18/01/2013 ANACREF – Extensão, Autoconstrução e Trasnformação Relatório referente à tutoria científica ocorrida no período de 04/2012 à 01/2013. Autoria: Henrique Salva Geddo FAU-USP Tutoria: Prfa. Ana Lucia Duarte Lanna Introdução Este texto se trata de um relato de um projeto interdisciplinar de extensão universitária, sua problematização, e as reflexões que se mostraram necessárias para sua viabilização (o projeto não foi concluído até a publicação deste). Tratarei aqui da relação Universidade para com a Sociedade, sobretudo, da extensão universitária; de mutirões autogeridos; de projetos participativos; e principalmente de experiências de um projeto de construção na Cidade Informal. O mutirão autogerido já me interessava, pois quando se estuda habitação social não há como escapar do contato com esse tipo de solução. No entanto, foi com situações problemáticas vividas na prática de extensão que o aprofundamento em mutirões se mostrou necessário. A experiência aqui descrita revela a indissociabilidade entre a teoria e a prática, ou entre extensão e pesquisa. Somente com a prática me deparei com problemas reais da sociedade. Este projeto de pesquisa tem função de compreender esses problemas, e entrar em contato com possíveis soluções. Porém, pensar soluções distante da pratica pode levar a ideias inconcebíveis, e a prática sem a reflexão e a pesquisa pode levar a ações inúteis ou prejudiciais. Contudo, um grande aprendizado dessa experiência encontra-se na troca de ideias com as pessoas da comunidade, no contato com soluções populares para problemas corriqueiros. O método construtivo da cidade informal, sua organização social e o conhecimento popular não se aprendem em livros. Grupo de pesquisa Só foi possível problematizar os temas com que me deparei por ter a oportunidade de participar de um projeto de pesquisa e de extensão simultaneamente. Junto comigo, mais dois alunos da graduação e nossa orientadora compunhamos o grupo de pesquisa. Cada um de nós possuía um projeto de pesquisa distinto, no entanto nos reuníamos periodicamente para debater sobre textos e conversar sobre o avanço da pesquisa individual. Os debates promovidos pelo grupo permitiram a visão crítica da totalidade de um projeto de pesquisa. Como por exemplo, em uma das reuniões discutimos sobre o texto A Ilusão Biográfica – capítulo 13 do lívro Razões Práticas sobre a teoria da acção - de Pierre Bourdieu. Este trata da ilusão de linearidade que se cria no exercício de autobiografia, como se pode observar no seguinte trecho: “Sem dúvida, cabe supor que o relato autobiográfico se baseia sempre, ou pelo menos em parte, na preocupação de dar sentido, de tornar razoável, de extrair uma lógica ao mesmo tempo retrospectiva e prospectiva, uma consistencia e uma constancia, estabelecendo relações inteligíveis, como a do efeito a causa eficiente ou final, entre os estados sucessivos, assim constituidos em etapas de um desenvolvimento necessário.” (BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas sobre a teoria da acção. Lisboa. Celta, 1997. pp 53-59) Portanto, neste relatório, mesmo que sucinto, nenhuma informação foi modificada a fim de que seja inteligível. Ou seja, neste exercício de reconstrução histórica da minha experiência, nenhum fato foi alterado para que faça sentido. ANACREF O projeto se iniciou em 2012, quando integrantes da ANACREF1 – associação de moradores do Jardim da Felicidade, Zona Sul de São Paulo, SP – entrou em contato com estudantes de Arquitetura, Engenharia Civil e Ambiental da USP, agrupados para concepção de projetos sociais no Escritório Piloto 2 da POLI, e de um grupo de estudos e de projetos sociais chamado Atelier3, do qual faço parte. A ANACREF procurava um grupo que 1 ANACREF – Associação Nascer e Crescer Jardim Felicidade – existe desde 2006 passando a ter um CNPJ e constituindo-se oficialmente como uma Associação desde 2007. Desde lá, diversas atividades envolvendo jovens e adultos aconteceram sob supervisão de seus diretores. 2 O Escritório Piloto é um laboratório interdisciplinar de projetos de Extensão Universitária que existe desde 1957, localizado no prédio da Engenharia Civil da Escola Politécnica da USP. Atualmente tem por objetivo utilizar do conhecimento proporcionado pela Universidade para desenvolver projetos de cunho social e/ou ambiental, em conjunto com a sociedade de baixa renda, de maneira participativa, de forma a incrementar o desenvolvimento humano e econômico dessas comunidades. Aberto à participação de qualquer pessoa (estudante, professor ou funcionário) da USP e também a de outras pessoas de fora que tenham a contribuir com os projetos desenvolvidos. São vários projetos desenvolvidos. Endereço na Internet para maiores informações: http://escritoriopiloto.org 3 O Atelier é um espaço localizado próximo ao metrô clinicas, na rua Ernest Marcus, e que abriga vários grupos de estudo e práticas como cinema, xilogravura, educação, entre vários outros. Um deles é o grupo de estudantes de arquitetura e engenharia, que realiza projetos em parceria com associações de moradores e líderes comunitários no sentido de ajudar com um conhecimento técnico adquirido na universidade. São vários projetos realizados desde 2007, dentre eles uma creche de três pavimentos localizado no Jardim Maracanã em conjunto com a ONG Rainha da Paz. projetasse a sede da associação, que funcionaria também como centro comunitário, em um terreno pertencente a TRANSPETRO 4. Logo, as reuniões começaram, e com elas começaram também as dúvidas. Seria válido tomarmos decisões projetuais em reuniões separadas da comunidade? Essas decisões seriam boas para a