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Mesa: Impasses na Reforma Psiquiátrica e a violência por omissão
O QUE PODE A CLÍNICA PSICANALÍTICA CONTRA A VIOLÊNCIA DA
SEGREGAÇÃO: COMENTÁRIO DE UM CASO CLÍNICO
Autor: Richard Couto
Psicanalista, mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela UERJ, aluno do doutorado
em Pesquisa e Clínica em Psicanálise da UERJ, participante das Formações Clínica do
Campo Lacaniano do Rio de Janeiro.
Com este trabalho pretendemos lançar algumas propostas para refletir sobre uma
questão na atual reforma psiquiátrica brasileira, a saber, a segregação de usuários que
ocorre nos dispositivos engendrados pela reforma, tais como CAPS, CAPsi; como também
nas instituições que funcionam em rede com estes dispositivos, como as escolas. A questão
surgiu a partir de nosso trabalho em uma residência terapêutica para jovens adultos
psicóticos e autistas quando acompanhávamos um caso que não foi recebido em tratamento
nem por CAPsi, nem por CAPS, sendo ainda desvinculado de várias escolas. Para tanto,
trabalharemos, em linhas gerais, o caso clínico, utilizando-nos da teoria dos quatro
discursos de Lacan com a qual verificaremos a violência da segregação ao excluir um
usuário dos dispositivos. Qual a contribuição que a psicanálise pode oferecer para a
inclusão, através do tratamento nesses casos?
O caso em questão é de um jovem adulto, atualmente com vinte e um anos de idade
(idade estimada por exame ósseo), que foi um dos primeiros a ser selecionado para ir
morar na residência terapêutica quando o projeto ainda estava em fase de implantação. Sua
idade no momento de implantação do projeto da residência era de quinze anos. Ao passar
definitivamente para residência, quando o projeto da residência se concretizou, sua idade
era de dezoito anos. Para preservar sua identidade, vamos fornecer somente as informações
essenciais ao caso. Aqui o chamaremos de Negão, pois este é seu apelido na residência que
de forma alguma é rejeitado por ele, ao contrário, ser chamado de Negão é algo que ele
tomou para si.
A história que conhecemos de Negão é que ele foi abandonado ainda muito novo,
possivelmente aos três ou quatro anos de idade em uma instituição para menores
abandonados, provavelmente um orfanato. Nessa instituição se notou que Negão possuía
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“problemas mentais”, em razão dos quais foi encaminhado para uma clínica psiquiátrica e
lá Negão ficou até seus dezoito anos quando saiu para ir morar na residência terapêutica.
Sabe-se que a clínica, que o acolheu, funcionou por muito tempo nos moldes de um
hospital psiquiátrico, ou seja, reclusão, medicação exacerbada, maltratos, superlotação,
eletrochoques, etc. Tal funcionamento é ainda mais problemático no caso, por se tratar de
uma clínica cuja clientela era exclusivamente composta de crianças e adolescentes.
Possivelmente o único tratamento a que Negão havia se submetido, até chegar à residência,
foi o tratamento oferecido pela referida clínica. Desde sua estada nessa instituição, Negão
tem o diagnóstico de autismo infantil. Tal diagnóstico foi mantido sem questionamentos.
O relato sobre a chagada de Negão que é dado pelos primeiros cuidadores que
trabalharam com ele nos primeiros meses de funcionamento da residência, indica que era
difícil lidar com ele, tendo em vista que ele reagia com tentativas de agressão quando era
interpelado por algum cuidador, rasgava as roupas que lhe eram oferecidas, tentava agredir
os demais moradores que, de alguma forma, se mostravam invasivos com ele, não aceitava
facilmente fazer sua higiene e sua postura em geral era arredia. As únicas palavras, que
Negão falava, eram Paulo e porra. Paulo, segundo a informação que foi dada à residência,
era um cuidador da clínica na qual passou a segunda infância e a adolescência, e de quem
Negão gostava, sendo alguém com quem Negão tinha uma boa relação. Já a palavra porra
era e é usada para expressar seu incômodo, insatisfação, raiva e, às vezes, para fazer
alguma atividade lúdica. Essa atividade lúdica é feita de forma automática, completamente
repetitiva, acompanhada, portanto, do enunciado porra.
