O SERVIÇO SOCIAL FRENTE À VIOLÊNCIA
Sandra Batista Novais Pires1
Nair Y. Haikawa2
Resumo: O presente artigo trata da questão da violência como uma prática corrente desde a
antiguidade, e faz uma abordagem sobre o papel do Serviço Social frente ao fenômeno da
violência. Inicialmente, apresenta-se o conceito de violência e suas implicações no contexto
social. Os referenciais utilizados para a elaboração deste estudo são Iamamoto (2003),
Maldonado (1997), Arendt (2004), Odalia (2004) e o Relatório Mundial sobre Violência e
Saúde (2002), da Organização Mundial da Saúde (OMS) para discutir as distintas expressões
da violência que exigem respostas urgentes e efetivas e de acordo com a complexidade da sua
manifestação. Essas reflexões adquirem maior relevância no atual contexto sócio-histórico
em que presenciamos o aumento dos episódios de violência, exigindo dos profissionais,
especialmente os Assistentes Sociais, ações competentes voltadas à construção de uma
sociedade não-violenta e em que imperem o respeito e a solidariedade.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço social;violência;
1 INTRODUÇÃO
A formação de Assistentes Sociais, através do curso de graduação em Serviço
Social, é de grande importância para a sociedade, pois esta categoria profissional tem como
objetivo a garantia dos direitos sociais e ,para tanto, a viabilização da proteção social através
das políticas sociais públicas. O profissional em sua prática tende intervir nas expressões da
questão social decorrente da desigualdade social, e que se expressam como fome, miséria,
violência, desemprego.
Nesse sentido, o objetivo principal deste estudo é identificar a mazela social
retratada pela violência, apresentando sua conceituação, a relação entre as facetas da violência
e a sociedade e, por fim, como os profissionais do Serviço Social devem operacionalizar o
direito, buscando em sua prática profissional, o empoderamento e emancipação dos sujeitos
sociais. Tendo como objetivo a qualidade de vida, a justiça social, a equidade e a ampliação
da cidadania.
1
2
Graduanda do curso de Serviço Social pela AEMS.
Orientadora
1 VIOLÊNCIA E SOCIEDADE
Desde os tempos em que o homem não pode datar, a violência está presente, na
inveja de um irmão pelo outro que o levou a cometer um homicídio e, por conseguinte a
cólera divina recaída sob aquele homicida invejoso.
Logo, a temática da violência não é um tema sociológico recente, pois são
conhecidas diversas práticas violentas usuais na Antiguidade. Essas práticas começaram a ser
discutidas a partir do século XIX. Assim, a violência passou a ser caracterizada como um
fenômeno social e despertou a preocupação do poder público e também de estudiosos de
várias áreas, tais como: Ciências Sociais, História, Geografia, Economia, Medicina,
Psicologia, Direito, entre outros.
Os principais autores que passaram a debater sobre a violência clássica
relacionada à barbárie foram Marx, Hegel e Nietzsche. Com base em Filho (2001), para Marx
a violência passou a ser algo superável e não inerente ao homem. E para Nietzsche ela é algo
inerente ao ser humano. Por se tratar de uma questão já existente desde a Antigüidade, vale
lembrar que existem relatos referentes à Idade Média em que a violência física fazia parte do
homem medieval. Atos violentos eram comuns, tais como: mãos decepadas, purificações em
fogueiras, mortes públicas, entre outros.
Muitos são os registros históricos que relatam situações de violência física,
verbal, psicológica, sexual etc., dentre eles encontramos na Bíblia, referências sobre a
ocorrência de violências, com um conteúdo de lutas e guerras travadas pela busca do poder
religioso e da supremacia de determinados povos e nações. Conforme pode-se observar no
texto abaixo
E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei;
sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do
sangue do teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito és tu desde
a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão.
Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo
serás na terra. Então disse Caim ao SENHOR: É maior a minha maldade que
a que possa ser perdoada. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua
face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo
aquele que me achar, me matará. O SENHOR, porém, disse-lhe: Portanto
qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o SENHOR um
sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse. (GÊNESIS,
CAP. 4, Vers. 9-15).
Depreende-se que naquele período histórico, todo e qualquer ato violento
poderia ser combatido ou refreado, com a promessa de outro ato mais violento, ou seja, a paz
a ordem e a harmonia da e na sociedade era mantida somente através do medo.