comunidade? Como a ANACREF financiaria a mão-de-obra para construir a sede? Observando a maioria dos projetos percebe-se um denominador comum: a despreocupação com o impacto social. Muitos dos projetos que se mostram necessários para uma comunidade acabam sendo entregues para empreiteiras, que não permitem a participação dos moradores, e consequentemente, não atendem as reais demandas da maioria. Especialmente no Jd. Da Felicidade, muitos projetos já haviam sido feitos no terreno em que seria construida a sede, porém os moradores, por não terem sido consultados, nem sequer suas necessidades consideradas, derrubavam as pequenas construções como forma de protesto. Rapidamente chegamos a conclusão de que garantindo uma construção coletiva desses espaços, o terreno não mais seria motivo de disputas políticas, assegurando um uso devido do terreno e portanto evitando transtornos entre empresa e comunidade. Para tanto, o projeto haveria de ser participativo, ou seja, permitir que “o usuário da cidade, do bairro, da habitação, participe ativamente das decisões que serão tomadas durante um processo de projeto.”(RONCONI, 1995) O projeto participativo proporciona uma igualdade humanizadora dos conhecimentos de cada um. Nunca se deve menosprezar os conhecimentos de qualquer participante, seja ele um proficional especializado, ou um morador da comunidade. Portanto, os métodos construtivos utilizados na construção das casas da comunidade não poderia ser desconsiderado. Ao desconhecer a cultura da população a 4 A Petrobras Transporte S/A (Transpetro) é uma empresa brasileira, subsidiária integral da Petrobras. Tem como finalidade realizar o transporte de petróleo e seus derivados, gás natural e álcool, utilizandose de oleodutos, gasodutos enavios. quem se destina, esta extensão é antidialógica e manipuladora. Freire nos propõe a quebra da verticalidade “coisificadora” onde um ator é sujeito e o outro objeto, para uma relação onde todos possam ser sujeitos atuantes, que agem e pensam criticamente. Logo, uma oportunidade se abriu. Aproveitando a troca de conhecimentos possíveis em um projeto participativo, poderiamos contribuir tecnicamente para a comunidade agregando conhecimento construtivo para os participantes. Devido á precariedade financeira da associação, cogitamos erguer a sede em regime de mutirão. A autoconstrução contemplaria as diretrizes projetuais, como o uso dos métodos contrutivos regionais (as habitações construidas na periferia são em maior parte erguidas em regime de mutirões), assim como a replicabilidade e ampliação do projeto da sede pela comunidade. No entanto, a autogestão desse projeto pela comunidade talvez já fosse o suficiente para a replicabilidade. Não tinhamos números precisos de mutirantes voluntários, nem sabiamos se o restante da comunidade contribuiria no mutirão, visto que eles não participaram dessa decisão. Nesse contexto, iniciei uma reflexão sobre autoconstrução – quando é benéfica, como viabilizá-la – e sobre extensão, e quais seriam os limites entre participação e invasão. Eis sobre o que discorrerei nos próximos parágrafos. Extensão universitária – a relação FAU-USP com a sociedade “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, Paulo. 2011) “ O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julgam não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações.”(FREIRE, Paulo. 1983) “A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social.” (Fórum Nacional, 1987) Rossana Maria Souto Maior Serrano, em Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire define Extensão como um “processo educativo e científico. Ao fazer extensão estamos produzindo conhecimento, mas não qualquer conhecimento, um conhecimento que viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade e vice-versa. Uma extensão que é experiência na sociedade, uma práxis de um conhecimento acadêmico, mas que não se basta em si mesmo, pois está alicerçada numa troca de saberes, popular e acadêmico, e que produzirá o conhecimento no confronto do acadêmico com a realidade da comunidade. Este conceito apresenta uma extensão universitária democrática, que é instrumentalizadora do processo dialético teoria/prática e que problematiza de forma interdisciplinar, possibilitando uma visão ampla e integrada da realidade social.” Entende-se que a Universidade está apoiada em um tripé pedagógico: Ensino, Pesquisa e Extensão. Portanto, praticando a Extensão, pratica-se o que foi aprendido nas aulas, pesquisado nas iniciações científicas, em uma experiência de emancipação social. De fato, extensão está institucionalizado como prática estudantil nos regimentos das universidades públicas. No entanto, a postura atual da USP para com a extensão, tem mostrado um entendimento avesso sobre a “via de mão dupla” proporcionada pela postura de respeito e troca de ideias por parte dos universitários para com os vislumbrados pelos projetos elaborados. A USP dificulta o apoio aos projetos, disponibilizando pouca ou nenhuma verba, e avaliando os projetos de maneira superficial. De fato, a extensão é pouco divulgada como possivel forma de atuação. Inclusive, cursos pagos dentro da universidade pública são enquadrados como extensão universitária. Isto é uma manobra para driblar a gratuidade do ensino nas universidades publicas garantido pela constituição federal. Entender extensão como prática de mera transmissão de conhecimento, legitima a invasão cultural, meramente mecanicista e antidialógica. Como visto no Fórum Nacional de 1987, que se mostra muito mais horizontal e transformador do que a atual postura de via única do conhecimento entendida pela universidade, extensão