi mudando completamente a personalidade. Vemos depois imagens de Peter arranjando-se ao espelho, e o seu susto ao ver que a imagem reflectida é a sua, mas o quarto é um outro que não o seu (“the reflection is all wrong”, diz nessa altura). Vamo-nos apercebendo que o espelho tem um poder hipnotizante sobre ele, como se o atraísse maleficamente para si. Ele está ciente dos seus perigos: if i cross the 131 dividing line, something awful will happen. Joan pede-lhe, dando-lhe a mão, que olhe, que não tenha medo de olhar: ele vê a imagem especular, mas não a consegue ver a ela, apenas a si próprio e àquele quarto com um requintado ambiente vitoriano e com uma lareira que deita labaredas raivosas. Entretanto casam-se, e pouco depois Joan vai visitar a mãe por umas semanas. Quando volta, o seu marido está rude, taciturno, ciumento. Encontramo-lo sentado numa poltrona frente ao espelho, absorto; acusa-a de adultério. Ela conta-lhe que foi ao antiquário onde havia comprado a prenda maldita, e que este lhe disse que o espelho pertencia a um homem que estrangulou a mulher, cortando em seguida a sua própria garganta. Mas Peter ignora a sua explicação. Depois tenta matá-la. Ela parte o espelho, salvando-os aos dois. Na sua devida vez, o Dr. Van Straaten relata o sua estranha história (pela mão do inimitável Alberto Cavalcanti). Ele conta como um boneco que fazia parte da actuação de um comediante dá claros sinais sobre quem é o «mestre » da dupla. Acompanhamos a loucura progressiva de um, que sabe perfeitamente que o boneco que segura nas suas mãos tem uma vida muito própria (a meio de uma actuação deixa de seguir o guião, e começa a conversar com outro ventriloquista, Sylvester, que se encontra na plateia, tentando convencê-lo a formarem uma equipa; dá uma dentada no «dono», etc.) e o domínio impositivo do outro. O comediante, Maxwell Frere, dispara contra Sylvester quando encontra o boneco no quarto deste, e pensa que ele o queria roubar. É preso, e o médico decide trazer-lhe o boneco. Ele pisa-o e destrói-o furiosamente, quando percebe que tudo o que tinha acontecido tinha sido arquitectado por ele, de forma premeditada: ele próprio ficaria encerrado pelo crime cometido, enquanto que Hugo, o dummy muito pouco dummy 505, encontraria uma nova liberdade... E nós ficamos com a ideia que ele, o fraco, o dominado, conseguiu finalmente livrar-se do desagradável boneco. Até que S ylvester o visita, em atenção ao médico que o quer libertar da apatia, e vimos a 505 Du m my q uer d iz er b o ne co ( ve n tr í lo q uo ) , ma s e m se n tid o co lo q u ia l ta mb é m si g n i fi ca «i mb ec il ». 132 cara de Maxwell iluminar-se e sorrir escarninhamente, enquanto diz com a vozinha de Hugo: Why...hello Sylvester... (créditos sejam dados à interpretação de Redgrave). The Servant (1963), de Joseph Losey, é outro filme a ter em conta, e também aborda questões de poder e de domínio. Um aristocrata contrata um criado para lhe tratar da organização da sua nova casa (o exemplarmente sinistro Dirk Bogarde). Ele é irrepreensível nas suas funções, é um excelente cozinheiro e um meticuloso empregado: é tão bom que o dono da casa já não se imagina a viver sem ele. Paulatinamente — tudo neste filme acontece muito, muito devagar — o criado vai-se apoderando não só do espaço da casa (o lugar preciso de cada objecto, os desejos que sabe antecipar, um momento romântico que interrompe de propósito), mas da própria vida do seu dono. A noiva pressente este lado negro e acusa-o de andar sempre à espreita (“he´s a peeping Tom”, diz ao namorado). Nunca lhe passará pela cabeça que a relação de dependência entre os dois passará a ser total, desequilibrada, doentia, e que o suposto futuro marido seja atraído inexplicavelmente para o domínio do criado 506, escolha que ditará a sua própria destruição. O dono da casa começa a perder, aos poucos, as rédeas da sua própria vida; I know all about you, diz-lhe o criado quase no fim do filme, a gritar-lhe ameaçadoramente (e como que possuindo um trunfo precioso, que usaria quando se revelasse necessário). A casa está ricamente mobilada com espelhos (e pinturas). Prestemos atenção ao que vão registando, dos ângulos mais estranhos: • O sério trabalho do criado Barret nos primeiros momentos do filme, limpando escrupulosamente o espelho oval (numa vulgar relação senhor/criado); • A entrada da noiva, Susan, na nova casa totalmente remodelada, e o seu manifesto desagrado em ter um criado 506 O fa n ta s ma d e u ma at r acção ho mo - er ó t ica nã o ad mit id a e nt r e o s d o is r o nd a s ub t il me n t e p elo fi l me, p r es u mi v e l me n te n u nca co n s u ma d a, so b r et ud o v is í ve l n as ce na s f i nai s, o q ue l he d á u m co nt e xto m ui to d i fer e nte d o q ue à p ar tid a j ul gá v a mo s. 133 sempre a pairar, invadindo a sua privacidade; mais tarde, a presença de Barret no quarto onde o casal está intimamente a conversar, visível somente como reflexo, invadindo e interpondo-se entre os dois mesmo quando não está lá. • os esboços a lápis de carvão do corpo masculino (provavelmente desenhos feitos pelo próprio Tony, o dono da casa) pormenor que também nunca é visto a não ser no plano do espelho; • A infidelidade que o dono da casa comete com a suposta “irmã” do criado (que de facto é a sua própria amante; uma peça no esquema inteligentemente por ele montado para conseguir que o dono se separe da sua própria mulher); acto “condenável” visto somente a partir do espelho, com o pormenor de um pedaço de uma mão que agarra a esquina da parede e que faz um dos enquadramento mais admiráveis do cinema; • A tentativa falhada de colocar o criado “em ordem” em frente à sua mulher (pois tinha sido encontrado pelos dois no seu próprio quarto com a amante); Barret apresenta-se pedantemente tal como se encontrava vestido, em roupão, como se estivesse em sua própria casa (a total inversão das relações de poder; o início da queda do dono da casa). (Ver os 5 film stills que respeitam esta mesma ordem, Fig. 33). Acrescentamos que os planos iniciais do filme têm uma analogia com os últimos: o momento de entrada numa casa vazia, pronta para obras, onde o dono dorme, e o criado, em pé, olha para ele com um certo ar de superioridade/ o dono da casa totalmente transformado num trapo, num dandy bêbado, abjecto, sem qualquer réstia de amor próprio, a dormir no chão, enquanto o criado sobe para o seu quarto para dormir com a amante. 134 O Duplo ao espelho Há um outro conto de E.T.A. Hoffmann, “As Aventuras da Noite de S. Silvestre” digno de ser mencionado, que é um claro piscar de olho a Chamisso (cremos que sem a qualidade deste último, infelizmente): em vez de ter perdido a sombra, Erasmo Spikher perde o reflexo num pacto diabólico que faz com uma astuta cortesã por quem se tinha enamorado, que o convence a tal dizendo-lhe simplesmente: — Nã o é s to d o meu , tu e o teu re fle xo ? 507 Gu y de Maupassant também dará primazia ao momento em que o seu personagem não consegue ver o seu reflexo; supostamente, o ser invisível que o persegue por todo o lado e que se vai insinuando no seu quotidiano de forma insuportável, e que ele baptiza de Horla (e que nunca chegamos a saber o que é, de facto, um Horla, um ser sobrenatural, um ente diabólico?) fizera desaparecer totalmente o seu reflexo: P o i s b em! .. .V ia - se tã o b em co mo se fo s se d ia . ..e n ã o me vi n o esp el h o ! Est a va va z io , cla ro , ch eio d e lu z. A min h a i m a g em n ã o s e via .. . E e s ta va p rec i sa m en te d ia n t e d el e... Via o g ra n d e vid ro , límp id o d e a lto a b a i x o ! E o b se rva va is so de o l h a r a p a vo ra d o , não o u sa n d o a va n ça r, s en t in d o n itid a men te q u e el e s e en co n t ra va en t re n ó s, e q u e me vo lta r ia a e sca p a r, ma s q u e o seu co rp o imp e rc ep t íve l me a b so r vera o re fl exo . Qu e m ed o tiv e! 508 Não nos queremos esquecer da famosa frase proferida pelo doutor Jek yll quando constata, de forma nobre e tão pouco hipócrita, as mudanças na sua aparência; de homem bondoso, forte e atlético para um ser malévolo, atarracado e disforme: 507 508 E . T . A. Ho f f ma n n - As Ave n t ur a s d a No i te d e S. Si l ve str e, p . 1 3 7 . G u y d e Ma up a s sa n t - O Ho r l a, p . 1 5 1 . ( P r i me ir a Ver s ão ) . 135 E co n tu d o , q u a n d o vi s l u mb r ei a q u el e íd o lo r e p elen te n o e sp e lh o , n ã o ti ve co n sc iên cia d e r ep u g n â n cia a lg u ma , ma s a n te s u m g e sto d e b o a s - vin d a s. E st e ta mb é m e ra eu . 509 Há, em todos os ex emplos mencionados até agora, um retorno constante, obstinado, ao espelho (na procura do eu, de uma «prova » da existência do eu?). Porquê o seu uso reiterado? O que é que nos oferece, qual a sua mais valia? Estas são as questões que julgamos pertinentes colocar agora. O duplo precisa do espelho. Seja como marca de transitoriedade, constatando desmedidas mudanças na aparência (como em Dr. Jekyll & Mr. Hyde), como um auxílio para o personagem se certificar de que há um outro ser, invisível, no quarto (O Horla), ou como simples paródia de uma impossibilidade, reflexo que se destaca da pele do personagem e ganha uma autonomia própria, partindo com a mulher amada e deixando a pessoa perdida (As Aventuras da Noite de S. Silvestre). Não será uma regra, mas poderemos afirmar que, quase sempre, com reflexo há herói, mas que com a sua extinção o personagem está condenado, o seu “corpo torna-se um nada transparente” 510 (Baudrillard). Há sempre o momento marcante em que o ventríloquo mata o seu mestre e ganha uma independência que é, a todos os níveis, ameaçadora: o duplo é, portanto, uma garantia para o próprio ser. Enquanto houver duplo estamos a salvo. Ahab morre pelo seu próprio arpão quando mata Moby Dick. Mas que seria ele sem a grande baleia branca para obsessivamente perseguir? O espelho torna-se também um dispositivo de controle, relatando a passagem de poder do dono da casa para o servente, operando quase como uma câmara de filmar que nos dá a oportunidade a nós, espectadores, de aceder a perspectivas e fragmentos do interior que de 509 Ro b er t Lo u is S te ve n so n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e , p . 1 8 1 . J ean B a ud r i ll ar d - Si mu l acr o s e S i mu l ação , p . 1 7 8 ( no ta d e r o d ap é 1 ) . Es te so c ió lo go e f iló so fo d e f end e q ue, na er a d a si m ul ação e m q ue v i ve mo s, q ue l iq uid a to d o s o s r e fer e n cia i s, f ar á ma is s e nt id o fa lar d e u m hip er - r ea l, “d e u m r eal s e m o r i ge m n e m r e al id ad e ”, o nd e o d up lo … j á não te m l u gar . O clo ne i mp õ e - se. 510 136 outra forma nos estariam vedadas – o espelho dá-nos, a nós, uma vantagem: é um espião, um olho a mais na cara do míope ciclope, uma extensão maquiavélica do olhar (The Servant); ou então é não só uma testemunha eficaz de um antigo crime, um espelho com poderes de reminiscência, mas também um espelho que alerta, que tem poderes de antevisão. Ele denuncia um crime antigo e adverte que vai acontecer um crime futuro, um crime copiado de um outro mais antigo (Dead of Night). Neste ponto onde nos encontramos é imperativo delinearmos uma pequena conclusão. Roubaremos uma única palavra a Hitchcock: vertigo. O duplo é vertigem, angústia e terror, obscuridade ambígua. E também é um paradigma do medo (daquele medo que Maupassant descreveu tão bem: “o medo (...) é algo de medonho, uma sensação atroz, como que uma decomposição da alma, um terrível espasmo do pensamento e do coração, de que a simples recordação nos leva a estremecer de angústia” 511). Mas há medo e Medo; o escritor francês definiu este último magistralmente: “O verdadeiro medo é qualquer coisa como uma reminiscência dos fantásticos terrores de outrora” 512 — um festim para Sigmund Freud, e até para Sophia (Sombrios deuses/Senhores do medo antigo 513... ) Ora o duplo entra nesta categoria do Medo. O outro é algo que tememos verdadeiramente; em todas as suas manifestações sentimos que estamos em perigo (quase como se estivéssemos aprisionados dentro de uma pintura de De Chirico, passeando sob as suas arcadas desertas, e não conseguíssemos encontrar uma saída) — mas é um perigo que habita dentro de nós, de forma alucinatória. Andei furtivamente pelos corredores, um estranho em minha própria casa 514... O espelho revela facetas que nos são desagradáveis e que queremos esconder a todo o custo (Mr Hyde tem um nome apropriado — aquele que se esconde — e Dr. Jekyll, aquele que, literalmente, «mata o eu»). 511 G u y d e Ma up a s sa n t - O Ho r l a e O utr o s Co n to s Fa n tá st ico s, p . 6 6 . Ma up a s sa n t - O Ho r la e O utr o s Co n to s F a ntá s ti co s, p . 6 6 . 513 So p hia d e M el lo B r e yn e r And r e se n - D er i va , p . 3 0 . 514 Ro b e r t Lo u i s Ste v e nso n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e, p . 1 8 1 . 512 137 Outras palavras lhe são acopladas de forma natural: neurose, esquizofrenia, delírio 515. Podemos ser sombra (e seremos Nosferatu 516, vagueando por corredores e escadas vazias, dando um corpo ao Mal); podemos ser gémeos (e seremos os irritantes Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, saídos da Alice, ou Abel e Caim, os Dioscuros Castor e Pólux, Rómulo e Remo, Amfíon e Zéthos 517... mas recusamo-nos a ser as torres gémeas norte americanas com o seu rasto de dor, ou antes, recusamo-nos a ser o segundo avião “galvanizado com malícia” 518 que se abate de forma cinematográfica sobre a torre sul a 960 km/ hora, quinze minutos depois do embate do primeiro, significando o fim de tudo para os milhares de pessoas que lá se encontravam. O segundo avião: o terror “ao quadrado” 519, como afirmou o escritor Martin Amis. O segundo avião: porque é ele que nos faz ver que não tinha sido uma brincadeira, um descuido ou um infeliz acaso; novamente a segunda volta... Seremos um simples chapéu de coco (Magritte) ou um luzidio e negro corvo (Poe), mas continuaremos a não querer entender o fim de tudo, dado pelas palavras de Martinho Lutero: Pestis eram vivus – moriens tua mors ero 520 [A minha vida era o teu flagelo – a minha morte será a tua morte]. Queremos acreditar em Otto Rank, que vê o duplo como uma defesa contra a aniquilação do ser, como uma promessa de imortalidade. Mas as palavras de um poeta português são mais fortes e falam mais alto: Cheira excessivamente a morte por aqui (...) 521. 515 Há até ca so s c lí n ico s es t ud ad o s q ue tê m o no me d e “d el ír io d e C ap g r as ”, e m ho nr a d o med i co J ea n -M ar ie Cap gr a s, t a mb é m c o n he cid o co mo a i l us ão d o s só si as . As p e s so a s j ul ga m q ue e nt es q uer id o s fo r a m s ub s t it uí d o s p o r i mp o st o r es q ue s e fa ze m p as s ar p o r e le s. 516 Fil me d e F. W . M u r na u, d e 1 9 2 1 . 517 C f. Ot to Ra n k – Le Do ub l e, p . 1 1 1 - 1 2 8 ( cap ít u lo 6 ) ; so b r e a cr e nç a n u ma al ma d up la, u ma mo r tal e o u tr a i mo r ta l, c f. p . 1 1 3 . 518 Mar ti n A mi s - O Se g u n d o Avi ão , p . 1 3 . 519 Ami s - O Se g u nd o Av i ã o , p . 1 5 . 520 Mar ti n ho L u ter o ci t. p o r E d gar All a n P o e - E d gar All a n P o e: T o d o s o s Co n to s, p. 267. 521 Ma n ue l An tó n io P i na - P o esi a, Sa ud ad e d a P r o s a, p . 6 5 . 138 Num mundo de cópias Thomas de Quincey propunha, com um humor ácido, a original tese de se poder fazer de um homicídio crítica de arte (de dotar uma imoralidade de uma dimensão estética, além do mal e do bem), em Do Assassínio como uma das Belas Artes (1827). Valerá a pena relembrar o seguinte excerto: O p ú b lico co me ça a p er ceb e r q u e, p a ra a co mp o si çã o d e u m a s sa ss ín io em reg ra , se ex ig e m ma is d o q u e d o is n é sc io s, u m p a ra ma ta r e o u t ro p a ra mo r re r, u ma fa ca , u ma b o lsa e u ma vie la e scu r a . Des en h o , co mp o s içã o , lu z e so mb ra , p o e sia , sen tim en to , sã o h o je, me u s s en h o re s, co n sid era d o s in d i sp en sá v ei s a e mp ree n d imen to s d e ta l n a tu re z a . 522 Sem mais demoras: o «belo homicídio» que o duplo comete é o da cópia contra o original. Também é um duelo sangrento (apesar de não envolver facas), e há um dilema que se ergue deste luta: nesta cultura da cópia em que vivemos fará ainda sentido falar de originais? Terá o original perdido a sua força? Saberemos sequer destrinçá-los? Voltamos a citar Heinrich Von Kleist e o seu Anfitrião: Qu em é d e vó s d o i s o A n fit r iã o ? V ó s o so is , s im ; ma s a q u ele ta mb ém é. De Deu s o d ed o , o n d e e s tá , p a ra mo s tra r E m q u a l p ei to , ta n to d u m co mo d o u t ro , S e d i sfa rça o co ra çã o d o tra id o r? S e d e sco b e r to , en tã o n ã o d u vid e i s, Qu e o a lvo d a n o s sa v in g a n ça a ch á mo s. Ma s en q u a n to o g u m e d a esp a d a a q u i S e en fu re ce r, e m to rn o , em e sco lh a c eg a , Ma i s va le q u e p e r ma n eç a n a b a in h a . 523 Não pode haver lugar para escolhas cegas. 522 523 T ho ma s d e Q u i nce y - D o As s as s í nio co mo u ma d as B ela s Ar t es , p . 9 . H. Vo n K le is t - O An f it r ião , p . 1 7 9 ( 1 8 7 6 -1 8 9 1 ) . 139 Estamos em crer e defendemos (um pouco contra corrente?) que ainda há originais, e que são estes que dão sentido às cópias: “nesta cultura da cópia, a repetição e a simulação tornam a nossa vida, a nossa morte, real” 524. Para usarmos os termos de Walter Benjamin, e afirmando-nos contra ele, acreditamos que o original ainda tem uma “aura”, que nunca a perderá 525. Os objectos que definimos como sendo arte continuarão presos a essa «lonjura », por mais próximos que estejam de nós. “Não há duplo sem original”, diz-nos a certa altura um dos generais de Kagemusha: esta afirmação continua a fazer sentido hoje em dia. A arte ainda batalha com um ideal de autenticidade nesta era da reprodutibilidade técnica: ainda admiramos o único, apesar de o vermos reproduzido até à exaustão. O terreno onde nos movemos tornase indeterminado: quem somos, afinal? Delineamos uma possível resposta, que existe sem que qualquer um dos elementos envolvidos anulem o outro: seremos então original e cópia, corpo e reflexo, eu e outro. O crítico Harold Bloom, no seu famoso ensaio A Angústia da Influência, Uma teoria da Poesia (1973) defende que qualquer obra que um autor faça absorve (com ou sem «culpa»), uma «dívida » para com um precursor. Toda a sua tese se fundamenta no conceito de um «fazer» —palavra nossa, que, dadas as circunstâncias, pensamos ser mais adequada do que o termo «criar» — encarado como invasão, apropriação, imitação: “A poesia é a angústia da influência, é encobrimento, é uma perversidade disciplinada. A poesia é um mal entendido, uma interpretação errónea, uma aliança desigual” 526. Por esta mesma razão, esclarece-nos ele que “precisamos de deixar de 524 Hi lle l Sc h war tz - T he C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 2 8 7 . O e n saio r e f er id o ser á o d e W a lter B e nj a mi n - A Ob r a d e Ar te na Er a d a s u a Rep r o d u tib il id ad e T éc n ica ; ele d e f e nd e u q ue a r ep r o d ut ib i lid ad e d as o b r a s d ef i n ho u a a u r a d a a r t e ( o se u va lo r d e c u lt o , s a gr ad o ) , a s u a a u t en ti cid ad e, au to r id ad e e d i st â nc ia d esd e q ue o s p r o c e sso s i nd u s tr i as mo d er no s se ti n h a m i mp o s to . E st e ecl ip se d a d is tâ nc ia t i n ha p o t e nc iai s l ib er a tó r io s. Ver d o is e n sa io s q ue l he e stão r el ac io nad o s: Ha l Fo s ter - W hat e v er hap p e n ed to p o s t mo d er n i s m? e o d e Mar ia Fi lo me n a Mo ld er - Aur a e Ve s tí g io . 526 Har o ld B lo o m - A An g ú st ia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 9 . S ão sei s a s c ate go r i as q u e e le p r o p õ e p ar a r e v er a fo r ma d e co mo s e fa z p o es ia: c lin a mem ( d e s vi o ) , te s se ra ( co n cl u são e a n tí te se) , ken o si s ( e s va zia me nt o ) , d emo n i za çã o ( mo v i me nto na d ir ec ção d e u m co n tr a - s ub l i me) , a ske s is ( mo v i me n to a uto p ur ga ti vo ) e a p ó fra d e s ( r e gr e sso d o s mo r to s) . 525 140 pensar nos poetas como egos autónomos, por muito solipsistas que os poetas fortes possam ser. Todo o poeta é apanhado por uma relação dialéctica (transferência, repetição, erro, comunicação) com outro poeta ou poetas” 527. Bloom conclui com um pensamento esperado, mas que não deixa de ser espantoso: o significado de um poema pode apenas ser outro poema. 528 Transportemos esta ideia para o campo da arte, e constatamos que ela ganha contornos assustadores. É inegável que a arte sempre viveu da apropriação e repetição de obras que lhe eram anteriores, e que sempre foi uma resposta a outras obras (por vezes de forma óbvia, banal ou até degradante). Lembremo-nos dos cómicos personagens criados por Gustave Flaubert, Bouvard e Pécuchet 529, que, saturados de explorarem todas as áreas possíveis do conhecimento e de ficarem soterrados em factos inúteis, se viram para a única boa ideia que ainda lhes coloca um sorriso na cara: tornam-se — surpresa das surpresas! — copistas. Não será a história de arte feita, certamente não desde agora, mas desde sempre, de filhos de bouvardes e pécuchets? Mas agora, com a herança destes alegres trabalhadores copistas, assistimos a um estranho espectáculo: a corda da autoria que estica, e estica até ao limite. A cópia já não é camuflada, já não é “eco de uma música alheia” 530. É descarada e sem-vergonha 531. Mas não continua o autor, perversamente, ainda por lá? Copying is what we are now about 532, afirma Hillel Schwartz com todo o fundamento. O “mundo da réplica, da série numerada, da cópia e da reprodução” 533 veio para ficar. Temos de aprender a reconstruir o 527 B lo o m - A An g ú s tia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 4 . B lo o m - A An g ú s tia d a I n f l uê nc ia, p . 1 0 9 . 529 Gu st a ve Fla ub er t - B o u var d e P éc u c he t; ad i an te - se q ue e s ta o b r a não f ico u co n cl u íd a, e q u e e s te s er ia u m d es f ec ho p o s s í ve l, e nco n tr ad o p o r e n t r e o s p ap éi s d o es cr i to r ( ver so b r et u d o as p á gi n as fi na i s 2 9 5 -2 9 8 ) . 530 Os car W ild e - O Re tr at o d e Do r ia n Gr a y, p . 3 6 . 531 U m p o s sí ve l e x e mp lo ser á a o b r a d a ar t i st a co ncep t ua l a me r i ca na S her r i e Le vi ne . P e n sa mo s aq ui não t a nto no se u ur i no l d o ur ad o “co p i ad o ” d o d e Ma r ce l D uc ha mp , ma s na s fo to gr a f ia s q ue tir o u d e fo t o g ra f ia s d e o b r a s mo d e r n is ta s: v er A ft er Ed wa rd We sto n ( 1 9 8 1 ) , A ft e r Wa l ke r E va n s ( 1 9 8 1 ) , Af te r Ale xa n d e r Ro d ch en ko ( 1 9 8 5 -8 7 ) . O b r as q u e são u ma có p ia d e u ma có p ia … 532 Hi lle l Sc h war tz - T he C ul t ur e o f t h e Co p y, p . 2 5 7 . 533 Ro sa Ol i var es – E l T ie mp o d e lo s R ep li ca n te s, p . 2 1 8 . 528 141 nosso mundo com a sua presença regeneradora (e até, estranhamente, criativa). E à convites a tal, como o que sugere Rosa Olivares: Ha ve ría mo s d e n o s a t r eve r a fa ze r u ma exp o si çã o co m d u z en ta s o b ra s ig u a i s, 1 9 9 có p ia s e u m o r ig in a l, o u u m o rig i n a l, vá ria s có p ia s, a lg u ma s rép lica s. .. se mp re a me sma i ma g e m e d if er en te s o b ra s to d a s ig u a i s. P a ra a n u la r o s p o d er e s ma lig n o s d a v e rd a d e e d a ce r t eza . 534 O olhar não é de fiar, é sim, e segundo Bloom, “o mais tirânico dos sentidos corpóreos” 535. Se entrássemos nessa exposição com a nossa espada pronta a assinalar os 199 traidores e a erguer um pedestal ao poder do único, sentiríamo-nos totalmente perdidos, torpemente enganados. Instaurando-se o espaço da dúvida e da fronteira que marca um e outro, mais valeria que o gume da espada permanecesse mesmo... na bainha. Queremos mencionar um último exemplo, que assinala na perfeição como o duplo se relaciona estreitamente com o medo, com qualquer coisa que simplesmente foge ao nosso controle. A artista finlandesa Pilvi Takala, no vídeo “The Real Snow White” (2009) 536 surge rigorosamente vestida de Branca de Neve, pronta a entrar no mundo mágico criado por Walt Disney em Paris. A sua personagem está tão credível que as crianças imediatamente a rodeiam e lhe pedem autógrafos, deliciadas. Mas ela é impedida de entrar pelos guardas do parque temático; a razão que estes invocam é simples: a Branca de Neve «verdadeira » está dentro do recinto (e depreendemos que é essa que detém um contrato com a firma); mais, como sabem eles que ela não se iria «portar mal » lá dentro? (É que os meninos poderiam ver a inocente Branca de Neve a fumar, a beber, a ter comportamentos menos adequados, etc.) 534 Ol i var e s – E l T ie mp o d e lo s Rep lic a nt es , p . 2 2 0 . Har o ld B lo o m - A An g ú st ia d a I n fl u ê nc ia , p. 150. 536 Ver u m p eq ue no e xcer t o d o v íd eo no s it e d a ar t is ta : ww w. p i l vi ta ka la. co m/r e al s no wh i te0 1 . ht ml 535 142 Talvez o maior trunfo de Pilvi é, na simplicidade desarmante desta sua performance, fazer com que as pessoas falem livremente sobre o que é que é possível e aceitável naquele espaço particular, e sobretudo do medo que emana de tudo o que se desvia de um comportamento pré-estabelecido. É o caso específico de existirem duas Brancas de Neve (uma «humana» e outra «replicante ») que reclamam o papel principal para si. Quando aparecer o Anticristo, ele terá exactamente a mesma aparência que Cristo 537... O Cego de Diderot Voltemos aos nossos três casos que iniciam este capítulo, e também a Diderot. O filósofo francês, apelidado por Baudelaire de “autor sanguíneo” 538, teria ficado maravilhado com o «cego» de Aveyron, ele que se sentiu encandeado pelo mundo da cegueira 539. Compreende-se tal fascínio quando se ouve atentamente o cego de Puisieux falar de espelhos, por exemplo. Poderá a palavra espelho ter significado para um cego? Citamo-lo, e à sua magnífica e ousada descrição do objecto espelho: (.. . ) é u ma má q u in a q u e p õ e a s co i sa s em r ele v o , à d i sta n c ia , se e s ti ve re m d isp o s ta s co n ven ien tem en te em re la çã o a ela . É co mo a min h a mã o , q u e n ã o p re ci sa d e s er p o s ta a o la d o d e u m o b jec to p a ra q u e o s in ta . 540 Diderot aproveita a pista dada e conclui que o espelho é uma máquina que nos põe em relevo fora de nós. Mas esta máquina, segundo o seu cego, era defeituosa, já que esse outro nós mesmos dado 537 Le nd a s ici li a na, ci t. no li vr o d e Sel ma L a ger lö f - O s M il a gr e s d o An t i cr i sto , p . 7. 538 C ha r le s B a u d el air e - E d gar P o e, a s u a vid a e a s s ua s o b r a s, p . 9 1 . P ar a Did er o t, o s ce go s t i n ha m u m se nt id o m o r al ma is ap er fe iço ad o : “Q uão d i fer e n te é a mo r a l d o s ce go s d a no s sa ! ” P ar a e st e e scr ito r , o s c e go s p o s s uía m “u m tel es có p io a ma i s”; C f. Did er o t - C ar ta so b r e o s ce go s, p . 4 1 e p . 5 5 . 540 Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 3 2 539 143 pelo espelho não era apreendido pelo sentido do tacto. Segundo ele, a máquina colocava em contradição dois sentidos: (.. . ) u ma má q u in a ma i s p er fei ta ta lv e z o s p u se s se d e a co rd o , se m q u e, p a ra is so , o s o b jec to s fo s s em ma i s rea i s; ta lve z u ma ter cei ra , a in d a ma i s p er fei ta , e m en o s p é rf id a , fá - lo s- ia d e sa p a rec e r , e a v isa r- n o s- ia d o e r ro . 541 É interessante ele caracterizar o espelho como “pérfido”, e imaginar uma superfície reflectora que fosse menos fraudulenta, fazendo desaparecer por completo visão e tacto. Dizíamos à pouco que ele se sentiria, com toda a certeza, fascinado por Victor. Victor decerto seria uma boa cobaia para tentar resolver o que ficou conhecido por «Problema de Mol yneaux » 542, apesar de não ser cego. Este problema pode ser resumido da seguinte forma: um cego de nascença que tenha aprendido a distinguir, pelo tacto, uma esfera de um cubo, se recuperasse subitamente a visão e tivesse de indicar quais as formas que via, sem lhes tocar, não as conseguiri a distinguir. Diderot conclui: “é à experiência que devemos a noção da existência continuada dos objectos” 543; é também necessário “tempo” 544. E esquematiza: é preciso que o olho “aprenda a ver, como a língua a falar” 545. Relata depois um outro caso, como que demonstrando que a experiência também é falível. Quando os «selvagens » viram pela primeira vez a pintura, tomaram as figuras pintadas por homens vivos, interrogando-os e ficando surpreendidos por não obterem qualquer resposta. Ora aqui não há qualquer “falta de hábito de ver” 546. Se do primeiro e terceiro caso (Victor/o cego de Sacks) se destaca a provável inexperiência da visão — o ver “pela primeira vez”, como o doutor Itard referiu, e o uso, o «hábito» de ver — no segundo 541 De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 3 3 . P r o b le ma o r i u nd o d e W ill ia m Mo l yn ea u x ( 1 6 5 6 -1 6 9 8 ) . 543 Did er o t - Ca r ta so b r e o s ce go s, p . 7 8 . 544 Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 8 0 . 545 Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 7 8 . 546 Did er o t - C ar t a so b r e o s c e go s , p . 7 9 . 542 144 exemplo (Freud e o seu reflexo inesperado) não há essa desculpa. Sigmund Freud não tinha certamente um olho “por estrear” 547 ... Esta seria então a tese de Diderot: (...) poucos homens são dotados da faculdade de ver 548 (Baudelaire) embora tenham e utilizem os olhos. Será o olho assim tão útil e tão essencial para nós? Deveremos pensar em adoptar a invisualidade tão defendida por Diderot? A obra de Rebecca Horn que escolhemos e que destacamos tem o poder de resumir tudo o que foi argumentado (Fig. 34). É uma obra muito forte. Para quem possui o poder da visão: é, decerto, uma instalação visualmente muito apelativa, violenta, sangrenta, uncanny. É uma obra que, como muitas outras peças suas, “respira vida mecânica” 549. Para quem, no entanto, queira tentar desprender-se do primado incómodo da visualidade, ficará retido por uma única questão: dueto ou duelo? É uma obra «assassina » que convida à análise da luz e da sombra, da poesia e do sentimento: De Quincey teria gostado dela. Jean Baudrillard lança o alerta: “é perigoso desmascarar as imagens, já que elas dissimulam que não há nada por detrás delas” 550. Acreditamos no que diz, mas não temos medo desse nada que elas são. * O papagaio aproximou o bico e, não se reconhecendo a si mesmo e tomando a imagem que via como um seu semelhante, espreitou por detrás do espelho 551. Todos os duplos referidos neste texto vivem desse momento peculiar onde a experiência de uma vida parece claudicar — ela, que julgamos sempre segura — momento imbecil e porém tão inteligente, 547 548 549 550 551 De n is Did er o t - Car ta s o b r e o s ce go s, p . 8 0 . C ha r le s B a u d el air e - A I n ve n ção d a Mo d er nid ad e, p . 2 8 9 . D ub r a v ka U gr es ic - O Mu s e u d a Re nd iç ão I nco nd i cio n al, p . 1 5 2 . J ea n B a ud r il lar d - S i mu lacr o s e S i mu l ação , p . 1 2 . Hi stó r ia nar r ad a p o r Di d er o t - C ar ta so b r e o s c e go s, p . 8 4 . 145 de contornar o espelho e espreitar por detrás: É minha a imagem que o espelho reflecte? 552 pergunta, duvidando, Alcmena. A passagem do nada ao um é inimaginável, a do um ao dois difícil. Passar para o três (e para outros tantos números) é um salto quase mortal, mas possível. A hipótese foi antevista por Robert Louis Stevenson. Entremos no laboratório do Doutor Hyde sem receio de ouvir o “naufrágio” da sua dilaceração interior: E su ced eu q u e a d ir ecç ã o d o s meu s es tu d o s ci e n tíf ico s, q u e co n d u zia m p o r in te i ro a o mí st ico e a o t ra n scen d en ta l, rea g iu e la n ço u u ma fo r te lu z so b re es sa co n sc iên c ia d a g u e r ra p er en e en tr e o s meu s me mb ro s . A ca d a d ia , e d e a mb o s o s la d o s d a min h a in te lig ên c ia , o mo ra l e o in tel ec tu a l, fu i - me a s si m a p ro x ima n d o ca d a v ez ma i s d e s sa ve rd a d e, p o r cu ja d es co b e rta p a r cia l eu fo ra co n d en a d o a u m t ã o te r rív el n a u f rá g io : a d e q u e o h o me m n ã o é n a verd a d e u m, ma s d o i s . Dig o d o i s, p o rq u e o esta d o d o meu p ró p rio co n h eci men to n ã o va i a lém d es s e p o n to . Ou t r o s se seg u irã o , o u t ro s me u lt ra p a ssa rã o n e sta m es ma via ; e a t revo - me a a d ivin h a r q u e o h o mem s erá fin a l men te co n h e cid o c o mo u m me ro a g reg a d o d e h a b ita n te s mú l tip lo s, in co n g ru en t e s e in d ep en d en te s. 553 Daqui para o síndrome de identidade dissociativa também é um pequeno (mas muito provável?) salto. O mise-en-abyme Lucien Dällenbach, em Le Récit Spéculaire. Essai sur la mise en abyme (1977), estudou exaustivamente o que hoje entendemos como uma construção em abismo, conceito que permanece vago, enigmático e incerto (um monstro “indefinível e proteano” 554, como o autor lhe chama) nas nossas mentes. Lembra também no final do seu ensaio, que, etimologicamente, as primeiras conotações do termo “abismo” são 552 He i nr ic h Vo n Kl ei st - O An f itr ião , p . 1 1 3 ( 1 1 6 0 ) . Ro b e r t Lo u i s Ste v e nso n - O E s tr a n ho ca so d o D r . J e k yl l e d o Sr . H yd e, p . 1 7 8 . 554 L uc ie n Dä ll e nb ac h - T h e Mi r r o r i n t he T e x t, p . 1 . 553 146 necessariamente o “muito profundo” ou o “sem fundo”, mas este também pode “escolher como cadeira da sua supremacia o Paraíso das Ideias ou a transcendência divina” 555. Os dois extremos, o muito alto e o muito baixo: o barroco e o romantismo louvarão esta natureza bipolar e este dispositivo, que veremos ser de duplicação interna dentro da obra, e muito frequentemente (bem ou mal), associado ao espelho, chegando mesmo ao ponto de se tornar num seu equivalente. André Gide foi o responsável por cunhar o termo em 1893, transplantando-o de um conceito vindo da área da heráldica para a análise de textos literários e de obras de arte. “Abyss” é, para os conhecedores e amantes do conhecimento de brasões, o coração deste. Um brasão contém por vezes, no seu centro, uma réplica de si mesmo em miniatura, uma segunda representação que surge “em abismo” em relação à primeira (por vezes essa outra representação contém uma outra, etc.) Entendemos que, para Gide, o mise en abyme é qualquer aspecto dentro de uma obra que espelhe a grande obra que a contém; veremos Dällenbach restaurar o sentido dado por Gide deste conceito — uma obra dentro da obra, um meio pelo qual a obra se volta para si mesma (como um reflexo) —, mas rejeitar a sua noção de duplicação exacta (de reflexo fiel). Por outras palavras, a recusar que o termo, que é, segundo ele, “uma realidade estruturada” (apesar da sua aparente variedade), seja equivalente a um mero mimetismo. As analogias dadas por André Gide (os quadros com pequenos espelhos convexos ou planos de Memling, Quentin Metz ys ou Velázquez 556, que reflectem o interior dos quartos onde decorre a acção 555 Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t, p . 1 8 1 . As o b r as r e f er id a s s er ia m as q ue co nt é m esp el ho s: o D íp t ico d e Ma rt in va n Ne wen h o ven , d e Me ml i n g ( 1 4 8 7 ) , o nd e u m e sp el ho r e f lec te a s co sta s d a Mad o na, cap ta nd o ta mb é m a i ma ge m d e Mar ti n va n Ne wen ho v e n ad o r a nd o o me ni n o J es u s; Th e Mo n eyl en d e r a n d h is Wif e ( 1 5 1 4 ) , o b r a d a co l ecç ão d o Lo u vr e d a a uto r ia d e Q ue nt i n Ma ts ys , o b r a q ue ut il iza o e sp el ho p ar a ir a lé m d o esp aço r ep r es e ntad o , r ev el a nd o u ma p e sso a n u m c hap é u ver mel h o co m u m p ap e l na mão ( ap e na s p o d e mo s p er g u n tar : o p in to r ? U m p o ss í ve l c li e nt e d o us ur ár io ? ; La s Men in a s d e Vel ázq ue z ( 1 6 5 6 ) , o nd e o esp e l ho p la no q ue est á d e fr e nt e p ar a o esp ec tad o r r ef le cte o R ei e a Ra i n h a ( a e le vo l tar e mo s e m d eta l he no p r ó x i mo cap ít ulo ) ; a es ta li st a, Dä lle nb ac h ai nd a acr es ce n ta o fa mo so A rn o lfin i Wed d in g d e Va n E yc k ( 1 4 3 4 ) , o nd e o e sp e l ho se to r n a ar t i fí cio s ub t il, to r na nd o vi sí v el o i n vi s í ve l: o esp e l ho p er mi te - no s ver o q u e o p r ó p r io ca s al e st á a v er ( o s co n v id ad o s d a b o d a) e au te n ti f ica e i mo r t al iza o mo me n to d e sta u nião . 556 147 da pintura) são, portanto, exemplos inadequados para ilustrar o conceito. Porque, simplesmente, a sua função não é, de todo, serem uma duplicação precisa: eles têm um “poder de revelação” 557, e a ilusão óptica procurada em todos eles traz à pintura coisas que estão fora dela: “(...) os reflex os dados pelos espelhos complementam o quadro e funcionam primariamente como um medium de inter-troca. Na fronteira entre interior e exterior, eles são uma forma de levar a bidimensionalidade aos seus limites” 558. Através deles, o que é externo invade o interno, ganhando dessa forma a obra mais informação: não só se integra uma realidade externa, mas, sobretudo, há uma abolição da oposição entre dentro e fora. Porventura o espelho suplanta a metáfora heráldica na definição do mise en abyme, precisamente porque simboliza habilmente a reflexividade de um conceito que se refracta em três direcções. Assim, para Lucien Dällenbach, um “mise en abyme é um qualquer espelho interno que reflecte o todo da narrativa através de uma duplicação simples, repetida ou paradoxal” 559. Sintetizemos esta sua tripla natureza: • Duplicação simples, onde o grande exemplo será o Hamlet de Shakespeare 560, uma sub-peça que percorre o mesmo caminho que o drama principal (ou seja, um fragmento interno que é relacionado por similitude à obra que a contém); 557 L uc ie n D äl le nb a c h - T he M ir r o r i n t h e T ex t, p . 1 0 . Os e sp e l ho s co m p en sa m o s li mi te s d o no s so ca mp o d e vi são e mo s tr a m - n o s o q ue e st á alé m d e le, se g u nd o o au to r . 558 Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t p . 1 2 . 559 Dä lle nb ac h - T he Mir r o r i n t h e T ex t, p . 3 6 . 560 Ver W il lia m S h a ke sp ea r e - H a ml et, q u e p ar a m ui to s cr ít ico s é o mel ho r ex e mp lo d o mis e en a b ym e; H a m let é g u iad o p elo f a nta s ma d o se u fa lec i d o p ai p ar a o se u p r es u mí v e l a s sa s si no , q ue e n tr et a nto s e c a sa c o m a s ua mã e. Na p eça q u e a l g u n s acto r es ap r e se n ta m n a co r te d e E l si no r e , o d r a ma r ep r e se nt ad o va i e q ui v al er a o s up o sta me nt e v i vid o p e l o se u p ai, e s er á e le u m d o s mo to r e s p ar a d e s ve n d ar to d o o enr ed o . 148 • Duplicação infinita, de que “o mapa de Inglaterra”, de Jorge Luís Borges, é o melhor exemplo (um mapa que contém um mapa do mapa, que por sua vez contém um mapa do mapa do mapa...); • Duplicação aporética ou paradoxal, e aqui um exemplo possível é o D. Quixote de La Mancha de Cervantes; quando a sequência interior parece conter a obra que, na verdade, a contém primeiro. O autor nada descura: com a mise en abyme, “é a função que cria o órgão” 561. Talvez por isso ele próprio seja receptivo a uma quarta opção, a peça da peça (ao invés da peça dentro da peça), a coincidência quase total da mise en abyme com a obra que a contém. D. Quixote que questiona o próprio Quixote, a sua própria estrutura de base? Finalizemos com a grande consequência de toda esta “encenação da infinitude” 562. Como o trompe d´oeil, o dispositivo do mise en abyme é uma importante forma de cisão da atenção, “espartilhando toda e qualquer lógica inerente à visualidade” 563. Acompanhamos o olhar do inteligente, “orgulhoso” e “vingativo” Hamlet 564 olhando para o Rei da Dinamarca, o seu tio Claudius, à procura de uns quaisquer sinais do “rapinante do império e do mando” 565 — de culpa, de remorso, de qualquer coisa que o denuncie ou o ilibe do assassínio do próprio pai de Hamlet — e a nossa atenção é habilmente desviada da peça que de facto se representa na corte naquele momento. Esta tem um nome bastante sugestivo: The Mousetrap, e é uma encenação de uma morte de carácter duvidoso e vil. 561 L u ci e n D äl le nb a c h - T h e Mi r r o r i n t he T e x t, p . 5 4 . Ca r lo s V id a l - I n v i s ual i d ad e d a P i n t ur a , p . 3 7 7 . 563 Ca r lo s V id a l, c it . 5 6 2 . 564 As si m se d e scr e v e o p r ó p r io Ha ml et, acr e s ce nta nd o u m t er ce ir o ad j ecti vo : a mb ic io so . C f. S ha ke sp ear e - Ha ml et , p . 1 1 5 . Ha ml et ser á ma is u m p er so n a ge m q ue , no co r r e cto d izer d e Har o ld B lo o m “ab r a ça a a niq u ila ção ” . Ver B lo o m - O nd e Est á a Sab ed o r i a? , p . 9 3 . 565 W ill ia m S ha k e sp ear e - Ha ml et, p . 1 5 3 . 562 149 O mise en abyme completa e complexifica qualquer obra de forma extraordinária. É também uma provocação aos espectadores; é também, para utilizarmos o termo de Shakespeare, uma «ratoeira»: é um Alfred Hitchcock que se passeia pelos seus filmes, sem se camuflar (e sabemos como ele é inconfundivelmente discreto), e mesmo assim consegue passar despercebido. 150 CAPÍTULO IV O DISPOSITIVO DO ESPELHO NA ARTE CONTEMPORÂNEA: Pensamentos de Intervalo Um ponto no Tempo Como conseguir «captar» a dimensão tempo por entre pigmentos, telas e pincéis? Como tornar visível essa grande força invisível? Esse foi o grande desafio colocado aos pintores desde os tempos iniciais, que, ultrapassando o que alguns poderiam considerar como uma “limitação” específica e própria do medium, delinearam propostas engenhosas que ainda hoje nos surpreendem. A «mudez » hermética onde a pintura se encerra — para muitos, o seu grande e incontornável defeito — podia tornar-se, com alguma imaginação, numa poderosa mais-valia. Comecemos por efectuar um exercício simples: destacar as palavras que intuitivamente associamos ao tema «tempo», tentando fazer uma correspondência entre estas e pinturas que o tenham trabalhado de forma proveitosa. E logo pensamos em movimento (o Nu Descendo as Escadas, de Duchamp, ou as bailarinas de Degas); em simultaneidade (quase toda a pintura da Idade Média); velocidade (o comboio de Joseph Turner a emergir, veloz, por entre o nevoeiro em Rain, Steam and Speed); duração (os relógios de Dali, que parecem derreter lentamente ao sol); instante (Monet pintando as variações de luz sobre uma catedral, a diferentes horas do dia); suspensão (Saturno prestes a devorar cruelmente o seu filho, pintura que encerra o magnífico tempo trágico de Goya). Não é nosso propósito sermos exaustivos, apenas o de constatarmos que não é tarefa fácil carregar com o «peso» e com a 151 ambição que é sugerir a ideia de tempo, sobretudo em pintura ou escultura (mas admitimos que certamente não será tarefa mais difícil do que insinuar a ideia de espaço numa poesia ou numa música, por exemplo). Hoje sabemos — precisemos: hoje, pós-teoria de Einstein, sabemos — que o tempo tem um «aliado» que não larga nunca, que é o espaço. Quando falamos de um, implicamos o outro: sempre. Espaçotempo, agora seres gemelares separados apenas por um hífen, outrora seres diferenciados... Lord Shaftesbury e James Harris estabeleceram os alicerces para a teoria desenvolvida por Gotthold Ephrain Lessing, no seu ensaio sobre os limites da pintura e da poesia, intitulado Laocoon: an Essay upon the Limits of Painting and Poetry (e onde Lessing clarificava a divisão entre “artes do tempo”, como a poesia, a literatura, a música ou o teatro, e as “artes do espaço”, como a escultura, a pintura ou arquitectura). Para ele, eram categorias totalmente distintas. São definições que já estão ultrapassadas, mas vale a pena referir o ponto de vista destes estetas: numa primeira impressão, o que afirmam parece estar correcto. Shaftesbury (1671-1713), no início do século XVIII, era defensor de uma formulação clássica para a abordagem ao problema do tempo na arte, que consistia na acção instantânea. O pintor deveria escolher um único momento no tempo, que provocasse no espectador uma antevisão do passado, dando-lhe ao mesmo tempo uma «pista» para o futuro. Mas ele próprio era o primeiro a referir, com divertimento, que a aplicação da sua ideia poderia não resultar a nível prático, e menciona uma representação do mito de Diana e Actéon, onde a casta deusa é vista atirar água ao voyeur que a tinha surpreendido no banho: os cornos de cervo já cresciam na cabeça do importuno visitante, mas ele ainda não estava molhado... James Harris, no seu ensaio intitulado Discourse on Music, Painting and Poetry afirma com convicção que toda a imagem necessita de um punctum temporis ou de um “instante”, de um “ponto no tempo”. (Pergunta-se também uma questão curiosa, que já envolve a memória: se a História fosse “silenciosa” e não desse informações 152 suplementares, o acontecimento histórico representado numa pintura seria inteligível?). Lessing tirará proveito destes dois pensadores, como podemos comprovar no ensaio já anteriormente citado, que data de 1766: A p in tu ra (... ) a p en a s p o d e rep re sen ta r u m ú n ico mo men to d e u ma a cçã o e p o r ta n to t em d e sel ecc io n a r o mo men to ma is co mo ven te q u e melh o r n o s p er mi te in f e ri r o q u e v eio a n te s e o q u e s e seg u e. 566 Esse único momento que será preservado para a eternidade não podia ser de forma alguma “feio”, e nunca – e nisto era categórico – poderia ser o momento apoteótico, o auge, e explica e defende a sua posição: O a rt i sta n u n ca p o d e u t ili za r ma is d o q u e u m m o men to n o te mp o d a rea lid a d e se mp r e em m u d a n ça e, se é u m p in t o r , só p o d e o lh a r p a ra es te mo men to d e u m ú n ico p o n to d e v is ta . Ma s já q u e o s seu s t ra b a lh o s exi s tem não só p a ra co n te mp la d o s se re m em vi sto s d u ra çã o ma s e ta mb é m p a ra rep e tid a men te, se re m to rn a - s e co n t emp la d o s, c la ro que es te mo men to ú n ico e p o n to d e vi s ta ú n i co d ev e rá s er o ma i s fé r til d e to d o s o s q u e p o d em se r e sco lh id o s. Ap en a s o s mo men to s q u e sã o fé r tei s d ã o réd ea s liv re s a o rein o d a ima g in a çã o . ( ... ) Co n tu d o , n ã o h á mo men to e m to d a a seq u ên cia d e u ma emo ç ã o q u e s e a p ro ve ita m e no s d e sta va n ta g e m q u e o seu cl íma x . 567 Concluindo o seu pensamento: o Laocoonte tem de provocar a nossa imaginação de forma a que o oiçamos “gritar”, mas se nós já sentirmos que ele se encontra neste estádio, não poderemos elevarmonos a uma intensidade maior nem descer a um patamar inferior sem o retratarmos num estado “mais tolerável”, e portanto menos interessante. O Laocoonte feito de mármore não pode gritar — o olho não pode ser levado ao extremo, porque além do clímax nada há — 566 Les s i n g c it. p o r E . H. Go mb r ic h - Mo me n t a nd Mo ve me n t i n Ar t , p . 4 2 . A p ala vr a e xa ct a co m q u e Le s si n g d e scr e v e e st e mo me n to é “p o i g n a nt ”, o u sej a, “co mo ve n te”, “a g ud o ”, “v i vo ”. E st e e n sa io d e Go mb r i c h t e ve o r i ge m n u m co ló q u io q ue d e co r r e u no I n s ti t ut o W ar b ur g, so b o tít u lo d e “T e mp o e E t er nid ad e ”, e mer ec e u ma le it u r a a te n ta. 567 Le s si n g c it. p o r E. H. Go mb r ic h - Mo me n t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 3 . T r ad uzi mo s o mo me nto q ue L es s i n g d iz ser “f r u it f u l” p o r “f ér t il” , m as t a mb é m p o d er ia se r “p r o d u ti vo ” , “f ec u nd o ”. No s so s ub l i n had o . 153 mas, contudo, essa regra não se mantém quando falamos do Laocoonte de Virgílio. A este último tudo é permitido, podendo “gemer” e “rugir” a seu bel-prazer. O historiador de arte E. H. Gombrich faz a sua própria conclusão de toda esta discussão: uma teoria que associa unicamente as artes do tempo à sucessão e as do espaço à mera simultaneidade é “infrutífera” e “enganadora” 568. Não é convincente. Segundo ele, a forma como os pintores tinham de “agarrar” um ponto único no tempo permaneceu indiscutível em estética, e só foi questionado aquando da invenção da fotografia (cerca de 1839). Esta irá provocar uma mudança de pensamento, ao exigir uma explicação para o que significa, realmente, percepcionar algo. É esta nova arte que irá questionar a veracidade desse breve “instante” no tempo – e, consequentemente, da frágil separação entre artes do tempo/ artes do espaço. É a fotografia, primeiro (e o cinema e a televisão depois) que nos provam que o nosso cérebro não «vê », mas antes «constrói». O nosso sistema perceptivo é extremamente vagaroso — nós somos, por assim dizer, e como Gombrich nos explica, “máquinas” de registo lento — por isso acreditamos no punctum temporis de James Harris (e continuamos a acreditar, mesmo sabendo desconstruí-lo: o que percepcionamos de facto como “instante” é uma “sequência infinita de tais pontos estáticos no tempo” 569, ou seja: é já, ele mesmo, uma duração). O que leva o historiador de arte a afirmar que a ideia de um punctum temporis é um absurdo não só lógico como psicológico: 24 stills sucessivos por segundo são o suficiente para nos darem a ilusão de movimento no cinema. Mesmo que queiramos ver os fotogramas, não somos capazes. Segundo ele, Shaftesbury e Lessing deveriam ter tirado proveito da bela lição de Santo Agostinho: It is in thee, my mind, that i measure the times 570. As variáveis “memória” e “expectativa” são aqui introduzidas (percepção do presente/ a memória do passado/ a expectativa do futuro). À ponta do lápis o traço (...), Na 568 569 570 E . H. Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 9 . Go mb r i c h - Mo me n t a n d Mo ve me n t i n Ar t, p . 4 5 . Sa n to Ago s ti n ho ci t. p o r E . H . Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t , p . 4 7 . 154 ponta dos pés o salto 571, como dizia de forma tão «antecipativa » Clarice Lispector. Retomemos o nosso pensamento: se não nos faz confusão a afirmação de que a leitura de uma imagem é em si um processo que se faz no tempo – precisamos de muito tempo para efectuar uma espécie de scann do que estamos a ver, reconstruindo post factum o que vimos — quando Gombrich diz que a área de percepção clara de uma imagem inclui menos do que um por cento (-1%) do campo visual total entramos quase em pânico (facto que poderá explicar a descoberta tardia do «ponto cego » do olho, segundo o mesmo teórico). Em todos estes aspectos há uma certeza: a de que se a percepção do mundo visível/da imagem não fosse um processo construído no tempo, portanto complexo e vagaroso (onde juntamos as partes e os fragmentos que havíamos perscrutado até se encaixarem e formarem um objecto imaginável, que de seguida comparamos com a «imagem real »), as imagens estáticas não seriam capazes de provocar em nós memórias e antecipações de movimento. Será importante dar as boas-vindas ao fim da divisão e da “autonomia” de cada medium – um livro pode agora, sem restrições, transformar-se em peça arquitectónica, em catedral, como nos mostrou Victor Hugo, e o cinema de Eisenstein pode ir beber tanto a Dickens como a Piranesi. O que se pode esperar é uma exigente mistura de materialidades, como defende Jacques Rancière: Do fa c to d e o so f r imen t o d o La o co o n te d e V i rg í lio n ã o p o d e r se r t ra d u z id o id en t ica men t e n a p ed ra d o es cu l to r n ã o d e ve co n clu i r - se q u e, d o ra va n te , a s p a la v ra s e a s fo rma s se sep a r em, q u e a lg u n s se d ed iq u em à a r te d a s p a la v ra s en q u a n to o u t ro s t ra b a lh a m n o in te rva l o d o temp o , n a s su p e rf í cie s co lo rid a s o u n o s vo lu me s d a ma té r ia re s is t en te. Ta lv e z se d e va a n te s d ed u z ir o co n t rá rio . Q u a n d o o fio d a h i stó r i a se en co n t ra d e sn o ve l a d o , q u a n d o se p erd e a med i d a co mu m q u e r eg u la va a d istâ n c ia en t re a a r t e d e u n s e a d e o u t ro s, já n ã o sã o só a s fo r ma s q u e se to rn a m a n á lo g a s , sã o a s ma te r ia l id a d e s q u e se m is tu ra m d ir ec ta men te . 572 571 572 C lar i ce L i sp ec to r - É p ar a Lá Q ue E u Vo u, p . 7 1 . J acq ue s Ra nc ièr e - O D es ti no d as I ma ge n s, p . 6 0 . 155 Olhemos agora numa outra direcção. Um dos recursos mais utilizados para referir o tempo na Idade Média era o de fazer coexistir diferentes tempos num mesmo espaço em simultâneo. Assim, para dar apenas um exemplo entre tantos outros possíveis, teríamos n’ O Dilúvio de Paolo Ucello 573 uma arca (da qual já só resta um ligeiro vestígio) que intuímos existir antes da tormenta. Rodeiam-na pessoas serenas e um calmo e ténue azul do céu. Há uma outra arca (que sabemos ser “a mesma”) assolada pela chuva e pelo vento forte, por uma atmosfera de catástrofe que nos indica que é pósdiluviana. «Reconhecemos » a história de Noé; a familiaridade com a mesma e a imagem pintada leva-nos a esboçar, naturalmente, dois tempos distintos no espaço: somos obrigados, por assim dizer, a mudar de ponto de vista (a absorver dois pontos de vista). O ensaísta Michel Baudson chama-lhe, de forma simples e compreensível (no grande livro de 1984 que dedicou à questão da quarta dimensão na arte, L´Art et la Quatrième Dimension) um “tempo plural num espaço singular” 574. Damos agora voz ao físico Stephen Hawking. Segundo ele, o aumento de entropia é um exemplo da seta do tempo, sendo que esta distingue o passado do futuro, dando um sentido ao tempo 575. Tal significa que nos lembramos das coisas pela ordem em que a desordem aumenta; aplicando o nosso exemplo anterior da pintura de Ucello, seria impossível — e, sobretudo, não seria lógico — vermos toda a narração de forma inversa: começarmos pelo «fim », o dilúvio que desfaz caoticamente tudo em vários pedaços, e chegarmos depois ao «início», à calma, com todos os fragmentos a serem colados no seu devido sítio (claro que será escusado dizer que Hawking refere as suas três setas 576 em relação ao princípio antrópico do universo; esperemos 573 Fr e sco p i nt ad o e m Sa n t a Mar ia No ve lla , e m 1 4 4 7 - 1 4 4 8 . Mic h el B a ud so n - L ´a r t et le T e mp s; t ít u lo d e u m d o s cap í t ulo s co nt id o s no li vr o . 575 Ver St ep he n Ha wk i n g - B r ev e H i stó r ia d o T e mp o . 576 Ela s s ão : a se ta te r mo d in â m ica , q ue p r o v é m d a se g u nd a le i d a t er mo d i nâ mi c a e q ue d iz q u e e m q u alq ue r si s te ma fec h ad o , a e nt r o p ia a u me n t a co m o te mp o ; a seta p si co ló g ica , q ue é o se n tid o e m q ue se n ti mo s q u e o te mp o p a s sa, e q u e n o s p er mi te le mb r ar d e u m p a s sad o , ma s n u nc a d e u m f u t ur o ; a se ta co smo ló g i ca , o se n tid o d o te mp o e m q ue o u n i ver s o es tá a e xp a nd ir - se, e m ve z d e s e co n tr ai r . 574 156 que o nosso exemplo não seja um pouco forçado). Abreviamos o que pretendemos expor: tudo se resume na procura de um sentido. Fica a ideia que queremos ressalvar: identificarmos um tempo confere sentido ao que estamos a ver. Mas precisemos, pois porventura não terá ficado claro: toda e qualquer imagem existe no tempo, mesmo que não o invoque directamente. Há sempre um tempo em que a própria obra, simplesmente, É 577. Serve este pequeno texto introdutório, e apesar de tudo o que foi dito, de fazer ver o quão difícil é para qualquer artista escolher um momento para a sua pintura. A esse momento escolhido, frutífero e anti-apoteótico — ou não — é pedido muito: que consiga conferir algum sentido a cada um de nós. O “entre” das imagens Marcel Proust, na sua escrita automática, quase que de cadavre exquis (deriva, encarceramento, pesadelo) fala da abolição do tempo que existe entre dois momentos distintos no tempo. Evocamos Maurice Blanchot na lúcida análise que fez sobre a percepção do tempo neste autor: (.. . ) A q u e le in c id en t e in sig n if ica n te, q u e o co rr e u a d a d o mo m en to , o u t r o ra p o rta n to , esq u ec id o , e não a p en a s e s q u ecid o , ma s que p a s so u d esp e r ceb id o , e is q u e o cu r so d o te mp o o t ra z d e n o vo , e n ã o co mo u ma lemb ra n ça , ma s co mo u m fa c to rea l [ T ra ta - se n a tu ra lm en te , p a ra Pro u st e n a lín g u a d e P ro u st , d e u m fa cto p s ico ló g ico , u ma sen sa çã o , co mo el e d iz] , q u e o co r re d e n o vo , n u m n o vo mo men to d o temp o . A s si m o p a s so q u e tro p eça n a s la je s ma l e sq u a d ria d a s d o p á tio d e Gu e rma n te s e d e rep en te – n a d a h á d e ma i s sú b i t o – o p ró p r io p a s so q u e t ro p eço u n o s mo sa i co s 577 Ver J . F. L yo tar d - O I n s ta nt e, N e wma n , p . 8 5 . Est e teó r ico is o la vár io s “l u gar es d e te mp o ”, es té tico s o u ar tí st ico s, p r e s en te s n u ma o b r a d e ar t e. C it ar á u m temp o d e p ro d u çã o ( te m p o q ue u m p i nto r p r eci s a p ar a p i n tar u m q u ad r o ) ; te mp o d e co n su mo ( te mp o ne ce s s ár io p ar a o l h ar e p er c e b er es sa o b r a) ; t e mp o d o ref er en te d ieg é tico ( te mp o d a h is t ó r ia co n tad a p elo q u ad r o , te mp o ao q ua l a o b r a se r e fer e ) ; temp o d e c ir cu la çã o ( te mp o q ue a o b r a d e mo r a a ch e gar ao se u o b ser va d o r , d esd e a s ua cr ia ção ; e o te mp o c itad o no te x to : t e mp o q u e a p ró p r ia o b ra é . 157 d es ig u a i s d o b a p ti st é rio d e S . Ma rco s: o me s mo p a sso , n ã o “u m d u p lo , u m eco d e u ma se n sa çã o p a s sa d a ... ma s e ssa m es ma sen sa çã o ”, in cid en te ín fi mo , p er tu rb a d o r , q u e ra sg a a tra ma d o te mp o e a tra vé s d e s se ra sg ã o n o s in t ro d u z n u m o u tro mu n d o : fo ra d o te mp o , d iz P ro u s t co m p r ec ip i ta ç ã o . S im, a f i rma el e, o te m p o é a b o lid o , u ma ve z q u e, si mu l ta n ea men te, n u m g es to rea l, fu g id io ma s i rr efu tá ve l, eu a g a r ro o in s ta n te d e Ven e za e o in s ta n t e d e Gu e rma n te s , n ã o u m p a ssa d o e u m p res en t e ma s u ma m es ma p re sen ça que fa z co i n cid i r n u ma s imu lta n eid a d e s en s ív el mo m e n to s in co mp a tí vei s, s ep a ra d o s p o r to d o o cu r so d a d u ra çã o . Ei s, p o i s, o te mp o a p a g a d o p elo p ró p rio t e mp o ; ei s a mo r te, e s sa mo r te q u e é o b ra d o te mp o , su sp en sa , n eu t ra l iza d a , to rn a d a vã e in o f en siva . Qu e in s ta n t e! 578 Na investigação que apresentamos ao longo de todo este último capítulo, somos gratos devedores desta ideia, desse agarrar de dois «agoras » que são chamados a se sobrepor – desses dois passos que, ao tropeçar, fixam dois instantes separados no tempo com uma mesma sensação, fazendo coincidir “momentos incompatíveis”. (O que há entre um e outro, o que há de um a outro?) Sabine Melchior-Bonnet afirmou, um tanto apocalipticamente em The Mirror, A History (2002), que o espelho na arte contemporânea já nada significava, já nada tinha a sugerir. A sua crítica é arrasadora e mordaz, citamo-la: “Neuropsiquiatras sabem que a deterioração da imagem especular é um dos mais flagrantes sinais de insanidade, e que a indiferença perante ele é o derradeiro sintoma: o estádio do espelho virado do avesso, onde a arte do final do século parece florescer.” 579 É muito difícil vermos o século XX do seu ponto de vista: uma paisagem desértica de espelhos. Tentaremos mostrar precisamente o contrário: sim, o espelho perdeu o significado «místico » que tinha anteriormente, tornou-se inabitado, impenetrável e vazio, mas há inúmeras obras que dele fazem uso e que são fascinantes. Não é só pensar que o espelho de Velázquez abriu portas para trabalhos como o de Rebecca Horn, é pensar que os espelhos de Horn também acrescentam qualquer coisa ao de Velázquez. Julgamos que a sua 578 579 Ma ur ice B la nc ho t - A E xp er iê n cia d e P r o u st, p . 2 0 e 2 1 . Sab i n e M elc h io r -B o n ne t - T he M ir r o r , p . 2 6 9 . 158 crítica é, senão precipitada, extremamente injusta. Mas concordamos que, por vezes, a arte é um embuste (há quem se aproveite desse «vale tudo » ilimitado: artistas, críticos, etc.). Há um excesso de palavras. Ou, como Jacques Rancière afirma: “P a la v ra s a ma i s. ” O d ia g n ó s ti co r ep et e - se e m to d o s o s lu g a r es em q u e é d en u n cia d a q u e r a c r i se d a a rt e, q u e r a s u a su b m is sã o a o d is c u r so es tét ico : p a la v ra s a ma i s so b r e a p in tu ra , p a la v ra s a ma i s q u e co me n ta m e d evo ra m a su a p rá ti ca , q u e ve s te m e t ra n s fig u ra m o “ tu d o se rv e” e m q u e ela se to rn o u . 580 Nós ainda acreditamos que as palavras servem para qualquer coisa, embora concordemos que haja, muitas vezes, “palavras a mais”. Recordamos Sophia, na sua Lisboa: V ejo - a me lh o r p o rq u e a d ig o Tu d o se mo s t ra m elh o r p o rq u e d ig o (.. . ) — Dig o p a ra v e r 581 E esta sucessão de críticas estaria incompleta se não enfatizássemos a tese de Foucault, essa sim bastante cruel, acutilante, onde ele faz notar a estranha incompatibilidade entre «dizer » e «ver »: “por mais que se tente dizer o que se vê, o que se vê jamais reside no que se diz” 582. Ideia ingrata para quem escreve, para quem pinta ou esculpe, para quem vê e sente o desejo de partilhar o seu olhar: há uma «impossibilidade» de partilha. Vamos começar por falar da junção de dois «instantes » distintos, Velázquez e Rebecca Horn. Apenas lembramos que o momento em que o tempo «pára » é uma “extrapolação ilícita” 583 do nosso cérebro, apesar 580 581 582 583 J acq ue s Ra nc ièr e - O D es ti no d as I ma ge n s, p . 9 5 . So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - Li sb o a, p . 7 . Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 2 5 . E . H. Go mb r ic h - Mo m en t a nd Mo ve me n t i n Ar t, p . 5 3 . 159 da sua plausibilidade enganadora. O punctum temporis é apenas isto: um fantasma, um “espectro” 584 feito pelo homem – mas mesmo assim sentimos aquela surpresa proustiana: Que instante! O leitor fica portanto e desde já avisado: começamos com uma associação ao tempo que é... uma falácia. 584 Go mb r i c h - Mo me n t a n d Mo ve me n t i n Ar t, p . 6 1 . 160 De Velázquez a Rebecca Horn – o instante Há mu i to te mp o , a n t e s d e exi st i r o Gra n d e Reló g io , o te mp o e ra med id o p e la d e slo ca çã o d o s co rp o s c ele s te s: o len to t ra j ecto d a s es tr ela s n o céu n o ctu rn o , o a r co d e sc r ito p elo S o l e a s va ria çõ es d a lu z, o c r es ce r e o m in g u a r d a Lu a , a s ma ré s, a s e sta çõ e s d e a n o . O temp o e ra ta mb é m med i d o p o r p u l sa çõ e s, p elo s r it mo s d e so n o l ên c ia e do so n o p ro fu n d o , a o co r rên c ia p e rió d ica da fo me, os ci clo s men st ru a i s d a s mu lh e re s , a d u ra çã o d a so lid ã o . Até q u e, n u ma p eq u en a cid a d e ita lia n a , fo i c o n st ru íd o o p ri me iro re ló g io mec â n ico . A s p es so a s f ica ra m ma r a vilh a d a s. Ma i s ta rd e p a s sa ra m a f ica r h o r ro r i za d a s . A l i e s ta va u ma in ven çã o h u ma n a ca p a z d e q u a n t if ica r a p a s sa g em d o te mp o , (. .. ) ca p a z d e m ed i r co m p rec i sã o o s mo m en to s d e u ma vid a . E ra a lg o d e má g ico , d e in su p o r tá ve l , a l g o d e n ã o co n fo r me à s le is d a n a tu re za . [ Os ho me n s] ( ... ) ca í ra m n a a rma d ilh a d a su a p ró p ria in ven ti vid a d e , d a su a p ró p ria a u d á cia . Ala n Li g h t ma n, O s S o n h o s d e Ein st ein 585 P a ra m im , o b a ru lh o d o Temp o n ã o é t ri s te : g o sto d o s sin o s, d o s re ló g io s — e reco rd o - m e d e q u e, n a su a o rig em , o ma te r ia l fo to g rá fi co es ta va lig a d o à s técn ica s d o ma r cen e i ro e d a m e câ n ica d e p rec i sã o ; n o fu n d o , o s a p a r elh o s era m re ló g io s d e v e r, e ta l vez e m mi m a lg u é m d e mu i to a n t ig o o u v e a in d a n o a p a r elh o fo to g rá f ico o b a ru lh o vi vo d a ma d ei ra . B ar t he s, A Câ ma ra Cla r a 586 585 586 Al a n Li g h t ma n - O s So n ho s d e E i n st ei n, p . 