O SERVIÇO SOCIAL FRENTE À VIOLÊNCIA Sandra Batista Novais Pires1 Nair Y. Haikawa2 Resumo: O presente artigo trata da questão da violência como uma prática corrente desde a antiguidade, e faz uma abordagem sobre o papel do Serviço Social frente ao fenômeno da violência. Inicialmente, apresenta-se o conceito de violência e suas implicações no contexto social. Os referenciais utilizados para a elaboração deste estudo são Iamamoto (2003), Maldonado (1997), Arendt (2004), Odalia (2004) e o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2002), da Organização Mundial da Saúde (OMS) para discutir as distintas expressões da violência que exigem respostas urgentes e efetivas e de acordo com a complexidade da sua manifestação. Essas reflexões adquirem maior relevância no atual contexto sócio-histórico em que presenciamos o aumento dos episódios de violência, exigindo dos profissionais, especialmente os Assistentes Sociais, ações competentes voltadas à construção de uma sociedade não-violenta e em que imperem o respeito e a solidariedade. PALAVRAS-CHAVE: Serviço social;violência; 1 INTRODUÇÃO A formação de Assistentes Sociais, através do curso de graduação em Serviço Social, é de grande importância para a sociedade, pois esta categoria profissional tem como objetivo a garantia dos direitos sociais e ,para tanto, a viabilização da proteção social através das políticas sociais públicas. O profissional em sua prática tende intervir nas expressões da questão social decorrente da desigualdade social, e que se expressam como fome, miséria, violência, desemprego. Nesse sentido, o objetivo principal deste estudo é identificar a mazela social retratada pela violência, apresentando sua conceituação, a relação entre as facetas da violência e a sociedade e, por fim, como os profissionais do Serviço Social devem operacionalizar o direito, buscando em sua prática profissional, o empoderamento e emancipação dos sujeitos sociais. Tendo como objetivo a qualidade de vida, a justiça social, a equidade e a ampliação da cidadania. 1 2 Graduanda do curso de Serviço Social pela AEMS. Orientadora 1 VIOLÊNCIA E SOCIEDADE Desde os tempos em que o homem não pode datar, a violência está presente, na inveja de um irmão pelo outro que o levou a cometer um homicídio e, por conseguinte a cólera divina recaída sob aquele homicida invejoso. Logo, a temática da violência não é um tema sociológico recente, pois são conhecidas diversas práticas violentas usuais na Antiguidade. Essas práticas começaram a ser discutidas a partir do século XIX. Assim, a violência passou a ser caracterizada como um fenômeno social e despertou a preocupação do poder público e também de estudiosos de várias áreas, tais como: Ciências Sociais, História, Geografia, Economia, Medicina, Psicologia, Direito, entre outros. Os principais autores que passaram a debater sobre a violência clássica relacionada à barbárie foram Marx, Hegel e Nietzsche. Com base em Filho (2001), para Marx a violência passou a ser algo superável e não inerente ao homem. E para Nietzsche ela é algo inerente ao ser humano. Por se tratar de uma questão já existente desde a Antigüidade, vale lembrar que existem relatos referentes à Idade Média em que a violência física fazia parte do homem medieval. Atos violentos eram comuns, tais como: mãos decepadas, purificações em fogueiras, mortes públicas, entre outros. Muitos são os registros históricos que relatam situações de violência física, verbal, psicológica, sexual etc., dentre eles encontramos na Bíblia, referências sobre a ocorrência de violências, com um conteúdo de lutas e guerras travadas pela busca do poder religioso e da supremacia de determinados povos e nações. Conforme pode-se observar no texto abaixo E disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? E ele disse: Não sei; sou eu guardador do meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a mim desde a terra. E agora maldito és tu desde a terra, que abriu a sua boca para receber da tua mão o sangue do teu irmão. Quando lavrares a terra, não te dará mais a sua força; fugitivo e vagabundo serás na terra. Então disse Caim ao SENHOR: É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. O SENHOR, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o SENHOR um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse. (GÊNESIS, CAP. 4, Vers. 9-15). Depreende-se que naquele período histórico, todo e qualquer ato violento poderia ser combatido ou refreado, com a promessa de outro ato mais