Esboço de reflexão
CONTABILIDADE - NOVOS VENTOS
Rogério Fernandes Ferreira
Por todo o mundo começaram a adoptar-se práticas contabilísticas que se
afastam de opções prudentes dantes seguidas na contabilização do que se entendia
como património (activos e passivos) e também quanto ao apuramento dos
resultados e dos incrementos patrimoniais.
Os procedimentos contabilísticos actuais vão em sentidos mais abrangentes
e está a entender-se dever contabilizar-se como activos (e passivos) e em
contrapartida em variações de capital próprio ou até em contas de resultados as
estimativas positivas (e negativas) que se esperam do desempenho previsível no
futuro das actividades empresariais. Nessas estimativas até se contam resultados de
vendas por efectuar ou valorizações de activos em função de suas utilizações
futuras, incluindo até activos de terceiros, activos ditos “controlados” pelo detentor,
em consequência de contratações assumidas que possibilitem, por exemplo, baixas
rendas, baixos juros, etc. Outros exemplos serão de ganhos esperados de futura
execução de encomendas em carteira ou de a empresa dispor de pessoal de
qualidade em relação às funções a desempenhar, etc.
Os benefícios económicos esperados de realidades como as atrás citadas
constituem uma versão interessante que deverá ser relevada ao apreciar-se a
situação e a marcha das empresas. Porém, apurar o valor real actual de tais
expectativas revela-se trabalho laborioso, altamente técnico, sujeito decerto a
correcções frequentes. Será um trabalho de equipas formadas por técnicos de
aptidões variadas, que formularão previsões na base de critérios de valor, onde
naturalmente existirá grau variável de subjectividade e, pior, manipulações ou
consequências negativas devido às visões optimistas estimadas e que não deverão,
provavelmente, verificar-se.
Quem actua na gestão sabe bem o interesse que existe em formular
previsões, tomando-as como auxiliar de gestão e de decisões futuras. Porém, o
problema não é esse. O problema está em que a mudança dos paradigmas
contabilísticos com que actualmente se começa a deparar conduzirá à figuração de
balanços, activos, passivos, capitais próprios e resultados que seguiam critérios
prudentes e conservadores e que passam a assentar em expectativas como as que
atrás se exemplificaram.
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Os novos procedimentos vão cair em contradição frontal com os princípios
tradicionais de contabilidade (prudência, custo histórico, realização dos ganhos pósvenda) (*) .
Muitos profissionais de contabilidade, em particular jovens académicos e os
que trabalham em multinacionais, estão, de modo geral, entusiasmados com as
mudanças, o que se justifica facilmente e com variadas ordens de razões. Também
os empresários e os gestores que mais trabalham no actual mundo globalizado
sentem vantagens de carácter pessoal e também para suas empresas, por seguirem
as mudanças procedimentais apontadas e isso também porque elas estão a tornarse obrigatórias e são apadrinhadas por entidades internacionais, nomeadamente o
IASB – International Accounting Standards Board. Esta instituição influenciou a
União Europeia que, por motivos vários, veio a pactuar e a aceitar as novas normas
internacionais de contabilidades.
Estamos assim perante uma evolução histórica, global, imparável,
antevendo-se até poucas possibilidades de fazer reparos e, menos, contrariar. Mas
não se deixará de afirmar que se pensa que as novas metodologias trarão
perturbações sérias, insegurança e enganos, ocasionando, no futuro, prejuízos
variados a diversas categorias de stakeholders .
É por estas razões que não deixamos de acentuar aos profissionais da
contabilidade e da gestão que, em nossa opinião, deveriam meditar mais nos
perigos visíveis destas novas mudanças, tanto mais que sabem de muitas
ocorrências negativas fortemente publicitadas. E os cidadãos com responsabilidades
sociais e políticas e capacidades de apreensão destas ordens de problemas não
deveriam manter-se alheados. Facilmente concluiriam que nem todos os
profissionais opinam convergentemente, que há optimistas e pessimistas, e também
há quem medite nestes problemas com meros propósitos de alcançar vantagens de
natureza profissional e alcançar proventos, não obstante reconhecer ónus que nesta
breve nótula se alertam.
(*)
Note-se, curiosamente, por ser ao invés, que perante o princípio da prudência, os resultados
alcançados eram dantes (prudentemente) reduzidos com a constituição ou reforço de “provisões”
relacionáveis com eventos em curso (existências de que se admitiam perdas em transacções futuras,
dívidas de cobrança duvidosa, equipamentos em obsolescência, passivos traduzidos em
indemnizações admissíveis, etc.). De futuro também o serão mas o problema que se coloca é
exactamente sair-se da visão prudente, caminhando para soluções que em visões abstractas
parecem até mais adequadas, ou mais lógicas, pois são “simétricas”.
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