Guerra e Cultura O Exército e a implementação da proteção ao patrimônio cultural no Brasil Caipira picando fumo. Pintura de José Ferraz de Almeida Júnior, 1893. Essa imagem de um Brasil atrasado típica por um longo período foi combatida fortemente por intelectuais das décadas de 20 e 30, entre os quais se destacava Monteiro Lobato. A visão do matuto, ignorante e descalço, não era compatível com o novo Brasil, industrializado e urbano que se pretendia construir rabalhando no Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), sempre digo que as Forças Armadas são importantes aliadas do Instituto na preservação do patrimônio cultural. O respeito às tradições cultuado por Exército, Marinha e Aeronáutica tem resultado em importantes conquistas na manutenção de monumentos de nossa história, em forma de prédios históricos, fortes, museus ou até festas e comemorações de fatos e eventos da história militar e nacional. A isso soma-se o natural respeito às leis que o serviço militar implanta nas pessoas que passam por ele. Esses aspectos sempre facilitaram muito a ação do IPHAN nos seus 65 anos de história. O que é pouco conhecido – especialmente pelo resto da sociedade – é que essas atividades de T ANO III / Nº 4 Adler Homero Fonseca de Castro preservação da memória e cultura nacional antecedem em muito à criação dos órgãos governamentais de proteção aos monumentos históricos. Na verdade, a própria ação do Governo nesse sentido, na década de 1930, surgiu, em parte, da percepção que as Forças Armadas tinham de um problema nacional daquele momento e das formas como ele podia ser contornado. Mas, tratando da história do movimento de preservação das tradições, suas raízes nas Forças Armadas são antigas, remontam ao Renascimento. Naquela época, uma influência crescente passou a ser dada ao estudo do passado greco-romano, à arquitetura clássica, à poesia e, mais relevante do ponto de vista militar, à literatura. Nos séculos XVI e XVII, reimprimiram-se e difundiram-se di13 versos clássicos da literatura romana, que tiveram uma importância muito grande para as Forças Armadas, como o da guerra gaulesa, de Júlio César, ou o de Re Militari, de Vegétio. O estudo do exército romano bem como de suas táticas passou a ser apreciado como uma solução para os problemas do período. A organização militar teorizada por Maquiavel, aquela aplicada com imenso sucesso pelos suíços de 1500 e a de Maurício de Nassau (tio do nosso Nassau) no final do século XVI, por exemplo, deviam muito a releituras e adaptações de precedentes usados por gregos e romanos – o que demonstrava a força que o estudo da história poderia ter para os desenvolvimentos então correntes. Outro fator importante do Renascimento foi o crescimento do poder dos reis. Por exemplo, uma das origens dos museus atuais pode ser explicada pelas coleções de troféus de guerra, colocados nas catedrais, para apreciação do povo e como demonstração do poder dos monarcas. Mas esses estudos históricos e tentativas de preservação de valores ainda eram limitados a um pequeno grupo, a nobreza, que detinha o monopólio do comando dos exércitos. Ela usava esse monopólio como um instrumento de reforço da consciência de uma classe que se considerava “unida pelo sangue” e que ultrapassava as fronteiras dos países, sem uma relação muito forte com a nacionalidade de cada um. Os estudos eram, portanto, de alcance e abrangência muito limitadas, não havendo preocupação do governo com os aspectos de preservação do passado e das tradições, militares ou não, de cada país. Essa situação se alteraria com a Revolução Francesa. Ao depor o Rei e eleger como inimigo a nobreza feudal, a França gerou um clima de inimizade com os governantes de todos os países vizinhos, ainda identificados com os valores do antigo regime e avessos às idéias de liberdade, igualda14 de e fraternidade de 1789. Apesar de ser uma questão política, isso gerou diversas conseqüências do ponto de vista militar e da preservação do patrimônio, por estranho que possa parecer. A França se via cercada de inimigos, com exércitos superiores em número, e para derrotá-los não era possível usar os recursos tradicionais, pois a revolução tinha alienado boa parte da classe de oficiais e o antigo exército monarquista estava em frangalhos por causa das agitações revolucionárias. A solução foi procurar uma mudança radical, aproveitando o entusiasmo popular com o novo regime. Assim, procurou-se derrotar o inimigo às portas da França com o uso de um novo exército, formado à base de conscritos e com um grande número de