violento, ou seja, a paz a ordem e a harmonia da e na sociedade era mantida somente através do medo. É interessante trazer à tona Foucault, renomado filósofo, que descreve minuciosamente a execução de um condenado em praça pública na França do século XVIII: [...] condenado a pedir perdão diante da porta principal da Igreja de Paris aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida, na dita carroça, na praça Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzido a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.3(FOUCAULT, 1987, p. 9) Muitos são os problemas do atual período da história da humanidade e, dentre eles, o gerado pela violência tem merecido a preocupação de vários setores da sociedade. Contudo, de acordo com Wertsch, Río e Alvarez (1998), as Ciências Humanas tem contribuído muito pouco para a compreensão e direcionamento das questões derivadas das complexas transformações operadas pela violência, permanecendo na aresta doutrinária. As exceções a essa postura podem ser vistas como rupturas na tendência dominante nos discursos dos cursos universitários, cujo enfoque disciplinar restrito acaba por torná-los pouco significativos para as questões sociais relevantes. Diante dos problemas temporais e doutrinários, é imperioso examinar as principais características da violência, através da diversidade conceitual, controvérsia da delimitação de seu objeto, quanto a quantidade, variedade/interação de suas causas e à falta de consenso sobre sua natureza. Assim sendo, far-se-á uma exposição sucinta sobre cada um desses aspectos, de forma a identificar e delimitar os problemas a eles relacionados, bem como a contribuição que deles se pode extrair para o estudo da violência. 3 Descrição da condenação de Demiens em 02 de Março de 1757. 1.1 VIOLÊNCIA: CONCEITOS Diversas publicações analisadas, mesmo tendo a violência como objeto de análise não apresenta de forma clara a sua definição. Algumas publicações, que procuraram caracterizar e definir a violência faz-no de uma forma genérica ou estabelecem o que a violência não é. Poucas exceções são encontradas em pesquisas esparsas, contudo, contextualizando-a no âmbito doméstico ou policial. Assim sendo, as generalidades conceituais tornam a contextualização variada e produz uma multiplicidade de situações em que poderia ser caracterizada, assumindo diferentes causas, formas e danos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a violência como: “o uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”. (OMS, 2007, p. 1165). A definição dada pela OMS associa intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido. São excluídos da definição os incidentes não intencionais. A inclusão da palavra "poder", completando a frase "uso de força física", amplia a natureza de um ato violento e expande o conceito usual de violência para incluir os atos que resultam de uma relação de poder, incluindo ameaças e intimidação. Para Filho (2001): Violência vem tanto do latim violentia, abuso de força, como de violare, transgredir o respeito devido a uma pessoa. Calcides, em Górgias, faz uma interessante vinculação entre o conceito grego equivalente (hybris: desmesura) e o desejo: o excesso não é senão outro nome para o desejo. Daí poder-se inferir que, além das definições que situam a violência como algo fisicamente agressor a uma individualidade, há um componente de prazer e de satisfação nas formas da violência, como o demonstram as práticas sadomasoquistas. (FILHO, 2001). Em contrapartida Minayo e Souza (1998, p. 513) procura dar maior especificidade à violência, mas, ainda assim, apresenta-se ampla: “a violência consiste em ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou espiritual”. Entretanto, as duas definições têm o foco voltado às consequências que as ações produziram, assim sendo, as ações violentas não são caracterizadas de forma a distingui-las das ações não violentas. A OMS ainda traz alusão ao significado do “uso do poder”, in verbis: O "uso de poder" também leva a incluir a negligência ou atos de omissão, além dos atos violentos mais óbvios de execução propriamente dita. Assim, o conceito de "uso de força física ou poder" deve incluir negligência e todos os tipos de abuso físico, sexual e psicológico, bem como o suicídio e outros atos auto infligidos. (OMS, 2007, p. 1165). A concepção apresentada pela OMS cobre uma ampla gama de resultados, incluindo injúria psicológica, privação e desenvolvimento precário. Ela reflete um crescente reconhecimento, entre