tem o potencial didático tanto para a Universidade quanto para a sociedade. Sem o contato prático com a sociedade, não se define como extensão compreendida no fórum de 87. “A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade.” (Fórum Nacional, 1987) O contato com os problemas reais é transformador. A extensão é emancipadora, pois retira o estudante da posição de alienação social para uma posição de compreensão da participação do coletivo na transformação do mundo. É uma das últimas práticas universitárias que proporcionam o “fazer”, e consequentemente, o entendimento concreto do que foi aprendido dentro dos muros da universidade. A Faculdade de Arquitetura, portanto, tem uma grande responsabilidade na formação social dos estudantes devido ao caráter prático da profissão. Dali sairão os arquitetos que pensarão a habitação social nacional (ou assim espera-se que aconteça). Portanto, a extensão universitária tem um papel importantíssimo para a formação dos alunos da FAU, assim como estes tem para a sociedade quanto ciência prática transformadora. Experiência em campo – resumo da trajetória do grupo Quando a ANACREF nos procurou, ela já desenvolvia diversas atividades culturais no Jd. Da Felicidade, mas carecia de espaços adequados para a realização das mesmas. Além de um espaço para a administração, precisava-se de espaços para a aula de reforço escolar que já ocorria (no momento desta publicação estava em recesso devido a falta de espaço para conduzir a aula); para o Centro de Inclusão DigitalTelecentro (já existe apoio para a instalação dos equipamentos porém falta um espaço para abrigá-los); para a Escolinha de futebol, principal atividade física do Jd Felicidade, com muitas crianças e jovens contemplados e a realização de torneios e campeonatos; e para as aulas de capoeira, hoje oferecidas precariamente em uma construção ao lado do campo. Além dessas atividades que já ocorrem, professores tem interesse de oferecer aulas de dança, e a associação tem interesse em oferecer sessões de cinema, porém não há espaço adequado para nenhum destes. Para além das atividades formais desenvolvidas com os diversos parceiros, existe a vontade de tornar a área verde num espaço de convivência e lazer. Isso envolve a construção de espaços lúdicos como jardins, hortas, playground, entre outras coisas que possam valorizar a vegetação e os elementos naturais presentes no espaço, tais como as árvores de grande e médio porte, os córregos e nascentes, entre outros elementos naturais do terreno. Existia um porém. O terreno em que se planejava construir, e de fato o único plausível, pertencia a TRANSPETRO, pois ali passa um oleoduto. Na teoria, não se pode construir nenhuma laje, ou seja, nenhuma construção de grande porte em um terreno onde passa óleoduto. Porém, vem sendo adotada a estratégia de utilizar esse terreno para hortas e pequenos parques para a comunidade, assim diminuindo o conflito político. Em outras palavras, tenta-se dar um uso comunitário ao terreno para que não ocupem para fins de habitação ilegal, botando em risco a integridade do solo e o oleoduto. Isso acarretaria na desapropriação dessas habitações, acarretando em um maior conflito com a comunidade, tornando a relação cada vez mais dificil. Por esse lado, o projeto da sede era favorável, pois dava um uso cultural comunitário, do qual a comunidade é carente, previnindo futuras ocupações conflituosas. No entanto, outras ONGs já haviam feito acordo com a TRANSPETRO na tentativa de fazer uma horta comunitária em canteiros 5 construidos em frente aos bares, que acabaram dividindo o comércio da rua. A tentativa não foi bem sucedida, pois os comerciantes não queriam hortas e não haviam sido consultados. Desejavam colocar bancos e mesas para os clientes de seus bares, o que era fortemente repreendido pela TRANSPETRO, por medo de perder o controle e os bares se extenderem para cima do canteiro. Nesse conflito de interesses, nos vimos privilegiados pela parceria com a associação dos moradores, a voz da comunidade. Nunca fariamos algo contra a vontade dos moradores, porque no projeto participativo, eles tomam as decisões conosco. Nesse contexto, a ANACREF marcou uma reunião com a TRANSPETRO a fim de pedir a concessão do terreno, pois sem ela, não haveria construção alguma. Para pedir a concessão, precisavamos de um préprojeto, uma simulação do que poderia ser feito, e um texto claro com as nossas intenções e planos de ação. Para tanto, nos reunimos com a ANACREF, fizemos reuniões na universidade, no Atelier, até na casa dos integrantes do projeto, e depois de uma maratona exaustiva, o préprojeto ficou pronto. Simulação virtual – modelo tridimensional do projeto 5 Em boa parte dessa rua passa o oleoduto. A TRANSPETRO tem o costume de construir canteiros para impedir a circulação de carros sobre a tubulação. Planta do projeto entregue à TRANSPETRO. Reproduzirei aqui algumas partes para melhor entendimento da situação: Diretrizes: I Educação ambiental - Existe em todos os setores da sociedade civil uma chamada para a mudança do paradigma do meio-ambiente. Associar essas atividades com o tema da educaçao ambiental poderá trazer as diversas faixas-etarias envolvidas ferramentas e conhecimentos que possam nortear açoes como descarte adequado de resíduos, compostagem de residuos organicos, uso correto da agua, entre outros temas. II Participação - A disposição dos elementos e outras questões que envolvem a infra-estrutura serão discutidas e construídas pelos moradores do Jd. Felicidade pelo intermédio da diretoria da ANACREF, de forma que os moradores se apropriem e construam junto da ANACREF um espaço