9 1 e 9 2 . Ro la nd B ar t he s - A Câ ma r a Cl ar a, No ta so b r e a Fo to gr a f ia, p . 2 3 . 161 De Velázquez se disse que conseguia pintar o ar, a “poeira imponderável” 587 do seu espaço. A sua pintura conhecida como Las Meninas (intitulada A família de Filipe IV pelos inventários do palácio, e datada de cerca de 1656-57, uma das suas últimas obras, portanto), ou antes, o seu singular retrato da família de seu amo El-Rei, comprova-o sem quaisquer hesitações. Tela de monumentais dimensões, certamente pouco usual para o tema pretendido, evidencia um autêntico jogo cruzado de referências/olhares sobre os vários planos da pintura, criando um a enorme teia de inter-relações entre os seus vários elementos (a Infanta com as suas “meninas”/ o pintor/ o rei e rainha/ o espectador). É sem dúvida uma obra ímpar na história da pintura, mas não julgamos que seja uma “criação imprevista” 588 no percurso de Velázquez, como defendeu Ortega y Gasset. El gran Velázquez 589, como lhe chamou Quevedo, já nos tinha dado muitos exemplos do seu extremo poder de invenção: o seu Papa Inocêncio X é belíssimo (e já parece estar claustrofobicamente preso na sua cadeira, já parece antever o grito/a queda baconiana que mais tarde dará! 590); o seu Juan Calabazas intimida na sua inocência e loucura, El Príncipe Baltasar Carlos con un enano é simplesmente magnífico, e mesmo os cães de caça, cavalos ou veados troféu já nos alertavam para a pintura impiedosa deste pintor da corte, deste mero “funcionário palaciano” 591. Apenas com o cãozinho instalado no cadeirão almofadado em El Príncipe Felipe Próspero Velázquez já seria «Grande ». Mas Las Meninas tem o poder de eclipsar tudo em seu redor, isso admitimos. Porquê este sentimento de «murro no estômago» que esta obra nos provoca? 587 Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 8 . Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 3 6 . 589 Q ue ved o , c it. p o r F er na nd o C he ca - D ie go Vel á zq u ez d a S il v a 1 5 9 9 -1 6 6 0 , p . 4 2 . 590 Gil le s De le uz e e m F r a n ci s Ba co n : Ló g ica d a S en sa çã o , p . 1 0 6 , a f ir ma q ue B aco n “hi s ter i za” to d o s o s el e me n to s d e V elá zq ue z, e q ue p o r ta n to , e m Vel ázq ue z: “a c ad e ir a d es e n ha j á a p r is ão d o p ar a le lep íp ed o , a p es ad a co r t i na p o r t r ás d o p ap a te nd e j á a p a s sar p ar a a fr e n te, e o ma n t ele te te m al go d e u ma p eça d e t al ho ( …) ”. 591 J acq ue s L as sa i g ne - V é la sq uez, p . 1 1 . O p i nto r ser v i u na co r te d esd e o s se u s 2 4 ano s até à s ua mo r te . 588 162 Será porque a retratística real deixa de ser divinizada para passar a ser mais humana, ou por já se detectar uma vontade do pintor em renunciar à pose hirta e pouco espontânea adoptada pelos seus antecessores/contemporâneos 592? Terá a ver com a introdução da sua pincelada audaz, mergulhada em tons de terra 593 — fluida, nervosa, veloz —, criadora de uma espécie de névoa dourada que parece emanar dos seus quadros (e que fará «inveja» aos impressionistas tantos anos mais tarde)? Decerto que estas razões contribuem para a leitura final. Mas estamos em crer que esta pintura nos causa admiração porque nos parece extraordinariamente real. Ela move-se, ela respira! Ela conseguiu captar aquele momento específico no tempo, suspendê-lo, congelá-lo! Esta obra é uma fotografia tirada no século XVII! Porventura este será o facto que nos deixa em choque: é admirável pensar n´As Meninas como um retrato quase fotográfico, mas antecedendo em quase dois séculos a invenção de Niépce e Daguerre. Descobrimos uma passagem de Gombrich onde constatamos a nossa falta de originalidade, pois este historiador disse exactamente a mesma coisa, tantos anos antes de nós (e tantas vozes como a dele se fizeram ouvir dizendo o mesmo): “...eu gostaria de imaginar que Velázquez fixou um momento real de tempo muito antes da invenção da máquina fotográfica” 594. Ou Ortega y Gasset: “Os quadros de Velázquez têm certo aspecto fotográfico: é a sua suprema genialidade” 595. Antes dessa 592 Alo n so S á nc he z Co el lo ( 1 5 3 1 /3 2 -1 5 8 8 ) , J ua n P a nto j a d e la Cr u z ( 1 5 5 3 -1 6 0 8 ) o u B ar to lo mé Go nzá lez ( 1 5 6 4 -1 6 2 7 ) ap r e se n ta v a m u ma i ma g e m d e g r a vita s d o s mo na r ca s Ha sb ur go s: o u so r eco r r e n te d o ve st uár io p r e to , u ma co mp o si ção q ue en vo l vi a u ma i nco me n s ur á v el d i st â nc ia ao o b s er v ad o r , b e m co mo a c o d i fic ação cer i mo n ia l e s ta va m p r e se n te s. R ub e n s ( 1 5 7 7 - 1 6 4 0 ) ti n h a j á u ma fo r m a d e p i nta r b as ta nt e mai s so lt a, co m u m uso i n v u l gar d a c o r e d a se ns u al id ad e , u m se nt id o d e mo v i me n to . Fo i u ma gr and e i n fl u ê nci a p ar a V e lázq ue z, so b r et ud o co m o p en sad o r d o r eg i me d a ar te ( cr ê - s e q ue o i n f l ue n cio u na s ua p r i me ir a vi a ge m a I t á lia) . So b r e to d o s e s te s asp ec to s ve j a - se F er na nd o C hec a - Dieg o Ve lá zq u e z d a S i lva , 1 5 9 9 1660 (2008). 593 O p i nto r ad mi r a va o s ve n ezi a no s T i nto r et to ( 1 5 1 8 -1 5 5 4 ) e so b r e t ud o T icia no ( 1 4 8 5 -1 5 7 6 ) , ma s a s ua p ale ta ma n t e ve - se se mp r e b a st a nte co nt i d a, q u a nd o co mp ar ad a co m e ste s p i nto r e s. Co mo a fir mo u Car me n Gar r id o e m V el á zq u e z, La Técn ica d el Gen io , p . 1 8 , p o r vez es a s s u a s o b r as p ar ec e m “e xer c íc io s so b r e u ma ga ma cr o mát ic a d et er mi nad a”. 594 E .H. Go mb r ic h – A Hi s tó r ia d a Ar te , p . 3 2 3 . 595 Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 5 0 . 163 arte sensível à luz dos sais de prata, esta magnífica obra já era um “relógio de ver” (Barthes), e isso é admirável. Primeiro sentimos este espanto e intensidade do naturalismo (malogradamente e contra nossa vontade, aceitamos que é o efeito produzido por um grande mestre do virtuosismo; dizemos esta frase com alguma frustração porque as “contorções da técnica” 596 nunca nos entusiasmaram antes) — e só depois vamos mais além, em direcção à conceptualização da sua obra que, com este quadro e segundo o pintor Lucas Jordán, se conseguiu aproximar da “teologia da pintura” 597. Roland Barthes, num brilhante texto intitulado A Câmara Clara, Nota sobre a Fotografia (1980), propunha dois elementos que seriam dignos de análise e que estariam presentes nas fotografias que ele mais admirava, interessando-o de formas diferentes: o studium (que ele, numa primeira abordagem, não consegue explicar de forma concisa o que é — “ studium (...) que não significa, pelo menos imediatamente, “o estudo”, mas “a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém” 598 — mas que mais tarde precisa ser o campo do comentário intelectual), e a “ferida”, a “picada”, a “marca”, o “ponto sensível” que o vem quebrar e decompor: o punctum. Este é definido de forma notável: “O punctum de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala)” 599. O punctum é um “detonador” 600 que prende a nossa atenção. Poderíamos resumir: uma imagem que se «pensa» (e que tentamos decifrar) e que se «sente» apenas quando já não nos transmite nenhuma mensagem, quando o studium se «cala». Propomos o seguinte: tentemos interpretar Las Meninas com base nestes dois elementos. Seria errado olharmos para a obra fotograficamente, e não é essa a nossa intenção. Analisemo-la pelo que ela é, uma extraordinária pintura, mas tendo por base estes dois componentes, que julgamos que serão um bom ponto de partida para a sua interpretação. Desloquemo-nos então à oficina do pintor espanhol, 596 597 598 599 600 Ro la nd B ar t he s - A Câ ma r a Cl ar a, p 4 2 . Lu ca s J o r d á n ci t. p o r G r id le y Mc Ki m - S mi t h - C ie nc ia e H is to r i a d e l ar t e, p . 1 9 . B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 3 4 . B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 3 5 . B ar t he s - A Câ mar a C la r a, p . 6 0 . 164 pois é esse o cenário representado neste quadro. Ah! E até parece que já lá estamos dentro... que ouvimos o rei e a rainha a conversar entre si por sussurros, os passos vigilantes do camareiro da rainha nas escadas, os gritinhos alegres da pequena infanta (que não tardarão a tornar-se em bocejos cansados), o froufrou dos vestidos de seda e de veludo... O que vemos? Como o título sugere, uma cena familiar, descontraída (na medida do possível para a família alargada do rei). Da esquerda para a direita, no primeiro plano, vemos a perna de um cavalete que sustenta uma enorme tela que quase chega ao tecto – e um cão que dorme. Num segundo plano, e seguindo a mesma direcção, temos Dona María Agustina Sarmiento que, servilmente, se encontra ajoelhada e oferece numa bandeja um pequeno jarro, certamente com água, à Infanta Margarida (um “Anjo saudando a Virgem” 601, como disse tão bem Foucault), o segundo elemento presente. Segue-se Dona Isabel de Velasco, a sua outra dama de honor, a anã Maribárdola e Nicolasito de Pertusato, que apoia o seu pé no cão. Num terceiro plano, Velázquez retratou-se a si mesmo numa pose majestática, solene, um tanto reclinado para trás; segura o pincel na mão direita e na outra mão uma paleta com meia dezena de tonalidades, e tem a cruz da Ordem de Santiago ao peito (que, com toda a certeza, foi adicionada mais tarde, já que quando a pintura foi feita o rei não lhe tinha ainda concedido essa honra). Não olha para o que está a pintar, mas para um ponto que se encontra fora do quadro. Num quarto plano, quase ao nível do pintor, surge a figura de Marcela de Ulloa, guardamujer das açafatas da rainha, e ao seu lado o único personagem que não é identificado pelo nome, mas que se calcula ser um guardadamas 602. Os dois já se encontram na quase escuridão. Num quinto plano, o espaço envolvendo a parede do fundo, onde se encontram duas telas de grandes dimensões e um espelho, que mostra a parte superior do corpo de duas figuras, o 601 Mic he l Fo uca u lt - La s Me ni n as , p . 2 8 . É gr a ça s ao p i n to r An t o ni o P alo mi no ( q u e e s c r ev e u Mu seo P ic tó rico y E sca la Óp t ica e m 1 7 1 5 /1 7 2 4 ) , q ue se co n se g ue m id e n t i fic ar o s p er so na g e ns r e tr at ad o s no q uad r o . C f. Str at to n -P r ui tt - V elá zq uez ´s La s Me ni n as , p . 2 -4 , q u e co n té m u m ex te n so e xce r to d o p r i me ir o b ió gr a fo d o p in t o r , est ud o a p ar tir d o q ua l d er i v a m to d o s o s o u tr o s ( p e lo me no s no q ue d iz r e sp e ito à id e n ti f ic ação d as fi g ur as) . 602 165 rei e a rainha. No último plano, uma porta que dá acesso a umas escadas (o segundo grande ponto de luz nesta obra tão escura) mostra o perfil de José Nieto, aposentador da rainha — o «duplo» de Velázquez, já que este era, muito honradamente, o aposentador do rei 603. Um sinal que o comprova é a chave que usa à cintura (e que modestamente esconde na sombra, mas que ao mesmo tempo exibe, mesmo no acto de pintar), essa chave que abria todas as portas do palácio, incluindo a do quarto do rei, e que era um símbolo de prestígio e de poder. A área mais luminosa da tela é a pequena Infanta Margarida. À primeira vista, ela é o centro do quadro, é para ela que o “Anjo” olha atentamente, é para ela que a sua outra “menina” se inclina (ou será uma vénia para alguém que não vemos e que se prepara para sair?). A sua pele e os cabelos são extremamente claros, o seu vestido acinzentado, de balão, um enorme ponto de luz. Depreendemos que ela fez o que nós próprios, espectadores, fizemos: interrompemos a sessão de pintura que decorria no atelier do pintor, e a ela assistimos, curiosos. Ela olha com interesse para os pais, tal como o pintor e a anã (novamente, poderíamos dizer: olha para nós. Seremos intrusos, nesta peça que se representa? E se olharmos para o nosso lado esquerdo, veremos Filipe IV e a sua esposa, retribuindo-nos o olhar?). Arnold Hauser afirmava que um método característico do barroco era trazer as figuras para o alcance do observador: “Como resultado da visão extremamente próxima, o observador sente o elemento do espaço como uma forma de existência que lhe pertence, dependente dele, e por assim dizer criado por ele” 604. Assim acontece aqui, duma forma de 603 U ma b r e ve no t a ap e na s p ar a co n fr o n tar id ei as : Or t e ga y Ga s set – V e lázq ue z, d ef e nd i a q u e a vid a d o p in to r ha v ia sid o d e “p a s mo sa q uo t id i a nid ad e” ( p . 2 ) , e q u e ele se mp r e se ma nt e ve “af a stad o d a s p o l é mi ca s p alac ia n as ” ( p . 1 7 ) , co n ce ntr ad o na s ua f u nção co mo p i nto r ; J o na t ha m B r o wn - O n the M ea n i n g o f La s M en i na s”, p . 1 0 2 , co n s id er a -o u m “ a mb ic io so co r t es ão ” q u e te ve d e l ut ar ar d u a me n te p ar a co n se g u ir o q u e mai s q u er ia, q ue er a p er t e ncer à no b r ez a; d á - no s co n ta s ua s vár ia s f u nçõ e s at é ao tão d e sej ad o tí t ulo : 1 6 2 7 – u g ie r d e cá ma ra ; 1 6 3 6 a yu d a d e g u a rd a rro p a ; 1 6 4 3 a yu d a d e cá ma ra /tr ab a l ho co mo ar q u ite cto ; 1 6 5 2 Ap o sen ta d o r Ma yo r d e P a la c io e su p er in ten d en t e d e o b ra s p a rt icu la r es . O tão a mb icio n ad o tít u lo d e Ca va le ir o d a O r d e m d e Sa n ti a go só vir á e m 1 6 5 9 . 604 Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d e B ar r o co , p . 2 2 7 . 166 quase «imersão » total: a pintura tende para além dela própria 605. O facto de a escala das personagens ser uma escala quase real (quase de 1:1) também ajuda a enfatizar a ilusão. Este é, inegavelmente, um dos maiores trunfos desta pintura: a nossa entrada na fortaleza do século XIV, numa das salas do Palácio de Alcázar, a nossa presença e convivência com a realeza 606. Já falámos do primeiro ponto focal da obra (a Infanta), passemos ao segundo: o pintor. Sabemos que foi corajoso ao retratar-se assim (tanto quanto Jan Van Eyck no seu The Arnolfini Portrait, datado de 1434). O que queremos ressalvar não é o espelho presente nessa grande obra, que alguns estudiosos defenderam conter a figura em miniatura do pintor 607, e que cada vez mais surge como uma tese improvável, mas a estranha inscrição nela contida. Julgamos que o seu auto-retrato na obra é essa singular assinatura com que o pintor nos brinda, numa possível imitação dos documentos oficiais da época: Johannes de Eyck fuit hic (Jan Van Eyck esteve aqui), escreveu o pintor numa caligrafia floreada que coloca no cimo do espelho e de forma central no quadro. 605 E s te a sp ec to – o “e ntr a r ” no q uad r o - j á e sta v a p r e se nt e n u ma o b r a q ue o p i n to r ad mir a v a, d e T in to r e tto , Cr i sto la va n d o o s p é s a o s seu s Di sc íp u lo s ( c. 1 5 4 8 ) , Mu s e u d o P r ad o . 606 Esta o p i nião e s tá e m si nto n ia co m a d e Mic h el Fo uca u lt , q ue v i nco u o p ap el d o esp e ct ad o r n es ta o b r a. J o na t ha n B r o wn cr i ti co u e ste “e xa ger o ” d e p r ese n ça d o esp e ct ad o r , d ize nd o q ue não e sta v a no s p l ano s d o p i n to r teo r iz ar so b r e a r ep r e se nt ação ( i s so é u m p r o b le ma no sso , n ão d aq u el a ép o ca) . As s ua s p r eo c up açõ es s er i a m o r eal is mo d a o b r a. C f. B r o wn - V el ázq ue z a nd P h ilip I V, p . 259. 607 Es ta o b r a ma g is tr a l d o met ic u lo so p i n to r f la me n go p er te n cia à co l ecção d e p in t ur a d o r e i e sp a n ho l e d ev e te r s id o , mu i to p r o va v el me n t e, vi st a e ad mi r ad a p o r Vel ázq ue z. O esp el ho , c o n ve xo , tr a zi a p ar a ce n a d u as p es so as q u e s e e nco n tr a v a m d e fr e n te p ar a o ca sa l r e tr at ad o , “fo r a ” d o q uad r o . T er á sid o u ma gr a nd e in f l uê nc ia p ar a o p i nto r , ma s cer t a me nt e n ão ta n ta co mo L i nd a Seid el no s faz c r er , q u a nd o af ir ma q ue Vel ázq ue z “r ep i n to u” o Ar no l f i n i P o r tr ai t, tal co mo a l g u n s a u to r e s r ee scr e v e m r o ma nce s ( Sei d el – P o eti c Fi ct io n s, p . 1 9 0 ) ; P ano f s k y vi u ne le a r ep r e se nt ação d o i n st a nt e d a tr o c a d e vo to s cer i mo nia i s, o nd e t ud o ti n ha u m si g n i fi cad o “es co nd id o ” : a ú ni ca ve la a ce sa q ue ar d ia so b r e o ca nd e lab r o er a D e us q ue t ud o v ia, o cão ser i a o s í mb o lo d a f id el id a d e co nj u g al, o e sp el ho e q ui v al ia ao sp ecu lu m s in e ma cu la , sí mb o lo d a p ur ez a d a V ir ge m, o r na d o no e xt er i o r co m d e z mi n ú s c ul as c e na s d a P ai xão . P a no fs k y é d e o p in ião q ue el e é u m “o b j ec to r eli g io so ” ( J a n V a n E y ck, p . 3 7 0 ) . So b r e e ste te ma ver t a mb é m Ed wi n Ha ll P r o b le ms o f S y mb o l ic I nt er p r e tat io n. No f i na l, fi ca e s se e sp a n t o so “o l h ar r ep ti li a no ” d e Gio v a n ni Ar no l fi n i ( P a no f s k y – J an Va n E yc k , p . 3 6 6 ) q ue i mp õ e u ma cer t a d i st â nci a, e q ue c er t a me n te e vi ta o l h ar p ar a nó s d a ma n eir a d esa f iad o r a e o r g ul ho sa d o p i n to r e s p an ho l. 167 A maneira de Velázquez se retratar não passou despercebida: na primeira descrição detalhada que se fez da obra, em 1696 (pelo português Felix da Costa), o autor sente nitidamente essa confusão, dizendo com algum embaraço: “O retrato parece mais um retrato de Velázquez do que da Imperatriz” 608 (e atenção, porque ele assumia que era um retrato da infanta). Picasso, mais tarde, e na grande homenagem que dedica ao pintor, exagerará esse «pequeno detalhe», pintando ousadamente um Gulliver no meio de liliputianos 609. O que tornou o quadro para muitos, bizarro, foi o facto de Velázquez ter deixado de estar no seu lugar habitual do pintor (olhando de fora) para se colocar no mesmo plano que os seus modelos, olhando para o espectador, e de se apresentar no mesmo plano que a realeza. Será esta obra um retrato da infanta, do pintor, dos monarcas que se encontram no espelho, ou de todos? Não debateremos este ponto, pois nunca terá consenso. Indaguemos antes uma coisa muito importante: o que não conseguimos saber, antes de reflectirmos sobre a imagem que vemos no espelho. Há várias coisas que não sabemos, e que o pintor não nos quis dizer (enumeramos algumas, e tentamos conjecturar de seguida sobre as mesmas). Enquanto espectadores não sabemos: • O que o pintor pinta, já que só nos é dada a ver a parte de trás da grande tela. Hipótese: certamente é uma “tela dentro de uma tela”, mas terá esta tela pintada outra tela: estará Velázquez a pintar As Meninas numa mise-en-abîme recorrente e vertiginosa, porventura de forma a sentirmos essa “força impulsionadora do infinito” 610?); 608 Fe li x d a Co s ta ci t. p o r S uz a n ne L . Str at to n -P r ui tt - Ve lázq u ez L a s M en i na s, p . I. 609 Sa l vad o r Dal í co me nt and o o q uad r o d e P ic as so , c it . e m Ger tj e R. Ut le y, Vel ázq ue z La s M e ni n as , p . 1 7 5 . Ver o b r a d e P i c as so i n ti t ul ad a La s M en in a s (a ft er Velá zq u e z ), ó leo s / t ela , 1 9 5 7 . 610 Ar no ld Ha u ser - O Co n cei to d e B ar r o co , p . 2 3 8 . 168 • A disposição do espaço para o qual a maior parte dos personagens olha, o «fora-do-quadro » (o lugar do casal real, e também o nosso lugar) e quem se situa nesse espaço virtual, como é que esse espaço é: será vasto e isento de mobília, um espelho do que o que nos é dado a ver? Hipótese: é uma sábia forma de expandir o espaço, e ao mesmo tempo de nos envolver nele, revelando apenas o que lhe interessa (presença/ausência dos reis), e dando-nos o poder de “complementar o que ele deixou de fora” 611; • O porquê da escolha das grandes pinturas que decoram o salão, Pallas e Arachne e Contest of Pan and Apollo (pela mão do genro do pintor, cópias de Rubens); terão algum significado preciso? Hipótese: alguns autores 612 defendem que sim, que estas pinturas são portadoras de uma mensagem, pois é através delas que o pintor faz um apelo a Filipe IV: ver o exercício da pintura como uma arte nobre, com um estatuto liberal (e não apenas como uma arte manual e «desprestigiante », que tinha equivalência ao nível do trabalho de um sapateiro ou de um ferreiro). O tema das pinturas alude, de forma conveniente, ao triunfo da arte “verdadeira” 613, divinamente inspirada. Mas não se poderá também ver nelas a insubordinação extrema de Aracne (que borda tão bem quanto a deusa Pallas), e de Pã (que consegue encantar com a sua flauta, rivalizando com o a lira do deus Apolo)? Duas insubmissões a um poder maior, ou, digamos, Pintor vs. Rei? 611 E .H. Go mb r ic h - Hi s tó r ia d a Ar te, p . 3 2 4 . Hip ó te se d a a uto r ia d e C h ar l es d e T o l na y e m 1 9 4 9 , ci t. e m S tr a tto n - P r ui tt – Vel ázq ue z La s Me n i na s, p . 1 2 8 . 613 J u liá n G al le go , ci t. p o r J acq ue s L as s ai g ne - Vé la sq uez, p . 4 6 . N a a lt ur a e m q u e te xto fo i es cr i to ai nd a s e j ul ga v a q u e u ma d as p in t ur a s er a u ma có p ia d e J o r d aen s, Ap o lo e Má r sia s, ma s t a l fac to fo i a lte r ad o p e lo s e s t ud io so s q ue ci ta mo s no te x to . 612 169 • porque é que Velázquez optou por representar os reis com feições indistintas num espelho (mantendo a terminologia da fotografia, quase «desfocadas »), numa obra onde todo o naturalismo é perfeccionista?; Hipótese: Segundo o historiador Fernando Marías, o rei não só não queria enfrentar o fleumático pintor, mas queria evitar ver-se retratado na pintura. Há uma carta de 1653, de Filipe IV a Sor Luisa Magdalena de Jesús que parece corroborar o seu ponto de vista: No fu e m i re t ra to p o rq u e h a n u eve ã n o s q u e n o se h a h ech o n in g u n o , y n o me in c lin o a p a s a r p o r la f lema d e Vel á zq u e z , a sí p o r el la co mo p o r n o v e rme en v e jec ien d o . 614 Quem conheça o último retrato que o pintor fez do seu rei, três anos depois desta sua carta, saberá apreciar e julgar o que Filipe IV diz. Sabemos que muitas vezes os pintores suprimiam/melhoravam os defeitos do modelo: acreditamos plenamente em Gasset quando este afirma que Velázquez favoreceu o nariz achatado e “inapresentável” 615 do conde duque de Olivares, e que também era um hábil fazedor de “imagética política” 616. Mas neste retrato que falamos não há dó, sentimentalismo, nem nenhum vestígio de idealização: é apenas um rei envelhecido que olha para nós. E se “Retrato do rei é o rei” 617, como afirma um historiador que se debruçou sobre a sua obra, o próprio pintor se torna “historiador faustoso de um fim de raça de reis” 618; 615 Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 2 3 . J o n at ha n B r o wn - I m ag es o f P o wer a nd P r es ti ge , p . 1 2 8 . Ve lázq ue z p i nta Oli v ar e s n u m ca v alo e x i b in d o co r a ge m e co n fi a n ça, q ua nd o a s u a p o s içã o j á esta v a à mu ito “tr e mi d a” ( e p r es te s a cai r d o cav alo ) . Do mes mo a u to r , ver ta mb é m En e mi es o f fl at ter y, p . 1 0 3 -1 1 5 . 617 Fer n a nd o C hec a - Die g o Ve lázq ue z d a S il va , p . 4 5 . 618 J ean L o r r a i n - O S e n ho r d e B o u gr el o n, p . 4 1 . 616 170 • E, finalmente, o porquê de toda esta «alucinação» barroca, deste complexo mapa de olhares, de linhas imperiosas e invisíveis que atravessam o seu espaço e que poderão seguir diversos caminhos 619, dando origem às interpretações mais diversas e contraditórias: é uma obra que figura como a representação da representação clássica, ligando o espectador ao quadro (Foucault 620); é uma pintura feita pelo ponto de vista do sujeito, que se torna “rei” e rainha”, e onde o artista perde o seu ponto de vista (Searle); não pode haver ponto de vista privilegiado, esse foi o “erro” de Foucault e de Searle (Snyder/Cohen); o espectador habita fora de todo o espaço de ilusão criado: estar ao nível do rei e da rainha seria uma grave quebra do protocolo; dizer que a obra é uma meditação sobre a natureza da representação é exagerar, pois tal finalidade era desconhecida no tempo de Velázquez (Jonathan Brown); é uma obra onde um retratista retrata o retratar (Ortega y Gasset), entre tantas outras... Especulemos agora nós, imitando os gestos de tantos artistas que reverenciaram a obra e a reinterpretaram 621. 619 Fo uc a ul t, e m A s M en in a s, a na li sa e sta q ue st ão co m u m d e ta l he i mp r e s sio n a nte : o q uad r o p o d e ser l id o e m “x ”, co m u ma l i n ha q ue va i d o p i n to r a Nico l as ito , e d a d a ma d e co mp a n hi a ao p er so n a ge m d e sco n h eci d o ; p o d e mo s ver ap e n a s a p ar te d e b ai xo d o “X ”, c u r va q u e vai d a ca ma r ei r a a N i co la si to . Ma s ta n to s o ut r o s a u to r e s q ue , r é g ua e m p u n ho , a n ali sa m p o nto s d e f u ga, c r uz a me n to d e d ia go n ai s, etc. ! 620 O q u e acar r et a a i n s tab ilid ad e d o o l har : há u m a tr o ca co n sta n te d e p ap éi s e n tr e s uj ei to /o b j ec to /o b ser v ad o r / mo d e lo . 621 As r ei n ter p r eta çõ e s d e st a o b r a são v as ta s, e d ão - l he no vo s si g n i fi cad o s. O seu p r i me ir o e d i g no “her d e ir o ” e m ter r as e sp a n ho l a s ser á o gr a nd io so Go ya ( co m u ma b ela có p ia e m á g ua - fo r te d a o b r a, e so b r et ud o co m A Fa m íl ia d e Ca rlo s I V ) , e mu i to ma is t ar d e P ica s so , q u e f ez cer c a d e q uar e nt a o b r a s i n sp ir ad o n a s s ua s “me n i n as ”; Mi ll ai s, W hi s tl er , Sar g e nt, e M an et s ão a s r esp o s ta s i n gl es as , a mer i ca na s e fr a nce sa s à s ua o b r a no sé c ulo XI X ; p o ste r io r me n te , j u nt a m - s e o h u mo r d e Sa l vad o r Da li , o s d e se n ho s d e Ric h ar d Ha mi l to n, o s ad i s mo d e J o el -P e ter W it ki n , V ic M u n iz co m a s ua co mp o siç ão ut il i za nd o c ho co la te, a s fo t o gr a f ia s d e T ho mas S tr ut h no P r a d o , e a o b r a d e E ve S us s ma n /a s so c iad a à T he R u f u s Co r p o r a tio n , i nt it u lad a 8 9 ´ a t Alca zá r ( víd eo d e 1 2 mi n u to s q u e co mp õ e mi n u cio s a me n te to d o o ce nár io d aq ue la o f ici n a , até ao s 8 9 s e g u nd o s o nd e to d o s 171 O studium desta pintura é o ar respeitoso, reverencial, que todos os personagens sem excepção evidenciam perante o rei e a rainha; as vestes luxuosas que ostentam ligam-nos a uma classe privilegiada, a uma posição destacada na sociedade, a um savoir-vivre palaciano (e a uma certa «pose» d e manequim articulado — a roupa não ajudará — que parece acompanhar todos estes aspectos). Aqui impera o «bom gosto »: a oficina está recheada de pinturas antigas, decerto valiosas, e era apenas a zona de trabalho do pintor. Resumindo, estas pessoas que aqui vemos retratadas iriam ficar na História, independentemente de terem ou não o testemunho/documento da pintura a comprová-lo ou a «promovê-las ». (A codificação desta obra foi exemplarmente feita por Foucault, que nela viu o lugar da pura reciprocidade, e portanto remetemos o leitor para o seu lúcido ensaio que é, não haja dúvidas, reflexivo: studium). Perscrutamos esta obra vezes sem fim, varremo-la com o olhar, na tentativa de apontar o dedo à marca que, nela, nos perturba, nos fere, nos deixa sem palavras. Qual o punctum deste quadro? As primeiras vezes que o observamos, sentimos que conseguimos apontar nitidamente essa «ferida »: ela é Maribárdola, a anã. O seu corpo obeso, (especialmente o rosto grosseiro, quando comparado o seu com a “aspecto formidável” 622 «perfeição » de pérola cintilante 623, de beleza diáfana da princesinha) causam-nos algum incómodo. Como disse um poeta que admirou esta obra: O grotesco fascina, de tal pigmento/ não disse tudo 624. Mas se calhar este repúdio que sentimos é o da comparação, é o desprazer causado pelo contraste princesa (com toda a linhagem de sangue que a precede, posses, educação, etc.)/ anã (a «bobo da corte», que devia divertir e afastar o aborrecimento da rotina do rei e da sua p ar ece m e s tar .. . ex ac ta me n te na s p o s içõ e s e m q ue o r etr a to d e V elázq u ez o s co n g elo u !) 622 P alavr a s d e P alo mi n o , cit. p o r S uz a n ne Str at to n -P r u it t - Vel áz q ue z L a s Me ni n as , p . 2 . 623 Fo i a s si m q u e Da l vad o r Dal í a vi u ; ver a s ua p in t ur a i nt it u lad a Th e P ea r l, d e 1 9 8 1 , F u nd ac ió n Ga la - Sal v ad o r Da lí . O p i n to r d ecid e p i n tar o r o sto d a in f a nta co mo u ma es f er a p er fe it a, r e tir a nd o - l he , co n t ud o , q u alq ue r tr aço d o r o s t o . 624 Antó n io O só r io - L as M en i na s, p . 1 4 1 . 172 filha: boba monstruosa vestida de princesa que teria a função de “rir de si mesma” 625; apesar de minimamente respeitada neste círculo 626, é alguém que está claramente «fora-do-sítio»: até o cão de caça do rei devia ter mais carácter de raza que ela). Mas com a violenta distância que vai de uma a outra já estamos a pensar muito, a ir em direcção ao studium. Tentamos novamente. O punctum deste quadro é o espelho. Não o espelho que sabemos que é uma imagem do rei e da rainha, um hábil recurso de trazer para «dentro» do quadro o que se encontra «fora », fazendo oscilar interior e exterior; não o espelho como elemento que muda toda e qualquer leitura do quadro, que não se contenta em “duplicar”, dizendo o que já foi dito, e que alguns viram como símbolo de Prudência (uma lição para a Infanta) 627; não esse espelho ao qual todos os personagens representados viram as costas, sem qualquer cerimónia (excepto o aposentador da rainha), e que “permite ver, no centro da tela, aquilo que no quadro é duas vezes necessariamente invisível” 628; não o espelho que poderá ter sido um forma de introduzir – discretamente – o retrato de um rei que não queria ser retratado 629; não esse espelho que é o portador dos grandes paradoxos do quadro 630, senão mesmo de toda a sua estrutura. (Retiremo-lo de cena: o que fica?) 625 Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 9 . O sal ár io d o s a nõ e s e d o s b o b o s, se g u nd o No r b er t W o l f - Die go Ve lá zq u ez ( p . 5 3 e 7 7 ) er a r e la ti va m en te el e vad o , mo str a nd o q u e não o c up a va m n a co r te u ma p o si ção tão b a i xa q ua nt o is so . P o r o utr o l ad o , e e m co mp ar aç ão , u m d ecr e to r ea l d e 1 6 2 8 co nced e ao s p i nto r e s d a co r te a me s ma r ação d iár ia d e al i me n t o s q u e ao s b ar b eir o s d o r ei ! J á o p o eta An tó nio O só r io d izia : “b o b o so u d a c o r te, o utr o , ap e na s o ma i s a lto …”, e m L a s M e ni na s, p . 1 4 1 . 627 Hip ó te se “d id áct ic a” d e J . A. E m me n s ( 1 9 6 1 ) , mas q ue te m s id o r ej e itad a p o r o ut r o s teó r ico s; se g u nd o el e, a I n f a nta es tar ia a ser ed ucad a p ar a r e i n ar , ma s e sta hip ó te se fo i co lo cad a d e p ar te p o r q u e Mar g ar i d a não s uc ed e u a B a lta sar Car lo s co mo her d eir a d o tr o no – a p r ó p r ia Hi s tó r ia não co r r o b o r a ne m n a s ua t ese , ne m n a d e J o el S n yd er , ap r e se nt ad a e m 1 9 8 5 ( q ue v ê a o b r a co mo o eq u i va le nt e a u m “ma n u a l d e ed uc ação d a p r i nce sa ”) ; ver S tr at to n -P r ui tt - Ve lázq u ez La s Me n i na s, p . 1 2 6 -7 . 628 Mic h el Fo uc a ul t - As Me ni n as , p . 2 3 . E s ta s d ua s co i sa s ser ia m a p i n t ur a q ue o p in to r f az d o mo d elo e o s r e i s a p o sar e m fo r a -d e -c e na. 629 T ese d e Fe r na nd o Mar í as Fr a n co , ver o se u e n s aio i n ti t ul ad o La s M en in a s, 2 0 0 0 . 630 P o d e mo s d i vid ir o s a u t o r es e m d ua s li n h as d e p en sa me nto : o s q ue ac h a m q ue o esp e l ho r e f le ct ia o q ue o p i nto r p i nt a va na te la, e p o r ta n to ser ia o r e fle xo d e u ma p in t ur a ( P alo mi no , H. W . J a nso n , Go mb r i c h, J o el S n yd er / Co he n, Leo Ste i nb er g , e ma i s r ec e nte me nt e J o n at ha n B r o wn ) , e a id eia m ai s co mu m d o s q u e acr e d ita m q u e 626 173 Em resumo, não o espelho que mostra esse outro centro desta composição (o seu centro secreto, soberano, o seu «coração»), o casal real, os únicos que estão em pose no meio do devir (aquela pose onde fabricamos instantaneamente outro corpo, “metamorfoseamo-nos antecipadamente em imagem” 631, como afirmava Barthes). Cremos que é a partir dele, ou melhor, do ponto virtual que ele projecta no espaço (e a partir do qual mentalmente traçamos uma vasta circunferência, não sabemos bem porquê: por ser a figura da perfeição do ser ou simplesmente por ser a área de controlo panóptico do rei?); seja como for, é esse centro que oferece “a mais comprometida das imagens” como nos indica Michel Foucault: No me io d e to d a s e s sa s fig u ra s a ta via d a s, ela s sã o a ma is p á l id a , a ma i s ir rea l, a ma i s co mp ro me tid a d e to d a s a s i ma g en s: u m mo v im en to , u m p o u co d e lu z b a s ta r ia m p a ra o s fa z er d e sva n ece r - se. De to d a s e s sa s p e r so n a g en s rep re sen ta d a s, sã o ela s ta mb ém a s ma i s d e sp r e za d a s, p o i s n in g u ém p r es ta a ten çã o a o ref lexo q u e d esl i za p a ra trá s d e t o d a a g en te e s e in tro d u z si len c io sa m en te p o r u m esp a ço in su sp ei t a d o ; n a med id a em q u e sã o vi sív ei s, sã o a fo r ma ma i s f rá g i l e ma is a fa sta d a d e to d a a rea lid a d e. I n ve rsa men te, n a med id a em q u e, si tu a n d o - se n o exte rio r d o q u a d ro , se re ti ra va m p a ra u ma in v is ib i lid a d e e s sen c ia l , o r d en a m em to rn o d e la s t o d a a rep re sen ta çã o ; é d ia n te d e la s q u e a s o u tra s e stã o , é p a ra ela s q u e s e vo lta m, é a o s s eu s o lh o s q u e s e mo s tra a p rin c es a n o seu ve s tid o d e fe s ta . 632 Todos estes aspectos são studium (tentaremos não abusar mais desta palavra). O ponto que nos fere é o facto da área onde se encontra o espelho estar totalmente mergulhada na penumbra: este espelho não tem a claridade nem a precisão do olho negro e convexo de Van Eyck. De onde vem então essa estranha luz que o espelho, generoso, irradia, o esp el ho é o r e f le xo d o s r ei s, q ue e st ão p r es e nt es na s ala e p o sa m p ar a u m r e tr a to . Fo uca u lt e sta r ia ne ste g r up o , lo go no i ní cio d o se u te x to d iz - no s q ue : “O p i nto r , li ge ir a me n t e a fa stad o d o q uad r o , co n te mp la o mo d e lo ; t al ve z se tr at e d e d ar o úl ti mo to q ue, ma s t a m b é m é p o s sí ve l q ue ai nd a não t e n ha ap lic ad o a p r i meir a p in ce lad a ”. C f . Fo uc a ul t - L a s Me ni n as , p . 1 7 . Est ud o s mai s r e ce nt e s ( a n í vel d e ó p tic a e d e p er sp ec ti v a ) tê m d a d o ma io r r e le vâ n cia à p r i mei r a o p ç ã o , q u e fo i d ur a n te mu i to t e mp o a ma i s d e sa cr ed itad a. 631 Ro la nd B ar t he s - C â mar a C lar a, p . 1 8 . 632 Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 3 1 . 174 mostrando duas silhuetas indistintas, imperturbadas pelo reflexo de qualquer outra coisa que se intrometa no caminho, no meio de toda a escuridão? (Será que, por breves instantes, vimos o nosso rosto nele reflectido? 633 Mas porque é que permanecemos invisíveis — também nós tornados incorpóreos, “fauna fantasmagórica” 634?). * Roland Barthes lia em toda a fotografia histórica a “vertigem do tempo esmagado” 635, e imediatamente a associava a um isto está morto /isto vai morrer. Talvez tenha sido por essa mesma razão que o rei Filipe IV não se parece ter ofendido com a estranha opção de “perspectiva” do seu pintor favorito: sabia que era, que somos, como Francis Bacon tão cruamente disse, “carcaças em potência” 636. Pensa-se 633 U m «p i s car » d e o l ho a U mb er to E co , e ao se u b r e ve e i n ter e s sa nt e e n saio in ti t ul ad o S o b re o s E s p elh o s. P o r q ue é q u e o s e sp e l ho s s ão u m fe nó me no a se mi ó t ico ( d i to d e o utr a fo r ma : p o r q ue é q u e as i ma ge n s r e fl ec tid a s p el a s up e r fíc ie d o s esp el ho s n ã o são si g no s? ) , eis q ue s tão a q u e o filó so fo a n al is a e à q ua l te n ta d ar u ma r e sp o sta . De f o r ma r ad i ca l, i nd ica - no s u ma si mp le s e xp er i ê n cia cr u ci al q ue p o d e ser fe ita p ar a d e s faz er e c lar i f ic ar e ve nt u ai s eq uí vo co s q ue to d a a i ma ge m e sp ec u lar d e sp o let a: se o l har mo s p ar a u ma fo to gr a fi a ( i ma g e m co n gel ad a d e u ma “ma r c a” no te mp o ) , u m fi l me ( u ma i ma g e m co n g el ad a q u e se mo ve) o u u ma p in t ur a – to d o s el es si g n o s – q ue t e n ha m u m e sp el ho , e ss e e s p el ho n ã o i r á p r o d uz ir u ma i ma g e m e sp ec u lar , e cit a mo s: “Es ta s i ma ge n s d e i ma ge n s e sp ec ul ar e s não f u nc io na m co mo i ma g e n s e sp ec u lar e s ” ( p . 4 4 ) . Os e sp e l ho s tê m u ma ex i gê nc ia “p ar a si tár ia” e m r el açã o ao r e fer e n te, o q ue não aco nt ece co m o s s ig n o s, q u e p o r ta nto s e ab r e m, se g u nd o o a uto r , a u ma “p r a g má ti ca d a i n ter p r e ta çã o ” ( p . 4 1 ) . I n ter e s sa n te se r á no tar q ue E co a f ir ma q ue o s si g no s p o d er ão men ti r ( le mb r e mo no s d o s e stó ico s e d a s ua ma g n í fi ca f o r mu l açã o i nco r p o r al, a d o f u m o q u e es t á p elo fo go – e o nd e es te “fo go ” n ão e stá ao alc a nc e d o no s so r aio p er ce p ti vo e no s p o d e i nd uz ir e m er r o ) , ma s q ue o e sp el h o e xi ge u ma ca u sa lid ad e e n tr e co r p o /o b j ec to r e f lec tid o . O q u e o f az d e fe nd er q ue a i ma g e m e sp e c ul ar “n ã o p o d e se r u sa d a p a ra men t i r. P o d e- se me n tir so b r e e ace r ca d a s i ma g e n s e sp ec u lar es , ma s não s e p o d e me nt i r co m e a tra v é s d a i ma ge m e sp e c ul ar ” acr es ce nt a nd o e m se g u id a, no p o n to 7 , q u e: “A i ma g e m e sp ec u lar n ã o é in te rp retá ve l . Q u an to mu i to o q ue é i n ter p r e tá v el é o o b j ecto p ar a q ue ela r e me te, o u me l h o r , o ca mp o es ti mu l a n te d e q u e ela co n s ti t ui u m d up lo .” ( A mb a s as c it açõ e s n a p . 3 0 ) . P o is aq u i a no ss a p r o vo c açã o : V elá zq uez fa z u m es p el ho o nd e o no s so p r ó p r io r e f le x o se d eté m, u m esp el ho q u e me nt e, e q ue é ... i nte r p r etá v el, o u s ej a, f i cc io ná v el. 634 Or t e ga Y G as se t - Ve lá zq u ez, p . 3 7 . 635 Ro la nd B ar t he s – A Câ ma r a Cl ar a, p . 1 0 7 . 636 Fr a n ci s B a co n c it. p o r Gil le s De le uz e - Fr a nc i s B aco n, p . 6 4 . 175 que este era um quadro que muito estimava. Quando o via, ver-se-ia já nos «bastidores » co m a sua pequena filha a ocupar agora o palco? Várias vezes nos perguntámos, surpresos, como é que foi possível ele fazer este tipo de obra, tendo em conta não só a altura em que o fez — era uma época muito delicada a nível político: avizinhavase o fim da hegemonia espanhola dos Hasburgos na Europa —, mas sobretudo tendo em conta a sua posição/função na corte. Talvez a sua opção tenha sido a melhor: evitar retratar um rei (e uma dinastia) em acelarada decadência, apenas insinuando a sua presença. Nesta parte final focaremos muito brevemente a relação do rei-pintor: cremos que é essencial para a leitura da obra. Velázquez era para Filipe IV o que Charles Le Brun seria para Luís XIV. Ambos exerciam a mesma função na corte: premier peintre du roi. Mas enquanto que Le Brun foi durante vinte anos o “ditador da arte da França” 637, o pintor da corte espanhola manteve uma certa largueza de vistas na sua atitude de retratar a arte oficial, que em nada se pode comparar ao que aconteceu em França. Segundo Arnold Hauser, a arte da corte barroca francesa “não passa de um instrumento ao serviço do governo do Estado, com a especial função de, por um lado, aumentar o prestígio do monarca e desenvolver o novo mito da dignidade régia, e, por outro, intensificar o esplendor da corte, como enquadramento do domínio real. (...) O Rei é incapaz de pensar a arte a não ser em ligação com a sua própria pessoa” 638. Não podemos afirmar que o contrário se passasse em terras espanholas: a missão dos dois pintores era a de contribuírem, com o seu génio, para a glória das respectivas cortes (estamos portanto em desacordo com Norbert Wolf quando este diz que “será no entanto falso ver em Velázquez o retratista da corte e das futilidades, da abastança e do amor do fausto” 639 — porque assim era a vida na corte, porque ele também foi isso!). 637 Ar no ld Ha u ser - O B a r r o co na s Co r te s C ató li cas , p . 2 5 8 . A o p o s içã o ao se u acad e mi s mo r i go r o so só se f ar á n a d éc ad a d e s et en ta. 638 Ar no ld Ha u ser - O B ar r o co na s Co r t es C ató li ca s , p . 2 5 2 . 639 No r b er t W o l f - V el ázq u ez, p . 3 4 . 176 A lei da “couraça do protocolo da corte” 640 cumpria-se de forma escrupulosa nos dois países. Mas há uma grande diferença a assinalar, que coloca Velázquez numa situação mais favorável: o seu rei era um pouco frouxo a nível do comando político do reino 641 (la pasión de mandar concentrava-se toda no seu ministro conde Duque de Olivares), mas um verdadeiro amante da arte da pintura, e portanto deu-lhe autonomia (autorizou-o a viajar por duas vezes de forma a estudar obras que admirava 642), valorizou-o, estimou-o, admirou-o: sabia atribuir um significado artístico às suas pinturas, coisa que não acontecia de forma alguma com o rei francês, que atrofiava qualquer estilo “pessoal” que surgisse. Os dois chegam a encontrar-se numa ocasião muito celebrada: Filipe IV a dar a mão de sua filha Maria Teresa ao sobrinho Luís XIV, selando um pacto que orquestrava... o seu próprio fim 643. Mesmo que não vejamos o ambiente da corte espanhola nos tons negros de Ortega y Gasset — um ambiente paralítico, com uma atmosfera “asséptica, esterilizadora” 644, onde o pintor fez quase o impossível: retratar personagens sem grande interesse humano (leia-se aqui, sobretudo, a figura do rei) — estamos em crer que não havia qualquer imperialismo intelectual; Filipe IV e o pintor são um exemplo extraordinário de longevidade a nível de mecenato real. Concordamos com Jacques Lassaigne quando este diz: “dentro da sua escravidão exterior ele tinha uma liberdade sem igual” 645. 640 No r b er t W o l f - V el ázq u ez, p . 7 3 . Se g u nd o J o aq ui m C a nd eia s d a S il v a - D. Fi lip e I I I , p . 8 5 , e m P o r t u ga l “n ão l h e p er d o ar a m a lo n ga a u sê nc ia, a p o lí ti ca o p r e ss i va d e Ol i var es , a a gr e s são f i sca l; enq u a nto q u e e m E sp a n ha , p o r o u tr o lad o , n ã o l he p er d o ar a m a i mp er íc ia p ar a ma n ter a U n ião I b ér i ca” . Le mb r a mo s q ue fo i o ú ni co so b er a no d e P o r t u g al q u e não hab ito u ne m v is ito u o ter r i tó r io e nq ua nto r e i; p o r cá fi co u co n hec id o co mo O Op r es so r, p o r ter r a s d e n u es tro s h er ma n o s co mo El Gra n d e. 642 Ap es ar d a s ua se g u nd a vi a ge m ser j á e m f u n çõ es “c ur ato r ia is ”: p r o c ur av a o b r a s p ar a e n gr a nd e c er a co l e cção d o r ei. 643 E m 1 6 6 0 d e u - se a a s si na t ur a d o tr a tad o d o s P ir i né u s ; p o uco te mp o d ep o i s Le B r u n f ar ia o d e se n ho d a tap eçar ia Th e Me et i n g o f Ph i lip I V a n d L o u is I V o n Ph ea sa n t I sla n d ( 1 6 6 5 - 6 8 ) , q u e é u ma b o a o b r a p ar a se co mp ar ar e m d i fer e n te s se n sib il id ad e s : a gr a vi d ad e esp a n ho l a f ace ao co lo r id o e xa ger ad o d a co r te fr a n ce sa. 644 Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 2 5 . 645 J acq ue s La s sa i g ne - Vé la sq uez, p . 1 3 . 641 177 Ele era, sem dúvida alguma, o Apeles do rei 646. * Transcrevemos uma passagem fulcral de Ortega y Gasset que muito apreciamos: A p in tu ra a té V e lá zq u ez h a via q u er id o fu g ir d o t emp o ra l e f in g i r n a tela u m mu n d o a lh e io e i mu n e a o temp o , fa u n a d a ete rn id a d e. O n o s so p i n to r in ten ta o co n t rá r io : p i n ta o te mp o me smo q u e é o in s ta n te , q u e é o se r en q u a n to e s tá co n d en a d o a d ei xa r d e se r, a tr a n sco r re r, a co rro mp e r - se. I s so é o q u e o ete rn i za e es sa é, s eg u n d o ele , a mis sã o d a p in tu ra : d a r ete rn id a d e p rec i sa men te a o in sta n te – q u a se u m a b la s fé mia ! 647 Uma breve nota final: um estudioso 648 confirmou a identificação feita por Palomino do quarto do palácio onde foi pintada Las Meninas. Recorreu a um inventário de 1686 de forma a identificar as pinturas que estavam instaladas naqueles aposentos, e confirmou que “Velázquez pintou o quarto exactamente como era” 649, em toda a exactidão do seu espaço. Pois aqui o facto curioso: não havia qualquer referência nesse inventário a adornos de qualquer espécie, o que o leva a concluir que o espelho era a única coisa que não existia naquela sala. Foi inventado. O chão do realismo começa rapidamente a escapulir-se. Palomino: “é a verdade, não é pintura” 650; Karl Justi: é um pedaço da 646 P lí nio - N at ur al Hi sto r y, p . 9 6 , nar r a - no s e s ta hi s tó r i a: Ap e le s, p i nto r vi r t uo so , er a o ú ni co p i n to r a q u e m Al e xa nd r e, O Gra n d e, d av a to ta l e xc l us i vid ad e d e p i n tar o se u r etr ato ; p . 9 6 . ( B i b lio gr a f ia cap ít u lo I , Ul is se s) . 647 Or t e ga y Ga s set - V el áz q ue z, p . 5 1 . 648 E s se e st ud io so é S te ve n N . Or so , e a s ua i n ve s ti ga ção i n ti t ul a -s e: P hi li p I V a nd T he D eco r a tio n o f t h e Alcáz ar o f Mad r id , 1 9 8 6 . Ap r o vei ta mo s p ar a acr e s ce nta r q ue aq u ela o fi ci na co r r e sp o n d ia ao s ap o s e nto s d o p r í nc ip e B al ta sar C ar lo s at é à d a ta d a s ua mo r t e, e m 1 6 4 6 . P o uco t e mp o d ep o i s, o p i n to r te ve a u to r i zaç ão p ar a o s u ti li zar co mo o fi ci n a, e er a a i n d a a í q ue tr ab al h a va a q ua n d o d a s u a p r ó p r ia mo r te. Ve r Ló p ez - Re y - V elá zq uez, p . 2 0 8 . 649 Str at to n -P r ui tt - Ve lázq ue z La s Me n i na s, p . 1 3 0 . 650 P alo mi no ci t. p o r J o na t ha n B r o wn - Ve lázq u ez and P h il ip I V , p . 2 6 0 . 178 “vida palaciana preservada com uma fidelidade mais que perfeita” 651 por um mestre da observação objectiva; Theóphile Gautier: “não há véu, não há intermediário entre ele e a natureza 652; Jonathan Brown: é um “intenso encontro com a realidade” 653. Não ficará a blasfémia da “eternidade do instante” e todas as teses das “fidelidades mais que perfeitas” um pouco comprometidas com esta descoberta? Parece que, afinal, havia um “véu” entre ele e a natureza, e esse véu era — quem diria? — um simples espelho 654. Seja como for, ficaremos sempre prisioneiros diante desta obra, verdadeira “sinfonia silenciosa” 655 e crepuscular: entre a fina ponta do pincel e o gume do olhar, o espectáculo vai libertar o seu volume. 656 * O filme que Roberto Rossellini dedicou a Luís XIV intitulado La Prise de Pouvoir Par Louis XIV (1966) mostra-nos uma corte obcecada com a lei, com a rigidez do “Grande Relógio” (expressa na figura do rei). Não há lugar para improvisações. Tudo é rigorosamente calculado, medido, examinado. Mazarin está a morrer: o seu suor, a sua urina e o seu sangue são avaliados pelos melhores médicos do reino, que discutem os diferentes pareceres entre si. 651 Kar l J us ti ci t. p o r J o na t ha n B r o wn - O n t he Mea ni n g o f La s Me n i na s, p . 8 8 . T héo p hi le G a ut ier c it . p o r Al is a L u xe nb er g - Vel ázq ue z La s M e ni n a s, p . 2 9 . ( Li vr o ed it ad o p o r Str at t o n -P r ui tt) . 653 J o na t ha n B r o wn - Ve láz q ue z a nd P h ilip I V, p . 2 6 0 . 654 Ac h ar í a mo s se mp r e, me s mo s e m a “d e sco b e r ta ” d e Or so , q ue a s u a p i nt ur a nad a ti n ha d e cap t ação i mp r e vi s ta d o i n s ta nt e na med id a e m q ue ta l co r r e sp o nd er ia a u m f iel “p ed aço ” d e vid a q uo tid i a na – ( a s fo to gr af ia s ta mb é m me n te m) – , d ir í a mo s an te s q ue e sb o ço u u m m u nd o . O se u u so d e p er s p ect i va é a li ás b a s ta nt e in s ti n ti vo , exp r e ss i vo e fl e xí v el ( e e n tão q u a nd o o co mp a r a mo s co m o me ti cu lo so Va n E yc k…) ; J o s é Ló p ez - R e y t a mb é m i nd i ca u m fa c to a co n sid er ar : ha vi a 4 5 p in t ur a s ne s sa sal a ( fei ta s p o r M azo , s e nd o a maio r p ar te có p ia s d e R ub e n s ) , ma s Velá zq uez o p to u p o r s ub l i n har a “n ud e z” d o s ap o s e nto s, não mo b il ad o s e se m ad o r no s, co m ex cep ç ão d o s q uad r o s e d o esp el ho na p a r ed e – “es tad o q u e mu i to d i f ici l me n te p o d er ia ser d o q uar to r e al”. C f . Ló p ez - R e y - V e lá zq u ez , p . 2 0 9 e 2 1 7 . U m úl ti mo p o n to f i na l: não e st ar á ta mb é m o p r ó p r io p i nto r d e mas iad o j o v e m p ar a o s se u s j á 5 7 a no s? 655 Éli e Fa ur e - E sp a g ne , p . 1 2 8 . 656 Mic h el Fo uc a ul t - As M en i na s, p . 1 7 . 652 179 Um outro exemplo dessa «inflexibilidade» é o irónico retrato de uma vulgar refeição do soberano: o décimo quarto prato é preparado com todo o esmero e cuidado na cozinha, sendo depois pomposamente escoltado por infindáveis corredores e escadarias até à grande mesa onde o rei almoça, sozinho, diante de toda a corte, que o contempla de pé. É aberto o cadeado que fecha a terrina metálica que o acondiciona, mas após ser examinado pelo seu médico pessoal (que aconselha vivamente Sua Majestade a não comer porco, pode-lhe fazer mal), a iguaria é mandada embora sem sequer chegar a ser provada. Há uma altura do filme onde ouvimos os sinos da Igreja a dar horas, mas mesmo sem esse pequeno pormenor temporal sentimos que todos os acontecimentos são cronometrados 657: lidamos com um tempo austero, «mecanizado », que de certa forma também vai transformando as pessoas em máquinas. Teria porventura Velázquez já notado essa estranha associação entre realeza/máquinas do tempo, quando pintou um pequeno relógio assente sobre uma mesa, discreto no plano de fundo que ocupa o retrato que fez de Mariana de Aústria (1653)? Segundo um crítico, esse relógio “é talvez um símbolo da firmeza e constância que deve guiar a autoridade real” 658. Por outras palavras, a autoridade real deveria agir com a precisão e o ritmo invariável, sem surpresas e «infalível », de um mecanismo construído artificialmente de forma a medir intervalos de tempo. Rebecca Horn também explorará obsessivamente este tempo na sua obra, da qual resultarão as suas instalações com pêndulos, plumas, ovos e espelhos – tornados máquinas. Elegemos estes elementos específicos, mas a artista utiliza muitos outros, todos eles transportando uma forte carga simbólica, que por vezes alguns também apelidaram de alquímica e cosmológica 659. Horn liga as plumas e os 657 Ro s se ll i ni d á - no s u m r etr a to v alo r o so , p o r q u e vê - se q ue go s ta d e e xp l o r ar o q uo tid i a no d a vid a d o r ei: o a co r d ar /d o r mir , o ve s tir / d e sp i r , a d o e nç a e a mo r t e ( d e Ma zar i n) , a i n fl u ê nc ia d a s ua mã e d o mi nad o r a, a d eco r ação , a s r e gr a s d e etiq u eta , e tc. 658 Fer n a nd o C hec a - Dieg o V elá zq u e z d a S il va , p . 4 3 . 659 E ta nto s ma ter ia is m ai s p o d er í a mo s e n u mer ar : b e n ga la s, sap a to s, vio li no s, p ia no s, c ai xa s, b o r b o l et as, f u n i s, ci nz as , t i nt a, l an ça, b as tão , b i nó c ulo s, co mp a s so , 180 ovos a uma “energia eterna” 660 e as suas máquinas a uma vida com uma duração precisa, tal como os homens, o que é uma perspectiva curiosa. Em toda a sua obra há dicotomias constantes, sempre presentes: máquina/homem, artificial/natural, isolamento/comunicação, desejo/restrição, finito/infinito. Há um texto seu que estamos em crer ser uma excelente introdução a toda a sua obra 661. Apesar de ser um pouco longo, transcrevemo-lo na sua totalidade: No h e mi s fé rio su l d o n o s so p la n eta h á u ma e sp é cie b a s ta n t e co mu m d e p á s sa ro s mig ra tó r io s q u e s e p ro p a g a m tã o ra p id a men te q u e a p en a s u m e st ra ta g e ma d a n a tu re za n o s g u a rd a d e u m p e sa d elo h o r ren d o Ca d a a n o ele s es cu rec e m o s céu s so b a Áf ri ca Ocid en ta l On d e se ju n ta m p a ra a s u a p a s sa g e m so b re o Ocea n o A t lâ n t ic o A p en a s u m d éci mo ch eg a à Amé r ica d o S u l n o ven ta p o r cen to ca e m mo r to s d e fa d ig a n o me i o d o ma r n o p o n to o n d e o s cien ti s ta s a s su m em q u e m ilh õ e s d e a n o s a t r á s a g ra n d e te r ra se sep a r o u em d o is co n t in en te s in te ira men te d is tin to s Os p á s sa ro s co meça m f r en et ica m en t e a a n d a r e m c ír cu lo p ro cu ra n d o a su a te r ra lá o n d e já n ã o exi s te o seu in st in to p re s er va d o d u ra n t e m ilh õ e s d e a n o s g u ia n d o - o s à su a mo rt e exa u s ta A p en a s o s ma i s in sen sí v ei s ch eg a m à co s ta . 662 fa ca s, e lec tr i cid ad e, mú si ca … e ta mb é m a ut il i zação d e á g u a, mer c úr i o , en xo fr e, p ed r a o u p ó d e car v ão , q ue faz co m q u e al g u n s cr í ti co s li g ue m as s ua s p eç a s a p r o ce sso s «má g i co s ». 660 R eb ec ca Ho r n e n tr e v is tad a p o r Ger ma n o C ela n t - R eb ec ca Ho r n, p . 1 4 . En tr e v is ta d e 1 9 9 3 . 661 T exto q u e a ar t i sta e scr ev e u p ar a aco mp a n har a s ua o b r a S p i ra l B a th ( 1 9 8 2 ) . 662 Reb e cca Ho r n, t e xto l iv r e me n te tr ad uz id o d o en sa io d e Do r i s Vo n Dr at h e n Reb ecc a Ho r n, p . 6 0 . É i mp o s sí ve l l er mo s e s te t e xto d a ar ti s ta se m p en s ar mo s i med i at a me n te no s t e r r í vei s p ás sa r o s d e Al fr ed H itc h co c k , q u e se v ão mu l t ip l ica nd o a té co n s tit u ír e m u ma ver d ad eir a a mea ça p ar a a p o p u lação , e a co n seq u e nt e se n saç ão d e med o - d e ver d ad eir o p ân ico - q ue p r o vo c a m. 181 É esta “insensibilidade” de ave migratória que caracterizará o seu trabalho, e que acreditamos fazer um elo com a «s ecura» de Velázquez. Em todas as diferenças por demais evidentes, estes dois artistas de épocas tão distintas partilham uma visão cinemática, com o seu espaço altamente pensado (coreografado, barroco 663), a ideia de que a arte é um documento que preserva a memória/História, mas também pode ser uma arma (embora a obra de Rebecca Horn tenha um carácter de “redenção” 664, curativo, tenha um “relógio da revolta”, como afirmou Doris Von Drathen no título de um dos ensaios que dedicou à artista). Ambos têm alguma «frieza», sem por isso deixarem de ter sensualidade. E depois há os aspectos formais: o interesse pela transparência, pela fragilidade do ovo, pela delicadeza das plumas e dos espelhos. Acreditamos que o espelho sempre existiu na obra de Rebecca Horn, mesmo quando parecia não estar lá (material e fisicamente). Como já dissemos anteriormente, ela explora a dualidade, e por isso é natural que o espelho/a repetição/os espelhamentos infinitos/ a simetria sejam um factor recorrente na sua obra. Essa ideia já aparecia numa das suas obras mais belas, uma escultura de nome The Feathered Prison Fan que fez para um dos seus filmes intitulado Der Eintanzer [O dançarino Solitário] (1978), e que é composto por duas ostensivas plumagens brancas, montadas de forma paralela, que revestem inteiramente (e escondem) o corpo de uma jovem bailarina — o leque de plumas de avestruz engolindo-a “como a uma planta carnívora” 665, como afirmou Germano Celant —, ou da esquematização desta mesma obra (para nós, uma das suas peças mais conseguidas até agora) em Peacock Machine (1982): o leque suave das plumas torna-se agora num leque metálico de pavão, programado para se fechar e voltar a abrir de x em x tempo. Na exposição dos Magiciens de la Terre, expõe uma 663 Vej a - se, p o r e x e mp lo , a o b r a i nt it u lad a Mo o n Mi r ro r ( 2 0 0 3 ) , na i ns ta lação d e I gr ej a d o co n ve n to d e S . Do mi n go , P o ll e nça, e na S t. P a ul ´s Ca t hed r al e m L o nd r e s ( 2 0 0 5 ) , o u La lu n e d a n s le la c m i ro i r a u p le in co eu r d e la p e rle ( 2 0 0 0 ) , Av i g no n. 664 Do r i s Vo n D r at h e n - T h e C lo c k o f Re vo l t, p . 5 4 . 665 Ger ma n o Cel a nt - Reb e cca Ho r n, p . 4 1 . 182 formidável escultura circular em aço, que se separa em duas metades que continuamente se abraçam (completando a figura geométrica, clímax que causa uma descarga eléctrica azul), e que se afastam, intitulada Kiss of the Rhinoceros (1989). Quase todos os seus Berlin Exercises, Dreaming under water of things afar (1975-76) se estruturam na ideia de espelho. Sendo um dos seus primeiros trabalhos, observamos como o corpo ainda comanda a máquina, ainda há resquícios de controlo humano. Em The Marionete Exercise, duas bailarinas (as pernas de uma ligadas aos braços da outra por fios, que têm sempre de permanecer esticados durante o exercício) executam movimentos sintonizados frente a frente, tentando manter a pose graciosa das bailarinas clássicas. Em todas as obras que até agora referimos detectamos movimento, ou, mais concretamente, o suave balançar do pêndulo de um relógio. Mas este não embala, é ameaçador e inquietante como as tiras metálicas, afiadas e agressivas, cortantes, do pavão. Mas o espelho também esteve lá. Rooms Meet in Mirrors, um dos seus «exercícios » que fazem parte da obra Berlin Exercises (1974-75) é talvez o exemplo mais conhecido: aqui a prótese extensiva do corpo já não são os fios das bailarinas, mas as tiras de vários espelhos, dos mais variados tamanhos, que literalmente «vestem » um corpo que se move lentamente pelo quarto. Será semelhante a tantas outras obras dos anos setenta que tentaram desbravar o espaço-corpo e conhecer-lhe intimamente as coordenadas, ultrapassando um ponto limite (novamente o pássaro do poema, o seu voo e o seu querer ir mais além, a sua queda?), com a diferença desta obra conter ainda alguma timidez: é um “casulo” protector, afirma a artista numa entrevista 666 (e decerto o fato-espelho, verdadeiro corpo-fortificado, lhe cria uma “distância almofadada” 667 da realidade); é uma armadura, é Rebecca Horn vestida com o escudo de Perseu, afirmamos nós. E, já mais audaz, desejosa de correr riscos e de 666 E n tr e v i sta co m Ger ma n o Ce la n t – Reb ecc a Ho r n, p . 1 8 . B ice C ur i g er - Ge n tl e T r ans f er e n ce: Reb e cca Ho r n. P ar k et t. Zur ic h. I SS N 0 2 5 6 0917. 13 (1987) 54. 667 183 transcender o espaço com a sua nova «elasticidade» visual, olha para um outro espelho, onde se vê a si mesma: a nós só nos chegam fragmentos dispersos que atestam essa sua segunda e mais confortável pele. Mas, a pouco e pouco, o carácter intimista das suas peças vai-se diluindo. As máquinas vão conquistando o seu espaço, vão-se libertando dos homens e conquistando a sua autonomia. Agora têm um lugar preponderante, vida própria. Na instalação Woodpecker´s Ballet (1986-87), assistimos a uma pequena sinfonia de martelos que batem repetidamente nos espelhos, e, quando o fazem, retrocedem muito depressa (porque vêem os seus reflexos e se assustam, como Freud no comboio? 668). É impossível não nos sentirmos ameaçados com estes objectos inofensivos, provocando algum que ruído. sistematicamente atingem os espelhos Ficamos estamos em “perigo alerta: iminente” 669. Nancy Spector argumenta que a sua “gramática mecanicista” não é nem “celibatária” nem “casada”, mas híbrida, numa clara alusão ao Grand Verre (1915-23) de Marcel Duchamp e às máquinas imaginárias de Michel Carrouges 670. Segundo ela, Duchamp criou uma máquina onanista, auto-erótica, celibatária, fechada em si mesma – associal – que evita a todo o custo o comportamento normativo burguês (a monogamia, o casamento, a procriação). Por isso a apelida de máquina “machista” 671. A autora defende o carácter hermafrodita (a inseparabilidade do masculino e do feminino) das máquinas desejantes de Rebecca Horn. Para ela, estas são um “paradigma do híbrido” 672. 668 U m p o n to d e p ar t id a p ar a e sta o b r a fo i a o b ser v ação d a s r ea cçõ e s d e al g u n s d o en te s n u ma cl í nic a p siq u iá tr ic a, q u e q u a nd o o l ha v a m p ar a u m ve l ho e sp el ho d av a m u m sa lto p ar a tr á s, te me nd o a s ua p r ó p r ia i ma ge m. 669 Lyn n e Co o ke ci t. p o r Ré gi s D ur a nd - Re b ecca Ho r n : I m mi n e nt Dan g er . I mmi n e n t D a n ger . I n Ar t P r e ss. P ar i s. I S SN 0 2 4 5 -5 6 7 6 . 3 5 : 1 8 1 -1 8 6 ( 1 9 9 3 ) e1 -e6 . 670 Ma s ta mb é m p o d e r e mo s p e n sar n as as máq ui n as e d es e n ho s i n fe r nai s d e J ea n T in g ue l y, na mu l h er -p l u ma d e Ma x Er n st, na máq ui n a vo ad o r a d e Leo n ar d o d a Vi nc i e na s máq u i na s d e Ra y mo n d Ro u s se l e d e Ro b er t M u lle r . J o s ep h B e u ys , Ka f ka, C a mu s , Ge n et, Do s to i e vs k y e V ir gi n ia W o o l f ( se g u nd o a ar ti s ta) são gr a nd e s i n f l uê nc ia s no s se u s tr ab a l ho s. 671 Na nc y Sp ecto r – Reb e c ca Ho r n , p . 6 6 . ( Ver Ge r ma no Cel a nt , 1 9 9 5 ) 672 Na nc y Sp ecto r - Reb e cc a Ho r n, p . 6 9 . 184 Sim, concordamos: a arte de Rebecca Horn demonstra que prazer e perigo estão inexoravelmente ligados, e as suas máquinas são híbridas, masculinas-femininas, sem preponderância de qualquer um dos sexos. Não, duvidamos: há uma “coexistência igualitária e harmoniosa entre os sexos” 673. E como classificar então a agressividade de The Room of Mutual Destruction (1992) senão como a raiva absoluta de dois amantes, que focam o alvo e atiram a matar? Neste trabalho dois espelhos são colocados frente a frente, próximos um do outro. Perpendicularmente a cada um deles é instalado um pequeno dispositivo móvel em aço que tem no final do seu segmento uma pequena pistola (parecem dois braços mecanizados, que lentamente sondam o espaço, como se quisessem fixar algo ou alguém). Lynne Cooke defende que estas pistolas são a “incarnação do olhar” 674, a forma corrosiva que Horn encontrou para denunciar a visão e a visualidade: o olhar (a sua luxúria, possessão, inquietude) fere 675. [Fazemos um breve parêntesis para dizer que a ideia é exactamente a mesma quando ela “tapa” o olhar: no ano de 1984 faz um projecto para a revista Artforum onde, numa reprodução de uma fotografia de Luis Buñuel por Man Ray, se limita a cobrir com uma pluma os olhos do cineasta, numa clara evocação do filme Un Chien Andalou (1929). Germano Celant conclui que ela quer defender que o olhar deve ser protegido, mas não continuará a ser um olhar que, não sendo cortado com uma faca, continua a não conseguir ver, permanecendo cego?]. 673 Na nc y Sp ecto r - Reb e cc a Ho r n, p . 7 2 . Lyn n e Co o ke - Reb ec ca Ho r n, p . 2 6 . 