pesquisadores, da necessidade de incluir a violência que não produza necessariamente sofrimento ou morte, mas que, apesar disso, impõe um peso substancial em indivíduos, famílias, comunidades e sistemas de saúde em todo o mundo. Assim, definir as consequências somente em termos de ferimento ou morte limita a compreensão total da violência em indivíduos, nas comunidades e na sociedade em geral. De acordo com a OMS (2007, p. 1165), a violência como dano físico é facilmente identificável; no entanto, quase qualquer coisa pode ser considerada violência que se refere à violação de normas/sistema normativo brasileiro. Um dos aspectos mais complexos da definição é a questão da intencionalidade, nesse prisma a OMS traz alguns pontos que devem ser observado: Primeiro, mesmo que se distinga a violência de atos não intencionais que produzem ferimentos, a intenção de usar força em determinado ato não significa necessariamente que houve intenção de causar dano. Na verdade, pode haver enorme disparidade entre comportamento intencional e consequência intencional. O agressor pode cometer um ato intencional que, sob critério objetivo, pode ser considerado perigoso e, possivelmente, ter resultados adversos para a saúde, mas não percebê-lo assim. Vejamos alguns exemplos: Dois jovens podem se envolver em uma luta física. Ao usar o punho contra a cabeça do oponente ou uma arma na briga, o jovem certamente aumenta o risco de ferimento sério ou mesmo morte, embora nenhuma das alternativas tenha sido a sua intenção. Em relação à intencionalidade, deve-se distinguir a intenção de ferir e a intenção de "usar violência". [...] Contudo a OMS define violência na medida em que ela diz respeito à saúde ou ao bem-estar dos indivíduos. Alguns comportamentos, como bater na esposa, podem ser visto por certas pessoas como práticas culturais aceitáveis, mas são considerados atos violentos com importantes efeitos na saúde do indivíduo. Outros aspectos da violência são incluídos na definição, embora não se encontrem explicitados. Por exemplo, a definição implicitamente inclui todos os atos de violência, quer sejam públicos ou privados, quer sejam reativos (em resposta a fatos anteriores, como uma provocação) ou antecipatórios (ou instrumentais para resultados automáticos), ou mesmo criminosos ou não. Cada um desses aspectos é importante para a compreensão da violência e para o planejamento de programas preventivos. (OMS, 2007, p. 1165-1166). Restringir o objeto para a sua definição é o caminho a ser utilizado para afunilar a conceituação do que vem a ser violência. Assim, pode-se constatar que este fenômeno possui causas múltiplas, complexas e correlacionadas com determinantes sociais e econômicos: desemprego, baixa escolaridade, concentração de renda, exclusão social, entre outros, além de aspectos relacionados aos comportamentos e cultura, como o machismo, o racismo e a homofobia. (OMS, 2002)4. Segundo o Relatório Mundial sobre a violência e saúde, publicado em 2002 pela OMS a violência é responsável por toda uma transformação nos hábitos e comportamentos sociais, na organização e arquitetura das cidades. Ainda de acordo com este relatório, a OMS destaca as seguintes tipologias: Violência auto infligida (autoprovocada): Tentativas de suicídio, suicídio, autoflagelação, autopunição, automutilação; Violência interpessoal: Intrafamiliar e comunitária. A violência comunitária também é denominada de violência urbana; Violência intrafamiliar: Ocorre entre os membros da própria família, entre pessoas que têm grau de parentesco, ou entre pessoas que possuem vínculos afetivos. Também denominada de violência doméstica por alguns teóricos, embora outros estudiosos desse tema façam uma distinção entre a violência doméstica e a violência intrafamiliar; Violência coletiva: Presente nos âmbitos sociais, políticos e econômicos, caracterizada pela subjugação/dominação de grupos e do estado; Violência estrutural: Ocorre em diferentes formas onde há manutenção das desigualdades sociais, econômicas, culturais, de gênero, etárias, étnicas. É a violência que mantém a miséria de uma determinada população. (OMS, 2002)5. É arriscado dar uma conceituação definida e objetiva, pois ela pode ter vários sentidos, tais como: ataque físico, sentido geral de uso da força física, ameaça ou até mesmo um comportamento não usual. Raymond Williams (2007, p. 407) destaca que “[...] se trata de uma palavra que necessita de definição específica inicial, se não quisermos cometer uma