oficiais oriundos da burguesia. O povo já estava, em grande parte, motivado para a luta, mas esta parecia difícil e longa, de forma que medidas de mobilização moral tinham de ser tomadas, atingindo agora toda a população. Estava claro que a continuidade das tradições da nobreza militar não era interessante, já que os revolucionários queriam marcar um rompimento com a estrutura governante anterior. A solução alternativa encontrada foi o incentivo ao estudo do passado e das glórias da França como nação para unir o povo contra o inimigo externo. Tal medida foi implantada de forma urgente. Como isso se deu? Pela eleição de novos símbolos nacionais, populares; a Marselhesa (música que tinha sido adotada antes pelo Exército do Reno); a tricolor, usando as cores de Paris: azul e vermelho (ladeando a antiga cor francesa, o branco dos Bourbon). A bandeira agora não era mais o símbolo de uma casa reinante, mas nacional. As praças passaram a receber medalhas militares por atos de valor, homenagem concedida anteriormente apenas aos nobres. Muitas outras medidas foram introduzidas; entre elas, podemos apontar a criação dos Arquivos Nacionais (1790), a estatização ANO III / Nº 4 Apresentação das águias aos regimentos. Quadro de Jacques Louis David, 1810. Napoleão, vestido de imperador romano, com coroa de louros, acompanhado de seus marechais, entrega os estandartes com as águias aos seus regimentos - a recriação de um símbolo romano, para motivar as tropas do século XIX da Biblioteca Real (1795) e, mais tarde, a criação do “Museu Napoleão”, atual Louvre, que recolheu objetos artísticos das antigas coleções reais e outros. Forjava-se uma nova consciência nacional, em que ser francês era motivo de orgulho, independente do local e condição do nascimento: nobre, camponês, burguês, do Norte ou do Sul, todos se juntavam sob os novos símbolos nacionais para combater a ameaça externa. E isso foi muito eficiente. Os grandes exércitos da revolução, compostos de conscritos mal armados e mal treinados – mas motivados – obtiveram uma série de vitórias sobre as sucessivas coalizões dos Estados europeus e seus exércitos profissionais, pequenos, altamente treinados, mas sem ter a mesma coesão moral. Assim, os maltrapilhos soldados de Soult varreram as forças portuguesas, ANO III / Nº 4 praticamente sem resistência, obrigando a família real portuguesa a fugir para o Brasil. É claro que os outros países perceberam o problema e tomaram medidas para resolvê-lo, estando aí a origem dos grandes movimentos nacionalistas. Como conseqüência desses movimentos, são dados os primeiros passos para a preservação do patrimônio em Portugal e, por sua vez, no Brasil. Aqui e na Europa, foram tomadas medidas de reformulação do Estado e do exército português, como o fim do antigo sistema colonial, a abertura dos portos e a posterior elevação a Reino Unido e as reformas do Marechal Beresford. Do ponto de vista do assunto que tratamos, podemos apontar a criação da primeira medalha militar distribuída a soldados (Medalha da Cam15 panha de Caiena), a fundação do Museu Nacional, em 1818, ou até a vinda da missão artística francesa, em 1815. Quanto a esta última, os professores da mesma e seus discípulos brasileiros passaram a produzir uma série de obras voltadas para a exaltação de valores nacionais, como suas paisagens e cultura. Tudo isso, contudo, não seria nada em comparação com o forte movimento que surgiu após a Independência, pois então era necessário formar não só um exército coeso, mas toda uma nação motivada, através da criação de um sentimento de “pertencimento” ao novo País. Nova bandeira, novo brasão, novos hinos foram elaborados, tudo voltado a lembrar que éramos um país novo, separado e distinto de nossas origens portuguesas. A mudança mais visível para a população foram as novas cores nacionais, que substituíram o azul e vermelho de Portugal pelo verde e amarelo imediatamente adotadas pelo Exército, criando as chamadas unidades de “periquitos” que exerceram grande atração sobre o povo em geral, entusiasmado com os constantes desfiles militares. O Brasil não era um caso excepcional. Na verdade, a partir das guerras napoleônicas, nenhum país pôde ignorar a questão da criação e fomento de um sentimento nacional como uma das maneiras de motivar seus exércitos de conscritos. Daí se entendem os movimentos literários associados ao Romantismo, que procuravam estabelecer uma ligação com o passado, para forjar um sentimento nacional que sobrepujasse as diferenças e preconceitos regionais. Obras como as de Gonçalves Dias