O motivo de Negão não ter sido recebido em tratamento no CAPsi de referência da
região onde está estabelecida a residência terapêutica e para o qual ela o orientou, residiu
no fato de Negão já não ser um adolescente e sim um jovem adulto agora com mais de
dezoito anos. O CAPsi justificou que como Negão já era adulto não poderia recebê-lo em
tratamento por ser uma instituição para crianças e adolescentes. Quanto ao CAPS adulto da
região, para o qual a residência também tentou encaminhar Negão para tratamento, foi
argumentado que não se aceitaria Negão em tratamento pelo fato do diagnóstico de
autismo infantil, como o autismo seria uma afecção da infância e como o CAPS é
destinado a psicóticos adultos, o acesso ao CAPS foi negado por se tratar de um adulto
autista. O que seria então uma contradição dos termos. No entanto, devemos notar que o
autismo é uma das quatro principais características da esquizofrenia, juntamente com as
associações em distúrbio, a afetividade e a ambivalência. Essas quatros características
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foram formuladas pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler que descreveu a esquizofrenia em
1911, indo na contramão da descrição de Kraepelin que nela identificava um processo de
demência, denominando esse quadro de demência precoce. Bleuler preferiu usar o termo
esquizofrenia para enfatizar a cisão que afeta os sujeitos esquizofrênicos e um dos modos
de constatar essa cisão foi pela observação do autismo que se encontrava em alguns
esquizofrênicos, pois “para Bleuler, o autismo significa perda do contato com a realidade.
Nos casos mais leves, ligeiramente, nos casos mais graves, completamente” (Quinet, 2006:
75). Desse modo, a justificativa dada pelo CAPS
para não ter recebido Negão em
tratamento, alegando o autismo como motivo de não poder aceitá-lo, não se sustenta em
razão do autismo ser uma característica, antes de tudo, da psicose.
Além disso, o CAPS adulto argumentou que a ausência de um tratamento anterior em um
CAPsi também impedia Negão de ser recebido. Pois, Negão não tinha como fazer a
passagem de um CAPsi para um CAPS adulto, o processo de passagem que acontece
geralmente para os usuários que iniciam um tratamento em um CAPsi, quando criança ou
adolescente, e, ao se tornarem adultos, passam a ser tratados em CAPS adulto. Por não
poder fazer a passagem, Negão não poderia ser assumido em tratamento pelo CAPS. Como
se pode verificar, a situação de Negão era kafkiana.
Como nas residências terapêuticas de modo geral há sempre um trabalho voltado para se
reatar o convívio social dos residentes, a grande maioria dos moradores estuda em escolas
que estão vinculadas à rede de saúde mental da região onde o serviço residencial se
encontra. Negão também foi à escola, matriculado em turma especial. Devido a sua reação
agressiva a determinadas tentativas de aproximação, Negão enfrentou muitas resistências
nas escolas pelas quais passou, muitas professoras o abordavam com grande receio e
temor, não achavam seguro que ele interagisse com outros jovens e o isolavam. O receio e
o temor nas escolas são comuns por parte das professoras em relação aos jovens da
residência, que acabam fazendo aulas completamente sozinhos, acompanhados somente
das suas professoras e têm seus horários de lanche diferenciados dos demais alunos das
escolas. Somado a isso, há uma carga horária reduzida de apenas uma hora de aula por dia.
Ora, se a escola deveria ser um lugar de contribuição para a socialização de jovens adultos
autistas e psicóticos, tais medidas vêm na contramão dessa recomendação. O relato que se
tem dos cuidadores da residência, e que posteriormente também tivemos como presenciar,
falam de atitudes e medidas adotadas nas escolas que possuíam ares de uma segregação
velada que sempre culminava na desvinculação, para não dizer expulsão, de Negão das
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escolas. Ao todo foram três escolas que o desvincularam. Uma escola chegou ao extremo
de matriculá-lo no turno noturno sem problematizar suas questões, seu quadro clínico, sua
dificuldade em usar o transporte público. A medida foi baseada única e exclusivamente na
idade cronológica de Negão: como ele já era adulto, não podia estudar no período diurno.
Diante das dificuldades que não foram consideradas, a coordenação da residência
terapêutica solicitou uma reunião para se debater com os responsáveis pela coordenação
das escolas da rede municipal da região de Jacarepaguá a situação de Negão nessa escola.
Decidiu-se transferir Negão para uma outra escola na qual estudaria no turno matutino, no
período de onze às doze horas.