É interessante trazer à tona Foucault, renomado filósofo, que descreve
minuciosamente a execução de um condenado em praça pública na França do século XVIII:
[...] condenado a pedir perdão diante da porta principal da Igreja de Paris
aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola,
carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida, na dita
carroça, na praça Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado
nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando
a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e
às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo
fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir
seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e
corpo consumidos ao fogo, reduzido a cinzas, e suas cinzas lançadas ao
vento.3(FOUCAULT, 1987, p. 9)
Muitos são os problemas do atual período da história da humanidade e, dentre
eles, o gerado pela violência tem merecido a preocupação de vários setores da sociedade.
Contudo, de acordo com Wertsch, Río e Alvarez (1998), as Ciências Humanas tem
contribuído muito pouco para a compreensão e direcionamento das questões derivadas das
complexas transformações operadas pela violência, permanecendo na aresta doutrinária. As
exceções a essa postura podem ser vistas como rupturas na tendência dominante nos discursos
dos cursos universitários, cujo enfoque disciplinar restrito acaba por torná-los pouco
significativos para as questões sociais relevantes.
Diante dos problemas temporais e doutrinários, é imperioso examinar as
principais características da violência, através da diversidade conceitual, controvérsia da
delimitação de seu objeto, quanto a quantidade, variedade/interação de suas causas e à falta de
consenso sobre sua natureza.
Assim sendo, far-se-á uma exposição sucinta sobre cada um desses aspectos,
de forma a identificar e delimitar os problemas a eles relacionados, bem como a contribuição
que deles se pode extrair para o estudo da violência.
3
Descrição da condenação de Demiens em 02 de Março de 1757.
1.1 VIOLÊNCIA: CONCEITOS
Diversas publicações analisadas, mesmo tendo a violência como objeto de
análise não apresenta de forma clara a sua definição. Algumas publicações, que procuraram
caracterizar e definir a violência faz-no de uma forma genérica ou estabelecem o que a
violência não é. Poucas exceções são encontradas em pesquisas esparsas, contudo,
contextualizando-a no âmbito doméstico ou policial.
Assim sendo, as generalidades conceituais tornam a contextualização variada e
produz uma multiplicidade de situações em que poderia ser caracterizada, assumindo
diferentes causas, formas e danos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como: “o uso de
força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um
grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico,
desenvolvimento prejudicado ou privação”. (OMS, 2007, p. 1165).
A definição dada pela OMS associa intencionalidade com a realização do ato,
independentemente do resultado produzido. São excluídos da definição os incidentes não
intencionais. A inclusão da palavra "poder", completando a frase "uso de força física", amplia
a natureza de um ato violento e expande o conceito usual de violência para incluir os atos que
resultam de uma relação de poder, incluindo ameaças e intimidação.
Para Filho (2001):
Violência vem tanto do latim violentia, abuso de força, como de violare,
transgredir o respeito devido a uma pessoa. Calcides, em Górgias, faz uma
interessante vinculação entre o conceito grego equivalente (hybris:
desmesura) e o desejo: o excesso não é senão outro nome para o desejo. Daí
poder-se inferir que, além das definições que situam a violência como algo
fisicamente agressor a uma individualidade, há um componente de prazer e
de satisfação nas formas da violência, como o demonstram as práticas
sadomasoquistas. (FILHO, 2001).
Em contrapartida Minayo e Souza (1998, p. 513) procura dar maior
especificidade à violência, mas, ainda assim, apresenta-se ampla: “a violência consiste em
ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres
humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual”.
Entretanto, as duas definições têm o foco voltado às consequências que as
ações produziram, assim sendo, as ações violentas não são caracterizadas de forma a
distingui-las das ações não violentas.
A OMS ainda traz alusão ao significado do “uso do poder”, in verbis:
O "uso de poder" também leva a incluir a negligência ou atos de omissão,
além dos atos violentos mais óbvios de execução propriamente dita. Assim,
o conceito de "uso de força física ou poder" deve incluir negligência e todos
os tipos de abuso físico, sexual e psicológico, bem como o suicídio e outros
atos auto infligidos. (OMS, 2007, p. 1165).