e José de Alencar, idealizando a pátria e seus elementos formadores, seguiam por esse caminho. Entretanto, o Governo Brasileiro, depois de passado o período de revoltas da Regência e da consolidação do Império, não deu muita atenção a esse aspecto da atividade educativa e da formação cívica. Mesmo o Museu do Exército, criado 16 Barbeiro trabalhando em frente ao Paço Imperial, Rio de Janeiro. Gravura de Debret. Ilustra o costume adquirido pelas camadas mais baixas da população inclusive escravos de usar chapéus alusivos às forças militares, com as cores nacionais, devido ao entusiasmo causado pelos constantes desfiles de tropas tardiamente, em 1868, para guardar e celebrar os objetos alusivos às vitórias da Força, teve uma vida curta. Os troféus militares da Guerra do Paraguai foram colocados em igrejas, e o museu, posteriormente, transferido para o distante Asilo dos Inválidos da Pátria cujo acesso era dificílimo, pois ficava numa ilha! Não havia uma proposta de se atingir um público maior, reforçando os valores que seriam capazes de motivar a população a se unir em torno de sentimentos nacionais. Essa situação de complacência, contudo, não poderia continuar por muito tempo. Estudiosos das questões militares, no final do século XIX, já apontavam a necessidade de criação de elementos capazes de dotar as Forças Armadas de meios efetivos para exercer as suas funções, especialmente em ANO III / Nº 4 so foi criado o Museu Histórico Nacional, com um forte componente nacionalista. Entretanto, essas medidas governamentais sofriam dos mesmos problemas anteriores – eram pequenas e limitadas à capital federal, ou seja, de alcance restrito, não atingindo a imensidão de nosso interior. Este último fator era muito importante. A ação dos oficiais do Exército, como dos que participaram da Comissão de Linhas Telegráficas de Rondon, ou mesmo quando da perseguição à Coluna Miguel CostaPrestes, além do serviço normal em longínquas guarnições nos sertões, lhes mostrava a situação de abandono e descaso com nosso sertão. Ainda em 1933, por exemplo, o problema da educação era seríssimo: de cada mil brasileiros, mais da metade nunca tinha estudado (51,3%). Dos restantes, 110 não chegavam a concluir o primeiro ano de Formatura de Tiro Nacional em Petrópolis, 1910. A formação de reservas para o Exército, tendo em vista uma possível mobilização em caso de guerra, foi vista pelos militares como uma razão para modernizar a estudos, 178 concluíam-no, mas não forma como o País era visto internamente. Estes consideravam que um reforço do sentimento nacionalista e dominavam a leitura, e assim por dide identificação com o Brasil, era indispensável para mobilização nacional ante, a ponto de apenas 3% dos braface dos imensos exércitos nacionais que se formasileiros chegarem a concluir os cinco anos do curvam com conscritos nos países industrializados. so primário. É claro que a proporção daqueles que A Primeira Guerra veria os primeiros passos estudavam um pouco além do básico era absurdanesse sentido mais voltados para o campo militar. mente pequena. Foi adotada a Lei do Recrutamento, de 1916, perSomava-se a isso o conhecimento, comum em mitindo a formação de reservas confiáveis, e a coruma grande parcela do corpo de oficiais do Exérrupta Guarda Nacional, vista como atrelada a incito, dada a importância militar da Região Sul, de teresses paroquiais e não nacionais, foi extinta. que aquela área era ocupada por um imenso núDo ponto de vista da motivação psicológica, mero de imigrantes. Estes, abandonados pelos goo no Centenário da Independência, o 1 Regimento vernos central e estaduais, mantinham seus usos, de Cavalaria foi transformado nos “Dragões da Incostumes e língua (falada e escrita) originais, não dependência”, recebendo um uniforme histórico podendo ser considerados, de forma alguma, como como forma de resgate de nosso passado. Além disbrasileiros assimilados, mesmo aqueles que tinham ANO III / Nº 4 17 nascido aqui. Os dados do censo de 1940, por exemplo, apontam a presença no país de um milhão de “germânicos” (2,5% da população total), concentrados nos três estados do Sul. Lá, eles eram proprietários de 0,43% das terras cultiváveis do país, mas controlavam 8% da produção agrícola (24% da dos estados sulinos), mostrando a sua importância econômica. Estabelecidos em comunidades próprias, com jornais e escolas em língua alemã, muitos deles viam o português como uma língua estrangeira – 75% dos missionários protestantes de siderar essas populações como sendo compostas de nacionais de seus países de