REMUNERAÇÃO POR COMPETÊNCIAS: recompensando o desen volvimento e a desenv contrib uição do pr of issional contribuição prof ofissional Modelos alternativos de gestão da remuneração consideram transformações no cenário empresarial e a no tuação dos pr of issionais novva dinâmica de aatuação prof ofissionais José Antonio Monteiro Hipólito A gestão da remuneração sempre foi considerada aspecto crítico para as organizações. Embora todas tenham como objetivo reconhecer a contribuição, o “valor agregado” pelas pessoas, a dificuldade se encontra justamente em estabelecer uma medida capaz de “capturar” esse valor agregado. Os sistemas funcionais de remuneração (centrados em cargos) podem ser vistos como um exemplo de mecanismo elaborado para “medir” a contribuição dos profissionais, tendo por pressuposto um mundo estável e previsível, ou seja, assumem ser possível organizar a gestão de pessoas de uma forma ampla e a remuneração em particular, definindo a priori o conjunto de atividades que cada trabalhador deveria desempenhar. Nos sistemas funcionais, é o conjunto de atividades (compreendidas em um cargo) que serve de base para a definição da remuneração. No entanto, à medida que os pressupostos que sustentam a prática funcional de gestão de pessoas vêem-se rompidos, com a intensificação da velocidade das mudanças nas organizações – resultado do avanço tecnológico, globalização, aumento na competição, entre outros –, os parâmetros, que por muito tempo ajudaram a organizar a prática da compensação, passam a se demonstrar inadequados. Gestão Nova dinâmica Neste novo cenário empresarial, não se espera mais das pessoas apenas a reprodução de atividades prescritas em seu cargo. Pelo contrário, deseja-se que elas extrapolem esses limites, assumindo proativamente atribuições e dando respostas a problemas não anteriormente especificados. O desafio, então, passa a ser encontrar modelos 28 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n .3, set. 2 0 02 alternativos de gestão da remuneração que considerem a crescente transformação do mundo e essa nova dinâmica de atuação dos profissionais. Desconsiderar este fenômeno e não reconhecer aquelas pessoas que vão além dos limites estabelecidos pelo cargo tem sido, certamente, motivo de frustração e descontentamento para aqueles profissionais talentosos, que buscam assumir, de forma sistemática, responsabilidades adicionais. E são justamente esses profissionais que as organizações devem tentar preservar. As formas de recompensa que surgem devem, portanto, ser capazes de reconhecer as diferenças individuais e os diversos ritmos que as pessoas têm em assumir responsabilidades, uma vez que estes aspectos acabam por traduzir diferentes contribuições para com a organização. Mais que isto, devem ser buscados critérios flexíveis que acompanhem as mudanças que ocorrem na empresa e no mercado. A revisão do composto remuneratório, que vem apontando um contínuo decréscimo da parcela fixa, quando comparado à parcela variável de remuneração, consiste numa das iniciativas voltadas para reconhecer a contribuição e absorver a volatilidade do ambiente organizacional. Embora reconheçamos que este seja um caminho para incrementar a flexibilidade na gestão das recompensas, verifica-se sua incapacidade em solucionar completamente a questão. A solução plena para a gestão remuneratória em ambientes dinâmicos deve, necessariamente, contemplar a revisão dos critérios utilizados para se estabelecer a remuneração fixa, mesmo porque, em muitas práticas, ela é a base para o cálculo da parcela variável. Outra constatação que nos impede de olhar a remuneração variável como suficiente para equacionar a questão do reconhecimento das diferenças individuais está no fato de a maioria de suas práticas priorizarem o acompanhamento de metas coletivas. Isto posto, nos centraremos, neste artigo, na apresentação e análise das experiências mais sólidas que vêm sendo desenvolvidas para lidar com a gestão da remuneração fixa em cenários de mudança. A principal dificuldade no sistema de remuneração por habilidades ou competências é estabelecer uma relação direta entre a aquisição de habilidades ou competências e a contribuição dos profissionais Habilidades e competências Uma primeira tentativa de equacionar a gestão da remuneração fixa em ambientes dinâmicos, contemplando as diferenças individuais, consistiu em mudar o foco de análise do cargo para as pessoas. Este movimento, presente desde a década de 1970, tem como pilares o pagamento por habilidades no nível operacional e o pagamento por competências para posições não operacionais. Vale ressaltar que alguns autores consideram habilidades e competências como sinônimos, mudando apenas o público a que se dirigem: operacional (habilidades) ou não operacional (competências). Aqueles que defendem a remuneração por habilidades reforçam sua propriedade de estimular o contínuo desenvolvimento das pessoas e atribuem a esse desenvolvimento papel fundamental na capacidade competitiva das empresas. No entanto, a remuneração por habilidades ou competências, como caracterizadas até aqui, têm apresentado inúmeras questões não equacionadas, sendo que a principal delas consiste na dificuldade em se estabelecer uma relação direta entre a aquisição de habilidades ou competências e a contribuição dos profissionais – e, lembrem-se, é esta contribuição que se deseja estimular e recompensar. Esta afirmação é válida principalmente quando tratamos de posições não operacionais, o que tem levado ao descrédito em relação ao uso de competências como principal parâmetro de definição salarial. A prática de remunerar pela aquisição de conhecimentos e habilidades tem gerado, ainda, outros efeitos perversos como a dificuldade em estabelecer quanto “vale” cada habilidade, principalmente pela quase inexistência de referenciais para comparação no mercado de trabalho; a pressão por incremento na folha de pagamentos; o estímulo a uma rotação intensiva de pessoas nos postos de trabalho como forma de aumentarem seu conjunto de habilidades e, portanto, seu salário; e a alta complexidade administrativa que traz consigo. Essas e outras dificuldades têm levado muitas empresas que já empregaram a remuneração por habilidades ou competências sem os devidos cuidados a reverem suas práticas. As limitações acima descritas mostram que o conceito de competências, entendido como o acúmulo de conhecimentos, habilidades e atitudes, ou seja, como um conjunto de características individuais, não tem sido parâmetro adequado para organizar as decisões salariais. Sua principal deficiência está na impossibilidade de garantir uma relação direta entre a aquisição dessas características e a contribuição para a empresa, especialmente à medida que se avança para situações de trabalho mais complexas. A constatação prática desses aspectos tem levado à revisão e ao abandono das práticas de remuneração por competências assim desenhadas e a dúvidas em relação a sua eficiência para balizar decisões salariais. Por outro lado, tem propiciado um movimento de revisão do conceito, buscando aproximá-lo das atuais necessidades organizacionais. ... 29 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n .3, set. 200 2 O conceito de competências deixa de ser visto apenas como o acúmulo de conhecimentos, habilidades ou atitudes individuais e passa a observar a “entrega”, a “contribuição” resultante da mobilização desse conjunto de conhecimentos e habilidades Percebe-se, como resultado desse movimento, uma evolução do conceito de competências, que deixa de ser visto apenas como o acúmulo de conhecimentos, habilidades ou atitudes individuais, passando-se a observar a “entrega”, a “contribuição” resultante da mobilização desse conjunto de conhecimentos e habilidades. Mais do que uma mera diferença conceitual, esta mudança traz importantes implicações na medida em que aproxima competências ao principal elemento que se quer reconhecer com a prática de recompensas: a contribuição dos profissionais. No entanto, o problema anteriormente posto permanece: como “medir” essa contribuição ou, agora, essa evolução na competência? Gestão A comple xidade do tr abalho complexidade tra As experiências que vêm se mostrando mais consistentes em caracterizar a evolução de competências, retratando o aumento na contribuição das pessoas para a organização, resgatam um conceito que sempre permeou a gestão de pessoas: a complexidade do trabalho. Assumese, desse modo, que quanto mais complexo o trabalho a ser desempenhado pelo profissional maior sua contribuição para a organização. De fato, a lógica de acompanhar a evolução da complexidade do trabalho exercido pelas pessoas está presente nos modelos mais consistentes de gestão salarial, seja naqueles centrados em cargos, seja nas alternativas que surgiram a eles. Nestas experiências, enquanto as competências sinalizam para o que a empresa valoriza e quer estimular, traduzindo seus valores e direcionamento estratégico, a lógica de complexidade oferece consistência ao referencial, aproximando-o da lógica utilizada pelo mercado para o reconhecimento do valor dos profissionais. Ao retratar a evolução das competências com base em complexidade, está-se 30 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n .3, set. 2 0 02 produzindo critérios para o acompanhamento do desenvolvimento individual dos colaboradores. Esses critérios apresentam as seguintes propriedades e vantagens: • alinham-se com a lógica de reconhecimento salarial utilizada pelo mercado, uma vez que inúmeras pesquisas apontam a relação entre salários praticados e a complexidade do trabalho executado; • parametrizam uma gestão integrada de pessoas, orientando ações relativas aos diversos subsistemas de Recursos Humanos e sua interface com remuneração e reconhecimento; • permitem orientar as decisões de remuneração fixa, haja vista que raramente as pessoas “regridem” em sua capacidade de lidar com determinado nível de complexidade; • embora respaldados por conceitos complexos, apresentam-se como parâmetro simples e lógico para a gestão da evolução salarial, permitindo sua compreensão pela totalidade dos profissionais, mesmo daqueles com formação mais elementar. A simplicidade na operação dos sistemas de gestão por competências é fundamental também para que os gestores se utilizem do referencial para suas decisões em gestão de pessoas, inclusive no que se refere à remuneração; • possibilitam a maximização do investimento feito em folha de pagamentos e dão suporte para decisões de movimentação salarial; • permitem definir com precisão as necessidades de recursos para movimentação salarial, subsidiando a definição orçamentária; • constituem