675 Reb ecc a Ho r n co n vo ca r á, i n ú me r a s vez e s, o s en tid o d a a ud ição , q u e r i val iz a co m a v i são e m a l g u ma s o b r a s ( o s so n s d i sso n a nt e s são cr uci ai s no s e u tr ab al ho ) . Há a té q u e m d e fe nd a u ma ma ter ial id ad e “háp ti ca” n a s ua o b r a, e na e x p o si ção d o s Ma g i cien s d e la Te r re, co m a s ua f o r mid á vel es c ul t ur a c ir c u lar d e aço , q ue s e sep a r a e m d ua s me tad e s q ue co n ti n ua me nt e s e ab r aça m ( cl í ma x q ue ca us a u ma d esc ar ga e léc tr i ca) , e s e sep ar a m, i n ti t ulad a K is s o f th e R h in o ce ro s ( 1 9 8 9 ) co mo Lyn n e Co o ke o u Do r i s Vo n Dr a t he n. O c er to é q ue , co m e la, u ma si mp le s go ta d e ág u a q u e é fo r çad a a c a ir a te mp o s r e g ul ar e s d e u m f u n i l ( d e 2 0 e m 2 0 se g u nd o s) n u ma va s il ha – e aq u i ter e mo s a d i stâ n ci a q ue p er co r r e no e sp aço , e o so m q ue p r o vo c a ao ca ir – g a n ha m u m e st at u to d e e sc u lt ur a . V er o se u t e xto d e scr it i vo d a in s ta laç ão Th e C o u n te r mo vin g Co n ce r t ( 1 9 8 7 ) , e m Kr is ti n e St il es e P eter S el z T heo r ie s a nd Do c u me n t s o f Co n te mp o r ar y Ar t, p . 6 5 2 . 674 185 Seja como for, podemos afirmar que esta estratégia contra a passividade da visão funciona: sentimos que não somos o alvo desta erótica de “mútua destruição”, mas não deixamos de nos sentir intrusos neste devastador fogo cruzado, neste espaço claustrofóbico (tal como no quadro de Velázquez). Apenas os mais insensíveis chegam à costa. Gostaríamos de acrescentar: as suas máquinas cultivam um lado social: não são, de todo, autistas. Citamos a artista: A s m in h a s má q u in a s n ã o sã o fá b ri ca s d e la va g e m a u to má t ica s. Ela s p o s su em q u a se q u a l id a d es h u ma n a s e d e vem ig u a lmen te t ra n sfo r ma r - s e. E la s sã o n ervo sa s e, p o r v ez e s, s ã o o b rig a d a s a p a ra r . S e u ma má q u in a p á ra n ã o sig n if ic a q u e já n ã o fu n c io n a , a p en a s q u e e stá ca n sa d a . O a sp e cto t rá g ico e mela n có l ico d a s má q u in a s é mu i to imp o rta n te p a ra m im . Nã o q u e ro d e to d o q u e fu n c io n e m ete rn a m en t e . 676 As máquinas de Rebecca Horn têm um comportamento errático: funcionam a ritmos diferentes (as máquinas de escrever em The Chorus of The Locusts, I), vida prória (mesa que dança no filme Der Eintanzer), são criativas (máquina que pinta de forma expressiva, jorrando tinta a diferentes intensidades – ou “vomitando tinta” 677, como diz Rosa Olivares da obra Les Amants, 1991). Bruce W. Ferguson afirmou que estas máquinas em movimento “acariciam, dançam, exploram, tacteiam, batem, esmorecem, hesitam, tremem, golpeiam, fazem cócegas, murmuram e vacilam” 678. São melancólicas, trágicas, humanas. Cansam-se. Ficam tristes. Por serem apenas máquinas, ou de não serem homens? Velázquez e Horn: neles vemos uma enorme elegância, a par de uma grande lucidez. Ambas as obras vivem com o «horror», com o arrepio que é o tempo mecânico, tempo que mede com precisão os momentos de uma vida, e que se afasta, lentamente, de todo o tempo «natural »: 676 677 678 as fases da lua, a menstruação das mulheres, etc. R eb ec ca Ho r n, e n tr e v is tad a p o r S t uar t Mo r g a n e m 1 9 9 3 - Reb ecc a Ho r n , p . 2 9 . Ro sa Ol i var es - Reb e cc a Ho r n, p . 2 2 . B r u ce W . Fer g u so n - R eb ecc a Ho r n , T he Gl a nc e o f I n fi n it y, p . 3 1 . 186 Acreditamos que na obra destes dois artistas há uma síntese destes dois elementos. Há a frieza e o peso do pêndulo, mas também há a carícia e a leveza da pluma. Através deles, ainda conseguimos ouvir o “barulho da madeira” (Barthes), a organicidade e a beleza que não se deixa morrer. E há uma menina que nos demonstra isso mesmo, autêntica escultura viva que se passeia na sua saia balão (ou pelo menos, o que resta do seu esqueleto, com rodas e motor), pequena infanta que parece ter saído da pintura do grande mestre espanhol, e que poderia perfeitamente passear-se pelos corredores do Prado visitando a sua gémea pintada. Não é uma obra de Rebecca Horn, mas poderia passar por tal (ver Fig. 39). 187 De Pistoletto a Ricardo Jacinto – o infinito O u n ive r so (a q u e o u t ro s ch a ma m a Bib lio teca ) co mp õ e se d e u m n ú me ro in d e fin id o , e ta lv ez in fin ito , d e g a ler ia s h exa g o n a i s, co m va s to s p o ço s d e ven ti la çã o n o meio , cer ca d o s por p a ra p ei to s h exá g o n o vêe m- se os in te r min a v el men te. A b a ix ís s imo s. p iso s De in fe rio re s d is t rib u içã o e das q u a lq u e r s u p er io r es : g a le ria s é in va riá v el. V in t e es ta n t es, a cin co lo n g a s es t a n te s p o r la d o , co b re m to d o s o s la d o s m en o s d o i s; a su a a ltu ra , q u e é a d o s p i so s , ma l exc ed e a d e u m b ib l io te cá r io n o rma l. Uma d a s fa c es li vr e s d á p a ra u m es t rei to sa g u ã o , q u e va i d es em b o ca r n o u tra g a le r ia , i d ên ti ca à p ri me ira e a to d a s. À e sq u e rd a e à d i re ita d o sa g u ã o h á d o is g a b in e te s min ú scu l o s. Um p e rm ite d o r mi r d e p é; o o u tro , sa ti sfa ze r a s n ec es sid a d es fin a i s. P o r a í p a ssa a esca d a e m e sp i ra l, q u e se a fu n d a e e leva a p erd e r d e vi sta . No sa g u ã o h á u m esp e lh o , q u e fie lm en te d u p lica a s a p a rên c ia s. O s h o men s co stu ma m in fe r ir d e s s e esp e lh o q u e a B ib l io t eca n ã o é in fin ita ( se o fo ss e r ea lm en te , p a ra q u e se rv i ria e sta d u p lica çã o ilu só ria ? ); eu p ref i ro so n h a r que as su p e rf íc ie s p o lid a s rep re sen ta m p ro m ete m o in f in i to … J o r ge Lu i s B o r ge s 679 679 J o r ge L ui s B o r g es - A B ib lio te ca d e B ab e l, p . 6 7 e 6 8 . 188 e O Senhor Espelho nunca sabia o que iria fazer a seguir. Tinha no entanto uma certeza: iria ter um espelho algures. Sempre que alguém lhe perguntava como ocupava os seus dias, fazia questão de responder muito rapidamente e com desenvoltura: — Sou um “fazedor de espelhos.” 680 O Senhor Espelho era muito trabalhador. Gostava de executar o seu ofício com avental de couro, como os ferreiros – a arte deve ser artesã, orgânica, devemos sentir o peso e a marca de uma mão, pois ela também comanda o espírito 681. Gostava, não de construir obras de arte, mas de “liberar” 682. Era uma palavra muito mais certeira, muito mais justa, porque implicava que as obras também tinham um caminho a percorrer, seu, e que o faziam já sem precisarem da sua companhia. A palavra comunidade era uma das suas preferidas (pois envolvia partilha, acção, energia), a par da palavra “restos”. Ninguém mais do que ele acarinhava a ideia de erguer projectos feitos de sobras que ninguém queria. Digamo-lo sem medo: de lixo. Sabemos que o bicho-arte “devorava tudo: nenhum alimento era desagradável ou esquisito – e tudo para ele parecia ser alimento” 683. Também gostava dos movimentos surpreendentes do acaso (deixava-o entrar e passear livremente em sua casa), da travessia, do percurso. A arte, para ele, intersectava-se naturalmente com a sua própria vida, era-lhe equivalente. O Senhor Espelho fazia questão em ter sempre um ponto de partida, mas se alguém lhe perguntasse qual o seu ponto de chegada não o saberia dizer. Tal não o embaraçava de todo: o processo, o efémero, a contingência tinham vindo para ficar. E isso implicava que o resultado final ficasse pelo caminho, meio perdido (senão mesmo esquecido de todo). Desconhecia a palavra «acabado». 680 P is to le tto - M ic he la n g e lo P i sto let to , Co n ti ne n ti d i T e mp o , p . 1 2 9 . C f. He nr i Fo c il lo n - E l o gi o d a Mão , p . 1 1 7 -1 2 0 . 682 T exto d e P i sto le tto - T he M i n us Ob j ec ts ( 1 9 6 6 ) , e m M ic h ela n g elo P isto le tto , Fr o m O ne to M a n y 1 9 5 6 -1 9 7 4 , p . 3 2 4 . 683 Go nça lo M . T av ar e s - O S e n ho r Ca l vi no , p . 2 5 . 681 189 Tinha orgulho no seu sentido de humor, que não era totalmente desprovido de ironia. Afinal, não era qualquer um que arquitectava o seu próprio fim 684. A sua divisa havia-a roubado a um poeta, sem quaisquer remorsos: “Não abras a porta, Se for o sublime diz que não estou” 685 (aqui com muito pouca ironia). Por vezes cruzava-se com alguns habitantes do bairro. Reverenciava (às vezes até lhe fazia uma pequena vénia) o Senhor Duchamp, e a sua grande, magnífica, revolucionária invenção que tinha já qualquer coisa de espelho, no sentido em que se podia “entrar” na obra 686. Perante ele ficava sempre sem palavras. Cumprimentava cordialmente o Senhor Klein quando o via, sentindo alguma inveja do seu voo audaz: um corajoso salto para o vazio 687, de braços abertos, sem medo da acção da força da gravidade – e das suas consequências. Respeitava o Senhor Fontana e o Senhor Burri 688 (o primeiro com seus cortes cirúrgicos sobre a tela que se abriam para o real, o segundo pela forma como evidenciava o lado físico, quase que primitivo, dos materiais). Mas havia habitantes do bairro que evitava. Um deles era o Senhor Minimal — um maçador. E o Senhor Abstracto, esse era um purista empedernido. Ambos viviam em redomas. A eles respondeu com trapos, trapos e mais trapos, das mais 684 A o b r a La F in e d i P i st o let to ( 1 9 6 7 ) e n vo l via u ma sé r ie d e ac to r e s q u e ti n h a m so b a s ua c ar a u ma má s car a co m u ma fo to gr a f i a d o r o sto d o ar ti s ta, e se g ur a va m cad a u m u m e sp el ho , cr i and o u ma s ér i e d e p i sto l etto s q u e se r e f lec ti a m n a s al a ( e la p r ó p r ia fo r r ad a co m a o b r a e sp el h ad a d o ar t i sta ) . 685 Ma n ue l An tó nio P i na - T alve z d e no it e, p . 3 6 4 . 686 Al u são à o b r a Le G ra n d V er r e ( 1 9 1 5 -1 9 2 3 ) , o b r a q ue fe z u so d a tr a n sp ar ê nci a in co r p o r a nd o o e sp ec tad o r . 687 Y ve s K le i n e a s ua fo to gr a f ia i nt it u lad a L ea p in to th e Vo id ( 1 9 6 0 ) . 688 Luc io Fo n ta na ( 1 8 9 9 -1 9 6 8 ) e Alb er to B ur r i ( 1 9 1 5 -1 9 9 5 ) . A o b r a d e P ier o d el la Fr a nc e sca ( 1 4 1 5 -1 4 9 2 ) t a mb é m é u ma r e f er ê nc i a p ar a P is to l et to , ta l co mo o íco n e d as p i nt ur as a nt i ga s. 190 diversas proveniências, cores e texturas: tecidos impregnados de história, de origens, de vivências, de memórias, que acumulava freneticamente em pilhas, de forma caótica, e sob o olhar contrastante de uma deusa de brancura marmórea 689. Pois se ele achava que um simples trapo sujo pode valer tanto como o ouro! Não sabia, portanto, porque é que insistiam em chamar-lhe um material “pobre” 690: para ele era uma matéria cheia de possibilidades, nobre, e era (muito cuidado com esta palavra, tão caída em desuso!) bela. Sim, os trapos velhos, para ele, eram apenas isso: belos, belos “como sons” 691. E a quem lhe dizia o que é que trapos velhos e espelhos tinham em comum, respondia lapidarmente: — Absorvem. O Senhor Espelho sentia que todos os outros tinham tirado partido da janela, enquanto que ele tinha descoberto a porta 692. E pela porta podia-se, das duas uma: entrar ou não. Mas havia essa possibilidade, esse novo espaço que se abria, esse umbral, esse «entre» que ele cobiçava mais que tudo: — Interessa-me a passagem por entre os objectos, mais do que os objectos em si 693 —, dizia muitas vezes. Não simpatizava por aí além com o esbanjamento da sociedade em que vivia — e a bomba atómica? 694 —, e, embora compreendesse e 689 Al u são à o b r a d e P is to le tto i nt it u lad a V en e r e d eg l i S t ra c ci ( “V e n u s o f t h e Ra g s” , 1 9 6 7 ) . 690 A “Ar te P o ver a” r e fer i a- s e não ap e na s ao u so d e ma ter iai s p o b r e s, ma s a u ma co n v icç ão so b r e “p r o p o s içõ e s p o b r e s”. Ci ta mo s Car o l yn C hr i sto v - B a k ar gi e v - A rt e P o ve ra , p . 2 5 : “O ter mo a r te p o ver a i n ici al me n te r e fer i u -s e n ão ao u so d e ma ter ia is «p o b r e s », ne m a u ma cr í ti ca so c io ló gi ca d a so c ied ad e d e co n s u mo , ma s ao co nce ito d e e mp o b r e ci me n to d a e xp er iê n ci a d o mu nd o d e c ad a i nd i víd u o ; i s to i mp l ica a l ib er taç ão gr ad u al d a co n sc iê nc i a d e c ad a u m d e c a mad a s d e p r eco nce ito s id eo ló gico s e teó r ico s b e m co m o d as no r ma s e d as r eg r a s d a li n g ua g e m d e r ep r e se nt ação e d a fic ção ” . O s p r eco n ce ito s t o r na v a m- s e «o b st ác ulo s » a ser r e mo vid o s p ar a alc a nça r u ma co ns ciê n ci a ma is l i vr e. 691 As si m a f ir mo u o ar t is t a e m - Mi c hel a n ge lo P is to l et to , Fr o m O n e to Ma n y, p . 336. 692 Mi c hae l T ar an ti no - M á s Di f íc il q ue so ñar , p . 2 2 . E st e a uto r co n ta q ue P isto le tto se ir r i ta va q ua nd o p e nd u r av a m o s se u s Qu a d r i S p ecch ia n ti co mo s e fo s s e m j a ne la s, q ua nd o er a m p o r ta s, p o r ta s q ue q u alq uer u m p o d ia a tr a v es sar . 693 T exto d e P i s to l et to - Mic h ela n g elo P i s to le tto , Fr o m O ne to Ma n y, p . 3 2 9 . O te xto é d e 1 9 6 8 . 191 apoiasse o Senhor Pop, tinha para com ele certas... reticências (ele atacava o consumo excessivo mas também vivia dele, como um parasita. A estetização da banalidade não o convencia; não pela banalidade em si, a quem ele até faria um hino, mas à própria noção de estetização. Para ele, o impulso vital que procurava tinha de se dar “não em diálogo com as coisas, mas através das coisas” 695). Sim, ele também usou o «menos» minimal, mas de uma outra forma 696, e ousou ir além da mera crítica «pintada». O que propunha era outra coisa. Chamou-lhe “terceira via” 697: já tinha o manifesto escrito e tudo. Houve quem o incluísse num grupo que promovia uma espécie de “guerrilha” 698 no espaço público. Mas o que ele realmente ambicionava era, simplesmente, levar a arte para a rua. Fez uma enorme bola com papel de jornal – uma bola feita de quotidiano, portanto – e levou-a a passear ao ar livre, como quem passeia um cão sem trela. E ela rolava pela estrada com vida própria, juntando pessoas no seu caminho aleatório. Passava por cima de carros, pelo meio da rua, por cima de várias mãos. Ficou tão gasta com as suas 694 U ma fo r ma d e d izer q u e P i sto let to se p r eo c up a co m q ue stõ es r e lac io nad as co m a so c ied ad e, e q ue c r ê q u e a ar t e a tr a n s fo r ma, p o r q ue q u e m vi u co mo p r eo c up aç ão f u nd a me nt al ( e p e so m o r al) a q u es tão d a b o m b a ató mi ca e d o Ho l o c au s to fo i a ger ação a n ter io r a el e. C f. C ar o l yn C h r i st o v -B a k ar gi e v - T hr us t i nto t h e W hi r ld wi nd , p . 2 0 -3 9 . 695 Ger ma n o Cel a nt - Ar te P o ver a , p . 1 9 8 . L i vr o ed itad o p o r Cr i sto v - B a kar gi e v. 696 P is to l et to fe z u ma sér ie d e tr ab a l ho s i n ti t ula d o s Og g et ti in M en o ( t r ad u zid o s co mo “Mi n u s Ob j ec ts ” e m i n gl ês e “Ob j ecto s S ub tr a íd o s ” e m p o r t u g uê s) , o nd e fa zi a a te n ta ti va d e r ec o r r er a e str u t ur a s e le me nt ar e s, d e sco nc er ta n te s p o r q ue não ti n ha m q ua lq uer co ne x ã o e ntr e si ( e le p r ó p r io a fir ma q u e q ua nd o o s e xp u n ha a to d o s ao me s mo te mp o não p ar ec ia m s er d a me s ma p es so a , ma s d e u m gr up o co lec ti vo d e a r t is ta s) . 697 P is to le tto - T he T hir d P ar ad i se ( 2 0 1 0 ) . Ma n i fe sto q u e u ne d o i s te mp o s o p o sto s ( na t ur e za e ar t i fi cia lid ad e) , p r o d uzi nd o u m ter c eir o e sp aço q ue i nd i ca u ma so c ied ad e co m cap a cid a d e d e cr iar u m no vo co n cei to ger ad o r d e e ner g ia . 698 Ger ma no Ce la n t, o p r i me ir o cr ít ico q ue lo u vo u a ar te p o v era p elo se u p o d er co n te st at ár io d o “s is te ma ” e d a r e vo l u ção e s t éti ca e so c ia l q ue t o m o u na s s ua s mão s. C f. C ela n t - Ar te P o ve r a: No te s fo r a G u er r il a W ar ( 1 9 6 7 ) , e m Ar te P o ver a ( ed it ad o p o r C hr i sto v -B ak ar gi e v) , e p r o va ve l me nt e o p r i me ir o a d i zer q ue fa l ho u ne s se seu p ap el, não s e nd o cap a z de s ub v er t er o s i st e ma de p r o d uç ão /d i str ib uiç ão / u so d a ar te, q u e p er ma ne cer i a, se g u nd o o se u p o nto d e v i sta , sep a r ad a d a vid a. 192 viagens que ele teve de a inserir numa outra estrutura mais forte, feita de metal 699. O Senhor Espelho andava sempre muito rapidamente e sem hesitar. Optava por ir pelo intervalo que se situa entre as coisas, dando a ver um outro espaço: um espaço negativo, escondido, negligenciado. E mais uma vez fez uma experiência: virou algumas peças de mobília ao contrário (com a intenção de pesquisar outra coisa que não a mera presença impositiva dos objectos), e neles colocou uma superfície espelhada 700: agora uma mesa também tinha um outro ponto de vista. Gostava de subverter pontos de vista dominantes. Era obcecado por espelhos, e admitia-o. E sobre o tempo. Chegou a dizer a alguém que lhe perguntou o porquê de tal interesse, que a sua obra iria ser sempre sobre espelhos, e que ele iria fazer espelhos até ao fim da sua vida 701. E que a dimensão temporal era fundamental na arte: o tempo pode vestir o espaço 702. O espelho, para ele, tornava-se tão elástico, maleável e reactivo quanto os trapos. E com a sua polidez e o seu refinamento gélido adquiria uma curiosa e paradoxal existência própria. Já não era um instrumento utilizado para que qualquer coisa nele se reflectisse: tornava-se um “corpo” 703. Já não era uma obra entendida como representação, mas um «ser». 699 Re f er i mo - n o s à s d ua s acçõ e s d e r ua f ei ta s e m 1 9 6 7 e 1 9 6 8 ( q u e fo r a m d o cu me n t ad a s no fi l me d e U go N esp o lo Bu o n g i o rn o Mich ela n g e lo , e m 1 9 6 8 ) e q u e se i nt it u la m S cu l tu ra d a P a s seg io , e Ma p p a mo n d o ( 6 6 -6 8 ) . P i sto le tto , e m G ra n d e S fe ra d i G io rn a li ( 1 9 6 6 ) , d e u -l h e o u tr a co nt i n u id ad e, faz e nd o u ma b o l a d e j o r nai s p r en s ad o s tão gr a nd e q ue q ua s e n ão cab ia no e sp a ço mu s eo ló g ico o nd e fo i in s er id a . A li nd í s si ma P ied ra q u e ced e ( 1 9 9 2 ) , b o la f ei ta d e p la s ti ci na q ue va i r eco l h e nd o a s uj id ad e q ue e nco n tr a p e lo ca mi n ho i nco r p o r a nd o -a à s u a “p e le”, d a au to r i a d o ar t is ta me x i ca no Gab r ie l Or o z co , é u ma c o n ti n u ação i nter es sa n te d a s acçõ e s d o ar t i sta i tal ia n o . 700 I n s tal ação no M u se u Ar ago n a P i g na te ll i, Mo b i li Ca p p o vo lt i ( 1 9 7 6 ) . 701 En tr e vi s ta d e H a ns Ulr ic h Ob r i st a P i sto l etto a 2 d e Dez e mb r o d e 2 0 1 0 , d isp o n í ve l e m: ht tp : // v i meo .co m/ 1 7 4 2 2 4 2 1 . 702 Enco n tr o d e P isto le tto e Mic he l Ma f f eso li - Mi ch ela n g elo P i sto le tto C o nt i ne n t i d i T e mp o , p . 1 8 4 . 703 Ent r e vi s ta d e Car lo s V id al a P i st o le tto - O s f acto s i n ici ai s tr aze m co n si go a s s ua s Or i ge n s. Ar te s & Leilõ es . Li sb o a. I SS N 1 6 4 6 -8 1 3 9 . 2 : 9 ( 1 9 9 7 ) 4 8 . 193 Resumo: o Senhor Espelho é agora famoso no seu bairro. As suas obras vendem-se bem, sucedem-se exposições. Mas o seu mundo reflectido também tem uma unidade de valor. Várias dúvidas se colocam a quem o vê passar todos os dias: o nó dessa antiga tribo que tudo minava 704 já se desfez, ou caiu em esquecimento? A sua obra está agora (cuidado, muito cuidado com as palavras!) mais... conformada? Deixou de ocupar um espaço de resistência, de luta, “americanizou-se” 705? Defesa de alguns moradores: Porque é que ter um lugar na cultura industrial é sempre sinónimo de uma obra desinteressante? Ataque de outros: E o lado artesanal/conceptual ao mesmo tempo, tão prezado, para onde foi? Defesa de um: É preciso viver neste tempo, no nosso tempo, e ele exige a reprodução, mesmo que seja de lixo. Contra-ataque de outro: há toda uma frescura que se foi perdendo. Mas é preciso ser muito resoluto para conseguir dizer, como ele o fez: “escrevo para aqueles que se sentam como um Papa e que andam como um Rei (...)” 706. O Senhor Espelho gostava de polémicas. Mas o que é que ele tinha aprendido com o espelho? 1. Que as imagens dos espelhos são todas as imagens possíveis menos elas próprias; 2. Que é necessário cortá-lo e dividi-lo em dois para o próprio espelho se poder «ver» (deixando uma moldura 704 Ce la nt d iz q ue no mo me n to e m q u e o s e u te xto so b r e e ste gr up o d e ar t is ta s es ta va e scr ito j á el e es t av a to ta l me n te co b er to d e b ur aco s d e b ala s. C f . C el a nt Ar te P o v er a, p . 1 9 6 ( l i vr o ed it ad o p o r Cr i sto v -B ak ar gi e v) . 705 C f. B e nj a mi n B uc ho lo h, J ea n - Fr a n ço i s C he vr i er e Ca t her i ne D a vid - Ar t a nd P o lit ic s, p . 6 2 5 - 6 2 8 . 706 P is to le tto - M ic he la n g e lo P i sto let to , Fr o m O ne T o Man y, p . 3 4 7 . 194 que o enquadre, para ele conseguir ter noção dos seus limites 707); 3. Que não há nada mais gratificante do que pegar numa picareta e partir, alegremente, espelhos enormes, enquanto vemos pedacinhos de mundo espalhados por todo o lado 708. (O mundo andava tão depressa). O Senhor Espelho nunca sabia o que iria fazer a seguir. Tinha no entanto duas certezas. A primeira é que iria ter um espelho algures. A segunda é que, “frente a ele, estamos sós” 709. Se há alguém que nos julga, apontando-nos o dedo em riste, é ele. * No princípio era o espelho. No fim também será o espelho. A armadilha foi montada, mas julgamos que Pistoletto a soube evitar. Precisemos: ela foi montada por si mesmo. De todos conhecido como o autor dos famosos Quadri Specchianti (“mirror paintings”, a sua poção mágica de druida 710), delas soube escapar e procurar outras 707 Ver as d i ver sa s o b r a s r eu n id a s p e lo mes mo tí t ulo : D iv is io n e e mo lt ip l ica zio n e d ello sp ecch io ( 1 9 7 5 -7 8 ) . 708 Ver a s ua p er fo r ma n ce n a 5 3 a B ie n al d e Ve ne za, i nt it u lad a T w en ty T wo Le s s T wo ( 2 0 0 9 ) . Da n iel B i r n b au m ( ed i to r ) - Far e M u nd i : Ma k i n g W o r ld s, p . 1 3 4 /1 3 5 . É u ma o b r a q ue p o d e s er li gad a a u ma o ut r a p er f o r ma nce d o s a no s s es s e nt a d e Vi to Aco ncc i i n ti t ulad a S ee Th ro u g h ( 1 9 7 0 ) , e m q u e est e es mu r r a va f ur io sa me n te , co m o p u n ho fec h ad o , u m es p el ho – u ma , d ua s, tr ês vez es , as q u e fo s se m n ece s sár i as até q ue o e sp e l ho se p ar ti s se e d e i xa s se d e r e f le ctir a s u a i ma g e m. Co m a d i fer e n ça q ue e m P i s to l et to n ão há r a i va /ó d io /a n g ú st ia, ne m u m se n tid o d e ver no e sp e l ho u m “i ni mi g o ” a ab at er : há a le gr ia. M as ta mb é m há , ta l vez, d e mas iad o “esp ec tác u lo ” ( ad mi ti mo s q ue n ão é d a s no s s as o b r as f a vo r i ta s) . 709 T al a fir ma P i sto l etto na já me nc io nad a e n tr e vi s ta co m Ob r i st : ht tp : // v i meo .co m/ 1 7 4 2 2 4 2 1 . P ar a nó s, f ico u p o r esc lar ecer d e q u e fo r m a é q u e el e vê o esp el ho q u as e co mo u m eq ui v ale n te a “j ul g a me n to ” e a “r esp o n sab il id ad e ” ( p o r v e nt ur a o se u se n tid o cr i st ão , é ti co , a e mer g ir ? ) 710 E st as o b r a s são , s e m d ú vid a, as mai s es t ud ad as d e P is to l et to , e s tab e lec e nd o u ma r ela ção e sp e ci al co m a fo to gr a f ia/p i nt ur a e co m a p r ó p r i a so ci ed ad e . A ut il iza ção d e u ma i ma ge m fo to gr áf ic a i n ser id a e m p l aca s d e aço i no xid á vel fa z co m q ue 195 formas de encarar esse medium que sempre o atraiu, o espelho. E é o próprio artista a admitir que o espelho, muito mais do que um material, é um “território de visão” 711. Falaremos aqui de duas obras com uma componente escultórica e uma ligação ao tempo muito fortes. A primeira insere-se na exposição intitulada Le Stanze [“The Rooms”, que poderá ser traduzido como “As Salas” ou “Os Aposentos” na nossa língua]. Pistoletto decide fazer uma exposição um pouco fora do comum — introduz-lhe um tempo específico (de Outubro de 1975 a Setembro de 1976). Comprometia-se a fazer, durante um ano, doze exposições no mesmo espaço, todas interligadas entre si. É a primeira vez que usa o espelho «nu », sem qualquer intervenção da sua parte (aplicação serigráfica de uma fotografia). E tal deveu-se à arquitectura da própria galeria, que incentivava a perspectiva e o jogo ilusionista: três salas que abriam para um eixo central, onde a passagem de uma para outra era feita por uma porta. Escolhemos referir-nos à sua terceira exposição: Padre, fliglio e creatività (03-12-75), que mais não será que o encontro de um filho e de um pai: Pistoletto grava a palavra “Figlio” no cimo da porta (três vezes, tantas quanto as passagens), e coloca um espelho no final do percurso. Quem percorre o espaço até ao fim — e esse será o objectivo, percorrermos o espaço até quase nos fundirmos com a superfície reflectora — vê os vários reflexos, mas a palavra que nos é dada é a de “padre”, pai. Citamos Pistoletto no texto que apresentou para a exposição: “Cada homem é o filho do filho, do filho, do filho, e transporta consigo o pai do pai, do pai, do pai, do pai” 712; explica também que é através do ponto de vista do filho que olha para o trabalho, e que não podemos ser f i g ur a e f u nd o co e xi st a m n u m e sp a ço i n st á vel , e m p er ma n e nte mu d a nça . São o b r a s q ua se q ue ci ne má t ica s. Mu ito ma i s h a ver ia a d izer ; r e me te mo s o le it o r p ar a o s se g u i nte s ca tá lo go s : Mic h ela n g elo P i sto let t o : Mir r o r P ai n ti n g s ( 2 0 1 1 ) , e Mic h ela n g elo P i s to le tto e la Fo to gr a f ia ( 1 9 9 3 , co m te x to s d e J o r g e Mo ld er e d e J ean - Fr a nço i s C h e vr i er ) . 711 Enco n tr o d e Mi c hel M a f fe so li e P i sto le tto - Mi ch ela n g elo P i sto le tto , C o nt i ne n ti d i T e mp o , p . 1 8 5 . 712 Ver te xto d i sp o ní v el no se u s ite : ht tp : // www. p is t o let to .i t/ e n g/ te st i/ t he_ r o o ms.p d f 196 inteiramente pais até termos caminhado todo o comprimento do caminho dos filhos. Inferimos que nos é dada a hipótese de «vermos » o presente (o espelho), mas também de chamarmos a memória e evocarmos outros tempos, outras vidas. Segundo esta lógica, e fazendo uma ponte com o nosso primeiro capítulo, leríamos Telémaco-Ulisses-Laércio, mas também poderíamos ler Laércio-Ulisses-Telémaco: podemos sempre ir em ambas as direcções, o caminho fazemo-lo nós. Com a condição dos nossos passos serem aqui a nossa «medida» do tempo, cada vez que passamos uma porta. E não diremos como Dante na entrada da porta do Inferno: Deixai toda a esperança, vós que entrais 713. A outra obra, incluída na série dos “Oggetti in Meno”, intitula-se Metrocubo d’infinito (1966). É um cubo composto por 6 espelhos; um cordel forma um “x” em cada uma das suas seis faces. O espectador reconhece que as faces do cubo estão formados por espelhos graças aos segmentos que se estendem mais além da face superior e dos lados: isto porque os espelhos (pequeno pormenor) estão voltados para dentro. O espaço interior deste sólido geométrico, a acreditarmos no artista, equivale a um metro cúbico (de infinito). Transcrevemos a forma como o artista vê esta sua obra: “O metro cúbico é algo que não é visível. Não é um cubo de espelhos que reflectem o exterior, são espelhos que se reflectem entre si do interior; é um espaço onde o espelho se torna autónomo. Começa a criar o mundo, espaço minimal, espaço minimal que se multiplica até uma totalidade. O que acontece no interior é exclusivamente para a mente, para o pensamento, porque os jogos não conseguem entrar. É um símbolo fenomenológico” 714. Acrescentaremos também que, para Pistoletto, cada trabalho deste grupo heterogéneo exibe a sua própria contingência 715: cada objecto pretende levar a cabo uma acção, mas esgota, levando ao limite, as possibilidades dessa mesma acção. Poderá ser um conceito 713 Da n te - A D i vi n a Co mé d ia, p . 4 7 ( I n fer no , I I I , 1 -1 0 ) . Enco n tr o d e Mi c hel M a f fe so li e P i sto le tto - Mi ch ela n g elo P i sto le tto , C o nt i ne n ti d i T e mp o , p . 1 8 7 . 715 Gab r iel e G u er ni co - Mi ch ela n g elo P is to l et to , Fr o m O ne to M a n y, p . 1 1 3 . 714 197 confuso para quem olha para todos os objectos por ele criados (tão diferentes entre si, sem qualquer relação uns com os outros, de tal forma que parecem ter sido feitos por pessoas diferentes: o Mosquera de Pirandello passeia-se por aqui), mas em relação ao metro cubo será muito simples: é um cubo interiormente forrado de espelhos, com a possibilidade de tudo ver, nos mais diversos ângulos possíveis — um olho perfeito — mas que «não vê», e que destrói e mina a própria ideia de reflexão, de duplo, e de desdobramento. Lancemos este singular cubo ao ar, e deixemo-lo cair nas suas várias faces, uma por uma: Face 1 – A gaveta que o Senhor Juarroz mais prezava era uma gaveta para guardar o vazio. Ele próprio dizia, convicto: — Quero encher esta gaveta de vazio 716. E é claro que a sua esposa, atrapalhada com a falta de espaço que existia em casa, protestava com aquilo que considerava ser “uma péssima utilização do metro quadrado” 717. Pistoletto também dá esta in(utilidade) à sua obra. Também ele poderia dizer: — Quero uma caixa para guardar todas as imagens possíveis. (E talvez a caixa lhe respondesse: Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo) 718. Face 2 – Tudo pode ser reflectido no espelho. Carlos Basualdo afirma, e damos-lhe razão pela sua lógica, que é “como se a própria noção de “possibilidade” fosse encapsulada 716 primordialmente Go nça lo M . T av ar e s - O S e n ho r J uar r ez, p . 1 3 . Go n çal o M. T a var e s - O Se n ho r J u ar r ez , p. 13. 718 Fer n a nd o P e sso a - T ab a car i a, p . 3 7 . 717 198 na superfície reflectora” 719; mas sabemos também a “luz tem de encontrar um corpo em que possa pousar para se reconhecer” 720 (Pistoletto). A luz não consegue entrar neste cubo; não consegue encontrar nenhum corpo, logo não se reconhece. Este cubo não reflecte, porque a luz não entra. Diríamos, portanto, que a impossibilidade é encapsulada neste cubo humano, feito à nossa escala. Face 3 – Somos aprisionados (em pensamento) num nada que tudo é. Tal lembra-nos um personagem inesquecível de um conto de Herman Melville, Bartleb y, o escrivão eficiente, inofensivo e silencioso como as velhas cadeiras do escritório onde trabalhava incansavelmente, dia e noite, noite e dia, sempre “esfomeado por algo que copiar” 721. Copia à luz do sol e à luz da vela, até ao dia em que diz ao seu chefe (quando este lhe pede para conferir um determinado documento), com a sua voz suave: — Preferia não 722. (“I prefer not”, responde sem qualquer vestígio de insolência). E a resposta repete-se, vezes sem conta, com muito poucas variações, quando lhe é pedido (e depois ordenado) que faça algo. Bartleby elimina da sua estranha resposta o verbo «querer», e introduz o verbo «preferir ». Escrivão que reivindica preferir não copiar, e se torna folha em branco, virtualmente ilimitado. Poderia copiar, mas prefere não o fazer. Giorgio Agamben analisou este texto de forma exemplar, centrando-se na ideia de contingência: “Um ser que pode ser e, simultaneamente, não ser, chama-se, em filosofia primeira, contingente. O experimento, em que Bartleby nos arrisca, é um experimento de contingência absoluta” 723. E, um pouco antes, afirma e desenvolve que esta ““potência do não” é o segredo cardeal da doutrina 719 Ca r lo s B a s ua ld o - Mic h ela n ge lo P i s to le tto : Fr o m O ne to M a n y, p . 1 0 . T exto d e P i sto le tto cit . p o r J ea n - Fr a nço i s C he vr ier - Mi c hel a n ge lo P i sto le tto e la Fo to gr a fia , p . 1 2 4 . 721 Gio r g io Ag a mb e n - B ar tleb y, E scr ita d a P o t ê nci a, p . 8 3 . 722 Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 8 9 . 723 Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 3 5 . 720 199 aristotélica sobre a potência, que faz de toda a potência, por si mesma, uma impotência” 724. Não debateremos as aporias deste conceito (o facto de ser impossível realizar a potência no passado ou a questão da necessidade condicionada), é nossa intenção de frisarmos apenas que este cubo herda algo do escrivão pálido: pode mostrar, mas prefere não. Resta-nos a nós fechar os olhos e ter como companhia a potência do pensar. Face 4 – Desenhemos uma possível constelação artística de toda esta aridez: • A “negrura cúbica” 725 deste cubo remete para o “Quadrado preto sobre fundo branco” (1915) de Kazimir Malevich, como tão bem sugeriu um crítico; • Sabemos que é alvo de um processo (reflexão), tal como o Condensation Cube (1963-65) de Hans Haacke; • É um cubo-jaula que poderá lembrar as jaulas espaciais desenhadas rápida e agressivamente pelo pincel de Francis Bacon; • Sol LeWitt enterrava solenemente um cubo em Buried Cube Containing an Object of Importance but Little Value (1968), o que causava perplexidade e curiosidade: o que estará guardado lá dentro? Também aqui há um «dentro » sobre o qual especulamos; • A lâmpada de Alighiero Boetti, que apenas se acendia, se não estamos em erro, 11 segundos por ano, de forma aleatória (Lampada annuale, 1966), causando embaraço e expectativa no espectador, também terá uma filiação nítida com esta obra: estamos a ver, mas não estamos a ver tudo; • E por fim, os famosos cubos espelhados de Robert Morris Untitled (Mirror Cubes, 1965), o reverso da medalha: cubos espelhados na sua face visível ao olhar, camuflados no espaço onde se inserem (e que foram, posteriormente, quebrados por Jeppe Hein, in Broken Mirror Cubes, 2005); 724 725 Her ma n M el vi ll e - B a r t leb y, p . 1 3 . Mic h ae l T ar a nt i no - Má s d i f íc il q u e so ñar , p . 2 7 . 200 • Este cubo é todo ele metalizado, frio, mas há um pormenor que se destaca: o cordel que o envolve em forma de cruz, o seu lado orgânico que sobressai discretamente, e que talvez remeta para o magnífico cubo feito com uma tonelada de folhas de chá (e da longa história da antiga China Imperial) de Ai Weiwei, Ton of Tea, obra de 2005. Face 5 – Quando nos encontramos “entre um diante e de um dentro” 726: exercícios de tautologia e de crença. Segundo o filósofo Georges DidiHuberman, há duas formas muito específicas de encarar a imagem. Ou como o: • Homem da tautologia (leitura fechada). O volume visível que se encontra diante de mim, um cubo cinzento, não é outra coisa senão o que lá vejo; há uma reacção de indiferença, de não questionamento, de recusa da aura do objecto (e da temporalidade, do trabalho do tempo e da metamorfose, do trabalho da memória). “Este objecto que vejo é aquilo que vejo, ponto final e pronto” 727. Não há equívocos: os objectos não mentem, não escondem. Estamos diante do olho de Breton, idealista, esse “olho que existe no estado selvagem” 728, como ele afirma logo na primeira linha do seu ensaio sobre a pintura surrealista; • Homem da crença (leitura mística). o homem que verá sempre outra coisa para além daquilo que vê. A reacção de S. João quando viu o túmulo vazio de Cristo: et vidit, et creditit 729 (ele viu, e ele acreditou) poderá ser um exemplo. Esse túmulo esvaziado de um corpo apontava para o deus morto e, ao mesmo tempo, para o deus ressuscitado. 726 Geo r ge s Did i -H ub e r ma n - O q ue nó s ve mo s, o q ue n o s o l ha, p . 2 1 3 . Did i -H ub er ma n - O q u e nó s ve mo s , o q ue no s o l ha , p 2 0 . 728 And r é B r eto n - Le S ur r éal is me e t la P e i nt ur e , p . 1 . 729 Geo r ge s Did i -H ub er ma n - O q ue nó s ve mo s, o q ue no s o l ha, p . 2 3 . 727 201 Nas duas formas de «ler » uma obra não devemos glorificar nem uma nem outra, mas superar o dilema através da imagem dialéctica, “inquietar-nos com o entre” 730 – o que nós vemos e o que nos olha. Porque aquilo que vemos pode ser diferente daquilo que nos olha, como refere o título do seu ensaio 731. Face 6 – Gostamos (secretamente) de pensar que esta sexta face do cubo encerra a obra Parque (composto por três peças performativas: Peça de Embalar, Atraso e Os, 2001-2008) de Ricardo Jacinto, bela como um som, habitada por sons (estranhos, desconexos, cavernosos, uterinos). É para ela que agora caminhamos, sentando-nos na plateia reservada aos espectadores deste evento, mas não sem antes atentarmos a uma noção essencial à sua obra, a de partilha. Ricardo Jacinto é um artista pouco comum, a vários níveis. É muito pouco frequente, no universo da arte contemporânea, ver artistas que optem por trabalhar com outras pessoas, não a um nível provisório mas como um modo de «operar», e Jacinto trabalha quase sempre em grupo ou parcerias, com músicos, arquitectos, bailarinos, artistas plásticos, privilegiando a ideia que a contribuição de pessoas de áreas diferentes apenas enriquecem um determinado projecto, e não lhe retiram qualquer aura enquanto autor (pense-se também no grupo Lo Zoo de Pistoletto, que era também isso: o encontro e a troca que pode existir entre diferentes pessoas). Como afirma Bruno Marchand “o artista cultiva uma consciente e necessária contaminação de meios, instrumentos, disciplinas, processos e mesmo posições autorais” 732. Ficamos perplexos: será o mesmo Ricardo Jacinto o autor do surpreendente Desenho Interrompido (água que circula através de uma mangueira transparente, 2005), da peça Labyrinthitis #2 733, ou do 730 Did i -H ub er ma n - O q u e nó s ve mo s , o q ue no s o l ha, p . 5 8 . Est e a uto r e xe mp li f ic a es ta q ue s tão d a se g ui n te fo r ma: St ep he n Ded a l u s , p er so n a ge m d o Ul is s es d e J o yce, ve nd o o mar q ue s e a fa s ta. Aq ui lo q ue o o l ha, n o en ta n to , é a mã e q ue mo r r e. H ub er ma n – O q u e nó s ve mo s, o q ue no s o l ha, p . 2 1 2 . 732 B r u no Mar c ha nd - O Co r r ed o r , p . 3 . 733 Aq ua nd o d o no s so e nco nt r o co m R ic ar d o J ac i nt o , es te fez - no s v er q ue es ta p e ça ta mb é m co n ti n h a a id e ia d e esp e l ho , o q ue no s t in h a p a ss ad o d esp er c eb i d o . A p e ça é d i vid id a e m d o i s l u ga r es, cr ia nd o u m d iá lo go en tr e o ( d e s) eq u il íb r io fe ito p elo s b alõ e s d e h élio a q ue a s p e sso as se p o d e m a gar r ar - co lo cad o s no p át io - e v ár io s 731 202 Liboscópio (feita em parceria com o arquitecto Pancho Guedes para a Bienal de Arquitectura de Veneza)? Há uma clara impregnação de uma identidade por uma pluralidade, mesmo nele, já que o artista é um… e vários (arquitecto, músico, artista plástico), e por vezes evidencia mais uma das vertentes, noutras outra, mas cremos que permanece quase sempre, em todas as suas obras, a ideia de jogo, de surpresa, de efémero e de imaterialidade. O artista diz-nos que as suas influências não vêm da área das artes plásticas, mas sobretudo da música 734, o que não deixa de ser curioso, porventura invulgar. Não estamos certos que ele concorde com a nossa posição, mas sentimos que há um gosto por “materiais” sem matéria a que nos possamos agarrar (o som ou a força da gravidade, por exemplo). Há também a ideia de prazer: o artista pensou profundamente nas obras, divertiu-se a projectar e criar as obras, e isso transparece e fica como que gravado nas mesmas. O veículo Unidade 735 é demonstrativo disso: uma máquina-betoneira, de um amarelo vivo, preparada para que as pessoas façam aquilo que mais desejam muitas vezes numa exposição ao ar livre: sentar-se e conversar (e novamente pensamos em Pistoletto, e na sua humorística Struttura per Parlare in Piedi, 1965-66). Apenas acrescentamos que as suas parcerias e «ligações » resultam efectivamente (para outros quaisquer tantas vozes e egos dissonantes seriam algo muito próximo de um pesadelo), e portanto deixam de ser utópicas para passarem a ser projectos concretizados. Há uma partilha dos limites de cada um, como diria p eq u e no s esp el ho s c ir c u lar e s a gr e gad o s a u m e i xo q ue g ir a ( si t uad o s n u ma sa la no p iso s up er io r , e n ão e v i d en te s no víd eo q ue i nd icar e mo s ) q ue p o d er ão en f at izar a id ei a d e p er d a d e c hão ( ná u s ea, a ns ied ad e) p ar a q ual a o b r a ma i s «mo n u me n ta l » ap o n ta. E st a o b r a fo i i n st alad a n a Ma n i fat t ur a T ab acc hi, p er te nc e nd o à mo str a d a Ma ni f es ta 7 ( Ro v ar e to , I t ál ia) . Ver : h t tp :/ / ww w. r i car d o j ac i nto . co m/ ma i n p r o j ects /p r o j ec ts /l ab yr i n th it i s/ lab yr i nt h it is -2 - 2 734 Os tr ê s no me s q ue Ri c ar d o J aci n to r e fer i u d ur an te o no sso e nco nt r o f o r a m: o co mp o s ito r i ta lia no G ia cci n to Sce l si ( 1 9 0 5 -1 9 8 8 ) , o v io lo nc el i sta a me r ica no Fr ed Lo nb er g -Ho l m ( n . 1 9 6 2 ) – q ue a f ir ma no se u si te o f ic ia l ser u m “a nt i vio lo nc el is ta ” – e o co mp o si to r a mer i ca no St e ve R eic h ( n. 1 9 3 6 ) . E s cu sad o s er á d izer q u e J o h n Ca g e , c o m o s e u t r ab a l ho r i go r o so e o se u p e n s a me n to d a mú s i ca enq u a nto i nd e ter mi n aç ã o ta mb é m é u ma r e f er ê n cia i mp o r ta nt e p ar a o ar t is ta. 735 Ob r a p r o j e ctad a p ar a G ui mar ã es Cap i ta l d a C u l tu r a 2 0 1 2 . 203 Jean-Luc Nancy 736, mesmo que a ideia de «comunidade » seja sempre uma ideia impossível. Ricardo Jacinto teve, na «trilogia» Parque e segundo a nossa opinião, a ousadia de fazer dos elementos da sua cenografia escultórica mais do que meros «adereços »: eles existem para serem tocados, vivenciados e sentidos, tudo isto num determinado espaço físico e em tempo real (para o espectador que assiste ao concerto). Este último estava alheio à partitura precisa e detalhada que o guiava — a ele e aos seus colaboradores —, mas intui o seu lado dinâmico, efervescente, gestual; este esquema também é um desenho onde tudo é possível de acontecer, e onde nada nos levaria a pensar que passaríamos a fazer parte de uma complexa engrenagem maquinica de reflexos, sons e luzes, que nos envolvem vindos de todo o lado e de todas as direcções. De repente, estamos imersos num caleidoscópio visual e sonoro, num tempo que remete para Orson Wells e para o seu complexo labirinto de espelhos onde ninguém sabe muito bem onde está (recomendamos que se veja o vídeo para uma melhor compreensão do que estamos a afirmar 737). É difícil não vermos o espelho desta obra como uma escultura geradora de um “desvio perceptivo” 738, como afirma o crítico e curador Delfim Sardo: “trata-se, de facto, de um elemento escultórico no sentido mais próprio do termo, um dispositivo tridimensional que afecta o espaço: trata-se de um espelho de grandes dimensões que reflecte o público e se destina a ser percutido por detrás, devolvendo permanentemente a sala e os espectadores de forma deformada e trémula, alterando, portanto, a percepção da sala e de si próprios pelos espectadores” 739. Tudo é feito no sentido de fazer agir elementos que porventura, possam parecer «passivos »: os focos de luz mexem-se como se fossem um instrumento, iluminando algumas 736 pessoas (mais ou menos J ea n - L uc Na n c y - T h e I no p er at i ve Co m mu n i t y ( 1 9 8 6 ) , p . 6 9 . Di sp o ní v el e m: ht tp : // www. r icar d o j a ci n t o .co m/ ma i np r o j ec t s/p r o j ect s/p ar q ue /p ar q ue O fi l me ac i ma cit ad o é d e Or so n W e ll s , Th e La d y Fro m S h a n g h a i ( 1 9 4 7 ) . 738 De l fi m Sar d o - F ur t h ur . T este e Co mu n i d ad e n a o b r a d e Ri car d o J a ci n to , p . 3 5 4 . 739 De l fi m Sar d o – c it. 7 3 9 , p . 3 5 5 -6 . 737 204 intensamente), deixando na sombra outras; o grande espelho suspenso que confronta deformante a plateia torna-se um (para quem assiste) mas objecto também visual, sonoro e táctil (para o percussionista que o toca). Este espelho não tem cordas, mas é tocado como se fosse um instrumento musical, com baquetas de madeira ou de feltro, macias ou duras, que embatem num determinado ponto, com mãos que riscam as costas da sua superfície com maior ou menor velocidade, que lhes batem com o punho fechado, que atravessam toda a sua área subindo ou descendo, ou que se concentram apenas numa pequena zona; que deixam o som ressoar pelo espaço ou que agarram a parte inferior do espelho de forma a abafá-lo. Sentimos o espelho a vibrar, literalmente, e nós também vibramos, sentindo o movimento embalado, de vai-e-vem de um berço de sons e imagens. Sim, somos embalados — de forma quase hipnótica — por um espelho. Nestes três espaços distintos desta obra (espelho, plateia e palco) há três monitores; dois que estão ao lado do percussionista e lhe permitem ver o baixista e controlar as variações na superfície espelhada (pois o monitor está ligado a uma câmara que lhe mostra um plano aberto sobre o espelho); e um terceiro, que permite ao baixista ver o percussionista. Actuam assim a várias vozes, mas tendo noção do que os outros elementos do grupo estão a fazer nesse mesmo momento, para se poderem situar e adaptar o seu próprio campo de acção. O espelho, nesta obra, torna-se um mapa com um detalhe impressionante (aconselhamos vivamente que se vejam as suas notas de execução 740), com caminhos precisos e nítidos a serem percorridos, mas também com espaço livre, determinado a ser preenchido com os caminhos a explorar sem qualquer guião fixo. * 740 C f. Ri car d o J a ci nto - De sen h o , F u nd aç ão C ar mo na e Co st a, s / mar cação d e p ág i na s. “E SP E LH O SU SP E N SO : no t a s d e e xec uç ão .” 205 Metrocubo d´infinito já foi mostrado em diversos locais, que certamente condicionam a nossa forma de olhar para ele (não o podemos esquecer, portanto repetimos: somos sempre um sujeito que olha). Como achamos que tem qualquer coisa de cubo “metafísico” (e adoptamos aqui a teoria do homem crente, de Huberman) cremos que se enquadra muito bem no ambiente do centro de meditação para várias religiões, projectado por Pistoletto, para doentes oncológicos (mais do que numa espécie de Mirrored Room 741, como também já foi apresentado, que apenas lhe acrescenta um ruído excessivo). A Pistoletto apenas colocaríamos, se tivéssemos a oportunidade, uma única questão: porquê metro cubo de infinito? Diz-nos Jorge Molder: “Não podemos ver o infinito que o cubo encerra mas adivinhamos o seu funcionamento, a mecânica imparável e infinita de repetição de reflexos.” 742 Ou seja, vemos uma unidade que podemos medir (1 m 3), mas que atenta o incomensurável (o infinito contido no seu interior). Talvez uma resposta seja dada pelo simples facto da superfície reflectora que contém nesse «dentro » que não vemos «representa» e «promete» o infinito, como afirmou Borges. Talvez seja tão simples quanto isto. Condenado a nunca acabar (a ser um fígado de Prometeu 743), esta obra demonstra-nos que afinal o infinito poderá estar mais perto de nós, apenas não nos permite um face a face. Para finalizar, recorremos novamente a um cubo. Robert Morris fez em tempos uma obra que tinha, encerrado no seu interior, os sons da sua própria feitura 744. Apenas nos resta dizer que o cubo de Michelangelo Pistoletto poderia perfeitamente conter toda esta obra de embalar de Ricardo Jacinto. Para serem totalmente equivalentes, e o turvamento do ver pudesse ser igual ao turvamento do ouvir, talvez pedíssemos ao artista português para escrever uma nova 741 Ob r a d e L uc as S a mar r a s ( 1 9 6 6 ) . J o r ge Mo ld er - Mi c hel a n ge lo P i sto le tto e l a Fo t o gr a f ia, p . 2 9 . 743 C f. Ka f k a - P r o me te u, p . 4 1 . O fí g ad o d e P r o met e u, d iz a le nd a, es ta va co nd e nad o a ser e ter na me n te d e vo r ad o p o r á g ui a s f a mi n ta s – e co n s ta nt e me n te r eno v ad o . 744 Ro b e r t Mo r r i s - B o x Wi th th e S o u n d o f it s O wn Ma k in g ( 1 9 6 1 ) . 742 206 partitura, um novo desenho, desta vez com infra-sons ou com ultrasons 745. Ao espectador pediríamos que, simplesmente, acreditasse que conseguia entrar nessas ondas de som que se propagavam sem fim. 745 O o u vid o h u ma no ap e n a s co ns e g ue o u vir so n s d e 2 0 a 2 0 0 0 0 Hz. Os so n s q u e se si t ua m a ci ma o u ab ai xo d est a f r eq uê n cia são c h a mad o s d e u ltr a - so ns e in f r a - so n s, r esp ect i va me n te , e n ão s ão p o r nó s a ud í vei s. 207 De Marina Abramovic a Cecília Costa – a imobilidade S imeã o E s ti li ta p e r ma n ecia d e p é n u m p i la r. Du ra n te t rin ta a n o s ma n te ve - se n o cu me m o n ta n h o so d e T eln e s in , n a S ír ia , a n o rt e d e An tio q u ia , d ia e n o it e , em vig í lia co n s ta n te , esp eca d o d e p é n u m a co lu n a c o m q u a se d o i s met ro s d e a l tu ra : e ra a ima g em vi va d o C r is to cru c if ica d o . E s te n ã o fo ra o s eu p r im ei ro a c to d e so f r im en to e m n o m e d e Deu s. « F a min to e sed e n to , a o ca lo r e a o f ri o , d e fo r ma co n s ta n t e e in ce s sa n te , sú p l ic e, se m in te r ru p çã o e to d o o temp o d e p é, d u ra n t e cin q u en ta a n o s, d ia e n o ite, b a n iu o so n o d o s o lh o s e o rep o u so d o co rp o » , co n fo r me in s i st e o s eu b ió g ra fo . Pa s so u n o ve a n o s n u m mo st ei ro a jeju a r « em ma ra vi lh o sa d i sc ip lin a e p rá t ica s rig o ro sa s» . E m s eg u id a , p er ma n ec eu d ez a n o s d e p é a u m ca n to d o p eq u en o mo s tei ro p e rto d e Tel n e sin , à s ve ze s n u ma cela . P a ssa ra d ep o is s ete a n o s d e p é n u m p ila r min ú scu lo . P o r f im, m u d a ra - se p a ra a q u el e p ila r co m ce rca d e d o i s met ro s, so b re o q u a l v iv eu a té mo r re r, e m 4 5 9 . Si mo n Go ld hi ll, i n A mo r , S exo e T ra g éd ia 746 Era d e n o it e e u m h u mi ld e se r vo sen to u - se so b o Ra sh o mo n [ p o r ta s d a cid ad e ] , à e sp e ra q u e a ch u va t er min a s se. R yu n o s u ke Ak u t a ga wa , in Ra sh o mo n 747 746 747 Si mo n Go ld hi ll - Amo r , Se xo e T r a géd i a, p . 1 2 7 . R yn o s u ke Ak u t a ga wa - Ra s ho mo n e O u tr a s Hi st ó r ia s, p . 9 . 208 Marina Abramovic tem muito de Simeão Estilita. A sua obra está unida, através de um laço desenhado a sangue, à figura sacrificial, ex tremista e ascética deste santo que, estoicamente, se recusou a viver fora do espaço restrito de um simples pilar no deserto sírio (sobrevivendo primeiro num pilar “pequeno” e depois num pilar “minúsculo”). Disciplina, rigor, meditação, espera: porventura serão palavras eleitas da artista. Transcendência, também? Talvez. Tudo é feito para que a mente seja elevada a um novo patamar mental, onde atinge um ponto “onde o pensamento falha, e onde o cérebro tem de desistir” 748, segundo palavras da própria artista. Que consiga efectuar esse salto libertando-se das amarras condicionantes do tempo, e que o consiga suster, segundo as nossas próprias palavras. Indiscutivelmente, ela é a artista que consegue passar para o outro lado do espelho. O seu «tudo aguentar » — ou o seu corpo com queda para o martírio sádico, apático 749 — é um claro sinal disso mesmo. Marina Abramovic fica sentada numa minúscula reentrância de uma rocha inóspita e desconfortável, situada a grande altura do solo (ver Human Nest, 2001), assemelhando-se a Simeão no seu pilar. Mostra a sua força mas também a sua vulnerabilidade, tal como Simeão porventura exibiria a sua vontade superior e as suas orgulhosas chagas expostas ao sol. Mas o santo crê percorrer um caminho que lhe dará uma qualquer «salvação », enquanto que a artista sérvia persiste em nome de...? Há qualquer coisa nela que nos lembra o maravilhoso conto de Kakfa (irónico, humorístico, e algo perverso) intitulado Um Artista da Fome. Fala de um artista que queria espantar o mundo, e conquistar a glória pelo simples facto de passar uma fome sem precedentes, superando-se a si próprio “até roçar o incompreensível” 750, já que a sua capacidade de passar fome não conhecia limites. Marina Abramovic facilmente ganha este pódio de melhor artista da fome — medalha de ouro da maior resistência, do maior esforço — pela sua prestação em 748 749 750 Mar i na Ab r a mo v ic - Ma r i na Ab r a mo v ic , St at e m en t s/ /1 9 9 2 , p . 2 1 2 . Ver te se d e me s tr ad o d a au to r a - M ar i na Ab r a m o vi c : e n go l ir a d o r , p . 8 1 -8 7 . Fr a n z K a f ka - U m Ar t i s ta d a Fo me , p . 2 3 . 209 performances que são cada vez mais exigentes, que visam a ruptura com o limite: e sim, ela também jejua dias a fio, ela também faz uma abstinência da fala. Sobretudo, o que mais nos afecta na sua obra não será tanto o derrubar de barreiras que o corpo/a mente conseguem realizar através da mera força de vontade, mas a sua “pureza moral severa” 751 — outro nome dado por Antonin Artaud à palavra «crueldade». O poeta maldito, poeta da dor e da loucura, tentou explicar numa carta endereçada a um amigo o nome escolhido para o seu teatro (tão mal interpretado por tantos, segundo ele, esse seu “Teatro da Crueldade”). Dizia que a palavra crueldade tinha de ser encarada num sentido lato, e não no sentido de excesso físico e, sobretudo, “de sanguinolência impiedosa” 752 que lhe era habitualmente associada. Citamo-lo: P o d e- s e ima g in a r p e rf eita men te u ma c ru eld a d e p u ra , se m d a n o fí si co . E q u e é, co m ef ei to , a cru e ld a d e, f ilo so fi ca men te fa la n d o ? Do p o n to de vi sta do e sp í r ito , cru e ld a d e sig n if ica rig o r, imp la cá ve i s, d e te r min a ç ã o in f lex íve l e a b so lu ta . in ten çã o e d e c isã o 753 Afirmaria também que este teatro era, antes de mais nada, “difícil cruel” 754 e para si mesmo, e continuava, enigmaticamente, afirmando que: (.. . ) n ã o se t ra ta d a c r u eld a d e q u e p o d e mo s p ra t ica r u n s co n tra o s o u tro s, ao e sq u a rt ej a rmo s r ecip ro ca men te os n o s so s co rp o s, ao re ta lh a rmo s a s n o s sa s a n a to m ia s p e s so a i s, o u , ta l co mo o s imp era d o re s a s sí rio s, a o en v ia r p e lo co r reio e mb ru lh o s co m o relh a s h u ma n a s, n a ri ze s o u n a rin a s a r ra n ca d a s co m p e rfe içã o , — ma s si m d u ma c ru eld a d e mu ito ma i s te r rí vel e n ece s s á ria , q u e a s co i sa s t ê m p o s sib il id a d e d e ex e rce r 751 752 753 754 Anto n i n Ar ta ud - O Ar t a ud - O T eatr o e Ar t a ud - O T eatr o e Ar t a ud - O T eatr o e T ea tr o e o s e u D up lo , p . 1 7 5 . o s eu D up lo , p . 1 4 6 . o s eu D up lo , p . 1 4 6 . o s eu D up lo , p . 1 1 6 . 210 co n t ra n ó s. Nã o so mo s liv re s. E o c éu p o d e a i n d a to mb a r so b r e a s n o s sa s ca b eça s. Esta identificação de um teatro próximo da crueldade lúcida da vida estará intimamente relacionada com a obra de Marina Abramovic. É certo que o seu percurso inicial começa com uma ideia contrária a tudo o que Artaud defende: o de haver um «derrame » de sangue, recorrendo a uma violência gratuita (através do desejo de se colocar em perigo, de auto-infligir dor a si mesma, diríamos que quase que a tentativa destrutiva de tentar escapar ao seu próprio corpo — cortando-se, chicoteando-se, esfaqueando-se, deixando de ter ar para respirar, ficando voluntariamente inconsciente, etc.) 755. Mas quem tenha seguido a sua obra ao longo do tempo constata que todo esse extremismo se tem vindo a «suavizar»; não obstante, o poder e o campo de atracção magnéticos continuam por lá. Abramovic continua a enfrentar as coisas de frente (o medo, a dor, a morte). Mas onde antes havia cortes e navalhas, violentas colisões de corpos no espaço e uma exposição e abandono totais, agora há energias libertadas por minerais, meditação, silêncio, e, mais importante talvez, regras que visam preservar o seu corpo. Mesmo assim, a sua obra mais recente continua a encadear-nos de forma excessiva, cruel. Outra grande transformação: o público já não a domina. Ela já não é o «objecto » (que assume total responsabilidade) que se propôs ser em Rhythm O (1974). E se houve alguém que, dos setenta e dois objectos disponíveis para serem utilizados livremente sobre ela 755 B ast ar á ap e na s me nc i o nar u ma e xp er iê nc ia q ue a ma r co u p r o f u n d a me n te na j uv e nt ud e, e q ue a d ei x o u a tr e mer d e med o e b an h ad a e m s uo r , e q ue é a mui to s ní v ei s e xe mp l i fic ad o r a d a s ua r ad ica lid ad e ( i n ) co n s cie n te. Dec id i u j o gar r o let a r u s sa co m u m a mi g o . A id eia e r a co lo car ap e n as u ma b a la n u m r e vó l v er , r o d ar o ta mb o r d a me s ma e ap o nt ar — e p r e mir — o g a til ho n a p r ó p r ia tê mp o r a . Nu n ca se sab e o nd e é q ue a b a la es tá lo ca liz ad a, p o r i s so me s mo se c ha ma u m “j o go d e azar ” . P o d ia ter co r r id o p io r : el a não mo r r e u, o a mi go não mo r r e u, q ue m f i co u ma i s a fec tad o fo i o l i vr o d e Do sto ié v s ki q ue a ar ti st a ti n ha so b r e u m a est a nt e e q ue l e vo u co m u ma b a la n a lo mb ad a . À t er c e ir a fo i d e v ez. ( No ta: a t ít u lo d e in ter es s e, o li vr o q u e f ico u p ar ap l é gico fo i O I d io ta ) . C f. Ar t h ur D an to - T h e Ar t is t i s P r es e nt, p . 3 1 . Ca tá lo go d e 2 0 1 0 . 211 (dando azo a todo o tipo de abusos, como se poderá calcular 756), optou por escrever com um batom num espelho Y sono libero [“Eu sou Livre”], fazendo com que ela o ostentasse quase como um manifesto, perguntamos: terá esse indivíduo pensado que, ali, era ela própria, de facto, que operava como um espelho? 757 Um espelho que se limitava a reflectir as acções das pessoas presentes, e que revelou todo o espectro de imagens: de fúria, de ódio, de simpatia, de rancor, de interesse, etc. Não, de facto não somos livres. E nesse dia o céu caiu-lhe em cima da cabeça. O caminho que percorreu deu origem a uma nova forma de pensar, que, contudo, já tem uma longa história: Abramovic explora agora toda a potencialidade da inacção, e seria útil fazer aqui um paralelo com a escola cínica grega 758. Imaginamos Diógenes sentado na praça pública a colar, durante toda a tarde, as páginas de um livro 759 (que ideia genial!), Diógenes, lânguido, a apanhar banhos de sol e a dizer ao todo poderoso Alexandre, O Grande, para se desviar, que lhe estava a tapar os raios que lhe aqueciam o corpo. Há claramente o interesse em perpetuar acções inúteis, vazias de sentido, que surgem como bizarras e desinteressantes aos olhos de todos os outros. Abramovic explora actividades como o sentar, o deitar, o andar, o pentear, o estar. Simplifiquemos: ideias aborrecidas. Segundo os seus discípulos, Diógenes morreu de forma singular: simplesmente reteve a respiração 760. É esta lucidez assustadora, de quem não se deixa intimidar com “falsos fardos” 761 que nos tiram a 756 O s o b j ec to s e r a m mu i to var iad o s, ha ve nd o o b j ecto s d e uso p e s so a l ( e sco va, esp e l ho , b ato m) , d e v e s tir ( c hap é u , l e nço ) , al i me n tar es ( vi n ho , sal , aç úc ar , me l) , co r ta n te s e a me aç ad o r e s ( fac a, te so ur a, a g ul h a, lâ mi n a s b ar b ear , p i sto la ) , mu s ic ai s ( f la ut a) . F ica s e mp r e a q ue st ão : p o d er á u m o b j ecto ab so l ut a me n te i no fe n si vo co n s ti t uir u m p er i go ? 757 C hr is s ie I le s - Mar i na Ab r a mo v ic : o b j ect s p e r fo r ma n ce vid eo so u nd , p . 2 1 . É es ta cr ít ic a q ue d e fe nd e es ta me s ma id ei a. 758 C f . T ho ma s McE v il le y - Ar t i n t he Dar k ( 1 9 8 3 ) , p . 2 2 2 -2 2 7 . E s te cr í ti c o a na li sa al g u n s ar ti s ta s co n hec id o s d a ár ea d a p er fo rma n ce li ga nd o -o s à e sco l a cí n ica e à cap ac id ad e d e c u mp r ir e m o q u e ele ap e lid a d e u ma “Ar t e d e Vo to ” ( p . 2 2 6 ) , o nd e u ma “e s tét ic a d a e s co l ha ” ec lip sa u ma e s tét ic a d o “p r o j ect ar ” e d o “f aze r ”. 759 T ho mas McE v il le y - D io g e ne s o f S i no p e, Se le cted P er fo r ma n ce P i ece s [ 1 9 8 3 ] , p. 210. 760 C f. P et er S lo t er d ij k - Gab i n ete d o s Cí n ico s. 1 . Dió ge n es d e S í no p e – Ho me mcão , f iló so fo , Z é -N i n g ué m, p . 2 0 9 -2 2 4 . 761 Slo t er d ij k - Gab i net e d o s Cí n ico s, p . 2 1 2 . 212 mobilidade — nem mesmo na morte —, que também encontramos em Abramovic. * O espelho é recorrente na sua obra, embora, e aqui será talvez o que mais nos chama a atenção, ele... nem sempre esteja lá. Em Cleaning the Mirror #1 (1995) estava apenas contido no título: a obra era a artista a lavar escrupulosamente, munida de um balde e de uma escova e vestida com uma asséptica bata branca, um esqueleto humano 762. Um pouco antes, em Mirror for Departure (1993), Abramovic exibia retratos redondos, de rostos contraídos 763, esgares fantasmais: a estética da dor continuava a dar cartas. Talvez os nossos rostos antes de partirmos para uma outra morada? Temos depois todo o trabalho desenvolvido com Ulay, feito durante mais de uma década, que é, notoriamente, um trabalho onde a noção de espelho se aplica. Relation in Time (1977) é um exemplo paradigmático: os dois estão sentados numa posição pouco habitual, costas contra costas 764, com os longos cabelos (de um e de outro) entrelaçados, de forma a formarem um rolo, que, pouco a pouco — e é mesmo a conta gotas, já que a performance tem a duração de 17 horas — se vão desprendendo, soltando e desfazendo. Olhamos para as fotografias/ documentos que ficam dessa obra, e é difícil não ver os antigos gémeos siameses que estavam ligados um ao outro pelas costas: vistos de perfil eles são 762 Kr i st i ne S ti le s no catá lo go i n ti t ulad o Mar i na Ab r a mo v ic ( 2 0 0 8 ; v er B ie se nb ac h ) , p r o p õ e q u e es ta p er fo r ma n ce sej a v is ta co mo “i ncr i mi n ató r i a” o u ac us ató r ia, j á q ue co i n cid i u co m a G uer r a d a I nd ep e nd ê nci a d a Cr o ácia ( 1 9 9 1 1 9 9 5 ) , o nd e cr o a ta s ma s sacr ar a m o p o vo sér vi o e m ma s s a, e sco nd e nd o o s s e us co r p o s e m c a ve s ( e sé r v io s e mp r ee nd er a m u ma «l i mp eza » é t ni ca, t o r t ur a nd o e as sa s si n a nd o ) . A tr ad içã o es la va e x u ma va e la v a va o s o s so s. P o r ta n to , e se g u nd o a au to r a, o «l i mp ar », a q ui , p o d er á ta mb é m s ig n i f icar «a n iq ui lar ». Mar i n a, no en ta n to , s e mp r e a as so c io u co m o fi m d a s ua r e lação co m U la y, e n ão t an to co mo u ma o b r a d e d e n ú nc ia p o lít ic a. 763 A t éc ni ca ut il izad a er a mu ito si mp le s : p r es sio n ar , s i mp l e s me n te, o r o sto esco l hid o co ntr a o b a r r o , cr i a nd o u m b a i xo -r e le v o . 764 E m q u a se to d as a s p er f o r ma nce s q ue r ea liz ar a m j u nto s p o si cio nar a m- s e f r e nt e a fr e n te : I mp o n d era b il ia ( 1 9 7 7 ) , Ba la n c e Pro o f ( 1 9 7 7 ) A A A - A A A ( 1 9 7 8 ) , R es t E n erg y ( 1 9 8 0 ) e, me s m o e m Th e Gr ea t Wa l l W a lk ( 1 9 8 8 -2 0 0 8 ) o nd e c a mi n ha v a m d ur a n te 2 5 0 0 q ui ló me tr o s e m d ir ecç ão ao o u tr o : a ú lt i ma p er f o r ma nc e q ue f izer a m j un to s. 213 realmente muito parecidos: os mesmos sinais de cansaço, de luta, de saturação... Há, no entanto, fios que nunca se irão desprender (ver Fig. 44 e 45). Não podemos ignorar a lente do telescópio colocado na área da galeria Sean Kelly destinada ao público. Este último era encorajado a “espiar” minuciosamente os actos da artista, o seu corpo sem espaço privado, em The House with the Ocean View (2002): também ele é um espelho com funções «intrusivas ». E depois há Nightsea Crossing (1981-87), ou a navegação por águas “inconscientes” 765. As regras eram muito simples — e Marina Abramovic tem sempre regras, ou “instruções”, como ela lhes chama: ela e Ulay estariam, desta vez, sentados frente-a-frente, apenas com uma sólida mesa de mogno a dividi-los, desde a abertura até ao fecho dos Museus de Arte. Sem falar, sem ir à casa de banho, em total silêncio. Sentados numa cadeira que fosse nem muito confortável, nem pouco. Apenas a olhar para o outro durante um longo período de tempo. Esta era a simples proposição que propunham, e que realizaram em vários sítios do mundo (também passaram pela Fundação Calouste Gulbenkian 766). O texto que acompanha esta obra é breve, traduzimo-lo livremente: P re sen ça . E st a r p r es en te , so b r e g r a n d es p er ío d o s d e te mp o A té q u e a p re sen ça su b a e ca ia , d e Ma t er ia l a i ma te r ia l, d e F o r ma a in fo rme , d e Te mp o a in te mp o ra l. 767 765 O tít u lo é e xp l icad o p ela ar ti st a e m e ntr e vi st a a Ha ns Ulr ic h Ob r is t - Mar i na Ab r a mo v ic : T he F ut u r e o f P er fo r ma nc e Ar t, p . 