Um trabalho que realizamos com Negão e que gostaríamos de comentar, teve início no
momento em que tivemos de acompanhá-lo à escola para a qual ele havia sido transferido.
Fornecemos à escola, como é de praxe, algumas informações sobre a história do morador,
seu desempenho nas escolas anteriores, seu quadro clínico e sobre como lidar com ele em
certas situações. Ao ser informada sobre as reações agressivas de Negão, apesar de lhe ter
sido precisado que tais agressões só ocorriam quando Negão se sentia contrariado ou
invadido, a professora fez a exigência de ter um cuidador, de preferência do sexo
masculino, na sala de aula quando estivesse em atividade com Negão. Quanto ao fato de
ter um cuidador acompanhando Negão nas atividades e em se tratando de um início de
trabalho, a equipe da residência terapêutica concordou com a solicitação da professora,
mas todas as vezes que ia uma cuidadora como acompanhante, a professora se mostrava
muito contrariada e chegava a ligar para a residência para pedir que no próximo dia fosse
um cuidador. O argumento da professora para ter um cuidador e não uma cuidadora era
que Negão não obedecia a uma mulher e caso ele tivesse um ataque agressivo uma mulher
não teria como conter a situação. Por outro lado, a mesma professora fazia uma oposição
muito forte às recomendações que a equipe tentava passar, na maioria das vezes
argumentava que tinha experiência com turmas especiais, com autistas e psicóticos, que
havia feito muitos treinamentos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação e pela
Coordenação de Saúde Mental do Município e que não precisava de instruções adicionais.
Sentia-se perfeitamente habilitada para lidar com alunos com as mesmas dificuldades de
Negão e julgava que não precisava de orientações.
Em contrapartida Negão não reagia muito bem às intervenções da professora em seu
horário de aula. Em numerosas vezes, a professora fazia convites a Negão para que ele
fizesse algumas atividades como pintar, trabalhar com massa de modelar, ouvir música e
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ele se recusava quase sempre. Seu interesse era explorar a sala de aula e muitas vezes sair
da sala e vagar pelo pátio, pelo jardim à procura da haste de madeira e da massa para fazer
seu “martelinho”. A professora tentava levá-lo de volta à sala de aula e dificilmente
conseguia, quem determinava a volta era o próprio Negão. Ela, percebendo o interesse dele
em fazer esse instrumento, começou a oferecer material para que ele o fizesse na sala de
aula, o que ele recusou prontamente. Ela custou a perceber que a construção desse
instrumento obedecia a algumas determinações como a procura e a escolha do material
para a fabricação, como também sua disposição em elaborá-lo. A fabricação desse
instrumento não partia da demanda da professora, mas de Negão e as circunstâncias para
fabricá-lo nem sempre podiam ser compreendidas.
A professora estabeleceu, com o apoio da escola, que Negão não faria seu lanche no
refeitório, muito menos no mesmo horário dos outros alunos. Negão lanchava sozinho na
sala de aula, ou melhor, acompanhado da professora e do cuidador. Em relação a essa
decisão, a professora nos disse que no momento em que Negão estivesse mais bem
adaptado à escola, ele passaria a ir ao refeitório. Assim, uma das primeiras estratégias da
professora para lidar com Negão, foi oferecer no momento de sua chegada seu lanche e
depois tentar fazer alguma atividade com ele. Porém, depois que lanchava, Negão queria ir
embora ou ficar andando pela escola. Às vezes, ao sair da sala, ficava observando com
grande interesse os outros alunos, iniciativa que provocava receio na professora, pois
achava que Negão poderia agredir os alunos menores, coisa que ele, no entanto, nunca fez
em nenhuma escola pela qual passou.