origem. Hoje em dia, sabe-se que essa posição da Itália, Alemanha e Japão era mais “para inglês ver”, não representando um perigo imediato para o país, mas isso não era muito aparente na época. Em 1940, um alemão, Hermann Rauschining, escrevia sobre o Brasil: Criaremos lá (no Brasil) uma nova Alemanha (...) Encontraremos lá tudo de que necessitamos. Todas as pré-condições de uma revolução lá se encontram, revolução que, em algumas décadas, ou mesmo anos, transformaria o estado mestiço corrupto em domínio alemão ... Nós lhe daremos... nossa filosofia... Se há um lugar em que democracia é sem sentido e suicida, esse lugar é na América do Sul... Vamos aguardar alguns anos e, nesse interregno, fazer o que pudermos para ajudá-los. Desfile nazista no Dia do Trabalho, Rio Grande do Sul, 1937. A bandeira nacional convivendo com a suástica Mas temos que enviar era um símbolo mais do que evidente do chamado perigo alemão nossa gente até eles... Não iremos desembarcar tropas como Guilherme, origem norte-americana que trabalhavam nessas coo Conquistador, e dominar o Brasil pela força das munidades pregavam e ensinavam nas escolas apearmas. Nossas armas não são visíveis. Nossos connas em alemão. quistadores... têm uma missão muito mais difícil Situação semelhante poderia ser apontada que a de seus antecessores e, por essa razão, dispara os japoneses e italianos. Estes últimos tinham, põem de armas mais complexas. inclusive, conduzido recrutamento militar e cam- panhas de vendas de bônus de guerra entre os seus “cidadãos”, na Primeira Guerra Mundial. E a presença dessas pessoas não-assimiladas, com seus usos e costumes estranhos ao país, não deve ser visto como “folclore” apenas. O discurso oficial das ditaduras nazi-fascistas era tendente a con18 Esse mesmo discurso era aparente com relação aos japoneses, sendo que estes, para o governo, afiguravam-se como motivo de maior preocupação, porque eram seguidos de ações efetivas de controle dos imigrantes por parte do governo nipôANO III / Nº 4 nico. Um artigo publicado na Der Adler (edição Francesa), revista de propaganda da Luftwaffe alemã, mostra bem isso: O exemplo típico da expansão japonesa no estrangeiro é aquele que se deu no Brasil. Neste país, pouco depois da guerra de 1914-1918, houve um tal afluxo de japoneses que logo os governantes desta república sul-americana experimentaram um temor real. A cifra anual de imigrações japonesas que era de 12.000 em 1920, subiu para 30.000, em 1934. Existiam já então 170.000 nipônicos que haviam emigrado para o Brasil. Compreendeu-se que estes japoneses não haviam chegado isoladamente ou por acaso, como outros imigrantes, mas que eram metodicamente introduzidos por meio de uma organização do Estado nipônico, a Kaigai Kogy Kaboushiki Kaisha. Esta organização, fundada em 1917, operava uma cuidadosa triagem entre os emigrantes, a sociedade de armamentos marítimos Osaka Chosen Kaisha tinha colocado à disposição do serviço de emigração para a América do Sul uma frota de 90.000 toneladas. As jovens famílias de colonos foram objeto de uma seleção sob o ponto de vista de suas qualidades patrióticas, físicas e morais. Durante 10 anos estariam sob os cuidados da Organização e, se por qualquer imprevisto eles perdessem seus meios de subsistência, eles seriam repatriados gratuitamente! O Ministro das Relações Exteriores de Tóquio tinha as listas exatas de todos os emigrados e, a cada três anos, mandava elaborar um relatório estatístico sobre a imigração e a emigração. Desta forma, tomavam-se todas as medidas imagináveis para que nenhum emigrante e nenhuma família estivessem perdidos para o povo japonês. O elemento mais importante neste sistema de medidas acordadas com os emigrantes era a estrita “formação de células”. Os colonos não seriam jamais instalados isoladamente, mas ANO III / Nº 4 sempre em grupos que colaborassem estreitamente e mantivessem uma estreita comunidade. Ainda que tenha ocorrido freqüentemente que grupos europeus se tenham fundido no seio de um povo estrangeiro, dispersando-se pelo mundo, os japoneses não estavam ainda naquele momento diluídos em nenhum grupo étnico diferente. Eles conservavam com a maior determinação sua língua natal, seus costumes, sua religião e, sobretudo, a fé fanática em sua pátria. (Tradução do autor) Claras ameaças à nossa soberania, pelo menos do ponto de vista da apresentação de idéias. É óbvio que a inteligência militar brasileira não ignorava esse perigo potencial. De fato, cremos que ela o conhecia de forma mais clara do que qualquer outro grupo de nossa