violência contra ela.” Outro autor que trata desta conceituação é Michaud (1989, p. 119) que tenta defini-la como: 4 Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/> Acesso: Ago/2012. idem 5 [...] há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, acusando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. (MICHAUD, 1989, p. 119). Por conseguinte, muitas são as formas e naturezas das violências apontadas por vários estudiosos, incluindo sociólogos, juristas, filósofos, psicólogos, dentre outros profissionais, além de alguns organismos internacionais e nacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Ministério da Saúde, a Secretaria de Direitos Humanos. Destacam-se: Física; Psicológica; Sexual; Negligência/abandono dentre outras. 1.1.1 Violência física e psicológica No decorrer da revisão de literatura, na procura por livros, teses e artigos, localizar uma análise que trata tão somente das duas terminologias - violência física e psicológica - que não agregasse outro adjetivo, sendo ele, violência doméstica, infantojuvenil, escolar etc., tornou a elaboração deste artigo uma questão instigante. Tendo em vista a necessidade de isolar tais conceitos, buscou-se em diversas áreas, tais como, Psicologia, Direito, Sociologia, Serviço Social e através do portal do Ministério da Saúde as respostas às perguntas: O que é violência física? O que é violência psicológica? O que as diferencia? As violências se apresentam de diferentes formas e com diversos efeitos sociais. Os tipos de violência são: física, negligência social, violência de gênero, abuso sexual, violência psicológica, violência urbana, violência institucional, violência de Estado, entre outros. Contudo, este estudo focou a violência entre crianças e adolescentes nas unidades escolares. Desta feita, foi necessário discernir dois institutos correlatos a atos violentos, sendo eles a violência física e a psicológica. Nesse prisma, Plácido e Silva conceitua violência como "o ato de força, a impetuosidade, a brutalidade, a veemência. Em regra, a violência resulta da ação ou da força irresistível, praticadas na intenção de um objetivo que não se teria sem ela". (2009, p. 498.) Nessa seara de ideias, a violência real ou efetiva distingue-se em violência física ou moral, sendo certo que a primeira é o meio físico aplicado sobre a pessoa da vítima para cercear sua liberdade externa ou sua faculdade de agir (ou não agir) segundo sua vontade, e a segunda, compreende a ameaça grave capaz de neutralizar o dissenso e a resistência da ofendida; consiste na inevitabilidade e natureza gravosa do mal prometido (...), tão grave que, por si só, determine a absoluta ineficácia de qualquer reação da vitima. (MASTIERI, 2001, p. 76). Para o Ministério da Saúde a violência física pode ser compreendida como “qualquer ação que machuque ou agrida intencionalmente uma pessoa, por meio da força física, arma ou objeto, provocando ou não danos e lesões internas ou externas no corpo”. (BRASIL, 2009, p. 9) Diante da violência física, a vítima vê-se rendida diante da impossibilidade de resistir. Contudo, consoante a violência moral, a vítima "escolhe" entre dois "resultados indesejáveis", um menor que é a rendição ao seu violentador, ou o "maior", que é a violência moral a que está sendo submetida, e, de certo, às consequências provenientes dela. (MASTIERI, 2001, p. 76). Nesse sentido, o entendimento do órgão público é de que a violência psicológica é uma ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa, por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal. (BRASIL, 2009, p. 10). Assim, a vítima nada tem a fazer quando tomada por uma arma de fogo que extingue toda sua resistência (violência física), enquanto, impedida pela ameaça de um mal abstrato (violência moral), escolhe pela consumação da violência física ou da expectativa da ocorrência de um mal presumido. Sobre isso, Maldonado (1997, p. 21) alerta: O abuso psicológico referente às formas de comunicação "demolidoras" é o tipo menos reconhecido de violência, porque o "corpo" não fica marcado e nenhum osso é fraturado. No entanto, em consequência de ter sido xingada, humilhada, depreciada e rejeitada, a criança cresce com marcas profundas em seu psiquismo e com sua autoestima gravemente fraturada. A sensação constante de estar "por baixo" origina em muitas pessoas, sentimentos de revolta e desejos de vingança que podem, mais tarde, motivar condutas violentas. (MALDONADO, 1997, p. 21). Geralmente é complexo, até