Numa das idas da professora para ir buscar o lanche do Negão no refeitório, ocorreu um
fato relevante. A sala de aula possuía muitos brinquedos e Negão às vezes os olhava,
pegava e largava em seguida. Aproveitando que a professora não estava na sala, pegamos
um dos tambores que lá se encontrava e começamos a tocá-lo fazendo um ritmo. De
imediato isso despertou em Negão um interesse, ele se voltou para nós e ficou observando
os movimentos feitos para realizar a batida, bem como se mostrou muito atento ao som
produzido. Logo Negão estava solicitando para também bater no tambor, ao bater se
surpreendia com o som e sorria. Sua segunda reação foi pegar o suposto “martelinho” para
bater no tambor e produzir som. Essa atividade se reproduziu por algumas vezes na sala de
aula conosco e depois com a participação da professora. Verificamos que o instrumento
fabricado por Negão não era um simples “martelinho” e sim um instrumento para produzir
som e ritmo, seu uso era percussivo. Isso teve sua comprovação quando começamos a fazer
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para ele vocalizações que imitavam o som de uma bateria musical, ao mesmo tempo em
que ele batia com o instrumento, também tentava fazer a vocalização sincronizada com as
batidas. Em algumas ocasiões na residência
terapêutica, pegávamos uma lata e
iniciávamos as batidas com Negão que participava batendo na lata e sorrindo a cada ritmo
produzido. Possivelmente, o que tornou viável essa aproximação de Negão e a verificação
do uso que ele fazia desse instrumento, foi nossa posição num lugar esvaziado, na
contramão de uma dimensão pedagógica que estabelecia que Negão tinha de participar e
realizar as atividades, demandas feitas a ele para que ele aprendesse alguma. A posição
esvaziada se efetivava na ausência de demandas, contrastando com as inúmeras demandas
que lhe direcionavam.
A questão que surge com o caso de Negão é: o que esses casos têm que incomodam
tanto as instituições a ponto de excluí-los, de segregá-los? Podemos tentar responder a esta
questão partindo do que nos diz a psicanalista Colette Soler: “a segregação é uma via de
tratar o insuportável, o impossível de suportar” (1994 [1998]: 46). Não só o caso Negão,
mas há também outros casos que presentificam esse insuportável, tais casos apresentam a
esses dispositivos um real que é da ordem do impossível de suportar. A única maneira de
tratar esse insuportável é pela clínica, clínica psicanalítica, pois é esta clínica que
estabelece o tratamento do real pelo simbólico. Porém, como clínica nem sempre está
presente de forma decida em tais dispositivos, o único modo de lidar com os casos em
questão é pela via da segregação.
O conceito de segregação é introduzido no campo psicanalítico por Lacan, não é
propriamente um conceito freudiano, o que não quer dizer que não haja em Freud
referências para se pensar a segregação. Como exemplo, podemos citar a identificação
vertical ao chefe, seja na igreja, seja no exército e quem não a fizesse, ficava segregado
nessas organizações, como podemos observar em Psicologia das massas e análise do eu
(1921).
Em Lacan, a segregação surge para responder a três questões: 1. O laço social, 2. A
instituição psicanalítica 3. O dispositivo do passe. Para nossa proposta, a questão que se
apresenta, refere-se ao laço social, ou seja, sobre o discurso tal como postula Lacan: “o
discurso é aquilo que faz laço social” (Lacan, 1969-1970 [1992]). Lacan fala da segregação
a partir do comentário que realizou em seu Seminário de 1969 e 1970 sobre o trabalho de
Freud Totem e Tabu (1913), que é outra referência para se trabalhar a segregação. Ao
comentar o assassinato do pai da horda, Lacan postula que a origem da fraternidade é a
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segregação, é ao se reconhecerem como irmãos que podem excluir o pai e matá-lo. Lacan
ainda nos diz que a sociedade está baseada na segregação: “na sociedade, tudo o que existe
se baseia na segregação, e a fraternidade em primeiro lugar” (Lacan, 1969-1970 [1992]:
107). Não há, podemos dizer a partir de Lacan, coletivo ou laço social sem exclusão, sem
segregação, pois não existe um gozo social unificado, há várias modalidades de gozo que
são escolhidas por cada cultura. O que faz nossa cultura ser marcada pela segregação é o
fato do discurso do capitalista e o discurso da ciência tenderem a universalizar através do
engodo que todos têm o mesmo acesso ao gozo. Isso produz segregação, pois nem todos
têm e é o que denúncia Marx com suas análise do Capital, razão pela qual Lacan o
considera o inventor do sintoma social devido à massa de proletário contradizer o universal
do capitalismo, como observa F. Leguil (1998: 13): “a segregação faz sintoma de um
discurso que é necessariamente um discurso de segregação”. Comparando o sintoma social
ao sintoma neurótico, Leguil ainda nos diz que tanto no sintoma neurótico, quanto no
sintoma social, há uma covardia diante do real, ou seja, o sintoma da segregação “é uma
abjeção da coletividade diante de um real” (Ibidem: 14).