verdadeiramente comunitário. Se garantido uma construção coletiva desses espaços, o terreno não mais será motivo de disputas políticas, assegurando um uso devido do terreno e portanto evitando transtornos entre empresa e comunidade. A ocupação desse espaço por todos preserva o terreno de construções contra a vontade dos órgãos participantes. Aproveitar as atividades de projeto e construção para estreitar os laços entre associaçao e moradores, visando o fortalecimento da comunidade. III Método construtivo - Buscar meios de construção que aproveitem conhecimento construtivo local já existente tanto quanto propriciar comunidade o conhecimento de tecnicas alternativas (de construção gestão) que estejam de acordo com as diretrizes adotadas, tais como permacultura 6. o a e a IV Replicabilidade - Priorizar técnicas construtivas e métodos de gestão participativas que sejam replicáveis, de forma a facilitar e incentivar a apropriação real de espaços coletivos em outros locais. Dada a importância de um espaço participativo, essa experiência pode ser importante enquanto uma solução alternativa a espaços públicos de lazer, que muitas vezes são obsoletos diante das reais necessidades de uma comunidade. A replicabilidade também pressupõe um bom registro das atividades para consulta de pessoas que realizam atividades semelhantes – concretizado por meio deste texto - . 6 A permacultura é um método holístico para planejar, atualizar e manter sistemas de escala humana (jardins, vilas, aldeias e comunitária) ambientalmente sustentáveis socialmente justos e financeiramente viáveis. A permacultura origina-se de uma cultura permanente do ambiente. Estabelece na rotina diária hábitos e costumes de vida simples, e ecológicos que são orientados por três pilares: cuidar da terra, cuidar das pessoas e repartir os excedentes. Plano de Ação Para a concretização do projeto, a equipe prevê um plano de ações, que será descrito brevemente a seguir: I Avaliações do terreno - Com o apoio da Universidade e seus recursos técnicos, será realizado um levantamento topográfico do terreno, análise da qualidade da água das nascentes e outros pontos que a ANACREF e demais envolvidos acharem necesário para a elaboração do projeto. II Reuniões para definição do Programa - Serão realizadas reuniões com os moradores do Jd. da Felicidade para a definição dos espaços contidos nas edificações e demais equipamentos. Serão levantadas demandas da comunidade e a necessidade de construção de espaços que atendam a elas. Os equipamentos que devem ser construídos, problemas do terreno que devem ser resolvidos e quais demandas devem ser atendidas pelas edificações vão ser debatidos nessas reuniões. III Atividades de aproximação com a comunidade - Serão realizadas atividades com o intuito de aproximar a equipe de projeto e a comunidade, estimulando o caráter participativo do projeto. Serão realizados mutirões de intervenção no terreno, buscando a limpeza e construção de melhorias no local, tais como biovaletas, jardins de chuva, etc. O uso de técnicas de permacultura poderá ser frequênte nessa etapa, já que estimula a participação do moradores, acrescenta conhecimento à comunidade, estimula o pensamento ecológico e o bom uso dos recursos do local. IV Definição do projeto - Utilizando técnicas de projeto participativo, tais como maquetes móveis (fotos de exemplos), plantas interativas, dentre outras, serão definidos os projetos da edificação e do parque. V Construção - A partir do projeto será definido o método construtivo utilizado. Nessa etapa se dará a construção em si, seja por meio de mutirões, bioconstrução (uso de métodos alternativos) ou por método tradicional. VI Registro - Com o intuito de criar uma memória do projeto e passar os conhecimentos adquiridos na experiência adiante, os registros das atividades serão sistematizados e organizados em um material. Este será divulgado para a comunidade Universitária e para outros meios de atuação de projetos sociais. Justificativa O lazer e os equipamentos culturais podem associar-se tanto a estímulo como a antídoto contra a violência e a criminalidade, que constituem alguns dos problemas mais urgentes da metrópole de São Paulo. O lazer é de grande importância para o desenvolvimento da cultura das crianças e dos adolescentes e possui três funções: o descanso das tensões diárias, o divertimento que constitui uma ruptura com o ritmo de vida e o desenvolvimento da personalidade através da participação em diferentes atividades. O déficit de espaços de cultura e de lazer, constatado nas zonas periféricas e pobres da cidade, tem influência direta nos índices de violência urbana. Nos mapas produzidos pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP7, observa-se que nas regiões em que há menor investimento do governo nessa área, o número de mortes de jovens é maior. A carência de atividades de diversão na comunidade é explorada pelo tráfico e principalmente jovens, sem oportunidades de qualificar o seu tempo livre, acabam sendo alvos preferenciais do crime e do tráfico de drogas. A importância do lazer e da cultura para o desenvolvimento dos indivíduos e da comunidade e para a prevenção da violência é reconhecida, na medida que e o lazer figura como um direito social, ao lado de outros direitos como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a segurança, a previdência social (...) na Constituição Federal do Brasil de 7 http://mapas.nevusp.org/ 19888. No entanto, a implementação de fato desse direito social enfrenta muitas dificuldades nas áreas periféricas e pobres da cidade. Segundo afirma Hamilton Faria, coordenador da área de cultura do Instituto Pólis e membro do Fórum Intermunicipal de Cultura, “A miséria de determinadas regiões da cidade é também cultural.” 