A concepção apresentada pela OMS cobre uma ampla gama de resultados,
incluindo injúria psicológica, privação e desenvolvimento precário. Ela reflete um crescente
reconhecimento, entre pesquisadores, da necessidade de incluir a violência que não produza
necessariamente sofrimento ou morte, mas que, apesar disso, impõe um peso substancial em
indivíduos, famílias, comunidades e sistemas de saúde em todo o mundo.
Assim, definir as consequências somente em termos de ferimento ou morte
limita a compreensão total da violência em indivíduos, nas comunidades e na sociedade em
geral.
De acordo com a OMS (2007, p. 1165), a violência como dano físico é
facilmente identificável; no entanto, quase qualquer coisa pode ser considerada violência que
se refere à violação de normas/sistema normativo brasileiro.
Um dos aspectos mais complexos da definição é a questão da intencionalidade,
nesse prisma a OMS traz alguns pontos que devem ser observado:
Primeiro, mesmo que se distinga a violência de atos não intencionais que
produzem ferimentos, a intenção de usar força em determinado ato não
significa necessariamente que houve intenção de causar dano. Na verdade,
pode haver enorme disparidade entre comportamento intencional e
consequência intencional. O agressor pode cometer um ato intencional que,
sob critério objetivo, pode ser considerado perigoso e, possivelmente, ter
resultados adversos para a saúde, mas não percebê-lo assim. Vejamos alguns
exemplos: Dois jovens podem se envolver em uma luta física. Ao usar o
punho contra a cabeça do oponente ou uma arma na briga, o jovem
certamente aumenta o risco de ferimento sério ou mesmo morte, embora
nenhuma das alternativas tenha sido a sua intenção.
Em relação à intencionalidade, deve-se distinguir a intenção de ferir e a
intenção de "usar violência". [...] Contudo a OMS define violência na
medida em que ela diz respeito à saúde ou ao bem-estar dos indivíduos.
Alguns comportamentos, como bater na esposa, podem ser visto por certas
pessoas como práticas culturais aceitáveis, mas são considerados atos
violentos com importantes efeitos na saúde do indivíduo. Outros aspectos da
violência são incluídos na definição, embora não se encontrem explicitados.
Por exemplo, a definição implicitamente inclui todos os atos de violência,
quer sejam públicos ou privados, quer sejam reativos (em resposta a fatos
anteriores, como uma provocação) ou antecipatórios (ou instrumentais para
resultados automáticos), ou mesmo criminosos ou não. Cada um desses
aspectos é importante para a compreensão da violência e para o
planejamento de programas preventivos. (OMS, 2007, p. 1165-1166).
Restringir o objeto para a sua definição é o caminho a ser utilizado para
afunilar a conceituação do que vem a ser violência. Assim, pode-se constatar que este
fenômeno possui causas múltiplas, complexas e correlacionadas com determinantes sociais e
econômicos: desemprego, baixa escolaridade, concentração de renda, exclusão social, entre
outros, além de aspectos relacionados aos comportamentos e cultura, como o machismo, o
racismo e a homofobia. (OMS, 2002)4.
Segundo o Relatório Mundial sobre a violência e saúde, publicado em 2002
pela OMS a violência é responsável por toda uma transformação nos hábitos e
comportamentos sociais, na organização e arquitetura das cidades.
Ainda de acordo com este relatório, a OMS destaca as seguintes tipologias:
Violência auto infligida (autoprovocada): Tentativas de suicídio, suicídio,
autoflagelação, autopunição, automutilação; Violência interpessoal:
Intrafamiliar e comunitária. A violência comunitária também é denominada
de violência urbana; Violência intrafamiliar: Ocorre entre os membros da
própria família, entre pessoas que têm grau de parentesco, ou entre pessoas
que possuem vínculos afetivos. Também denominada de violência doméstica
por alguns teóricos, embora outros estudiosos desse tema façam uma
distinção entre a violência doméstica e a violência intrafamiliar; Violência
coletiva: Presente nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, caracterizada
pela subjugação/dominação de grupos e do estado; Violência estrutural:
Ocorre em diferentes formas onde há manutenção das desigualdades sociais,
econômicas, culturais, de gênero, etárias, étnicas. É a violência que mantém
a miséria de uma determinada população. (OMS, 2002)5.
É arriscado dar uma conceituação definida e objetiva, pois ela pode ter vários
sentidos, tais como: ataque físico, sentido geral de uso da força física, ameaça ou até mesmo
um comportamento não usual.