6 1 . 766 C f. Ve er l e V a n D u r me - Mar i na Ab r a mo vic / Ula y: Ni g h ts ea Cr o s si n g, Li sb o a : F u nd aç ão Calo u s te G ulb en k ia n, 1 9 8 5 , s /p . ; o s ar ti st as v es ti a m- s e d e aco r d o co m o q uad r ad o véd ico ( ver me l ho / az u l, a mar e lo / v e r d e, vio le ta e sc ur o / v io let a c lar o , ver mel ho /l ar a nj a, p r eto /p r eto , b r a nco /b r a n co ) e p o r vez es co lo ca va m p eq u e no s o b j ecto s e m ci ma d a me s a, q u e s up o s ta me n t e o s aj ud a va m na med ita ção : u ma p eq u e na co b r a, u m b o o m era n g , u ma te so ur a, et c. 767 Mar i na Ab r a mo v ic - Ma r i na Ab r a mo v ic , p . 8 9 . ( P ha id o n P r e ss, 2 0 0 8 ) 214 Conotamos esta verdadeira obra épica com Ulisses e Penélope: uma ligação intensa une-os aos dois (um contra o outro, um e outro, apenas um) e isso transparece, sente-se, é palpável. Não sabemos qual a reacção do público (claramente o número três, aqui, e muito importante: a artista reitera vezes sem conta que, sem o público, nada do que faz tem sentido). Provavelmente espanto: aquilo que as pinturas do museu reclamavam como seu, serem movimento, aqueles artistas abandonavam: serem estátuas, serem imobilidade! Há uma performance pertencente a esta série que é muito especial: os artistas conseguiram juntar um líder que os guiou no deserto australiano a um monge tibetano (Nightsea Crossing/ Conjunctions), e reuniram-se todos na mesma mesa. Esta tem a forma de um círculo gigante forrado a papel de ouro, um «espelho » enorme, dourado. Um espelho, já não de tensão ou de confronto, mas de paz. * Vemos o trabalho de Cecília Costa sob o mesmo denominador comum: o duplo (série Notting Hill, 2007), a espera (a série de desenhos Penélope, 2009), a (as)simetria. Tal como na performance de Marina, onde nos é exigido que olhemos com muita atenção, quase como numa brincadeira onde temos de tentar descobrir as diferenças de um cartoon de jornal (os artistas são, de facto, tão semelhantes que é quase chocante, mas se olharmos bem eles têm diferenças físicas que não conseguem escamotear, como a forma singular do nariz dela, a maçã de adão saliente dele, etc.; e divergências que não são visíveis, como por exemplo a nível psicológico, onde porventura denunciam de forma subtil que têm patamares de «resposta» diferentes ao que lhes é pedido), Cecília Costa decide fazer um trabalho fotográfico manipulado, onde coloca o foco na falsa simetria que está presente em qualquer rosto. Para tal, simplesmente junta as duas metades esquerdas e as duas metades direitas de diversas caras (incluindo a sua), construindo, por assim 215 dizer, novos rostos mutantes, novos olhares que são causadores de grande estranheza, que não «pertencem » a ninguém (série Pli, fotografia 2005). E também temos de nos deter nestas novas faces criadas, tentando perceber como é que elas serão na vida real. Olhamos atentamente para os vários rostos, onde nada acusa os processos transformadores de que foram alvo: o que acontece quando os dois lados direitos se juntam? E os dois lados esquerdos? Serão os primeiros pessoas mais confiantes e seguras de si, os segundos mais sombrios e com falta de carácter? Embora cada vez mais os neurologistas tendam a ver o cérebro como altamente plástico (capaz de se refazer permanentemente, de criar novas conexões entre neurónios, e, sobretudo, de não haver áreas específicas para um e outro, de não haver uma «divisão» distinta a nível de hemisférios, como durante tanto tempo se acreditou que houvesse), globalmente o hemisfério esquerdo é tido como sendo mais analítico, racional, lógico e matemático, e o hemisfério direito mais propenso a ser sensível ao espaço, a ter capacidade para fixar rostos, sensibilidade para apreender a cor e para ser criativo. Por outras palavras, o primeiro é visto como sendo mais racional – “e superior” 768 —, como frisa a artista aquando da nossa conversa informal, o segundo mais emocional, e “inferior” (e o domínio da racionalidade impera, conscientemente ou não - é dominante em 98% das pessoas, segundo a fonte da wikipédia). Haverá uma correspondência entre estados racionais e emocionais que poderá ter uma relação e afinidade em termos visuais, por assim dizer? Poderá traduzir-se na nossa própria resposta intuitiva, que «simpatiza» mais com os primeiros e menos com os segundos? Não o saberemos dizer (é uma boa pesquisa para investigadores da área das ciências). Cecília brinca prejudicialmente ao com direito todas e ao estas ideias esquerdo que associamos (correcto/incorrecto, natural/anormal, bom/mau), fazendo-nos reflectir na nossa própria linguagem, que é tendencialmente condicionada (nunca diríamos “é 768 Co n v er s a d a a u to r a co m a ar t is ta Cec íl ia Co s ta, q u e te v e l u gar no d ia 7 d e O ut ub r o d e 2 0 1 1 . 216 uma rapariga às esquerdas”, por exemplo; a própria lei que rege a nossa sociedade é chamada de “Direito”...), e sobre a complementaridade que deverá, sempre, existir entre ambos os lados. Ela mesma referiu a memória de espanto que remonta à sua infância no nosso encontro: “Porque é que temos dois pés, duas mãos, dois lados do corpo...?” Porquê? As duas metades completam-se, equilibram-se, frequentemente não lutam acreditamos entre si, serem não – a são sua opostas lindíssima como tão máquina “portátil” de duplicar metades, Le Machine à Plier 769 (2004) lembranos isso mesmo. Michel Tournier, em Le Miroir des Idées, corrobora com o seu pensamento, quando afirma que “Tradicionalmente, o bem está do lado direito, o mal do esquerdo. Por exemplo, em relação ao Calvário, o bom ladrão está à direita de Cristo, o mau ladrão à sua esquerda. No Juízo Final, os escolhidos serão colocados à direita do Pai, os rejeitados colocados do seu lado esquerdo” 770. Talvez os pré-juízos subsistam, sem nós sabermos bem porquê. Marina tem uma fotografia em que simplesmente esconde, apaga e aniquila a metade esquerda do seu rosto com uma luva preta (Light Side/Dark Side, fotografia a preto e branco de 2006; novamente surge a associação de lado esquerdo a algo sombrio, preto, obscuro, terrível e ao lado direito como a um lado diurno, solar, agradável). Gostaríamos muito de ver os dois retratos (um nocturno outro diurno) de Marina Abramovic feitos por Cecília Costa. Mirror de Mineral Room (1994) ou Black Dragon: Haematite Pillows (1992), de Abramovic, estariam por perto. E teríamos de ter em conta o aviso de Tournier: “A famosa mão direita depende da metade esquerda do cérebro.” 771 769 Co m p er fi l d e u m r o st o r eco r tad o e m vid r o , e nc ai xa mo s o no sso p r ó p r io r o sto p r o d uz i nd o u m a u to -r e tr ato «a l ter ad o » ( co m d ua s me tad es esq u er d a s o u d u a s d ir ei ta s - co mo p er cep c i o na mo s a no ss a p r ó p r ia i ma ge m? ) . 770 Mic h el T o ur ni er - L a D r o ite et la Ga u c he, p . 1 5 2 . 771 T o ur n ier - L a Dr o i te et la Ga uc he , p . 1 5 4 . 217 * Durante três meses, sete horas por dia ou por vezes mais, Abramovic sentou-se, silenciosamente, numa cadeira feita em madeira no átrio do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, apenas com uma outra cadeira à sua frente, convidando quem lhe quisesse fazer companhia nesta sua viagem interior. A cadeira vazia que colocou à sua frente (a cadeira de Ulay! A sua cadeira especular) foi muito requisitada, e estamos em crer que quase nunca esteve vazia. Muitos, muitos «olhos » a ocuparam: a artista olhou para centenas de rostos durante o tempo que lá passou. (Buda é representado por uma cadeira vazia, portanto também é interessante que estivesse desocupada por algum tempo). Novamente decidiu empreender uma obra que envolvia um frente a frente, mas desta vez com pessoas desconhecidas, o público do museu em geral, desconhecedores (ou não) da exigência e da agrura da peça. As regras eram mais brandas, mas muito claras: mantinha-se o sentarse e o não falar, mas agora não se podia colocar qualquer objecto em cima da mesa, e as pessoas poderiam permanecer o tempo que desejassem: elas mesmas escolheriam quanto tempo dedicariam à performance. O espaço que ocupavam no museu estava protegido por um grande rectângulo branco desenhado no chão, que afastaria todas as restantes pessoas que estivessem a observar, criando uma espécie de área privada (ou de espaço «sagrado », se quisermos). A imobilidade é, para a nossa civilização ocidental, uma palavra estranha. Não gostamos dela. Basicamente, achamo-la restritiva: os nossos pensamentos exigem movimento. Não é raro depararmo-nos com escritores ou artistas que precisam de caminhar durante horas e horas, sem rumo ou destino (Paul Auster 772, para dar um exemplo, ou Francis Al ys nas suas deambulações). A ideia de nos sentarmos e não nos 772 I sab el L u ca s - P a ul Au st er , U m M u nd o F ei to a Ca mi n ha r . P úb l ico . I S S N 0 8 7 2 1 5 4 8 . Li sb o a . S up l e me n to d o j o r na l P úb lico i n ti tu lad o Í p si lo n ( 3 1 Ago st o d e 2 0 1 2 ) 1 8 -2 1 . 218 mexermos durante horas é horrenda. Estar quieto exige concentração, esforço físico. É uma batalha mental. Decerto abre outras áreas de percepção, mas é muito difícil chegar a esse patamar (nós nem sequer experimentamos). Isto para referir que sentimos que esta é uma obra que é extremamente difícil para o público: a artista esticou aqui o elástico da simpatia/cortesia da audiência a um limite insuportável (de quase ruptura?). Ao mesmo tempo, confere-lhe um sabor teatral (e, sim, estamos conscientes que ela não gosta da palavra «teatro »). Marina Abramovic menciona duas coisas que destacamos: a primeira é que encara a performance como a «vida real »: a performance não é teatro, afirma categoricamente, teatro é uma coisa totalmente diferente, é o actor escolher e interpretar um papel. É necessário viver, e não representar, a performance. (Mas se o teatro invade todos os poros das suas obras?). A segunda é que vê a arte do futuro como uma arte sem objectos, imaterial: (.. . ) o sécu lo vin te e u m va i s er u m mu n d o se m a rt e n o sen t id o em q u e a en ten d e mo s a g o ra . V a i se r u m mu n d o se m o b jec to s , o n d e o se r h u m a n o p o d e es ta r a u m n ív el tã o a lto d e co n sc ien c ia li za çã o e te m u m e s t a d o men ta l tã o fo r te q u e ele o u ela p o d em t ra n s mi ti r p en sa m en to s e en erg ia à s o u tra s p es so a s se m p rec i sa r em de o b j ec to s en t re ele s. Nã o h a v erá escu ltu ra s, p in tu ra s o u in s ta la çõ e s. Ha ve rá a p e n a s o a r ti s ta e m f ren t e a o p ú b lico (... ) . S en ta r- se- ã o a p en a s o u leva n ta r- se- ã o , co mo o s S a mu ra i n o Ja p ã o a n tig o , o lh a n d o u n s p a ra o s o u t ro s e t ra n sm it in d o en erg ia . 773 Esta «profecia » que os objectos artísticos iriam desaparecer é de 1990. Dez anos mais tarde reflectia com um crítico de arte acerca da performance que descrevemos na página anterior, que intitulou The Artist is Present (2010), enquanto dizia a meio de uma conversa: 773 Mar i na Ab r a mo v ic - Mar i n a Ab r a mo v ic : o b j ect s p er fo r ma n ce v id eo so u n d , p . 66. 219 (no fundo, eram apenas duas cadeiras). 774 E duas cadeiras serão, apenas. Duas cadeiras e uma mesa. Sabemos que nos últimos dias da performance retirou mesmo a mesa, por achar que se tinha tornado um obstáculo à passagem de energia, e só ficaram as cadeiras, aproximando-se mais desse estado de não haver quaisquer objectos; só restam, agora, os samurai. Sabemos também que o título foi escolhido por parodiar aqueles convites mais antigos de exposições de arte, onde aparecia o local, a morada, e no fim, numa pequena nota, uma breve frase que informava apenas que o artista iria estar presente na inauguração. É essa palavra que vingará: presença. Recomendamos que se veja o impressionante trabalho de Marco Anelli, que acompanhou a artista (e que foi, literalmente, a sua sombra) durante toda a exposição, fotogrando todas as pessoas que acataram as suas estranhas ordens 775. Mais notório ainda serão as suas expressões: calmas, risonhas, tristes, emocionadas, chorosas — em contraste com as da artista, e do seu olhar ausente, vítreo. Por vezes, um ou outro rosto espelha-a. O seu grande amigo, e também crítico de arte Klaus Biesenbach, afirmou certeiramente que ela colocou uma “máscara de inércia” 776 que pediu emprestada à mesa e às cadeiras. Nas raras vezes que a artista se emociona com a expressão no rosto do Outro, e chora, a máscara de inércia mantém-se: as suas lágrimas não nos convencem. Teatro, teatro, teatro... Poderíamos voltar a citar Artaud: “Olhos que já não conhecem a sua função, e cujo olhar está voltado para dentro.” 777 É que a artista, ao contrário do título, não dá mostras de estar presente. Os seus olhos parecem cegos, duas lentes que, como no trabalho de Giuseppe Penone 778, já não dão quaisquer sinais que 774 Mar i na Ab r a mo vic e n tr ev i stad a p o r R ui Car va l ho d a Si l va - Mar i na Ab r a mo vic . L+ Ar te. L i sb o a. 7 5 ( 2 0 1 0 ) 3 2 . 775 h ttp :/ / www. mo ma.o r g /i nt er a ct i ve s/e x h ib i tio n s / 2 0 1 0 / mar i naab r a mo vi c/ 776 Kl a us B ie se nb ac h - Mar in a Ab r a mo v ic : T he Ar t i st i s P r e se n t, p . 1 4 . 777 Anto n i n Ar ta ud - O T ea tr o e o s e u D up lo , p . 2 3 . 778 Al u são à fo to gr a f ia d e Gu i sep p e P e no n e i nt it ul ad a Ro ve scia r i I p ro p ri o c ch i ( 1 9 7 0 ) , q ue se p o d er á d esc r e ver co mo u m a uto - r etr a to d o a uto r co m d u as le n te s d e co n tac to esp el h ad a s, «ma g r i tt ia na s », q ue co n se g u ia m r e fl ec tir o e x ter i o r , ma s d ei xa va m d e ter cap a cid ad e p ar a ver . 220 consigam ver. W. G. Sebald, no seu romance Austerlitz, faz o personagem principal lembrar-se que “até bem dentro do século XIX, costumavam deitar nos olhos das cantoras de ópera antes de subirem ao palco e das jovens antes de lhes apresentarem um pretendente, umas gotas de um líquido destilado de beladona, uma planta da família das solanáceas, com o que os seus olhos ganhavam um brilho arrebatador, quase sobrenatural, mas elas quase deixavam de poder ver” 779. Abramovic poderá ter colocado nesta sua performance umas gotinhas deste precioso líquido. (Ou será a situação inversa, o olhar nos animais mortos que ainda parecem ver, como Genet constatava, passeando nos matadouros dos Halles, onde julgava encontrar “olhos fixos, mas não destituídos de visão, das cabeças de carneiro cortadas, dispostas em pirâmide no passeio” 780?). Será ela uma Mirror Blind Grace 781, ou um animal morto cujos olhos ainda vêem? (Fig. 45 e 46). Facto indiscutível: ela marcou muito aquelas pessoas durante as 750 horas que por lá esteve, e nos quais estabeleceu um singular diálogo. Que «revelação » ou «iluminação» terão sentido os visitantes não o sabemos. Podemos contudo afirmar que ela incarnou maravilhosamente o papel — e voltamos a insistir que é um papel — mais difícil que terá tido até agora: por vezes o de um animal morto que ainda olha, com o seu olhar humano (o coelho de Beuys, talvez?), por vezes o olhar fix o e aterrador de Medusa, com o corpo ainda quente — mas já morta por Perseu. * Regressando ao conto de Kafka, só o próprio artista da fome “é o único espectador da sua fome inteiramente satisfeito” 782, mais ninguém 779 W .G. Seb ald - Au s t er l it z, p . 3 7 . J ea n G e net - No S e nt id o d a No ite , p .1 1 4 . 781 Al us ão a u ma o b r a d e Do u gla s Go r d o n , d a sér i e Mi r ro r B lin d , o nd e es te ar t i sta r etir a o s o l ho s ( p i n ta nd o -o s d e b r a n co o u co lo ca nd o so b r e el es u m p ap el esp e l had o ) a ce leb r id ad es d o mu n d o d o ci n e ma , r es u lt a nd o e m o b r a s a gr e s si v a s e cr u éi s, q u as e p ar ecid a s co m vio le nt a s b r i n cad e i r as d e cr ia nç a. 782 Ka f ka - U m Ar ti s ta d a Fo me, p . 2 1 . 780 221 consegue passar os dias a comprovar com os seus próprios olhos que ele jejuara sem falhas nem interrupções. Continuará a ser um “bom negócio” 783, continuará a haver quem conte os dias, quem conte as horas de forma a assinalar o grande feito deste tipo de performance? Continuará Marina Abramovic a dar oxigénio e energia ao seu público desta forma, ou reinventar-se-á? O que poderá ela ainda desejar? A sua obra mais recente tem como matéria o próprio tempo (como no início tinha tido o corpo). Ignoramos se no “aqui e agora” 784 como defende um crítico, servindo-se das palavras da artista, mas certamente que há um tiquetaque que soa ampliado, distendido, suspenso (ou mesmo imóvel) mesmo que não o oiçamos. A artista conta que um dos guardas lhe perguntou, amavelmente, se queria que ele segurasse uma tabuleta de forma a lhe dar uma ideia do tempo (o tempo que tinha passado, ou mesmo quanto tempo faltava para acabar a sua jornada, presumimos). Mas se ela estava sentada a querer precisamente esquecer-se do tempo! 785 Apenas podemos especular que a artista, quando esteve sentada (hirta) na cadeira, tivesse o compasso mental variado do metrónomo de Rhythm 2 (1974) — andante, allegro, vivace, presto — e também o compasso de quem sabe que o tempo passa (psicologicamente) a velocidades diferentes. O estado imaterial de ser a que quer chegar com a obra de arte é também um estado imerso no tempo (mesmo que seja o intemporal). É o tempo que lhe permite percorrer o “caminho para a transcendência” 786, é ele o guardião da memória. A performance teve a duração de noventa dias, mas, realmente, quantos anos, quanto tempo se terá passado? Confrontamo-nos aqui com o que a artista tem de mais invulgar, raro mesmo: ser criadora de tempo. Pediu tempo a quem a via, e provavelmente também lhes terá dado tempo: foi uma troca justa. 783 Ka f ka - U m Ar ti s ta d a Fo me, p . 1 9 . Kla u s B ie se nb a c h - M ar in a Ab r a mo v ic , p . 1 3 . 785 Ver e ntr e vi st a d e S te ve P u li mo o d p ar a a Sl ee k i n ti t ul ad a “T he Mi str es s o f Met ap h ys ic s”, e d i sp o ní ve l e m: h ttp :/ / www. s l ee k - ma g .co m/ p r i n t fe at ur es /2 0 1 2 /1 0 /t h e - mi str es s -o f - met ap h ys ic s / 786 C f. te x to d e Mar i na Ab r a mo vic “Rec ip r o c al to th e A mo u nt o f S u f f er i n g ” ( 1 9 8 6 ) , p r es e nte no ca tá lo go d a P ha id o n P r e ss, 2 0 0 8 ( ed itad o p o r K la u s B i e se nb ac h ) . 784 222 O desenho de Cecília Costa, com o seu traço contínuo, confiante, despojado (que parece ter a textura de um fio de um novelo de lã, que podemos puxar até à sua desintegração) também se articula bem com a obra da artista sérvia: a ideia de (auto)controle está sempre muito presente (vê-se que todo o percurso que o traço realiza sob o papel é muito pensado previamente, muito analítico, que toda a inexpressividade é pensada; as duas utilizam o mesmo guião. Quem é que acreditará no lema lapidar de Abramovic no predicted end 787?) Há um fim, sim, e é muito previsível: era o que as artistas queriam que fosse. Um desenho de Cecília destaca-se dos outros. Um rosto, descaracterizado, sem olhos, que se olha a um espelho, que entretanto «absorveu » e arrancou parte das feições à cara, e que a nosso ver é um belo protótipo de um desenho quase que paralisado no tempo, um desenho de uma nova era que começa a despontar: a glaciar. Não será por acaso que o perfil nítido traçado a carvão pareça remeter para uma figura feminina, e que tenha curiosas analogias com um espelho já muito antigo, o grego. (Fig. 47). 787 E m “Ar t V it al ”, a ar t i st a p ar t il ha o se u b r e v e ma ni fe s to d e i nt e nçõ es ( ne s sa alt ur a ai nd a tr ab al ha v a e m p ar cer ia co m Ul a y) , d o q ua l ap e na s r e tir a mo s p ar t e: “no r eh ear se l, no p r ed ict ed end , no r ep e ti tio n” ; C f. catá lo go d a P ha id o n P r e s s – Mar i na Ab r a mo v ic , p . 7 4 . 223 De Rui Calçada Bastos a Robert Smithson – o movimento Hu n d r ed s o f ri ve r n a me s a re wo ven in to th e tex t. I th in k i t mo ve s. C ar t a d e J a me s J o yce a Har r ie t W ea v er , 1 9 2 7 788 Ma s es ta ta rd e, a o lo n g o d o rio q u e d e Ve rã o , d i ze m - n o s, d esa p a re ce, o p a s so ju n to a o meu é in so f i smá vel co mo o cu r so d a á g u a , e n a su a o n d a , seg u in d o a cu r va d a s m a rg en s, ta l ve z eu sa ib a q u em so u . C l aud io M a gr i s, Da n ú b io 789 ( … ) p ri mei ro , s ig o a o lo n g o d o r io (… ) 790 He nr y Da v id T ho r ea u, Ca m in h a d a 788 J a me s J o yce ci t. p o r Ha n s B l u me nb er g - W o r k o n M yt h, p . 3 4 . C la ud io Ma gr i s - Da n ú b io , p . 4 0 . 790 He nr y D a vid T ho r ea u - Ca mi n h ad a, p . 2 6 . 789 224 É com a imagem de um rio que queremos começar. Poderá ser esse rio de que fala James Joyce a uma amiga, escrito e fixado tantas, tantas vezes, num texto, que fará parecer que este último flui, efectivamente; ou a bela tapeçaria que Alighiero Boetti teceu a negro sobre branco com os mais diversos nomes que nos seduzem os ouvidos: Nilo, Amazonas, Mississípi, Yangtzé, Angara, Rio Amarelo, da Prata, do Congo, etc. — uma lista dos mil rios mais longos do mundo, em ordem decrescente 791. A simples imagem de um rio induz ideias de movimento, percurso e deambulação (ele desce as montanhas, insinua-se através dos vales, desloca-se para o alto mar, para os lagos, ou para o próprio solo), mesmo que seja num suporte que está preso a si mesmo, como a palavra fixa num livro ou uma tapeçaria pendurada numa parede. O Danúbio corre, largo, (…) 792, e poderíamos continuar: corre calmo, corre turvo, corre enfurecido, indistinto, turbulento, impetuoso, errante… mas corre, sempre. O rio é, por excelência — a par do espelho — a figura que interroga a identidade inconstante do nosso ser. (Mas apoiamos Roni Horn numa das pequenas notas de rodapé que fazem parte do seu projecto dedicado ao rio londrino: 1 6 7 I won´t say that the river looks like a mirror 793. Nós também evitaremos mencionálo. E no entanto…) Seguiremos ao longo da travessia do rio, e veremos como a obra de Rui Calçada Bastos e Robert Smithson se parecem tocar no que diz respeito a questões de viagem e percurso (mesmo que seja uma viagem ficcional, construída, e por vezes quase que o esboço de uma «antiviagem »), e se afastar em questões de temperamento: o primeiro mais melancólico, o segundo renunciando (temendo?) a palavra. Ambos talvez parodiem os caminhantes solitários, mas vestindo-lhes a pele mesmo assim. Porque os seus espelhos atravessam cidades, florestas, praias, areais, rios (o rio Passaic, um rio desconhecido a que não 791 792 793 C f. Ali g her o B o et ti , I mil le fiu mi p iù lu n g h i d el mo n d o , o b r a d e 1 9 7 6 - 8 2 . C la ud io Ma gr i s - Da n ú b io , p . 3 4 4 . Ro n i Ho r n - Ano t her W ater : ( t h e Ri v er T h a me s, fo r E xa mp le) , s / p á g i na s. 225 sabemos dar um nome), mas sempre denunciando a mais profunda solidão nesse seu “talento especial para vaguear” 794. Por estas razões, gostaríamos de ver as obras dos dois artistas sob a perspectiva dos espelhos que não conseguiam de forma alguma estar quietos, dos espelhos… viajantes. * Séneca não era adepto de grandes viagens. Não tinha pretensões de ser um Humboldt, um Wordsworth ou um Thoreau 795. O filósofo achava que, para onde quer que fossemos, nunca iríamos escapar ao que tentávamos resolver: nós mesmos. Por isso aconselha e diz a Lucílio, no seu estilo informal, quase carinhoso: “…admiras-te, como se fosse um caso raro, de após uma tão grande viagem e uma tão grande variedade de locais visitados não teres conseguido dissipar essa tristeza que te pesa na alma? Deves é mudar de alma, não de clima. Ainda que atravesses a vastidão do mar, ainda que, como diz o nosso Vergílio, as costas, as cidades desapareçam no horizonte, os teus vícios seguir-te-ão onde quer que tu vás” 796. Interpretemos tal opinião da seguinte forma: a viagem tinha de ser interior, espiritual. Ele não o diz, mas nós acrescentamos: o hino à natureza e ao desconhecido pode ser feito sem nos afastarmos do nosso espaço quotidiano. Pode fazer-se na nossa casa, no aconchego do nosso lar (usando ou não um pijama cor-de-rosa, como de Maistre 797). Mas Séneca citaria certamente com prazer o dicionário irónico de Flaubert: “Viagem – Deve ser feita rapidamente” 798. 794 He nr y Da vid T ho r ea u - Ca mi n h ad a, p . 1 5 . Vej a - se a e ste r e sp ei to a s fo to g r a fi a s d e 2 0 0 2 e 2 0 0 3 , A l l I H a d – P a ri s e A ll I Ha d – B er lin d e C alç ad a B a st o s, q ue são to d o s o s se u s o b j e cto s c o lo cad o s a u m c a nto d o s q u ar to s hab it ad o s ne ss a s c id ad e s. 795 Ale x a nd er Vo n H u mb o ld t ( 1 7 6 9 -1 8 3 5 ) , geó g r af o , na t ur al i st a, e e x p lo r ad o r p r u s sia no ; W il lia m W o r d s wo r t h ( 1 7 7 0 – 1 8 5 0 ) , p o et a r o mâ n ti co i n g l ês e H e nr y Da vid T ho r ea u ( 1 8 1 7 -1 8 6 2 ) , fi ló so fo , hi sto r iad o r , e na t ur a li st a a me r i ca no . 796 Lú cio An e u Sé n eca - C ar ta s a Luc íl io , p . 1 0 4 . Li vr o I I I , car ta 2 8 . 797 C f. Xa v ier d e M ai st r e - Vi a ge m à Ro d a d o Me u Q uar to . 798 G us ta v e F la ub er t - D ici o nár io d e I d ei a s F ei ta s, p . 1 6 2 . 226 Rui Calçada Bastos desrespeita o parecer do filósofo antigo, empreendendo uma viagem sem fim à vista (e sem parecer querer mudar de alma). Julgamos que não será por acaso que uma das imagens finais de The Mirror Suitcase Man 799 (vídeo a preto e branco de 2004 e a única obra deste artista sobre a qual nos iremos debruçar aqui), seja um rio; os dois elementos ligados entre si no final da travessia da narrativa, espelho e rio, contrastando o “frio cintilar” 800 prateado das suas superfícies, partilhando de forma provocatória o «t udo flui » heraclitiano. E não seremos nós a julgar encontrar “terra firme no mar do devir e da evanescência” 801. Não há vestígios de mapas, bússolas, sextantes, barómetros, telescópios, baús ou blocos de notas que acusem viagens por terras incógnitas. Há apenas esse indício de que nos vamos deslocar de um ponto a outro: uma simples mala. Este é o único elemento que encontramos num campo com flores bravias, mas possui uma estranha singularidade, no entanto: é totalmente forrada a espelhos, por fora. O título por si já parece remeter para um bom enredo policial ou um sombrio film noir. O grão do filme, a imagem que se faz passar por antiga, e a voz masculina que ouvimos (e que dá à narrativa uma certa aura de melancolia reconhecemos?) e apenas de tristeza; reforçam que essa texto ideia. é este, Talvez, a que não qualquer momento, venhamos a descobrir que aquele misterioso homem que aguarda a chegada do seu comboio seja um Poirot dos nossos tempos (dizemos dos nossos tempos porque se vêem sinais de graffitis numa parede, um pouco mais à frente), ou um eventual Mister Norris 802. Mas não. Apesar de não conseguirmos ver ao pormenor, os vincos das calças não estão imaculados, os sapatos não estão luzidios. O próprio comboio (nº 677) dá-nos mais uma pista sobre o tempo em que nos situamos: tem um anúncio a Les Misérables. E a paisagem que nos é dada a ver dos espaços que percorremos também é de 799 h ttp :/ / www. r ui cal cad a b as to s .co m/ wo r k s/ v id eo s/ s u itc as e/ . O ar ti st a p ub li co u ta mb é m e st e no s so p eq u eno te x to no se u s ite , co m a no ss a a u to r i zaç ão . 800 St ép ha ne Ma ll ar mé - H er o d íad e, p . 8 3 . 801 Ni etz sc h e - A Fi lo so f ia na I d ad e T r ág ica d o s G r ego s, p . 3 8 . 802 Al u são a u m p e r so n a g e m d e C hr is to p her I s h e r wo o d - M i ste r No r r i s Mud a d e Co mb o io . 227 desolação e pobreza: os espaços nas grandes cidades onde as pessoas constantemente se cruzam (e chocam), mas parecem não ter tempo para reparar no rosto que segue à sua frente na carruagem, ao seu lado no campo, etc. É uma paisagem com pessoas, mas pessoas sem rosto, sem humanidade: pessoas miseráveis. O homem, nestes 4 minutos e 20 segundos da obra, passa por um campo, uma estação de comboios, uma escada exterior de um prédio (com umas escadas Spiral Jetty 803), uma igreja, um banco vazio de um parque, crianças que brincam num baloiço, uma paisagem de ciprestes (e ciprestes ondulantes, para nós, são Van Gogh), uma floresta. Depois detém-se à beira de um rio – mais precisamente, de costas contra as margens do rio. O que é interessante é que, em todos estes lugares sucessivos que percorre em tão pouco tempo, o homem parece hesitar, parar – e são as imagens no espelho que se precipitam, em catadupa, a diferentes velocidades: rápido (o comboio e o baloiço), moderada (o homem que sobe as escadas), lenta (o banco vazio, a igreja). A mala espelhada torna-se numa espécie de GPS visual de quem a transporta, a nossa única coordenada instável e sempre em mudança nesta obra. Será suficiente dizer que o que se passa é uma simples troca de mala, de um homem a quem nunca nos é dada a possibilidade de ver o rosto a um outro, que parece exactamente igual? Mergulhamos facilmente no universo do desenho a óleo de Michael Borremans em The Replacement (2003), com a troca — muito inquietante, diga-se — de uma coisa por outra muito parecida. Um homem por outro homem, no nosso caso (ver Fig. 48 e 49). Cremos que esta obra evoca também o deambular alegre e criativo de Francis Al ys na cidade do México, com uma pintura debaixo do braço, ou o de Lygia Clark apelando aos participantes fazedores da sua obra para abrirem caminho ao acaso, com uma tesoura numa fita de Mobius 804. Mas estes serão exemplos solares — lá é de 803 Al u são à o b r a d e Ro b er t S mi t h so n, e d a s ua «t o r r e d e B ab e l », a S p i ra l Je tty ( 1 9 7 0 ) r ea liz ad a n as á g u as a ver me l had as d o U ta h, e m Gr ea t S a lt La k e . 804 A o b r a d e Fr a nc i s Al y s i n ti t ula - s e Wa lk in g a Pa in t in g ( 2 0 0 2 ) ; no f i n al d a s ua j o r nad a, a p i nt ur a e r a co lo cad a na p a r ed e d a ga le r ia e tap ad a co m u m vé u , p ar a q u e p ud e s se d o r mir . A o b r a d e L yg i a Cl ar k, tão si m p le s, ma g n í f ica e o r gâ n i ca, i nt it ul a - 228 dia, aqui é noite cerrada. Porventura eles estarão mais ligados à questão da surpresa, do maravilhamento que toda a viagem proporciona, de uma resposta imediata a “Mas o que viram?”: A h , n ó s vi mo s a st ro s E o n d u la n t e s ca u d a i s; t a mb ém a r eia s v imo s; E , ma u g ra d o a lg u n s ch o q u es e a b ru p to s d e sa st re s, P o r ve ze s en fa s tiá mo - n o s, ta l co mo a q u i . 805 O que é manifesto nesta obra de Calçada Bastos é esse aborrecimento do homem vestido de negro, que metodicamente cumpre uma missão, parecendo viajar sem esplendor, ansiedade ou expectativas. A dúvida baudelairiana Faut-il partir? rester? 806 não existe para ele. Existe, isso sim, uma “inclinação para a lonjura” 807, um desejo incontido de levantar âncora e ir, ir não interessa para onde: Tra n sp o rta - me va g ã o ! C o n d u z- m e tu , f ra g a ta ! P ra lo n g e! A q u i a la ma sã o o s n o sso s ch o ro s! 808 Para onde irá o segundo homem do vídeo, perguntam? Mas já vos dissemos: Pra longe! Ficamos intrigados com este magnífico trabalho de Rui Calçada Bastos, e não deixamos de nos questionar sobre a seguinte questão: quantas imagens, de facto, transportará um homem durante 4´e 20” da sua vida? E, como somos curiosos, não deixamos de pensar: o que é que há dentro da mala? se Ca m in h a n d o , é d e 1 9 6 4 . E s ta fi ta é o b tid a p e la co la ge m d as d u as e xt r e mid ad es , ap ó s e fe ct u ar meia vo lt a a u ma d e la s; o se u n o me d er i va d o mat e má t ico q u e a es t ud o u. O s e u esp aço não é o r i e nt á vel : o p ar t ip a nt e q u e a co r ta v a “p er co r r i a u m ca mi n ho se m a ve s so n e m d ir ei to , se m fr e nt e n e m v er so ” ( t e xto d e Ma r ia Ali ce Lyg i a C lar k, p . 9 4 ) . 805 C ha r le s B a u d el air e - L e Vo ya ge , p . 3 2 5 . 806 B aud el air e - Le Vo ya g e , p . 3 2 8 . 807 Al e xa nd er Vo n H u mb o l t - P i n t ur a s d a Na t ur ez a, p . 7 8 . 808 B aud el air e - Mo es ta E t E r r ab u nd a, p . 1 7 3 . 229 É pouco provável que contenha “Quilos de papel branco/ Quilos de papel branco/ E um amuleto” 809 (como o baú de Blaise Cendrars). Podemos sempre imaginar: ela será aberta por um homem vestido de negro, ao qual não vemos o rosto, e, lá dentro, terá uma outra malaespelho, um pouco mais pequena, que viajará por muitos lugares, lugares impessoais e frios, até ser novamente aberta e conter outra malinha-espelho, e outra, outra… existindo a obra num tempo labiríntico, onírico e borgesiano. Resumindo: uma excelente mala para as viagens de Alice. * O rio em Robert Smithson é feito de detritos, de lama, e até de asfalto. E todos estes elementos se vão, paulatinamente, acumulando uns sobre os outros, até ao ponto onde já não os conseguimos distinguir 810. É um rio deposicional, orgulhoso das suas inúmeras camadas orgânicas, dos minerais formados ao longo do tempo, de muito tempo. É um rio de águas profundas, primordial, cristalino 811. É um rio que, quando gela — revelando o seu lado inorgânico, que também possui — fere como uma lâmina aguçada. Passaic, cidade de Nova Jérsia: digamos apenas que não é um sítio onde desejaríamos ir passear. Vêem-se grandes tubagens assentes sobre o rio, máquinas de bombear água no seu leito, tubos enormes que 809 B lai se Ce nd r ar s - Fo l ha s d e Vi a ge m, p . 3 5 e 3 6 . Ver a d o cu me n t ação d a p o d er o sa o b r a d o ar t is ta i n ti t u lad a Asp h a lt Ru n d o wn ( 1 9 6 9 ) , q ue co n si s ti u n u m ca mião q ue se d e s f ez d a s ua ca r ga d e as f a lto q ue nt e, d ei xa nd o - a e sco r r er p ela e nco st a ab ai xo ( o p e sad e lo d o s a mb i en ta li st as ) . Acr e sc e nta r e mo s ap e n as q ue e st e s ite se si t ua v a na p e r i fer ia d e Ro ma , a cid ad e eter n a – e q u e ta l n ã o é u m aca so . A o b r a Co n c re te Po u r ( 1 9 6 9 ) er a se me l ha n te, e o d er r a me d e c i me n to r e s va la va p ar a u m g r a nd e la go . 811 A no ção d e “cr i s tal i no ” er a f u nd a me nt al p ar a o ar ti s ta, e so b r e e le r e fl e cti u n u m te xto d e 1 9 6 6 i n ti t ul ad o “T he Cr ys t al La nd ” , e m Ro b e r t S mi t h so n: T h e Co ll ect ed W r it i n gs, p . 7 -9 . E ste c o me ça co m a d e f i niç ão d e ge lo , o med iu m mai s estr a n ho à vid a o r gâ ni ca ( u ma p eq u en a q u a nt id ad e d e ge lo d isr up ta co mp le ta me n te o p r o ces so d a b io s fer a) . Ser á atr a vé s d es te co nce ito i mp es so a l q ue o ar t i sta d e sd e n ha r á d a ex i stê n ci a d e u ma ú ni ca p o r ção d e te mp o /e sp a ç o , e ap e lar á a u ma «g eo lo g ia » d o s s ub úr b io s, o nd e o se n tid o d o cr i s tal i no , se g u nd o ele, p r e va le ce. 810 230 se prolongam nas suas margens, acompanhando os seus meandros, ou «vomitando » água negra nas suas águas. Smithson fotografa-os e intitula-os de “monumentos” 812 dessa cidade industrial dos subúrbios. O que queremos sublinhar aqui é que é esta a paisagem que ele quer «contemplar» (usamos aqui esta palavra como provocação) que ele crê ser digna de contemplação/intervenção. Talvez muitos a considerem uma anti-paisagem (minas abandonadas, parques industriais degradados, buldózeres e escavadoras que, inactivos, se assemelham a dinossauros na terra remexida, lugares votados ao abandono, etc.), mas não temos dúvidas quando afirmamos que era, para Robert Smithson, uma paisagem muito amada: tanto quanto a montanha Sainte-Victoire o foi para Cézanne. Este pintor era, aliás, referência para Smithson. É a ele que daremos palavra agora, citando-o enquanto conversava com Joachim Gasquet. Irritado, furioso e sombrio, olhava para um dos quadros em que estava a trabalhar e dizia amargurado: “Esta tela não sente nada. Diga-me que perfume se liberta. Que cheiro liberta?” 813 O cheiro que se liberta destas fotografias dos subúrbios de Robert Smithson é de podridão, de destroços e de corrosão. Cheiram mal (é uma paisagem que já não sente?). Apenas as referimos por uma razão: é o mesmo Robert Smithson que introduzirá espelhos em paisagens mais idílicas — vastas, desertas, inóspitas, remotas, e portanto mais receptivas “à beleza selvagem de um solo coberto de montanhas e de florestas ancestrais” 814 — mas que ainda contêm alguns vestígios deste odor “informe” 815, impuro, tão específico, que as marcará sempre. E vocês, na literatura palram, gritam Vénus, Zeus, Apolo, quando já não conseguem dizer com emoção profunda espuma do mar, nuvens do céu, força do sol 816, afirmava o pintor de Aix-en-Provence. 812 C f o s e u t e xto d e 1 9 6 7 e m Ro b er t S mi t h so n : T h e Co ll ec ted W r it i n gs , p . 6 8 - 7 4 . P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 6 5 . 814 Al e xa nd er Vo n H u mb o l t - P i n t ur a s d a Na t ur ez a, p . 1 0 1 . 815 Ro s al i nd Kr a u s s e Yv e - Ala i n B o i s i ns er ir ão o ar ti s ta no se u e n sa io d ed icad o ao in f o r me ( ao ap a gar e ao d es f azer d a fo r ma ) e m F o r mle s s: A U s er ´s G u id e ( 1 9 9 7 ) . 816 P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 7 2 . 813 231 Inesperadamente, Robert Smithson convoca os elementos da natureza para um verdadeiro banquete (sobretudo o ar, a terra e a água) em Incidents of Mirror-Travel in the Yucatan (1969). Esta obra é composta por um conjunto de fotografias e um texto que o artista escreveu com o mesmo nome 817, uma espécie de caderno de viagem bastante detalhado (que vimos como parte integrante da mesma). Deveremos lembrar-nos que foi uma obra de arte produzida com o intuito de ser fotografada, e que portanto “regista, diagnostica e informa” 818 (controla) o que o artista pretendia. E como poderíamos esquecer que foi um caminho percorrido, com nove pontos que se podem assinalar num mapa do México? Descreveremos esta obra de forma muito simples: 12 pequenos espelhos quadrados de 30 cm são inseridos em pontos específicos da paisagem 819, dispostos de forma calculada. Primeiro ponto a assinalar: a natureza de Smithson não expulsa o homem, mas agrega-o em si. Este homem deixa pegadas numa paisagem aparentemente «intocada», como que reivindicando o seu lugar nela (Mirror Displacement nº2); sente o cheiro das algas secas junto a uma água cor de jade (Mirror Displacement borboletas nº 4), surpreende-se precipitar-se quando erraticamente sobre vê um os conjunto espelhos de (tão rapidamente que a máquina fotográfica só regista uns pequenos pontos negros, e os espelhos quase nem deram pela sua presença, em Mirror Displacement nº 3); medita sobre o sentido de uma estranha terra queimada cheia de cinzas finas, que parecem tão macias (Mirror Displacement nº 1). O artista optou por escolher, em muitos dos sites escolhidos, um ponto de vista para fotografar que é quase rente ao chão, talvez fazendo valer a sua tese humorística que os artistas deveriam ter “olhos de lagarta” 820. Os doze espelhos colocados em diversos pontos da viagem de Smithson funcionam como uma adição ao site, como o artista refere 817 Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 1 9 -1 3 3 . Se g u nd o S u sa n So nt a g, as tr ês p a la vr as q u e e x ig i mo s à fo to gr a fi a, e m En sa io s so b r e Fo to gr a f ia, p . 1 4 6 . 819 No e nt a nto , co nt a mo s 1 3 esp el ho s no “S eco nd Mir r o r Di sp lac e me n t”. 820 Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 2 6 . 818 232 numa entrevista 821, mas também um peso que nos alerta quer para as várias fricções existentes entre oposições de matérias em bruto que são pressionadas contra o espelho (árvore-espelho/selva luxuriante- espelho/ areia-espelho…), quer para doze centros de gravidade (doze espelhos colocados na posição horizontal, frágeis e efémeros) que estão aptos para “capturar a luz em cada local” 822 (Cézanne!). Veremos de seguida que esta luz apenas atordoará o nosso olhar. Nas margens do rio Usumacinta (Mirror Displacement nº 8), os espelhos foram montados num plano oblíquo que caía, escoava, erodia, tombava: “O rio firmava-se em calcário, loess, e matérias semelhantes, que firmava o declive, que firmava os espelhos. A mente firmava os pensamentos e memórias, que firmava pontos de vista, que firmava oscilantes olhares.” 823 A palavra mais repetida neste breve trecho do artista, “firmar”, não cumpre o que promete (apoiar, suster, amparar). Ou então é uma promessa vã, pois tudo se desmorona, até o nosso olhar, nesta sobreposição consecutiva de camadas. A própria visão recusa-se a firmar seja o que for, e desmantela-se: Os olhos, infectados por todo o tipo de tropismos inomináveis, não conseguiam ver bem 824. Chega-se mesmo a um ponto de ruptura onde o artista confessa que parecia que apenas os pés conseguiam ver 825. A reflexão perfeita é aqui sabotada (é uma “anti-visão” 826, como o próprio Smithson afirma), e persiste a pergunta feita por ele, para a qual não temos resposta: porque é que os espelhos mostram uma “conspiração de mutismo” 827 em relação à sua própria existência? Esta forma de pensar pode ser ligada de forma frutuosa a uma fotografia de Clarence John Laughlin 828. Um rapaz, de pé numa grande escadaria, tapa a cara com um espelho. Este tem um brilho tão forte que irradia luz em redor – e nada reflecte. Este cancelamento da 821 Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . S mi t h so n, Ro b er t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i t in g s, p . 1 9 2 . 823 Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 824 S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 . 825 S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 . 826 S mi t h so n - Ro b e r t S mi t h so n: T he Co lle ct ed W r i ti n g s, p . 1 3 0 . 827 Ro b e r t S mi t h so n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 828 C f. se g u i nte s c at álo go s: C la r en ce Jo h n La u g h lin , V i sio n a ry Ha u n te r o f R u in s . P h o to g ra p h y o f Cla ren ce Jo h n La u g h l in . 190. 822 233 130. 124. Ph o to g ra p h e r e reflexividade, esta luz que é banida da sua superfície (o medium que se vira contra si mesmo!) também existe em Smithson 829 (ver Fig 50 e 51). Os espelhos inoperativos (por excesso ou por falta de luz), já existiam na sua obra. Cayuga Salt Mine Project (1968) tinha uma secção com espelhos dispostos dentro de uma mina (provavelmente numa alusão à caverna de Platão?), que pouco uso teriam a quem por lá passasse; Enantiomorphic Chambers (1965; brevemente descrita na nota de rodapé número 834) elimina sabiamente, através da ilusão óptica, o reflexo do espectador. Mas o que é surpreendente em todos os seus nove incidents é o que podemos ler nas entrelinhas. É uma obra que põe em causa a visão (sim, isto ele diz), mas também aponta o dedo ao que se entranha nas profundezas (isto ele não refere, mas subentendese). Ziggurat Mirror (1966) ou Mirror Strata (1966-1969) são obras que já aludem claramente a um outro tempo, fazendo-nos viajar para outras paragens. Incidents of Mirror-Travels in the Yucatan faz derivar o seu título a uma expedição do século XIX exactamente à mesma área, feita pelo popular escritor de viagens americano John Lloyd Stephens, que publicou um artigo em 1843 a que chamou Incidents of Travel in Yucatan. Ele e Frederick Catherwood (o arquitecto britânico que ilustrou os seus relatos) pretendiam mostrar o exotismo de uma civilização rica, mas perdida e esquecida pelo tempo: as ruínas das antigas cidades maias. Era todo um novo terreno virgem por desbravar, novas formas e artefactos a serem descobertos (estelas, ídolos, templos, etc.), que, uma vez catalogados, foram embalados com destino incerto, rumo a Nova Iorque 830. 829 En a n t io mo rh i c Ch a mb er s b r i nc a co m a id e ia d e v is ão b i no c u lar ( vi são co mo il u são d e u n id ad e) , j á q ue fa ci l me n te no s e sq ue ce mo s q ue a e str u t ur a d o s no s so s o lh o s é es ter eo s có p i ca ( ve mo s e m d up li cad o ; a i ma g e m “f i na l” é a s si mi l ad a e j u n ta p elo no s so cér eb r o ) . Ne st a o b r a as i ma ge n s e sp ec ula r e s ca nc ela v a m- s e, ab o li nd o a i ma ge m c e ntr al f u nd id a – o q ue fa zia co m q ue o esp ect ad o r … d es ap ar ece s se; C f. “E na nt io mo r p h ic Mo d e ls ”, d e An n R e yn o ld s , e m R o b er t S mi t h so n , catá lo go ed it ad o p o r E u g e nie T sa i , p . 1 3 7 -1 4 1 . 830 C f. J e n ni f er L. Ro b er t s - Mir r o r -T r a v el s, p . 8 6 - 1 1 3 . 234 Porque é que Smithson alude à viagem destes exploradores de forma tão óbvia, se depois não os refere no texto? Teria medo de ser confundido com a anterior ganância imperialista, os seus “relatórios sistemáticos” 831 das ruínas, os seus troféus? Duvidamos. A crítica Jennifer L. Roberts vê o seu gesto como um “desfazer” 832 das operações de Stephens, sobretudo do seu paradigma narrativo. E, de facto, os espelhos de Smithson eram montados, fotografados e depois desmantelados (terão existido?); as ruínas estavam muito próximas do seu campo de visão, mas nunca surgem nas fotografias. Esta nova camada da história, feita com os seus espelhos-viajantes, apagariam eles a viagem anterior? Podem eles “cancelar o tempo histórico” 833, como defende a mesma crítica? Ou reconstroem, como as Enantiomorphic Chambers, a nossa inabilidade para ver e o colapso do nosso campo visual? É que ele é um viajante que caminha para a cegueira, que vê com os pés! — que consegue “ver” a própria cegueira! — e que apenas nos pergunta o que é viajar, ver, representar? O que é um lugar, um ponto no mapa? E nós sentimos o que ele terá, porventura, sentido na altura em que colocou estes espelhos na paisagem “extraterrestre” 834 de Yucatán: o Yucatán fica noutro sítio 835. Esta é a enigmática frase final do seu ensaio. (Consultemos o mapa do Sineiro de Carroll 836: talvez este consiga precisar melhor a sua localização). Quando olhamos para esta obra, não deixamos de pensar: atenção! Haverá ainda espelhos obsidianos maias a serem descobertos em templos escondidos pela vegetação, nas camadas mais fundas da terra? 831 J en ni f er L. Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 8 8 . J en n i fer L . Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 9 6 . 833 J en n i fer L . Ro b er t s - M ir r o r -T r av el s p . 1 1 0 . 834 P ala vr a s d o ar t i sta , e m 1 9 7 0 - Ro b er t S mi t h so n : T he Co l l ec ted W r i ti n g s , p . 2 9 5 . 835 Ro b er t S mi t hso n - Ro b e r t S mi t hso n : T h e Co l lec t ed W r i ti n g s, p . 1 3 3 . 836 Ver Le wi s Ca r r o l l - A Ca ça ao S nar k, p . 1 4 . Ci ta mo s: “T r o u xer a p ar a b o r d o u ma car t a d o mar / O nd e d e ter r a ne m c h eir o h a vi a./ E r a u m p ap el f a cíl i mo d e in ter p r et ar / E o s ho me n s p ul ar a m d e ale gr ia ”. Ac o n se l ha mo s vi va me nt e q ue se vej a o f ab ulo so d e se n ho d e st a “Car ta d o s Mar e s” , na p . 1 5 . 832 235 E o facto deste trilho de espelhos ser colocado não sobre, mas dentro de uma «t erra devastada» (por antigos e desrespeitosos exploradores; por sangue derramado, se considerarmos os sacrifícios humanos praticados por este povo antigo) ganha imediatamente outro significado, outro «cheiro ». * Map of incontornável Glass na obra (Atlantis) 837, do artista é, para nós, americano. uma Segundo referência a nossa perspectiva, ela introduz a ideia de um espelho-ruína, a par de um inesgotável convite à especulação. A obra alude, através do seu título e da sua forma, ao mítico continente perdido da Atlântida, enorme ilha que as histórias antigas contam ser de uma riqueza extraordinária (por vezes lembrando o sereno mundo dos Feaces), mas cujo povo suscitou, pela sua ganância, a cólera divina de Zeus, e acabou por ser castigado de forma perversa e cruel. Apenas durante um único dia e uma noite terríveis, ou assim reza a fábula, a ilha afundou-se no mar que ainda hoje partilha um nome semelhante ao seu. Uma Pompeia inteira sepultada sob as águas 838… Para nós, cépticos, esta é mais uma bela história (acreditar que esta ilha existiu no espaço e no tempo é pura ficção científica – e percebe-se porque é que Smithson, fã deste género literário, era fascinado por esta questão). Nós não acreditamos que tenha existido, ou que exista ainda algures — o que é diferente de dizer que a conseguimos expulsar facilmente do domínio do pensamento. Novamente a Atlântida nos remete para os vários envelopes que o tempo contém: podemos considerar que foi um continente totalmente «inventado » por Platão (no Crítias e no Timeu, baseando-se em Heródoto e Tucídides), como defende Pierre Vidal-Naquet em A Atlântida. Pequena História de um Mito Platónico (e a partir do qual 837 838 Co lo cad a e m L o vel ad i e s I sl a nd , No v a J ér si a, d e 1 1 a 3 1 d e J u l ho d e 1 9 6 9 . J úl io Ver ne - U m C o nt i ne n te q u e D es ap ar e ce u, p . 3 3 2 . 236 se desenvolveram as mais diversas migrações). A Atlântida, e citamolo, é uma “anti-história” 839, é uma história que é fruto da imaginação de Platão, é fabricada. Um professor de literatura grega e italiana (uma mente lúcida que tinha algo de louco, segundo Vidal-Naquet), em 1779, deu-lhe uma interpretação política que vale a pena referir: por detrás do desmoronamento da Atlântida, é preciso “ler a queda de Atenas às mãos dos seus inimigos no final da Guerra do Peloponeso, após vários decénios de imperialismo marítimo” 840. A Atlântida foi, portanto, e segundo este ponto de vista, uma catástrofe, um mundo que ruiu (a cidade que ficou submersa e a cidade de Atenas que a imitou, desabando também). Aludamos à obra de arte em si. Ela é de uma beleza extraordinária: finos pedaços de vidro aleatoriamente dispostos em camadas formam uma pequena ilha de fragmentos caóticos. Imaginamos que ao longo do tempo estes vidros de arestas cortantes serão cada vez mais pequenos, até se tornarem areia cinza-esverdeada. Conseguiremos nós ser como o passageiro da música de Igg y Pop, escapando impunes? I am the passenger I stay under glass… 841 Nesta obra já não há pegada do homem. Entramos no domínio entrópico do tempo, e isso assusta. Estes pedaços de vidro não podem, como o espelho de Zhang Peili 842 , ser (metódica e pacientemente) colados uns aos outros. “Humpt y Dumpt y” 843 permanecerá desmembrado para sempre. 839 P ier r e Vid al - Naq ue t - A Atl â ntid a , p . 2 4 . Gi u sep p e B ar to l i, c it. p o r Vid al - Naq ue t - A Atl ân tid a, p . 1 2 1 . 841 Letr a d e u ma mú s i ca d e I g g y P o p a n d th e S to o g es i nt it u lad a “T he P as se n ger ”. 842 Re f er ê n cia à víd eo -o b r a d e Z ha n g P ei li i nt it u la d a 3 0 x3 0 ( 1 9 8 8 ) , o nd e d ur a n te o s se u s 1 8 0 mi n u to s d e d ur ação se v ê o ar ti st a a p a r tir u m e sp el ho , p ar a d e p o is vo lt ar a j u nt ar o s p ed aço s co m co la, r eco n st r ui nd o -o le nt a me n te. 843 Ro b er t S mi t h so n go st av a d e e xp l icar o co n cei to d e e ntr o p ia r e f er ind o -s e à le n ga le n ga i n fa n ti l i nt it ul ad a “H u mt y D u mp t y”, q ue c it a mo s d e se g uid a : “H u mp t y D u mp t y sa t o n a wa ll, / H u mp t y D u mp t y had a gr e at fa ll . / All t h e Ki n g ´s ho r s e s/ 840 237 Saltemos agora para um novo bocado de vidro transparente, na esperança que o possamos «colar» mais tarde. W. G. Sebald, em História Natural da Destruição (1999), descreve uma zona residencial densamente povoada, a leste do rio Elba, sobre a qual caíram dez mil toneladas de bombas na segunda Guerra Mundial. É um relato pouco comum, politicamente incorrecto, porque incide sobre a devastação de que os alemães (o outro lado da história) foram alvo. Citemo-lo: “No seu auge, a tempestade levantou coberturas e telhados de casas, atirou ao ar vigas e tabuletas inteiras, arrancou árvores do solo e levou pessoas à sua frente como tochas vivas (…) Em alguns canais a água ardia. Os vidros das janelas dos eléctricos derreteram, o açúcar armazenado ferveu nas caves das padarias. Os que tinham fugido dos seus abrigos afundaram-se, grotescamente contorcidos, nas bolhas espessas formadas pelo asfalto derretido” 844. São imagens que arrepiam; como é que se sobrevive num país em ruínas? Qual a forma que as pessoas encontram para lidar com experiências que ultrapassam o limite do tolerável? É possível que acontecimentos terríveis se tornem arte? Houve pintores que se aventuraram a representar essa zona proibida que qualquer catástrofe anuncia (dor, pavor e terror), mesmo as catástrofes ditas naturais, reinventando dessa forma o tema da paisagem: Turner pintou um mar revolto, com enormes vagas escuras que parecem fustigar vários pequenos barcos que rodopiam como um pião na tempestade; Géricault 845 centra-se nas poses e expressões das An d al l t he Ki n g ´s me n / Co uld n ´t p ut H u mp t y to g et h er a g ai n” . C f. M y Fa vo ur it e N ur s er y R h y me s, s /p á g i na. 844 W . G. S eb ald - Hi s t ó r ia N at ur al d a De str u ição , p . 3 1 . E s ta o p er ação d e d es tr uiç ão d e u ma c id ad e fico u co n he cid a co mo “Op er ação Go mo r r a”. 845 J o sep h Ma llo r d T ur ne r , O Na u frá g io ( e xib id o e m 1 8 0 5 , T ate B r i ta i n) e T héo d o r e Gér i ca u lt, A Ja n g a d a d a Med u sa ( 1 8 1 9 , M u s e u d o Lo u vr e) . C f. Lu ke Her ma n n T ur n er ; so b r e Gér i ca u lt , v er o i n sp ir ad o r te xto d e J ul ia n B ar ne s – Na u fr á gio , p . 1 3 1 -1 5 8 , e Alb er t Al h ad e f f - T h e Ra f t O f T he Med u sa, o nd e p o d e mo s ver o s esb o ço s q ue r ea lizo u p a r a o q u ad r o fi na l, d e m e mb r o s d ecep ad o s, e d e co r p o s e m av a nçad o e st ad o d e d eco mp o si ção . Le mb r a mo s q ue fo i u m q uad r o q ue p a r ti u d e u m aco nte ci me n to “r eal ” – ma i s d e u ma vi n te na d e ho me n s ab a nd o nad o s d ur a n te 1 5 d ia s, e m 1 8 1 6 , n u ma j an g ad a co m cer ca d e v in te me tr o s d e co mp r i me n to , q ue ti ver a m d e co me ter o s a cto s mai s ho r r í v ei s p ar a so b r e vi v er , d e sd e b eb e r a p r ó p r ia ur i na e p r a ti car o ca nib al i s mo , a a tir ar e m p ar a o mar a tr ip u laç ão q u e se en co ntr a va e m e st ad o ma i s f r aco , d e fo r ma a r acio n ali zar e m a p o u ca co mid a ex i ste n te. Ho u v e ho me n s q ue o p ta r a m p o r s al tar p ar a o mar a vi v er n aq u ele e sp aço . 238 pessoas que habitam uma pequena jangada de madeira sobrelotada, onde mais de metade das pessoas parecem ter perdido a esperança, virando as costas ao horizonte, e o pintor nos deixa ver a “melancolia roída dos rostos, a tristeza daquela gente excitada” 846. Casper David Friedrich, pintor da era romântica, tem uma outra abordagem ao mesmo tema. Em Artic Shipwreck, quadro que por vezes também é conhecido como Polar Sea (1824), decide pintar uma tragédia isenta da intensidade dramática de Turner e da angústia humana de Géricault. Não há gritos nem choros, não há corpos putrefactos. Ele neste aspecto é categórico: não quer apelar à nossa emoção. A sua paisagem é vasta, imensa. É feita de blocos de gelo — enormes lascas, que, silenciosamente, engolem e puxam para as suas águas frias um navio (ou o que resta dele e da sua tripulação), e o devoram, inteiro. A sua perspectiva mais rígida (implacável, se quisermos) talvez demonstre o que Kant apelidou, não de sentimento de “belo”, mas de “sublime” 847, e que simplificaremos da seguinte forma, esperando não incorrer em erro: algo com o qual não podemos medir forças, pois ficamos sempre a perder. É com “íntimo respeito” 848 que olhamos para este quadro: é com calafrios no corpo que a ele reagimos. Ocorre-nos Gér i ca u lt, p ar a a co n cr eti zaç ão d a s u a i mp o n en te p i n t ur a , falo u co m d o is d o s so b r e v i ve nt e s d e s ta tr a g éd ia, e, fac to c u r io so , c o n str u i u u ma r ép li ca e x acta me nt e ig u a l à d a j a n gad a, e m mi n ia t ur a , o nd e co lo co u mo d elo s d e cer a r ep r e s en ta nd o o s so b r e v i ve nt e s. 846 P au l Céz a n ne - P a u l Cé za n ne p o r Él ie Fa ur e , p . 1 1 8 . 847 Fo i o a uto r g r e go Lo n g ino o r e sp o n sá ve l p o r c u n har o ter mo “s ub l i me ”, e m 2 0 0 d . C., co m u m tr a tad o i n tit u lad o “Do S ub l i me ” ( q ue p ar a ele eq u i va lia a u ma fo nt e d e p r az er , d e b o nd ad e mo r al e d e e mb r i a g u ez) . E d mu n d B ur ke ( 1 7 2 9 -1 7 9 7 ) as so c io u -o p o s ter io r me n te a u m se n ti me n to d e med o , no se u tr atad o Ph ilo so p h i ca l I n q u ir y in to th e O rig in o f Ou r I d ea s o f th e S u b li me a n d th e Bea u ti f u l ( 1 7 5 7 ) , e ma i s t ar d e I m ma n u el Ka nt p o li r á o s id e ia s d o se u a n tec e sso r , s u g er i nd o q ue o q u e d eno mi n a mo s d e “s ub l i me ” não é u m o b j ect o , ma s si m u ma “d isp o si ção d e esp ír i to ” ( Ka n t – Se g u n d o Li vr o : An a lí tic a d o S ub l i me, p . 1 4 5 ) , u ma t en ta ti va d o no s so j uí zo d e r e fl e xã o e m c ap tar o i li mi t ad o ; d es cr e ve u -o ta mb é m co mo u m p r azer ne ga ti vo , u m “d esp r azer ”, o nd e j á não ex i st ia u ma “s er e na co n te mp l ação ” d o b elo , ma s u m “ab a lo ” ( p . 1 5 4 ) o u u m mo vi m en to d o â n i mo . Fr i sa va t a mb é m q ue o s esp ec tác u lo s o mn ip o t en te s q ue a n at ur eza o fe r eci a só er a m s ub l i me s na med id a e m q ue nó s, o s e sp ec ta d o r es, no s e nco ntr á ss e mo s e m s e g ur a nç a ( p . 1 5 8 ) e q ue o s ub l i me “u ltr ap a ss a o p ad r ão d e med id a d o s se nt id o s ” ( p . 1 4 5 ) . C f. t a mb é m Fer na nd o Ro sa Dia s - S ub l i me e P i nt ur a , 9 2 -1 2 0 e Ala i n d e B o t to m - Do S ub li me , p . 1 5 5 -1 7 6 . E s te úl ti mo au to r r e s u me es te co n ce ito d a se g u i nte fo r ma : o s ub l i me é “a no s sa fr a gi lid ad e co n fr o n tad a c o m o v i go r , a id ad e e a d i me n s ão d o u ni v er so ” (p. 164). 848 Ka n t – Se g u nd o L i vr o , Ana lí tic a d o S ub l i me, p . 1 6 2 . O fi ló so fo r e fe r ia - se ao r esp eito q ue d e v er e mo s ter p ar a co m o p o d er d e va s tad o r e s el v a ge m d a na t ur e za. 239 ao espírito o poema que Melville intitulou de “O Icebergue (um sonho)”, que queremos partilhar, citando o seu início: V i u m b a r co d e p o r te ma rc ia l ( De flâ mu la s a o ven to , e n g a la n a d o ) Co mo p o r me ra lo u cu ra d ir ig in d o - se Co n t ra u m imp a s sív el ic eb erg u e, S em o p er tu rb a r, em b o r a o en fa tu a d o b a rco se a fu n d a s se . 849 Breve nota final: o rio de Caspar David Friedrich, esse é o mesmo do relato de Sebald — o Elba —, já que ele utilizou pequenos estudos a óleo de blocos de gelo (num inverno particularmente rigoroso, o de 1820-21), que posteriormente incorporou numa outra tela no conforto do seu atelier. De Sebald para Friedrich: a passagem de um rio de fogo a um rio de gelo. Em ambos se insinua a ruína. É esta obra do pintor romântico que sentimos merecer conviver lado a lado com Map of Glass (Atlantis). (Haverá outros pontos em comum, que podem ou não ser levados em consideração 850.) Em Robert Smithson já não há a procura de uma transcendência na paisagem, nem se espera uma resposta (um ouvir das nossas preces). Se ainda existe Deus (ou Zeus), eles devem estar soterrados sob os escombros de Map of Glass. Nesta fascinante obra há apenas pedaços de vidro que se tornarão pó, e um trabalho que é uma “calma catástrofe” 851 de matéria e de mente, onde o silêncio reina. * 849 Her ma n M el vi ll e - O I c eb er g ue ( u m so n ho ) , p . 5 5 . U ma fo to gr a f ia d e Ro b er t S mi t hso n ti r ad a p o r Gia n f r a nco Go r go ni o nd e ele ap ar ec e se nt ad o so b r e u ma s r o c ha s, a d e se n ha r no se u b lo co ( mu i to p ar ecid a co m o s p er so na g e n s d e Fr i e d r ic h q ue co nt e mp l a m a v a st id ão d a p ai sa g e m ) . Só q u e o enq u ad r a me n to d e S mi t h so n não é u ma p a i sa g e m “i nto c ad a” , ma s u m a p ai s a ge m co m d o i s gr a nd e s p ne u s, co r d a s, ve s tí g io s d a s gr and es r o d a s d e ca mi õ e s na ter r a. 851 Ro b er t S mi t h so n - Ro b er t S mi t h so n : T he Co lle cted W r it i n gs , p . 1 9 4 . As si m r es u me o ar ti s ta o se u tr ab al ho . 850 240 O tempo, no pequeno vídeo de Rui Calçada Bastos, parece ser cíclico. É uma pedra que atiramos à água, e que engendra vários círculos concêntricos. Em Smithson o tempo é geológico, entrópico, estratificado. Há a procura explícita de uma colisão de tempos diferentes, há o fascínio provocado por esse encontro inesperado, um pouco parecido com o de um dos tripulantes do Náutilus, que, guiado pelo capitão Nemo, descobre as ruínas da Atlântida: “Esmagava com os meus pesados sapatos esqueletos de animais fabulosos (…)” 852. Mas em ambos o tempo é o agente que dá uma certa “textura” 853 aos trabalhos. Em The Mirror Suitcase Man o homem surge desumanizado, mas ainda existe, condenado a repetir uma acção enfadonha (andar com uma mala espelhada); no segundo, sentimos que se abre um fosso sobre a história humana: a geologia vem à frente, e para ela o homem é insignificante, ou simplesmente inexistente. Damos agora a palavra ao crítico James Lingwood, que em Field Trips escreveu de forma notável sobre o tempo pós-histórico de Smithson: S mi th so n q u e r ia q u e a su a o b ra e mu la s se o p r o ces so d e en t ro p ia . Qu er ia b rin ca r co m o te mp o , l u ta r co m e le, a ce la rá - l o o u d e sa ce ra lá - lo a té a o p o n to d e d e sin teg ra çã o , a p re s sa r o co la p so d a s e st ru tu ra s e d o s s is te ma s d e cren ça s su b ja cen te s a ess e Te mp o “h i stó ri co ”. S mi th so n , o g ra n d e a rt i sta / en t ro p ó lo g o d a su a g e ra çã o , p ro jec to u a su a o b ra n a s ex ten sõ e s ma io re s d o te mp o e i m a g in o u a su a a ca l mia f in a l, a té a o p o n t o e m q u e n a d a p o d er ia se r d i fe re n cia d o e tu d o d e ixa r ia d e te r fo rma . 854 Ao rio voltamos. “ Uma vez encontrado esse rio, mesmo de noite, não se poderia perder, pois o curso gelado o guiaria” 855, conta-nos uma maravilhosa história infantil, de um cavaleiro que, qual Ulisses, regressa a casa após uma longa viagem. 852 J úl io V er ne - U m Co n ti ne n te q u e D es ap ar e ce u, p . 3 3 4 . Gar y S hap ir o - E ar t h wa r d s, p . 3 9 . 854 J a me s Li n g wo o d – O P e so d o T e mp o , p . 1 7 . 855 So p hi a d e Me lo B r e yn e r And r e se n - O C a val eir o d a D i na ma r ca, p . 5 0 . 