9. O nosso projeto possibilitará difundir e acolher as atividades culturais e educativas da associação de moradores ANACREF em um espaço apropriado, contribuindo dessa forma à consolidação da comunidade como um todo e à prevenção de violência e criminalidade em longo prazo. Plano de Massas Em função das demandas da ANACREF e de demandas observadas na comunidades foi pensado um plano preliminar de ocupação do terreno. Sendo assim, o projeto é apenas um indicativo do que pode ser feito, e está sujeto a mudanças devido a restrições técnicas e opiniões dos moradores do Jd. da Felicidade e da proprietária do terreno, no caso a Transpetro10. 8 Constituição Federal do Brasil 1988; Estatuto da criança e do adolescente, 1990; Estatuto do Idoso, 2003; Estatuto da Juventude, 2004 9 10 http://www.reporterbrasil.com.br/box.php?id_box=136 Link para a apresentação do plano de massas: http://prezi.com/vtxdqdfx2bca/anacref/?kw=viewvtxdqdfx2bca&rc=ref-3335655 Finalmente houve a reunião com a TRANSPETRO. Logo nos disseram que eles, encabidos de conversar com a comunidade, não tem o poder de nos deixar construir no terreno. Para isso deveriamos entrar em um programa da organização, respeitando um edital, ou seja, definindo e alterando o projeto concebido pela comunidade, ou pedindo para a prefeitura uma desapropriação daquele terreno para podermos construir livremente. Apesar da notícia infeliz, os representantes da TRANSPETRO se mostraram prestativos, logicamente, interessados em dar um uso para o terreno. Portanto, teriamos apoio se optassemos o caminho do edital da organização para concessão de construção no terreno. Ainda existia outra possibilidade, que antes parecia distante, talvez até fose um empecilho, se tornou o caminho mais viável para a concepção do edificio sede da associação. O representante da ANACREF, Marcelo, nos informou que aquele terreno estava no plano “Renova São Paulo” 11, e o resultado do concurso já teria saido. Por coincidência, encontramos os arquitetos do escritório IDOM, vencedor do concurso e responsável por reurbanizar e projetar equipamentos públicos e habitações para a região do Jd. Da Felicidade. Eles teriam um reunião com a ANACREF, e felizmente, estavamos presentes. Apresentado o projeto para eles, explicado nossas intenções, ficou subentendido que eles acoplariam o nosso projeto no plano deles, ou seja, um caminho mais facil para pedir a desapropriação do terreno pela prefeitura. Nessa altura, já imaginávamos que de alguma forma teriamos apoio financeiro. Se fizessemos o projeto com o IDOM teriamos apoio do programa Renova SP, e se fizessemos com a TRANSPETRO, teriamos apoio 11 O Renova SP foi um concurso público nacional de ideias promovido em 2011 pela Sehab (organizado por Elisabete França e Maria Teresa Diniz) e pelo IAB/SP, para a requalificação de favelas e loteamentos irregulares do município. De acordo com a Secretaria Municipal de Habitação, nas regiões a serem urbanizadas existem mais de 209 favelas onde moram mais de 300 mil pessoas, muitas em loteamentos irregulares ou áreas de risco. Desta forma, os projetos devem prever a implantação de infraestrutura urbana, drenagem, construção de espaços públicos e reorganização das unidades habitacionais para que esses locais se transformem em novos bairros da cidade. Depois de aprofundado o estudo, os escritórios vencedores terão de coordenar as equipes e gerenciar o consórcios para implantação dos sistemas de água, esgoto, iluminação, paisagismo, vias, drenagem, além dos espaços públicos e das novas unidades habitacionais. Ao todo, serão destinados R$ 58 milhões a serem divididos entre as 22 propostas eleitas. financeiro também. Ainda existe um comite do Banco do Brasil chamado Verbo Divino destinado a contribuir em projetos sociais, e que já tinha contribuido antes em projetos do Atelier. Logo a autoconstrução ficou em Xeque. Só optariamos pelo mutirão se ele se mostrasse necessário para contemplar as diretrizes do projeto, ou melhor, se a comunidade se mostrasse interessada. Portanto agora farei uma reflexão sobre autoconstrução para tentar solucionar este problema. Reflexão sobre Autoconstrução Segundo o IBGE, São Paulo tem 2,16 milhões de pessoas vivendo em favelas, 18,9% de toda a população brasileira favelada. O método construtivo predominate nas favelas é a autoconstrução, em outras palavras, erguem-se as casas em mutirões. “Entretanto, a autoconstrução produz um bem precário, muitas vezes insalubre e inadequado. No seu texto ‘A casa popular’, de 1969, Sérgio Ferro afirma que se trata de um reencontro amargo do trabalhador com sua obra. Isso porque a falta de recursos e a urgência na construção impedem a oportunidade para ousar uma invenção. A técnica não é aprendida, mas ‘vivida’, como um joão-debarro construindo a sua casa, daí o caráter pré-histórico desse trabalho. O resultado é a imagem da contradição: ‘A precisão imposta pela economia na produção ressurge como precisão no produto, precisão amarga não resultado de engenho programado e escolhido, mas depósito obrigatório de infinitas carências’. A autoconstrução, assim, torna-se uma antipoética da economia: extraindo do mínimo apenas o mínimo para a sobrevivência.” (ARANTES, Pedro. Arquitetura Nova. 2002) Obviamente, a discussão não se trata desse tipo de mutirão emergêncial, e sim de um mutirão autogerido, organizado pelos usuários, com assessoria técnica, e apoio financeiro do estado. O mutirão autogerido era utilizado em São Paulo como meio para construção de habitações para comunidades