Ao trazer a dimensão clínica para o caso e dar lugar ao sujeito, tivemos como agenciar
um outro posicionamento de Negão na residência, diferente tanto da demanda feita para ele
de realizar as tarefas de um lar ou se adaptar à residência ou à escola, quanto da segregação
nos dispositivos. Tal caso pode indicar que a dimensão clínica tem uma grande
contribuição a dar à dimensão política, ao mostrar como o trabalho clínico pode rearticular
a dimensão política.
Em virtude de nosso trabalho clínico, podemos fazer valer a tese psicanalítica de que o
laço social somente se efetiva se há a possibilidade do sujeito de se situar em um discurso,
sustentando sua posição no discurso e não estando somente assujeitado a ele. Vimos como
Negão foi submetido ao discurso do mestre e ao discurso universitário, o que produziu sua
segregação:
(...) a segregação é perfeitamente o que se escreve do discurso do mestre,
do poder que faz autoridade. Vocês mobilizam um saber sobre o que
classifica as coisas e as pessoas e essa simples intervenção de um poder
sobre um saber expulsa o que é heterogêneo ao significante e que é o objeto
(Leguil, 1998: 13).
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Tais discursos, ao incidirem sobre Negão, provocavam uma petrificação significante: o
Negão do “martelinho”, das agressões, aquele que rasga e molha as roupas, que não “se
adapta” às escolas e não colabora com as atividades pedagógicas. Ao apostarmos no sujeito
e ao nos agenciarmos do discurso do psicanalista, tivemos como dialetizar algumas dessas
questões e possibilitar a Negão tomar posição dentro de um laço social. Verificamos que o
fato de ser remanejado de uma clínica psiquiátrica, ser posto num dispositivo da reforma
psiquiátrica (a residência terapêutica), freqüentar escolas, não são suficientes para
estabelecer um laço social. Pelo contrário, vimos que a incidência dos dois discursos
produzia a segregação do sujeito: sem tratamento e expulso das escolas:
A psicanálise, através de seu trabalho clínico, pode possibilitar questionamentos da
dimensão política, não para colocá-la em detrimento, mas para fornecer meios de não se
cair na burocracia, pois a clínica dá lugar aos sujeitos para os quais os serviços da reforma
psiquiátrica se destinam. Ao introduzir a política da psicanálise na reforma psiquiátrica
brasileira, o discurso do psicanalista tem como realizar uma de suas funções no trabalho
institucional: fazer os discursos circularem, não havendo um predomínio de um ou outro
discurso, ou seja, o discurso do mestre e o discurso universitário, no caso da reforma
psiquiátrica. O discurso do psicanalista pode também questionar a segregação,
promovendo um outro modo de inclusão através clínica que possibilita o sujeito se
inscrever no laço social.
À guisa de conclusão, podemos supor que uma questão surge quando falamos do
discurso do psicanalista: se todo coletivo e todo discurso produzem segregação, o discurso
do psicanalista também não segrega? Qual a diferença entre tal discurso e os demais
discursos? Como na psicanálise o sujeito está sempre em questão e sua clínica se orienta
pela singularidade do sujeito, pelo um a um, o discurso do psicanalista consegue escapar à
segregação. Além disso, o discurso do psicanalista não adere à ideologia igualitária,
também não estabelece o Um para todos. Com esta particularidade, o discurso do
psicanalista é um recurso contra a segregação.
O discurso do psicanalista ao fazer com que os discursos circulem e ao tornar presente
o discurso da histérica na instituição, nos dispositivos, tem como fornecer meios dos
usuários da reforma psiquiátrica se colocarem não como comandados, mas como agentes
que podem, a partir de seus questionamentos, contribuir para o avanço do funcionamento
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institucional e dos fundamentos que nortearam o movimento da última reforma psiquiátrica
brasileira.
Referências Bibliográficas
FREUD, S. Totem e Tabu (1913). In: Edição Standard das Obras Psicológicas completas
(ESB). Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_______. Psicologia das massas e análise do Eu (1921). In: Edição Standard das Obras
Psicológicas Completas (ESB). Rio de Janeiro: Imago, 1976.
LACAN, J. O Seminário, livro 17: O avesso da Psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1992.
LEGUIL, F. Formas de desencontro: segregação, solidão, amor. In: Curinga , nº 11,
05-44, 1998.
SOLER, C. Sobre a segregação (1994). In: O brilho da infelicidade. Rio de janeiro:
Contra-capa, 1998.
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