853 241 Os rios destes dois artistas inspiram-nos veneração e medo. O rio de Smithson é semelhante ao de T. S. Eliot, “sua óleo e alcatrão” 856. É um rio infernal, com inúmeras ramificações, e que, como o Aqueronte, nos projecta em abismos desconhecidos. Com o rio de Rui Calçada Bastos bebemos a água do Letes 857 contra a nossa vontade, enquanto entoamos o mantra de um outro artista contemporâneo: As Long as I´m Walking, I Will Not Remember 858. Sem o seu curso para nos guiar, para onde iremos a seguir? 856 T . S. E l io t - A T er r a D e va s tad a, p . 3 8 . O r io Let e s er a u m d o s r io s mí tico s d o Ha d es, c uj a s á g ua s ca u sa va m, ao s mo r to s q ue o b eb ia m, o esq ue ci me n to d o se u p as sad o , d a s ua vid a t er r en a ( e d e ig u al mo d o , a nt es d e r e t o ma r e m u m co r p o e d e r egr e ss ar e m à v id a, d e le b eb ia m, o q ue l he s r et ir a va a me m ó r ia d o q u e t i n ha m p r e s en ciad o no mu n d o s ub te r r â neo ) . O Aq uer o nt e er a o ut r o d o s r io s d o s I n fer no s ( me nc io nad o n a Od i s seia e n a D iv in a Co m éd ia d e D a nt e) , q u e a s a l ma s d e v ia m atr a ve s sar p ar a c he gar ao i mp é r io d o s mo r to s; e st a va q ua se es ta g nad o , e ti n h a a s mar ge n s e mb ar a çad a s d e j u nco s e d e lo d o . Ver a s r e sp ec ti v as e n tr ad a s e m P ier r e Gr i ma l - Di cio n ár io d a Mito lo gia Gr e ga e Ro ma n a , p . 2 7 4 -2 7 5 e p . 3 5 , r e sp ec ti v a me n te. 858 Fr a nci s Al ys - Fr a n ci s Al ys , p . 1 3 3 . ( Cat álo go ed it ad o p o r C u a u hté mo c Med i na , P ha id o n, 2 0 0 7 ) 857 242 De Louise Bourgeois a Hans Bellmer – a memória A tr a sa r a vid a co mo s e a t ra sa u m re ló g io n o Ou to n o . Ti ra r s imp le sm en t e o r eló g io - vid a d a p a red e e fa z ê - lo a n d a r p a ra trá s, a n d a r p a ra trá s a té to d o s o s n o s so s mo r to s a p a r ece r em, co m o a h o ra o fi cia l. P hi lip Ro t h, O T ea t ro d e S a b b a th 859 A min h a in fâ n cia , re ve r a min h a in fâ n c ia ? M a is d e d e z lu s t ro s me s ep a ra m d e la , e o s meu s o lh o s d e p r esb ita ta lv ez lá p u d e s sem p en e tra r se a lu z q u e d ela d i ma n a n ã o es tiv es s e in te rc ep ta d a p o r o b s tá cu lo s d e to d o o g én ero , q u e fo rma va m a lta s mo n ta n h a s: to d o s o s a n o s e ce rta s h o ra s d a m in h a v id a . I talo S v e vo , A Co n sc iên cia d e Zen o 860 Ma s na rea lid a d e a memó r ia , c la ro , fa lh a se mp re. Dema s ia d o s ed i fí cio s ru í ra m, a mo n to o u - se d ema sia d o en tu lh o , sã o in tra n sp o n í vei s o s sed imen to s e a s mo r eia s. W . G. Seb ald , O s An é i s d e S a tu rn o 861 859 860 861 P hi lip Ro t h c it . p o r J a m es W o o d - A Her a nça P e r d id a, p . 3 1 0 . I ta lo S v e vo - A Co n sci ê nc ia d e Ze no , p . 5 . W .G. Seb ald - O s An éi s d e S at ur no , p . 1 7 3 . 243 No ano de 1632, Rembrandt van Rijn (1606-1669) pinta uma tela a óleo que será conhecida como A Lição de Anatomia do Dr. Nicolaes Tulp. Nesta pintura vemos um grupo de homens reunidos, solenemente vestidos, a assistir à dissecação de um cadáver (o que na altura se fazia numa cerimónia pública bastante concorrida, e muito poucas vezes por ano, geralmente nos meses mais frios 862). Este acontecimento que o pintor representa, no entanto, parece ter um carácter mais privado: estes homens da ciência — com o seu olhar imbuído de uma “rigidez cartesiana” 863, como afirmou W. G. Sebald — reúnem-se entre si para debater e aprender com o famoso médico da guilda dos cirurgiões, o Doutor Tulp. Estão concentrados, totalmente absortos na lição anatómica que está a ser dada, e não olham para nós. O nosso olho leigo, ou “ignorante” 864 (como diz Julian Barnes) nota três pormenores que imediatamente se destacam. Talvez o mais notório seja que, apesar da abertura incisiva de uma parte do corpo, não haver quaisquer vestígios de sangue naquela mesa de «demonstrações » (nem um pingo salpicou aquelas golas elegantes e esbranquiçadas); personagens o segundo «vivos» estão elemento pintados que destacamos de negro, sobre é que os um fundo escurecido, e é o morto que emana luz, apesar de ter o rosto parcialmente obscurecido; por último, os médicos de renome 865 olham, não para o corpo, mas para o que parece ser um livro anatómico. O corpo que está sobre a mesa não lhes interessa, ou antes, só lhes desperta a curiosidade na medida em que é um corpo colocado ao serviço da sua aprendizagem. O nosso olho culto diz-nos outras coisas, sem todavia negar os pensamentos anteriores. Segundo a opinião de muitos historiadores de arte, o livro que consultam com 862 interesse deverá ser, muito C f. S i mo n Sc ha ma - Au to p s y, p . 3 4 3 . W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 . 864 J ul ia n B ar ne s - A H is tó r i a d o M u nd o e m 1 0 Cap ít u lo s e Me io , p . 1 4 8 . ( B ib lio g r a fi a 4 .4 ) 865 Os p er so n a ge n s r e tr a ta d o s não er a m méd ico s, ma s si m p e sso a s i mp o r t an te s q ue p ag a va m p ar a ser r ep r es e ntad o s p ar a a p o s ter id ad e. C f. P i er r e Cab a n ne Re mb r a nd t. 863 244 provavelmente, uma cópia dos diagramas rigorosos de Vesalius, De Humani corporis fabrica, Libri septem 866, “obra única onde se combina o estádio mais desenvolvido da ciência representação artística e sofisticada do corpo” da 867 anatomia com a ; os órgãos extraídos iam sendo nomeados 868 (e destaca-se portanto a importância da audição, a par da visão em acontecimentos deste tipo); o rosto do morto, apesar de estar na sombra, é revelado em toda a exactidão dos seus contornos, o que foi, na altura, uma característica inovadora para a pintura pertencente ao mesmo género artístico. Mas sobretudo apercebemo-nos de um pequeno facto que ganha uma importância desmedida, e que faz com que esta «lição» se torne uma lição no sentido mais literal do termo: o corpo foi aberto começando pela mão. Isto porque os cadáveres eram sempre abertos, primeiro, pelo abdómen, e pela consequente remoção dos intestinos, que é o que apodrece mais depressa e o que deixa no ar aquele fedor nauseabundo (é o que observamos num quadro posterior de Rembrandt, A Lição de Anatomia do Doutor Deyman, de 1656, onde o médico analisa o cérebro, mas já existe uma enorme cavidade na zona do estômago). Ora, como já dissemos anteriormente, este corpo contraria tudo isto, por não ter seguido a ordem prevista. Também sabemos que aquele homem deitado na mesa tinha sido um ladrão; poderemos então falar de um gesto «simbólico », de um destino «moralizante»: vejam o que acontece a quem comete um delito grave? 869 Sintetizando: esta dissecação tem qualquer coisa de vingativo, de punição. Não somos médicos e não sabemos avaliar até que ponto e com que veracidade Rembrandt pintou os músculos e tendões do antebraço, mas não deixamos de notar que esta mão adoptou uma posição deveras 866 Ver , p o r e xe mp lo , C hr is to p her B r o wn - T h e An ato m y Le s so n o f Dr J o a n De y ma n , p . 2 6 6 . 867 Cr is ti n a Aze v ed o T av ar e s - A p r o c ur a d o b elo e d a ve r d ad e : ar te méd i ca e es tét ic a, p . 1 6 . 868 Mie k e B a l - Dead F le s h , o r T he S me ll o f P ai n ti n g, p . 3 9 2 . 869 Mi e ke B a l é d e f e nso r d es ta id e ia. Af i r ma q u e a e xec u ção p úb li ca d e cr i mi n o so s e a s ub seq ue n te mo s tr a d o s se u s cad á v er e s se r v ia m d e e xemp lu m ao s q u e a el e as si s tia m; B a l - De ad F l es h, o r T he S me l l o f P ai nt i n g, p . 3 7 9 . 245 estranha: parece que não pertence àquele corpo em particular. O escritor W. G. Sebald destacou um pormenor interessante sobre esta mão dissecada (será mesmo como ele afirma?). Diz ele: “Esta mão tem notáveis particularidades. Não só é, se comparada com a mão que está mais perto do observador, grotescamente desproporcionada, como está, anatomicamente, invertida de todo. Os tendões à vista que, pela posição do polegar, deviam ser os da palma da mão esquerda, são na verdade os das costas da mão direita.” 870 Haverá um “defeito de construção” 871, um erro do pintor? Se defeito ou erro foi, terá sido intencional. Mais um facto a acrescentar: sabemos que o corpo de Aris Kindt não tinha a mão esquerda, que esta lhe havia sido amputada antes de ele morrer por enforcamento 872. Rembrandt imagina e constrói-lhe a mão esquerda (talvez o braço tenha ficado um pouco curto) e distorce e retalha a mão que é dissecada, querendo com este gesto talvez significar a “violência exercida” 873 contra o morto, perante o qual, se calhar, se identifica. Porque é que ele decide «fazer » uma nova mão, camuflando o coto que na realidade via? É muito improvável que chocasse os possíveis espectadores de então. Seriam parecidos com o público, leigo em matérias de anatomia, que não perdia a oportunidade de comparecer ao grande evento no teatro anatómico? É que este último era muito pouco impressionável: pagava um bilhete, ocupava as últimas bancadas do anfiteatro, e deliciava-se com a música, com a comida e a bebida que estavam à disposição, enquanto conversava com os vizinhos do lado e observava os órgãos internos do corpo a serem retirados e expostos, “parcialmente obscurecidos pelo fumo do incenso queimado para mascarar o cheiro desagradável do corpo” 874. O público já estava à espera de «diversão » naquela pequena arena, não se chocaria com uma mão amputada. Rembrandt opta por retirar de cena tudo isto. Seria 870 W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 . Seb ald - O s An éi s d e S at ur no , p . 1 9 . 872 T al fa cto , tão i n só li to , é r e fer id o e m G ar y S c h wa r t z - Re mb r a nd t ´s U n iv er se, p . 166. 873 W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 1 9 . 874 Si mo n S c ha ma - Au to p s y, p . 3 1 3 . 871 246 porque assim lhe foi pedido, dado que o quadro iria ocupar um lugar no próprio anfiteatro que representava, sítio de decoro e de sapiência, ou porque a própria composição formal o levou para os caminhos escolhidos? Nunca o saberemos. Neste quadro de Rembrandt vemos uma tentativa de dar uma «ordem » à desordem, de forma a que a morte não contamine tanto a vida (ou que a morte consiga, ao menos, ser «útil » e servir os vivos). Sobre a temática da morte, Rembrandt, como o ladrão Aris Kindt, conseguiu ter mão firme. * Porquê esta introdução, ou antes, a «intrusão» deste quadro em particular? Que elo de ligação poderá existir entre ele e a obra de Louise Bourgeois e de Hans Bellmer 875? Mais do que à partida poderíamos supor. Não será abusivo dizer que estes dois artistas serão os «filhos pródigos » do velho mestre, no sentido em que encontramos neles um interesse (doentio) por um corpo que é, sistematicamente, mutilado, aberto e exposto aos olhares dos outros. Há um claro desejo de ver além da superfície das coisas, revelando o que estava escondido debaixo da pele (o que neste caso significará empreender uma «escavação » ao passado). Há também, em Louise Bourgeois e em Hans Bellmer, se assim o podemos dizer, uma quase «violação» do corpo – e aqui os discípulos emocional” 876 superam em grande medida a “intensidade do professor. Temos a violência do gesto com que abrem o dito corpo, mas também uma violência extrema no gesto com que o fecham (os pontos de sutura de Bourgeois) ou que o unem, tentando reagrupar as suas diversas partes soltas — os seus pedaços, as suas 875 Há u m mar a v il ho so c atá lo go q ue j u n ta a o b r a d est e s d o is ar ti st a s, e q u e vi v a me n te aco n se l ha mo s, so b r et ud o d e u m p o nto d e vi s ta vi s ua l, gr áf ico . E l e in ti t ul a - se Ha n s B e ll me r /Lo u is e Bo u rg eo i s, e es t á ed i tad o p ela D is ta n z V er la g. 876 Th e Rea l R e mb r a n d t: Th e S ea rch fo r a Gen i u s, fi l me r ea liz ad o p o r Kee s va n La nd er a ad ; o a uto r fa la r á me s mo d e ma g n í fi ca s p i nt ur a s q ue e xp r es s a m e mo çõ e s q ue “não p o d e m ser p i nt ad as ” ( co mo o med o d a mo r te e m O S a c ri fíc io d e I sa a c ) . 247 peças — num objecto compósito (Bellmer). As obras destes dois artistas mostram-nos um corpo que não está em paz consigo próprio, que vive conflitos internos que poderão levar à sua auto-destruição. Fazem do corpo um “campo de batalha” 877 que vive assombrado por pesadelos, fantasmas e memórias passadas, felizes ou dolorosas; nas suas obras, o espelho assume talvez uma das suas funções primeiras: questionar, apontar, ampliar (um defeito, uma fraqueza, um erro, um medo) de forma despudorada. Até que ponto não será ele também um inoportuno mensageiro de morte? O teatro anatómico onde se situa a acção da corporação dos médicos cirurgiões de Rembrandt, formado por um espaço central a partir do qual se elevam, progressivamente, bancadas cada vez mais altas (efectuando uma hierarquia de «importância » no público que assistia ao espectáculo — os mais importantes no círculo mais pequeno, os menos notáveis no círculo maior) também é um desenho arquitectónico que nos interessa, e que pode ser relacionado sobretudo com a obra da artista francesa, naturalizada americana. Mas já lá iremos. A questão do par será crucial aos três: são as duas peculiares mãos de Rembrandt; são as mãos de mármore feitas por Louise pertencentes a duas pessoas diferentes, onde uma parece oferecer algum conforto à outra (ou estará a exercer alguma espécie de pressão?); é o par de mãos de Bellmer que «brinca» com as posições possíveis de adoptar (fazendo-se passar por uma simples imagem e o seu reflexo?), e gerando alguma confusão, ou mesmo uma espécie de agnosia em relação a uma parte do seu próprio ser (ver Fig. 54-57, onde também introduzimos uma gravura de um antigo teatro anatómico). E claro, o par ou oposição passado/presente: os vivos/o morto; a pulsão de vida e a pulsão de morte nos outros dois artistas. A questão da punição também nos acompanhará. Citamos Louise Bourgeois (numa afirmação tão brutal que não admite quaisquer 877 C ar lo s Vid a l - Lo ui se B o ur geo i s. Co r p o , Mi to e Reco n h ec i me n to . Ar t e I b ér ica . Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) p . 9 . 248 equívocos que possam surgir), e depois a historiadora de arte Sue Taylor, referindo-se às criaturas híbridas e anagramáticas realizadas por Bellmer: I n my a r t, I a m th e mu rd ere r. 878 Há ó d io n e sta s fo to g ra f ia s d a b o n e ca p u n id a a té a o p o n to d a d e st ru iç ã o , p ro vo ca d a ta lve z p elo s p en sa me n to s rea i s e p o ten c ia i s d e Be ll me r em re la çã o a u m a b a n d o n o emo c io n a l, ma s é u m ó d i o ero ti za d o . 879 Segundo uma outra historiadora, Hans Bellmer estilhaça também as representações de pureza moral nazi, com as suas bonecas com corpos “mortíferos e em ruínas” 880: “Congeladas e imobilizadas, como se apanhadas num súbito desastre, as bonecas registam o retorno traumático do reprimido.” 881 Apenas um exemplo mais: Louise Bourgeois, escrevendo vezes e vezes sem conta num pedaço de papel a frase Je t´aime, que por ser repetida até à exaustão se torna tudo menos tranquilizante, fazendo lembrar um castigo escolar eternamente repetido, ou colocando a mesma frase, desta vez bordada numa almofada (e bordar não significará sempre atenção ao pormenor, cuidado, paciência, carinho?), assente numa cama, num quarto aterrorizador, claustrofóbico, demasiado arrumado, e com uma presença peculiar da cor vermelha: Perigo! Esta almofada ocupa um espaço singular em The Red Room – Parents (1994), tal como a caixa preta de um xilofone ou o troço de uma linha de comboio em miniatura (que parecem deslocados naquele ambiente tão austero), mas é o espelho que fixa, novamente, toda a nossa atenção. O espelho marca a sua presença neste espaço de forma ostentadora (é antigo, grande e oval, articulado). Tem uma presença imponente, e, ao espreitarmos (pois apenas podemos espreitar através destas instalações e não entrar) vemo-nos envolvidos naquele espaço: 878 879 880 881 Lo u i se B o ur g eo i s c it. p o r Ger ma n o Ce la nt - Lo ui s e B o ur geo is , p . 1 5 . S ue T a ylo r - T he An ato m y o f An x iet y, p . 8 4 . T her e se L ic h e n ste i n - B eh i nd Clo se d Do o r s, p . 1 5 9 . L ic h e ns te i n - B e h i nd Cl o sed Do o r s, p . 1 6 0 . 249 também nós somos reflectidos. Terá porventura o espelho presenciado dramas que não nos contará? (Seguimos aqui a «lição» racional de Umberto Eco: se o espelho “nomeia” ele nomeia apenas um objecto concreto, nomeia um de cada vez, e nomeia sempre e só o objecto que tem à frente 882); seja como for, a sua presença torna o quarto ainda mais sinistro, como se fosse mais um olho a vigiar a intimidade de uma família. Esta obra apela, pelo seu simples título, às nossas memórias pessoais: como é que era o nosso quarto, o dos nossos pais, o dos nossos irmãos? Quais as relações que estabelecíamos entre nós, e cuja disposição/aspecto dos quartos é um bom ponto de partida para dar azo a essa mera especulação, porventura infrutífera? O quarto de criança de Louise Bourgeois (Red Room – Child, 1994) contrasta vivamente com o dos pais: é um lugar mágico, cheio de novelos de linhas vermelhas, algumas azuis, de fios soltos, de mãos que se juntam (em harmonia ou em competição?), e onde sentimos uma agradável desordem — aqui não há espelhos. Este quarto não tem espelhos por não precisar deles, ou porque partilha dos medos de Borges? E u te mia , em c ria n ça , q u e o e sp e lh o Me mo st ra ss e o u t ra fa ce o u u ma c eg a Má sca ra i mp e s so a l q u e o cu lta r ia A lg u ma co i sa a tro z. 883 Não sabemos explicar bem porquê, mas sempre que nos confrontamos com estas duas obras (que já funcionam entre si em espelho), surge-nos um terceiro elemento destabilizador, o desenho Untitled, de 1950, que pode ser descrito como o ponto de vista de uma 882 883 U mb er to E co - So b r e o s E sp el ho s, p . 2 4 . J o r ge L ui s B o r g es - O E sp e l ho , p . 1 9 7 . 250 criança que espreita por uma pequena abertura nas cortinas, curiosa e amedrontada: que verão os seus olhos expressivos? 884 Bellmer também rodeia os seus cenários de objectos que supõem paisagens de crueldade e repreensão (portas entreabertas, intimidantes batedores de carpetes, homens ameaçadores dos quais só vimos uma gabardine escura, um arco de brincar, etc.). E espelhos, que também incluímos à lista anterior, já que presenciam factos que não deveriam ver a luz do dia. A temática psicanálise 885 da abjecção/histeria/perversão, ou mesmo da , já foram propostas pelos mais variados críticos de arte para a análise das duas obras (e não as contestamos de forma alguma), mas propomos uma faceta um pouco diferente, a da teatralidade. Tanto a obra de Bourgeois como a de Bellmer mostram-nos rituais de sacrifício, não com o fito primeiro de ser uma “teatralização da culpa cujo carácter ritual estava destinado a exorcizar o mal do público” 886, como afirma Mieke Bal sobre o fito da aula do Doutor Tulp de Rembrandt, mas com a intenção de ser uma culpa pessoal, uma assombração de carácter íntimo — mais inconsciente do que consciente — que se poderá (ou não) estender ao público. São obras que nos provocam um intenso desconforto (o inconsciente, o nosso e o dos outros, é sempre embaraçoso). Há por aqui histórias sombrias de imprisionamento, espaços de vulnerabilidade, questões por resolver: To d o o meu tra b a lh o n o s ú lti mo s cin q u en t a a n o s en co n t ro u a su a in sp i ra çã o n a m in h a in f â n cia . A m in h a in fâ n cia n u n ca p e rd eu a su a ma g ia , n u n ca p e rd eu o seu m is t ér io , e n u n ca p e rd eu o s eu d ra ma . 887 884 O te ma d o o l ho ta mb é m co n vi v e, e m mu i t as d as s u as o b r a s, co m o d o esp el ho ; se g u nd o An n Co x, o o l h o p o d er á ser e n te nd id o c o mo u m q ue st io nar d e a uto r id ad e e d e ver d ad e d o p r ó p r io o l har . V er Fr a nc es Mo r r is - L o ui se B o ur g eo i s, p . 7 6 . 885 Hal Fo s ter r ep e n so u o su r r ea li s mo a p ar tir d o p o nto d e vi s ta d a p s i ca nál i se, o nd e t a mb é m f o co u o co n cei to d e u n ca n n y, e a na li so u a o b r a d e B ell me r e m Co mp u l si ve B ea u ty ; so b r e a q ue s tão d a p s ic a ná li se n a o b r a d e Lo u is e B o ur geo i s , ver o s d o i s vo l u me s i n ti tu lad o s Th e R etu rn o f th e R ep re s sed . 886 Mie k e B a l - Dead F le s h , o r T he S me ll o f P ai n ti n g, p . 3 7 9 . 887 Lo u is e B o ur g eo i s - D es tr uct io n o f t he Fa t he r , Re co ns tr uc tio n o f t h e Fa t her , s/p á gi na . 251 O próprio artista alemão também descreveu a sua primeira boneca como um “talismã” 888 com o qual poderia recuperar o jardim encantado da infância. Diz-nos ele, de forma comovente, como quem acaba de se aperceber nesse preciso momento que a infância não podia ser recapturada, em Memories of the Doll Theme (1934): P o d em a c red i ta r q u a n d o d ig o q u e a sa rj eta d e b a ixo d a m in h a ja n ela n ã o ma i s se rá o M i ss i ss íp i, q u e o l ixo n a m in h a v el h a g a veta e a s ma n ch a s n a p a red e sã o a p en a s me m ó ria s i ró n ica s d e u m ex ces so d e en e rg ia s p a s sa d a s. Co m a m in h a in a ct iv id a d e in sta lo u - se o va g o m ed o q u e e s ta reg iã o co r - d ero sa (d a s m emó ria s in fa n ti s ) e s ta va , p a ra se mp r e, p a ra a lé m d e m im. 889 Não tiraremos conclusões sobre o facto desta primeira experiência de feitura de uma boneca ter sido construída no ano da ascensão de Hitler ao poder (1933), mas há algo de fortemente antiariano nela (um “ataque à armadura fascista” 890, chamou-lhe Hal Foster). Este «corpo» que ele nos apresenta está longe de ser um corpo idealista e unitário, pelo contrário, é grotesco, decadente, fragmentado e altamente sexualizado. Há uma fotografia de Bellmer, muito marcante (pertencente à maquete intitulada Le Jeux de la Poupée), onde vemos um dos seus estranhos corpos desmembrados, pendurados numa árvore, à mercê dos elementos da natureza e de quem por ali passe — lembra a brutalidade do Boi Esfolado (1655) pendurado numa trave de madeira, do pintor holandês. Neste último exibe-se a massa gigante de um corpo sadicamente aberto, no primeiro a pequena área que constitui um (precioso) ser, frágil, com a carne pateticamente exposta. Isto é o que acontece a quem se porta mal… Há um outro elo que terão em comum: 888 Fa cto r e fer id o p o r Hal Fo s ter - A Li tt le An ato m y, p . 2 3 0 . Ha n s B e ll me r - B e h i nd Clo s ed Do o r s, p . 1 4 4 . ( O te x to d e B el l mer é ap r es e ntad o na í nt e gr a no ep í lo go d o li vr o ) . 890 Hal Fo s ter - F at al At tr ac tio n, p . 1 2 0 ; T her e se L ic he n st ei n - B e h i n d Clo sed Do o r s t a mb é m i n ter p r e t a a s ua o b r a co mo u m p r o te sto ao p o d er na zi ( e se g u nd o ela, u m p r o te s to co n tr a o p r ó p r io p ai, q u e er a f r io , r ep r es s i vo , e u m si mp a ti za n te na zi) . Ha l Fo ster d i - lo d e fo r ma s i mp l es : há u ma “p èr e - ver si o n”. C f. Hal Fo st er P r o st he ti c Go d s, p . 2 3 6 . 889 252 o torturador, se está próximo, não se encontra no nosso campo de visão. Mas há uma grande diferença para o acima citado quadro do pintor dos Países Baixos: não há qualquer tentativa de denunciar uma carne «visceral » (não há entranhas impuras ou sujas à mostra) — o que é um passo em frente em termos da perversidade do olhar. A simetria dos seus lados – parece que podemos fechar aquele corpo mecânico em dois, como se dobrássemos uma folha de papel ao meio (e fazemo-lo com horror e com atracção ao mesmo tempo) — é exibida com extrema satisfação. Podemos dobrá-lo a partir de um eixo vertical, e podemos dobrá-lo num eixo horizontal: é um estranho e fascinante corpo para uma poupée. E se chamar-lhe poupée já foi um acto cruel, esta poupée ter o tamanho de uma criança e sugerir uma narrativa psicológica complexa, o que será? Nós sabemos: é um corpo atroz que a “máscara impessoal” revela, como o poema de Borges; é um corpo animado e inanimado, que posteriormente Bellmer pintou de forma delicada e atenta a anilina de uma cor suave, em tons rosa e cor de pele. É uma obra muito poderosa, e o corpo suspenso no ar lembra um martírio, uma resignada crucifixação (com o pormenor de ter dois pares de sapatos de verniz, com a meia de um branco sujo). Todo este jogo de duplicações condensa ainda mais o mistério desta fotografia. Há fotografias onde Bellmer recorreu a um ou dois espelhos para sugerir um espaço que vertiginosamente duplica o que já é em si mesmo duplicado (a bizarra boneca), mas, julgamos nós, nenhuma é tão eficaz quanto esta fotografia. Terão os espelhos de Louise esta «mortalidade» tão imediata? 891 Defenderemos aqui que o dispositivo do espelho na obra destes artistas (que se articula também a um dispositivo de corte 892 e de 891 Cr e mo s q ue é na s s ua s úl ti ma s o b r a s, b u s to s fe ito s e m p a no q u e d a ta m d e 2 0 0 0 ( q ue não p o s s ue m e sp e l ho s) o nd e ma is co n se g ui mo s p r es e nci ar e ss a mo r ta lid ad e ater r ad o r a. Ver , a tí t ulo d e e xe mp lo , R ej ect io n ( 2 0 0 1 ) . 892 Han s B el l me r te m u m a uto - r et r ato o nd e s ur ge n o me io d e d o is a g uç ad o s p ed aço s d e v id r o p ar tid o d e u ma j ane la, co mo s e t i ve s se sid o ( o u v ie s se a s er ) g u il ho t i nad o p o r u ma l a sca. B o ur geo i s, na s u a Ce ll: Ch o i sy ( 1 9 9 0 -3 ) , o p ta p o r fa zer u m mo d elo d a s u a ca sa d e i n fâ nc ia o nd e co lo ca u ma e no r me g ui l ho t i na a p air ar so b r e a s ua ar q u it ec t ur a. Se g u nd o e la, é p ar a mo s tr ar q u e há p e sso as q ue se g u il ho t i na m n o p r ó p r io s eio d e u ma f a míl ia, e q ue “o p a ss a d o é g u il ho ti n ad o p e l o p r es e nte ” ( cit ação o r i u nd a d o fi l m e d e Ca mi l le G ui c har d – Lo u i se B o ur g eo i s) . 253 memória), existe para reforçar e ampliar toda a teatralidade que as suas obras já contém. São espelhos controladores: manipulam, distorcem, contorcem-se como as bonecas (des)articuladas de Bellmer ou como os reflexos múltiplos e distorcidos nos espelhos de Bourgeois, para favorecer um determinado aspecto ou perspectiva. Na presença deles, sentimos que estamos a ser não só observados, mas moralmente julgados. São perigosos, pois brincam com a nossa mente. Que melhor medium existirá, para além do espelho, para expressar intensos conflitos psíquicos, ou um assumir de uma imagem fragmentada do mundo? Duas palavras importantes a reter no vocabulário de Louise Bourgeois e de Hans Bellmer: desintegração e controlo. Elas serão a chave para aceder às suas mentes e à sua obra. Estes serão, porventura, os espelhos a serem velados. Tapem-nos, por favor! * A obra destes dois artistas é uma complexa apropriação do campo do uncanny. Mecanismos psíquicos orientam o seu trabalho, pois ambos regressam a uma ideia de trauma e a uma forma de a enfrentar: a arte. Talvez haja um lado mais catártico na obra da artista, mas há, nos dois, um interesse por temáticas «irrepresentáveis », como a memória ou a dor, ou, fazendo nossas as palavras de Germano Celant, uma “imersão na escuridão das obsessões” 893 (que certamente inspiram o “horror tranquilo e silencioso” 894, que é como o poeta Jorge Luis Borges define o uncanny; o estranho, o sinistro, o lúgubre, o inquietante, o horrível). O bisturi do cirurgião é substituído na obra de Bourgeois por vários instrumentos de corte que se lhe podem comparar: tesouras, guilhotinas, serrotes, “lâminas que fazem parte de uma linguagem de 893 894 Ger ma n o Cel a nt - Lo ui s e B o u r geo i s, p . 1 6 . J o r ge L ui s B o r g es – O No b r e c a ste lo d o c a nto I V, p . 3 6 4 . 254 perdas e de rupturas” 895, segundo o curador Paulo Herkenhoff. Mas não são só cortes, também há um interesse em juntar, coser e reparar (e o que é interessante notar é que a artista remenda o corpo — ideia aparentemente tão inofensiva — como quem o mutila; ver a sua possível mesa de operações de nome Three Horizontals, de 1998, tão limpa de sangue e onde os pontos feitos sobre o tecido, contudo, nos lembram uma carnificina, um ataque cruel a um corpo). Porque é que Louise Bourgeois recorre sistematicamente ao espelho, o que significará para ela, qual o código simbólico que este encerra? Mais: como é que se poderão ligar nela as palavras corte e espelho? Para Louise, os espelhos representam uma confrontação com o eu: “os espelhos podem ser vistos como uma vaidade, mas não é de todo o seu significado. O acto de olhar para um espelho é realmente sobre ter a coragem de olharmos para nós próprios e nos encararmos.” 896 Numa pequena folha solta, uma entre várias que foi acumulando ao longo dos anos, apontou o seguinte pensamento, tão sincero (e destruidor): I ca n n o t b ea r lo o k in g a t my se lf . 897 Não suporta olhar para si mesma, ou de se encarar ao espelho, como ela própria diz (e viveu muito tempo numa casa sem espelhos), mas rodeia muitas das suas instalações com a presença desse inquietante objecto (e de muitas formas esféricas semelhantes a olhos), tornando o espaço da obra um lugar de confronto entre forças obscuras… O espelho torna-se, com ela, um “símbolo de aceitação” 898, que talvez a force a pôr os pés na terra, a ver-se e aceitar-se tal como é (e não como gostaria de ser…) 895 P au lo H er ke n ho f f - Lo u is e B o ur geo is . Ob r as R e ce nte s, p . 9 0 . Lo u i se B o ur geo is , e m en tr e v is ta co m T er r ie S ul ta n - Lo u i se B o ur ge o is : T h e Lo c us o f M e mo r y, p . 1 9 4 . 897 Lo u is e B o ur g eo i s c it. e m P hi lip La r r at - S mi t h - Lo u i se B o ur geo i s : T he Re t ur n o f th e Rep r es s ed , p . 7 . Vo l . I , No ta d e cer ca d e 1 9 6 5 , LB -0 0 0 8 . 898 Lo u is e B o ur geo is - D es tr uct io n o f t he Fa t her , p . 2 6 0 . 896 255 A ambiciosa obra que colocou no enorme átrio da Tate Modern, intitulada I Do. I Undo. I Redo (1999-2000) será aqui um exemplo paradigmático a estudarmos. Esta obra vivia desse confronto com o eu, mas de uma maneira que já anunciava algo diferente. O espectador tinha de subir umas enormes escadas espiraladas (e sabemos que ela tinha um medo anormal de cair 899, o que aparentemente, em linguagem médica, se chama de «basofobia» — cá está novamente: enfrentar o medo: ai de nós se também formos um Scottie 900...); chegados ao topo, éramos convidados a sentarmo-nos numa pequena cadeira de madeira; ao nosso redor, e a toda a nossa volta, enormes espelhos côncavos, giratórios, ofereciam-nos múltiplos pontos de vista de nós mesmos e do que nos rodeava: “os espelhos côncavos permitem-nos brincar e aceitar as deformações” 901, explica a artista algures. Sigamos a sequência proposta pela artista: fazer, desfazer, refazer (por esta ordem), e oiçamos o que ela afirmou sobre esta obra em particular: O “E u fa ço ” é u m e s t a d o a ctivo . É u ma a fi rma çã o p o s iti va . E sto u em co n t ro le , a va n ço e m d i r ecçã o a u m o b jec ti vo , a u m d es ejo . Nã o h á m ed o . E m te r mo s d e re la çõ e s, a s co i sa s vã o b em e t ra n q u ila s. S o u a b o a mã e. S o u g en ero sa e te rn u ren ta – a q u e d á , a q u e su st en ta . É o “A mo - t e” n ã o in te re s sa o q u ê. O “ De s fa z er ” é o d e se ma ra n h a r. O to r men to q u e a s co isa s n ã o es tã o b e m e a a n s i ed a d e d e n ã o sa b er o q u e fa ze r. Po d e rá h a ve r u ma d es tru içã o to ta l n a ten t a tiva d e en co n t ra r u ma re sp o sta , e p o d e h a v er u ma vio l ên cia te r rí fi ca q u e d esc e a t é à d ep re s sã o . Est a mo s i mó ve i s n o a co rd a r d o med o . É a vi sta d o fu n d o d o p o ço . E m r ela çã o à s r ela çõ es co m o s o u tro s, é a r eje içã o to t a l e a d est ru içã o . É o re to rn o d o r ep ri mid o . L evo co i sa s co m ig o . P a r to co isa s, a s re la çõ es sã o p a rt id a s. S o u a mã e má . É o d esa p a re ci men to d o o b jec to a ma d o . A cu lp a leva a o d e se sp e ro e à p a s siv id a d e. R efu g ia mo - n o s n a n o s sa to ca p a ra p en sa r , re cu p e ra r e rea g ru p a r. O “R e fa ze r” sig n if ica a so lu çã o en c o n tra d a p a ra u m p ro b le ma . Po s so n ã o sa b e r a re sp o sta f in a l , ma s h á u ma te n ta ti va d e i r p a ra a f re n te. O n o sso p en sa m en to to rn a - se cla ro . E s ta mo s n o va men te a ct ivo s. E s t a mo s 899 N u ma s ua o b r a i n ti t ul a d a I A m A f ra id ( 2 0 0 9 ) , b o r d a: “I a m a f r aid o f si le nc e/I a m a fr a id o f t h e d ar k/ I a m a fr a id to f al l d o wn / I a m a fr a id o f i n so mn i a/ I a m a fr a id o f e mp t i ne s s”. 900 P er so na g e m d o V e rt ig o d e Al fr ed H itc h co c k, q u e t i n ha u m e no r me p avo r d e alt ur as , e q u e é fo r çad o a lid ar co m e le d a p io r d as fo r ma s. 901 Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is . Ob r as R e ce nte s, p . 3 8 . 256 co fia n te s o u t ra ve z. E m ter mo s d e re la çõ e s co m o s o u t ro s, a rep a ra ç ã o e reco n ci lia çã o fo ra m c o n seg u id a s . A s co i sa s vo l ta ra m a o n o rma l. Há esp e ra n ça e a mo r n o va men t e. 902 Dividida na sua relação com os outros e consigo própria (expressa pela ambivalência de sentimentos: é uma boa mãe ou uma má mãe? Dá ou tira?), não deixamos de partilhar a opinião de Frances Morris, que, baseando-se nas palavras da artista, vê esta obra como uma forma de negociação e renegociação das nossas relações ao longo de uma vida 903. Neste seu pequeno esclarecimento desta obra tripartida, a artista fica dividida entre o acto de construir e de destruir, de amar sem restrições ou de exigir contrapartidas, enquanto luta com o seu extenso (e bastante conhecido) catálogo de emoções “negativas” 904. Mas levaremos a sério o seu conselho expresso noutro lugar — que as palavras dos artistas são para ser lidas de forma “cautelosa” 905: o que interessa é a obra em si, que ou resulta ou não resulta. E esta obra, podemos dizê-lo, é uma “equação infalível” 906, testada pelos próprios espectadores. Nela poderemos sentir-nos os reis do mundo: do cimo da escultura de quase 14 metros de altura, tudo vemos mas ninguém nos consegue ver. Temos a visão perfeita (ou pensamos que temos). Se o seu trabalho conhecido como Cells se confrontava com a dor, nas suas diversas manifestações (física, emocional, mental), e também com o prazer e a emoção de ver e de ser visto 907 (palavras da própria artista), esta obra em particular — intimidante em termos de escala, estruturalmente rígida, toda ela feita em aço — pode ser 902 Lo u is e B o ur g eo i s, 2 8 d e Fe ve r eir o d e 2 0 0 2 , cit. p o r Mar i e - La u r e B er n ad ac Lo u i se B o ur geo i s, p . 1 6 0 e 1 6 1 . 903 Fr a n ce s Mo r r i s - Lo u i s e B o u r geo i s, p . 1 1 . 904 Le mb r a mo s q ue Lo u i s e fo i p ac ie n te d o p sic a na li s ta H e nr y Lo we n f e l d d ur a n te cer ca d e tr i n ta a no s ( co m h ia to s) a té à mo r te d e st e úl ti mo , e q ue es ta va hab it u ad a a r ef le ct ir so b r e o s se u s co n fl ito s i n ter io r e s at r av é s d a escr it a. Ver o p o ss í vel ap azi g u a me n to q u e e st a l he tr o u xe , no e n sa i o d e Do n ald K u sp it n o catá lo go ed it ad o p o r Fr a nc e s Mo r r is - W r i ti n g W o r d s a s T r an s it io nal Ob j ec t s, p . 2 9 5 - 3 0 2 . 905 Lo u i se B o ur g eo i s - De s tr uct io n o f t he Fa t her , p . 6 6 . 906 B o ur g eo i s v ia a s s u as esc u lt ur a s co mo eq ua çõ es i n fa lí v ei s, q u e t i n ha m d e t er u ma d et er mi n ad a e st r at ég ia d e fo r ma a at i n gir u m d e ter mi n ad o o b j ec t ivo ( a d o r d esap ar ec er , a te n são s ub i r , etc .) ; C f. “S ta te m en t s”, e m Mar ie - L a ur e B er n ad ac Lo u i se B o ur geo i s, p . 1 7 8 . 907 Lo u i se B o ur g eo i s - T h e Se cr et o f t h e Ce ll s, p . 8 1 . 257 encarada quase como uma torre de vigia, um dispositivo prisional de controle, nos quais nós… estamos no centro da circunferência. Aparentemente, tudo vemos mas não somos vistos. Poderá esta obra ser associada ao panóptico de Michel Foucault/ Jerem y Bentham? Só há um pequeno pormenor que não se enquadra no que pretendemos, e que de certa forma nos «desfaz » a teoria: os espelhos. Porque eles estão na periferia (seriam portanto os menos importantes — como as bancadas mais afastadas do anfiteatro anatómico, ou os reclusos no perímetro exterior das plantas idealizadas por Bentham —, mas no entanto têm uma presença avassaladora, que não podemos ignorar). Eles viram os seus gigantes «olhos » para o centro, para nós, medem-nos de alto a baixo, escrutinam-nos, e reforçam a ideia que são eles é que nos controlam. Desfazemos e voltamos a refazer a nossa tese: os espelhos são, nesta obra, os responsáveis por uma espécie de inversão da ideia do panóptico: afinal a periferia da circunferência também pode controlar o seu ponto mais importante, sem a qual ela própria não existiria: o centro! Neste espaço, os nossos «eus » fecham-nos num labirinto kertersziano, deformador, de onde não há fuga possível. Esta obra, autêntica cela de uma prisão, faz disciplinador: sairá a nossa moral dos espelhos “reformada” 908? o elemento Evocamos as palavras escritas 1787 sobre esse modelo arquitectural circular, simples e revolucionário, proposto por Bentham, e o seu grande objectivo de «inspecção » às mais variadas pessoas: “(…) punirão os incorrigíveis, guardarão os loucos, reformarão os viciosos, restringirão os suspeitos, empregarão os ociosos, manterão os indefesos, curarão os doentes (…)” 909 Com os espelhos não suspeitamos apenas que estamos a ser vigiados — temos a certeza absoluta que o estamos a ser, o que apenas reforça o seu poder. São eles os inspectores que exercem a “correcção” e a “punição” (sejamos nós sãos ou doentes): eles, instantaneamente 908 909 J er e m y B e n t ha m - P a no p tico n, p r e fá cio . ( B ib lio gr a f ia cap ít u lo I , L u í s X I V) . B en t ha m - P a no p ti co n, p . 1 . 258 (como a guilhotina de Choisy), agem de forma a se auto-imporem como um “instrumento persuasivo” 910, que não admite desculpas. Protegem-nos do exterior? Sim. Formam uma muralha protectora? Sim. São os nossos guardas? Teremos de responder que sim, que são. Mas, e quando a ameaça e o perigo vêm do interior? Ficamos, saltamos, chamamos a Maman 911? Mudemos de escala sem, contudo, diminuir o dramatismo: Cell XXI (2003) e Cell: Twelve Oval Mirrors (1998), perseguem a mesma ideia de forma muito diferente. Ambas são também espaços circulares, mas possuem já um carácter intimista. Ao ponto central é novamente dada toda a atenção, mas agora vemos uma figura espiralada castanha presa por um fio, que oscila em frente a um grande espelho (gostamos bastante de ver esta obra ao lado da figura suspensa, “contaminada”, apodrecida, de Bellmer; ver Fig. 61 e 62). Há um confronto de materiais interessante: a macieza e maleabilidade do tecido/ a dureza das grades de ferro que circundam a obra; na segunda «C ela», os veios dos pequenos bancos de madeira/ o espelho sem veios, límpido. As duas obras afastam-se do ambiente cavernoso das Passage Dangeroux (1997) – de túnel e ninho (também ele repleto de pequenos espelhos circulares) —, mas cremos que as duas continuam a ter qualquer coisa de casulo que incita à meditação. A segunda obra, Cell: Twelve Oval Mirrors (que curiosamente é muito pouco referida por entre os críticos, e é uma das nossas preferidas), é quase um espaço monástico, um esconderijo espelhado, voraz, onde Louise conseguiu ultrapassar o impasse dos “nós” difíceis de desatar 912, e, mais leve, pondera sobre as múltiplas realidades/visões que podem existir, questionando o nosso olhar. Os espelhos, ora côncavos, ora convexos, parecem grandes jóias cintilantes, e poderão também ser vistos como um símbolo de dúvida, de metamorfose, que presencia a fragilidade do ser humano (Fig. 63). 910 Lo u i se B o ur g eo i s c ar ac ter i za nd o a g ui l ho t i na, n o f il me d e C a mi ll e G u ic har d . Ma ma n ( 1 9 9 9 ) é u ma e sc u lt ur a d e B o ur g eo i s b as ta nt e co n h ecid a: é u m a e no r me ar a n ha fe it a d e aço e d e már mo r e. A mã e, p ar a ela, r ep r e se nt a va a i n te l ig ê nc ia, a p aciê n ci a, e a p er f ei ção fo r ma l. 912 Os nó s , p ar a Lo ui se B o ur geo i s , si mb o li za va m u m p r o b le ma p o r r eso l ver . 911 259 Citamos o sempre sedutor W. G. Sebald, e logo depois a artista: No p r im ei ro d ia d e t ra b a lh o a la g a r ta tec e u ma tra ma so l ta , d e so rd en a d a , se m fo r ma , q u e é a es t r u tu ra d o ca su lo . A seg u i r, me xen d o co n t in u a men te a ca b eça d e u m la d o p a r a o o u tro , t ira d e si u m só fio co m mi l ja rd a s d e co mp ri men to p a ra co n s tru i r o ca su lo e m fo r m a d e o vo o n d e se en c e r ra . Ne s ta h a b ita çã o q u e n ã o d eixa p a ssa r o a r n em a h u mid a d e, a la g a rta tra n s fo r ma - se e m n in fa med ia n te u ma ú lti ma mu d a . 913 A n o s sa v id a d o n a sc im e n to a té à mo r te é só u m fio : fio d e vid a fio d a á g u a fio d o p en sa men to 914 Germano Celant caracterizará a sua obra como uma “anatomia existencial” 915, perturbadora, que contém “teatros de uma desintegração física e mental” 916, onde as formas são criadas como um acto a escapar ao medo, à depressão e à ansiedade. Será errado ver os espelhos nestas suas duas últimas obras como uma espécie de confessores mecânicos, que, sem a interromper, ouvem a sua longa ladainha? Nã o ten h o n a d a n a d a a d i ze r n a d a q u e p a ra m im se ja exci ta n t e n a d a a exp l ica r n a d a a p ro va r n a d a a p ed i r n a d a a co n ta r n a d a a mo st ra r n a d a a es co n d e r n a d a a p la n ea r 913 W . G. Se b ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 6 9 . Lo u i se B o ur g eo i s, n u m a e ntr e vi st a d ad a a P a u l o Her ke n ho f f , e m 1 9 9 6 - L o ui se B o ur geo i s, Ob r a s Rec e n te s, p . 8 9 . 915 Ger ma n o Cel a nt - Lo ui s e B o u r geo i s, p . 1 9 916 Ce la n t - Lo u i se B o ur ge o is p . 1 7 . 914 260 n a d a a co n s e rva r n a d a a a n te cip a r n a d a a p erd e r n a d a a cr it ica r n a d a a co b ra r n a d a a le mb ra r n a d a a d e s eja r n a d a a p er ceb e r n a d a a esp e ra r p o r i s so n a d a a te me r (.. . ) 917 Serão eles os ouvintes atentos das suas histórias de tecedeira, “perseguida até em sonhos pelo temor de ter puxado o fio errado” 918? (Fig. 64) * Transcrevemos um breve trecho do ensaio que Marie Darrieussecq escreveu sobre a artista, e que nos continua sempre a surpreender de cada vez que o relemos: E sp re ito . A a ra n h a va i reg re s sa r . A p o rta va i a b ri r - se, e u ma so mb ra co m o ito p a ta s va i co b ri r- m e. Ma s eu n ã o te ria m ed o . Ob s er va r ia o q u e ela fi ze s se. Ela e xt ra i r ia o fio , mo lh á - lo - ia co m a su a b o ca g ig a n t es ca , en fiá lo - ia n u m en o rme fu n d o d e a g u lh a , e co meça r i a a co se r, p a ra m im e p a ra se mp r e, u ma i men sa t eia q u e me en vo lv er i a . Ela fech a ria to d a s a s a b er tu ra s, en c e rra r ia t o d a s a s p o r ta s, re men d a ria o s tec id o s ra sg a d o s, a mo r tec e ria co m r ed e s f o fa s a s p o ss ív ei s q u e d a s p e la s e s ca d a s , co lma t a ria o s va z io s d o s ca n to s, e a in d a tece ria p a ra mi m co lch õ es , p a n o s, ro u p a s , u ma n o va p el e. (… ) Ten h o , d ia n te d a a ra n h a , a sen sa çã o d e u m re fl exo , a 917 P ala vr a s d e Lo ui s e B o ur geo i s e m 1 9 9 7 - Lo u i se B o ur g eo i s. Ob r a s Re ce nte s, p . 7 9 ( exc er to tr ad uzid o p o r Hele n a Ca r d o so ) . Est e p eq ue no ap o nt a me nto ter mi n a as si m: “p o r i s so / n ad a a la me n tar ”. 918 W . G. Seb ald - O s An éi s d e Sa t ur no , p . 2 7 8 . 261 cer te za d e ve r o m eu ro sto mu i to ma i s c la ra me n te q u e d ia n te d o s esp e lh o s d o s q u a rto s. 919 De facto, é quase impossível não olhar para as aranhas de Louise — que sabemos, pela própria, serem um “retrato” e uma homenagem à sua própria mãe — e ignorarmos que também são um duplo de si mesma: paciente, trabalhadora, protectora, intensa, dominando completamente o espaço em seu redor. Prendendo quem lhe caia, inadvertidamente, na teia… E temos a aranha, esse símbolo antigo que remete para a figura da tecedeira: para a tecedeira reconstrutora de tapeçarias sua mãe, que tanto admira, mas também para si mesma. Será a sua própria teia parecida com a teia industriosa de Penélope, ou com a teia exímia de Aracne? Na obra de Bellmer não há nenhuma porta a ser aberta, ninguém que nos vai confortar (nem mesmo um ser monstruoso cheio de patas peludas). As portas estão quase sempre fechadas. Há um ensaio sobre a sua obra que captou muito bem todo o ambiente desta no seu título: Behind Closed Doors: The Art of Hans Bellmer. Nele, a autora, Therese Lichenstein, defende que a boneca é, de facto, o duplo de Bellmer, e que a sua obra oferece uma “projecção de repressões e ansiedades que muitos serão relutantes em explorar”. 920 E vemo-la a ela, à boneca — ou a ele, Bellmer — a ser encurralado num canto de um quarto, rodeado pelas duas paredes que contém espelhos rectangulares, que enfatizam ainda mais essa ideia de encarceramento; alguma vez a (o) conseguiremos ver como uma simples vítima? Conseguiremos olhar para esta fotografia e fugirmos à nossa própria vulnerabilidade e fragmentação? Aceitamos a sugestão de ambas as críticas e historiadoras de arte, e ficamos a pensar em que medida as aranhas são o duplo de 919 920 Mar ie Dar r ie u ss ecq - L o ui s e B o ur geo is . Ob r as Re ce nt es , s/ i nd i caç ão d e p á gi n a . T her e se L ic h e n ste i n - B eh i nd Clo se d Do o r s, p . 1 0 3 . 262 Bourgeois e as bonecas o de Bellmer. Diante deles, veremos realmente as suas imagens reflectidas mais nitidamente do que num espelho? Regressemos agora ao nosso ponto sensível, à nossa ferida ainda aberta: os “palácios da memória” 921. Ponto 1: Iremos aceitar que a memória é “obstinadamente subjectiva, falível e selectiva, que as experiências mais intensas são quase sempre mitificadas e repetidas em convincentes capítulos da história de uma vida – ou seja, que a memória pode, tanto como o romance moderno, reivindicar o direito a ser uma obra de ficção” 922; e a vasta e inquietante obra de Bourgeois pode então ser vista como “a memória activa de uma vida notável imaginada, vivida e transformada em forte declaração estética” 923, como afirma Louise Neri. Estendemos este pensamento ao artista alemão: memória e ficção andam (bem) de mãos dadas. Ponto 2: Carlos Vidal expressará o mesmo pensamento duma outra maneira: “O interior da memória é um espaço só habitável no seu sem-sentido, porquanto toda a temporalidade é de irrepetível e de impossível restauração.” 924 Para ele, as Cells simbolizam a “impossibilidade de reconfigurar a memória como um lugar com sentido”. Nunca um isto foi pode ser traduzível num objecto específico, diz-nos ainda (a memória e a sua representação tangível num determinado objecto são duas coisas distintas). Hal Foster dirá de Bellmer: “Não deveremos ser muito rápidos a patologizar Bellmer” 925: os ambientes por ele criados são representações e não realidades. Ponto 3: Poderá Louise Bourgeois realmente “reexperenciar o passado, vê-lo na sua proporção realista e objectiva” 926, “controlálo” 927? Não será essa sua pretensão absolutamente impossível? 921 Sa n to Ago s ti n ho - Co n f is sõ e s, p . 2 4 7 . Lo u i se Ner i - Lo u i se B o ur geo i s. Ob r a s Rec e nt e s, p . 7 3 . 923 Ner i - Lo u i se B o ur geo i s. Ob r a s Re ce nt es , p . 7 3 . 924 Car lo s Vid a l - Lo ui se B o ur geo i s: Co r p o , M ito e Reco n h eci me nto Ar t e I b ér ica . Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) 1 1 . 925 Ha l Fo s ter - A L it tl e Ana to m y, p . 2 3 2 . 926 Lo u i se B o ur g eo i s - De s tr uct io n o f T he Fa t her , p . 3 5 7 . 927 Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is : T h e Ret u r n o f T he R ep r e ss ed , p . 1 1 4 . 922 263 Em 1960, Louise Bourgeois dizia: (.. . ) p ro cu ra r , p ro cu ra r , p ro cu ra r p a ra en co n t ra r o p a s sa d o n o va men te. 928 Quatro anos mais tarde disse: (.. . ) q u a n d o e s to u b e m c o m o p re sen te, q u ero s il en cia r e d e st ru i r o p a s sa d o . 929 Trinta anos mais tarde dirá: My me mo r y i s mo th - ea t e n F u ll o f h o le s 930 Esta última frase já contém uma coisa que, dizem, apenas advém com a idade: sabedoria. Afirmar que possui uma memória cheia de buracos, como se tivesse sido roída pelas traças — uma memória incompleta, «rota», permeável — revela um imenso conhecimento. Segundo Donald Kuspit 931, é através da arte que ela repara esses buracos, mas perguntamos: não será apenas uma reparação momentânea, que conserta num sítio mas vê imediatamente outro que já está a precisar de ser restaurado? Não envelhecerá também a própria memória? Georges Poulet, num ensaio dedicado ao tempo em Marcel Proust, num livro intitulado Studies in Human Time (1956), defende a tese de toda ressonância” 932 a obra do escritor ser uma imensa “caixa de , onde o ser é, continuamente, sempre recriado, sempre reencontrado e sempre perdido — frisando que nada é mais alheio à sua obra do que uma ideia fixa de permanência, seja das coisas ou dos 928 Lo u i se B o ur g eo i s - Lo u is e B o ur geo is : T h e Ret u r n o f T he R ep r e ss ed , p . 1 0 . Lo u i se B o ur g eo i s - T h e Re t ur n o f t he R ep r e s se d , p . 7 8 . 930 Lo ui se B o ur geo is c it. p o r Do na ld K u sp i t - T he Re t ur n o f t h e R ep r e s sed , p . 1 3 1 . Est a s ua a fir ma ção d at a d e 1 9 9 4 . 931 Lo ui se B o ur geo is c it. p o r Do na ld K u sp i t - T he Re t ur n o f t h e R ep r e s sed , p . 1 3 1 . Vo l. I . 932 Geo r ge s P o u let - P r o us t , p . 3 2 1 . 929 264 seres. O mundo proustiano é “anacronista” 933 em si mesmo, afirma, e é um “mundo intermitente” 934. Deixa-nos com uma imagem absolutamente inesquecível: segundo ele, o escritor francês aprendeu a representar a existência como o jogo trémulo, vacilante e momentâneo, da luz de uma lanterna mágica. “Um mundo onde as coisas se projectam ante os nossos olhos em imagens instantâneas que de seguida são substituídas por outras imagens pertencentes a outros momentos e outros lugares.” 935 E afirma já no final do seu texto: “Deste modo o tempo aparece aos olhos de Proust como uma coisa de exclusões e ressurreições, de fragmentos e espaços entre fragmentos, de eclipses e anacronismos; um tempo fundamentalmente anárquico e, já que ganhálo num ponto não é recuperá-lo noutro, um tempo irrecuperável, porventura permanentemente perdido para a mente” 936. Esta breve citação origina novos problemas quando a relacionamos com a obra dos artistas por nós abordados. Como lidam as suas reconstruções em “tamanho real” 937 de sentimentos oriundos da infância, com a superfície anárquica e evanescente da memória? Ou com a “natureza fugitiva” 938 da infância em si mesma? Julgarão eles que o armazenamento das imagens retidas na nossa memória serão indeléveis, prontas a ser encontradas de novo, recapturadas, se tal o desejarmos? Até que ponto Bourgeois e Bellmer confiam nas suas memórias, e não são devorados pelo passado? Até que ponto serão também as suas obras caixas de ressonância, que reforçam os sons, cheiros e imagens de tempos distantes, vezes e vezes sem conta, quando estes já deixaram, há muito, de «ressoar »? A memória falha, inventa, preenche lacunas. Com ela não há factos, mas invenção e nebulosidade. A memória, se considerada sob este prisma, pode ser ameaçadora (porque é falível, 933 934 935 936 937 938 Geo r ge s P o u let - P r o us t , p . 2 9 3 . P o ul et - P r o u s t, p . 2 9 3 . P o ul et - P r o u s t, p . 2 9 3 . P o ul et – P r o u s t, p . 3 1 8 . Mar ie - La u r e B er n ad ac - Lo u i se B o ur g eo i s, p . 1 3 3 . Fr a n ce s Mo r r i s - Lo u i s e B o u r geo i s, p . 1 5 . 265 “ex cêntrica” 939), mas também é um lugar que nos pode trazer alguma paz e tranquilidade: com ela, temos algumas pistas sobre quem fomos um dia, sobre quem somos agora, e, para citar Santo Agostinho na sua belíssima formulação: É lá que me encontro a mim mesmo. 940 O que é que de facto somos sem a memória? (Pensamos nesta questão enquanto tragamos a madalena com o nosso chá, num domingo de manhã, e sentimo-nos um pouco mais reconfortados). Tudo ganha solidez novamente, alguma luz surge em toda esta escuridão. Bellmer e Louise andam para trás com o relógio do tempo. Ressuscitam fantasmas passados, fazem deles o seu refúgio — a memória torna-se a semente provocatória, mas também sedativa, para as suas obras. Querendo escapar à tirania do tempo, serão ambos os seus prisioneiros predilectos, filhos desafortunados de Saturno? Acabamos com um dos mais belos apontamentos de Louise Bourgeois, uma bandeira branca da paz, uma luz ao fundo do túnel (que sabemos, no entanto, que não durará muito): A vio lên c ia , so f r im en to e o ó d io a ca l ma ra m To m ei n o s meu s b ra ço s a s min h a s m emó r ia s (b o a s/ e má s ), tra n q u il i zei - a s e emb a l ei- a s. 941 939 Do n ald K u sp i t - T h e Re tu r n o f t he Rep r es s ed , p . 1 3 5 . Vo l. I . Sa n to Ago s ti n ho - Co n f is sõ e s, p . 2 4 9 . 941 Lo ui se B o ur geo is - T h e Ret u r n o f t he Rep r e s s ed , p . 9 5 . P e n sa me n to d e 1 9 7 2 , n u me r ad o 0 0 1 2 , Vo l . I I . 940 266 EPÍLOGO: UM MUNDO DE REFLEXOS Reflexo Nº 1: O espelho de A-Z Ten d o - lh e sid o p ed i d o que exp l ica ss e u m seu “ es tu d o ” ma i s d ifí ci l, S ch u ma n n s en to u - s e e to co u - o p e la seg u n d a ve z. Geo r ge S tei n er 942 «Vestir» uma palavra pode ser uma tarefa muito difícil. O poeta Helder Moura Pereira deu-se conta do embaraço que é definir uma palavra, ao dizer com bastante humor: “os dicionários nunca souberam ex plicar bem por que é que os elefantes têm uma tromba tão grande e tão comprida.” 943 George Steiner também o intuiu, defendendo que é preciso tomarmos consciência “de que as palavras se referem a outras palavras, de que qualquer referência de um acto de discurso à experiência é sempre um «por outras palavras» (...)” 944. Apenas mais um exemplo: o conselheiro de estado, Polónio, pergunta ao seu senhor, príncipe da Dinamarca, o que anda a ler. Este respondelhe, pronta e secamente: — Palavras, palavras, palavras. 945 Tendo estes argumentos em conta, confrontemo-nos com a definição de «espelho » num dicionário vulgar. Pegamos no que temos mais à mão (um dicionário já muito velhinho – ou não velho o suficiente: mudarão as palavras assim tanto?) e lemos: 942 943 944 945 Geo r ge S te i ner - P r es e n ças Rea is , p . 2 9 . He ld er Mo ur a P er eir a - A P e ns ar Mo r r e u u m B u r r o , p . 1 7 . Geo r ge S te i ner - P r es e n ças Rea is , p . 2 9 . W il lia m S h a ke sp e ar e - Ha ml et, p . 8 5 . 267 E sp el ho , [ Do la t. S p ecu lu m.] 1 . s. m. S up e r fíc i e p o l id a, q ue r e fle ct e a l uz o u r ep r e se n ta o s o b j ec to s q ue e stão o u s e l h e p õ e m e m d ia n te . 946 Nada aqui nos fala do lugar enevoado, traiçoeiro, que cria, onde realidade e ficção se confundem. Do seu rasto de gelo... Nada nos fala dessa outra reflexão ao qual apela, interior, identitária, atordoante, que temos de levar a cabo. Nada nos fala do objecto raro que em tempos foi, acessível apenas aos muito poderosos. Objecto que chegou a ser sagrado, enterrado com os mortos, assegurando vida eterna e luz na escuridão dos túmulos aos seus habitantes (Egipto); que foi visto como um símbolo de sabedoria cósmica (China), como um símbolo de sabedoria divina (espelho sem nódoa de Deus), como símbolo da pureza perfeita da alma (Japão), e como um objecto oracular e ritual (Grécia e Incas). Consoante a crença, o espelho adquire poderes ora protectores, ora maléficos. Reza a lenda que foram vários espelhos, actuando de forma colectiva, a arma conceptualizada por Arquimedes para incendiar e manter as frotas inimigas romanas ao largo de Siracusa, verdadeiros espelhos feitos de fogo. E que foi condenado e perseguido pela inquisição quem ousasse conduzir experiências com espelhos (e unhas, e espadas, e...)! Numa bula de 1326, com a assinatura do Papa João XXII, a prática ilícita da magia e a condenação do espelho mantém-se na ordem do dia. Le miroir est le vrai cul du Diable 947, velho provérbio lembrado por Baltrusaitis, que sintetiza esse lado mais «negro » que sempre possuiu. Tantos espelhos, tantos sentidos! Ninguém nos alerta para a ambiguidade do seu lugar (de limbo). Segundo Foucault, o espelho situa-se entre um espaço utópico (já que é “um lugar sem lugar” 948, que nos permite ver-nos onde estamos ausentes) e um espaço que ele chama de “heterotopia” (algo que é absolutamente «real », que existe de facto). E toda a estranheza que daí 946 Gr a nd e D ic io nár io d a L ín g u a P o r t u g u es a, Câ n d i d o d e F i g ue ir ed o , 1 9 9 6 , p . 1 0 4 9 . Vo l. I I . 947 J ur g is B al tr u sai ti s - Le Mir o ir , p . 1 9 3 . 948 C f. Mi c he l Fo u ca u lt - O f O t her Sp a ce s, p . 2 6 2 -2 6 6 . T e xto d e 1 9 8 6 . 268 decorre. O espelho separa, para citar Richard Gregory e o seu curioso trocadilho, “eye-deas” (imagens oriundas da percepção, rapidamente captadas) das “I-deas” 949 (concepção das imagens retínicas, que se faz de forma muito lenta e que se ligam a um «eu »). E isto provoca confusão em nós. Estaremos preparados para enfrentar as ideias de magia, de infinito, de labirinto, de fantasmagoria, de ilusão, de vertigem, de delírio, de abismo, de confusão, de imersão, de “servente” (muito... ambivalente) que o espelho despoleta em nós? Poder-se-ão traduzir todas numa só: morte? Será ele um outro relógio que mede a nossa “turva eternidade” 950? É um espaço que habitamos de forma impermanente, e que, no entanto, continua a causar fascínio. E por mais próximos que estejamos dele — já nos habituámos a viver num mundo de reflexos, onde o nosso corpo e o espelho se tornam seres (quase) simbióticos — nunca será a nossa casa. Jean Cocteau fez a sua travessia ao interior do espelho em silêncio, discretamente, em Le Sang d´un Poéte (1930) (apesar do grande splash! imersivo). Mas as centenas de pássaros que chocam e embatem violentamente na sua superfície camaleónica contam-nos uma outra história. Eles saberão que ainda há uma diferença entre estar dentro ou fora. Nós apenas vemos o perigo da eliminação de fronteira. Deixámos de saber onde pôr o pé. Eis o “nosso” espelho (feito de falácias, erros e lacunas), de AZ: A alice/ artifício/adivinha Abocanho tudo o que passa à minha frente: sou um espelho 951. 949 Ric h ar d Gr e go r y - Mir r o r s i n Mi nd , p . 2 1 2 . T amb é m ne s te a sp ec to d a “v i são ” o s gr e go s d er a m c ar t as : B r u no S ne ll a ler ta - no s p a r a u m f ac to si n g u lar : o s i n ú mer o s ver b o s e x i ste n te s r e la ti v o s à vi são e m Ho me r o . Ver er a d ete r mi n ad o p el o o b j ecto e p elo sen ti men to q ue o a co mp a n ha va ( ver a Gó r g o na er a d i fe r e nt e d e v er u m j a v al i, p o r exe mp lo !) H a via vá r ia s fo r ma s d e “v er ”, o q ue é e x tr ao r d i nár io . C f . Sn el l - A De sco b er ta d o E sp ír ito , p . 1 9 -4 6 . 950 Her b e r to He ld er - Ser v i d õ es, p . 7 3 . 951 Es ta id ei a fo i s u g er id a p ela le it ur a d e A To ca d e Ka f k a , p . 1 4 . 269 Tenho todo o tempo do mundo: sou um espelho. Replico, desdobro, acrescento: sou um espelho. B barroco/ borges A turbulência febril do barroco encadeia-se bem com a depuração contemporânea. Quanto a Borges, é simples: é o mestre dos espelhos. C cegueira Demócrito de Abdera arrancou os olhos para pensar; o tempo foi o meu Demócrito. 952 D duplo “Sábio — Eu sei tudo, e sei que és a Morte.” 953 E o enigma do entre F frieza polar Um vento polar percorre Moby Dick, admitiu o seu criador, Herman Melville 954. Este mesmo vento insistirá em varrer a nossa tese, com a sua rajada de ar frio. O que fica? Uma paisagem inóspita, uma terra de neve (Kawabata) onde ninguém parece querer viver. G gatuno Rouba descaradamente imagens que não lhe pertencem. H humor Consegue desconjuntar o tempo: não é isto o que se chama ter humor? I intervalo In me she has drowned a young girl, and in me an old woman 952 953 954 J o r ge L ui s B o r g es - E lo gio d a So mb r a , p . 3 9 7 . Ma n ue l An tó nio P i na - Hi stó r ia d o S áb io Fe c ha d o n a S u a B ib lio tec a, p . 1 3 . Har o ld B lo o m – I ntr o d u ctio n, p . 1 4 . 270 Rises toward her day after day, like a terrible fish. 955 J já! É uma criança birrenta, este defensor acérrimo da instantaneidade. Com ele (ao invés da fotografia) não há transferência de lugar: é o aqui e o agora. K kafkiano L labirinto (límpido) M medusa/ montagem N não (aqui não mora Narciso) O olho O tema do olho/olhar é muito importante, e é transversal a toda a tese. Como se olha será um aspecto fulcral a ter em conta: seja com o olhar ininterrupto das geias; o olhar escudado, indirecto, de Perseu; o olhar artificioso de Ulisses (e o querer ir além da prova dos olhos, da sua ainda mais artificiosa mulher, Penélope); o olhar ditatorial de Luís XIV, que se poderá estender ao olhar controlador de Bentham/Foucault/ Losey (um olhar digno de Argos); o olhar de Hostius Quadra e o do Padre António Vieira, que se situam em lados opostos: o primeiro apegado ao que vê, olhar terreno, o segundo a pedir-nos que os olhos fiquem “mais cegos”: um olhar merecedor de Deus; sem esquecermos o olhar moralizante de Platão, hiper-regulamentado, recomendando-nos para onde devemos dirigir o nosso olhar. Por fim, o olhar do personagem de Thomas Bernhard (o texto que se seguirá): olhar que tem consciência que tem quebras, que não é completo, total 955 S yl v ia P la t h - T he Mir r o r , p . 3 4 . ( B ib l io gr a f ia cap í t ulo I , P er se u) 271 ou perfeito: é um duvidoso olhar fragmentado , que sabe que vê aos soluços, de forma retalhada. Este ênfase na visão anda estreitamente ligado com o arrepio da falta da visão, seja ele idealizado (Diderot), poético (Borges, Homero), profético (Tirésias), castrador (o Coppelius de Freud) ou simplesmente... assustador. Citamos João Barrento: “Nesta era da imagem que, no entanto, não é um tempo do olhar, o mundo está aí, ainda e sempre, à espera de ser... não interpretado (o seu sentido escapar-nos-á sempre), não transformado ou revolucionado, mas simplesmente olhado com olhos de o ver, e ao que nele ainda brilha” 956. E, felizmente, ainda parece brilhar muita coisa. P perseu/ penélope/ panóptico/ poder No início de tudo, as águas estagnadas, a pedra vulcânica. Depois a prata (Ag). Juntar-se-ão a ela o mercúrio (Hg), o estanho (Sn), o índio (In), o fósforo (P). Para quem gosta de fórmulas químicas, ei-la, a responsável pelo que chamamos de “reflexo”. Miraculum! Q queda com fim Espelho = questionador do espaço entre real/ irreal = máquina que governa. R rio/ ruína “Usais os nomes das coisas como se tivessem uma duração fixa; mas até o próprio rio, no qual entrais pela segunda vez, já não é o mesmo que era da primeira vez” 957. Pergunta da esfinge: poderemos banhar-nos duas vezes nas águas de um espelho? S sombra T tempo 956 957 J o ão B ar r e n to - O M u n d o es tá c heio d e De u se s, p . 9 8 . Fr i ed r i c h N ie tz sc he - A Fi lo so fi a na I d ad e T r á g ica d o s Gr e go s, p . 3 8 . 