mesmo para os profissionais, identificar a violência psicológica, exigindo sensibilidade e capacidade de escuta especializada para dar visibilidade à violência psicológica, e, consequentemente, para que se possa atender de forma eficiente às vítimas. Nilo Odalia (2004) contribui relacionando o conceito de violência com situações de privação, destituição. Desse modo, toda a vez em que há o sentimento de privação, a violência está presente. Com efeito, privar significa tirar, destituir despojar, desapossar alguém de alguma coisa. Todo ato de violência é exatamente isso. Ele nos despoja de alguma coisa, de nossa vida, de nossos direitos como pessoas e como cidadãos [...]. A ideia de privação parece-me, portanto, permitir descobrir a violência onde ela estiver por mais camuflada que esteja sob montanhas de preconceitos, de costumes ou tradições, de leis e legalismos (ODALIA, 2004, p. 86). Outra definição trazida por Marilene Ristum assume a seguinte posição: “Violência física: corresponde ao uso de força física contra outrem; Violência psicológica: evidencia-se como a interferência negativa de uma pessoa sobre a outra e sua competência social, conformando um padrão de comportamento destrutivo”. (2001, p. 64 – 65). Ainda dentro da órbita legal, encontram-se na injúria, na calúnia e na difamação, três exemplos de criminalização da violência moral/psicológica. De acordo com Conte (2010, p. 2) “os fenômenos de violência, de forma direta ou indireta, têm como efeito sobre as pessoas o isolamento social, o pânico, o consumo de drogas, a depressão e a melancolia, além de defesas agressivas que potencializam, de forma geral, laços mais violentos”. Nesse campo particular da saúde mental é importante lembrar as consequências psíquicas mais específicas da violência, já que há um número crescente de pessoas acometidas por quadros de estresse pós-traumático, ansiedade, fobias e pânico, particularmente nas grandes cidades. Não há perfil recente e abrangente para todo o país quanto a prevalência de transtornos psiquiátricos, mas estudos indicam a magnitude do problema da relação entre violência e saúde mental. (BRASIL, 2009, p. 35). Por conseguinte, a violência em suas diferentes expressões (estrutural, social, política, física, psicológica, sexual...) está na agenda do dia, presente nas diferentes classes sociais, etnia, idade, cor, orientação sexual. Por isso, como enfatiza Odalia (2004, p. 87): "vivemos a democracia da violência", pois, esta se faz presente nos mais diversos grupos sociais. A violência precisa ser entendida como um produto social e histórico, produzida socialmente nas relações humanas. Quem organiza a estrutura é o próprio homem, tornando a violência um fenômeno mutável e multifatorial, como explica Maldonado: As pesquisas sobre as causas da violência, feitas em vários países, apontam para um grande número de fatores: a excessiva exposição de crianças e jovens a cenas violentas, na mídia; o abuso de álcool e outras drogas (especialmente a cocaína e o crack); o fácil acesso a armas; o crime organizado; o abuso e a negligência de crianças; a impunidade e a falta de assistência do governo; a miséria e o desemprego. Isso significa que a violência não tem uma causa simples e, portanto, não se pode encontrar uma solução simples, o controle da violência instituída precisa do trabalho coordenado de muita gente, em várias frentes (MALDONADO, 1997, p. 6). Igualmente, os dados do Ministério da Saúde apontam que tanto as pessoas que produzem situações de violência como as pessoas que vivenciam essas situações tendem a fazer mais uso de álcool e outras drogas, o que gera maior vulnerabilidade a outros agravos e doenças, gerando quadros complexos para a intervenção psicossocial. O enfrentamento desta complexa dinâmica envolve, portanto, a compreensão destes determinantes, de suas manifestações, das particularidades dos grupos sociais mais atingidos, e das consequências e outras formas de vulnerabilidade e risco que provoca. Com base no exposto, percebe-se que a violência possui inúmeros fatores desencadeantes, e as raízes dos problemas relacionados com estes atos precisam ser compreendidas para que novas formas interventivas nasçam. 