Raymond Williams (2007, p. 407) destaca que “[...] se trata de uma palavra que
necessita de definição específica inicial, se não quisermos cometer uma violência contra ela.”
Outro autor que trata desta conceituação é Michaud (1989, p. 119) que tenta defini-la como:
4
Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/> Acesso: Ago/2012.
idem
5
[...] há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores
agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, acusando danos a
uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física,
seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações
simbólicas e culturais. (MICHAUD, 1989, p. 119).
Por conseguinte, muitas são as formas e naturezas das violências apontadas por
vários estudiosos, incluindo sociólogos, juristas, filósofos, psicólogos, dentre outros
profissionais, além de alguns organismos internacionais e nacionais, como a Organização
Mundial de Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério da
Saúde, a Secretaria de Direitos Humanos. Destacam-se: Física; Psicológica; Sexual;
Negligência/abandono dentre outras.
1.1.1 Violência física e psicológica
No decorrer da revisão de literatura, na procura por livros, teses e artigos,
localizar uma análise que trata tão somente das duas terminologias - violência física e
psicológica - que não agregasse outro adjetivo, sendo ele, violência doméstica, infantojuvenil, escolar etc., tornou a elaboração deste artigo uma questão instigante.
Tendo em vista a necessidade de isolar tais conceitos, buscou-se em diversas
áreas, tais como, Psicologia, Direito, Sociologia, Serviço Social e através do portal do
Ministério da Saúde as respostas às perguntas: O que é violência física? O que é violência
psicológica? O que as diferencia?
As violências se apresentam de diferentes formas e com diversos efeitos
sociais. Os tipos de violência são: física, negligência social, violência de gênero, abuso
sexual, violência psicológica, violência urbana, violência institucional, violência de Estado,
entre outros.
Contudo, este estudo focou a violência entre crianças e adolescentes nas
unidades escolares. Desta feita, foi necessário discernir dois institutos correlatos a atos
violentos, sendo eles a violência física e a psicológica.
Nesse prisma, Plácido e Silva conceitua violência como "o ato de força, a
impetuosidade, a brutalidade, a veemência. Em regra, a violência resulta da ação ou da força
irresistível, praticadas na intenção de um objetivo que não se teria sem ela". (2009, p. 498.)
Nessa seara de ideias, a violência real ou efetiva distingue-se em violência
física ou moral, sendo certo que a primeira
é o meio físico aplicado sobre a pessoa da vítima para cercear sua liberdade
externa ou sua faculdade de agir (ou não agir) segundo sua vontade, e a
segunda, compreende a ameaça grave capaz de neutralizar o dissenso e a
resistência da ofendida; consiste na inevitabilidade e natureza gravosa do
mal prometido (...), tão grave que, por si só, determine a absoluta ineficácia
de qualquer reação da vitima. (MASTIERI, 2001, p. 76).
Para o Ministério da Saúde a violência física pode ser compreendida como
“qualquer ação que machuque ou agrida intencionalmente uma pessoa, por meio da força
física, arma ou objeto, provocando ou não danos e lesões internas ou externas no corpo”.
(BRASIL, 2009, p. 9)
Diante da violência física, a vítima vê-se rendida diante da impossibilidade de
resistir. Contudo, consoante a violência moral, a vítima "escolhe" entre dois "resultados
indesejáveis", um menor que é a rendição ao seu violentador, ou o "maior", que é a violência
moral a que está sendo submetida, e, de certo, às consequências provenientes dela.
(MASTIERI, 2001, p. 76).
Nesse sentido, o entendimento do órgão público é de que a violência
psicológica é
uma ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações,
comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa, por meio de
intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação,
isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde
psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal. (BRASIL,
2009, p. 10).
Assim, a vítima nada tem a fazer quando tomada por uma arma de fogo que
extingue toda sua resistência (violência física), enquanto, impedida pela ameaça de um mal
abstrato (violência moral), escolhe pela consumação da violência física ou da expectativa da
ocorrência de um mal presumido.