através do programa FUNAPS comunitário, criado em 1982, sob mandato de Luiza Erundina (PT) 12. Neste programa, comunidades organizadas, a fim de construirem suas habitações, procuravam o estado para conseguir financiamento e aval para construção em um terreno escolhido. A comunidade, em assembléias, decidia os rumos da construção por si só. Contratavam uma assessoria técnica, devidamente inscrita no programa FUNAPs, composta majoritariamente por arquitetos, cuja função era prover o projeto conjuntamente com a comunidade, pensar o canteiro e acompanhar a obra. O mutirão autogerido ainda é utilizado para fins de habitação popular, ne entanto o programa FUNAPs não existe mais. Muitos soluções para o problema da habitação popular foram lançadas pensando no regime de mutirão. Uma delas, que nos foi muito 12 A Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano foi resonsabilidade da Dra. Arquiteta Erminia Maricato. A superintendência de Habitação Popular esteve a cargo do Prof. Arquiteto Nabil Bonduki. importante para consolidar o projeto da ANACREF, é a tese de mestrado de Rodrigo Lefèvre (1981), Projeto de um acampamento de obra: uma Utopia. A tese é a proposta de um “canteiro-escola”: a produção de habitações populares pensada como forma de conscientização dos construtores. Na verdade, é uma formulação teórica para o compromisso que assume com uma arquitetura que favoreça o trabalho coletivo, a democratização do conhecimento e a transformação das relações de produção. “Enquanto para Sérgio Ferro a metáfora do novo canteiro era a banda de jazz, para Rodrigo será a escola — transformar o canteiro num momento de aprendizado, pesquisa e criação que envolva todos os produtores, do arquiteto ao servente.” (ARANTES, Pedro. Arquitetura Nova. 2002) “Rodrigo inicia a dissertação retomando suas proposições dos textos de 1966 e 1971, nos quais faz a defesa do mutirão e da autoconstrução. Ele explica, entretanto, que não se trata de defender a autoconstrução tal como se apresenta na sociedade brasileira: autoprovimento de moradia pelos trabalhadores por ausência de política pública e acesso ao mercado. Por isso faz as ressalvas necessárias, a partir de Francisco de Oliveira e Sérgio Ferro, reconhecendo o seu caráter de reprodução atrasada da força de trabalho que colabora no rebaixamento dos salários. Assim afirma o ‘caráter utópico’ da proposta: ‘Essa é a primeira razão pela qual adoto um caráter utópico do modelo de uma produção na época de transição: só lá, na época de transição, onde algumas relações econômicas e políticas estiverem alteradas é que posso aceitar participar de um processo de autoconstrução em larga escala’. O lá é a expressão da ‘Utopia’, estampada no título da tese sem receios.” (ARANTES, Pedro. 2002) Quando Rodrigo admite o “caráter de reprodução atrasada da força de trabalho que colabora no rebaixamento dos salários” da autoconstrução, ele se refere ao aumento da mais-valia relativa, devido ao fato de que o trabalho no mutirão não é remunerado, caracterizando-o como sobretrabalho. Portanto se trata de uma desvalorização da reprodução da força de trabalho. O custo da habitação não entra no cálculo do salário mínimo, assim rebaixando-o.13 E a habitação autoconstruida não tem valor mercadológico, apenas valor de uso, portanto não capitaliza o trabalhador. 13 Para entender melhor a crítica a autoconstrução ler o artigo O vício da virtude, de Francisco de Oliveria - http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-33002006000100005 – e A produção da casa no Brasil, de Sérgio Ferro, 1969, FAU-USP. Segundo estatísticas da ONG USINA14, a maioria dos mutirantes são desempregados, os únicos que podem doar seu tempo livre para um trabalho não remunerado. No entanto, esta é a única forma de conseguirem sua casa, para não falar a melhor, em um país que, com o passar dos anos demostra não se importar com a real transformação das relações sociais e sim com expansão econômica, sem horizontes de real destribuição de renda, ou seja, não se espera solução de habitação de um país cujo programa para habitação soial piora a situação dos mais pobres, e beneficia somente as empreiteras 15. Portanto se trata de uma excepcionalidade. O mutirão autogerido não funcionaria como política pública generalizada pois, para tanto, a maior parte da população estaria desempregada. Mesmo em se tratando de trabalho não pago e ampliação da maisvalia relativa, a casa autoconstruída é uma mercadoria diferente pois é feita para consumo próprio e não para ser posta no mercado, ao menos imediatamente. Ao contrário da fábrica onde vende sua força de trabalho, aqui o trabalhador está produzindo para sua família um “valor de uso” — é assim um tempo empregado em seu proveito. Volto a dizer que o mutirão é excepcional, pois não espera-se que a população construa com as prórpias mãos o que o governo deveria fazer, mas em certas ocasiões, com apoio do estado, é a melhor solução. Normalmente, obras públicas de interesse social são concebidas de baixo para cima, ou seja, os técnicos públicos e as empreiteiras contratadas para serviços pontuais ou gerais não estão a par das particularidades da comunidade, que não participa de nenhuma decisão projetual. Na verdade, visto que a habitção social é construida em massa e precisa ser barateada, faz-se de tudo para cortar gastos, direcionados para pagar a empreiteira que vai levantar o “paliteiro”. E não preciso dizer aqui que a iniciativa privada não liga para a transformação social. Finalmente, em projetos de mutirões autogeridos, a qualidade dos projetos é imcomparável aos da construção civil industrilizada (se tratando de habitações populares), pois o projeto é participativo do começo ao fim. E o custo ainda é muito menor, viabilizando habitações mais espaçosas. 