Ciclo de Conferências Gulbenkian/Público
O Futuro da Alimentação, Ambiente, Saúde e Economia
Auto-suficiência alimentar: mitos e
realidades
Francisco Avillez
Professor Emérito do ISA, UTL e Coordenador Científico da AGRO.GES
FCG, 14 de Junho de 2012
Esquema da apresentação
1.
2.
3.
4.
5.
6.
O que se entende por auto-sufuciência alimentar
Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar)
O que distingue a auto-suficiência alimentar, da autarcia
alimentar, da segurança no abastecimento de bens
alimentares e da segurança alimentar (“food security”)
O que se entende por reserva estratégica alimentar e que
diferentes formas ela pode assumir
A auto-suficiencia agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal
O papel da agricultura da UE-27 no contexto da
problemática da segurança no abastecimento de bens
alimentares
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1. O que se entende por auto-sufuciência alimentar

A auto-suficiência (ou auto-aprovisionamento) alimentar de
um dado País pode ser definida como sendo a sua capacidade
para satisfazer as necessidades de consumo de bens
alimentares da sua população, através da respectiva produção
interna e/ou da importação de bens alimentares financiados
pelas correspondentes exportações.

Assim sendo, a agricultura e a agro-indústria de um dado
País só assegurará a sua auto-suficiência agroalimentar se for
capaz de satisfazer o consumo interno com base na respectiva
produção nacional ou, se tal não for integralmente possível,
com base na importação de bens alimentares de origem
agrícola, desde que esta seja paga integralmente pelas divisas
geradas pela respectiva exportação de bens alimentares de
origem agrícola.
3
2. Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar) (1 de 5)

O INE procede anualmente ao cálculo do grau de autoaprovisionamento dos principais produtos agrícolas

Como esse cálculo é feito com base na produção,
importação e exportação em volume, não é possível proceder
a uma agregação a nível nacional destes indicadores

Assim sendo, torna-se necessário calcular, com base nos
respectivos valores, um indicador para o conjunto dos
produtos alimentares de origem agrícola, que proponho seja
designado por grau de auto-suficiência agroalimentar
nacional (GAAN)
4
2. Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar) (2 de 5)
GAAN 
Produção agroalimen tar
 100
Produção agroalimen tar  Importações agroalimen tares - Exportações agroalimen tares
ou
GAAN 
Produção agroalimen tar
 100
Produção agroalimen tar  Saldo comercial agroalimen tar
ou
GAAN 
Produção agroalimen tar
 100
Produção agroal.  Importações agroal.  1 - Taxa de cobertura das impotações pelas exportações agroal. 
5
2. Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar) (3 de 5)

Os dados referentes ao valor das importações e das
exportações dos produtos agrícolas e agroalimentares
constam das estatísticas de Comércio Externo do INE

O valor da produção agroalimentar nacional resulta da
soma do valor da produção agrícola com a diferença
entre o valor da produção agro-industrial destinada à
alimentação e o valor dos consumos intermédios
agrícolas utilizados pela agro-indústria, valores estes que
podem ser obtidos nas matrizes de “input-output” das
Contas Nacionais do INE
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2. Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar) (4 de 5)
Ramos de actividade
Graus de auto-
Taxas de cobertura
suficiência (%)
das importações pelas
exportações (%)
Complexo agro-alimentar
79,8
46,6
Agricultura
79,5
26,0
Agro-indústria alimentar
84,9
54,9
121,0
155,4
95,2
65,6
127,4
162,6
87,4
66,8
Complexo florestal
Silvicultura
Indústrias florestais
Complexo Agro-florestal
Fonte: Cálculos do autor com base na Matriz Input-Output das Contas
Nacionais do INE
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2. Como se pode medir a auto-suficiência alimentar de origem
agrícola (ou agroalimentar) (5 de 5)

Contrariamente ao que é corrente ver afirmado, o grau de
auto-suficiência agroalimentar nacional não é de, apenas,
30% mas sim de 80%

Tomando como objecto de análise o sector agro-florestal
nacional verifica-se que o respectivo grau de autosuficiência é de 87%, ou seja, que a dependência em relação
ao exterior do consumo de bens produzidos pela agricultura
e pela floresta portuguesas e pelas respectivas indústrias
transformadoras é de, apenas, 13%.
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3. O que distingue a auto-suficiência alimentar, da autarcia
alimentar, da segurança no abastecimento de bens alimentares e
da segurança alimentar (“food security”)

O conceito de autarcia alimentar é mais restritivo do que o
de
auto-suficiência
alimentar,
porque
limita
o
abastecimento de bens alimentares à capacidade de
produção nacional

O conceito de segurança no abastecimento de bens
alimentares é menos restritivo do que o de auto-suficiência
alimentar, porque admite que as importações de bens
alimentares não tenham que ser, apenas, financiadas pelas
respectivas exportações

O conceito de segurança alimentar (“food security”) é
mais abrangente do que o de auto-suficiência alimentar,
porque integra, para além da óptica do abastecimento de
bens alimentares, o da garantia do acesso das populações
aos alimentos em condições adequadas.
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4. O que se entende por reserva estratégica alimentar e que
diferentes formas ela pode assumir

A reserva estratégica alimentar deve ser entendida como sendo
um instrumento a que os centros de decisão política poderão
recorrer para fazer face a eventuais crises no abastecimento de
bens alimentares (falta de bens e/ou preços elevados)

A reserva estratégica alimentar pode assumir três diferentes
formas:



Reserva física (“buffer stock”): maior eficiência, mas com
custos quase sempre insustentáveis;
Reserva monetária (“buffer fund”): custos reduzidos, mas de
difícil manutenção num horizonte temporal alargado e de menor
eficácia em situações de maior instabilidade nos mercados
mundiais;
Reserva de recursos (solo, água, capacidade produtiva,
“know how”: capacidade de resposta não imediata, mas com
vantagens significativas do ponto de vista económico e
ambiental (segurança alimentar enquanto bem público
social/programas de conservação norte americanos).
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5. A auto-suficiência agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal (1 de 5)

A auto-sufuciência agroalimentar parece ser para o actual
Governo o principal objectivo estratégico da política
agrícola nacional para a próxima década

Esta opção estratégica vai implicar, no contexto da PAC pós2013, a escolha de medidas de apoio directo e indirecto
aos
produtores
agrícolas
que
privilegiem
prioritariamente as decisões de produção de bens
agroalimentares, em detrimento de outras orientadas para
a produção de produtos florestais, de biomassa e de bens
públicos ambientais.
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5. A auto-suficiência agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal (2 de 5)
No contexto edafo-climático de mercados e da PAC pós-2013
que condicionará o futuro da agricultura em Portugal,
importa responder às duas seguintes questões:


Será este um objectivo desejável para a política agrícola
portuguesa?

Será este um objectivo realizável, se admitirmos que a
sua concretização venha a ser desejada?
12
5. A auto-suficiência agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal (3 de 5)

Em minha opinião, este objectivo não é o mais desejável
porque existem outras formas alternativas de uso dos
recursos naturais, humanos e financeiros disponíveis:



economicamente mais viáveis;
ambientalmente mais sustentáveis.
Não existem, em minha opinião, motivos de natureza
económica e ambiental para privilegiar a produção de bens
agroalimentares em detrimento dos produtos florestais, da
biomassa, ou de bens públicos ambientais
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5. A auto-suficiência agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal (4 de 5)

A concretização deste objectivo vai ser, em minha opinião,
bastante difícil, porque:

os mercados agrícolas são cada vez mais alargados e
concorrenciais;

não dispomos de medidas de política adequadas para
incentivar de forma directa a produção de bens
agroalimentares;

a PAC pós-2013 vai tender a privilegiar sistemas de
ocupação e uso dos solos e práticas preferencialmente
orientadas para o fornecimento de bens públicos
ambientais e para a economia do carbono do que para a
produção agroalimentar.
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5. A auto-suficiência agroalimentar enquanto objectivo da
política agrícola em Portugal (5 de 5)

Se, politicamente, o termo auto-suficiencia for considerado
insubstituível então considero mais adequado que se adopte
como objectivo estratégico principal: a auto-suficiência agroflorestal

Alternativamente, parece-me ser mais adequado escolher como
objectivo principal: o crescimento do valor acrescentado
nacional do sector agro-florestal (valor acrescentado versus
valor da produção)

É, hoje em dia, consensual que complementarmente ao
objectivo principal que venha a ser escolhido, vai ser decisivo:

promover uma gestão sustentável dos recursos naturais
e a estabilidade climática;

contribuir para o desenvolvimento equilibrado dos
territórios rurais.
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6. O papel da agricultura da UE-27 no contexto da problemática
da segurança no abastecimento de bens alimentares (1 de 3)

A insegurança alimentar é, actualmente, e continuará a ser
no futuro, um dos problemas mais críticos para a população
mundial

Em minha opinião, a UE-27 não tem actualmente (nem
terá num horizonte temporal previsível) falta de
segurança no abastecimento nos mercados de bens
alimentares e que, portanto, não se justifica escolher a
segurança alimentar como objectivo da PAC pós-2013

Possíveis dificuldades de acesso de parte da população da
UE-27 aos mercados de bens alimentares resultantes da
actual crise económica e social, deverão, em minha opinião,
ser equacionadas no contexto de políticas sociais e não da
PAC
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6. O papel da agricultura da UE-27 no contexto da problemática
da segurança no abastecimento de bens alimentares (2 de 3)

A UE-27 deve participar activamente no combate
insegurança alimentar, à escala mundial, contribuindo para:
à

o aumento da produção de bens alimentares com base em
ganhos de competitividade e não, como muitos parecem
sugerir, em políticas protecionistas (medidas de suporte de
preços de mercado e pagamentos ligados à produção);

a adequação das condições a respeitar pelos pagamentos aos
produtores desligados da produção da criação de uma reserva
estratégica alimentar baseada na disponibilidade dos
recursos necessários à retoma da produção por parte de
áreas agrícolas usualmente sem rendabilidade assegurada,
quando o abastecimento dos mercados de bens alimentares
justifiquem a sua activação (segurança alimentar entendida
como um bem público social);
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6. O papel da agricultura da UE-27 no contexto da problemática
da segurança no abastecimento de bens alimentares (3 de 3)

a cooperação internacional visando o desenvolvimento da
agricultura dos países menos desenvolvidos, através da
colaboração no contexto da investigação, desenvolvimento
experimental e transferência de conhecimentos, da concessão de
apoios ao investimento público e privado e da abertura das
fronteiras da UE às importações com origem nestes países;

a procura de novas formas de governança agrícola mundial
capazes de assegurar uma maior estabilidade futura dos preços
agrícolas e alimentares e uma resposta mais rápida e eficaz a
situações de crise alimentar.
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