referencial flexível de gestão salarial, acompanhando as mudanças no ambiente e na organização com baixo custo de atualização e de administração; • estimulam o desenvolvimento contínuo dos profissionais, reforçando seu compromisso para com a organização. A obtenção destes resultados, no entanto, está condicionada à construção adequada da escala de evolução das competências a partir do conceito de complexidade, alinhando-a ao que se quer estimular e recompensar. Nesta construção deve-se considerar, ainda, a cultura da empresa e utilizar-se de uma “linguagem” própria da organização. Estes elementos, associados à mobilização das pessoas na construção do referencial e a um amplo processo de comunicação, permitem alcançar um estágio avançado em gestão remuneratória. Divisão do orçamento destinado à folha de pagamentos, além de ir ao encontro das expectativas individuais. Nessa nova configuração, cabe à área de Recursos Ao contrário do sistema funcional, inflexível e difícil Humanos/Gestão de Pessoas monitorar o processo, de de ser incorporado como ferramenta de apoio à decisão, modo a preservar sua consistência e garantir a eqüidade sistemas desenvolvidos a partir da conjunção de e equilíbrio na valorização das pessoas. É essa área que complexidade e competências têm permitido aos gestores responde, ainda, por instrumentalizar e orientar os gestores decidirem sobre salários a partir da aplicação de para a tomada de decisão sobre salários e por consolidar instrumentos de avaliação que “capturam” o nível de e sistematizar informações que possam servir de subsídio desenvolvimento dos profissionais. Cabe ao gestor, então, à decisão gerencial. Finalmente, à Direção cabe a decidir sobre as progressões salariais daqueles sob seu manutenção da coerência global do sistema e o comando, desde que respeitando os limites estabelecidos estabelecimento dos recursos a serem destinados à folha pelo orçamento de que dispõe para esta finalidade. A de pagamento, considerando para isso a adequação entre definição destes limites, por sua vez, é subsidiada pela a contribuição dos profissionais e o padrão remuneratório identificação das necessidades de ajuste (resultado do vigente, bem como a disponibilidade de recursos. processo de avaliação) e Neste artigo restringiu-se a análise da disponibilidade análise na dimensão fixa da Sistemas gerados com base nos conceitos financeira da organização. A remuneração, considerando de competências e complexidade divisão do orçamento entre especialmente a abordagem as gerências deve considerar, possibilitam aos gestores assumir de por competências. Percebeainda, não apenas o se, nessa abordagem, a forma completa a gestão de seus quadros tamanho das áreas, mas seu propriedade de se lidar de e administrar melhor a massa salarial posicionamento salarial forma abrangente e flexível pela qual são responsáveis médio em relação a um alvo com questões críticas para a previamente definido, o qual gestão de pessoas num pode representar a política de posicionamento salarial da cenário de competitividade. Destacam-se como aspectos empresa frente ao mercado. A disponibilidade de recursos positivos dessa abordagem a relação entre os instrumentos ao gestor está condicionada, portanto, a um adequado e sistemas de gestão com a estratégia e valores gerenciamento do processo de desenvolvimento de seus organizacionais; o estabelecimento de uma escala de quadros. Ou seja, aqueles que gerenciam de forma medida para avaliar o nível de desenvolvimento e adequada suas equipes, estimulando seu constante contribuição dos trabalhadores; e o alinhamento, de forma desenvolvimento e condicionando a evolução salarial à sinérgica, entre os diversos subsistemas de Recursos ocupação de “espaços” mais complexos, sempre terão Humanos (recrutamento e seleção, gestão de carreiras, recursos para promover movimentações salariais, ao treinamento e desenvolvimento, remuneração etc.). contrário daqueles que não o fizerem adequadamente. Embora ainda haja um certo grau de dúvida no mercado Como resultado, sistemas gerados com base nos quanto à eficiência da gestão por competências, conceitos de competências e complexidade possibilitam notadamente no tocante à questão remuneratória (dúvida aos gestores assumir de forma completa a gestão de seus reforçada pelos casos de insucesso em sua aplicação), quadros e administrar a massa salarial pela qual são experiências recentes têm demonstrado que, quando bem responsáveis. Isto é possível através do alinhamento entre trabalhado, o conceito permite um salto qualitativo nos as progressões salariais e o efetivo desenvolvimento dos parâmetros utilizados para a Gestão de Pessoas. profissionais, considerando-se, para isso, não apenas a coleção de cursos, diplomas ou a mera aquisição de conhecimentos, mas, sobretudo, a realização de atribuições mais complexas, de maior responsabilidade. Desse modo, José Antonio Monteiro Hipólito é mestre e doutorando em Administração trabalhar continuamente o desenvolvimento das pessoas de Empresas pela FEA-USP, pesquisador da FEA-USP e sócio da empresa de forma alinhada aos critérios de evolução na estrutura de consultoria Fischer & Dutra Gestão Organizacional. salarial possibilita ao gestor potencializar o investimento E-mail: [email protected] ... 31 r e v i s t a F A E B U S I N E S S , n .3, set. 200 2