Sobre isso, Maldonado (1997, p. 21) alerta:
O abuso psicológico referente às formas de comunicação "demolidoras" é o
tipo menos reconhecido de violência, porque o "corpo" não fica marcado e
nenhum osso é fraturado. No entanto, em consequência de ter sido xingada,
humilhada, depreciada e rejeitada, a criança cresce com marcas profundas
em seu psiquismo e com sua autoestima gravemente fraturada. A sensação
constante de estar "por baixo" origina em muitas pessoas, sentimentos de
revolta e desejos de vingança que podem, mais tarde, motivar condutas
violentas. (MALDONADO, 1997, p. 21).
Geralmente é complexo, até mesmo para os profissionais, identificar a
violência psicológica, exigindo sensibilidade e capacidade de escuta especializada para dar
visibilidade à violência psicológica, e, consequentemente, para que se possa atender de forma
eficiente às vítimas.
Nilo Odalia (2004) contribui relacionando o conceito de violência com
situações de privação, destituição. Desse modo, toda a vez em que há o sentimento de
privação, a violência está presente.
Com efeito, privar significa tirar, destituir despojar, desapossar alguém de
alguma coisa. Todo ato de violência é exatamente isso. Ele nos despoja de
alguma coisa, de nossa vida, de nossos direitos como pessoas e como
cidadãos [...]. A ideia de privação parece-me, portanto, permitir descobrir a
violência onde ela estiver por mais camuflada que esteja sob montanhas de
preconceitos, de costumes ou tradições, de leis e legalismos (ODALIA,
2004, p. 86).
Outra definição trazida por Marilene Ristum assume a seguinte posição:
“Violência física: corresponde ao uso de força física contra outrem; Violência psicológica:
evidencia-se como a interferência negativa de uma pessoa sobre a outra e sua competência
social, conformando um padrão de comportamento destrutivo”. (2001, p. 64 – 65).
Ainda dentro da órbita legal, encontram-se na injúria, na calúnia e na
difamação, três exemplos de criminalização da violência moral/psicológica.
De acordo com Conte (2010, p. 2) “os fenômenos de violência, de forma direta
ou indireta, têm como efeito sobre as pessoas o isolamento social, o pânico, o consumo de
drogas, a depressão e a melancolia, além de defesas agressivas que potencializam, de forma
geral, laços mais violentos”.
Nesse campo particular da saúde mental é importante lembrar as
consequências psíquicas mais específicas da violência, já que há um número
crescente de pessoas acometidas por quadros de estresse pós-traumático,
ansiedade, fobias e pânico, particularmente nas grandes cidades. Não há
perfil recente e abrangente para todo o país quanto a prevalência de
transtornos psiquiátricos, mas estudos indicam a magnitude do problema da
relação entre violência e saúde mental. (BRASIL, 2009, p. 35).
Por conseguinte, a violência em suas diferentes expressões (estrutural, social,
política, física, psicológica, sexual...) está na agenda do dia, presente nas diferentes classes
sociais, etnia, idade, cor, orientação sexual. Por isso, como enfatiza Odalia (2004, p. 87):
"vivemos a democracia da violência", pois, esta se faz presente nos mais diversos grupos
sociais.
A violência precisa ser entendida como um produto social e histórico,
produzida socialmente nas relações humanas. Quem organiza a estrutura é o próprio homem,
tornando a violência um fenômeno mutável e multifatorial, como explica Maldonado:
As pesquisas sobre as causas da violência, feitas em vários países, apontam
para um grande número de fatores: a excessiva exposição de crianças e
jovens a cenas violentas, na mídia; o abuso de álcool e outras drogas
(especialmente a cocaína e o crack); o fácil acesso a armas; o crime
organizado; o abuso e a negligência de crianças; a impunidade e a falta de
assistência do governo; a miséria e o desemprego. Isso significa que a
violência não tem uma causa simples e, portanto, não se pode encontrar uma
solução simples, o controle da violência instituída precisa do trabalho
coordenado de muita gente, em várias frentes (MALDONADO, 1997, p.
6).
Igualmente, os dados do Ministério da Saúde apontam que tanto as pessoas que
produzem situações de violência como as pessoas que vivenciam essas situações tendem a
fazer mais uso de álcool e outras drogas, o que gera maior vulnerabilidade a outros agravos e
doenças, gerando quadros complexos para a intervenção psicossocial. O enfrentamento desta
complexa dinâmica envolve, portanto, a compreensão destes determinantes, de suas
manifestações, das particularidades dos grupos sociais mais atingidos, e das consequências e
outras formas de vulnerabilidade e risco que provoca.