272 Ama, serei eu bela? Um astro, na verdade: mas esta trança cai... 958 U urdir/ ulisses/ uso V vassalagem Sujeição, submissão, obediência. W wonder «Maravilhamento » é a palavra apropriada no que diz respeito aos caminhos que o espelho abre na ciência. Veja-se, a título de exemplo, o James Webb Space Telescope (JWST), um espelho ultra leve feito com berílio (Be), programado para ser lançado em 2018. Tem 6.5 metros de diâmetro, e apenas se abrirá... no espaço! Também ele irá espreitar mundos distantes 959. X xis = ? Nome da letra que geralmente, numa equação, representa uma coisa desconhecida. Y yô-yô Passado - presente - futuro. Z zeloso Dedicado, diligente — às vezes. Quando lhe convém ganha vida própria. 958 959 Stép h a ne Mal lar mé - He r o d íad e, p . 7 7 . Ver o si te d a N as a: www.j ws t. na s a.o r g 273 Reflexo Nº 2: Para Acabar de Vez com a Visão É fe ito d e c in za s O e sp e lh o q u e o b se rvo 960 J . L. B o r ge s Em Antigos Mestres — uma amarga «comédia » — Thomas Bernhard conta a história de um personagem singular, que, dia sim, dia não, visita uma sala do Museu de Arte Antiga de Viena, onde faz questão de se sentar no mesmo banco, contemplando a mesma tela, durante trinta anos. Esta sua devoção extrema por olhar para quadros antigos contrasta vivamente com os pensamentos que tem sobre a arte em geral: a maior parte dos quadros é-lhe, de facto, detestável, insuportável mesmo, e para os poder tolerar entretém-se com um exercício que leva muito a sério: procurar, em cada obra-prima, um erro grave, um defeito por demais evidente. Quando o detecta, tranquiliza-se: a “perfeição” e a “totalidade” 961, mesmo nos grandes mestres, não existem. Para ele, portanto, todas as obras-primas trazem em si a marca de um “fracasso do seu criador” 962 (de Velázquez, por exemplo, dirá: “nada mais que arte estatal”, “pintura do poder” que só fica bem ao pé de outros “monstros empolados” 963 como ele). A pintura é quase toda feita de obras impressionantes que, num instante, estoiram e se desfazem em nada – que não resistem ao seu sentido crítico, à sua decomposição, à sua (in)sensibilidade — e ao tempo. Vence a ideia que arruinamos as obras que contemplamos. 960 961 962 963 J o r ge L ui s B o r g es - O c ego , p . 4 7 9 . T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 6 1 B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 6 0 . B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 7 4 , 7 5 e 8 1 , r e sp ect i va me n te. 274 Em primeiro lugar, porque não sabemos ver (queremos ver tudo — enchemo-nos de arte, como afirma, amargamente, o personagem 964); em segundo lugar, porque achamos que só através do discurso falado descortinamos a obra, mas, ao invés, apenas a atrofiamos. Sobre a arte contemporânea não será mais generoso de opinião, afirmando com um humor corrosivo: não vale um caracol, como se costuma dizer. 965 A grande questão que se coloca é: «lobotomizaremos » nós as obras de arte que observamos/comentamos? Nelson Goodman decerto corroboraria a afirmação que não estamos, de todo, equipados para ver: “a nossa capacidade para não ver é virtualmente ilimitada” 966, afirma. Porque apenas encontramos aquilo que estamos preparados para encontrar. Estudos científicos demonstram que assim é, de facto: não só apenas vemos uma pequena área no centro do nosso campo visual, como o olho conduz uma espécie de “caça desenfreada” 967 ao seu objecto de interesse (movimentos constantes e imperceptíveis de exploração visual que implicam redobrada atenção em certos pontos mais chamativos — chamados de “atractores de atenção”, que variam de pessoa para pessoa — ignorando outros). Tal significa, simplesmente, que seleccionamos. Assimilemos o mais importante a reter: ver é um acto de conhecimento, como defende Vítor dos Reis 968. Nós concordamos com o personagem de Bernhard: decifrar minuciosamente pode por vezes ser decepcionante. As obras, muitas vezes, desmoronam-se perante nós (que é o mesmo que dizer que perdem um pouco da sua magia). E quem nunca sentiu, calcorreando os museus, que «enche» desagradavelmente a barriga de arte? Vemos demais/ não sabemos ver/ destruímos o que vemos... ao pensar demais. 964 T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 1 7 4 . B er n har d - An t i go s M es tr e s, p . 1 8 5 . 966 Nel so n Go o d ma n - Mo d o s d e Fa zer M u nd o s, p . 5 9 ( no s so i tá lico ) . Es t e teó r i co p ar ti l har á a vi são d o p er so n a ge m cr i ad o p o r B er n h ar d , so b r et ud o q ua nd o f al a d e “d es e mb ar açar a ar t e d o s ma ta g ai s a s fi x ia nt e s d a i nte r p r et ação e d o co me nt ár io ” (p. 105). 967 W il li a m Ho gar t h ( 1 6 9 7 -1 7 6 4 ) ci t. p o r Ví to r d o s Re i s - A C aça D es e n f r ead a, p . 2 8 . U m e xce le nt e e s t ud o d ed ic ad o ao acto d e ve r . 968 Ví to r d o s Re is – A C aç a De se n f r ead a, p . 4 . 965 275 O “desassossego óptico” 969 do personagem de Bernhard, Reger (que imita a nossa própria forma de ver o que nos rodeia) tem consequências. Lembramos um grande poeta que exprimiu este pesar de forma absolutamente magistral: P u d es se eu p o d e r co m er ch o co la te s co m a me sm a ve rd a d e co m q u e co m e s! Ma s eu p en so e, a o a ti r a r o p a p e l d e p ra ta , q u e é d e fo lh a d e e sta n h o , Dei to tu d o p a ra o ch ã o ( ...) 970 (No fundo, não gostaríamos todos de ser um “Esteves sem metafísica” 971, que consegue saborear um chocolate com alegria e verdade?) Voltemos ao nosso livro para esclarecer uma última questão. Em relação aos erros dos artistas, estamos em total desacordo com Reger. O erro também nos atrai, e muito, mas consideramo-lo como uma marca distintiva, autoral: El Greco poderá não conseguir de maneira nenhuma pintar mãos (“parecem sempre luvas molhadas e sujas” 972), mas não será essa grave «imperfeição» a sua marca expressiva, e o que torna as suas obras memoráveis? Não nascerá a criação também do erro? Mas haja esperança (e salvação): há uma obra que aguenta o escrutínio infame e cruel do peculiar personagem criado por Thomas Bernhard. Não diremos é qual. * V i o p o p u lo so ma r, vi o a ma n h ec e r e a ta rd e , v i a s mu lt id õ e s d a Am ér i ca , vi u ma p ra tea d a te ia d e a ra n h a n o cen tro d e u ma n eg ra p i râ mid e, v i u m la b i rin to d es fe ito (.. . ), vi ra íz e s, n eve , ta b a co , b ico s d e m eta l, va p o r d e á g u a , vi co n ve xo s d e se r to s eq u a to ria i s e ca d a u m d o s s eu s g rã o s d e a re ia , vi em I n ve rn e s s u ma mu lh e r q u e n ã o esq u ece re i , vi a vio len t a ca b ele i ra , o 969 Mi c hae l B a x a nd al l c it . p o r V íto r d o s Rei s - A Caç a D e se n fr e ad a , p . 1 9 ; e s te au to r a f ir ma v a q ue , d e i n st a nte p ar a i n st a nte , n u nc a ve mo s a me s ma i ma ge m. 970 Fer n a nd o P e sso a - T ab a car i a, p . 3 9 . ( B ib lio gr a f i a 4 .2 ) 971 Fer na nd o P e s so a - T ab a car i a, p . 4 2 . 972 T ho ma s B er n h ar d - An t igo s Me st r e s, p . 2 4 6 . 276 a lti vo co rp o , v i u m ca n cro n o p e ito , v i u m c ír cu lo d e te rra se ca n u ma ver ed a , v i u m exe mp la r d a p ri me ira ed i çã o in g le sa d e P lín io (... ) vi a s so mb ra s o b l íq u a s d e u n s f eto s n o ch ã o d e u ma es tu fa , vi t ig r es , ê mb o lo s, b iso n te s, ma re ja d a s e ex érc ito s, v i to d a s a s fo r m ig a s q u e h á n a te r ra , vi u m a st ro lá b io p e rsa , vi u m g a vetã o d a esc ri va n in h a (e a let ra fe z - me t re me r ) ca r ta s o b sc en a s , p re ci s a s, q u e B ea t ri z en d er eç a ra a Ca r lo s A rg en t in o , (... ) vi a r el íq u ia a tro z d o q u e d el icio sa men t e t in h a sid o B ea t ri z V it erb o , v i a ci rcu la çã o do meu es cu ro mo d i fica çã o d a mo r te ( .. .) sa n g u e, vi a e n g ren a g e m do a mo r e a 973 Não é, mas poderia de facto ser o «discurso» de um espelho (e vindo de Jorge Luis Borges, é muito provável que o caminho lá vá dar — sabemos que vai 974). Sophia de Mello Breyner abreviará toda a linguagem onírica de Borges para uma simples fala do seu espelho animado: V i, vi, v i. E u so u u m es p elh o ; p a s se i to d a a m i n h a vid a a ve r. As i ma g en s en t ra ra m to d a s d en t ro d e mi m. V i, v i, v i . E a g o r a esto u n e s ta sa la o n d e n ã o h á u m lu g a r o n d e o s m e u s o lh o s d e v id ro d e sc a n se m. 975 Tanto viu o espelho de Sophia que ficou completamente extenuado, apenas querendo pousar o seu olhar vítreo numa “parede branca, nua e lisa” 976. Nós propomos outro desfecho: um espelho que feche os olhos para sempre. Não serão Borges, Homero e Tirésias figuras que inveje? E mesmo que possa ser enganado pelo facto de não ver, como o Gloucester de O Rei Lear (que é levado a crer que caminha num piso “terrivelmente escarpado” 977 , quando de facto anda sobre um piso plano), tal situação é preferível à bulimia voraz de imagens que é obrigado a consumir diariamente. 973 J o r ge L ui s B o r g es - O Alep h , p . 1 6 9 e 1 7 0 . O a u to r d á - n o s u ma d e f i niç ão d o q u e é o “Al e p h” : o l u gar o nd e e s tão to d o s o s lu g ar e s d o g lo b o , vi s to s d e to d o s o s â n g ulo s ( m as se m s e co n f u nd ir e m) . Es te r e i no d e fa n ta si a, d i ga mo s a s si m, é i n sp ir ad o n u m c o nt o d e H. G . W e ll s “T he Cr ys t al Eg g ” ( 1 8 9 9 ) . 975 So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - A F ad a Or ia na, p . 2 0 . 976 So p hi a d e Me llo B r e yn er And r es e n - A F ad a Or ia na, p . 2 1 . 977 W il lia m S h a ke sp e ar e - O Rei Lea r , p . 1 5 7 . Ac t o I V, Ce n a VI , 3 1 6 . 974 277 Vi todos os espelhos do planeta e nenhum me reflectiu 978, diz a certa altura o personagem de Borges no conto O Aleph, perturbado com o encontro excessivo de espelhos defeituosos (ou sempre assim o interpretámos). Mas há uma segunda hipótese: nenhum espelho o reflectiu porque, simplesmente, o narrador não conseguia ver. Talvez aí resida uma possível solução para tudo: o espelho renunciar ao sentido que lhe é mais caro. Ao sentido que, em nós humanos, perversamente inventa e constrói “um mundo segundo o seu próprio entendimento” 979. Essa será a sua utopia: anestesiar — iremos mesmo mais longe: matar — a visão. Fora, vil gelatina! 980 * H. G. Wells escreveu um breve conto intitulado The Country of the Blind (1904), que valerá a pena citar. Uma comunidade constituída há várias gerações por cegos vivia isolada de tudo num pequeno vale. Certo dia, um alpinista sofre uma grande queda e depara-se com esta população, que, virá a saber, desconhece o que é ser-se cego e, por oposição, o que é «ver». A primeira vez que os encontra fala da sua cidade (Bogotá), do céu sem fim — e tropeça num balde. Um dos habitantes partilha o seu pensamento com os outros: “— Os seus sentidos são ainda imperfeitos (...) Tropeça e profere palavras sem sentido. Levemo-lo pela mão.” 981 Julgam-no demente e com os olhos “enfermos” 982. Apelidam-no de Bogotá. E ele, que se esforçava ao máximo para pôr em prática o velho provérbio “Em terra de cegos quem tem olho é rei”, começa a desistir de lhes ensinar as vantagens que a visão proporciona, e a amar o seu estranho e deturpado mundo. A história não acaba bem: o mundo dos 978 J o r ge L ui s B o r g es - O Alep h , p . 1 7 0 . Ne lso n Go o d ma n - Mo d o s d e Fa zer M u nd o s, p . 1 2 6 . 980 W ill ia m S ha k e sp ear e - O Rei Lea r , p . 1 3 1 . ( Act o I I I , Ce na VI I , 5 8 6 : Fa l a d o D uq ue d e Co r n ual h a, q u and o ar r a n ca o se g u nd o o lh o d e Glo u ce ster ) . 981 H. G. W e ll s - E m T er r a d e Ce go s, p . 2 8 . 982 H. G. W e ll s - E m T er r a d e Ce go s, p . 4 7 . 979 278 cegos é exterminado para sempre devido ao derramamento brutal das terras; ele, que antevê o que irá acontecer, avisa-os, mas ninguém o leva a sério. Só ele e a sua amada conseguem escapar. Numa primeira versão da história escrita por Wells, é o visionário proscrito que morre, e o mundo dos cegos que prossegue, com a felicidade simples de sempre. Gostamos mais desta versão (que não sabemos dizer se ficou apenas na mente do escritor ou se chegou a ser impressa) – vence o mundo das trevas, acaba-se de vez com a visão. Vi, vi, vi... O nosso espelho, exausto, será um anti-Bogotá (aceitando de boa fé que lhe façam uma cirurgia para remover os «olhos »), colocando sem constrangimento ou cortesia a frase de Valéry e do seu Senhor Teste na negativa: Afastai todas as coisas que eu não quero ver 983. Talvez assim o seu olho deixe de ser capaz “de contar os botões ao fato do carrasco...” 984. Talvez assim se deixe sufocar, de livre vontade, na sua pequena, abafada e sufocante campânula de vidro 985. 983 P aul V alér y - O Se n ho r T este, p . 5 2 ( acr e sc e n tá mo s o “n ão ” e m i tál ic o à fr a se cit ad a) . 984 P au l V alé r y - O S e n ho r T este, p . 1 0 5 . 985 Al u são a u m li vr o d e S yl v ia P lat h i n ti t ulad o A Ca mp â n u la d e Vid ro ( 1 9 6 3 ) . 279 Reflexo Nº 3: Fala o Espelho Observo-os, sem pausas ou descanso. Eles não sabem que os fito, sempre, com as minhas nunca baças pupilas de gato, de animal programado para caçar à noite. Convém dizer: sou um animal, mas de sangue-frio. Detesto movimentos imprevisíveis. Pouco me mexo nesta minha “toca invulnerável, prodigiosamente cavada de labirintos, cheia de provisões, de defesas, de recantos” 986 onde posso esperar, calcular, espiar tudo o que acontece, ver tudo o que fazem, dizem ou pensam! Eles não fazem ideia que por detrás da minha superfície algo palpita, pulsa. São minhas presas, mas deixo-os sempre fugir. Melhor assim: mundos incomunicáveis. Superfície que poucos conseguem atravessar. Também não parecem conceber que a minha pele, parecendo frágil, “é tão dura como/Ovos de répteis” 987. Pior: acusam-me de soberba, acusam-me de crueldade, acusam-me de loucura... Desde que o mundo se tornou espelhado que acham que já não há mistério. Tantas, tantas, tantas imagens, mas eu agonio na minha solidão — mentiria se dissesse o contrário. Tenho o isolamento da dama de Lord Alfred Tenn yson na sua torre espelhada: também eu vejo um outro mundo a passar lá fora (Camelot), de que me chegam apenas vestígios que não consigo agarrar 988. Alice faz-me companhia. Desde que se fundiu com a sua imagem duplicada, “fechou-se de vez dentro do livro” 989. E de mim. Outros também aqui estão, sobretudo poetas, artistas. Alguns perguntam-me, de forma insistente e maçadora: — E agora, como é que se sai? 986 987 988 989 Ag us ti n a B e s sa - L u í s - Ka f ki a na, p . 7 1 . J o h n As hb er y - Au to - R etr a to N u m E sp e l ho Co n ve xo , p . 1 7 1 . Ver Lo r d Al fr ed T e n n y so n - T h e L ad y o f S halo tt. J o sé J o r ge Le tr i a - O S egr ed o d e Al ic e, p . 1 0 4 . 280 ÍNDICE DE IMAGENS 281 1. Fel i x Go nza lez -T o r r e s, “Un ti tled ” ( P e rf ect Lo v er s ), 1 9 9 1 . Do i s r e ló gio s, ti n ta d e p ar ed e. 3 5 .6 x7 1 .2 x7 c m. Co l ecç ão : M u se u m o f M o d er n Ar t, No va I o r q u e. Nº : 1 7 7 .1 9 9 6 .a -b © 2 0 1 3 T h e F e l i x G o n z a l e z - T o r r e s F o u n d a t i o n , N e w Y o r k ; c o r t e s i a An d r e a R o s e n Ga l l e r y , New York 2. Mar i n a Ab r a mo vi c, Lo o kin g a t th e Vo l ca n o , 2 0 0 5 . Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , 1 0 0 X8 0 c m. © M a r i n a Ab r a m o v i c 3. Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll: E ye s a n d mi r ro r s, 1 9 8 9 - 9 3 . I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is ( már mo r e, esp el ho s, a ço ) 2 3 6 .2 X 2 1 0 .8 x2 1 8 .4 c m. Co l ecç ão d a T at e G al ler y, L o nd r e s. Re f .: T 0 6 8 9 9 © the estate of Louise B ourgeois 4. Au to r De sco n h ecid o , M e d u sa Ro n d a n in i Már mo r e , 4 0 c m d e a lt ur a. Có p ia r o ma na d o o r i g in al d e Fíd ia s, séc u lo V Gl yp to t he k, M u n iq ue. N º in v. 2 5 2 © M a t t h i a s Ka b e l 5. Au to r De sco n h ecid o T aça co m c ab eç a d e Gó r go na , p er ío d o ar c ai co gr ego Cer ca d e 6 2 5 -6 1 0 a. C . T aça co m 3 7 c m d e d iâ me tr o e 1 0 c m d e al t ur a. Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m, Lo nd r e s. Nº I n v. : 1 8 6 1 .4 - 2 5 .4 6 ©trustees of the British Museum 6. Ca no v a, P e r seu s Ho ld in g Med u sa ´ s Hea d , c. 1 8 0 0 . E st át u a d e má r mo r e , co m 2 4 6 .8 c m d e a lt ur a. Mu s e u d o V at ica no , s al a Ca no v a. Nº I n v. : 9 6 9 . © Marie-Lan Ngu yen 7. B en v e n uto Ce ll i ni , P e r s eu s´ s Wi th th e Hea d o f Med u sa , 1 5 4 5 -5 4 . E st át u a d e b r o n ze, co m 3 2 0 c m d e al t ur a Lo g g ia d ei L a nz i, P ia zz a d el la Si g no r a, Flo r e nç a © almostpanda 8. An i s h K ap o o r , G rey La n d sca p e M i rro r, 2 0 0 7 . Fib r a d e v id r o e ti n ta. 3 0 1 X3 0 1 X1 1 5 c m © C o p yr i g h t An i s h Ka p o o r 2 0 1 3 . 282 9. Car a va g gio , Med u sa , c . d e 1 5 9 8 -9 9 . Óleo s /t ela co l ad a n u ma mad ei r a d e c ho up o , 6 0 x 5 5 c m. Gal er i a d e g li U f fi zi, F lo r en ça. © I D - AR T - U S 10. Mar i n a Ab r a mo vi c, Dra g o n Hea d s, 1 9 9 1 . P er fo r ma n ce E d ge Fe s ti va l 9 0 , Ne wca s tle . D ur a ção : 1 hr . © Phaidon Press 11. J o ão T ab ar r a, Tro féu , 2 0 0 7 . Víd eo , co r , lo o p . ©artecapital.n et 2006 12. J o ve m r ap ar i ga co m e sp el ho Est el a d e má r mo r e co m p ed i me n to , p r o v a vel me n te fe ito e m At e na s. P er ío d o á tico ( c. 3 3 0 a. C - 3 1 7 a. C) . 8 x3 .9 x1 0 c m. Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m. Nº r e gi s to : 1 9 0 9 , 0 6 1 1 .1 © trustees of the British Museum 13. Gab r i el Or o z co , I sla en la I sla , 1 9 9 3 . Fo to gr a fia a co r e s. 4 0 .6 x 5 0 .8 c m. © c o r t e s i a d o a r t i s t a ; M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y 14. Lo u i se B o ur geo i s, R ed R o o m (Pa ren t s ), 1 9 9 4 . I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is . 2 4 7 .7 x4 2 6 .7 x 4 2 4 .2 c m Co l ecç ão Ur s u la Ha u ser , S ui ça ( p o r me no r ) ©the estate of Louise Bou rgeois 15. Gab r i el Or o z co , E xten s i o n o f R e fl ec tio n , 1 9 9 2 . Fo to gr a fia a co r e s. 4 0 .6 x 5 0 .8 c m. © c o r t e s i a d o a r t i s t a ; M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y , N e w Y o r k ; Ga l e r i e C h a n t a l C r o u s e l , P a r i s ; a n d Ku r i m a n z u t t o , M e x i c o c i t y 283 16. Mar k u s Rae tz, Ha g en sp i eg el [ Har e M ir r o r ] , 1 9 8 8 -2 0 0 0 . Esp e l ho , f io , ma d eir a p i nt ad a © h t t p : / / p e t e r a n d t h e h a r e . f i l e s . w o r d p r e s s . c o m / 2 0 0 7 / 0 8 / h a r e - m i r r o r . j p g ? w= 5 0 0 17. H yer o ni mu s B o s h, Ja rd im d a s Del íc ia s, c. 1 4 8 0 -1 5 0 5 . Óleo s / mad eir a, 2 2 0 x1 9 5 c m. Nº in v .: 2 8 2 3 P o r me no r d o ca n to i n f er io r d o p a i ne l d ir ei to . Mu s e u d o P r ad o ©prado 18. Do r mi tó r io d o Rei L ui s XI V ( P r o ve n iê nc ia : E mil io O r o zco Dí as, E l Tea tro y la Tea t ra lid a d d e l Ba r r o co , p. 89). ©Arborio Mella 19. Ca nd id a Ho f fer , T ea t ro Na c io n a l d e S . Ca rlo s , 2 0 0 5 . Fo to gr a fia a co r e s. ©Candida Hoffer 20. Gia n Lo r e nzo B er ni n i, F o n te d o s Qu a t ro R io s , 1 6 4 8 -1 6 5 1 . Már mo r e . P r aç a N a vo na, p o r me no r d o R io N ilo © wi k i a r q u i t e c t u r a 21. Gab r i el Or o z co , B u b b le o n sto n e , 2 0 0 8 . Fo to gr a fia a co r e s, 4 0 .6 x5 0 .8 c m © M a r i a n G o o d m a n Ga l l e r y 22. L u k as F ur t e na ge l, De r Ma l er Ha n s Bu rg k ma i r u n d sein e Fra u An n a , g eb . A ll er la i [ Ha n s B ur g k mai r a nd hi s W i fe] , 1 5 2 9 . Óleo s / t el a, 6 0 x 5 2 c m. Nr . I n v. : G G_ 9 2 4 Mu s e u d e Ar t e, V ie n a ©kunsthistorischesmuseumviena 23. Do u gla s Go r d o n, Ta to o ( fo r r ef lec tio n ), 1 9 9 7 . Fo to gr a fia a co r e s, 6 9 .9 x6 9 .9 c m. So lo mo n R . G u g g e n hei m M u se u m ©DouglasGordon 284 24. Ós car M u no z, A l ien to , 1 9 9 6 -2 0 0 2 . P o r me no r d a i ns ta laç ão , q u e p o s s u i no ve esp el h o s c ir c u lar e s. © F o t o : T h i e r r y B a l ; c o r t e s i a In i v a 25. Lo u i se B o ur geo i s, S tu d y ( M ir ro r fo r Red Ro o m ), 1 9 9 4 . Ag u ar e la s/ p ap e l, 3 0 .5 x 2 2 .9 Co l ecç ão P r i vad a, M u ni q ue © the estate of Louise Bou rgeois 26. Co r ne li u s Co r n el is z, Th e Ca ve o f P la to , 1 6 0 4 . Gr a v ur a d e 3 .3 0 x4 .6 0 c m, i mp r es são d e J a n Sa e nr ed a m. Co l ecç ão B r i ti s h M u se u m. Nr . I n v.: 1 8 5 2 ,1 2 1 1 . 1 2 0 . ©trustees of the British Museum 27. C hr is ti a n B o l ta n s ki, Th é â tr e D´ Omb re s, 1 9 8 4 I n st ala ção co m d i v er so s ma ter ia is ( l u z, fi g u r a s v ár ia s) . © M a r i o n Go o d m a n Ga l l e r y 28. Gr a nd vi ll e, Th e S h a d o w s ( Th e F r en ch Ca b in et ) fr o m La Ca r ica tu re , 1 8 3 0 . ( P r o ve n iê nc ia : E . H. Go mb r ic h, S h a d o w s: Th e D ep ic tio n o f Ca st S h a d o w s in We st ern A rt, p . 5 9 .) 29. D ua ne Mi c hal s, A l ice´ s Mi r ro r, 1 9 7 4 . Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , s ér i e d e se te ( p o r m eno r d a fo to gr a f ia nº 6 ) . ©duane michals 30. Mic h ela n g elo P is to l et to , C ro n e o f Mi r ro rs , 1 9 7 3 -1 9 7 6 . E sp e l ho s e co r d a. 1 2 0 x2 0 0 x2 0 0 c m. Ga m- Ga ller ia C i vi ca d ´ ar te Mo d er n a e Co n te mp o r an ea, T o r i no ©Cea 31. Dia n e Ar b u s, I d en t ica l T win s, R o s el le, Ne w Je r sey , 1 9 6 7 . Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco , 3 .7 5 x3 .6 8 c m. Co l ecç ão T ate Ga ll er y/ Nat io na l G al ler ie s o f Sc o tla nd Proveniência: www.cavetocanvas.com 285 32. Mar k u s Rae tz, M e/ We, 2 0 0 7 . Fo to gr a v ur a e a g uar el a, 1 6 x2 3 .5 c m. P r o v e n i ê n c i a : h t t p : / / w w w . w e - f i n d - wi l d n e s s . c o m / 2 0 1 2 / 1 0 / m a r k u s - r a e t z / ©markus raetez 33. 5 Fi l m St il l s d o fi l me T h e S e rva n t , d e J o sep h L o se y, 1 9 6 3 . Fi l me a p r e to e b r a nco , co m d ur aç ão d e 1 h4 0 mi n ut o s. 34. Proveniência: www.mubi.com Reb ecc a Ho r n, H ig h Mo o n , 1 9 9 1 . I n st ala ção co m d ua s esp in g ar d a s, co nte n to r r ect an g u lar , l íq uid o ©celineju lie 35. Die go Ve lázq u ez, La s M en in a s, 1 6 5 6 . Óleo so b r e t ela , 3 1 8 x2 7 6 c m. P o r me no r ( e sp e l h o ) . Mu s e u d o P r ad o . Nº I n v. : P 0 1 1 7 4 ©prado 36. Reb ecc a Ho r n, Th e F ea t h ered P ri so n F a n , 1 9 7 8 . B ail ar i na , máq u i na co m p lu ma s ( q ue fec h a m e a b r e m) © h t t p : / / u wf b o d y e c l e c t i c . b l o g s p o t . p t / 2 0 1 1 / 0 5 / b o d y- a s - s c u l p t u r a l - c o m p o n e n t . h t m l 37. Reb ecc a Ho r n, R o o m s M eet in Mi r ro rs, 1 9 7 4 -7 5 . Vár io s f r a g me n to s d e es p el ho ve s ti nd o u m co r p o . © 1974 Rebecca Horn 38. Reb ecc a Ho r n, Wo o d p ec ker ´ s B a l let , 1 9 8 6 -8 7 . I n st ala ção co m vár io s e s p el ho s, mar te lo s, mo to r , o vo s. Co l ecç ão T ate. Re f. : T 0 6 5 5 1 ©tate 39. J ana S ter b a c k, R emo te C o n tro l, 2 0 0 8 . P es so a, mo to r , es tr ut u r a e m fer r o , co n tr o le r e mo to . Co l ecç ão : M u sée Dép ar t e me nt al d ´ Ar t Co nte mp o r ai n d e Ro c hec ho u ar t ©co r te sia mu s e u m b o ij ma n s v a n b e u n i n ge n 286 40. Vel ázq ue z, La s M en in a s , 1 6 5 6 . Óleo so b r e t ela , 3 1 8 x2 7 6 c m. P o r me no r ( i n f a nta ) . Mu s e u d o P r ad o . Nº I n v. : P 0 1 1 7 4 . ©prado 41. Mic h ela n g elo P is to l et to , Me t ro cu b o d i in fin ito , 1 9 6 6 . E sp e l ho s e co r d a. 1 2 0 x1 2 0 x1 2 0 c m. F u nd aç ão P i sto le tto , B ie lla. ©http://www.farticulate.wordpress.com 42. Ri car d o J a ci n to , P a rq u e ( 2 0 0 1 -2 0 0 5 ) Co nc er to /i n st al ação no T eatr o C ur vo Se med o , 2 0 0 5 . Co m p ar t ic ip aç ão d e : N u no R ib e ir o , Ma n ue l P i n he ir o , N u no T o r r e s, H u go B r ito , An d r é S ier , J o ão P in h eir o , Di no Réc io , N u no Mo r ão , Da n ie l Ma l h ão . ©http://www.ricardojacinto.com/main-projects/projects/parque/parque 43. Ce cí lia Co s ta, s /t ítu lo , 2 0 1 0 . 1 1 3 x1 1 8 c m. De se n ho , c ar v ão s/ p ap el . ©cortesia da artista 44. Mar i n a Ab r a mo vi c + Ul a y, R e la t io n in T im e , 1 9 7 7 . Fo to gr a fia d a p e r fo r ma n ce ( co m d ur aç ão d e 1 7 h o r as) , 1 1 0 x1 5 0 c m © V B K, W i e n , 2 0 1 1 45. Mar i n a Ab r a mo vi c, Th e A rt i st i s P re sen t, 2 0 1 0 . D ua s cad eir as , u ma me s a e a p r e se nç a d a ar t is ta . P er fo r ma n ce no Mo ma , No va I o r q u e ©marco anelli 46. Do u gla s Go r d o n, Mi r ro r Blin d (G ra c e ), 2 0 0 2 . Fo to gr a fia . 3 1 .4 x3 1 .4 c m © http://www.deadfly.biz/TaintedLove_Artists/Douglas_Gordon.html 47. Ce cí lia Co s ta, s /t ítu lo , 2 0 0 9 . De se n ho ( car vão s / p ap e l) . 2 1 x1 6 c m ©cortesia da artista 287 48. R ui Cal çad a B as to s, Th e Mi r ro r S u i tca se Ma n , 2 0 0 4 . S til l r et ir ad o d o v íd eo . ©cortesia do artista 49. Mic h ael B o r r e ma n s, Th e R ep la cem en t, 2 0 0 3 . De se n ho a láp i s, ó leo e ver n iz s / p ap e l. 2 6 .5 x1 8 .4 c m. © Z e n o X Ga l l e r y 50. Ro b er t S mi t h so n, I n c id e n ts o f Mi r ro r- T ra vel in t h e Yu ca ta n , 1 9 6 9 . Mir r o r Di sp lac e me n t nº 1 . ( p ar te d e u ma s ér i e d e 9 i mp r e s sõ e s, d e 6 1 x6 1 c m) . Co l ecç ão So lo mo n R. G u g ge n h ei m M u se u m, No va I o r q ue. ©Estate of Robert Smithson 51. Cl ar e nc e J o h n La u g h li n , Th e M ir ro r o f No th in g n es s, 1 9 5 7 . Fo to gr a fia , 3 4 .6 1 x2 7 .1 5 c m. Co l ecç ão SF Mo ma ©Th e Hist oric New Orleans Collection 52. Ro b er t S mi t h so n, Ma p o f B ro ken Gl a s s ( At la n ti s ), 1 9 6 9 . I n st ala ção . L a n na n Fo u n d atio n. ©Florian Holzherr 53. Ca sp ar Da v id Fr i ed r i c h, A r tic S h ip w rec k [ ta mb é m co n he cid o co m o Po la r S ea ] , 1 8 2 3 -2 4 . Óleo s /t ela , 1 2 6 .9 x9 6 .7 c m. K u ns t ha lle Ha mb ur g, Al e ma n ha. ©the yorck project 54. Re mb r a nd t, A Li çã o d e A n a to m ia d o Do u to r Ni c o la e s Tu lp , 1 6 3 2 . Óleo s / t el a, 1 6 9 .5 x2 1 6 . 5 c m. Mu s e u d e Ar t e M a ur i ts h ui s, P aí se s B a i xo s ©www.geh eugenvanned erlan d.nl 55. Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll ( Gla s s S p h e re s a n d Ha n d s ), 1 9 9 0 -9 3 . I n st ala ção co m vid r o , m ad eir a, me ta l, t ec id o . 2 1 8 .4 x2 1 8 .4 x2 1 0 .8 c m. ©the estate of Louise Bou rgeois 288 56. Tea tro A n a tó mi co , U n i v er s id ad e d e Leid e n , c. 1 6 1 0 . Gr a v ur a d e W il le m V an S wa n e nb ur g h ; có p i a d e d es e n ho d e J o ha n ne s W o ud a n u s. © wi k i m e d i a c o m m o n s 57. Ha n s B e ll me r , Un ti tl ed , 1 9 3 5 . Fo to gr a fia a p r eto e b r a nco . T he B u hl Co ll ect io n, Ne w Yo r k ( P r o ve n iê nc ia : S u e T a yl o r , Th e A n a to my o f A n xi ety , p . 1 0 5 ) . © U b u Ga l l e r y , N e w Y o r k ; G a l e r i e B e r i n s o n , B e r l i n 58. Re mb r a nd t, Ca r ca s s o f a n Ox [ B o i E s fo l ad o ] , 1 6 5 7 . Óleo s / mad eir a, 5 1 .7 x7 3 .3 c m. Mu s e u d o Lo u vr e, Fr a nç a. © h t t p : / / a l b e r t i s - wi n d o w . c o m / c a t e g o r y / c o n t e m p o r a r y - a r t / 59. Ha n s B e ll me r , La P o u p é e, 1 9 3 8 . Fo to gr a fia co lo r id a à mã o co m a n il i na s, 5 .4 x5 .4 c m. Co l ecç ão Ub o Ga ll er y e Gal er i e B er i nso n. P o r me no r . ( P r o ve n iê nc ia : T her e se L ic h te n ste i n, Beh in d C l o sed Do o rs: Th e A rt o f Ha n s B el lme r, P lat e 7 , s / i nd i cação d e p á g i na) . © A l i E l a i , C a m e r a r t s , In c . 60. Lo u i se B o ur geo i s, I Do . I Un d o . I Red o , 1 9 9 9 - 2 0 0 0 . Ob r a co mp o s ta p o r tr ês p eça s d i s ti n ta s: I Do . Vár io s mat er i ai s ( aço , e sp e l ho s, t ec id o ) . Alt u r a: 9 m I Un d o . Vár io s ma ter iai s ( a ço , e sp e l ho s, tec id o ) . Al t ur a : ap r o x. 1 4 m I R ed o . Vár io s mat er i ai s ( aço , esp el ho s) . Al t ur a : ap r o x. 1 0 .5 m I n st ala ção no T ur b i n e H all, T ate Mo d er n, L o nd r es. ©http://www.moma.org/exp lore/collection/lb/about/chron ology 61. Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll X XV I , 2 0 0 3 . Mat er ia i s vár io s ( r ed e, e sp e l ho , t ec id o , fio ) . © T h e G o o d Kn i g h t 62. Ha n s B e ll me r , La P o u p é e, 1 9 3 8 . Fo to gr a fia p i n tad a a a n i li na, 1 7 .8 x1 7 .8 c m Co l ecç ão G il ma n P ap er Co . ©Hans Bellmer 289 63. Lo u i se B o ur geo i s, Ce ll: T wel ve Ova l M i r ro r s, 1 9 9 8 . Aço , al u mí n io , mad e ir a. 2 2 8 .6 x2 4 3 .8 x3 3 5 .2 c m ©ghost-light.blogspot.com 64. Ce cí lia Co s ta, s / T ítu lo , 2 0 0 8 . De se n ho ; car v ão s/ p ap e l. 2 1 x1 6 c m ( p o r me no r ) ©cortesia da artista 290 IMAGENS 291 292 293 294 295 296 297 298 299 300 301 302 303 304 305 306 307 308 309 310 311 312 313 314 315 316 317 318 319 320 321 322 323 324 325 BIBLIOGRAFIA CAPÍTULO I O Espelho de Perseu AP O LO D OR O - T he Lib r ar y. I n G ARB E R, Mar j o r ie ; VI CKE R S, Na n c y, ed s . - T he M edusa Rea de r. N e w Yo r k a nd Lo nd o n : Ro u tled g e, 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 2 3 -2 5 . AP P O ST O L OS -C AP P ADO N A, D ia ne - B e he ad i n g/ Dec ap i ta tio n. I n ROB E RT S, Hel e ne E ., ed . - E ncy cl o pe dia o f Co mp a ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pic t e d in Wo r ks o f Art . 1 ª e d . C h ica go ; Lo nd o n : F itzr o y De ar b o r n P ub l i s her s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 - 0 0 9 -2 . vo l. I , p . 1 1 7 -1 2 4 . AR I ÈS , P hi lip p e – U m a cr ia nç a d es co b r e a h is tó r i a. I n O Te mp o d a H ist ó r ia . T r ad . d e Mig u el Ser r a s P er eir a. Lisb o a : Reló gio d ´ Ág u a, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 2 - 7 0 8 - 1 6 0 -6 . cap ít u lo I , p . 9 -2 1 . AS HB E RY, J o h n – Au t o - Re tr a to N u m E sp el ho Co n ve xo . I n A ut o - Ret ra t o N u m E sp el ho Co nv e xo : e o ut ro s po e ma s. T r ad uç ão d e Antó n io M. Fe ij ó . Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 8 5 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -2 8 1 -5 . p . 1 6 3 -1 9 3 . B ALT RU S AI T I S, J ur gi s - L e M iro i r : es sa i su r un e l ég e nd e sc ien t if iq ue: rév éla t io ns , sc ie nce- f ic t io n et f a lla cie s. 1 ª ed . P ar i s : Éd it io ns d u S eu il, 1 9 7 8 . I SB N 2 -0 2 - 0 0 4 9 8 5 -6 . B AR R ENT O, J o ão - O Gé ne ro I nt ra nq u ilo : A na t o mia do en sa io e do Fra g me nt o . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 1 0 . P e ni n s u lar e s, 9 6 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 4 9 5 -1 . B ART HE S, Ro la nd - Ro la nd B a rt h es po r Ro la nd B a rt h es . T r ad . d e J o r ge Co n st a nte P er eir a e d e I sab e l Go n çal v e s. Rei mp . L i sb o a : E d içõ es 7 0 , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -4 4 -1 5 6 5 -9 . — A Câ ma ra C la ra : N o t a so b re a Fo t o g ra f ia . T r ad . d e Man ue la T o r r es. Li sb o a : Ed içõ e s 7 0 , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 2 -4 4 -1 3 4 9 -7 . 326 B AT AI L L E , G eo r ge s - O Â n us so la r : ( e o ut r o s t e xt o s do So l) . T r ad . d e An íb al Fer na nd e s. 1 ª ed . L i sb o a : As sír io e Al vi m, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 1 9 5 -0 . B L AN C HOT , Ma ur ic e - O ca n to d a s s er e ia s. I n O Liv ro po r V ir . T r ad . d e Mar ia Re g i na Lo u r o . 1 ª ed . L i s b o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 8 4 . p . 1 1 -1 7 . B ONN E T , J acq u es - B ib lio t e ca s C heia s de F a nt a s ma s. T r ad . d e J o sé M ár io S il v a. Lis b o a : Q u etz al, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 0 6 - 0 . B OR GE S, J o r ge L ui s – O Liv ro do s Ser e s I ma g i ná r io s. T r ad uç ão d e Ser a f i m Fer r eir a . Li sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 0 4 -8 . — T lo n, Uq b ar , O r b i s T er ti us . I n F i cçõ e s. T r ad u ção d e J o sé Co laço B ar r e ir o s. Lis b o a: E d i to r i al T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 3 0 -8 . p . 1 1 -3 0 . — O s E sp el ho s. I n J o r g e L ui s B o rg e s : O br a s Co mp let a s. L i sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 1 -0 . vo l I I , p . 1 8 8 . — Ao esp el ho . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s C o mp let a s. Li sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 1 1 2 . B OW R A, Ce ci l M . - O Asp ecto He r ó ico . I n A E x per iê nc ia Gr eg a . 1 ª ed . Li sb o a : Ar cád ia, 1 9 6 7 . cap ít u lo no no , p . 3 8 -6 9 . B R AG AN Ç A D E M I R A ND A, J o sé A. - Co r po e I ma g e m. 1 ª ed . L i sb o a : V e ga, 2 0 0 8 . P as sa g e ns, 4 5 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 9 -8 9 5 -2 . B R AND ÃO , J u ni to d e So uza - Gó r go na s. I n Dic io ná rio M ít ico - Et i mo ló g ico da M it o lo g ia Gr eg a . 2 ª ed . R io d e J a ne ir o : Vo ze s, 1 9 9 1 . I SB N 8 5 -3 2 6 - 0 1 4 8 -0 . vo l I , p . 4 7 0 -4 7 1 . — P er s e u. I n Di cio ná r i o M ít ico - Et i mo ló g i co d a M it o lo g ia Gr eg a . 2 ª ed . R io d e J ane ir o : Vo ze s, 1 9 9 1 . I SB N 8 5 -3 2 6 -0 4 5 6 -0 . vo l I I , p . 2 6 9 -2 7 3 . B UR KE RT , W a lter - M i t o e M it o lo g ia . T r ad . d e Mar ia He le n a d a Ro c ha P er e ir a . 1 ª ed . Li sb o a : E d içõ e s 7 0 , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -4 4 - 0 7 4 7 -0 . C AI L L OI S, Ro g er - Th e M a sk o f M ed u sa . T r ad . d e Geo r g e Or d is h . 1 ª e d . Lo nd o n : V icto r Go ll a ncz, 1 9 6 4 . C AL AS S O, Ro b er to – A L it e ra t u ra e o s D eu se s . T r ad . d e C lar a Ro wl a n d . Li sb o a : Gó t ica, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 2 -0 7 9 -9 . 327 — As N ú pcia s d e Ca d mo e H a r mo nia . T r ad . d e Ma r ia J o r ge Vi lar F i g ue ir ed o . 1 ª ed . Li sb o a : E d içõ es Co t o vi a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -9 0 1 3 -2 5 - X. C AR R O L L, L e wi s - A s Av ent ura s d e Al ice n o P a ís da s M a ra v il ha s ; Alice do O ut ro La do do E sp el ho . T r ad . e no ta s d e Mar gar id a V al e d e Ga t o ; il. J o h n T en nie l. L i sb o a : Re ló gi o D ´Ág u a Ed ito r e s, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 0 8 -9 1 9 -2 . CH E V AL I E R, J ea n ; GHE E RB R ANT , Ala i n – E sp e l ho . In Di cio ná r io do s Sí mb o lo s : mi t o s , so n ho s , co st u me s , g e st o s, f o r ma s, f ig ura s, co re s, nú me ro s. T r ad . d e Cr i s ti na Ro d r i g ue z e Ar t ur G uer r a . Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 6 9 5 -2 1 5 -8 . p 3 0 0 -3 0 2 . C LAI R, J ea n - M éd us e: co nt r ib ut io n à u ne a n t hro po lo g ie de s a rt s d u v i su el. 1 ª ed . P ar i s : G al li ma r d , 1 9 8 9 . I SB N 9 7 8 2 0 7 0 7 1 6 0 5 0 . D A VI N CI , L eo nar d o - B est iá rio , F á bu la s e O ut ro s E scr it o s. Ap r e s ., se le c., e tr ad . d e J o sé Co la ço B a r r eir o s. 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 3 7 -0 3 8 8 -2 . DO DD S, E . R. - O s G r eg o s e o Irra c io na l. T r ad . d e Leo no r S a nto s C ar v al ho . 1 ª ed . Li sb o a : Gr ad i va, 1 9 8 8 . DOM Í N GUE Z , Car lo s Mar í a - A Ca sa d e Pa pel . T r ad . d e H e nr iq u e T avar e s e Ca s tr o . 2 ª ed . L i sb o a : As a, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -2 3 -0 8 6 9 -2 . DW YE R, E u ge n e - E vi l E ye . I n R OB E RT S, Hel e ne E., ed . - E ncy clo pe dia o f Co mp a ra t iv e Ico no g ra phy : Th e me s De pi ct e d in Wo r ks o f Art . 1 ª e d . C hi ca go ; Lo nd o n : Fi tzr o y De ar b o r n P ub l i s her s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 - 0 0 9 -2 . vo l. I , p . 2 8 7 292. EC O, U mb er to – So b r e o s E sp el ho s. I n So bre o s E s pel ho s e O ut ro s En sa io s . T r ad . d e He le na Do mi n g o s e J o ão F ur tad o . Li sb o a : Di f el, 1 9 8 9 . p . 1 1 -4 4 . EDG ERT O N, Sa mu el Y . - B r u ne ll es c hi ´s M ir r o r . I n T he M irro r, Th e W in do w a nd t he T el es co p e. H o w Re na i s sa n ce L i nea r P e rs p ect iv e Cha ng e d O u r V i sio n o f t he Un iv er se . I t haca a nd L o nd o n : Co r n ell U n i ver si t y P r e s s. I SB N 9 7 8 -0 -8 0 1 4 -7 4 8 0 -4 . p . 4 4 -5 3 . 328 ELI ADE , Mir cea - Mo r fo lo gia e F u nç ão d o s Mito s. I n Tra t a do d e H is t ó ria da s Rel ig iõ es . P r e f. Geo r ge s D u mé zi l; tr ad . Fer n a nd o T o maz, N at ál ia N u ne s. 5 ª ed . P o r to : As a, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -4 1 -3 7 0 2 -3 . cap ít u l o XI I , p . 5 0 7 -5 3 8 . É N AR D, Mat h ia s - F a la - lh es d e B a t a l ha s, de R ei s e de E lef a nt e s. T r ad . d e P ed r o T a me n. 1 ª ed . Li sb o a : D. Q u i xo t e, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -2 0 -5 1 7 4 -3 . EU RÍ P E DE S – A s B a c a nt e s. T r ad . i n tr o d . e no t a s d e Ma r ia H ele n a d a Ro c h a P er eir a. 2 ª ed . L isb o a : E d içõ e s Se te n ta, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 8 5 3 -1 . — Ío n. T r ad . i n tr o d . e no t a s d e Fr ed er i co Lo ur en ço . Lisb o a : Co lib r i, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -8 0 4 7 -8 3 -5 . F AXO N, Alic ia Cr a i g - Fe m me Fa ta l. I n ROB E RT S, He le n e E., ed . - E ncy c lo pe dia o f Co mp a ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pi ct ed i n Wo r ks o f A rt . 1 ª ed . C hi ca go ; Lo nd o n : Fi tzr o y De ar b o r n P ub li s her s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 -0 0 9 -2 . vo l . I , p . 3 1 5 -3 2 0 . — M eta mo r p ho s i s. vo l I I , p . 5 9 1 -5 9 6 . F REU D, S i g mu n d - Me d u sa s ´s Head . I n G AR B ER, M ar j o r ie ; VI C KE R S, Na nc y, ed s. - T he M ed u sa Rea der . 1 ª ed . Ne w Yo r k a nd Lo nd o n: Ro u tl ed ge, 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 8 4 . F RO NT I SI -D U C RO UX, Fr a nço i se – T he Go r go n, P ar ad i g m o f I ma ge C r eat io n. I n G ARB E R, Mar j o r ie ; VI CK E RS, N a nc y, ed s. - T he M ed u sa Rea der . N e w Yo r k a nd Lo nd o n : Ro u tled g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 2 6 2 -2 6 6 . — And r ó med a et la n a is sa n ce d u co r a il. I n G E O RG OU DI , St el la ; V E R N ANT , J ean -P ier r e , ed s. - M y t he s G rec s a u F ig uré, de l´ A nt iq ui t é a u B a ro qu e. 1 ª ed . P ar is : Ga lli mar d , 1 9 9 6 . I SB N 2 -0 7 -7 3 9 1 0 -4 . p . 1 3 5 -1 6 5 . G ALV ÃO, Ro s a Mar ia , co o r d – No r ma s P o rt ug ue sa s de Do c u ment a çã o e In f o r ma çã o . Li sb o a : B ib lio te ca Na cio na l d e P o r t u ga l, I n s ti t uto P o r t u g uê s d a Q ual id ad e , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 9 7 2 5 6 5 4 5 7 6 . ( Li vr o co n s u ltad o ) GI L, J o s é - M o n st ro s. 1 ª ed . Li sb o a : Q uet zal Ed ito r es , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 -1 8 9 2. GOET HE , J o h a n n W o l f ga n g Vo n - F a u st o . T r ad . i n tr o d ução e g lo s sá r io d e J o ão B ar r e nto ; i ma ge n s d e I l d a D a vid . 1 ª ed Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a Ed i to r es, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 5 5 5 -5 . 329 GOMB RI C H, E r n st Ha n s - U ma Pe qu ena H ist ó ria do M undo . T r ad . R aq uel Mo u ta. Li sb o a : T i nt a -d a- C h i na, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -8 9 5 5 -9 0 -8 . GOM ES , Ma n u el J o ão - Al ma na q ue do s e sp e lho s : v a r ia çõ e s na r cí si ca s so bre t e ma s de O v íd io , H o f f ma n n, Cha mi s so , Ri ca r do R ei s, Lew i s Ca rro l, Álv a ro de Ca mp o s, N erv a l , We nc es la u de M o ra es , B o rg es e M a u pa s sa nt . L isb o a : & E t c, 1980. GR AV E S , Ro b er t – P er s eu. I n O s M it o s Gr eg o s . T r ad . d e Fer na nd a B r a nco . 3 ª ed . Lis b o a : E d i çõ e s D . Q u i xo t e, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 0 -2 7 4 0 -9 . p . 2 4 3 -2 5 0 . GR EG O RY, Ri c har d - M irro rs i n M ind. O x fo r d ; Ne w Yo r k ; H eid e l b er g : W . F . Fr ee ma n, co p . 1 9 9 7 . I S B N 0 -7 1 6 7 -4 5 1 1 -9 . GR I M AL , P i er r e – A M it o lo g ia Gr eg a . T r ad . e p r e f . De Vi cto r J ab o ui ll e. 3 ª ed . Me m Mar t i n s : E ur o p a - A mér ica, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -1 0 2 6 6 1 -1 . — Di cio ná r io de M it o lo g ia Gr eg a e Ro ma na . Co o r d . d a ed . p o r t. Vi cto r J ab o u il le. 5 ª ed . Li sb o a : Di fe l, 2 0 0 9 . Li sb o a : Di fe l, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 9 0 9 2 9 /0 9 . ( L i vr o co n s u lt ad o ) HE L DE R, H er b er to - S e rv i dõ e s. Li sb o a : As s ír i o & Al v i m, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 3 7 -1 6 9 6 -2 . HE S Í O DO - T eo go nia . I n T eo g o n ia : Tra ba l ho s e D ia s. P r e f . d e Ma r ia He le na d a Ro c h a P er e ir a ; i n tr o d ., t r ad ., e no ta s d e Ana El i as P i n h eir o , J o s é Rib e ir o Fer r eir a. Lis b o a : I N C M, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -2 7 -1 3 9 1 -4 . p . 2 5 -7 3 . HOM E RO - Il ía da . T r a d . e no ta s d e Fr ed er ico Lo ur e n ço . 1 ª ed . L i sb o a : Li vr o s Co to v ia, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 1 8 - X. — O di s se ia . T r ad . e no t as d e Fr ed er i co Lo ur e nç o . 2 ª ed . Li sb o a : Li vr o s Co to via , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 6 0 -4 . KE RÉN YI , Car l – P er se u s. I n T he H ero e s o f t h e G ree ks . 2 ª ed . Lo nd o n : T ha me s & H ud so n, 1 9 9 7 . I SB N 0 -5 0 0 -2 7 0 4 9 - X. p . 4 5 -5 8 . KI T T O, H. D. - Ho mer o . I n O s Gr eg o s. T r ad . d e J o sé M a n u el Co u ti n ho e Ca str o . 3 ª ed . Co i mb r a : Ar mé n i o Ar mad o , 1 9 9 0 . p . 7 5 -1 0 6 . KR I ST EV A, J úl ia - Q ui e st Med u s e? I n N A P OLÉO N, Ai le, ed . li t . - V i sio n s Ca p it a l es . P ar i s : P ar t i P r is , 1 9 9 8 . Ob r a p u b lic ad a p o r o c as ião d a exp o s ição 330 o r ga n iz ad a e p at e nt e no Mu sé e d u Lo u vr e, d e 2 7 d e Ab r il a 2 7 d e J ul h o d e 1 9 9 8 . I SB N 2 -7 1 1 8 - 3 6 6 8 -1 . p . 3 5 -4 9 . KUB LE R , Geo r ge – A F o r ma do T e mpo : o bs erv a çõ e s so bre a h ist ó ria do s o bj ec t o s. T r ad u ção d e J o sé Vi eir a d e Li ma . 3 ª e d . Li sb o a : Ve ga, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 6 9 9 -2 3 6 -2 . LI SP E CT O R, Cl ar i ce - Ág ua Viv a . Lisb o a : R el ó gi o D ´ Ág u a, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 6 4 1 -2 8 4 -5 . LOU RE N ÇO , Fr ed er ico – Do i s P o e ma s d e Au to r Anó ni mo : A I lí ad a e a Od is s eia . I n No v o s E n sa io s H e lé nic o s e Al e mã e s. 1 ª ed . Lisb o a : Co to v ia, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 9 7 2 -7 9 5 -2 5 3 -3 . p . 1 1 -2 5 . — Gr écia Rev is it a da : E nsa io s so br e C u lt u r a G reg a . 3 ª ed . L isb o a : Co to vi a, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 9 2 -2 . L OV E C R AFT , H.P . - O Ter ro r So br ena t ur a l na L it e ra t u ra . T r ad . d e An a Ma ga l hãe s, D a ni el S eab r a Lo p es . 1 ª ed . Li sb o a : Ve ga , 2 0 0 6 . Co lec ção P as sa ge n s, 4 0 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -8 5 2 -2 . L U C ANO - P har sa li a. I n G ARB E R, Mar j o r ie ; VI CK E RS, Na n c y, ed s. - T he M edusa Rea de r. N e w Yo r k a nd Lo nd o n : Ro u tled g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 4 1 -4 3 . L U CI ANO DE S AM Ó S AT A - T he Ha ll. I n G AR B ER, Mar j o r i e ; V I CKE R S, Na nc y, ed s. - Th e M ed usa Rea der . N e w Yo r k a nd Lo n d o n : Ro ut led ge , 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 1 5 9 0 0 9 9 -9 . p . 4 3 . M AB I LL E , P i er r e - Mir o ir s . M i no ta u r e . P ar i s. 1 1 ( 1 9 3 8 ) 1 4 -1 6 . M AI A, T o má s – As so mbra : E nsa io so b re a O rig e m da I ma g e m. 1 ª e d . Li sb o a : As s ír io e Al vi m, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 - 1 3 5 9 -6 . M AI LLE T , Ar na ud - Th e C la u de G la s s : Us e a nd M ea ni ng o f t he B la c k M irro r in We st er n A rt . N e w Y o r k : Zo ne B o o ks , 2 0 0 4 . 1 -8 9 0 9 5 1 -4 7 -1 . M AN G UE L, Alb e r to - No B o s q ue do E s pe l ho . T r ad . d e M ar gar id a Sa n ti a go . Al fr a gid e : D. Q ui xo te, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 0 - 3 8 3 3 -1 . 331 ME DE I R O S, Ma r gar id a - O Co r p o Não - Re co n he cid o : Nar ci so . I n Fo t o g ra f ia e Na rc is i s mo : o A ut o - R et ra t o Co nt e mpo râ n eo . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 6 0 6 -7 . p . 6 1 -6 6 . MEN DO N Ç A, J o s é T o l en ti no - B a l d io s . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & A lv i m, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 5 4 2 -7 . ME R LE AU -P O NT Y - O O lho e o E s pí rit o . P r ef. d e Cl a ud e Le fo r t. [ Li sb o a] : Ve ga, 1 9 9 2 . P a ss a ge n s, 9 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -3 5 2 -0 . MI LLE R, J o nat h a n - O n Ref lect io n . Lo nd o n : Na tio n al Ga ll er y, 1 9 9 8 . I SB N 0 3 0 0 -0 7 7 1 3 -0 . MONT AI GN E – Do s Li vr o s. I n E nsa io s : a nt o lo g ia . I n tr o d ., tr ad . e n o ta s d e R u i B er tr a nd Ro mão ; p i nt ur as d e P ed r o Ca lap e z. Li sb o a : R eló g io D ´Ág u a , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -5 0 5 -9 . p . 1 8 3 -1 9 7 . O LE NDE R, Ma u r ic e - A sp ec t s o f B a ub o : An c ie n t T ex t s a nd Co n te x t s. I n ZEI T LI N, Fr o ma ; H ALP E RI N, D av id M ., ed s. - B ef o r e Se x ua l it y : T he Co n s t ruc t io n o f Ero t ic E xp er ie nce i n t he A nc ie nt Gre e k Wo rl d. P r i nce to n : P r i nc eto n Un i ver si t y P r es s, 1 9 9 0 , I SB N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 8 3 -1 1 3 . OVÍ DI O – M et a mo rf o s es. T r ad . e i ntr o d . d e P au lo Far mh o u se Alb er to . 1 ª ed . Lis b o a : Li vr o s Co to vi a, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 9 5 -2 0 6 -9 . — Art e d e A ma r. T r ad . , i n tr o d . e no t as d e C ar l o s As ce n so An d r é. 2 ª e d . Li sb o a : Li vr o s Co to v ia, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 5 3 -8 . P E NDE R C R AST , Mar k - M irro r , M irro r : A H is t o ry o f t h e H u ma n Lo v e Af f a i r w it h R ef l ect io n. Ne w Y o r k : B a si c B o o k s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -4 6 5 -0 5 4 7 0 -6 . P E RE I R A, Ale xa nd r e ; P OUP A, Car lo s, ed s. – A no r ma p o r t u g u e sa. I n Co mo E scr ev er u ma Te se M o no g ra f ia o u L iv ro C ien t íf ico u sa ndo o Wo rd. 5 ª ed . Lis b o a : E d i çõ e s Sí lab o , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 1 8 -6 9 1 -5 . p . 6 4 -7 4 . P ESS O A, Fe r na nd o - L iv ro do De sa s so s seg o : co mp o s t o po r B er na r do So a re s, a j uda nt e d e G ua r da - Li v ro s na c ida de de L i sb o a . Ed . d e Ri c har d Ze n it h. 4 ª ed . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 1 2 1 -9 . 332 P Í ND AR O – XI I Od e P íti ca, p a r a M id a s d e Agr i ge nto , Ve n ced o r a C o nc ur so d e Fla u ta. I n P í n da ro : O d es P ít ica s. T r ad . e no ta s d e An tó nio d e Ca str o C aei r o . 1 ª ed . Li sb o a : P r i me B o o k s, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -8 8 2 0 -8 3 -6 . p . 1 3 9 . — X a Od e Ne me ia . I n Set e O de s d e Pí nda ro . T r ad . e no ta s d e Mar ia Hele n a d a Ro c h a P er eir a. 1 ª ed . P o r to : P o r to Ed i to r a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -0 -4 5 0 0 3 -7 . p . 1 0 5 1 1 1 . Co me n t ár io d a tr ad uto r a p . 1 1 3 - 1 1 6 . P LAT H, S yl v i a – P er s eu s : T he T r i u mp h o f W it o v er S u f fer i n g. I n G ARB E R , Mar j o r ie ; VI C KE R S, N an c y, ed s. - T he M ed u s a Rea der. Ne w Yo r k a n d Lo nd o n : Ro ut led g e, 2 0 0 3 , I SB N 0 -4 1 5 -9 0 0 9 9 -9 . p . 1 0 0 . — Mi r r o r . I n C ro s s ing t he Wa t er . 1 ª ed . Ne w Yo r k : H ar p er & Ro w, 1 9 7 1 . I SB N 0 -0 6 -0 9 0 7 8 9 -4 . p . 3 4 . QUE VE DO, Fr a nc i sco d e - O R eló g io d e Ar e ia. I n A nt o lo g ia da Po e sia E spa n ho la do « sig lo de o ro » . S el ec., tr ad ., p r o l. e no t as d e J o sé B e nto . L i sb o a : As s ír io & Al v i m, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 1 8 3 -9 . vo l I I , p . 2 7 3 -2 7 4 . QUI GN AR D, P a s cal – As So mb ra s Erra nt e s : Últ i mo Re i no . T r ad . d e Mar ia d a P ied ad e Fer r eir a. 1 ª ed . L is b o a : Gó tic a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 9 2 -0 8 4 -5 . R AMÓ N R I B E Y R O, J u lio – P ro sa s A pá t ri da s. T r ad . d e T iago S za b o . 1 ª ed . Lis b o a : E d i çõ e s Ah ab , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -1 -1 . RI LKE, Ra i ner M ar i a – O s So net o s a O r f e u de Ra i ner M a ria R il k e . T r ad . d e Va sco Gr aç a Mo ur a. 1 ª ed . Li sb o a : Q ue tza l, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 -2 1 2 -0 . — A s Eleg ia s d e D uí no . T r ad . d e Mar i a T er es a Dia s F ur tad o . Li sb o a : As sí r io & Al v i m, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 3 4 1 -6 . RO C HE , Se r ge - M irro rs in Fa mo u s Ga ll er ie s a nd Co lle ct io n s . P ar i s : Ge r ald D uc k wo r t h & Co Ltd , 1 9 5 7 . S AG RO SK E, M ic ha el - L a Méd u s e Da n s L ´O e u vr e d e Fer na nd K h no p f f . I n LEE N, Fr ed e r i k, co o r d . – F er n a nd K h no pf f , 1 8 5 8 -1 9 2 1 . B r u xe ll es : M u sé es R o ya u x d e s B ea u x - Ar t s, 2 0 0 4 . I SB N 9 0 -7 6 7 0 4 -4 2 -2 . p . 5 3 -6 3 . SE B AL D, W . G. – O s A néi s de Sa t ur no : U ma Ro ma g e m Ing le sa . T r ad . d e T el ma Co st a. L isb o a : E d i to r i al T eo r e ma, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 8 9 -7 . — O s E mi g ra nt e s : qu a t ro co n t o s lo ng o s. T r ad u ção d e T el ma Co sta . L i sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 3 9 -0 . 333 SE R R A, J o s é P ed r o - C o n he ci me n to e I g no r â n c ia. I n P e ns ar o T r á gi co : Ca te go r ia s d a T r agéd ia Gr e ga . Li sb o a : [ s. n.] , 1 9 9 8 . 3 6 0 p . T ese d e Do uto r a me nto e m C u lt u r a Cl á ss ica , U n i ver sid ad e d e Li sb o a. cap . VI I , p . 3 1 5 -3 2 6 . SHE FE R, E la i ne - M ir r o r /R e fl ec tio n. I n ROB E R T S, Hel e ne E., ed . - En cy clo pe dia o f Co mpa ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pic t e d i n Wo r ks o f Art . 1 ª ed . C hi ca go ; Lo nd o n : F it z r o y Dear b o r n P ub li s he r s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 - 0 0 9 -2 . vo l. I I , p . 5 9 7 -6 0 8 . SI EB E R S, T o b i n - Med u sa. I n T he M irro r o f M ed usa . C hr i s tc h ur c h , N e w Ze la nd : C yb er ed i tio n s Co r p o r ati o n, 2 0 0 0 . I SB N 1 -8 7 7 2 7 5 -0 8 -5 . p . 3 1 -5 6 . SO NT AG, S u sa n - E ns a io s so br e Fo t o g ra f ia . T r ad . d e J o sé Af o n so F ur t ad o . 1 ª ed . Li sb o a : Q ue tza l, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 5 8 -6 . ST E I NE R, Geo r g e – A nt íg o na s : A per si st ê nci a da le n da de An t íg o na na lit e ra t u ra , a rt e e pe n s a me nt o o ci de nt a i s. T r ad . d e Mi g u el Se r r a s P er eir a. 2 ª ed . Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a E d i to r e s, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 - 7 0 8 -2 6 6 -1 . T AV AR E S, Go nç alo M. - B rev e s No t a s so bre o M edo . Li sb o a : Reló g io D ´Ág u a Ed ito r es , 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 0 8 -9 7 2 -0 . VE RN ANT , J ea n -P ier r e ; D ET I ENNE , M ar ce l - L ´O e il d e B r o nz e. I n L e s Ru se s de L´ i nt el lig e nc e : La mè t is de s G rec s. [ P a r i s] : Fl a m mar io n, 1 9 7 4 . I S B N 9 7 8 -2 0 8 1 2 -1 4 8 2 -8 . p . 1 6 9 -1 7 7 . VE RN ANT , J ea n -P ier r e – O Un iv e rso , O s D eu se s, O s H o me ns . T r ad . M a gd a B igo tt e. 1 ª ed . L i sb o a : P ub l ica çõ e s D . Q u i xo t e, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -2 0 -1 8 3 5 -3 . — A Fi g ur a d o s De u se s I : Gó r go na . I n Fig ura s, Ído lo s, M á sca ra s. T r ad . d e T el ma Co st a. Lisb o a : T eo r e ma , 1 9 9 3 . I S B N 9 7 2 -6 9 5 -1 7 5 -5 . p . 6 9 -1 0 3 . — Dea t h i n t he E ye s : Go r go , F i g ur e o f t he O th er . I n M o rt a ls a n d I m mo rt a l s : co ll ect e d e ssa y s. 1 ª ed . P r in ceto n : P r i nc eto n U ni v er si t y P r e s s, 1 9 9 2 . I SB N 0 -6 9 1 0 1 9 3 1 -2 . p . 1 1 1 -1 3 8 . — O M it o e a Rel ig iã o na Gré cia A nt ig a . T r ad . T el ma Co sta. 1 ª e d . L i sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -1 4 0 -2 . — O rig e n s do P en sa me nt o G reg o . T r ad . Ma n u e la T o r r e s. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma, 1987. — Au mi r o ir d e Méd u se . I n L’ In d iv i du , la mo r t , L ’ a mo ur : So i- mê me et l´ a ut re en Gr èce a nc ie n ne. 1 ª e d . Fr a n ce : Ga ll i mar d , 1 9 8 7 . I SB N 2 -0 7 - 0 3 2 9 2 2 -4 . p . 1 1 7 129. 334 W HI T M AN, W al t – W h en I Hear d t he L ear n ´d As tr o no mer . I n Wa l t Wh it ma n : T he Co mp l et e P o e ms . L o nd o n : P e n g ui n , 1 9 8 9 . I SB N 0 -1 4 - 0 4 2 2 2 2 -6 . p . 2 9 8 . ZI VK OVI C , Zo r a n – A B ib lio t e ca . T r ad . Ar ij an a Med v ed ec . Li sb o a : Ca v alo d e Fer r o , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -1 3 7 -8 . ZW E I G, Ste f a n - P r ef á cio . I n O Co mb a t e co m o De mó n io : H o l der li n, K le i st , Niet z sc he. T r ad . d e J o sé Mir a nd a J us to . 1 ª ed . Lisb o a : Ant í go na, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 6 0 8 -1 6 9 -6 . p . 7 -2 3 . No Espelho de Ulisses AN DR ES E N, So p h ia d e Mel lo B r e yn er – Od ys s e u s /P er so na. I n Dua l. I l u st. Ar p ad Sze n es . 3 ª ed . L isb o a : E d içõ e s Sa la ma n d r a, 1 9 8 6 . p . 5 7 . — O s Esp el ho s. I n G eo g ra f ia . 2 ª ed . Li sb o a : Át ica, [ D. L. 1 9 7 2 ] . p . 6 1 . AR I ST Ó F ANE S - A s M ul he re s q ue C el eb ra m a s Te s mo f ó ria s. 2 ª ed . Co i mb r a : I n st it u to Nac io na l d e I n ve s ti ga ção C ie n tí f ic a , Ce ntr o d e E st ud o s Cl a ss ico s e H u ma ní s ti co s d a U ni ver sid ad e, 1 9 8 8 . B ESP AL OF F, R ac he l - So b re a Il ía da . T r ad . d e F il ip e J ar r o . 1 ª ed . L i sb o a : Co to v ia, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 2 3 -6 . B LUN DE L L , S ue - W o me n i n t he p o e ms o f Ho me r . I n Wo me n in A nc i ent G re ece. 1 ª ed . Ca mb r id ge, Ma s s ac h us et ts : Har var d U n i ver s it y P r e s s, 1 9 9 5 . I S B N 0 -6 7 4 9 5 4 7 3 -4 . p . 4 7 -5 7 . B OR GE S, J o r ge L u is - Ar te P o ét ica . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s C o mp let a s. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 4 7 - 2 . vo l. I I , p . 2 1 9 . C AL VI NO, I t alo – O s n ív ei s d a r e al id ad e n a l it er at ur a. I n Po nt o Fi na l : E sc rit o s so b re L it era t ura e So cie da de. T r ad . d e J o sé Co laço B ar r e ir o s . 1 ª e d . Li sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -5 4 7 -5 . p . 3 7 6 -3 9 1 . — As Od i ss eia s na Od is se ia. I n P o rq u ê L er o s C lá s s ico s. T r ad . J o sé Co l aço B ar r eir o s. L i sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -8 8 2 -6 . p . 1 5 -2 1 . 335 — O esp el ho , o al vo . I n A M e mó r ia do M u n d o . T r ad . d e J o sé Co la ço B ar r eir o s. Lis b o a : T eo r e ma, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -2 4 1 -7 . p . 2 1 3 -2 2 9 . C ANT ARE L L A, E va - Gr ee ce. I n Pa n do ra ´ s D a ug ht er s : Th e Ro le a n d St a t us o f Wo me n i n Gre e k a n d Ro ma n A nt iq u it y . 1 ª e d . B alt i mo r e : T he J o h n Ho p ki n s U ni ver s it y P r e s s, 1 9 8 7 . I SB N 0 - 8 0 1 8 -3 3 8 5 -X . p . 1 -9 8 . C AR S ON, An n e - P u tt i n g H er i n He r P lace : W o ma n , Dir t a nd D es ir e . I n B ef o re Se x ua l it y : Th e Co nst r uct io n o f E ro t i c E x per i enc e in t he A nci en t G r ee k Wo rl d . P r in ceto n : P r i n ce to n U ni v er si t y P r e ss , 1 9 9 0 . I S B N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 1 3 5 -1 6 9 . C AV AF Y, Co n s ta nt i no - Í taca. I n 9 0 e M a is Q u a t ro Po e ma s . P r e f. co m en t. e no ta s d e J o r g e d e Se n a. 2 ª ed . Co i mb r a : Ce n tel h a, 1 9 8 6 . p . 4 4 -4 5 . CI T AT I , P ietr o - Ul i ss e s e a O di s se ia : a M en t e Co lo ri da . T r ad . d e Mar i a J o r g e Vil ar d e F i g ue ir ed o . 1 ªe d . Li sb o a : Co to v ia, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 9 5 -1 2 0 -1 . CO NG D ON, L eo no r e O ´ Kee n - Ca ry a t i d M irro rs o f A nc ie nt Gre ece . 1 ª ed . Ma i nz : Vo n Zab er n , 1 9 8 1 . I SB N 9 7 8 -3 8 0 -5 3 0 -2 4 5 -6 . CO R R E I A, H él ia – D e s me s u ra : E xer cí cio co m M ed eia . Li sb o a : Re l ó gi o d ` Ág u a, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -9 1 3 -5 . — Ra n co r : E xe rc ício s o bre H e le na . 1 ª ed . Li s b o a : Re ló gio d ` Ág u a, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -5 7 6 -8 . — Per d içã o : E xe rcí ci o so b re Ant íg o na . 1 ª ed . Li sb o a : Do m Q u i xo t e, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -2 0 - 0 9 6 3 -X. CO ST A, Vic to r , co o r d . - O E s pel ho de Uli s se s I. S. J o ão d a M ad e ir a : Ce n tr o d e Ar te , 2 0 0 5 . Ob r a p ub li cad a p o r o ca s ião d a e xp o si ção o r ga n izad a e p ate n te no Ce n tr o d e Ar te S. J o ão d a Mad eir a , No v . d e 2 0 0 5 . DR EY FU S, H ub er t, K E L LY, Se a n Do r r a nce – O P o li te ís mo d e Ho m er o . I n U m M undo Il u mi na do : U ma le it ura do s c lá ss ic o s à pro cu ra d e u m s ent ido nu m mu n d o sec u la r. T r ad . d e Fr a nci s co Go n çal v e s . 1 ª ed . Al fr a g id e : L u a d e P ap e l, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -2 3 - 1 5 8 7 -4 . cap . 3 , p . 7 3 -1 0 3 . É SQ UI LO - O re st eia : Ag a mé mn o n : Co éf o ra s : Eu mé n id es . T r ad . d e Ma n ue l d e Oli v eir a P ulq uér io . 2 ª e d . Li sb o a : Ed içõ e s 7 0 , 1 9 9 2 . 336 EU RÍ P E DE S – H i pó lit o . T r ad ., i n tr o d . e no t as d e Fr ed er ico Lo ur e nço . 1 ª ed . Lis b o a : Co l ib r i, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 -8 0 4 7 -2 2 -3 . — M ede ia . Co i mb r a : [ s .n.] , 1 9 5 5 . GO L DHI L L , Si mo n – A mo r, S e xo e Tra g é d ia : A Co nt e mp o ra ne ida de do Cla s sic i s mo . T r ad . d e Mar i a d a Gr aça Li ma Go me s. 1 ª ed . Li sb o a : Alê t hei a Ed ito r es , 2 0 0 4 . I SB N 9 8 9 -6 2 2 -0 3 3 -6 . — T h e p o e t he r o : la n g u ag e a nd r ep r es e nta tio n i n t he Od ys s e y. I n T he P o et ´ s Vo ic e : es sa y s o n P o et ic s a n d Gr ee k Lit e ra t ure. C a mb r id ge : Ca mb r id ge U ni ver s it y P r es s, 1 9 9 1 . I SB N 0 -5 2 1 -3 9 0 6 2 -1 . p . I -6 8 . GR AV E S , Ro b er t – As d ea mb ul açõ e s d e U li s se s; O r e g r e sso d e U li s se s. I n O s M it o s Greg o s. T r ad . d e F er na nd a B r a nco . 3 ª ed . L isb o a : E d i çõ e s D . Q ui xo te, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 0 -2 7 4 0 -9 . p . 7 2 6 -7 4 3 e 7 4 3 -7 5 0 . LEW I S, S ia n - T he W o me n ´s Ro o m. I n T he At he nia n Wo ma n : A n i c o no g ra ph ic ha n d bo o k. 1 ª ed . Lo nd o n a nd Ne w Yo r k : Ro u tled g e, 2 0 0 2 . I SB N 0 -4 1 5 -2 3 2 3 4 -1 . p . 1 3 0 -1 7 1 . LI S S AR R AG UE , Fr a nç o is - A F i g ur a ção d a s Mu l her es . I n D UB Y, Geo r ge s ; P E R ROT , Mi c hel le, ed . lit . - H is t ó ria da s M ul h ere s no O c id ent e . T r ad . d e Hele n a d a Cr u z Co el ho , I r e n e Vaq ui n h as , Leo n ti n a Ve nt ur a, G u il h er mi n a Mo ta. 1 ª ed . P o r to : Af r o nt a me n to , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 - 4 . vo l I : a a nt i g uid ad e, p . 2 0 3 -2 7 1 . LI S S AR R AG UE , Fr a nço is ; F R ONT I SI - D U CR O UX, Fr a nço is e - F r o m A mb i g ui t y to A mb i va le n ce: A Dio n y si ac E xc u r s io n T hr o u g h t he “An a kr eo n ti c” Va se s. In B ef o re Se x ua l it y : Th e Co n st r uct io n o f Ero t ic E x per ie nce i n t h e A nc i ent G ree k Wo rl d. P r i nce to n : P r i n ceto n U ni v er s it y P r es s, 1 9 9 0 . I SB N 0 -6 9 1 -0 0 2 2 1 -5 . p . 2 1 1 256. L O R AUX, N ico l e – As M ã es de L ut o . T r ad . Ma r ia Cr is ti n a P i me n te l. 1 ª ed . L isb o a : Ed i çõ e s Co s mo s, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -8 0 8 1 -3 2 -4 . — O q ue é u ma D e us a? I n D UB Y, Geo r ge s, P E R ROT ; Mi c he lle , ed . li t. - H i st ó ria da s M ul her es no O ci d ent e ; tr ad . d e Hel e na d a C r uz Co e l ho , I r e ne Vaq ui n h as , Leo nt i na Ve nt ur a, G ui l her mi na Mo t a. 1 ª ed . P o r to : Af r o n ta me n to , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 -4 . vo l I : a an ti g u id ad e , p . 3 0 -7 5 . — Le s E x pér ie nce s de T ire sia s : Le f é mi n in et l´ ho mme Gr ec. 1 ª ed . P ar i s : Éd it io ns Ga ll i ma r d , 1 9 8 9 . I SB N 2 -0 7 -0 7 1 7 0 0 -3 . 337 ME N DO N Ç A, J o sé T o l e nt i no - P er do a r H el ena . 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 7 - X. O ´HE AR , An t ho n y - Ho me r o . I n O s G ra n de s Li v ro s : da I lía da e da O di s se ia , d o Fa u st o de Go et h e a o s L us ía da s , u ma v ia g e m p elo s 2 5 0 0 a no s da lit era t ura clá ss ica . T r ad . Mar ia J o sé Fi g u eir ed o . Li sb o a : Alê t hei a Ed ito r es , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 2 2 -1 7 3 -7 . p . 2 1 -6 3 . P EREI R A, Mar ia H ele n a d a Ro c ha – H é la d e : a nt o lo g ia da c ult ura g r e g a . 1 0 ª ed . Lis b o a : G u i ma r ãe s E d it o r es, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 6 5 -6 2 5 -8 . ( Li v r o co n s ul tad o ) . — A te ia d e P e n élo p e . I n O LI V EI R A, Fr a nci sc o d e, co o r d . - Pe nélo pe e Ul i ss e s. Co i mb r a : As s o ci ação P o r t u g ue sa d e Es t ud o s Cl ás si co s , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -9 8 1 4 2 -1 X. p . 1 1 -2 4 . — Os P o e ma s Ho mér ic o s. I n Est u do s de H i st ó ria da Cu lt ura Clá s s ica . 6 ª ed . Lis b o a : F u nd ação C alo u st e G u lb e n k ia n, 1 9 8 8 . p . 4 7 - 1 3 9 . — O H eró i É pi co e o H eró i Trá g i co . Li sb o a: [ s . n.] , 1 9 8 5 -1 9 8 6 . C o mu n ica ção ap r e se nt ad a à Cla s se d e L etr a s. — O Co nc eit o de P o e sia na G réc ia A rca i ca . Co i mb r a : I n st it u to d e Es t ud o s Cl á ss ico s, 1 9 6 2 . P I ÑON, N él id a - A pr en diz de H o me ro . R e v. P e d r o Er ne sto F er r e ir a. 1 ª ed . Lisb o a : Cír c u lo d e Le ito r es , T e ma s e Deb a te s, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 4 4 -1 0 0 -5 . P LI NY T HE E LD E R - Ap o llo d o r u s, Ze u xi s a nd P ar r h as i u s. I n Na t u ra l H is t o ry : a Sel ect io n . E n gl a nd : P e n g u i n B o o ks , 1 9 9 1 . I SB N 0 -1 4 0 -4 4 4 1 3 -0 . p . 3 3 0 . P LUT AR C O - A Co ra g e m da s M ulh ere s : P lu t a rco . T r ad . d e Ma r ia d o Cé u Fia l ho , P a ul a B ar a ta D i as e Cl á ud i a Cr a vo d a Si l va. 1 ª ed . Co i mb r a : Mi n er va, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 2 -7 9 8 -0 0 0 1 -5 . S AFO - P o e ma s e F ra g me n t o s de Sa f o . T r ad . d e Eu g é nio d e An d r ad e . 