UMA ABORDAGEM
SEMIÓTICA DO CONTO:
“A CARTOMANTE”
(Machado de Assis)
Acadêmica: Ione Vier Dalinghaus
Doutoranda Letras Mackenzie
Palavras iniciais
• Sinopse – “A cartomante” é a história
de Camilo, Rita e Vilela(...)
• Características do autor nos contos:
suspense;mistério;intertextualidade...
“Hamlet observa a Horácio que há mais
coisas no céu e na terra do que sonha
a nossa filosofia.” (Shakespeare)
OBJETIVO E SUPORTE
TEÓRICO
Apresentar a construção do sentido a partir da
teoria de Greimas (1998) que propõe três
níveis de estudo analítico: nível narrativo ou
intermediário, nível fundamental ou profundo e
nível discursivo ou superficial,
podendo-se
depreender de cada nível citado, um
componente sintático e um semântico. Este
trabalho tem como principal suporte teórico
Barros (1998) e Fiorin (1990; 2002).
Etapas do percurso gerativo
Greimas (1998)
• estruturas fundamentais: instância mais
profunda, em que são determinadas as
estruturas elementares do discurso
• a das estruturas narrativas:
sintático-semântico intermediário:
nível
• estruturas discursivas: mais próximas da
manifestação textual
1. Nível Narrativo – Sintaxe narrativa e
Semântica Narrativa
• O percurso narrativo = percurso da ação ou do
sujeito
• Esquema: Manipulação > Ação > Sanção. um sujeito
leva o outro a fazer.
• Perspectivas de análise:
a)sintaxe narrativa e b)semântica narrativa.
• trajetória em busca do objeto de valor. Na narrativa,
a polêmica passa sempre em torno do objeto.
Existem sempre dois sujeitos ou mais – Sujeito A e
Sujeito B – ambos interessados no mesmo valor. Rita
e Camilo são mutuamente Sujeito e Objeto do
desejo;
• O fazer persuasivo (Manipulação) >
•
•
•
•
pode ser realizado por tentação, intimidação,
provocação ou sedução.
na tentação, o Sujeito oferece um valor
positivo;
na intimidação, um valor negativo que
representa uma ameaça ao destinador;
na provocação, faz-se uma imagem negativa
da competência do outro;
na sedução, faz-se uma imagem positiva do
outro, ou seja, do destinatário.
• Rita manipula intencionalmente seu Objeto de
valor, por meio da tentação, utilizando-se
também da sedução.
“Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita,
como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o
todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe
o veneno na boca.”
• Portanto, o destinatário cede [...] deixa-se seduzir
completamente por Rita, põe de lado os escrúpulos,
tornando-se um cego de juízo, que não vê mais nada,
vive intensamente, sem enxergar a realidade e o rumo
que as coisas vão tomando.
• a ação de Rita resulta em dupla apropriação, pois ela
passa a ser também o Objeto de valor de Camilo. A
partir do momento em que entram num acordo,
vivenciam um amor proibido, desapropriando Vilela,
marido e amigo.
• Ao tomar conhecimento dos fatos, Vilela, até
então Sujeito manipulado, passa a ser o Sujeito
manipulador.
Utiliza-se
da
intimidação
enviando um bilhete a Camilo para que este
venha a sua casa (dever- fazer). Ao atender à
solicitação do “amigo”, Camilo lhe concede a
competência para o fazer.
• a cartomante também concedeu competência a
Vilela ao convencer a Rita e depois a Camilo
sobre a inexistência de perigo. Ocorre então a
performance, um programa narrativo em que a
ação do sujeito do fazer leva à transformação
do sujeito de estado.
• percurso
da
sanção:
Sanção
Cognitiva
(reconhecimento) ou Sanção Pragmática (punição ou
recompensa).
• Nesta narrativa a sanção foi pragmática, resultando
no assassinato de Rita e Camilo. Esta é a última
etapa do esquema da Manipulação, em que, de
acordo com Postal, (2006, p.83), distribuem-se
prêmios ou castigos.
“A Cartomante” reflete a contradição entre as
modalidades veridictórias ser/parecer, em que o que
parece e é, corresponde à verdade e o que parece e
não é, corresponde à mentira/falsidade.
2. Nível fundamental: Sintaxe fundamental
e Semântica fundamental
• semântica fundamental: relações de oposição e
contraste entre os termos-objeto, de forma mais
abstrata
• sintaxe fundamental: observam-se as mudanças
de estado que ocorrem durante a trajetória das
personagens.
• Na semiótica greimasiana, as transformações de
estado em relação ao Objeto de valor do Sujeito
são enunciados de estado que podem ser assim
representados:
S ∩ O (estado de conjunção)
S U O (estado de disjunção)
Euforia X Disforia
• estado inicial >paixão> adultério S ∩ O (comjunção)
• no conto em análise, o Objeto de valor está nos
próprios actantes, Camilo e Rita, que vivem momentos
especiais de felicidade, até ser descoberta a traição.