Com base no exposto, percebe-se que a violência possui inúmeros fatores
desencadeantes, e as raízes dos problemas relacionados com estes atos precisam ser
compreendidas para que novas formas interventivas nasçam.
1.2 – Violências, Sociedade e Serviço Social
O Serviço Social é uma profissão de nível superior e tem por objetivo intervir
no sentido de viabilizar os direitos sócio-assistenciaisconforme preceitua o projeto ético
político da categoria profissional, bem como, a Constituição brasileira de 1988 a todos
aqueles que por si só, não conseguem suprir as suas necessidades fundamentais.
Desta forma, intervir nas expressões da desigualdade social, tais como fome,
miséria, violência, desemprego, ou violações de direitos é a prática do profissional do
assistente Social. Para tanto, o Assistente Social necessita de conhecimento teóricometodológico, ético-político e técnico-instrumental, para intervir nas expressões da questão
social, conforme esclarece Iamamoto:
O Serviço Social na contemporaneidade teve o desafio de decifrar os novos
tempos, que exigiu um profissional qualificado, não sendo apenas crítico e
reflexivo, mas com suporte teórico e metodológico para embasar-se em suas
criticas e diante da realidade, construir propostas de trabalhos criativos, pois
da Questão Social (desigualdade, desemprego, exclusão e pobreza) estarão
presentes em nosso cotidiano. Pensar o Serviço Social na
contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo
para decifrá-lo e participar da sua recriação (IAMAMOTO, 2003, p.19).
Analisar as múltiplas expressões da violência na contemporaneidade e sua
relação com o Serviço Social nos diversos espaços de sua atuação é condição básica para o
exercício da profissão. Trata-se de uma iniciativa que, certamente, não se limita ao Serviço
Social, mas o desafia no sentido de discutir a violência como um todo, sob dadas condições
sociais e históricas, exigindo dos profissionais da área posicionamentos e ações que possam
prevenir os processos violentos.
Por conseguinte, o Assistente Social é um profissional que possui qualificação,
conhecimento teorico-metodologico e instrumentais técnico-operativo para intervir nas
diversas expressões da violência. Diante de uma situação de violência, o profissional buscará
primeiramente desvendar os determinantes da violência, para definir as estratégias de
intervenção.
A intervenção profissional na perspectiva da garantia de acesso aos direitos
sociais e pelo atendimento de forma integral, posto que o sujeito social é um todo e não
fragmentado é um dos mecanismos utilizados pelo Assistente Social, que, através da
implantação, formulação e execução de políticas públicas estabelece pontes entre as políticas
públicas e os sujeitos de direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Assistente Social tem como objeto de trabalho a questão social ou a
expressões da questão social, que se constituinas expressões de desigualdade social, tendo
como objetivo a viabilizaçãode direitos e a ampliação da cidadania, por meio da garantia de
direitos.
A violência, nas suas mais diversas expressões, no caso deste estudo, a física e
psicológica, se constitui demandas que requerem estudo eintervenção do profissional do
Serviço Social.
O
Assistente
Social
é
um
profissional
que
possui
qualificação,
conhecimentocomplexo, criticidade, para intervir nas diversas expressões da violência. Diante
de uma situaçãode violência, o profissional buscará primeiramente produzir um conhecimento
da realidade,entendendo as causas/raízes do problema, em seguida utilizando seus
instrumentaistécnicos passará a adotar formas de intervenção, que possam amenizar ou
solucionar asituação. Dentre os instrumentos técnico-operativo, o profissional poderá utilizar
a escuta, visita domiciliar e institucional,entrevista, estudo social, orientação, que lhe
possibilitará desvendar os determinantes e as condições em que o seu objeto de estudo e
intervenção se manifesta, visando um processo interventivo eficaz.
Os encaminhamentos devem primar pela garantia de acesso aos direitos sociais
epelo atendimento de forma integral, posto que o sujeito social é um todo e não
fragmentado.Uma das possibilidades de enfrentamento das expressões da questão social,
reside na possibilidade do Assistente Social participar da implantação, formulação eexecução
de políticas públicas, pois, entende-se que é por meio destas que o sujeito assegurado o acesso
aos direitos de cidadania.
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O Serviço Social Frente À Violência - Pag. 1388-1401