5 ª ed . P o r to : F u nd ação E u gé n io d e An d r ad e, 1 9 9 5 . S AV AT E R, Fer n a nd o - Cria t ura s do Ar. T r ad . d e M i g ue l Ser r a s P er e ir a. 1 ª ed . P o r to : A mb ar , 2 0 0 7 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -4 3 -1 1 6 4 -7 . SI S S A, Gi u li a – F ilo so f ia s d e G é ner o : P la tão , Ar i stó te le s e a D i fer e n ç a d o s se xo s. I n D UB Y, Geo r ge s ; P E R R OT , Mic he ll e, ed . lit . - H is t ó ria da s M u lhe re s no O ci de nt e ; tr ad . d e H el en a d a Cr u z Co el ho , I r en e Vaq u i n ha s, Leo n ti n a Ve nt ur a, G ui l her mi n a Mo ta. 1 ª e d . P o r to : Af r o nt a me n to , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 6 -0 3 1 4 -4 . vo l I : a a nt i g uid ad e, p . 7 9 -1 2 3 . 338 SNE LL, B r u no - A C o nc ep ção d o Ho me m e m Ho mer o . I n A De sc o bert a do E sp ír it o : As O r ig e ns d o P en sa me nt o E uro pe u na Gr écia . T r ad . d e Ar tu r Mo r ão . 2 ªed . Lisb o a : E d i çõ e s 7 0 , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -4 4 -1 1 3 5 -4 . p . 1 9 -4 6 . SÓ FO C L E S – An tí go n a ; Áj a x ; Re i É d ip o . Lisb o a : Ver b o , [ D. L. 1 9 7 0 ] T AP LI N, O li ve r - Ho m er . I n B O AR D M AN, J o h n, G RI FFI N, J a sp er , MU R R AY, Os wyn ( ed . li t.) - Th e O xf o rd H i st o ry o f t he Cla s sica l Wo r ld . O x f o r d : O x fo r d U ni ver s it y P r e s s, 1 9 8 6 . I SB N 9 7 8 – 0 1 -9 8 7 2 -1 . p . 5 0 -7 3 . T E NNY SO N, Al fr ed - U l ys se s. I n P o e ms . 1 ª ed . Lo nd o n : Ed war d Mo xo n, 1 8 6 3 . p . 2 6 5 -2 6 7 . VE RN ANT , J e a n -P ier r e ; F R ONT I SI - DU C R OU X, Fr a n ço i se – Da n s L ´ O e il d u M iro ir. P ar is : E d it io ns Od i le J aco b , 1 9 9 7 . I SB N 2 -7 3 8 1 -0 4 9 7 -5 . VI D AL - N AQ UE T , P i er r e - O M un do de H o mero . T r ad . d e Co nc eiç ã o Mo r e ir a, Fát i ma Co s ta e T el ma C o st a. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -4 8 4 -3 . — A Gr éci a An t i ga: Ci v ili zaç ão . I n R I COE U R, P au l, ed . - G réc ia e M it o . T r ad . d e Leo no r Ro c ha V ieir a. 1 ª ed . L isb o a : Gr ad i va, 1 9 8 8 . p ar t e I I I , p . 6 1 -9 3 . VI L L AR D, Fr a nço i s - L es Va se s Gr ec s. P ar i s : P r ess es U n i ver s ita ir e s d e Fr a nc e, 1956. W AS OW I C Z, Al e ks a nd r a - M ir o ir o u q ue no u il le? La r ep r é se n tat io n d es f e m me s d an s la cér a mi q ue at tiq u e. I n M ACT O U X, M ar ie - Mad e lei n e ; GE NY , E v el yn e, ed s. - M éla ng e s P i err e L É VÊ Q U E. P ar i s : B esa n ç o n, 1 9 8 9 . Ant hr o p o lo gi e et so c ié té. I SB N 9 7 8 2 2 5 1 6 0 3 7 7 3 . T o me I I , p . 4 1 3 -4 3 8 . YO UR C E N AR , Mar g u er ite - M e mó r ia s de A dr ia no : s eg u i do de a po nt a me nt o s so b re a s me mó ria s de Ad ria no . T r ad . d e M ar i a L a ma s. 1 4 ª ed . L isb o a : Ul i ss eia , 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -5 6 8 -4 6 9 -9 . ZE I T LI N, Fr o ma I . - P la yi n g t he O t her : T hea ter , T heatr ica li t y, a nd t he f e mi ni n e i n Gr ee k Dr a ma. I n P la y i ng t he O t he r : Ge n de r a nd So ci et y i n Cla s s ica l Gr ee k Lit era t ur e. C hi ca go : T he U ni v er si t y o f C hi ca g o P r es s, 1 9 9 6 . I SB N 0 - 2 2 6 -9 7 9 2 2 9 . p . 3 4 1 -3 7 4 . 339 O Espelho Intacto de Luís XIV B ENT H AM , J er e m y – P a no pt i co n : o r, T he In s pect io n H o u se. [ S .I .] : Do d o P r es s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -1 -4 0 9 9 -5 2 0 2 -2 . B OR GE S, J o r ge L u i s – H is t ó ria U niv e r sa l da I nf â mia . T r ad . J o sé B e n t o . Li sb o a : As s ír io e Al vi m, 1 9 8 2 . Co l ecç ão G ato Ma ltê s. I SB N 9 7 2 -3 7 -0 3 5 0 -5 . B OT T I NE AU, Y ve s – Ver sa i ll es : M iro ir de s P ri nc e s. P ar i s : Ar t h a ud , 1 9 8 9 . I SB N 2 -7 0 0 3 - 0 7 4 7 -X. ( L i vr o co n s u ltad o ) C AL DE R ÓN DE L A B AR C A - O Gra n de Te a t ro do M un do de Ca l deró n de la B a rca . Re vi s ta, p r e fac i ad a e a no tad a p o r P a u l o Q ui nt el a. Co i mb r a : T eatr o d o s Est u d a nt es d a U ni ve r s id ad e, 1 9 4 5 . CO R R E I A, N at ál ia - I n tr o d ução à P o e sia B ar r o ca P o r t u g ue sa. I n A nt o lo g ia da Po es ia do per ío do B a rr o co . Li sb o a : Mo r a es Ed ito r e s, 1 9 8 2 , p . 7 -3 6 . DE LE U ZE , Gi ll es - L e Pli : L ei bn iz et le B a ro q ue. P ar is : Le s É d it io ns d e Mi n ui t, 1 9 8 8 . I SB N 9 7 8 -2 -7 0 7 3 -1 1 8 2 -5 . DI AS, E mi lio Or o zco - I n tr o d ucc ió n al B ar r o co : De lo ap ar e nte a lo p r o f u nd o . I n M a nieri s mo Y B a rro co . Mad r id : C áted r a, 1 9 7 5 . I SB N 8 4 -3 7 6 -0 0 4 4 -8 . p . 2 1 -6 1 . — La V id a P úb l ic a Y d e La Co r te Y L a Fie s ta T eatr a l; L a Act u ació n en la V id a co mo P er so naj e T eatr al. I n E l Tea t ro Y la Tea t ra li da d del B a rro co : E nsa y o d e In t ro du cció n a l Te ma . B ar celo n a: P la ne ta, 1 9 6 9 . p . 8 9 -1 0 7 e 1 0 4 - 1 1 8 . D ´O R S, E u g e nio - O B a rro co . T r ad . d e L u í s Al ve s d a Co sta . L isb o a : Ve ga, D. L . 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -2 3 8 -9 . FO U C AU LT , M ic he l - L es Mo ye n s D u B o n Dr es se me n t. I n S urv e il ler et P u ni r : La Na i ssa nc e d e la P r iso n. P ar is : G al li ma r d , 1 9 7 5 . I SB N 9 7 8 -2 - 0 7 -0 7 2 9 6 8 -5 . cap í t ulo I I , p . 2 0 0 -2 6 4 . GR AC I ÁN, B al ta sar - O rá cu lo M a nua l y a rt e d e P r ud en cia . Mad r id : J ur a , 1 9 5 4 . H AUSE R , Ar no ld - O Co n ceit o de B a rro co . P r ef. d e Da go b er to M a r k l ; B er ta Me nd e s, An to n i no d e S o u sa e Alb er to C a nd e ia s, tr ad . Lisb o a : V e ga, 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 -5 1 2 -4 . 340 HE RKE NH O FF , P a ulo - B r a zi l: T h e P ar ad o xe s o f a n Al ter n ate B ar o q u e. I n AR M ST RO NG, E liz ab e t h ; Z AM U DI O -T AY LO R, V icto r , ed s. - Ult ra B a ro q ue : As pe ct s o f P o st La t i n A me ri ca n A rt . C al i fo r n ia : M u se u m o f Co n te mp o r ar y Ar t o f Sa n Di e go , 2 0 0 1 . I SB N 0 -9 3 4 4 1 8 -5 6 - X. p . 1 2 7 -1 3 9 . K ANT OR OW I C Z, E r n st H. – T he P r o b le m: P lo wd e n ´s R ep o r t s; T h e S h ak esp ear e : Ki n g R ic har d I I . I n Th e K i ng s Tw o B o d ie s : A St udy i n M ed ia ev a l Po l it ica l T heo lo g y . 7 ª ed . P r i n ce to n , Ne w J er se y : P r i n c eto n U n i ver si t y P r e ss, 1 9 9 7 . I SB N 0 -6 9 1 -0 1 7 0 4 -2 . p ar te I e I I , p . 7 - 2 3 e 2 4 -4 1 . M AR AV AL L , J o sé An t ó ni o - No vid ad e, I n ve nç ão , Ar t i fí cio ( P ap el So c ia l d o T eatr o e d as F es ta s) . I n A C u lt u ra do B a rro co . T r ad . d e He nr iq u e R ua s. Li sb o a : I n st it u to S up er io r d e No va s P r o f is sõ e s, 1 9 9 7 . I S B N 9 7 2 -9 2 2 5 -1 4 -1 . p . 3 0 1 -3 2 9 . P E RNI O L A, M ar io – E nig ma s : O M o me nt o Eg í pc io na So ci eda de e na Art e . T r ad . d e C at ia B e n ed e tt i . Ve nd a No v a : B er tr a nd , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -2 5 -0 7 6 2 -1 . RO S SE LL I NI , Ro b er to – La P ri se de P o uv o i r P a r Lo ui s X IV [ Re g i sto víd eo ] . Re al iza ção d e Ro b er to Ro ss el li n i e ar g u me n to d e P hi lip p e E r l a n ger e J ea n Gr ua lt . [ Fr a n ce] : I n s ti t ut nat i o na l d e l ´a ud io vi s ue l, 1 9 6 6 . 1 DV D v íd eo ( 9 4 mi n .) co r . Re s ta ur ad o e m 2 0 0 8 p o r Cr ite r io n Co lle ct io n. RO U SS E T , J ean - La Lit t éra t ur e d e L ´ Âg e B a ro q ue e n F ra nc e : Cir cé et le Pa o n. 3 ª r e i mp . P ar i s : J o sé Co r ti, 1 9 5 4 . p . 7 -3 1 e 1 7 7 -2 5 0 . SEN E C A, L u ci u s An n a eu s - O n …F ir e s. I n N a t ura l Qu e st io n s. T r ad . Har r y M. Hi ne . C h ic a go : T h e U ni v er si t y o f C hic a go P r es s, 2 0 1 0 . I SB N 0 -2 2 6 -7 4 8 3 8 -3 . li vr o I , p . 1 3 6 -1 6 2 . ST AR OB I N S KI , J ea n - D´ Ar t if ice s e n Ed if i ce s o u le pa r co u rs se n si bl e à t ra v er s le s a rt if ice s de s é dif ice s re na i s sa nt s, ma n iér i s t es, ba ro qu e et ro co co . Gen è ve : Le S ep t iè me Fo u , 1 9 8 5 . I SB N 2 -8 8 1 7 4 - 0 0 2 -2 . T AV AR E S, Do mi n go s - T eatr o d o M u nd o . I n F ra nc es co B o r ro mi ni : Di nâ mi ca s da Ar qu it ec t u ra . 1 ª e d . [ P o r to ] : Da f ne , Se b en ta s d e H i stó r ia d a Ar q ui tec t ur a Mo d er na, 2 0 0 4 . p . 4 7 -6 1 . VI E I R A, P ad r e Antó n i o - Ser mão d o De mó n io M ud o . I n P I M ENT E L, M a n ue l Câ nd id o , ed . l it. ; Ar na l d o Esp ír ito Sa nto , Mar i a P i me nte l e An a P au la B an za, co au t. - Ser mã o d e S. A nt ó n io a o s Pe i xe s, Se r mã o do Se xa g és i mo , S er mã o do 341 de mó n io M u do . [ L i sb o a ] : As so ci ação d a s U ni v er s id ad e s d e Lí n g ua P o r tu g u e sa, D. L. 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -9 5 4 2 5 -7 -0 . p . 7 9 -1 1 9 . W Ö LF F LI N, He i nr i c h - Re na c i mi e nt o y B a rr o co . 1 ª ed . P ar is : P a i d o s, 1 9 8 6 . I SB N 8 4 -7 5 0 9 - 3 5 0 -7 . O Espelho e o Tempo AR I ÈS , P h il ip p e - O m ni a V a ni ta s. I n I ma g es o f M a n a nd D ea t h. Ca mb r id ge, Ma ss ac h u se tt s a nd Lo nd o n : Har v ar d U ni ver s it y P r e s s, 1985. I SB N 9780674444102. p. 176-211. B AL, M ie ke – St ic k y I ma g e s: t h e fo r e s ho r te ni n g o f t i me i n a n ar t o f d ur a tio n . I n GI L L, C ar o l yn B ai le y, e d . – T i me a nd t h e I ma g e. 1 ª ed . Ma n c he st er , Ne w Yo r k : Ma nc he s ter U ni v er s it y P r es s, 2 0 0 0 . I SB N 0 -7 1 9 0 -5 8 1 4 -7 . p . 7 9 -9 9 . B OR GE S, J o r ge L u i s - O T e mp o . I n J o rg e L ui s B o rg es : O b ra s Co mp l et a s. 1 ª ed . Lis b o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 2 1 -9 . v o l. I V , p . 2 0 8 -2 1 6 . — F u n es o u a Me mó r ia. I n J o rg e L u is B o rg e s : O bra s Co mp l et a s . 1 ª e d . Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 4 7 -2 . vo l. I , p . 5 0 3 -5 0 9 . C AL L AH AN , J o h n F . – P lato : T i me, t he Mo v i n g I ma ge o f E ter n it y. I n F o ur Vi ew s o f Ti me in A nci ent P h i lo so p hy . 1 ª ed . W es tp o r t, Co n n ec tic u t : Gr ee n wo o d P r es s, 1 9 6 8 . I SB N 0 -8 3 7 1 -0 3 3 7 -1 . p . 3 -3 7 . CH ENE Y, Li a na d e G ir o la mi – V a ni t y/ V a ni ta s. I n R OB E RT S, He le n e E., ed . E ncy c lo p ed ia o f Co mp a ra t iv e I co no g ra p hy : T he me s De pic t e d i n W o r ks o f Art . 1 ª ed . C hi ca go ; Lo nd o n : Fi tzr o y D ear b o r n P ub l is h er s , 1 9 9 8 . I SB N 1 -5 7 9 5 8 -0 0 9 -2 . vo l . I I , p . 8 8 2 -8 8 7 . D AM ÁS I O, An tó n io - U ma Ar q ui te ct ur a p a r a a Me mó r ia. I n O Liv ro da Co n sc iê nc ia : A Co nst r uçã o do C ére bro Co n s cie nt e . T r ad . Lu í s M i g u el O li v eir a Sa n to s. 1 ª ed . Li sb o a : Cír c ulo d e Le ito r e s, T ema s e Deb ate s, 2 0 1 0 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 6 4 4 -1 2 0 -3 . cap ít u lo 6 , p . 1 6 7 -1 9 5 . DET I ENN E , Mar cel , SI SS A, G i ul ia - O s De us es da G réc ia . T r ad . d e Ma n ue la Mad ur e ir a. L i sb o a : P r e se nç a, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 - 2 3 -1 4 1 4 -9 . 342 DI DI - HUB E R M AN, Ge o r ge s - Dev a nt le T e mp s : H i st o ire de L´ Art et Ana ch ro n is me d es I ma g es. 1 ª ed . P ar i s : Le s É d itio n s d e M i n ui t, 2 0 0 0 . I SB N 9 7 8 2 -7 0 7 3 -1 7 2 6 -1 . EC O, U mb er to – T i me s. I n LI P P I N C OT T , Kr is te n, ed . - T he St o ry o f Ti me . Lo nd o n : Mer r el l Ho b e r t o n P ub li s h er s : Na tio n al Mar i ti me M u se u m, 1 9 9 9 . I SB N 1 8 5 8 9 4 -0 7 2 -9 . p . 1 0 -1 5 . — O T e mp o d a Ar te. I n O s E s pe lho s e O ut ro s E nsa io s. T r ad . d e Hele n a Do mi n go s e J o ão F u r tad o . 1 ª ed . L isb o a : Di f el, 1 9 8 9 . p . 1 3 3 - 1 4 3 . FI AL H O, Mar ia d o C é u - O vé u d o te mp o e a lu z d a li r a: Ol ím p ica I I . I n LOU RE N ÇO , F r ed er ico , o r g. - E nsa io s So br e Pín da ro . 1 ª ed . Lisb o a : Co to v ia, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 9 5 -1 8 8 -8 . p o nto 2 , p . 3 5 - 4 5 . G ALI S ON, P e ter - O L u gar d o T e mp o . I n O s Re ló g io s de Ei n st e i n e o s M a pa s d e Po in ca ré : I mp é rio s d o Te mpo . T r ad . d e Nu n o Gar r id o d e Fi g ue ir ed o , 2 0 0 5 . 1 ª ed . Li sb o a : Gr ad i va, 2 0 0 5 . I SB N 9 8 9 -6 1 6 -0 1 4 -7 . G ANT ES, Ma n ue l – Va ni ta s : A Me mó r ia d e T e mp o n a P in t ur a . L isb o a : [ s. n.] , 2 0 0 3 . T ese d e Me str ad o e m P i nt ur a so b a o r i e nt ação d o P r o fe s so r P ed r o Sar a i va e co -o r ie n taç ão d o P r o fe s so r T h ier r y d e D u v e, Fa cu ld ad e d e B e la s Ar t es d e Li sb o a. G ASKE L, I va n – T he I ma g e o f Va n it as : E f fo r es ce nc e a nd E va n e sce n ce . I n LI P P I N C OT T , Kr i ste n , ed . - T he S t o ry o f Ti me . Lo nd o n : M er r e ll Ho b er to n P ub l is h er s : Na tio n al M ar it i me M u se u m, 1 9 9 9 . I SB N 1 -8 5 8 9 4 -0 7 2 -9 . p . 1 8 6 -1 8 9 . GR I M AL , P i er r e - C r o n o . I n D icio ná r io de M it o lo g ia G reg a e Ro ma na . Co o r d . d a ed . p o r t u g u es a V ic to r J ab o u il le. 5 ª ed . Li sb o a : D i fel D. L. 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 2 9 -0 9 2 6 /0 9 . p . 1 0 5 . H AT HE R L Y, An a - R ep r e se nt ação d o t e mp o n a id ad e B ar r o ca. I n O La d rã o Cri st a li no . 1 ª ed . L i sb o a : Co s mo s, 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 - 7 6 2 - 0 4 2 -6 . p . 9 1 -1 0 4 . H AW KI N G, S tep he n - B rev e H i st ó ria do T e mpo . T r ad . d e Mar ia Ali c e Go me s d a Co st a. 6 ª ed . L i sb o a : G r ad i va, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 - 6 6 2 -0 1 0 -4 . HE RKE NH O FF , P au lo ; M AR C O CI , Ro xa na, co -a u t. ; B ASI LI O, Mi r ia m, co - a ut. Te mp o . Ne w Yo r k : T h e M us e u m o f Mo d er n Ar t , co p . 2 0 0 2 . I SB N 0 -8 7 0 7 0 -6 8 6 -1 . 343 K LEI N, É tie n n e – O T e mp o : de Ga li le u a Ei n st e in . T r ad . Ed uar d o d o s Sa nto s. 1 ª ed . Ca sal d e Ca mb r a : C ale id o s có p io , 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 1 0 -7 9 -7 . — E i nst ei n + 6 : a Rev o lu çã o . T r ad . d e T iago Mar q ue s. 1 ª ed . Ca s al d e Ca mb r a : Ca le id o s có p io , 2 0 0 7 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 1 0 -9 3 -3 . KUB LE R , Geo r ge s - A F o r ma do Te mpo : O bs erv a çã o so b re a s hi s t ó ria s do s o bj ec t o s. T r ad . J o sé Vi eir a d e Li ma . 3 ª ed . Li sb o a : Ve g a, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 9 2 3 6 -2 . LAU RI O Z, H ub er t – E s p el ho . I n Dic io ná rio de Su pe rs t içõ es : O rig en s, S í mb o lo s , Seg r edo s. T r ad . I sab el St. Au b yn . 1 ª ed . Li sb o a : T e ma s e D eb at e s, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 5 9 -1 7 2 -8 . p . 1 0 7 . L OD E R ME YE R, P et er ; DE J O NG H, Ka r l yn ; GO LD, Sar a h , ed s . – P erso na l St r uct ur es : T i me. S pa ce. E x i st e nce. Ger ma n y : Du Mo nt B uc h ver la g, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -3 -8 3 2 1 -9 2 7 9 -2 . L YOT ARD , J ea n - Fr a n ço is – O t e mp o , ho j e ; O i n st a nte , Ne wma n . I n O In u ma no : Co n si de ra çõ e s so bre o Te mp o . T r ad . d e An a Cr i st i na Se ab r a e E li s ab et e Ale x a nd r e. 1 ª ed . Li sb o a : E st a mp a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 3 -0 7 6 1 -8 . p . 6 5 -8 3 e 8 5 -9 4 . MO RG AN , J es si ca ; MU I R, Gr e go r , ed s. – Ti me Zo ne s : Re ce nt Fil m a nd V i deo. Lo nd o n : T ate P ub li s h i n g, co p . 2 0 0 4 . I SB N 1 -8 5 4 3 7 -5 4 9 -0 1 . ( Li vr o co n s ul tad o ) . MUÑ O Z, O sca r ; M us eo E xtr e me no e I b er o a me r ic a no d e Ar t e Co nt e mp o r á ne o ( B ad aj o z, E sp a n ha) , e d . li t. ; J i mé n ez, Ca r lo s , co -a u t. - O s ca r M uño z : Do c u me nt o s de la A mne sia . B ad aj o z : MEI AC, D. L. 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -8 4 -6 1 2 6 7 2 8 -E . P ANO F SK Y, E r wi n - O P ai T e mp o . In E st u do s de Ico no lo g i a : Te ma s H u ma n í st ico s na A rt e do Re na s ci me nt o . T r ad . d e Ol i nd a B r a ga d e S o u sa. 1 ª ed . Lis b o a : E st a mp a, 1 9 8 6 . I SB N 9 7 2 -3 3 1 -0 1 8 - X. p . 6 9 -8 9 . R AVE N AL , J o h n B . ; V i r g i nia M u se u m o f Fi ne Ar t s, ed . l it . ; R u ms e y, Mo n ic a, ed . lit . – Va n it a s : M ed it a t io n s o n L if e a n d D ea t h in Co nt e mp o ra ry Ar t . R ic h mo nd : V ir gi n ia M us e u m o f F i ne Ar ts , 2 0 0 0 . I SB N 0 - 9 1 7 -0 4 6 -5 5 -2 . S ALLI S , J o h n – T i me a nd I ma g e. I n GI L L, C a r o l yn B ai le y, ed . – Ti me a nd t h e I ma g e. 1 ª ed . Ma n c he st er , Ne w Yo r k : Ma nc h e st er U ni v er s it y P r e s s, 2 0 0 0 . I SB N 0 -7 1 9 0 -5 8 1 4 -7 . p . 1 1 -2 0 . 344 S ANT O AG OST I N HO - O Ho me m e o T e mp o . I n Co nf is sõ e s. T r ad . d e J . Oli ve ir a Sa n to s e A. A mb r ó sio P in a . 6 ª ed . P o r to : Li vr a r ia Ap o s to lad o d a I mp r e n sa, 1 9 5 8 . li vr o XI , p . 2 9 5 -3 2 7 . SHE FE R, E la i ne - M ir r o r /R e fl ec tio n. I n ROB E R T S, Hel e ne E., ed . - En cy clo pe dia o f Co mpa ra t iv e Ico no g ra p hy : T he me s De pi ct ed in Wo r ks o f A rt . 1 ª ed . Lo nd o n : F it zr o y D ear b o r n P ub li s her s, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 8 -1 5 7 -9 5 8 -0 0 9 4 . vo l. I I , p . 5 8 7 -6 0 8 . SI LVE RST E I N , S h el - A Árv o re G en ero sa . T r ad . d e Mi g u el Go u ve ia. 3 ª ed . Fi g u eir a d a Fo z : B r ua á E d ito r a, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 1 6 6 -0 0 -5 . SW I FT , J o n at ha n - A s Via g e n s de G ul liv er. T r ad . e p r e f. L u zi a Mar ia Mar ti n s. 1 ª ed . Li sb o a : E d i to r ia l P r ese n ça, 1 9 6 4 . VI D AL - N AQ UE T , P ier r e – Di vi n e T i me a nd H u ma n T i me . I n T he B la c k H u nt e r : Fo r ms o f T ho ug ht a nd F o r ms o f So ci et y i n t he G ree k Wo r ld . T r ad . d e And r e w Sze g ed y- M as za k. 1 ª ed . Lo nd o n : T he J o h n Ho p ki n s U n i ver si t y P r e s s, 1 9 8 6 . I SB N 0 -8 0 1 8 -5 9 5 1 -4 . p ar te I , p . 3 9 -6 0 . YO UR C E N AR , Mar g ue r ite - O T e mp o , e s se gr and e es c ul to r . I n O T e mp o , es se Gra n de Es cu lt o r. T r ad . Hele n a Vaz d a S il v a. 5 ª ed . Mir a flo r es : Di fe l, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 2 -2 9 - 0 5 6 2 -7 . p . 4 9 -5 3 . Z AMB R AN O, Ma r ia - A At e mp o r a lid ad e. I n O s So n ho s e o Te mp o . T r ad . d e Cr i s ti n a Ro d r i g ue s e Ar t ur G u er r a. 1 ª ed . Li s b o a : Re ló gio d ´ Ág u a, 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -2 2 2 - X. p . 5 5 -9 0 . CAPÍTULO II O Sonho de Platão B L OO M, Ha r o ld - O s Gr e go s: a Di sp ut a e nt r e P latão e Ho mer o . I n O nd e E st á a Sa b edo ria ? . T r ad . d e Mi g ue l S er r a s P er ei r a. 1 ª ed . Li sb o a : Re ló gio D ´Ág u a Ed ito r es , 2 0 0 8 . Co l ecç ão Antr o p o s. I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 4 1 -0 5 2 -0 . p r i me i r a p ar te : o p o d er d a sab ed o r ia , p o nt o 2 , p . 3 9 -7 5 . B L UME NB E RG , Ha n s – Li g h t a s a Met ap ho r fo r T r ut h at t he P r e li mi n a r y S ta g e o f P hi lo so p h ic al Co nc ep t Fo r ma tio n ( 1 9 5 7 ) . I n LE VI N, Da v id M ic ha el, 345 ed . - M o dern it y a n d t he H eg e mo ny o f Vi sio n. B er k el y, Lo s An g el e s, Lo nd o n : U ni ver s it y o f C al i fo r ni a P r ess, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 8 -0 -5 2 0 -0 7 9 7 3 -1 . cap í t ul o 1 , p . 3 0 62. — Af t er t he Ab so l u ti s m o f Re ali t y. I n Wo r k o n M y t h. T r ad . e no t as d e Ro b er t M. W all ace. 2 ª ed . C a mb r i d ge , Ma ss ac h u se tt s a nd Lo nd o n : T he M I T P res s, 1 9 9 0 . I SB N 0 -2 6 2 5 2 - 1 3 3 -4 . p a r t I , p . 3 -3 3 . B R AG AN Ç A DE MI R A ND A, J o sé A. – Co n tr o lo e De sco n tr o lo d o I ma g i nár io . Co mu n i ca ção e So cied a d e . I S S N 1 6 4 5 -2 0 8 9 . 4 ( 2 0 0 2 ) 4 9 -7 2 . C AC CI AR I , Ma ss i mo – E l E sp ej o d e P la tó n ; N ar ci so , o d e la P i nt ur a. I n E l D io s qu e ba ila . T r ad . d e Vi r g i nia Gal lo . 1 ª ed . B u eno s Air e s, B ar c elo n a, Méx ico : P aid ó s, 2 0 0 0 . I SB N 9 5 0 -1 2 -6 5 1 7 - X. p . 5 7 - 6 9 e 7 1 -8 7 . C AL AS S O, Ro b e r to - O T er r o r d as Fáb u la s. I n O s Q ua re nt a e No v e Deg ra u s. T r ad . d e Mar ia J o r g e V ilar d e Fi g u eir ed o . 1 ª e d . Li sb o a : Ed içõ e s Co t o vi a, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -8 0 2 8 - 6 5 -2 . p o nto 1 1 , p . 9 9 -1 1 2 . C AN FO R A, L u cia no - U m O f í cio Per ig o so : a Vi da Q uo t id ia na do s F iló so f o s Gr eg o s. T r ad . M a n uel R ua s. 1 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -5 4 6 -7 . C AS AT I , Ro b er to – S h a do w s : U nlo c king Th eir Se cret s, f ro m P la t o t o O u r Ti me . 1 ª ed . Ne w Yo r k : Vi n ta ge B o o k s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -3 7 5 -7 0 7 1 1 -5 . CO LLI , Gio r g io - La N a is sa nce d e la P h ilo so ph ie . T r ad . d o i tal ia no d e P atr ici a Far a zz i. 1 ª ed . P ar is : É d itio n s d e l ´é c lat , 2 0 0 4 . I SB N 2 -8 4 1 6 2 - 0 8 4 -0 . C RO S S, R . C. , W OO Z L E Y, A. D . - S u n, Li ne a nd Ca ve. I n P la t o ´ s Re pu b lic : A Phi lo so p h ica l Co mme n t a ry . 1 ª ed . Lo nd o n : The M acM il la n P r e ss , 1 9 6 4 . I SB N 0 3 3 3 -1 9 3 0 2 -4 . cap ít u lo 9 , p . 1 9 6 -2 3 0 . DE C RE S CE N Z O, L uc ia no - O Mi to d a Ca ver n a. I n H i st ó r ia da F ilo so f i a G reg a a pa rt ir de Só c ra t e s. T r ad . M ar ia J o r g e V il ar d e F i g ue ir ed o . 1 ª ed . Li sb o a : P r ese n ça, 1 9 8 8 . p . 7 9 -8 4 . DE R RI D A, J acq u es - La P har ma ci e d e P l ato n. I n La D i ss é mi na t io n. 1 ª ed . P ar i s : Éd it io ns d u Se ui l, co p . 1 9 7 2 . I SB N 2 -0 2 -0 2 0 6 2 3 -4 . p . 7 7 -2 1 3 . GOMB RI C H, E . H. – Sh a do w s : T he De pi ct io n o f Ca st S ha do w s in W e st e rn Ar t . Lo nd o n : Nat io na l G al le r y P ub l ic at io ns, 1 9 9 5 . I SB N 0 -3 0 0 -0 6 3 5 7 -1 . 346 H AVE LOC K, E r ic - T he Nec e ss it y o f P lato n is m. I n P r ef a ce t o P l a t o . 1 ª ed . Ca mb r id ge, Ma s sac h u se tt s a nd Lo nd o n : T he B el k nap P r e s s o f Ha r var d Un i ver s it y P r es s, 1 9 6 3 . I SB N 0 -6 7 4 -6 9 9 0 6 -8 . p ar t e d o i s, p . 1 9 7 -2 7 5 . KE AT S, J o h n - La mi a. I n B AR N AR D, J o h n, ed . - J o h n K ea t s : T h e Co mp let e Po e ms . 2 ª ed . Lo nd o n : P en g u i n B o o ks , 1 9 7 7 . p . 4 1 4 - 4 3 3 . LI C HT E NST E I N, J acq u eli n e - De L a T o il et t e P la to nic ie ne . I n La Co u le ur Élo q ue nt e : R hét o r iq ue et Pe int ur e à L´ Âg e Cla s si q ue. 2ª ed . P ar is : Fla m mar io n, 1 9 9 9 . I SB N 2 -0 8 -0 8 0 0 9 9 - X. p . 4 5 -6 3 . MO LDE R, Mar ia F ilo me na - E s c uta r ía mo s Nó s u m C ar va l ho o u u ma P ed r a, se el es Di s se ss e m a V er d ad e? I n Mo ld er , Mar i a Fi lo me na ; So ar es, M ar ia L uí s a Co uto ( o r g. p o r ) - A F i lo so f ia e o Re st o : U m Co ló qu io . Lis b o a : Co lib r i, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 8 2 8 8 -5 5 -7 . p . 7 7 -8 7 . MU RD O CH , I r i s - Aca st o : do i s diá lo g o s p l a t ó ni co s . T r ad . d e M a r ia L eo no r T elle s. 1 ª ed . L i sb o a : E d içõ e s Co to v ia, 1 9 9 0 . I S B N 9 7 2 -9 0 1 3 -1 3 -6 . — T he F ire a n d T he S un : Why Pla t o B a n is he d T he Art ist s ( B a se d U po n t h e Ro ma n Lect ur e 1 9 7 6 ) . 1 ª ed . O x fo r d : C lar e nd o n P r e ss , 1 9 7 7 . I SB N 0 - 1 9 -8 2 4 5 8 0 7. P ANO F SK Y, E r wi n - L a Ant i g ued ad . I n Id ea : Co nt ri b ució n a la h i s t o ria de la t eo ria d el a rt e. T r ad . d e Ma r ia T er e sa P u ma r e ga. 1 ª ed . Mad r id : Cá t ed r a, 1 9 7 1 . I SB N 8 4 -3 7 6 -0 1 0 1 -0 . p . 1 7 -3 3 . P EREI R A, M ar i a He le n a d a Ro c ha - P r o j ecçã o d a F i g ur a d e P la tão na C u lt ur a Gr e ga. I n E st u do s d e H is t ó ria da C ult ura C lá s s ica . 8 ª Ed . Lisb o a : F u nd a ção Ca lo u ste G u lb e n ki a n, i m p . 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -3 1 -0 7 9 9 -6 . vo l. I , p . 4 8 5 -4 9 5 . P ESS O A, F er na nd o - A P as sa ge m d a s Ho r a s ( fr a g me n to ) . I n P o e ma s E sc o lh ido s de Álv a ro d e Ca mp o s. E d . Fer n a nd o Cab r al Mar ti n s e R ic h ar d Ze ni t h. 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 6 9 4 - 8 . p . 8 5 -9 0 . P I R ANDE L L O , L u i gi - U m, N i ng u é m e C e m M il. T r ad . d e M ar gar id a P er iq u ito . Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o E d ito r e s, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -0 4 1 -8 . P L AT ÃO – F ed ro . I n tr o d ., tr ad . e no ta s d e J o sé Rib e ir o F er r e ir a. 2 ª ed . Li sb o a : Ed içõ e s 7 0 , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -4 4 -1 5 9 5 -6 . 347 — A R ep ú bl ica . I ntr o d ., tr ad . e no ta s d e M ar ia He le n a d a Ro c ha P er eir a. 1 1 ª ed ição . Li sb o a : F u nd a ção Calo u s te G u lb e n k ia n. Ser v iço d e E d u caç ão e B o ls as , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 1 - 0 5 0 9 -8 . P LOT NI T S KY, Ar kad y - Co nc l u sio n : W it ho ut Ab so l ut es . I n P LO T NI T SKY, Ar kad y, R AJ AN, T ilo tt a ma ( ed .) - I dea li s m W it ho ut Ab so lu t e s : Ph ilo s o phy a n d Ro ma nt ic C ult ur e. 1 ª e d . Ne w Yo r k : S tat e U n iv er si t y o f Ne w Yo r k P r es s, 2 0 0 4 . I SB N 0 -7 9 1 4 - 6 0 0 1 -0 . p . 2 4 1 -2 5 1 . RU S SE L L , B er tr a nd - A U to p i a d e P l at ão . I n H i st ó ri a da Fi lo so f ia O ci de nt a l . T r ad . d e Vi eir a d e Al me id a. L i sb o a : Cír c ulo d e Lei to r e s, 1 9 7 7 . vo l. I , p . 9 7 -1 3 1 . SKI L L E N, An t ho n y - Fi ctio n Y ear Z er o : P la to ´ s Rep ub li c. T he B r it i s h J o ur n al o f Ae st he ti cs . O x fo r d . I SS N 0 0 0 7 -0 9 0 4 . 3 2 : 3 ( 1 9 9 2 ) 2 0 1 -2 0 8 . S LOT E RDI J K, P ete r - Te mp era me nt o s F i lo só f ico s : U m B rev iá rio de P la t ã o a Fo uca ul t. T r ad . d e J o ão T iago P r o e nç a. Lisb o a : Ed . 7 0 , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -4 4 1 6 9 3 -9 . T ANI ZAK I , J u ni c hir o - Elo g io da So mb ra . T r ad . Mar ga r id a Gi l Mo r ei r a. Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a E d ito r e s, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 5 2 1 -0 . T AV AR E S, Go n ça lo M. - P l at ão . I n B i bl io t e ca . P o r to : Ca mp o d a s Le tr a s, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -6 1 0 - 7 9 9 -7 . p . 1 4 1 . VE RN ON, Mar k – I pla t ã o : F ilo so f ia pa ra o dia - a - dia . T r ad . d e Ar t ur Lo p e s Car d o so . L i sb o a : C l ub e d o Auto r , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -8 4 5 2 2 -0 -7 . W EI L, Si mo n e - A F o n t e Greg a : E st udo s so bre o pe nsa me nt o e o es pí rit o da Gr éc ia . T r ad . d e Fi lip e J ar r o . 1 ª ed . Li sb o a : Li vr o s Co to vi a, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 - 7 9 5 1 3 7 -6 . YE AT S, W il lia m B u tl er - Ro sa Alc he mic a. I n R o sa A lc he mica , A s Tá b ua s da Lei , A Ado ra çã o do s M a g o s. T r ad . De He le n a Car d o so . L isb o a : Ro ma E d ito r a, Co l ecç ão So p r o , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 0 6 3 -2 1 -2 . p . 1 5 -9 1 . 348 CAPÍTULO III O Duplo AL E X AND RE , An tó nio Fr a n co – d up lo . I n U ma Fá bu la . Li sb o a : Ass ír io & Al v i m, 2 0 0 1 . Co le cção Ser p e n te E mp l u ma d a. I S B N 9 7 2 -3 7 -0 6 5 7 -1 . p . 3 1 -4 6 . AMI S, M ar t i n - O Seg un do Av iã o : 1 1 de S et e mb r o : 2 0 0 1 - 2 0 0 7 . T r ad . J o r g e P ir es . 1 ª ed . L i sb o a : Q uet zal E d i to r e s, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 6 4 - 0 . p . 1 3 -1 9 . AN DR E S E N, So p h ia d e Me llo B r e yn er – D er i va. I n Na v eg a çõ e s. Li sb o a : Ca mi n h o , 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 0 4 9 -7 . p . 3 0 AR NO LD, C ar r i e - Mo n ke y i n t he Mir r o r : co u ld r h es u s ma caq u e s b e se l f -a war e? Sci e nt i fi c Amer ic a n Mi nd . [ E m li n ha] . [ Co n s u ltad o a 2 d e O u t ub r o d e 2 0 1 3 ] . Ar t i go e scr ito e m M ar ço d e 2 0 1 1 . Di sp o ní v el e m ww w< u r l : h ttp :/ / www. s c ie nt i fi ca me r ic a n.co m/ ar t icl e.c f m? id = mo n ke y - i n - t he - mir r o r B AUD E L AI R E , C h ar le s - E d ga r P o e, a s ua vi d a e a s s ua s o b r as ; N o va s No ta s so b r e Ed g ar P o e. I n A Inv en çã o da M o der ni da d e ( So br e Art e, Lit era t u ra e M úsica ) . T r ad . P ed r o T a me n. 1 ª ed . Li sb o a : R eló gio D ´ Ág u a Ed ito r es, Clá s si co s , 2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -7 0 8 -8 8 5 -6 . p .7 1 -9 3 e 9 4 -1 1 1 . B AUD RI L L AR D , J ea n - Si mu la cro s e S i mu la ç ã o . T r ad . d e Mar ia J o ã o d a Co sta P er eir a. 1 ª ed . L i sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a Ed i to r e s, An tr o p o s, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 1 4 1 - X. B ÉN AR D D A CO ST A, J o ão – Os Se gr ed o s d e Or so n W el l s ( 2 8 - 1 1 -0 3 ) . I n Cró nica s : I ma g en s P r o f ét ica s e O ut ra s. P r e f ácio d e J o sé T o le n ti no Me nd o nça ; Lú cia G u ed e s V az, ed . li t. L i sb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 1 4 7 2 -2 . vo l I , p . 3 6 7 -3 7 1 . — V er t i go . I n O s F i l mes da M in ha Vi da . Li s b o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 3 4 -6 . p . 2 0 5 -2 1 0 . — V ert i g o /1 9 5 8 . C i ne ma te ca P o r t u g u es a – Mu s e u d o Ci ne ma, te x to d e 1 8 d e J ane ir o d e 1 9 9 9 . Ace s sí ve l na C i ne ma t eca d e Li sb o a, P o r t u ga l. — P er so na /1 9 6 6 . C i ne ma te ca P o r t u g ue sa – Mu s e u d o C i ne ma , te xt o d e 2 2 d e No ve mb r o d e 1 9 9 7 . Ace s sí ve l na C i ne ma t eca d e Li sb o a, P o r t u gal . — P er so na. A E xi s tê nc ia d o T er r í ve l. I n O s Fil me s da M inha V ida ; o s me u s f il me s da v i da . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 2 6 0 -6 . p . 1 0 3 -1 0 9 . 349 B ENJ AMI N, W a lter - A Ob r a d e Ar t e na E r a d a su a R ep r o d ut ib i lid ad e T écni ca. I n So b re Art e, T éc nica , Li ng ua g e m e P o lít ica . T r ad . d e Mar ia L u z Mo ta, M ar i a A mél ia Cr uz, Ma n u el Alb er to ; p r e f. T . W . Ad o r no . 1 ª ed . Lisb o a : R eló gi o D ´Ág u a E d i to r e s, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 1 7 7 -0 . p . 7 1 -1 3 5 . B E R GM AN, I n g mar - P er so na [ Re gi s to víd eo ] . R ea liz ad o e es cr i to p o r I n g mar B er g ma n . T ar t a n F il ms : AB S ve n s k Fi l mi nd u s tr i, 1 9 6 6 . 1 D VD v íd eo ( 8 0 mi n.) ( P AL) : p r eto e b r a n co , s o n. B L OO M, Har o ld – Cer va n te s e S ha ke sp e ar e . I n O n de E st á a Sa be do ria ? . T r ad . Mi g ue l Se r r a s P er eir a. L is b o a : Reló g io D ´ Ág ua Ed ito r es , Antr o p o s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -6 4 1 -0 5 2 -0 . p . 7 7 -1 0 7 . — A A ng ú st ia da I nf lu ênc ia : U ma t eo r ia da po e sia . T r ad . Mi g u el T a me n . 1 ª ed . Lis b o a : E d i çõ e s Co to v i a, 1 9 9 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 9 0 1 3 -8 1 -2 . B OR GE S, J o r g e L u i s – B o rg es V er ba l. I n B R A VO, P il ar ; P AO LET T I , Mar io , ed s. ; tr ad . d e J o sé B e nto . Li sb o a : As s í r io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 6 8 0 -6 . — O O u tr o . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O b ra s Co mp l et a s. Li sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 9 -1 4 . CO R R E I A, Hé li a – A d o ecer. 1 ª ed , 1 ª r e i mp . Li sb o a : Re ló gio D ´ Á g ua , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -1 6 0 - 2 . C AV ALC ANT I , Alb er to ; C RI C HT ON, C har le s ; D E AR DEN , B as il ; H AM ER , Ro b er t - Dea d o f N ig h t [ Re g is to víd eo ] . Rea l izad o p o r A. C a val ca n t i , C h ar l es Cr i c hto n, B as il Dear d e n e Ro b er t Ha mer . I ma g e UK : Ca n al, 1 9 4 5 . 1 DV D v íd eo ( 9 9 mi n.) ( P AL ) : p r e to e b r a nco , so n. CH AMI S SO , Vo n Ad el b er t - A H is t ó ria F a b ulo sa de P et er S ch le mih l. T r ad . e en sa io d e J o ão B ar r e n to ; e sco l h a d e i ma g e n s d e Lo ur d es Ca str o . Li sb o a : As sí r io & Al v i m, co lec ção o i ma g i nár io , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 2 -9 . CO N CEI Ç ÃO, Ca r lo s Au g u sto R ib eir o d a - Nã o E st a mo s Só s so b a P ele : u ma exp o s ição p o s sí ve l a cer ca d e d up lo s . Li sb o a : [ s. n.] , 2 0 0 6 . 2 v. Di s s er ta ção d e Do uto r a me nto , ár e a d e Ciê n ci as d a Co mu n i ca ção . Or ie nt ação d e J o s é Au g us to B r ag a nça d e M ir a nd a. CO R R E I A, H él ia – A do ecer. L isb o a : Re ló gio D ´Ág u a Ed ito r es, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 9 8 9 -6 4 1 -1 6 0 -2 350 D ÄL L E NB AC H, L u ci e n - T he M irro r i n t h e T e xt . T r ad . J er e m y W hi tel e y e E m ma H u g he s. 1 ª ed . C hi ca go : T he U n i ver si t y o f C hi ca go P r es s, 1 9 8 9 . I S B N 0 -2 2 6 1 3 4 9 1 -1 DE QU I N CE Y, T ho ma s - Do A s sa s sí nio co mo u ma da s B ela s A rt e s. T r ad . J o ão d a Fo ns eca Ama r a l. 2 ª ed . L is b o a : Ed i to r i al Es ta m p a, 1 9 8 3 . Li vr o B , 3 . DE LE U ZE , Gi ll es – A I ma g e m- Te mpo : Ci n e ma 2 . T r ad . e i ntr o d . d e R a fae l Go d i n ho . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -1 0 9 6 - X. — A I ma g e m- M o v i me n t o : Ci ne ma 1 . T r ad . So u sa Dia s. 2 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -3 7 -0 9 5 8 -2 . DI DE R OT , De n i s - Ca r t a so bre o s Ceg o s : pa ra u so da qu ele s q ue v êe m. T r ad . Lu í s Ma n ue l Ve n t ur a B er n ar d o . 1 ª ed . Li sb o a : Ve ga, 2 0 0 7 . P a ss a ge n s , 4 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 9 -8 6 9 -3 . DO ST OI É V S KI , Fió d o r - O Du p lo . T r ad . Ni na G ue r r a e Fi lip e G u er r a. 1 ª ed . Lis b o a : E d i to r i al P r es e nç a, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 3 -2 9 6 0 -6 . F L AUB E RT , G u st a ve - B o uv a r d e Péc uc het : Ro ma n ce. T r ad . P ed r o T a me n. Lis b o a : E d i çõ e s Co to v i a, 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -9 0 1 3 -1 7 -9 . F LO R Y, D a n – A M ul h er q u e Vi v e u D ua s V ez es : Mé to d o C it e nt í fico , Ob s es são e Me nt es H u ma n a s. I n B AG GE T , Da v id ; D RU MI N, W i ll ia m, o r g. - A F ilo so f ia Seg un do H it ch co c k. T r ad . P ed r o Vid al. 1 ª ed . Al f r a gid e : E s tr e la P o lar , 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 8 2 0 6 -0 8 - 4 . ter ceir a p ar te, p o nto 9 , p . 1 4 1 -1 5 5 . FO U C AU LT , Mi c hel - Niet z sc he, F re ud & M a rx : T hea t r u m P h ilo so f icu m. T r ad . d e J o r g e L i ma B a r r eto . São P a u lo : P r i nc ip io Ed ito r a , 1 9 9 7 . F R AZ E R, J a me s Geo r g e – T he P er il s o f t he So u l. I n T he Go ld en B o ug h : A St u dy in M a g ic a n d Rel ig io n. I n tr d . e no ta s d e R o b er t Fr a ser . Re i mp . N e w Yo r k : O x fo r d U n i ver s it y P r e s s , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -0 -1 9 - 9 5 3 8 8 2 -9 . p . 1 5 3 -1 6 5 . — T he B el ie f i n I m m o r tal it y. I n M a n, G o d a nd I mmo rt a lit y : T ho ug ht s o n H u ma n P ro g r es s. K ila , Mo n t. : K e ss i n ger , 1 9 9 8 . I SB N 0 -7 6 6 1 -0 1 8 8 -6 . p . 3 4 7 -3 8 5 . F REU D, Si g mu n d - T h e U nc a n n y. I n T he U n ca n ny . T r ad . d e Da v id Mc Li n to c k. Lo nd o n : P e n g u i n B o o ks , 2 0 0 3 . I SB N 0 -1 4 -1 1 8 2 3 7 -7 . p . 1 2 1 -1 6 2 . 351 G AL L UP , Go r d o n - C h i mp a nz ee s: S el f - R eco g n itio n . Sc ie nce . I SS N 0 0 3 6 -8 0 -7 5 . 1 6 7 : 3 9 1 4 ( 1 9 7 0 ) 8 6 -8 7 . GÓ GO L, Ni ko lai – Co n t o s de S. P et e rs b urg o . T r ad . Nin a G uer r a e Fi l ip e G uer r a. Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 7 . Co l ecç ão B I . 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 7 -1 1 8 4 -4 . — O Ret ra t o . T r ad . d e Ni n a G u er r a e Fi lip e G uer r a . L isb o a : As sír i o & Al vi m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 3 5 -3 . GO N ZÀL E Z, An to n io B all es ter o s - El d o b le co mo ar q ue tip o d el mied o . E x it . I SS N 1 5 7 7 -2 7 2 1 . Mad r id . 0 ( No v. 2 0 0 0 -J a n 2 0 0 1 ) 9 8 -1 0 3 . HI T CH C O CK, Al fr ed – Vert ig o : A M ul her qu e Viv eu D ua s Ve ze s [ R e gi sto víd eo ] . R eal iz ação d e A. Hi tc hco c k. P ar a m o nt P ic t ur e s : Al fr ed Hi tc hco c k P r o d uc tio n s, 1 9 5 8 . V HS ( 1 h, 2 3 mi n .) co r , so n . HO FF M ANN , E .T . A. – T he sa nd ma n . I n E. T. A H o f f ma n n : Ta l es o f H o f f ma nn . T r ad . d e R. J . Ho l li n gd a le. Re i mp . Lo nd o n : P e n g ui n B o o k s, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 8 -0 -1 4 0 4 4 3 9 2 -9 . p . 8 5 -1 2 5 . — As Av e nt ur as d a No ite d e S. Si l ve st r e. I n Co nt o s do s H o me n s Se m So mb ra . Sel ec., i ntr o d . e no ta s d e Ma n ue l J o ão Go me s. 2 ª ed . Li sb o a : E d ito r ia l E s ta mp a, 2 0 0 3 . Li vr o B , 4 6 . I SB N 9 7 2 -3 3 -0 2 3 8 -1 . p . 1 1 7 - 1 6 0 . — O Ho me m d e Ar e ia. I n Co nt o s Si ni st ro s. 1 ª ed . São P a ulo : E d ito r a Ma x Li mo nad e, 1 9 8 7 . p . 1 9 -5 2 . KE E N AN, J u lia n P a u l ; G AL L UP , Go r d o n ; F A LK, De a n, ed s. - T he F a ce in t he M irro r : Th e Sea r ch f o r t he O rig i ns o f Co ns ci o us ne s s. 1 ª ed . Ne w Yo r k : Har p er Co l li n s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -0 6 -0 0 1 2 7 9 - X. K LEI ST , H ei nr ic h Vo n – A nf it riã o : U ma Co médi a seg un do M o lièr e . T r ad . Air es Gr aç a e An ab e la Me nd e s . 1 ª ed . Li sb o a : Co to via , 1 9 9 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -9 0 1 3 -9 6 -6 . KOE RT H -B AKE R, M a g gi e - K id s ( a nd a ni ma l s ) who fa il cl as s ic mir r o r tes ts ma y st il l ha v e a se n s e o f se l f. Sie n ti f ic Ame r ic a n [ E m l i n ha] . [ Co n s u ltad o a J u l ho d e 2 0 1 1 ] . 1 1 ( No v e mb r o 2 0 1 0 ) . Di sp o n í ve l e m ww w< u r l : h ttp :/ / ww w. s ci e nt i fic a mer ic a n.co m/ ar tic le. c f m? id = k id s - a nd -a n i ma l s - wh o - fa il -c la s si c - mir r o r . KU RO S AW A, Ak ir a – K a g e mu s ha : T he S ha do w Wa r rio r [ R e gi sto víd eo ] . Escr ito e r e al izad o p o r Akir a K ur o s a wa Ma s ato I d e . T we nt ie t h Ce nt u r y F il m 352 Co r p o r a tio n : T o ho Co mp a n y, 1 9 8 0 . 1 ca s se te víd eo ( D VD) ( 1 5 2 mi n. ) P AL: co r , so n. L AC AN , J a cq ue s - L e S tad e d u M ir o ir co m me f o r mate ur d e la fo n ct io n d u j e, te ll e q u ´e ll e no u s e st r é vél é d an s l ´e x p er ie nc e p s yc h a nal yt iq u e. I n É cr i t s. P ar i s : Éd it io ns d u Se ui l, 1 9 6 6 . I SB N 9 7 8 2 0 2 0 0 2 7 5 2 6 . p . 9 3 - 1 0 1 . LAG ER L Ö F, Sel ma - O s M ila g re s do A nt i c ri st o . T r ad . Li lie te M a r ti n s. 1 ª ed . Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o E d ito r e s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -6 2 3 -0 7 7 -7 . L AN G, F r i tz - Th e Wo me n i n t h e W in do w [ R eg i sto víd eo ] . Rea li zaç ã o d e Fr i tz La n g co m p r o d uç ão e ar g u me nto d e N u n na ll y J o h ns o n. Me tr o - Go ld wy n - Ma ye r St ud io s : P a c ka ge De s i g n, 1 9 4 4 . 1 D VD víd eo ( 9 5 mi n.) : p r e to e b r a nco , so n. L OS E Y, J o sep h - T he Serv a nt [ R e gi sto víd eo ] . R ea liz ação d e J o sep h Lo s e y co m ar g u me nto d e Har o ld P i nt er . Op ti mu m C la s si c : Sp r i n gb r o o k Fi l ms , 1 9 6 3 . 1 DV D víd eo ( 1 1 0 mi n .) P AL p r eto e b r a nco , so n . M AUP AS S ANT , G u y d e – O H o rla e O ut ro s C o nt o s Fa n t á st ico s : o U niv er so da In q ui et a çã o . T r ad . d e E ma n u el Go d i n ho . 2 ª ed . Lis b o a : Ed i to r ia l E st a mp a , 1 9 9 8 . Li vr o B , 3 0 . I ncl u i a p r i me ir a e a s e g u nd a ver sã o d o co nto “Ho r la” . I SB N 9 7 2 -3 3 0 2 2 3 -3 . ME LV I LLE , He r ma n – M o by Dic k. T r ad . d e Al fr ed o Mar g ar id o e D a nie l Go nça l ve s. L i sb o a : Rel ó gi o D ´ Ág u a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -8 5 3 -8 . MI LLE R, K ar l – Do u bl es. 1 ª ed . Lo nd o n : Fa b er a nd F ab er , F ab er F ind s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -0 - 5 7 1 -2 4 8 3 5 - 3 . MO LDE R, M ar i a F ilo me na - As P r o v as d o s D up l o s. I n M a t éria s Se ns ív e is. Li sb o a : Reló g io D ´Ág u a E d i to r es, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 8 -7 0 8 -5 6 1 - X. p . 1 8 3 -1 9 3 . — Au r a e V es tí g io . I n S e mea r na Nev e : E st u d o s so bre Wa lt er B e nj a mi n . Li sb o a : Reló g io D ´Ág u a E d i to r es, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -5 1 6 -4 . p . 5 5 -5 9 . MU RN AU , F. W . - No s f era t u : E in e Sy mp h o nie d e s Gra ue n s [ A S y mp ho n y o f Ho r r o r ] [ Re g is to víd eo ] . Rea liz ação d e F. M ur n au. Ger ma n y : Fr i ed r i c h -W il he l mMu r na u - St i ft u n g, 1921. 1 DVD v íd eo (93 mi n .) P AL p r e to -e -b r a nco , Re s ta ur ad o e m 2 0 0 7 p o r E u r e ka, co nt é m u m se g u nd o DV D co m s up le me nto s. 353 so n. O LI V AR E S, Ro sa - E l T ie mp o d e lo s Rep li ca nt e s. I n O bj et o d e R ép li ca : Re pl ica O bj e ct . Vi to r i a -Ga s te iz : Ar t i u m, co p . 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -8 4 -9 3 6 8 9 8 -6 - 5 . p . 2 1 5 223. P AP I N I , G io va n ni - O E sp el ho q ue Fo g e . T ex to s se lec. p o r J o r ge Lu is B o r ge s ; tr ad . d e Mar ia J o r ge V il ar d e Fi g ue ir ed o . Li sb o a : P r ese n ça, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 2 3 -3 7 3 9 -7 . P AL ME R, J a me s ; RI L E Y, M ic h ael - An E x te n si o n o f Rea li t y. T he Ser v a nt . I n T he Fil ms o f J o s ep h Lo sey . Ca mb r id ge : C a mb r id g e U ni v er s it y P r e s s, 1 9 9 3 . I SB N 0 5 2 1 -3 8 7 8 0 -9 . p . 4 2 -6 3 . P I N A, Ma n u el An tó nio – P o esia , Sa uda de da Pro sa : u ma a nt o lo g ia pe s so a l. 1 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Alv i m, 2 0 1 1 . Gr ão s d e p ó le n, 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 5 8 7 -3 . — Hi s tó r i a co m o s o l ho s fec h ad o s . I n H i st ó r ia s q ue me co nt a st e t u; il. d e J o ão B o tel ho . 2 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 5 5 4 -0 . p . 5 7 -6 7 . P L AUT O – A nf i t riã o . I nt r o d . tr ad . e no ta s d e Car lo s Alb er to Lo ur o F o n sec a. 2 ª ed . Li sb o a : E d içõ es 7 0 , 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 8 8 2 -5 . P OE, Ed gar All a n - W il l ia m W i l so n. I n E dg a r A lla n Po e : To do s o s Co nt o s. T r ad . d e J . T ei xe ir a d e Ag u il a r ; i l u str a ção d e J o a n -P e r e V ilad eca n s. E sp a n ha : Q u etz al e Cír c ulo d e L ei to r e s, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -5 6 4 -7 9 4 -3 . vo l. 2 , p . 2 0 6 -2 2 5 . — Po é t ica : Te xt o s T eó rico s. 1 ª ed . Lisb o a : F u nd aç ão Calo u s te G ulb e n k ia n, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -3 1 -1 1 0 5 -5 . — O R etr ato O va l. I n H is t ó ria s de M i st ér io e de I ma g i na çã o . Li sb o a : Ed i to r ial Ver b o , [ D. L. 1 9 7 1 ] . B ib lio t eca b á si ca ver b o , 1 5 . p . 1 0 2 -1 0 5 . QUI RI NY, B er n ar d - C o nt o s Ca r nív o ro s . T r ad . Mi g ue l Ser r a s P er ei r a. P o r to : Ed içõ e s Ah ab , 2 0 1 1 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -0 -4 . R ANK , O tto - Le Do u b le. I n Do n J ua n e t l e Do u b le . 3 ª ed . [ P ar i s] : Éd i tio n s P a yo t & Ri v a ge s, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 8 -2 - 2 2 8 -8 9 5 1 4 - 9 . p . 1 1 -1 4 2 . RI CHT E R, An n e - Le s Mé ta mo r p ho se s d u Do ub l e. I n H i st o ire s de s Do u b le s : d´ H o f f ma n à Co rt á za r . [ B r u xel le s; P ar i s] : É d itio n s Co mp le x e, 1 9 9 5 . I SB N 2 8 7 0 2 7 -5 6 6 -8 . p . 9 -2 3 . 354 ROB I S ON, Ar t h ur - W a rn ing S ha do w s : A No ct ur na l H a l lu ci na t i o n [ Re g i sto víd eo ] . Rea li zad o p o r Ar t h ur Ro b i n so n. T r an s it Fi l ms : F r ied r ic h W il he l m M u r na u St i ft u n g, 1 9 2 3 . 1 DV D v íd eo ( 8 5 mi n .) , p r eto - e - b r an co . RO S SET , Clé me nt - Le Rée l et so n Do u bl e. [ P a r is] : É d it io n s G al li ma r d , 1 9 7 6 . S AC KS, O li v er – Ver e Não Ver . I n U m A nt ro pó lo g o e m M a rt e : Set e H i st ó r ia s Pa ra do xa i s [ Li vr o e le ctr ó ni co ] . T r ad u ção d e B er n ar d o C ar va l ho . S. P a ulo : Co mp a n h ia d as Le tr a s, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 8 8 5 7 1 6 4 4 7 2 4 . S AR AM AG O, J o s é - O H o me m Du pl ica do . Lisb o a : Ed ito r ia l Ca mi n ho , 2 0 0 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 2 1 -1 5 0 7 - 0 . S AR DO, De l fi m - J o rg e M o lder : o E s pe lho Du plo . Li sb o a : Ed ito r i al Ca mi n h o ; P aço d e Ar co s : E d i mp r esa , 2 0 0 5 . I SB N 9 8 9 - 6 1 2 -1 2 3 -0 . S CHW ART Z, Hi ll el - T he C u lt u re of The Co py : St ri ki ng Li ke ne s se s, Un rea so na bl e F a cs i mi l es. Ne w Yo r k : Zo ne B o o k s, 1 9 9 6 . I SB N 0 -9 4 2 2 9 9 -3 6 -1 . SH AKE SP E AR E , W i ll ia m – H a ml et . T r ad . d e An tó n io M. Fe ij ó . Li sb o a : Ed içõ e s Co to v ia, 2 0 0 1 . E d ição b ili n g u e. I SB N 9 7 2 -7 9 5 -0 0 7 -8 . ST E VE N S ON, Ro b er t L o ui s - O E str a n ho Ca so d o Dr . J e k yl l e d o Sr . H yd e. I n O E st ra nho Ca so do D r. J e ky ll e do S r. H y de : e o ut ro s co nt o s . T r ad . p r ef . e no ta s d e J o r ge P er eir i n ha P ir e s. 1 ª ed . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 7 . B el te neb r o s, 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 2 6 2 - 9 . p . 1 0 3 -1 9 8 . ST OI C HI T A, Vic to r – A có p ia o r i gi na l. I n O Ef eit o Pig ma l iã o : pa ra u ma a nt ro po lo g ia do s s i mu l a cro s . L i sb o a : KK YM , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 6 8 4 -0 -6 . p . 1 9 9 -2 2 0 . — A S ho rt H i st o ry o f t he S ha do w . Lo nd o n : Re a kt io n B o o ks, 1 9 9 7 . I SB N 1 -8 6 1 8 9 -0 0 0 -1 . — P ai n ti n g s, Map s a nd Mir r o r s. I n T he Se lf - Aw a re I ma g e : a n I n sig ht int o Ea rly M o dern M et a - P a i nt in g . C a mb r id g e; Ne w Yo r k; Me lb o ur ne : Ca mb r id ge U ni ver s it y P r e s s, 1 9 9 7 . I SB N 0 -5 2 1 - 4 3 3 9 3 -2 . p . 1 5 1 -1 9 7 . T AK AL A, P il vi – T he Rea l Sno w W hit e [ Re g i sto víd eo ] . [ Co n s u lt ad o e m J ul ho d e 2 0 1 3 ] Di sp o n í ve l e m ww w< u r l : h ttp :/ / w ww. p i lv it a ka la.co m/ s no wwh i t ev id eo . h t ml 355 T ARK OV SK Y, And r ei - M irro r [ Re g i sto víd eo ] . Re al iza ção d e And r ei T ar ko v s k y e ar g u me n to d e T ar ko v s k y e Ale k sa nd r M is h ar i n. A Mo s f il m U n it 4 P r o d uc tio n : Lud mi l a Fe ga no v a, 1 9 7 4 . 1 D VD v íd eo ( 1 0 2 mi n .) co r e p r eto e b r a n co . T RUF F AUT , Fr a nço i s - L´ E nf a nt Sa uv a g e [ Re g i sto v íd eo ] . R e ali zaç ão de Fr a nço i s T r u f f a ut, ar g u me n to d e T r u f fa u t e J e an Gr ua u lt. P a r i s : L e s Fi l ms d u Car r o s se, 1 9 6 9 . 1 DV D víd eo ( 1 hr 2 1 mi n .) P AL, co r , so n. UG RE SI C, D ub r a v k a - O M use u da Re n diçã o In co n d icio na l. L i sb o a : C a valo d e Fer r o Ed i to r e s, 2 0 1 1 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -6 2 3 -1 5 2 -1 . VI D AL , Car lo s - Se n s is mo o c ular il u mi n i s ta; mi s e e n s cè ne b ar r o c a ( tea tr o , p in t ur a) e “ar te so lar ” ( mú s i ca) : d a mio p ia ( c is ão d a at e nção ) ao i n f i ni to ( mi se en a b yme) . I n I n v i s ual id ad e d a P in t ur a : H is tó r i a d e u ma Ob se s são ( d e C ar a va g g io a B r uc e Na u ma n ) . Li sb o a : [ s. n.] , 2 0 0 9 . 3 v. T ese d e Do u to r a me n to e m P i n t ur a , Fac u ld ad e d e B ela s - Ar t es, o r ie n tad a p o r J o aq u i m M . L i ma d e Car v al h o e Si l vi na Ro d r i g ue s Lo p e s. p . 3 4 8 -4 0 7 . W E GE NE R, P au l - T he St u de nt o f Pra g u e [ R eg i sto víd eo ] . R eal iza ç ão d e P aul W eg e ner e ar g u me n to de Ha n n s H ei n z E we r s. N ar b er t h : Al p ha Vid eo Di str ib ui to r s, 1 9 1 3 . 1 D VD v íd eo ( 4 1 mi n.) fi l m e mu d o a p r eto - e -b r a nco . W ELLE S, Or so n – T h e La dy Fro m S ha ng h a i [ Re g i sto víd eo ] . Re ali zaç ão e ar g u me nto d e Or so n W e ll s. Co l u mb ia P ic t ur e s I nd u str ie s, 1 9 4 8 . 1 DV D víd eo ( 8 4 mi n .) P AL p r e to e b r a nc o , so n. W H ALE , J a me s - T he M a n in Th e Iro n M a s k [ Re g i sto víd eo ] . Re a liz ação d e J a mes W h al e co m ar g u me n to de Geo r g e B r uc e. S/ Lo cal : E d wa r d S ma ll P r o d uc tio n s, 1 9 3 9 . 1 D V D víd eo ( 1 0 6 mi n .) p r e t o - e - b r a nco , so n . W I L DE , Os car - O R et ra t o d e Do r ia n Gra y . T r ad . e no t a i nt r o d ut ó r ia d e Mar gar id a Va le d e Gato . Li sb o a : R eló g io D ´Ág ua Ed i to r e s, C lá s si co s , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -3 9 1 -9 . 356 CAPÍTULO IV O Dispositivo do Espelho na Arte Contemporânea De Velázquez a Rebecca Horn - o instante AN DR E S E N, So p hi a d e Mel lo B r e yn er - L isb o a. I n Na v eg a çõ e s. L isb o a: E d ito r ial Ca mi n h o . I SB N 9 7 2 -2 1 - 1 0 4 9 -7 . p .7 B AUD S ON, Mi c hel [ et al.] - L´ a rt e t le Te mp s : Reg a r d s s ur la Q ua t r i è me Di me n sio n. P ar is : Alb i n Mic h el, 1 9 8 5 . I SB N 2 - 2 2 6 -0 2 2 1 1 -2 . — A rt a nd T i me. L o nd o n : B ar b ica n Ar t G al ler y, 1 9 8 6 . I SB N 0 -9 4 6 3 7 2 -1 3 -6 B E T T I , Rena to – Máq ui na. I n En ci clo pé dia Ei na u d i. Li sb o a : I mp r e n sa N acio n al Ca sa d a Mo ed a, 1 9 9 6 . v o l. 2 7 , Cé r eb r o -M áq ui n a , p . 2 9 8 -3 2 0 . B L AN C HOT , M a ur i ce – A E xp er iê nc ia d e P r o u st. I n O Liv ro po r V ir . T r ad uç ão d e Mar ia R e gi na Lo ur o . 1 ª ed . L i sb o a : Re ló gio d ´Ág u a, 1 9 8 4 . p . 1 9 -3 2 . B OR GE S, J o r g e L uí s - H is t ó ria da Et er ni da d e. T r ad . d e J o sé Co l aço B ar r eir o s. Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 5 6 4 -9 9 2 -3 . B ROW N, J o n at ha n – I n d et ai l: Ve lázq u ez ´s Las M e ni na s ( 1 9 8 0 ) ; En e mi es o f f lat er r y: Ve lázq u ez ´s p o r tr ai t s o f P h il ip I V ( 1 9 8 6 ) . I n Co l lect ed W rit i ng s o n Velá zq ue z. Ne w H a ve n a nd Lo nd o n : Ya le U n iv er si t y P r e s s, 2 0 0 8 . I S B N 9 7 8 -0 3 0 0 -1 4 4 9 3 -2 . p . 7 7 -8 6 , 1 0 3 -1 1 5 . — I ma g e s o f P o wer a nd P r es ti g e ; V el ázq ue z a nd P h il ip I V. I n V elá z q uez : Pa in t er a nd Co ur t ie r. Ne w Ha ve n a nd Lo nd o n : Yal e U ni v er s it y P r e s s, 1 9 8 6 . p . 1 0 7 -1 3 8 e 2 4 1 -2 6 4 . — O n t he Me a ni n g o f L a s Men in a s. I n I ma g es a nd I dea s in S ev e nt ee n t h C en t u ry Spa n is h P a i nt i ng . P r i n c eto n : U n i ver si t y P r e s s, 1 9 7 8 . p . 8 7 -1 1 0 . B ROW N, J o n at ha n , G A R RI D O, C ar me n – Ve l á zq uez : La T éc ni ca del Gé n io . Mad r id : E d ic io ne s E n c u en tr o / Ya le U ni v er s it y, 1 9 9 8 . I SB N 8 4 -7 4 9 0 -4 8 7 - 0 . C AND E I AS D A SI L V A, J o aq u i m - D. Fi li pe I I I, O G ra nd e : Di na st i a F il i pi na 1 6 2 1 - 1 6 4 0 . Ac ad e mi a P o r t u g ue sa d a H is tó r i a, Lisb o a : Q uid No vi , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 9 8 9 -5 5 4 -5 9 5 -7 . 357 CE L ANT , Ger ma no , co -a u t. ; SP ECT O R, Na n c y, co - a ut. ; M USÉ E DE GR E N OB LE , ed . li t. ; S O LO MO N R . GU GG EN HEI M, ed . li t. ; M O RG AN , S t uar t, en tr e v is tad o r - Re be cc a H o rn. [ P a r i s] : R é u nio n d e s M u sée s Na tio na u x , 1 9 9 5 . I SB N 2 -7 1 1 8 - 2 9 7 2 -3 . CE NT RE GE O RGE S P OMP I D OU - M a g ici en s de la T err e. P ar i s : Mu s ée d ` Ar t Mo d er ne, 1 9 8 9 . I SB N 2 - 8 5 8 5 0 -4 9 8 -9 . CH E C A, Fer na nd o - Di ego Vel ázq ue z d a S il v a 1 5 9 9 -1 6 6 0 . I n B O R CH E RT , T ill Ho l ger ; B R OW N , Cr is t o p her ; LU C C O, Ma ur o , ed s . – Vé la z qu ez : Th e Co mp let e Pa in t i ng s . An t we r p : L u d io n, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 0 -5 5 4 4 -7 4 1 -1 . p . 1 1 -5 3 . CH I C Ó, Már io T av ar e s ; F R AN Ç A, J o s é Au g u s t o ; G U SM ÃO, Ar t ur No b r e d e, o r g . - V elá zq uez, Dio go d a Sil v a y. I n D icio ná r i o da Pint ura Un iv er sa l . Li sb o a : Est ú d io s Co r , 1 9 6 2 -1 9 7 3 . vo l. I I , p . 3 3 6 -3 3 9 . CO OK E, Lyn n ; FE R G US ON, B r uce W . ; H E E N LE I N, Car s te n [ et al.] - Re be cca H o rn : T he G la nce o f I nf i ni t y . Z ur ic h ; B er l i n ; Ne w Yo r k : Sca lo , 1 9 9 7 . I SB N 3 9 3 1 1 4 1 -6 6 -7 . CU RI GE R, B i ce – Ge nt le T r a ns f er e n ce: Reb ecca Ho r n. P ar ket t . Z u r ic h. I SS N 0 2 5 6 -0 9 1 7 . 1 3 ( 1 9 8 7 ) 5 4 -5 7 . DE LE U ZE , Gi ll es - F ra nci s B a co n : Ló g ica da Se nsa çã o . T r ad . e i ntr o d . d e J o sé Mir a nd a J us to . 1 ª ed . L i sb o a : O r fe u Ne gr o , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 3 2 7 -1 0 -9 . DU R AN D, R é gi s ( e nt r e vi s ta co m) - Reb e cca H o r n : I m mi ne n t Da n g er . I n Ar t P r es s . P ar is . I S S N 0 2 4 5 -5 6 7 6 . 3 5 :1 8 1 -1 8 6 ( 1 9 9 3 ) e1 - e 6 . ELLI OT T , J o hn H . ; G AR RI D O, Car me n - La s Me ni n as a s a Ma s ter p i ec e ( 1 9 9 9 ) . I n Co l lect ed Wr it ing s o n Ve lá z qu ez. Ne w H a v en a nd Lo nd o n : Ya le U ni v er s it y P r es s, 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -0 -3 0 0 -1 4 4 9 3 -2 . p . 1 6 5 -1 8 5 . F AU RE, Él ie - L´E sp a g ne. I n H i st o i re d e L´ Ar t . P ar i s : G. Cr é s, 1 9 2 1 - 2 3 . vo l. 4 : L´ Ar t Mo d er n e, p . 1 0 1 - 1 4 3 . FO U C AU LT , M ic he l - La s Me n i na s. I n A s Pa la v ra s e a s Co i s a s : u ma a rq ueo lo g ia da s c iê nc ia s hu ma na s. T r ad . d e Antó n io R a mo s Ro s a. Li sb o a : P o r tu g ál ia, 1 9 6 8 . p . 1 7 - 3 3 . 358 F R AN CO, F er na nd o Ma r ía s - La s M eni na s. Ma d r id : E lec ta, 1 9 9 9 . I SB N 8 4 -8 1 5 6 2 1 3 -0 . GOMB RI C H, E r n st H . - Mo me nt a nd Mo ve me n t in Ar t. I n Th e I ma g e a n d T he Ey e : Furt her St ud ie s i n t he P sy c ho lo g y o f P ic t o ria l Re pre se nt a t io n . Lo nd o n : P ha id o n P r e ss, 1 9 9 4 . I S B N 0 -7 1 8 4 -3 2 4 3 - X. p . 4 0 -6 2 . — A H is t ó ria da A rt e. Rio d e J a neir o : L i vr o s T éc nico s e C ie n tí f ico s E d i to r a, 1 9 9 3 . I SB N 8 5 -2 1 6 -1 0 3 7 -8 . ( Li vr o co n s ul tad o ) . GU GGE NH E I M MU SE U M, ed . li t. ; MU SÉ E D E G RE NOB LE , ed . li t. ; C E LANT , Ger ma n , co -a u t. ; ST U ART , Mo r g a n, e n tr e vi s tad o r - R eb ecca H o rn . [ P ar is] : Ré u n io n d e s M us ée s N at io n a u x, 1 9 9 5 . I SB N 2 -7 1 1 8 -2 9 7 2 -3 . H ALL, E d wi n - P r o b le m s o f S y mb o l ic I nter p r et a tio n. I n T he Ar no lf i ni B et ro t ha l : M ediev a l M a rria g e a n d t he E n ig ma o f Va n Ey c k´ s Do u bl e P o rt ra i t . B er k el y a nd Lo s An g e le s: U ni v er s it y o f C al i fo r na P r e s s, 1 9 9 4 . I SB N 0 -5 2 0 -2 1 2 2 1 -5 . p . 9 5 -1 2 9 . H AUSE R , Ar no ld - O Co nc ei to d e B ar r o co ; O B ar r o co d a s Co r te s Ca tó l ica s. I n H is t ó ria So cia l da Art e e da C ult ura . [ L is b o a] : V e ga, D. L. 1 9 8 9 . vo l . I I I , p . 2 2 3 -2 3 8 e 2 3 9 -2 6 9 . HO RN , Reb ecc a - T he Co u n ter mo v i n g Co n ce r t: De sc r ip tio n o f a n I n st al lat io n ( 1 9 8 7 ) . I n ST I LE S, Kr i st i ne ; SE LZ, P et er , ed s. – Th eo r ie s a n d Do c u me n t s o f Co nt e mp o ra ry Art : a so u rce bo o k o f a rt ist s´ w rit i ng s . B er k el y ; Lo s An ge le s ; Lo nd o n : U ni ve r s it y o f Ca li fo r n ia P r e s s, 1 9 9 6 . I SB N 0 5 2 0 2 0 2 5 3 -8 . p . 6 5 2 -6 5 4 . KE I T H, L ar r y - Ve lázq ue z P ai n ti n g T ec h niq ue . I n C AR R, Da ws o n W . ; B R AY , Xa vi er ; E LI OT T , J o hn – Velá z q uez. Lo nd o n : Ya le U n i ver si t y P r e ss , Nat io na l Gal ler y, 2 0 0 6 . p . 7 0 -8 9 . KUB LE R , Geo r g e - T he Mir r o r i n La s M en in a s . I n T h e Ar t B u ll eti n . Ne w Yo r k. I SS N 0 0 4 -3 0 7 9 . 6 7 ( 1 9 8 5 ) 3 1 6 . — T hr ee Re ma r k s o n L a s Men in a s. T he Ar t B u lle ti n . N e w Yo r k. I S SN 0 0 4 -3 0 7 9 . 4 8 :2 ( J u n ho 1 9 6 6 ) 2 1 2 -2 1 4 . L AC L OT T E , M ic he l ; C U ZI N, J e a n -P ier r e, d ir . - Ve lázq ue z, Die go . In Dict io nna ire de la P ei nt u re. P ar is : Lar o u s s e, 1 9 9 9 . I SB N 2 -0 3 -5 1 1 4 4 1 -1 . p . 1 0 6 4 -6 6 . 359 L AS S AI G NE , J acq ue s – Vé la s q uez : Le s M én i ne s, M u sée d u Pra do . Fr ib o ur g : O f fi ce d u L i vr e, 1 9 7 3 . LI GHT M AN, Al a n – L u z An t ig a : U ma I nt ro d uçã o à Co s mo lo g ia . 1 ª e d . P o r to : As a, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 -4 1 -1 6 8 3 -2 . — O s So n ho s de E in st e in. P o r to : Asa, 1 9 9 5 . I S B N 9 7 8 -9 7 2 -4 1 -1 3 8 0 -7 . LI SP E CT O R, Cl ar i ce - É P ar a Lá Q ue E u V o u. I n O nd e E st iv e st e de No i t e : Co nt o s. L i sb o a : Re ló gi o D ´Ág u a , [ D. L. 1 9 9 0 ] . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -1 0 7 -X . p . 7 1 -7 2 . L ÓP E Z- RE Y, J o s é - T h e Ma st er a nd t he Fo l lo wer . I n V elá z q uez . Ko l n : T asc h e n : W ild e n s tei n I n s ti t ute , co p . 1 9 9 6 . I SB N 3 -8 2 2 8 -8 6 5 7 -2 . vo l. 1 : “ P ai nter o f P ai nter s” , p . 2 0 4 -2 1 8 . — V elá zq ue z . I SB N 3 - 8 2 2 8 -8 6 5 7 -2 . vo l. 2 : Ca t alo g ue r ai so n né wer k v er zeic h n i s. LO R R AI N, J ea n - O S en ho r de B o ug re lo n . T r ad . d e Aníb a l Fer na n d es. 1 ª ed . Lis b o a : S i ste ma So l ar , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -0 4 -1 . MC KI M - S MI T H, Gr id le y – L a ú lti ma d écad a: L as me n i na s. I n C ie nc ia e H i st o ria del A rt e : Velá s qu ez e n e l P ra do . Mad r id : M u seo d el P r ad o , 1 9 9 3 . 8 4 -8 7 3 1 7 -2 3 5 . p . 3 5 -4 9 . ME LCHI O R -B O NN E T , Sab i ne - T he M irro r : a H ist o ry . En g la nd : Ro ut led g e, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 8 -0 4 1 5 9 2 2 4 4 7 4 . O LI V AR E S, Ro s a - Re b ecca H o r n : Th e Dr u n ken D eer. Se v il h a : Ce nt r o And al u z d e Ar te Co n te mp o r á n eo , 2 0 0 1 . I SB N 8 4 -8 2 6 6 -2 2 6 -0 . ORT E G A Y G AS SE T , J o sé - Ve lá z q uez. Mad r i d : Re v is ta d o Oc cid e n te , 1 9 5 9 . OS Ó RI O, An tó n io - Ve lázq ue z P i nt a nd o A s M en in a s. I n Ca sa Da s S e me nt e s : po e sia e sco l h ida . Lisb o a : As s ír io & Al v i m, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -3 7 -1 1 5 1 - 6 . p . 1 4 1 142. P AMU K, Or ha n - O R o ma n ci st a Ing én uo e o Sent i me nt a l. L i sb o a : E d ito r ial P r ese n ça, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 3 -4 8 0 1 -0 . P ANO F SK Y, E r wi n – R ef le ct io ns o n H is to r i ca l T i me. I n Cr i ti cal I nq u ir y. C hi ca go . I SS N 0 0 9 3 -1 8 9 6 . 3 0 :4 ( 2 0 0 4 ) 6 9 1 -7 0 1 . 360 — J a n Va n E yc k. I n Le s P ri mi t if s F la ma nd es. P ar i s : Haz a n, 1 9 9 2 . I SB N 2 1 5 0 2 5 -2 6 7 -0 . p . 3 2 5 -3 7 1 . P RO UST , M ar ce l - E m B us ca do Te mpo Per d i do : Do La do de Sw a n n. T r ad . d e P ed r o T a me n. Li sb o a : Re ló gio d ´ Ág u a , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 -7 3 0 -2 . vo l I . — E m B us ca do Te mp o P erd i do : À So mb ra da s ra pa rig a s e m Flo r. I SB N 9 7 2 7 0 8 -7 3 6 -1 . vo l. I I . — E m B us ca do Te mp o P erd i do : O La do de G uer ma nt e s. I SB N 9 7 2 -7 0 8 -7 4 5 -0 . Vo l I I I . R AN CI È RE , J acq u es – O De st i no da s I ma g e ns . T r ad . d e Lu í s Li m a. Li sb o a : Or fe u Ne gr o , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 3 2 7 -1 7 -8 . — O E sp ect a do r E ma nci pa do . T r ad . d e J o s é Mir a nd a J u sto . Li sb o a : Or fe u Ne gr o , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -8 3 2 7 -0 6 -2 . REB O LL AR , Mó ni ca - Las M e ni na s d e E ve S u s s ma n. Lap iz . M ad r id . I SS N 0 2 1 2 1 7 0 0 . 2 2 5 ( J u l ho 2 0 0 6 ) 5 0 -5 3 . RO S SE LL I NI , Ro b er to - La P r i se de Po uv o ir pa r Lo u i s XI V [ R e gi sto víd eo ] . Fi l me r e al izad o p o r Ro s se ll i ni co m 1 9 6 6 . P ar i s: I n st it u te na tio na l d e l á ud i o vi s ue l, 1 9 6 6 . 1 ca s se te v íd eo ( D VD) ( 9 4 mi n.) : co r , so n. SE AR L , J o h n R . - La s Me ni n as a nd t he P ar ad o xe s o f P i cto r ia l Rep r es e nt at io n. I n MI T CHE L L , W . J . T ., e d . - T he La ng ua g e o f I ma g e s. C hi ca go : T he U ni v er si t y o f C hi ca go P r e s s, 1 9 7 4 . I S B N p . 2 4 7 -2 5 8 . SEI DE L, L i nd a - P o et ic F ict io n s ; T he P o wer o f Si g h t. I n J a n V a n Ey c k´ s Ar no lf in i P o rt ra i t : St o rie s o f a n Ico n. C a mb r id ge [ U ni ted St at es] : U ni ver s it y P r es s, 1 9 9 3 . I SB N p . 1 7 1 -2 1 8 e 1 7 1 -2 1 8 . S LOT E RDI J K, P et er – A p r i me ir a p a la vr a d a e ur o p a . I n Có l era e Te mpo : E n sa io Po lit ico - P s ico ló g ico . T r ad . d e Ma n ue l Re se nd e. Li sb o a: Re ló gio d ´Á g ua , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -1 7 4 - 9 . p . 1 1 -2 0 . ST R AT T ON -P RUI T T , S uza n n e, ed . - Ve lá z q uez´ s La s Me ni na s. C a mb r id ge : Ca mb r id ge U ni v er si t y P r es s, 2 0 0 3 . I SB N 0 -5 2 1 - 8 0 4 8 8 -4 . SU S SM AN, E ve ; R UF US CO RP O R AT I ON - 8 9 Seco nd s At A lcá za r . B r o o kl yn , Ne w Yo r k : R u f u s P r e s s, 2 0 0 6 . I SB N 0 -9 7 8 5 9 3 3 - 0 -8 . 361 SY LVE ST E R, Da v id – E nt ret ie n s a v ec F ra n ci s B a co n. T r ad . d e M ic he l Le ir i s. Ge nè ve : S k ir a, 1 9 9 6 . I S B N 2 -6 0 5 -0 0 3 1 6 -7 . ( Li v r o co ns u lt ad o ) VO N D R AT HE N, Do r i s - T he Clo c k o f Re vo l t. I n Th e Co lo ni e s o f B ees Un de r mi n i ng t he mo l e´ s su bv e rs iv e B uc he nw a ld / Re bec ca H o rn. ef f o rt t hro ug h Ti me : C o nce rt for Zur ic h; Ne w Yo r k ; B er l i n : Sc alo : 2 0 0 0 . I SB N 3 - 9 0 8 2 4 7 -2 2 -5 . p . 4 2 -1 0 2 . VO N D R AT H EN, Do r is ; M AD O FF, S te ve n H enr y ; C O RK, R ic h ar d - Re bec ca H o rn M o o n M ir ro r : S it e- Sp ec if ic I n st a ll a t io n s 1 9 8 2 - 2 0 0 5 . K u n st mu s e u m St u g ar t : H atj e Ca n tz, 2 0 0 5 . I SB N 3 -7 7 5 7 -9 1 8 7 - 6 . W I L DE , Os car - T he B i r t hd a y o f t he I n f a nt a. I n Th e B irt h da y o f t h e I nf a n t a a n d O t he r Ta le s. I l u st . d e B en i Mo n tr e so r . Ne w Yo r k : At he ne u m, 1 9 8 2 . p . 