Depreende-se assim, uma oposição semântica
fundamental:
Vida/felicidade (euforia) S ∩ O
X
Morte/infelicidade (disforia ) S U O
• no nível da sintaxe fundamental observam-se as
mudanças de estado que ocorrem durante a trajetória
dos actantes. Neste conto, as atitudes de Camilo
mudam ao ceder à sedução/tentação de Rita, que age
intencionalmente.
[...] Camilo era um ingênuo na vida moral e prática.
Nem experiência, nem intuição.
O
personagem
passa
por
um
processo
de
transformação, adquirindo experiência e perda da
inocência. Ambos traem sem escrúpulos, e tornam-se
dependentes um do outro. Negam-se, assim, os valores
presentes na ingenuidade e afirmam-se os da astúcia. A
partir do momento em que ficam juntos, rompe-se o
contrato da fidelidade até então existente entre Rita e
seu esposo. Constata-se, na verdade, uma dupla
infidelidade, pois Rita deixa de ser fiel ao marido e
Camilo deixa de ser fiel ao melhor amigo.
Algumas
transformações...
Camilo que, antes incrédulo, ria de Rita quando esta
relatava sobre a cartomante. E ela dizia:
— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em
nada.
Porém, antes de ir à casa de Vilela, visita a cartomante
que o convence. Mas deixa de acreditar novamente
quando chega à casa de Vilela e se depara com a cena
cruel de homicídio, da qual passa a fazer parte:
Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas;
fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando,
Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo
sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada.
Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver,
estirou-o morto no chão.
Sintetizando...
• Vida/felicidade/confiança
(eufóricas);
tensão/ conflito/ incerteza e morte
(disfóricas).
• Pode-se afirmar, portanto, que o texto
em análise é disforizante.
3. Nível discursivo: sintaxe discursiva
e semântica discursiva
• Nesta etapa, o nível discursivo é encarregado de
retomar as estruturas semióticas de superfície e
colocá-las em discurso. São organizadas as categorias
de sujeitos do discurso, o espaço, o tempo, os atores
e os temas, bem como as figuras que compõem o
discurso.
• O enunciador do texto pode produzir efeitos de
sentido de aproximação ou de distanciamento e esses
efeitos dependem do tempo, do espaço e da ação dos
actantes. O sujeito da enunciação “desdobra-se num
enunciador e num enunciatário” (FIORIN, 1990, p.
40).
• O conto apresenta uma plurifocalização: ao
discurso em terceira pessoa do narrador, que
da um tom de objetividade à narrativa, se
alterna o discurso em primeira pessoa das
personagens que assumem momentaneamente
o papel de narradores.
• O narrador utiliza-se alternadamente dos
discursos direto e indireto:
desembreagem
enunciva:
efeito
de
subjetividade, pois a terceira pessoa é projetada
no discurso.
desembreagem enunciativa: efeito de maior
aproximação e objetividade – 1ª pessoa.
determinados (eu/ aqui/agora)
• Em relação aos tempos enunciativos, a narrativa não
segue uma linearidade e é através
de um olhar
retrospectivo
que
o
narrador
apresenta
as
personagens, intercalando o modo indicativo (presente,
pretérito imperfeito e pretérito perfeito) com o
imperativo.
• Apesar de não estarem explícitas no texto outras
descrições de tempo, constatam-se na narrativa,
frequentes referências ao passado: Também ele, em
criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um
arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e
que aos vinte anos desapareceram. Observam-se
também, o tempo presente e a progressão temporal na
reflexão de Camilo, em relação ao bilhete que recebera
de Vilela: Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora
da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto.
• Em relação aos espaços enunciativos, tem-se
a casa de Vilela e Rita, a casa de Camilo, a
casa da cartomante e o local dos encontros
secretos;
• As características destes espaços remetem a
algo sombrio, melancólico e perigoso, como
um prenúncio do que aconteceria em seguida
com Camilo e Rita.
• forças contraditórias > o espaço aberto, da
felicidade que vivem os amantes e o espaço
fechado e sombrio da casa da cartomante,
que podem ser assim representados:
Vida (espaço aberto)
X
Morte
(espaço fechado)
PALAVRAS FINAIS...
•
“A Cartomante” é uma obra literária de
suspense que leva a uma reflexão mais
profunda sobre o ser humano, a exemplo de
muitos outros contos escritos por Machado de
Assis. O sentido se constrói por meio de
valores contraditórios, em que a cartomante
tem função significativa, pois interfere no
comportamento das personagens, utilizando-se
da mentira e falsidade. A expectativa negativa
projetada no leitor no início da narrativa é
quebrada quando aparece a cartomante que
tranquiliza o casal.
• O efeito contraditório é causado no
desfecho, com a morte de Rita e Camilo.
Por isso pode-se afirmar que, sem a
personagem
cartomante,
os
efeitos
literários não teriam sido os mesmos, pois
tanto ela quanto o narrador tentam
decifrar o comportamento humano.
• “A Cartomante” é, portanto, um conto que
reflete a contradição entre a máscara e o
desejo, entre o parecer e o ser, a mentira
e a verdade, em que a punição é a pior
possível, a morte.
OBRIGADA!
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