1.2 – Violências, Sociedade e Serviço Social O Serviço Social é uma profissão de nível superior e tem por objetivo intervir no sentido de viabilizar os direitos sócio-assistenciaisconforme preceitua o projeto ético político da categoria profissional, bem como, a Constituição brasileira de 1988 a todos aqueles que por si só, não conseguem suprir as suas necessidades fundamentais. Desta forma, intervir nas expressões da desigualdade social, tais como fome, miséria, violência, desemprego, ou violações de direitos é a prática do profissional do assistente Social. Para tanto, o Assistente Social necessita de conhecimento teóricometodológico, ético-político e técnico-instrumental, para intervir nas expressões da questão social, conforme esclarece Iamamoto: O Serviço Social na contemporaneidade teve o desafio de decifrar os novos tempos, que exigiu um profissional qualificado, não sendo apenas crítico e reflexivo, mas com suporte teórico e metodológico para embasar-se em suas criticas e diante da realidade, construir propostas de trabalhos criativos, pois da Questão Social (desigualdade, desemprego, exclusão e pobreza) estarão presentes em nosso cotidiano. Pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos abertos para o mundo contemporâneo para decifrá-lo e participar da sua recriação (IAMAMOTO, 2003, p.19). Analisar as múltiplas expressões da violência na contemporaneidade e sua relação com o Serviço Social nos diversos espaços de sua atuação é condição básica para o exercício da profissão. Trata-se de uma iniciativa que, certamente, não se limita ao Serviço Social, mas o desafia no sentido de discutir a violência como um todo, sob dadas condições sociais e históricas, exigindo dos profissionais da área posicionamentos e ações que possam prevenir os processos violentos. Por conseguinte, o Assistente Social é um profissional que possui qualificação, conhecimento teorico-metodologico e instrumentais técnico-operativo para intervir nas diversas expressões da violência. Diante de uma situação de violência, o profissional buscará primeiramente desvendar os determinantes da violência, para definir as estratégias de intervenção. A intervenção profissional na perspectiva da garantia de acesso aos direitos sociais e pelo atendimento de forma integral, posto que o sujeito social é um todo e não fragmentado é um dos mecanismos utilizados pelo Assistente Social, que, através da implantação, formulação e execução de políticas públicas estabelece pontes entre as políticas públicas e os sujeitos de direitos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Assistente Social tem como objeto de trabalho a questão social ou a expressões da questão social, que se constituinas expressões de desigualdade social, tendo como objetivo a viabilizaçãode direitos e a ampliação da cidadania, por meio da garantia de direitos. A violência, nas suas mais diversas expressões, no caso deste estudo, a física e psicológica, se constitui demandas que requerem estudo eintervenção do profissional do Serviço Social. O Assistente Social é um profissional que possui qualificação, conhecimentocomplexo, criticidade, para intervir nas diversas expressões da violência. Diante de uma situaçãode violência, o profissional buscará primeiramente produzir um conhecimento da realidade,entendendo as causas/raízes do problema, em seguida utilizando seus instrumentaistécnicos passará a adotar formas de intervenção, que possam amenizar ou solucionar asituação. Dentre os instrumentos técnico-operativo, o profissional poderá utilizar a escuta, visita domiciliar e institucional,entrevista, estudo social, orientação, que lhe possibilitará desvendar os determinantes e as condições em que o seu objeto de estudo e intervenção se manifesta, visando um processo interventivo eficaz. Os encaminhamentos devem primar pela garantia de acesso aos direitos sociais epelo atendimento de forma integral, posto que o sujeito social é um todo e não fragmentado.Uma das possibilidades de enfrentamento das expressões da questão social, reside na possibilidade do Assistente Social participar da implantação, formulação eexecução de políticas públicas, pois, entende-se que é por meio destas que o sujeito assegurado o acesso aos direitos de cidadania. REFERENCIAL TEÓRICO BIBLIA. Velho testamento: Gênesis.Cap.4. Versículo 9 – 15. Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br> Acesso em Julho 2012. BRASIL. Manual para Atendimento às Vítimas de Violência na Rede de Saúde Pública. Coord. VILELA, Laurez Ferreira. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/> Acesso em Agosto/2012. CONTE, Marta. Violência e saúde mental. <http://portal.saude.gov.br/portal/> Acesso em Julho/2012. 2010. Disponível em: FILHO, CIRO MARCONDES. 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