3 - 2 4 . W O LF , No r b e r t - D ieg o Velá zq ue z, 1 5 9 9 - 1 6 6 0 : A Fa ce de E spa n ha . Ko l n : T asc he n, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -3 -8 3 6 5 -3 4 3 7 -6 . ZW E I T E , Ar mi n [ et al.] - R eb ecca Horn : Bo d yla nd s ca p e s: De se n ho s , E sc ult ura s, I n st a la çõ e s 1 9 6 4 - 2 0 0 4 . Li sb o a : C e ntr o C u lt ur al d e B elé m, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -8 1 7 6 - 9 5 -3 . De Pistoletto a Ricardo Jacinto – o infinito AG AMB E N, Gio r g io ; P AI X ÃO, P ed r o A. H., ed . – B a rt le by , E s crit a d a Po t ê nc ia : “ B a rt l eby , o u da Co n t ing ên cia ” ; seg ui do de B a rt l eby , o es criv ã o d e H e r ma n M elv ill e . T r ad . d e Ma n ue l Ro d r i g ue s. Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 8 . Ar t e e p r o d uç ão , d is cip li na s e m no me , 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 9 5 -7 . AMM AN N, J e a n - Cr i sto p he - Al ig hie ro B o et t i : Ca t a lo g o G en era le . Mil a no : Elec ta, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 8 8 -3 7 0 -7 1 2 7 -1 . B AS U AL DO , C ar lo s, ed . - M iche la ng elo P i st o l et t o : Fro m O ne t o M a ny , 1 9 5 6 1 9 7 4 . P hi lad e lp hia : P hi lad e lp hi a M u se u m o f Ar t i n a s so ci at io n wit h Y al e U ni ver s it y P r e s s, 2 0 1 1 . I SB N 362 B I RB AUM, Da ni el, ed . e d ir . ar t e s v is u ai s ; VO L Z , J o c h e n - M a ki n g Wo rl ds : Fa re M o n di: 5 3 r d I nt e r na t io na l A rt E x hi bit io n. Ve ni ce : Mar si lio E d ito r i, 2 0 0 9 . Ob r a p ub lic ad a p o r o ca si ão d a 5 3 a B ie n al d e Ve nez a. I SB N 9 7 8 -8 8 - 3 1 7 -9 6 9 6 . 2 vo l . B OR GE S, J o r ge L u i s - A B ib l io t eca d e B ab e l. I n F ic çõ e s . T r ad . d e J o sé Co laço B ar r eir o s. L i sb o a : E d it o r ial T eo r e ma, 1 9 8 9 . I S B N 9 7 2 -6 9 5 -3 3 0 -8 . p . 6 7 -7 7 . B RE T ON , And r é - Le S urr ea l is me e t la P ei nt u re. P ar i s : G all i ma r d , 1 9 6 5 . ( L i vr o co n s u ltad o ) . B UC HO L D, B e nj a mi n ; C HE V RI E R, J ea n - Fr a nço i s ; D AV I D, C at he r i ne - T he P o lit ica l P o t e nt ia l o f Ar t, P ar t 2 . I n D AV I D, Ca t her i ne, CHE V RI E R, J ea n Fr a nço i s, ed s. - Po lit ic s, P o et ic s : Do cu me nt a X, t he bo o k . O st f ild er n - R u it : Ca n tz, co p . 1 9 9 7 . I SB N 3 8 9 3 2 2 9 1 1 6 . p . 6 2 5 -6 4 3 . CE LANT , G er ma no - A rt e P o v era . T o r ino : U mb e r to All e ma nd i, 1 9 8 9 . I SB N 8 8 4 2 2 -0 2 0 6 -1 . CO ST A, F u nd aç ão Car mo na e, ed . l it. ; QU EI R ÓS , J o ão , [ e t a l.] - De se nho . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 7 9 0 - X. C RI ST OV -B AK AR GI E V , Ca r o l yn - T h r us t i n to th e W hir l wi n d : I ta li a n Ar t B e fo r e Ar t P o v er a. I n F L OO D, Ric h ar d ; MO R RI S, Fr an ce s, ed . l it. - Ze ro t o Inf in it y , Art e Po v era 1 9 6 2 - 1 9 7 2 . Lo nd o n : T ate Mo d er n ; Mi n ne ap o li s : W al k er Ar t Ce n ter , 2 0 0 1 . I SB N 0 -9 3 5 6 4 0 -6 9 - X. p . 2 0 -3 9 . — Art e P o v era . Lo n d o n : P h aid o n, 1999. T he mes & Mo ve me nt s. I SB N 9780714834139. D ANT E , Ali g h ier i – I n f er no . I n A D iv i na Co médi a . T r ad . d e Va sco Gr aça Mo ur a. 1 ª ed . Li sb o a : Q u etz al, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -5 6 4 -9 4 2 -8 . C a nto I I I , p . 4 7 -5 3 . DI DI - HUB E R M AN, G e o r ge – O q ue nó s v e mo s , o qu e no s o l ha . T r ad . de Go l go na An g h el e J o ão P ed r o Ca c ho p o . P o r to : Da f ne Ed i to r a , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 9 8 9 -8 2 1 7 -1 2 -7 . F ARI A, Ó sca r - Us ur a E n er g ú me na : “ar te p o ve r a” e cap ita li s mo . Ar te s e Le ilõ es . Lis b o a. I S SN 1 6 4 6 -8 1 3 9 . A.2 : 9 ( 1 9 9 1 ) 4 4 -4 7 . 363 FO CI LL O N, H e nr i - A Vi da da s Fo r ma s : se g ui do d e Elo g i o da mã o . Li sb o a: Ed içõ e s 7 0 , 1 9 8 8 . FO U C AU LT , Mic h el - O f Ot h er Sp ace s. I n D A VI D, Ca t her i ne, CH E V RI E R, J e a n Fr a nço i s, ed s. - Po lit ic s, P o et ic s : Do cu me nt a X, t he bo o k . O st f ild er n - R u it : Ca n tz, co p . 1 9 9 7 . I SB N 3 8 9 3 2 2 9 1 1 6 . p . 2 6 2 -2 7 2 . FU ND AÇ ÃO C AL O US T E GU LB E NKI AN, C en tr o d e Ar te Mo d er n a J o sé d e Azer ed o P er d i gão , ed . lit . - P r é mio d e Art es Plá st ica s U niã o La t i n a . L isb o a: F u nd aç ão C alo u st e G ul b en k ia n : Ca i xa G er a l d e Dep ó si to s , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 - 6 3 5 1 6 6 -9 . J ACI NT O, Ri car d o – Ri ca rdo J a ci nt o : Se le ct e d W o r ks ( s it e o fi cia l) [ E m Li n h a] . Lis b o a. [ Co n s ul tad o a 1 0 d e Ago sto d e 2 0 1 2 ] . D isp o n í ve l e m W W W :< ur l : h ttp :// www. r icar d o j ac i nto .co m/ J ACI NT O, R icar d o ; R OQ UE , C ar lo s - Co n v e r sa e n tr e S ér gio T ab o r d a, Ri car d o J aci nto , C ar lo s Ro q ue e An d r é G u ed e s. I n G UE D E S, And r é; Fa lcão , P ed r o , co n cep . - A 2 o i s. V ila Ve l ha d e Ro d ão : Ce n ta, 2 0 0 5 . p . 2 0 - 3 7 . I SB N 9 7 2 -9 8 3 6 6 - 1 -2 . K AFK A, Fr a nz – P r o me te u. I n Co nt o s. S ele c. e p r o l. d e J o r ge Lu i s B o r ge s, tr ad . d e I sab el Ca str o Si l va. 1 ª ed . Li sb o a : R eló g io D ´Ág u a Ed ito r e s, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 7 0 8 -8 6 8 -6 . p . 4 1 . LE W I S ON, J er e m y ; AUP I N G, M ic ha el ; GI E LE N, P as ca l - M iche la ng elo Pis t o let t o : M irro r P a i nt i ng s. Ger ma n y : Ha tj e C a ntz Ve r la g , 2 0 1 1 . I S B N 9 7 8 -3 7 7 5 7 -2 6 9 6 -2 . M AR CH AN D, B r u no - Si n cr o nia e D u al is mo . I n Rica rdo J a ci nt o : O Co rre do r. Lis b o a : C ul t ur ge st, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -7 6 9 -0 7 4 -9 . p . 3 -8 . ME R Z, B ea tr i ce, ARI OT T I , Ser g io – Art e P o v era [ R e gi sto v íd eo ] . T o r ino : Ho p e f ul mo ns ter , 2 0 0 0 . I SB N 8 8 7 7 5 7 1 2 4 1 . 1 ca ss ete ( V HS) : co l., so n. + 1 b r o ch u r a. MO LDE R, J o r ge ; CH E V RI E R, J ea n - Fr a n ço i s ; P E RN E S, Fer na nd o [ et. al .] - M ichela ng e lo P ist o let t o et la Fo t o g ra f ia . P o r to : F u nd aç ão d e S er r al v es ; Ro t ter d a m: W it te d e W it h, Ce n tr u m vo o r Hed end aa g se K u ns t, 1 9 9 3 . I SB N 9 0 7 3 3 6 2 -2 4 -5 . 364 MO L DE R, J o r ge, p r e f. ; AM ADO, M i g ue l, i ntr o d . - 7 Art i st a s a o 1 0 o mê s . Li sb o a : F u nd ação Calo u s te G ulb e n k ia n, Ce ntr o d e Ar t e Mo d er na J o sé d e Az er ed o P er d i gão , 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -6 3 5 -1 4 8 -0 . MU SÉE D ´ ART MO DE RN E ET D ´ART CO N T E MP OR AI N - Art e P o v era le s M ult ip le s : 1 9 6 6 - 1 9 8 0 . Nic e : M u sée d ´ar t mo d e r ne et d ´ar t co n te mp o r a i n, 1 9 6 6 . MU SÉ E D 'ART CO N T E MP OR AI N DE LY ON, ed . lit . ; P I S T OLET T O, Mic h ela n g elo – M ich el a ng e lo P i st o l et t o : Co nt i ne nt i di T e mp o , Co nt i ne nt s o f Ti me . P ar i s : Ré u n io n d e s M u sé e s N at io na u x ; Lyo n : M u sé e D ´Ar t Co n te mp o r a i n, 2001. N ANC Y, J ea n - L u c - T he I no p e r at i ve Co m mu n it y. I n B I S HOP , Cl air e , ed . li t. – Pa rt ic i pa t io n. Lo nd o n , W hi te c hap e l, M as s ac h u s set s : T he MI T P r es s, 2 0 0 6 . Do c u me n t s o f Co nt e mp o r ar y Ar t. I SB N 9 7 8 - 0 -2 6 2 -5 2 4 6 4 -3 . p . 5 4 -7 0 . OB RI ST , Ha n s Ulr ic h - M ichela ng e lo P i st o l et t o [ E m Li n h a] . Ger ma n y : Ar t B a sel Co n ver sa tio n s [ Co n s u lta d o a 1 3 d e J u l ho d e 2 0 1 3 ] . Di sp o n í ve l e m W W W :< ur l : h ttp :// v i me o .co m/1 7 4 2 2 4 2 1 No ta : e nt r e vi s ta d e Ob r i st a P i s to l etto , co m d ur a ção d e 1 hr e 1 0 mi n, r ea liz ad a a 2 d e De ze mb r o d e 2 0 1 0 . P ESS O A, Fer n a nd o – T ab acar ia. I n Fe rna n do Pes so a : U ma A nt o lo g i a . I lu s t. p o r P ed r o P r o en ça. Mato s i n ho s : Ka la nd r a k a Ed ito r a, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 8 2 0 5 -3 2 -2 . p . 3 7 -4 2 . P I N A, Ma n u el An tó nio – T alvez d e no i te. I n T o da s a s Pa la v ra s : po e sia r eu ni da ( 1 9 7 4 -2 0 1 1 ) . 1 ª ed . Li s b o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -0 - 7 9 2 9 3 -8 . p . 3 6 1 -3 6 4 . P I ST OLE T T O, Mic h el a n ge lo – M ic he la ng elo P is t o let t o : T he Th ir d Pa ra di se . Ve ni ce : M ar s il io , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -8 8 -3 1 7 -0 6 4 9 -0 . — M ich ela ng e lo P i st o l et t o ( si te o f ic ial ) [ E m L in h a] . I tá li a. [ Co n s ul ta d o a 2 6 d e Ag o s to d e 2 0 1 2 ] . D i sp o ní v el e m ww w: < ur l: h ttp :/ / www. p is to l et to .i t/ S AR DO, De l fi m – F ur t h ur . T e ste e Co mu n id a d e n a o b r a d e R ic ar d o J aci nto ; B ar r o co e p er fo r ma n ce na o b r a d e Ri car d o J aci n to . I n A V isã o e m Ap neia : E scr it o s so br e a rt ist a s . L i sb o a : B ab el , At h e n a, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 3 1 -0 0 1 6 -5 . p . 3 5 1 -3 6 1 e 3 6 3 -3 7 6 . 365 — A p r o p ó si to d e u ma e sc u lt ur a d e R ica r d o J aci nto co m u ma B i cic le ta e u ma Fac a. I n B AR RO S, An tó nio , co o r d . - Al q ui mia s do s P e n sa me nt o s d a s Art es : E nco nt ro s d e Art es . C o i mb r a : As so cia ção N acio na l d e Far má ci as , 2 0 0 0 . I SB N 9 7 2 -9 8 5 7 9 -7 -0 . p . 1 4 8 -1 4 9 . T AR ANT I NO, M ic h ael – Más D i fí ci l q u e s o ñar : u n d iá lo go i ma g in ár io co n Mic h ela n g elo P i sto le tto . I n J O RQ UE N A, An n a J i mé n ez ; T ET AS, An na, co o r d . M ichela ng e lo P i st o let t o . B ar celo n a : Ac tar : Macb a , 2 0 0 0 . I SB N 8 4 - 9 5 2 7 3 -2 7 -6 . p . 7 -1 5 . T AV AR E S, Go n çalo M. – O Sen ho r Ca lv i no . De se n ho s d e Rac h el Ca i ano . 2 ª ed . Lis b o a : E d i to r i al C a mi n ho , 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 7 6 0 -2 . — O Se n ho r J ua rro z. Des e n ho s d e R ac he l Ca ia no . 2 ª ed . Li sb o a : Ed i to r ia l Ca mi n h o , 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 6 5 7 -6 . — O Se n ho r Va l éry . De se n ho s d e Rac h el C a ia no . Li sb o a : Ed ito r ia l C a mi n ho , 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -2 1 -1 4 7 0 -0 . VI D AL , Car lo s - O s f acto s i n ici ai s tr aze m c o n si go a s s ua s Or i ge n s . Ar te s & Lei lõ e s . L isb o a. I S SN 1 6 4 6 -8 1 3 9 . 2 : 9 ( 1 9 9 7 ) 4 2 -5 1 . VI L ADE RJ O , Car lo s – Co nt e mp o ra ri es : Th e Q ue st f o r r ea l it y [ Re g i sto víd eo ] . [ S.I .] : T h e Ro l a nd Co l l ect io n, [ s.d .] . 1 ca s se te ( VH S) ( 5 3 mi n ) : co r , so n. W AR D, F r az er , ed . - V it o Acco nc i. Lo nd o n ; Ne w Yo r k : P h aid o n P r es s, 2 0 0 2 . I SB N 0 -7 1 4 8 - 4 0 0 2 -5 . ( L iv r o co n s ul tad o ) . De Marina Abramovic a Cecília Costa – a imobilidade AB R AM OVI C , Ma r i na - Mar i na Ab r a mo v ic St ate me nt s // 1 9 9 2 . I n MO R LE Y, Si mo n ; B L AZ W I CK, I wo na, ed s. - Th e Su bl i me . L o nd o n : W hi t ec hap e l Ar t Gal ler y, Ne w Yo r k : T he MI T P RE SS , 2 0 1 0 . Do c u me n t s o f Co nte mp o r ar y Ar t. I SB N 9 7 8 -0 - 8 8 4 -8 8 1 7 8 - 9 . p . 2 1 2 . — Th e Ar t i st i s P re se nt [ E m li n h a] . No v a I o r q ue : Mo ma [ Co n s ul ta d o a 1 6 d e J ul ho 2 0 1 3 ] . D i sp o ní ve l e m W W W :<U R L : ht tp : // www. mo ma .o r g/ i nter ac ti ve s /e x hib it io n s/2 0 1 0 / mar i n aab r a mo v ic 366 AK UT AG AW A, R yu n o s u ke - Ra s ho mo n e O u t ra s H i st ó r ia s. T r ad . d e V ir gí lio T enr ei r o V i se u. L i sb o a : Ca v alo d e Fer r o , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 2 3 -1 5 3 - 8 . ART AUD, An to n i n - O Tea t ro e o se u D up lo . P r ef. d e Ur b a no T avar e s Ro d r i g u e s e tr ad . d e Fi a ma Ha s se P ais B r a nd ão . [ Li sb o a] : Mi no ta ur o , [ 1 9 - ] B I E SE NB AC H, K la u s, ed . - M a rina A bra mo v ic : Th e Ar t i st i s P re se nt . N e w Yo r k : T he M us e u m o f Mo d er n Ar t, co p . 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -0 - 8 7 0 7 0 -7 4 7 - 6 . B I ESE NB AC H, K la u s ; I LE S, Cr is s ie ; ST I LE S, Kr is ti n e, ed s . - M a ri na Ab ra mo v ic . Ne w Y o r k : P ha id o n P r e ss , 2 0 0 8 . I S B N 9 7 8 -0 -7 1 4 8 -4 8 0 2 -2 . C AL H AU, F er na nd o ; S AR DO , Del f i m ; VEI G A, Mar g ar id a [ te xto s d e] - O C erco : a rt e co nt e mp o râ nea . L i sb o a : Mo d u s Op er a nd i, 1 9 9 3 . C AR LO S, I sab e l - O n Rea so n a nd E mo t io n. I n CO ST A, I sab e l, ed . lit . - O n Rea so n a nd E mo t io n : B ien na l e o f Si d ney 2 0 0 4 . S yd ne y : B i e nal d e S yd ne y, 2 0 0 4 . p . 2 4 -2 7 . DU DE N, An n e - E s f i n g e – Atr á s d a s Gr ad e s. I n Po e ma s do De sa s so s s eg o . T r ad . e o r g. d e J o ão B a r r e nto . [ L is b o a] : I n st it u to Ca mõ es, 1 9 9 9 . p . 4 5 -5 1 . GEN ET , J ean - No Se nt ido da No it e . T r ad . e ap r es. d e An íb a l F er na nd e s. L i sb o a : Si st e ma So lar , 2 0 1 2 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -0 8 -9 . I L E S, C h r i s sie , ed . - M a rina A bra mo v i c : o bj ec t s pe rf o r ma nce v ide o so u nd . O x fo r d : M u se u m o f Mo d er n Ar t St u tt g ar t, Ge r m an y : Ha n sj o r g M a yo r , 1 9 9 5 . I SB N 0 -9 0 5 8 3 6 -8 8 - X. K AFK A, Fr a nz - U m Ar ti st a d a Fo me . I n Co n t o s. S ele c. e p r ó l. d e J o r ge L u i s B o r ge s, tr ad . d e I sab el Ca s tr o S il v a. Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 7 0 8 -8 6 8 -6 . p . 1 9 -3 1 . LU C AS, I sab el - P a ul Au s ter : U m M u nd o F eit o a Ca mi n h ar . P úb lic o . I SS N 0 8 7 2 1 5 4 8 . Lisb o a . S up l e me nto d o j o r n al P úb l ico i n t it ul ad o Í p s ilo n ( 3 1 Ago s t. d e 2 0 1 2 ) 1 8 -2 1 . McE VI L LE Y, T ho ma s - Dio ge n es o f Si no p e, Se l ected P er fo r ma nc e P iec e s ( 1 9 8 3 ) ; Ar t i n T h e Da r k ( 1 9 8 3 ) . I n W AR R, T r ac e y ; J ONE S, A mel ia, ed s . - T he A rt i st ´ s B o dy . Lo nd o n : P ha id o n , 2 0 0 0 . I SB N 0 -7 1 4 8 -3 5 0 2 -1 . p . 2 1 0 e p . 2 2 2 -2 2 7 . 367 OB RI ST , Ha n s U lr i c h - Mar i na Ab r a mo v ic . I n B OUT OU X, T ho ma s, ed . - H a n s Ulr ic h O b ri st : I nt erv i ew s. Mi la n : E d i zio n i C har ta, Flo r e nce : Fo nd a zio ne P it ti I mma g i n e D is co ver y, co p . 2 0 0 3 . I SB N 8 8 -8 1 5 8 - 4 3 1 - X. p . 2 9 -4 4 . OB RI ST , H a n s U lr i c h ; O R RE L L , P a ul a - I nte r v ie w wi t h Mar i na Ab r a mo v ic . I n OR R E L, P a ul a, ed . - M a rina A bra mo v ic : T he F ut ure o f P erf o r ma ce Art. Mu n ic h [ et c.] : P r e ste l, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -3 -7 9 1 3 - 5 0 2 8 -8 . p . 6 0 -6 3 . O LI V EI R A, F il ip a - O De s faz er d a Má sc ar a. L + Ar te . Li sb o a. 3 0 ( 2 0 0 6 ) 8 2 -8 3 . P I J N AP P E L , J o ha n, ed . lit . - M a rina A bra mo v i c : Cl ea n ing t he H o u se . Lo nd o n : Acad e m y E d it io ns, 1 9 9 5 . I SB N 1 -8 5 4 9 0 -3 9 9 -3 . P I NH AR AN D A, J o ão L i ma [ e t al .] – Po rt u g a l : Alg u ma s F ig u ra s/ A lg una s Fig u ra s. L i sb o a : Gab i n ete d a s Re la çõ e s C u lt ur ai s I n ter na cio n ai s d o Mi ni s tér io d a C ul t ur a, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -7 5 8 -0 1 8 -1 . — II B ie na l d e F o t o g ra f ia . V il a Fr a nc a d e Xir a : Câ mar a M u n ic ip a l, 1 9 9 1 . P UL I MO O D, S te ve - T h e M ist re s s o f M et a phy s ic s [ E m L i n ha] . B er li n , Ger ma n y : Sle e k M a gaz i ne. [ Co ns u ltad o e m Dez e mb r o d e 2 0 1 2 ] . Di sp o n í ve l e m W W W :<U R L: h ttp :/ / ww w. s le e k - ma g. co m/p r i nt - f ea t ur e s/2 0 1 2 /1 0 / t he - mi s tr e s s -o f - me tap h ys i c s/ RO SE , Hea t her - Si tt i n g wi t h Mar i na. Ar t & Au s tr a lia . Au s tr a li a. I S SN 0 0 0 4 3 0 1 X. 4 9 : 3 ( 2 0 1 2 ) 4 5 0 - 4 7 5 . S AR DO, D el f i m – Ma r i n a Ab r a mo vi c : No P lac e L i ke Ho me . I n A V isã o e m A pn eia : E scr it o s so b re Art i st a s. L isb o a : B ab el , 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 - 9 8 9 -3 1 -0 0 1 6 -5 . p . 2 7 6 282. — M e mó r i a e F u t ur o . I n 5 Art i st a s no M i ni st é r io da E co no mi a e da I n o v a çã o . Lis b o a : M i ni st ér io d a E co no mi a e d a I no vaç ão , 2 0 0 6 . p . 1 9 -2 0 . — M ar i n a Ab r a mo vi c : A n si ed ad e : I l u mi na ção . A r te I b é r ic a . Li sb o a. I S S N 0 8 7 3 5 7 0 0 . 2 ( j an . - fe v . 1 9 9 7 ) 1 3 -1 8 . SE B AL D, W . G. – A u st e rli t z. T r ad . d e T el m a Co s ta. 1 ª ed . L i sb o a : Q uet za l Ed ito r es , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 5 1 -7 . SI LV A, R u i Car v al ho d a - Mar i na Ab r a mo v ic . L + Ar t e . Li sb o a. 7 5 ( 2 0 1 0 ) 3 2 -3 5 . 368 S LOT E RDI J K, P ete r - G ab i ne te d o s C í nico s. 1 . Dió ge n es d e Sí no p e – H o me m- cão , f iló so fo , Zé - n i n g ué m. I n Cr ít i ca da Ra zã o C í nic a . T r ad . d e Ma n u el R es e nd e. Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 6 4 1 -2 5 0 -0 . p . 2 0 9 -2 2 4 . SU C HI N, P ete r [ e t a l.] – B a g in s ki : Ev a B e ns a s so n, Ce cí lia Co st a , J o ã o Pa u lo Sera f i m, Da n ie l M a lhã o . Li sb o a : Gal er i a B a gi n s ki, 2 0 0 5 . T OSC AN O, M ar t a - Ma r i na Ab r a mo vi c : e n g o li r a d o r . I n P a r a Alé m d o s Li mi te s : Sad e e Ar te Co nt e mp o r ân ea . L isb o a : [ s. n .] , 2 0 0 6 . 1 4 6 f. T ese d e m es tr ad o e m Est u d o s C ur a to r ia i s, F ac uld ad e d e B e la s - Ar t es d e L i sb o a, co m o r i en taç ão d a P r o fe s so r a Cr i st i na Aze ved o T avar e s. p . 8 1 -8 7 . T OUR NI E R, Mic h el - L a Dr o ite et la Ga uc h e. I n Le M iro ir de s I dée s . Fr a n ce : Fo l io , 1 9 9 6 . I SB N 9 7 8 -2 -0 7 -0 4 0 1 0 5 -5 . p . 1 5 2 -1 5 4 . V AN D U RME , Ve er l e - M a ri na A bra mo v i c / U la y : Nig ht sea Cro ss i ng : Perf o r ma nce . Li sb o a : F u nd aç ão C alo u st e G u l b en k ia n, Ce n tr o d e Ar t e Mo d er na, 1985. W E S COT T , J a me s - W he n M a rina Ab ra mo v i c Die s : A B io g ra phy . Ca mb r id ge, Ma ss ac h u se tt s ; Lo nd o n : T he MI T P r es s, co p . 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -0 -2 6 2 -2 3 2 6 2 -3 . De Rui Calçada Bastos a Robert Smithson – o movimento AL B E RT O - O Anj o M udo . 2 ª ed . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 1 . I S B N 9 7 8 -0 2 6 2 -2 3 2 6 2 -3 . AL C AI DE , J e s ú s - De sd i buj a do s. Có r d o b a : F u nd ac ió n P r o vi n ci al d e Ar te s P lás ti ca s Ra fa el B o tí , co p . 2 0 1 0 . AL H AD E F F, Alb er t - T he Ra f t O f Th e M ed usa : G éri ca u lt , Art , a nd Ra c e . Mu n ic h [ et c.] : P r e ste l, 2 0 0 2 . I SB N 3 -7 9 1 3 -2 7 8 2 -8 . ( Li vr o co n s ul tad o ) . ALME I D A, B er n ar d o P in to d e - I ma g e m d a R uí n a. I n I ma g e m d a Fo t o g ra f ia . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 1 8 0 -4 . p . 6 6 . 369 AN DR ES E N, So p h ia d e Mel lo B r e yn e r - O C a v a lei ro da Di na ma r c a . P o r to : Fi g u eir i n ha s, 1 9 7 4 . AR NH EI M, R ud o l f - Ar t e e E ntr o p ia: E n s aio so b r e a De so r d e m e a Or d e m. I n P a ra u ma P si co lo g ia da Art e , En sa io s. A rt e e E nt ro pia : E n sa io so br e a D eso r de m e a O rd e m. Li sb o a : Di n a li vr o , 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 -5 7 6 -1 1 9 -7 . p . 2 5 9 -3 0 0 . B AR NE S, J u li a n – Na u fr á g io . I n A H i st ó ria do M undo e m 1 0 Ca pí t ulo s e ½ . T r ad . J o sé Vie ir a d e L i ma . L isb o a : Q ue tza l, 1 9 9 0 . p . 1 3 1 -1 5 8 . B AR R O, Da v id - V id e o cr eac ió n e n P o r t u g al : U n N ue vo Ac ad e mi c is mo ? Lap iz . Mad r id . I S S N 0 2 1 2 -1 7 0 0 . 1 9 5 ( J u l ho d e 2 0 0 3 ) 2 0 -3 5 . B AUD E L AI R E , C har le s - Mo e s ta E t Er r ab u nd a ; Vo ya g e. I n A s F lo r e s do M a l . T r ad ., p r ef ., cr o no lo gia e no ta s F er na nd o P i n to d o A mar a l. 4 ª ed . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 3 0 5 - X. p . 1 7 3 -1 7 5 e 3 1 9 -3 3 1 . B EC KE R, Kat hr i n - C ad a N u ve m te m l e nçó i s d e p r ata : a l g u n s a sp ec to s d a o b r a d e R ui C alç ad a B a sto s. Dar d o Ma gaz i ne . Sa n tia go d e Co mp o s tel a. I SS N 1 8 8 6 -0 8 9 3 . 7 ( Fe v. - Ma io d e 2 0 0 8 ) 1 0 4 -1 1 9 . B OI S, Y ve - Al ai n ; K R AU SS , Ro s al i nd , ed s. – F o r ml e s s : A Us er´ s G ui de . Ne w Yo r k : Zo ne B o o k s; Lo n d o n : T he MI T , 1 9 9 7 . I S B N G U L B OR GE S, J o r ge L u is - O Mo n str o Aq uer o n te. I n O Liv ro do s Ser es I ma g i ná r io s. T r ad . d e Ser a f i m F er r e ir a. 2 ª ed . Li sb o a : T eo r e ma , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -6 9 5 -8 9 1 8 . p . 1 4 3 -1 4 4 . — Her a cl ito . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s Co mp l et a s. I SB N 9 7 2 -6 9 5 - 3 5 3 -7 . vo l . III, p. 359. B OT T ON, Al ai n d e – D o s ub l i me . I n A A rt e d e V ia j a r. T r ad . d e M i g ue l Ser r a s P er eir a. 2 ª ed . L isb o a : D. Q u i xo t e, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 - 2 0 -2 6 7 0 -4 . P . 1 5 5 -1 7 6 . B RU N, J e a n – Her acl ito . I n O s P ré- So crá t ico s. T r ad . Ar mi nd o Ro d r i g u e s. Li sb o a : Ed içõ e s 7 0 , 1 9 9 1 . I SB N 9 7 2 -4 4 -0 5 7 3 -7 . p . 4 1 -5 6 . C AMP I N O, C ata r i na - Co r p o d e T r ab alho : R ui Ca lçad a B as to s . Ar te I b ér i ca . Lis b o a. I S SN 0 8 7 3 -5 7 0 0 . 4 4 ( Mar ço d e 2 0 0 1 ) 3 0 -3 1 . 370 C ANO G AR , Da n ie l - T h e P lea s ur e o f R ui n s. E x i t . Mad r id . I SS N 1 5 7 7 -2 7 2 1 . 2 4 :2 4 ( 2 0 0 6 ) 3 8 -4 5 . C AR R O L L, L e wi s - A Ca ça a o S na r k. De se n ho s d e He nr y Ho lid a y ; tr ad . d e Ma n ue l Re se nd e . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 7 8 7 - X. C AST E LO , M ar i a J o s é Vel a yo s - E l T ie mp o Cr ead o r . L ap i z . Mad r id . I SS N 0 2 1 2 1 7 0 0 . 1 7 5 : 2 0 ( J u l ho -De z. 2 0 0 1 ) 2 4 -3 5 . CE ND R AR S, B la i se - F o lha s de Via g e m. S ele c ., tr ad . e no ta s L ib er to Cr uz . 1 ª ed . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 5 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 9 9 4 -5 . CH EV AL I E R, J ea n – R io . In Di cio ná r io do s S í mbo lo s : M it o s, So nho s, Co st u me s, Ge st o s, F o r ma s , F ig ura s, Co re s, N ú me ro s. T r ad . Cr is ti n a Ro d r i g ue s, Ar t ur G uer r a. [ L i sb o a] : Cír c u lo d e Le ito r e s, 1 9 9 7 . I SB N 9 7 2 -4 2 -1 5 5 9 -8 . p . 5 6 9 570. CI T AT I , P ier r e - P ar mi g gi a ni ´s Sea o f I ce. I n AL MI C, S yl v ai n, ed . l it . - Cla ud io Pa r mi g g ia no , Na uf ra g io co n S pet t a t o re . Mi la no : Si l va na , 2 0 1 0 . I SB N 9 - 7 8 8 8 3 6 -6 1 8 6 2 0 . p . 1 5 3 . CI XO US, Hél é ne - T he P up il. I n Ro ni H o rn . Ri ng s o f Li s pect o r ( A g ua Viv a ) . Lo nd o n : Ha u ser & W ir t h, co p . 2 0 0 5 . I SB N 3 -8 6 5 2 1 -1 4 9 -6 . p . 5 8 -6 2 . CO OK E, L yn n e , ed . - A P o si tio n o f E l se wh er e. I n Ro b ert S mit h so n S pi ra l J et t y : Tr ue F ict io ns, F a l se Rea l it i es . Ne w Yo r k : Dia Ar t Fo u nd a tio n ; B er k el y; Lo s An g el es ; Lo nd o n : U ni v er s it y o f Ca li fo r n ia P r e s s, 2 0 0 5 . I SB N 0 -5 2 0 -2 4 5 5 4 -7 . p . 5 2 -6 9 . CO OK E , L yn n e ; GO D F RE Y , Mar k ; R AT T EMEYE R , C hr i st ia n, ed s. - A lig hi ero B o et t i : Ga me P la n. N e w Yo r k : T he M u se u m o f Mo d er n Ar t ; Mad r i d : Mu s eo Nac io nal Ce n tr o d e Ar t e Rei n a So fi a; Lo nd o n : T ate P ub l is h i n g, co p . 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -0 -8 7 0 7 0 -8 1 9 -0 . CO UT I NH O, L il ia n a - E n Vo y a g e. P ar is : L e P la tea u, 2 0 0 6 . D AVI E S, Ke it h F. - Cl a ren ce J o hn La ug h li n : Vi sio na ry P ho t o g ra p her . Ka n sa s Ci t y, Mi s so ur i : Hal l mar k Ca r d s, 1 9 9 0 . I SB N 0 -8 7 5 2 9 -6 2 9 -7 . 371 DE M AI ST R E, Xa v ier - V ia g e m à Ro d a d o M eu Q uar to . I n V ia g e m à Ro da do M eu Q ua r t o S eg ui do de O Le pro so da C ida de de Ao st a . T r ad . d e Cé li a He nr iq u e s. L isb o a : & E tc, 2 0 0 2 . p . 1 9 -1 1 4 . F AU RE, É li e - P a ul Cé za n ne, po r É lie F a u re ; seg ui do de O qu e Ele M e Dis se … po r J o a c h i m G a s q uet. T r ad . d e Aníb al Fer n a n d es. 1 ª ed . L i sb o a : Si st e ma So la r , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 5 6 6 -1 6 -4 . F L AM, J a c k, ed . - Ro bert S mi t h so n : Th e Co l lect ed W rit ing s. B e r ke l y : T h e U ni ver s it y o f Cal i fo r ni a P r es s, 1 9 9 6 . I SB N 0 -5 2 0 -2 0 3 8 5 -2 . GOM E S , P in h ar a nd a - Her a cl ito d e É fe so . I n Filo so f ia G reg a Pr é - So crá t i ca . 4 ª ed . Li sb o a : G ui ma r ã es E d ito r es , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 - 6 6 5 -1 3 2 -8 . p . 1 1 4 -1 2 6 . GR I M AL , P ier r e – Aq ue r o n te; L et e. I n D icio ná r io da M it o lo g ia G reg a e Ro ma na , co o r d . d e Vic to r J ab o ui l le. 5 ª ed . Li sb o a : Di f el , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -2 9 -0 9 2 6 /0 9 . p . 3 5 e 2 7 4 -2 7 5 . H AL DEM AN N, An i ta ; D O RO SH EN KO, P ete r ; G RO VE, J e f f tr e y D., ed s. M icha el B o rre ma ns : Zeic h nu ng e n/ T e ken ing en /Dra w i ng s. Cl e ve la nd : Cl e ve la n d Mu s e u m o f Ar t, 2 0 0 5 . I SB N 3 -8 8 3 7 5 -8 3 2 -9 . HE RM AN N, L u k e – T u rne r : Pa i nt i ng s, Wa t e rco lo ur s, Pri nt s & Dr a w ing s . 2 ª ed . O x fo r d : P ha id o n, 1 9 8 6 . I SB N 0 -7 1 4 8 -2 4 2 0 - 8 . HO FM AN N, W er ner - Ca s pa r Da v id Fr ie dr i ch. Lo nd o n : T ha me s & H ud so n, 2 0 0 0 . I SB N 0 -5 0 0 -0 9 2 9 5 -8 . HO RN , Ro ni - A no t h er Wa t er ( Th e R iv er T ha me s , f o r E xa mp l e) . Z ur ic h ; B er l i n ; N e w Yo r k : S calo , 2 0 0 0 . I SB N 3 -9 0 8 2 4 7 -2 5 - X. I GG Y P OP AN D T HE S T OOGE S – Th e P a s se n g er [ Re g i sto mu s ic al] . [ E m L i n ha] . Yo u T ub e [ Co n s u lt ad o e m 1 0 d e J ul ho d e 2 0 1 3 ] . Di sp o ní v el e m W W W :<U R L : ht tp : // www. yo ut ub e.co m/ wa tc h? v = y4 hP n Z UMB wA I SH ERW OO D, C hr is to p her - M i st er No r ri s M uda de Co mbo io . T r ad . d e L ucí li a Fi lip e . L isb o a : Q ue tza l E d ito r es , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 4 5 -6 . J ENSE N, J e n s C hr is ti a n - El Océ a no G lac ia l. I n Ca s pe r Da v i d Fr ie dri c h, V i da y O bra . B ar ce lo na : B l u m e, 1 9 8 0 . p . 1 8 8 -1 9 1 . 372 K ANT , I mma n u el - S e g u nd o Li v r o : An al ít ica d o Sub li me. I n Cr ít ica d a Fa cul da de do J uízo . I ntr o d . d e An t ó ni o Ma r q ue s; tr ad . e n o ta s d e An tó n io M ar q ue s e Va lér io Ro d he n. L i sb o a : I mp r e n sa N acio n al Ca sa d a Mo ed a, 1 9 9 2 . I SB N 9 7 2 -2 7 -0 5 0 6 -7 . p . 1 3 7 -1 7 9 . K AW AB AT A, Y a s u mar i - Te rra de Nev e. T r ad . d e Ar ma nd o d a S il v a C ar v al ho . 1 ª ed . Li sb o a : D. Q ui xo te, 1 9 6 8 . KR AU S S, Ro sa li nd – Sc ulp t ur e i n t he E xp a nd ed Fi eld . I n FO ST E R , H al, ed . - T he Ant i- A es t h et ic : E ssa y s o n P o st mo der n C ult ur e . Se att le : B a y P r e s s, 1 9 9 3 . I SB N 0 -9 4 1 9 2 0 -0 2 - X. p . 3 1 -4 2 . — T he Do ub le Ne ga ti v e: a Ne w S yn t a x fo r S cu lp t ur e. I n Pa s sa g es i n M o der n Sc ul pt ure. Ca mb r id ge : T he MI T P r e ss, 1 9 8 1 . p . 2 4 3 -2 8 8 . KR E ME R, B o r is , ed . l it. - R ui Ca lça da B a st o s : Se lect ed Wo r ks . B er li n : K u ns tl er ha u s B e t ha n ie n, co p . 2 0 0 3 . L. R OB E RT S, J en n i fer - M irro r- T ra v el s : Ro bert S mit h so n a nd H is t o ry . Ne w Ha ve n ; Lo nd o n : Yal e U ni ver s it y P r e s s, 2 0 0 4 . I SB N 0 -3 0 0 -0 9 4 9 7 -3 . L AW RE N C E , J o h n H. ; B R ADY , P atr i ci a, ed s. - H a unt er o f R ui n s : Ph o t o g ra p hy o f Cla re nce J o h n La ug hl in . B o s to n : A B u l fi n c h P r e s s B o o k, 1 9 9 8 . LE I G HT ON, J o h n - Ca s per Da v i d F ri ed ri ch : Wi nt e r La n d sca pe. L o nd o n : T he Nat io na l G al ler y, 1 9 9 0 . LI NGW OO D, J a me s - O P eso d o T e mp o . I n B ern d & H i lla B ec h er, Ro be rt S mi t hso n : F iel d Tr ip s , P o r to : F u nd a ção d e S er r al v es , 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -7 3 9 -0 9 9 4 . p . 8 -1 7 . M AG RI S, Cla ud io – D a nú b io . T r ad . Mi g u el Ser r as P er e ir a. Li sb o a : Q u et zal , 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -5 6 4 -8 4 3 -8 . M ALLAR M É , St ép ha ne – Her o d íad e. I n Po e s ia s. T r ad ., p r e f. e no t as d e J o sé Au g u s to Seab r a. L i sb o a : As sír io e Al v i m, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 8 1 -7 . p . 7 2 -8 7 . MEDI N A, C ua u ht é mo c ; F ER GU S SO N, R u s sel l ; FI S HE R, J ea n , ed s. - F ra n ci s Aly s. Lo nd o n : P ha id o n P r es s, 2 0 0 7 . 373 ME LV I LLE , H er ma n - O I ceb er g u e ( u m so n ho ) . I n Po e ma s . T r ad . d e Már io Av ela r . Lis b o a : As sír io & Al v i m, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 3 7 -1 3 5 7 -2 . p . 5 4 -5 7 . MI LLI E T , M ar i a Ali ce - Ly g ia C la r k : O bra - T r a j ect o . São P a u lo : ED U SP , 1 9 9 2 . N AZAR É , L eo no r - R ui C al çad a B as to s. I n De ns i da d e Re la t iv a . Li sb o a : F u nd aç ão Ca lo us te G ulb en k ia n, C e ntr o d e Ar t e Mo d er na J o sé d e Azer ed o P er d i gão , 2 0 0 5 . p . 1 7 8 -1 7 9 . NI ET ZS CH E , Fr ied r ic h - A F ilo so f ia na É po ca Trá g ica do s Greg o s. Li sb o a : Ed içõ e s Se te n ta, 1 9 8 7 . O ´C O NN O R, Fl a n ner y - O R io . I n U m B o m H o me m É Dif íc il d e E nco nt ra r . 1 ª ed . Lis b o a : Ca va lo d e Fer r o , 2 0 0 6 . I SB N 9 8 9 -6 2 3 - 0 1 4 -5 . p . 2 7 -4 7 . P LAT H, S yl v i a - P ela Ág ua . T r ad . d e Mar ia d e Lo ur d es G u i mar ã e s . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 1 9 9 0 . E d ição b i li n g ue . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 2 5 4 -1 . P RÉ MI O DE ART E S P L ÁST I C AS U NI ÃO LAT I N A, 6 º ; F u nd açã o C alo u st e G ulb e n k ia n, Ce n tr o d e Ar te Mo d er na J o sé d e Azer ed o P er d i gão , ed . lit . - P ré mi o de Art es P lá st ica s Un i ã o La t i na 2 0 0 4 . L i sb o a: F u nd aç ão Ca lo u ste G ulb e n k ia n : Ca i xa Ger a l d e Dep ó s ito s, 2 0 0 5 . RO S A DI AS, Fer na nd o - S ub li me e P i nt ur a : O Ol h ar Ab i s ma d o . Ar te T eo r ia . L is b o a: Fa c uld ad e d e B e la s - Ar te s. 9 ( 2 0 0 7 ) 9 2 -1 2 0 . S AR DO, D el f i m - R ui Ca lçad a B a s to s : E ntr e I r o n ia e I nc er t eza . I n A Vi sã o e m Ap ne ia : E scr it o s so br e Art i st a s. Lisb o a : B a b el, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -3 1 -0 0 1 6 5 . p . 3 8 3 -3 8 5 . SE B AL D, W . G. – Do Na t u ra l : U m Po e ma El e me n t a r . T r ad . d e T el ma Co s ta. Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 - 7 2 2 -0 2 5 -8 . — O Ca mi n ha nt e So lit á rio . T r ad . d e T el ma C o st a. Li sb o a : E d i to r ial T eo r e ma , 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -8 8 6 -4 . — Ve rt ig en s. I mp re s s õ es. T r ad . d e T el ma C o st a. L isb o a : E d i to r i a l T eo r e ma, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 9 5 -7 0 5 -8 . — H i st ó r ia Na t ura l da De st r ui çã o : Gu erra A érea e L it era t ura . T r ad . d e T el ma Co st a Li sb o a : E d i to r ia l T eo r e ma , 2 0 0 6 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -6 5 6 -0 . 374 SÉN E C A, L ú cio An e u – ( Car ta s 2 2 -2 9 ) . I n C a rt a s a Lu cí lio . Li sb o a : F u nd a ção Ca lo u ste G u lb e n ki a n, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 1 -0 5 3 6 -0 . li v r o I I I , p . 7 9 -1 1 0 . SH AP I R O, Gar y – Ea rt hw a rd s : Ro b ert S mi t h so n a n d Af t er B a be l. B er k el y; Lo s An g el es ; L o nd o n : U ni v er s it y o f Cal i fo r ni a P r e s s, 1 9 9 5 . I SB N 0 -5 2 0 -0 8 8 5 6 -5 . SO LNI T , R eb ec ca - T h e R u i ns o f Me mo r y. E xi t . M ad r id . I S SN 1 5 7 7 -2 7 2 1 . 2 4 ( 2 0 0 6 ) 1 3 6 -1 4 6 . T . S. EL I OT - A T err a Dev a s t a da . I n tr o d . e tr ad . d e G ual ter C u n h a. Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 9 9 . E d ição b i li n g ue . I SB N 9 7 2 - 7 0 8 -5 4 4 - X. T HORE AU , He nr y – C a mi n ha da . T r ad . Mar ia Afo n so . Li sb o a : An tí go na , 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 6 0 8 -2 2 5 - 5 . T SAI , E u g e nie ; B UT LE R , Co r ne li a, o r g. - Ro b ert S mit h so n . Lo s An ge le s : Mu s e u m o f Co n te mp o r a r y Ar t, 2 0 0 4 . I SB N 0 -5 2 0 -2 4 4 0 9 -5 . V AGN O Z ZI , B ar b a r a [ et al.] - M y Fa v o ur it e N ur sery R hy me s. Lo nd o n : Lad yb ir d , A P e n g u i n Co mp a n y, s/ d ata . V AUG H AN, W il lia m - Ca sp ar D a vid Fr ied r ic h. I n Ge r ma n Ro ma nt ic Pa in t i ng . 2 ª ed . Ne w Ha v e n, Lo nd o n : Ya le U n i ver si t y P r e s s, 1 9 9 4 . I SB N 0 -3 0 0 -0 6 0 4 7 -5 . p . 6 5 -1 1 7 . VE RNE , J úl io - Um Co n ti ne n te q ue De s ap ar ec e u. In Vi nt e M il Lég ua s Su b ma r ina s. T r ad . d e G. B o r ge s d e Av ela r . Lisb o a : C ír c u lo d e Le it o r es, 1 9 9 6 . I SB N 9 7 2 -4 2 - 1 2 9 4 -7 . p . 3 2 4 -3 3 5 . VI D AL - N AQ UE T , P ier r e – At lâ n t i da : Peq ue n a H ist ó r ia d e u m M it o Pla t ó n ico . T r ad . d e C ar lo s Co r r eia Mo nte ir o d e O li ve ir a . Lis b o a : T eo r e ma, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 9 7 2 -6 9 5 -7 0 0 -3 . VO N HU MB O L DT , Ale xa nd er - P int ura s da N a t ure za : U ma A nt o lo g ia . T r ad . d e Gab r i el a Car d o so . L i sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 2 3 0 -8 . W I LLI AMS, W il li a m C a r lo s - Ant o lo g ia B r ev e : Wi llia m Ca rlo s Wi ll i a ms . T r ad . d e J o sé Ago st i n ho B ap ti st a. L isb o a : As sír io & Al v i m, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 3 8 6 -6 . 375 De Louise Bourgeois a Hans Bellmer – a memória AN DR ES E N, So p h ia de Me llo B r e yn er – A Fa da O r ia na . I l u s tr açõ es de Nat i vid ad e Co r r êa. P o r t o : F i g ue ir i n h as, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 2 3 0 -2 0 -1 . — O E sp e l ho o u o Ret r ato Vi vo . I n A Á rv o re . P o r to : F i g ue ir i n ha s, 1 9 8 5 . I SB N 9 7 2 -6 6 1 -1 9 3 -8 . p . 2 1 -3 1 . B AK AR GI E V, C ar o l yn , ed . lit. - T he Da n ce W as Ve r y Fr e n et ic, Li v el y, Rat tl i n g, Cl a n gi n g, Ro l li n g, Co n t o r ted , a nd La s ted Fo r a Lo n g T i me . I n T he B o o k o f B o o ks : Do c u me nt a ( 1 3 ) . O st f i ld r e n : H atj e Ca n tz, co p . 2 0 1 2 . p . 3 0 -4 6 . B AL, M ie k e - Dead F l es h, o r T he S me l l o f P ai nt i n g. I n Rea di ng Re mb r a n dt : B ey o n d t he Wo rd- I ma g e O ppo s it io n. C a mb r i d ge : U n i ver s it y P r es s, 1 9 9 1 . I SB N 0 -5 2 1 -3 9 1 5 4 -7 . p . 3 6 1 -3 9 8 . B AR R ENT O, J o ão – O M undo E st á C heio de De u se s : Cri s e e Crí t ica do Co nt e mp o râ neo . Li sb o a : As sír io & Al v i m, 2 0 1 1 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -3 7 -1 5 7 7 -4 . B AUD RI L L AR D , J ea n - A d e s fo r r a d o p o vo d o s esp el ho s. I n O Cr i me P erf eit o . T r ad . d e Si l vi n a Ro d r i g ue s Lo p es . Li sb o a : Re l ó gi o D ´á g u a Ed i to r e s, 1 9 7 8 . I SB N 9 7 8 -7 0 8 -3 2 8 -5 . p . 1 8 9 -1 9 0 . B E AU ME L L E , Ag nè s d e la ( so b a d i r ec ção d e ) - H a n s B e ll mer : A n a t o mi e d u Dé sir . P ar i s ; G al li ma r d : Ce n tr e P o mp id o u , 2 0 0 6 . I SB N 2 -0 7 -0 1 1 8 4 1 - X. B E NE SH, Ot to – Re mb r a ndt . G e né ve : S kir a, 1 9 9 0 . I SB N 2 -6 0 5 -0 0 1 6 5 - 2 . B E R N AD AC, Mar ie - L a ur e - Lo ui se B o urg eo i s . P ar i s : F la m ma r io n , 2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -2 -0 8 -0 3 0 5 5 3 -4 . B E R N AD AC, Mar i e - La ur e ; OB RI ST , Ha n s U lr ic h , ed . l it. - Lo ui se B o urg eo i s. De st r uct io n o f t h e F a t her , R eco nst ru ct io n o f t he F a t her : W ri t ing s a n d In t erv iew s, 1 9 2 3 - 1 9 9 7 . Lo nd o n : Vio let te Ed i tio n s, 1 9 9 8 . I SB N 1 -9 0 0 8 2 8 -0 7 -3 . B E R N AD AC, M ar i e - La ur e ; HE R KE N H OF F, P au lo ; N E RI , Lo ui se [ te xto s d e ] Lo ui se B o urg eo i s : o b r a s r ece nt e s = rec en t w o r ks. Li sb o a : Ce n tr o C ul t ur a l d e B elé m, 1 9 9 8 . I SB N 2 -8 7 7 2 2 1 -1 6 3 -0 . 376 B E R NH AR D, T ho ma s – Ant ig o s M est r es : co mé d ia . T r ad . d e J o s é A. P a l ma Ca eta no . Li sb o a : As s ír i o & Al vi m, 2 0 0 3 . I SB N 9 7 2 -3 7 -0 8 1 7 -5 . B ES S A- L UÍ S, Ag u s ti n a - K a f kia na . Lisb o a : B a b el, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 -6 6 5 -6 7 7 7. B L OO M, Har o ld , ed . – I nt r o d uct io n. I n H er ma n M elv ille ´ s M o by - Di c k. Ne w Yo r k : I n fo b a se P ub li s hi n g , 2 0 0 7 . I SB N 0 -7 9 1 0 -9 3 6 3 - 8 . p . 1 -6 . B OR GE S, J o r ge Lui s – O A le ph . T r ad ução d e J o sé Co la ço B ar r eir o s. L i sb o a : Q uet zal , 2 0 1 3 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 7 1 -5 . — E lo gio d a So mb r a ; o ce go . I n J o rg e L ui s B o rg es : O bra s Co mp let a s. Li sb o a : T eo r e ma , 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 1 -0 . vo l I I , p . 3 9 7 e 4 7 9 . — O E sp el h o ; O No b r e Ca s telo d o c a nto I V . I n J o rg e L ui s B o rg e s : O bra s Co mp l et a s. L i sb o a : T eo r e ma, 1 9 9 8 . I SB N 9 7 2 -6 9 5 -3 5 3 -7 . vo l. I I I , p . 1 9 7 e p . 3 6 4 -3 6 8 . B ROW N, Cr i sto p h er ; K EL C H, J a n ; T HI E L, P i eter va n - T he An ato m y Le s so n o f Dr J o a n D e y ma n. I n Re mb r a n dt : T he M a st er & H i s Wo r ks ho p: pa in t ing s. N e w Ha ve n ; Lo nd o n; Yal e U ni v er si t y P r es s : Na tio n al Ga ll er y P ub li ca tio n s, 1 9 9 1 . I SB N 0 -3 0 0 -0 5 1 5 0 -6 . p . 2 6 2 -2 6 6 . C AB AN NE , P ier r e – R e mb r a n dt . Li sb o a : Ver b o , 1 9 9 4 . I SB N 9 7 2 -2 2 -1 5 9 0 -6 . CE L ANT , Ger ma no - L o ui se B o u rg eo is : T he Fa br ic Wo r ks. M il a n : S kir a, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -8 8 - 5 7 2 -0 6 5 4 - 7 . CO CT E AU, J ea n – Le S a ng D´ U n Po ét e [ Re g i st o víd eo ] . Fi l me r e ali zad o p o r J ean Co c tea u . [ P ar i s] , 1 9 3 0 . 1 ca ss ete ( D VD) ( 5 0 mi n.) : p r e to e b r a nco , so n . C RO NE , Rai n er ; S H A E SB E R G, P et r us Gr a f, co - a ut. - Lo ui se B o urg eo i s : T he Sec ret O f Th e C el l s. M u ni c h ; Lo nd o n ; Ne w Y o r k : P r e st el, 1 9 9 8 . I SB N 3 -7 9 1 3 1 6 1 0 -9 . D A SI LV A, Ag o s ti n ho - A Vi da e a Art e de Re mb r a n dt. Vi la No va d e Fa ma li cão : Gr a nd e s O f ic i na s Gr á f i cas “M i ner v a”, 1 9 4 3 . FO ST ER, H al – A Lit tl e An ato m y. In Pro st he t ic Go ds. Ca mb r id ge Ma ss ac h u se tt s; L o nd o n : T he MI T P r e ss , 2 0 0 4 . I SB N 0 - 2 6 2 -0 6 2 4 2 -9 . p . 2 2 5 -2 5 4 . 377 ; — F ata l Attr ac tio n. I n Co mp u l siv e B ea ut y . Ca mb r id ge ; Ma s sac h u se tt s ; Lo nd o n : T he MI T P r e ss, 1 9 9 3 . I S B N 0 -2 6 2 -0 6 1 6 0 -0 . p . 1 0 1 -1 2 2 . GE S E L L S CH AFT , K es t ner ; H AE N LEI N, Ca r l, ed . li t. - H a ns B ell me r : Pho t o g ra p hi en. Ha no v e r : K e st ner - Ge se ll s c ha ft Ha no ver , 1 9 8 4 . GO OD M AN, Nel so n – M o do s de Fa zer M un d o s. T r ad uç ão An tó n io D uar te. 1 ª ed . P o r to : As a, 1 9 9 5 . I SB N 9 7 2 -4 1 -1 5 6 0 -7 . GUE R R A DO S RE I S, Vít o r Ma n ue l – A Ca ç a Des en f rea d a : O Mo vim en to d o s Olh o s e o A c to d e V e r. L is b o a : [ s. n.] , 2 0 0 0 . 5 9 f. R el ató r io na ár e a c i en tí f ic a d e T eo r ia d a I ma g e m, F ac u ld ad e d e B e la s - Ar te s d e Lis b o a. GUI C H AR D, Ca mi lle - Lo u is e B o urg eo i s [ R e gi s to v íd eo ] . Fi l me r ea liz ad o p o r Ca mi l le G uic h ar d co m J er r y Go r o vo y e B er nar d Mar cad é co mo co - a uto r es. [ P ar i s] : Ré u nio n d e s M u sé es N atio n a u x, 1 9 9 3 . 1 ca s set e ( V HS) ( 5 2 mi n. ) : co l, s o n. HE RKE NH O FF , P au lo , cur ad o r e a ut. - Lo u is e B o urg eo i s. R io d e J an ei r o : Ce nt r o C ul t ur a l B a n co d o B r a si l; São P a u lo : B ie n al d e S. P a u lo , 1 9 9 7 . J ELI NE K, E l f r ied e, co -a u t. ; MI LLE R, H e nr y co - a ut. ; KI T T ELM ANN, Ud o ; KY LLI K KI , Zac h ar i as , ed . lit. - Lo ui se B o urg eo i s/ H a ns B e ll me r. B er li n : Di st a nz Ver la g, 2 0 1 0 . I SB N 9 7 8 -3 -8 9 9 5 5 -4 0 3 -8 . K AFK A, Fr a nz – A To ca . T r ad . d e Fr a nc i sco Ag ar e z. Li sb o a : LxX l, co p . 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 -9 7 2 - 8 6 1 5 -0 8 - 6 . L AN DE R AAD , K ee s V an - T he Rea l Re mb r a ndt : T he Sea rc h f o r a Ge ni u s [ Re g i sto v íd eo ] . F il me r eal iz ad o p o r K ee s va n La nd er a ad . [ L o nd o n] : P haid o n , 1 9 9 1 . 1 ca s se te ( VH S) ( 5 4 mi n.) : co l., so n. L AR R AT , P h il ip , F RE UD MU SE UM - Lo ui se B o urg eo i s : T he R et u rn O f T he Re pre s se d. Lo nd o n : Vi o let te, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 - 1 -9 0 0 8 2 8 -3 0 -7 . vo l I — Lo u i se B o urg eo i s : T he Ret ur n O f T he Re pre s se d. Lo nd o n : Vio l ett e, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -1 - 9 0 0 8 2 8 -3 0 - 7 . vo l I I . LE I G H, C hr i sti a n ; KUT I K, C ha r lo tta ; S U LT AN , T er r ie - Lo ui se B o u rg eo i s : Th e Lo c u s o f M e mo ry . Ne w Yo r k : T he B r o o k l yn Mu s e u m, H ar r y N. Ad a ms, 1 9 9 4 . I SB N 0 -8 1 0 9 - 3 1 2 7 -3 . 378 LET RI A, J o sé J o r ge – O Se gr ed o d e Alic e. I n O Liv ro B ra n co da M ela nco l ia . Lis b o a : Q u etz al E d i to r e s, 2 0 0 1 . I SB N 9 7 2 -5 6 4 - 4 7 2 -7 . p . 1 0 4 -1 0 5 . LI C HE NST E I N, T her e s e - B e h in d Clo se d Do o rs : T he Art o f H a n s B e ll me r . B er k el y; Lo s An g e le s; Lo nd o n: U ni v er sit y o f C al i fo r ni a P r e s s; Ne w Yo r k : I n ter na tio n al C e nter o f P ho to gr ap h y, co p . 2 0 0 1 . I SB N 0 -5 2 0 -2 0 9 8 4 -2 . M AN DI AR G RE S, An d r é P ie yr e d e - Le Tré so r Cr uel d e H a ns B el l mer . P ar i s : Le Sp hi n x, 1 9 8 0 . I SB N 2 -8 5 1 -9 9 2 -0 8 -2 . ( Li v r o co n s ul tad o ) MO R RI S, F r a nce s – Lo ui s e B o ur geo i s : A Fi g h t to t he Fi n i s h. I n Ar t & Aus tr a lia . Au s tr a lia . I SS N 0 0 0 4 -3 0 1 - X. 4 8 :2 ( D ez. 2 0 1 0 - Fe v. 2 0 1 1 ) 3 1 9 -3 2 5 . — Lo u i se B o urg eo i s. L o nd o n : T ate P ub li s hi n g, 2 0 0 7 . I SB N 9 7 8 -1 -8 5 4 3 7 -7 6 1 -6 . MO R RI S, Fr a nce s ; M O RG AN , S t uar t - Rit e s o f P a s sa g e : Art F o r t h e E nd o f t he Ce nt u ry . Lo nd o n : T ate Gal ler y, 1 9 9 5 . I SB N 1 -8 5 4 3 7 -1 5 6 -8 . P EREI R A, H eld e r Mo ur a – A V er d ad eir a H is tó r ia d a T r o mb a d o E le f a nt e. I n A Pen sa r M o rreu u m B urro : e O ut ra s H i st ó ria s. De se n ho s d e Lu is Ma n u el Ga sp ar . L i sb o a : As s ír io & Al v i m, 1 9 9 9 . I SB N 9 7 2 - 3 7 -0 5 5 5 -9 . p . 1 5 -2 2 . P LAT H, S yl v ia – A Ca mp â n ula de Vi dro . T r a d . d e Már io Ave lar . 2 ª ed . Li sb o a : As s ír io & Al vi m, 2 0 0 2 . I SB N 9 7 2 -3 7 - 0 0 2 1 -2 . P OU LE T , Geo r ge s - P r o u st. I n St u di es in H u ma n T i me. B a lt i mo r e : T he J o h n Ho p ki n s P r e s s, 1 9 5 6 . p . 2 9 9 -3 2 2 . R AM AC H AND R AN , V. S., B L AC K E S L E E , S a nd r a – T hr o u g h t he Lo o ki n g G la s s. I n P ha nt o ms i n t he B r a in. N e w Yo r k : Har p e r Co l li n s, 1 9 9 9 . I SB N 0 - 6 8 8 -1 7 2 1 7 2 . cap í t ulo 6 , p . 1 1 3 -1 2 6 . R AMÓ N RI B E Y RO, J u l io - A Pa la v ra do M u do . T r ad . d e T ia go Sz a b o . 1 ª ed . Lis b o a : Ah ab , 2 0 1 2 . I S B N 9 7 8 -9 8 9 -9 7 2 2 8 -6 -6 . RE VO L , J ea n – B el l mer : P ei nt u re s, Go ua c he s, Co lla g e s. P ar i s : L ´Au t r e M u sée, 1983. RI NDE R, La wr e nc e - L o ui se B o urg eo i s : Dra w ing s a n d O b se rv a t io n s. B er k el y : U ni ver s it y Ar t M u se u m and P ac i fi c Fi l m Ar c h i v e, U ni ver s it y o f C al i fo r ni a B o s to n: A B ul f i nc h P r e s s B o o k, L it tl e B r o wn a nd Co mp a n y, 1 9 9 5 . I SB N 0 -8 2 1 2 - 2 2 9 9 -6 . 379 S ANT O AGO ST I NH O - O E n co ntr o d e De u s . I n Co nf is sõ e s. B r a ga : Li vr ar ia Ap o s to l ad o d a I mp r e n sa , 1 9 9 0 . I SB N 9 7 2 -5 7 1 -1 1 9 - X. l i vr o d éci mo , p . 2 3 9 -2 9 0 . S CH AM A, S i mo n - Au t o p s y. I n R e mb ra n dt ´ s Ey e s. Lo nd o n : T he P e n g ui n P r es s, 1 9 9 9 . I SB N 0 -7 1 3 -9 9 3 8 4 -7 . p . 3 4 2 -3 5 3 . S CHW ART Z, Gar y – T he Ne w M ar ke t. I n Re mb r a n dt ’ s Un iv e rs e : hi s a rt , h i s lif e , h is w o r ld. Lo nd o n : T h a me s & H ud so n, 2 0 0 6 . I SB N 9 7 8 -0 -5 0 0 -0 9 3 3 1 -3 . p .1 6 4 -1 6 9 . SH AKE SP E AR E , W il li a m - O R ei Lea r. T r ad uç ão e no t a s d e Ál var o C u n h al ; in tr o d . d e L u is d e So u sa Reb e lo . 3 ªed . Li sb o a : Ca mi n ho , 2 0 0 2 . I S B N 9 7 2 - 2 1 1 4 8 5 -9 . ST E I NE R, Geo r ge - O p acto q ueb r ad o ; p r es e nç as. I n P re se nça s Rea i s : As Art es do Se nt ido . T r ad . e p o s f. d e M i g ue l Ser r a s P er eir a. 1 ª ed . L isb o a : P r ese nç a, 1 9 9 3 . I SB N 9 7 2 -2 3 -1 6 1 9 -2 . p . 5 5 -1 2 3 e 1 2 7 -2 0 5 . SVE VO , I ta lo - A Co ns ci ên cia d e Ze no . T r ad . d e Mar i a Fr a n co e Cab r a l d o Na sci me nto . Al fr a g id e : D. Q ui xo te, 2 0 0 9 . I SB N 9 7 8 - 9 7 2 -2 0 -3 8 0 0 - 3 . T AV AR E S, C r i st i na Az ev ed o - A p r o c ur a d o b elo e d a ver d ad e: ar te méd ica e es tét ic a. Ar te T eo r ia. L isb o a : Fa c uld ad e d e B e la s - Ar te s. I S SN 1 6 4 6 -3 9 6 X. 1 4 /1 5 ( 2 0 1 1 /1 2 ) 9 -1 5 . T AY LO R, Sue - Hans B e ll me r : T he A n a t o my of A n x iet y . C a mb r id ge , Ma ss ac h u se tt s; L o nd o n, E n g la nd : T he MI T P r es s, 2 0 0 0 . I SB N 0 -2 6 2 -2 0 1 3 0 -5 . T E NNY SO N, Al fr ed L. – T he La dy o f S ha lo t t . I l us t. d e C har le s K eep i n g. O x fo r d : O x fo r d U n i ver s it y P r e s s , 1 9 8 9 . I SB N 9 7 8 -0 -1 9 - 2 7 2 3 7 1 -0 . UN DE RD O RF E R, Mic h aela - Lo u is e B o urg eo is : Wo r ks in M a rbl e. M u ni c h : P r est el, 2 0 0 2 . I SB N 3 -7 9 1 3 -2 7 8 1 - X. V AL É R Y, P a ul – O S en ho r T es t e. T r ad uç ão d e An íb al Fe r na nd e s. Li sb o a : Re ló gio D ´ Ág u a, 1 9 8 5 . 380 VI CT OR Y, Ma gd a le na Ag ui ló - E ntr e v i st a a Lo u is e B o ur geo is . In Lo u is e B o urg eo i s : R epa i s i n t he S ky . M al lo r ca : F u nd a ció P i lar i J o a n Mir ó , 2 0 0 5 . p . 8 5 -8 9 . VI D AL , Car lo s – Co r p o , Mito e Reco n h ec i me n to . Ar t e I b ér ica . Li sb o a . I SS N 0 8 7 3 5 7 0 0 . A.2 : 1 6 ( J ul. 1 9 9 8 ) p . 8 -1 2 . — Do Co r p o d a P o l ít ica à P o lít ica d o Co r p o . C o ló q uio Ar te s . Li sb o a. I SS N 0 8 7 0 3 8 4 1 . 3 8 : 1 1 1 ( O ut. - De z . 1 9 9 6 ) 1 3 -3 0 . W ELLS , H . G. - E m Te rra de Ceg o s. T r ad . p ad r õ e s c ul t ur ai s ed i t o r a. 1 ª ed . Lis b o a : P .C .E ., 2 0 0 8 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -8 1 6 0 -1 4 -0 . W ER NE SS, Ho p e B . - T he Sy mb o l i s m o f M irro rs i n Art f ro m A nc ie nt Ti me s t o t he Pre se nt . Ne w Yo r k : T he E d wi n M el le n P r e s s, 1 9 9 9 . I SB N 0 -7 7 3 4 -8 2 6 9 -5 . W OO D, J a me s - A H er a nça P e rd i da : E n sa io s so b re Lit era t ura e Cr ença . T r ad . d e B r u no V ie ir a A mar a l. L i sb o a : Q u etz al, 2 0 1 2 . I SB N 9 7 8 -9 8 9 -7 2 2 -0 4 4 -9 . W OO L F, Vi r gi n ia - A Se n ho r a no E sp e l ho : U ma r e f le xão . I n Co nt o s . T r ad . d e Mi g ue l S er r a s P er e ir a, Ma n ue la P o r to , Cl ar a R o wla nd e Mar g ar id a Va le d e G ato . Lis b o a : Reló g io D ´Ág u a, 2 0 0 4 . I SB N 9 7 2 -7 0 8 - 6 8 2 -9 . p . 9 7 -1 0 4 . 381 ÍNDICE ONOMÁSTICO 382 Michel, 14, 156 Bellmer Hans, XIII, 16, 243, 247, 248, 249, 251, 252, 253, 254, 259, 262, 263, 265, 266, 376, 378, 379, 380 Bénard da Costa João, 124 B e n j a mi n Walter, 140, 194, 353, 363 Bentham Jeremy, 16, 67, 258, 271 Bernadac Marie-Laure, 257, 265 Bernhard Thomas, 17, 271, 274, 275, 276 B e r n i n i , 8, 64, 70, 74 Bessa-Luís Agustina, 280 Beuys Joseph, 36, 184, 221 Biesenbach Klaus, 213, 220, 222 Birnbaum Daniel, 195 Blanchot Maurice, 157, 158 Bloom Harold, 93, 97, 140, 141, 142, 149, 270 Blumenberg Hans, 10, 109, 110, 224 Boetti Alighiero, 200, 225, 362, 371 Boltanski Christian, 107 Borges Jorge Luis, I, 2, 19, 60, 75, 89, 90, 119, 149, 188, 206, 250, 253, 254, 270, 272, 274, 277, 278, 327, 330, 335, 342, 350, 354, 364, 367, 370, 375, 377 Bourgeois Louise, XIII, 16, 26, 67, 243, 247, 248, 249, 250, 251, 253, 254, 255, 256, 257, 259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, 266, 376, 377, 378, 379, 380, 381 Bragança de Miranda José A., 4, 110, 350 Breton André, 201 Brown Jonathan, 166, 167, 170, 171, 173, 178, 179, 245, 379 Brunelleschi Filippo, 27, 328 Burke Edmund, 239 Burri Alberto, 190 A Ab r a m o v i c Marina, XIII, 6, 13, 15, 25, 35, 36, 208, 209, 211, 212, 213, 214, 217, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 366, 367, 368, 369 Aconcci Vito, 195 Agamben Giorgio, 199 A i W e i w e i , 201 Akutagawa Ryunosuke, 208 Alys Francis, 88, 218, 228, 242, 373 Amis Martin, 112, 138 Andresen Sophia de Mello Breyner, 137, 159, 241, 277 An e l l i Marco, 220 A n t ó n i o F r a n c o A l e x a n d r e , 128 Ap o l o d o r o , 21, 25, 28 Arbus Diane, 120, 121 Ariès Philippe, 17, 84 A r i s t ó f a n e s , 45, 46 A r i s t ó t e l e s , 41, 46, 92, 338 A r q u i m e d e s , 51, 268 Artaud Antonin, 15, 210, 211, 220 Ashbery John, 5, 280 Atget Eugène, 72 Au s t e r Paul, 218, 367 Azevedo Tavares Cristina, II, V, 245, 369 B B a co n Francis, 162, 175, 200, 358, 362 Bal Mieke, 245, 251 Baltrusaitis Jurgis, 3, 4, 106, 268 Barnes Julian, 238, 244 Barrento João, 272, 329, 350, 367 Barthes Roland, 2, 115, 116, 161, 164, 174, 175, 187, 326 Basualdo Carlos, 198, 199 Bataille Georges, 27, 31 Baudelaire Charles, 143, 145, 229 Baudrillard Jean, 136, 145 Baudson C Cabanne Pierre, 244 Cacciari Massimo, 10, 99, 100, 109, 111 Caillois Roger, 23, 29 383 George, 49 C u r i ge r Bice, 183 Calasso Roberto, 6, 22, 32, 37, 42, 60, 92, 94, 104 C a l d e r ó n d e l a B a r c a , 8, 340 Candeias da Silva Joaquim, 177 C a n o v a , 34 Capgras Jean-Marie, 138 C a r a v a g g i o , 35, 356 C a r l o s Au g u s t o R i b e i r o , V, 350 Carroll Lewis, 63, 235 Carrouges Michel, 184 Carvalho da Silva Rui, 220 Casati Roberto, 106 C a s p a r D a v i d F r i e d r i c h , 16, 240, 372, 375 C a t h e r i n e D a v i d , 194 C a t h e r wo o d Frederik, 234 C a va f y , 60 C a va l c a n t i Alberto, 11, 132, 350 C e c í l i a C o s t a , V, XIII, 15, 208, 215, 216, 217, 223, 366, 369 Celant Germano, 181, 182, 183, 184, 185, 192, 194, 249, 254, 260 Cellini Benvenuto, 34 Cendrars Blaise, 230 Cézanne Paul, 231, 233, 239, 372 Chamisso Von Adelbert, 11, 113, 121, 135, 330 Checa Fernando, 162, 163, 170, 180 Chevalier Jean, 8 Chevrier Jean-François, 194, 196, 199 Christov-Bakargiev Carolyn, 191, 192 Citati Pietro, 55, 62, 79 Clair Jean, 6, 21, 30, 33, 34, 35 Cocteau Jean, 269, 377 Coello Alonso Sánchez, 163 Colli Giorgio, 10, 91, 92 Conceição Carlos Augusto, 125, 339 C o n gd o n Lenore O. Keene, 4, 45 C o o ke Lynne, 184, 185 C o r n e l i s C o r n e l i s z , 106 Cross R. C., 97, 103, 104, 105 C u ko r D Dali Salvador, 151, 171 Dällenbach Lucien, 146, 147, 148, 149 Damásio António, 8, 88 Dante Alighieri, 197, 242 Danto Arthur, 211 Darrieussecq Marie, 261, 262 Darwin Charles, 117 Deleuze Gilles, 73, 162, 175 Derrida Jacques, 10, 95, 96, 98 Detienne Marcel, 80, 81 Diderot Denis, XIII, 11, 119, 143, 144, 145, 272 Didi-Huberman Georges, 201, 202 D i ó g e n e s , 51, 212, 369 Dodds E. R., 39 D o s t o i é vs ki Fiódor, 11, 121, 122, 123, 124, 125, 211 D o u g l a s G o r d o n , 88, 90, 221 Duby George, 47 Duchamp Marcel, 88, 141, 151, 184, 190 Dumas Alexandre, 121 Durand Régis, 184 D w ye r Eugene, 29 E Eco Umberto, 2, 4, 53, 87, 89, 175, 250 Edgerton Samuel Y., 28 E i n s t e i n , 86, 152, 161, 343, 344, 360 E i s e n s t e i n , 155 Emmens J. A., 173 Énard Mathias, 18 É s q u i l o , 47 E u gé n i o D ´ O r s , 8, 64, 73, 75, 78 E u r í p e d e s , 6, 21, 29, 47 384 Graves Robert, 38, 42 Gregory Richard, 2, 4, 269 G r i d l e y M c K i m - S m i t h , 164 Grimal Pierre, 29, 42, 43, 61, 82, 242 Guichard Camille, 253, 259, 378 F Faure Élie, 162, 173, 179, 231, 239, 372 F e l i x d a C o s t a , 168 Ferguson Bruce W., 186 F i l i p e I V , 162, 166, 169, 170, 175, 176, 177 Flaubert Gustave, 16, 141, 226 Focillon Henri, 64, 189 Fontana Lucio, 190 Foster Hal, 140, 251, 252, 263 Foucault Michel, 8, 16, 63, 66, 67, 70, 75, 117, 159, 165, 167, 171, 172, 173, 174, 179, 258, 268, 348 F r a n c e s M o r r i s , 257 F r e d e r i c o L o u r e n ç o , 38, 92, 329, 330, 337 Freud Sigmund, 6, 10, 21, 30, 34, 35, 117, 118, 119, 123, 128, 129, 130, 137, 145, 184, 272, 351 F r i t z L a n g, 125, 353 Frontisi-Ducroux Françoise, 4, 22, 29, 50, 51, 52 Furtenagel Lucas, 84 H H . G . W e l l s , 277, 278, 279 Haacke Hans, 200 Hamer Robert, 11, 350 Hamilton Richard, 171 Haneke Michael, 37 Harris James, 152, 154 Hauser Arnold, 8, 68, 71, 74, 75, 166, 168, 176, 371 Havelock Eric, 93, 94, 96, 99, 104, 109 Hawking Stephen, 87, 156 Hein Jeppe, 200 He l d e r Herberto, 2, 269, 379 H e l d e r M o u r a P e r e i r a , 267 Hé l i a C o r r e i a , 47, 53, 112 H e r a c l i t o , 86, 90, 91, 92, 370, 372 Herkenhoff Paulo, 8, 63, 64, 255, 260 H e s í o d o , 6, 21, 23, 24, 46, 60, 81, 82 Hitchcock Alfred, 10, 124, 137, 150, 181, 256, 351, 352 Höffer Candida, 8 Hoffmann E.T.A., 11, 121, 135, 330, 352 Hogarth William, 275 H o m e r o , 6, 9, 17, 20, 21, 24, 43, 44, 45, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 79, 92, 93, 109, 269, 272, 277, 330, 336, 338, 339, 345 Horn Rebecca, XIII, 15, 145, 158, 159, 161, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 225, 357, 358, 359, 360, 362, 371 Humboldt Alexander Von, 226 H ye r o n i m u s B o s h , 71, 115 G G a b r i e l O r o z c o , 193 Gallego Julián, 169 Gallup Gordon, 10, 116, 117 Gantes Manuel, 84 Garrido Carmen, 163, 343 Gasquet Joachim, 231, 372 Genet Jean, 184, 221 Géricault Théodore, 238, 239, 369 Gheerbrant Jean, 8 Gide André, 147 Goethe Johann W., 20, 21, 29, 33, 338 Gogól Nicolai, 122 Goldhill Simon, 47, 50, 55, 208 Gombrich E. H., 5, 6, 14, 153, 154, 155, 159, 160, 163, 169, 173 G o n ç a l o M . T a v a r e s , 13, 189, 198 Go o d m a n Nelson, 275, 278 Go y a , 151, 171 Gracián Baltasar, 8, 65, 66, 74 I I g g y P o p , 237 Isherwood Christopher, 227 I t a l o C a l v i n o , 61 Itard Jean-Marc Gaspard, 114, 144 385 J L a u gh l i n Clarence John, 16, 233, 371, 373 Le Brun Charles, 66, 67, 176, 177 L e o n a r d o d a V i n c i , 43, 184 Lessing Gotthold Ephraim, 14, 152, 153, 154 Lewis Sian, 44, 47, 328, 330, 371 Lewis Caroll, 1 L e w i s C a r r o l l , 14, 63, 235 L e Wi t t Sol, 200 Lichenstein Therese, 249, 252, 262 Li c h t e n s t e i n Jacqueline, 95, 97 Li n g wo o d James, 241 Lispector Clarice, 1, 155, 371 Lissarague François, 44 Lo n gi n o , 239 López-Rey José, 178, 179 Loraux Nicole, 46 Lorrain Jean, 170 Lo s e y Joseph, 11, 133, 271, 353, 354 Louraux Nicole, 44, 61 Lovrecraft H. P., 29 Lowenfeld Henry, 257 Lu c a n o , 6, 21, 23, 26, 28, 43 Lu í s X I V , 63, 76, 78, 120, 176, 177, 179 Lu t e r o Martinho, 138 L y g i a C l a r k , 228, 374 Lyotard Jean-François, 89, 157 Janson H. W., 173 J e n n i f e r L . R o b e r t s , 234, 235 J o h n C a g e , 88, 203 J o r g e M o l d e r , 4, 123, 196, 206, 355 J o s é Gi l , 38 J o s é J o r g e L e t r i a , 280 Joyce James, 202, 224, 225 K Kafka Franz, 12, 15, 184, 206, 209, 221, 222, 269 Kant Immanuel, 239 Kantorowicz Ernst H., 76, 77 Kapoor Anish, 35 K a r l J u s t i , 178, 179 Kawabata Yasunari, 270 Keats John, 91, 111, 347 Keenan Julian P., 117 Kitto H. D. F., 21, 23, 31 Klein Étienne, 8, 85, 86, 87, 90, 190 Kleist Heinrich Von, 11, 112, 121, 139, 146, 335 Klimt Gustave, 43 Knopff Fernand, 34 Koerth-Baker Maggie, 118 Kohler Wolfgang, 116 Krauss Rosalind, 231 Kristeva Julia, 22, 34 Kubler George, 12 Kurosawa Akira, 124, 352 Kuspit Donald, 257, 264, 266 M Maffesoli Michel, 193, 196, 197 Magris Claudio, 224, 225 M a g r i t t e , 111, 138 Maia Tomás, 29, 32 Maillet Arnaud, 4 Malevich Kazimir, 200 M a l l a r m é , 127, 227, 273 M a n e t , 171 Maravall José António, 8, 73, 75 Marchand Bruno, 202 M a r i a F i l o m e n a M o l d e r , 92, 140 L Lacan Jacques, 11, 115, 116, 117 Laclos Choderlos de, 78 Lagerlöf Selma, 143 Landeraad Kees van, 247, 378 Lassaigne Jacques, 162, 169, 177 386 O s c a r M u ñ o z , 89, 344 Osório António, 172, 173 O v í d i o , 6, 8, 21, 25, 26, 27, 28, 34, 37, 41, 48, 81, 330 M a r i a n a d e Aú s t r i a , 180 Marías Fernando, 170, 173, 359 Maupassant Guy de, 11, 121, 135, 137, 330 M a x E r n s t , 184 M a z a r i n , 179, 180 McEvilley Thomas, 212 Medeiros Margarida, 27 Medina Cuauhtémoc, 242 Melchior-Bonnet Sabine, 12, 68, 77, 117, 158 Melville Herman, 199, 200, 240, 270, 362, 377 M e m l i n g , 147 Mengele Josef, 121 Merleau-Ponty Maurice, 2 M i l l a i s , 171 Miller Jonathan, 4, 11, 113 Molyneaux William, 144 Monet Claude, 151 Montaigne, 5 Morris Robert, 200, 206, 251, 265 Muniz Vic, 171 Murdoch Iris, 9, 10, 93, 108 Murnau F. W., 138, 353, 355 P P a d r e An t ó n i o V i e i r a , 8, 69, 70, 71, 77, 271 Palomino Antonio, 165, 172, 173, 178 P a n o fs k y Erwin, 8, 83, 84, 97, 167 Pantoja de la Cruz Juan, 163 P a r mé n i d e s , 86, 90, 92 Pendergrast Mark, 4 Penone Giuseppe, 220 Perniola Mario, 73, 78 Perrot Michelle, 47 Pessoa Fernando, 9, 17, 108, 198, 276, 365 Pina Manuel António, 130, 138, 190, 270, 345 P í n d a r o , 8, 21, 22, 24, 79, 80, 333, 343 Piñon Nélida, 44 Pirandello Luigi, 9, 111, 198 Pistoletto Michelangelo, XIII, 15, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 202, 203, 206, 362, 364, 365, 366 P l a t ã o , XI, 8, 9, 71, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 127, 234, 236, 271, 338, 345, 347, 348 Plath Sylvia, 1, 3, 6, 21, 27, 271, 279 P l í n i o , 62, 178, 277 P l u t a r c o , 49, 50, 51, 60, 338 Poe Edgar Allan, 11, 121, 123, 124, 125, 138, 143, 349, 354 P o l l o c k , 35 Poulet Georges, 264, 265 Proust Marcel, 88, 157, 158, 264, 265, 357, 379 Pulimood Steve, 222 N Nancy Jean-Luc, 184, 185, 204, 329, 331, 333, 358 N a t á l i a C o r r e i a , 66 Nespolo Ugo, 193 Nietzsche Friedrich, 117, 227, 272, 335, 351 O O ´ He a r Anthony, 53 Obrist Hans Ulrich, 193, 195, 214, 365, 368 Olender Maurice, 31 Olivares Rosa, 141, 142, 186 Orozco Dias Emilio, 67, 68 Orso Steven N., 178, 179 O r t e g a y G a s s e t , 162, 163, 166, 170, 171, 177, 178 Q Q u e n t i n M e t z ys , 147 Quevedo Francisco de, 8, 162 Quignard Pascal, 17 387 S e n e c a , 68, 69, 78 Séneca Lucius Annaeus, 8, 16, 68, 69, 70, 71, 78, 226 Serra José Pedro, 38, 39 S h a ft e s b u r y Lord, 152, 154 S h a k e s p e a r e , 76, 77, 124, 148, 149, 150, 267, 277, 278, 341, 350 Shapiro Gary, 241 Shefer Elaine, 84 Silverstein Shel, 79 Sissa Giulia, 46, 80, 81 Skillen Anthony, 105 Sloterdijk Peter, 212 S mi t h s o n Robert, XIII, 16, 224, 225, 228, 230, 231, 232, 233, 234, 235, 236, 237, 240, 241, 242, 369, 371, 372, 373, 375 Snell Bruno, 269 S ó c r a t e s , 51, 52, 71, 92, 96, 97, 98, 99, 101, 104, 107, 108, 127, 346 S ó f o c l e s , 54 Sontag Susan, 12, 232 Souza Brandão Junito de, 23 Spector Nancy, 184, 185 Starobinski Jean, 75 Steiner George, 37, 46, 49, 267 S t e ve n s o n Robert Louis, 11, 136, 137, 146 Stiles Kristine, 185, 213 Stratton-Pruitt Suzanne, 165, 168, 172, 173, 178, 179 Struth Thomas, 171 Sugimoto Hiroshi, 88 Sussman Eve, 171, 361 S v e vo Italo, 243 S wi ft Jonathan, 89 R R a b e l a i s , 77 R a f a e l , 68, 94, 102, 351, 369 Rancière Jacques, 14, 17, 155, 159 Rank Otto, 11, 125, 126, 130, 138 Reich Steve, 203 R e m b r a n d t , 244, 245, 246, 247, 248, 251, 376, 377, 378, 380 Ribeyro Julio Ramón, 17 R i c a r d o J a c i n t o , V, XIII, 15, 188, 202, 203, 204, 205, 206, 362, 364, 365, 366 Richter Anne, 11, 121 Rilke Rainer Maria, 3, 31, 333 Rocha Pereira Maria Helena da, 38, 54, 58, 60, 61, 80, 98, 327, 329, 330, 333, 348 Rosa Dias Fernando, 239 Rossellini Roberto, 179, 180, 341, 361 Rosset Clément, 126, 127, 128 Roth Philip, 243 Rousset Jean, 64, 65, 73, 74, 75 R u b e n s , 35, 163, 169, 179 R u i C a l ç a d a B a s t o s , V, XIII, 16, 224, 225, 227, 229, 241, 242, 369, 370, 373, 374 Russell Bertrand, 97, 373 S Sacks Oliver, 119, 144 Samarras Lucas, 206 S a mó s a t a Luciano de, 6, 27 S a n t o A g o s t i n h o , 8, 80, 87, 88, 154, 263, 266 S a r a m a go José, 125 Sardo Delfim, 4, 123, 204 Savater Fernando, 54 Scelsi Giaccinto, 203 Schama Simon, 244, 246 S c h e l l i n g , 129 Schwartz Hillel, 11, 121, 124, 140, 141, 246 Searle John R., 171 Sebald W. G., 14, 16, 17, 19, 221, 238, 240, 243, 244, 246, 260, 261 T T . S . E l i o t , 242 Tabarra João, 6, 36 T a ka l a Pilvi, 142 Tanizaki Junichiro, 106 388 Pierre, 44, 46, 54, 56, 57, 236, 237 V í t o r d o s R e i s , 275, 276 Von Drathen Doris, 181, 182, 185 Ta p l i n Oliver, 54 Ta r a n t i n o Michael, 191, 200 Ta y l o r Sue, 249 T e n n ys o n Lord Alfred, 90, 280 Th e ó p h i l e G a u t i e r , 179 Th o m a s d e Q u i n c e y , 139 Th o r e a u Henry David, 224, 226 Ti c i a n o , 163 Ti n t o r e t t o , 163, 167 To l e n t i n o M e n d o n ç a José, 42, 62, 349 To u r n i e r Michel, 217 Tr u f f a u t François, 10, 114, 118, 356 Ts a i Eugenie, 234 Tu r n e r Joseph, 151, 238, 239, 372 W Wasowicz Aleksandra, 45 Weil Simone, 91, 97, 100, 101, 108 Wells Orson, 15, 204, 349, 356 Werness Hope, 4 Whale James, 121, 356 Wh i s t l e r , 171 Whitman Walt, 18, 335 Wi l d e Oscar, 124, 125, 141 Wi t ki n Joel-Peter, 171 Wolf Norbert, 173, 176, 177, 184 Wö l f f l i n Heinrich, 8, 64 Woozley A. D., 97, 103, 104, 105 Wordsworth William, 226 U Ucello Paolo, 156 Ugresic Dubravka, 145 V X Valéry Paul, 279, 366 Van Eyck Jan, 147, 167, 174, 179, 359, 361 V e l á z q u e z , XIII, 15, 158, 159, 161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 182, 186, 274, 357, 358, 359, 360, 361, 362 Vernant Jean- Pierre, 4, 7, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 31, 32, 41, 50, 52, 57, 59, 82, 83 Verne Júlio, 236, 241 Vernon Mark, 107 V e s a l i u s , 245 V i c t o r d e A v e y r o n , 114, 117 Vidal Carlos, 44, 46, 54, 56, 57, 149, 193, 236, 237, 248, 263, 351 Vidal-Naquet X a v i e r d e M a i s t r e , 226 Y Yeats W. B., 3, 109, 111 Yourcenar Marguerite, 48, 90 Y v e - A l a i n B o i s , 231 Zambrano Maria, 90 Zeitlin Froma, 47 Z h a n g P e i l i , 237 Z we i g Stefan, 30 389 Z