14 USINA surgiu em 1990 como assessoria técnica. Obteve trabalhos representativos no programa FUNAPs, hoje ainda trabalha com mutirões autogeridos, mas como ONG. 15 Trata-se do prgrama Minha Casa, Minha Vida destinado à habitação popular, lançado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Para entender melhor a crítica ao programa MCMV, ler o artigo Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação, de Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix. A construção civil brasileira é muito atrasada. “Alguns dos motivos desse atraso já foram mencionados por Sérgio Ferro, como a utilização de um enorme contingente de trabalhadores empregados por baixos salários e submetidos a todos os tipos de violência, ao invés da mecanização e da inovação. O aumento da produtividade, nesse caso, não se faz por economia de trabalho, mas por aumento da exploração. O mutirão, por sua vez, considerado uma forma pré-moderna de produção, cujas origens remontam ao mundo rural, quando organizado de modo autogerido, com o apoio de arquitetos e engenheiros independentes e tendo acesso aos fundos públicos, foi capaz de introduzir mais inovações técnicas e assegurar mais segurança ao trabalhador do que as obras de empreiteiras. Resumindo, o paradoxo pode ser apresentado nos seguintes termos: no Brasil, uma produção aparentemente arcaica, como o mutirão, aponta para o avanço técnico, e uma produção capitalista, ou seja, moderna, aponta para a manutenção do arcaico.” (ARANTES, Pedro. 2002) Não por acaso, algumas obras realizadas em mutirão autogerido foram utilizadas como referência para contestar obras tocadas por empreiteiras. Mesmo somando o valor das horas trabalhadas pelos mutirantes, o mutirão autogerido ainda é mais econômico que a construção civil usual, devido à aplicação de técnicas racionalizadas e à gestão democrática da obra, ausência de lucro, corrupção e desperdício. Observando um canteiro de obras comum, percebemos claramente uma hierarquia, basta perceber a cor dos capacetes. Cada posto da hierarquia usa uma cor de capacete diferente, de forma a lembrar os operarios a quem eles precisam obedecer. Esse canteiro hierarquizado funciona como uma verdadeira manufatura, onde o operário não sabe o resultado final de todo o processo, nem tem participação em qualquer tipo de decisão. Apenas cumpre uma função semelhante a de uma máquina. Este trabalho alienado permite total controle sobre os trabalhadores, pois se algum deles reclamar, incitar greve ou questionar a forma de trabalho, é substituído por outro que trabalhará quieto. Tendo esse controle, o canteiro de obras vira uma verdadeira senzala, onde a exploração de trabalho braçal é evidente, e esta desvalorizada. Em um canteiro de obras de um mutirão autogerido, todos tem direito de voz, não existe hierarquia, apenas divisão de trabalho segundo sua capacidade. O trabalho coletio eidencia-se no canteiro autogerido, todos são iguais, des da senhora de idade que leva a agua até o jovem que pegou o jeito de assentar os blocos. Ainda assim as diferenças existem, mas são entendidas como necessárias para o coletivo, e nunca como hierarquia. Como não existe patrão, e a criatividade e improvisação são estimuladas, o canteiro de obras de um mutirão autogerido representa uma experiência de total domínio sobre o próprio destino. Ali as pessoas estão construindo para si próprias, e o fazem com alegria e união (existem tempos difíceis, e muitos, mas a união supera os obstáculos). E não havia de ser diferente! Acostumados com um trabalho alienado, opressor e abusivo, ao se depararem com tal organização e funcionalidade não há como não sentir a diferença de um ambiente livre do mercado econômico. Canteiro-Escola O processo de aprendizado é muito complexo, mas pode ser resumido da seguinte forma: Nossas ações são definidas por um campo da nossa memória que está definida como evidente. Esse campo se forma a partir de experiências vividas, onde se confirma suposições e teorias adquiridas durante a vida. Em outras palavras, o nosso subjetivo tem um potencial transformador, que se concretiza nas experiências e se transforma em objetivo. No entnato, não se pode pensar que no processo de aprendizagem a teoria precede a prática. Que fique claro que o ensino não se passa de mera confirmação das ideias que se tem na cabeça, e que experiências novas são transformadoras, independentemente de haver ou não alguma ideia ou teoria precedente. Concluíndo, é na prática que a objetividade se manifesta, que o homem participa do coletivo quanto participante da alteração do mundo. Quando Rodrigo Lefèvre escreveu sobre o Canteiro-Escola, manifestou que todos os participantes sairiam transformados. O técnico de formação superior, o profissional de trabalho, e o usuário amador contribuem igualmente para a transformação do mundo. Em um canteiro de construção com interesse social, existe a oportunidade do encontro da cultura do povo com a cultura erudita, e a concretização física desse encontro, garantindo assim a preservação da cultura popular, que atualmente é devorada pela cultura mercadológica. Os mutirantes aprendem a técnica construtiva dos profissionais, e a teoria dos técnicos de formação superior, que por sua vez aprende o conhecimento do povo. E todos se transformam quanto à noção do coletivo transformador da realidade. Essa emancipação social só é possivel na prática, na experiência do dia a dia. O projeto elaborado conjuntamente com a ANACREF tem como intenção a transformação dos participantes ativos. “Retornando à tese de Rodrigo Lefèvre do canteiro como escola paulo-freireana, não se pode deixar o mito da produtividade destruir o que o canteiro autogerido contém de pedagogia para a libertação. Isso, inclusive, no que diz respeito à redescoberta do trabalho humano, desmercantilizado, produtor de uma obra que a todos pertence e na qual se reconhecem. Possibilidade que se deve, em muito, à natureza outra do trabalho no mutirão, fundada na idéia de amadorismo. E é justamente porque se trata de um trabalho ‘amador’, por oposição ao ‘profissional’, assalariado, que ele pode ser feito com certo prazer.” (ARANTES, Pedro. 2002) Portanto, participar do canteiro de obras se mostrou imprescindível para o aprendizado. Paulo Freire explica que se deve identificar uma situação-problema, e o precesso de aprendizado se da pelo trabalho em conjunto na resolução dessa situação problemática do cotidiano dos usuários em questão. No Jd. Da Felicidade não há equipamentos de lazer, cultura ou apoio escolar. A contribuição geral na resolução dessa situação traria a noção de força da mobilização quanto capaz de alteração da realidade. Trabalhar em conjunto para o centro comunitário proporcionaria uma transformação permanente na comunidade. No entanto, não é uma emergência como habitação. Logo, o canteiro pode ser misto, assim como muitos mutirões autogeridos fazem: a assembleia deliberativa coordena como será a construção nos dias de semana, da qual se ocupará do trabalho industrial, como construção da estrutura; e nos fins de semana o mutirão entra em ação, de forma dinamica e descontraída. Espera-se que essa experiência fortaleça a associação para que os moradores se mobilizem frente as reformas que estão por vir com o Renova São Paulo. Pois sabemos como funcionam as obras terceirizadas: desumanamente. Como proceder Primeiramente, é necessário compreender que a luta social é muito difícil devido a atual despolitização das periferias. Alguns programas de apoio da prefeitura acabam por desmobilizar movimentos sociais sem que eles transformem efetivamente a realidade das favelas. A ocupação desorganizada causa conflitos internos, jogos de interesses e violência. Portanto é preciso ter bem claro a escala de intervenção que se planeja, e acima de tudo, conhecer as pessoas com quem se trabalha. A autoconstrução pode trazer muitas virtudes, mas é preciso entender que é trabalhoso, e que não se trata de convencimento da comunidade. Essa postura assemelha-se com o que Paulo Freire descreve como extensão messianica. “Detentores do conhecimento” se solidarizam para intervir na comunidade, e acabam por fazer o que eles não querem, e não atendem a real demanda social. Contudo, o mutirão só é viável e transformador quando decidido em assembléia. Se não é apenas sobretrabalho. Os órgãos governamentais que se voluntariam para apoiar obras sociais costumam dar uma ajuda insuficiente, como se os usuários devessem ser gratos por qualquer esmola. Nesse momento, a aliança com a associação dos moradores, e a confiança dos mesmos se mostra crucial. Deve-se mostrar pulso firme! A pressão politica é capaz de esclarecer que o povo não precisa de esmola, e sim da real transformação social. Aproveitando, o conhecimento das possibilidades de ação, financiamento e diálogo é primordial. Não é prudente jogar-se a deriva quando o assunto é dinheiro e trabalho de quem batalha diariamente pela melhoria de vida. Portanto entrevistas, pesquisa e dedicação não podem faltar. Para experiências semelhantes a esta, recomendo que se leia Sergio Ferro, que discorre sobre as relações do canteiro de obras, sob um olhar marxista. Para melhor entender o funcionamento dos mutirões autogeridos, e a história do uso destes como política publica em São Paulo, ler Reginaldo Ronconi Habitações contruidas com gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho em regime de mutirão. Sobre a crítica ao uso de mutirões autogeridos, ler Chico de Oliveira, Crítica à razão dualista e O vício da virtude. Para uma visão contemporânea da arquitetura e de políticas públicas de habitação, recomendo os textos do LABHAB-FAU, assim como os artigos conjuntos de Pedro Fiori Arantes e Mariana Fix, como por exemplo Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Por último, e o mais importante, para compreender como se procede em projetos de extensão, e como se da o processo de aprendizagem, Paulo Freire, Extenção ou Comunicação e Pedagogia do Oprimido. LOGOS criados participativamente para a ANACREF Bibliografia ALVES, Ruben. É brincando que se aprende. Texto publicado no site do jornal “Folha de São Paulo”, 2002. ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artgas aos mutirôes. Editora 34, 2002. ARANTES, Pedro Fiori e FIX, Mariana. Como o governo Lula pretende resolver o problema da habitação. Artigo digital, 2009. FERRO, Sérgio. A história da arquitetura vista do canteiro: três aulas de Sérgio Ferro. GFAU, 2010. FREIRE, Paulo. Extenção ou Comunicação. Paz e Terra, 1983. ______. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 2011. LEFÈVRE, Rodrigo. Projeto de um acampamento de obra: uma Utopia. Dissertação de Mestrado, FAU-USP, 1981. OLIVEIRA, Francisco. O vício da virtude. Novos estudos CEBRAP no.74, São Paulo, Mar. 2006. RONCONI, Reginaldo. Habitações contruidas com gerenciamento pelos usuários, com organização da força de trabalho em regime de mutirão. Dissertação de Mestrado, EESC-USP, São Carlos, 1995. SERRANO, Rossana Maria Souto Maior. Conceitos de extensão universitária: um diálogo com Paulo Freire. Artigo digital, UFPB - Grupo de Pesquisa em Extensão Popular EXTELAR, 2008.