sociedade, devido à rotação de oficiais pelas guarnições do Sul e as dificuldades enfrentadas por eles na assimilação de recrutas que não falavam a língua nacional. A Revolução de 1930 tinha levado ao poder Getúlio Vargas e este deu atenção a uma análise da situação nacional, publicada pelo Exército Brasileiro em 1934, o Exame da Situação Militar do Brasil. Nesse artigo colocava-se, de forma clara, o seguinte sobre a situação dos interesses externos no País: De fato, sobre a América do Sul em geral e sobre o Brasil em particular pairam uma série de ameaças, porque diversas correntes expansionistas convergem ali (...) entre as quais estão: (...) • Os japoneses – os mais perigosos, porque é a mais sistemática e metódica, a mais absorvente e mais direta; • A germânica – existia antes da conflagração européia [Primeira Guerra Mundial] e cuja ameaça explodiu de novo com a onda de intensivo espírito racista e a filosofia científico-militar; 19 A norte-americana – que é acima de tudo econômica, não ameaçando diretamente nossa independência política, mas tendendo a fazer-nos seus vassalos. A expansão americana, que é feita principalmente por meio de exportação de capital através do comércio em geral, tende a confrontar-se aqui com a japonesa, que é feita pela exportação de mão-de-obra, cujo efeito é mais radical e perigoso. A coalizão dessas duas correntes poderia resultar em um ataque contra nossa independência ou, pelo menos, contra nossa integridade; • A italiana – que é por suas origens e natureza, menos perigosa, tem-se acumulado, entretanto, demasiadamente em certas regiões do país, tendendo indiretamente a ameaçar uma quebra na unidade nacional do povo e a exercer uma forte influência em parte do público no evento de uma guerra européia. Os imigrantes alemães poderiam ameaçar de forma semelhante a resolução e unidade nacionais”. • bou com Hitler, éramos uma estranha mescla sem unidade e sem rumo. Para o general, que depois comandaria a artilharia da FEB na Itália, havia um perigo real: Estou convencido de que o perfil do Sul do continente seria outro se a Alemanha tivesse vencido a guerra de 1939. Hitler teria realizado o seu velho sonho de domínio do mundo formando aqui a sua Alemanha Austral, na região mais rica e mais povoada de alemães. Essa base cultural e étnica favorecia o separatismo do Sul do Brasil. Por isso é que eles se batiam tanto pela escola alemã, que era o veículo transmissor das idéias pangermanistas (...). O General Cordeiro de Farias, interventor no Rio Grande do Sul, reforçou essas palavras em suas memórias: ...estou convencido de que os mais receptivos à ideologia hitlerista foram os imigrantes alemães de origem mais recente, ainda pouco adaptados e, portanto, sem compromissos mais profundos com a pátria de adoção. Estes criavam seus filhos, convencendo-os de que, embora nascidos no Brasil, eram de nacionalidade alemã. Pregavam a idéia de que o Brasil não tinha um povo, isto é, um conjunto de pessoas regidas por leis e uma cultura comum. Havia apenas uma população, um conjunto de pessoas que aqui residiam, constituindo um aglomerado de alemães, italianos, portugueses, japoneses, composto de todas as raças, branca, negra e amarela. Em suma, segundo essa teoria pangermanista que se exacer- 20 Caricatura de Belmonte, de 15 de outubro de 1938, mostrando a visão comum na época, dos perigos que a política de incorporação dos chamados alemães raciais poderia trazer O Exército tomou as medidas que lhe eram possíveis para sanar o problema em sua esfera de ação, com o reforço de guarnições nas zonas conANO III / Nº 4 sideradas como de ameaça, a criação de um programa de intercâmbio de recrutas entre as diferentes regiões do país e o incentivo à alfabetização e ensino das classes de recrutas. Os alistados que não falassem português tinham que servir dois anos, ao invés dos 12 meses normais, para garantir a sua incorporação como bons cidadãos. Medidas de valorização de tradições também foram tomadas, como a escolha de patronos para as armas e serviços da Força, servindo estes de exemplo das qualidades que o Exército gostaria que fossem emuladas. Como diria o general Góes Monteiro, em seu livro, A Revolução de 30 e a Finalidade Política do Exército: ... sendo o Exército um instrumento essencialmente político, a consciência coletiva deve-se criar no sentido de se fazer a política do Exército, e não a política no Exército... A política do Exército é a preparação para a guerra, e esta preparação interessa e envolve todas as manifestações e atividades da vida nacional, no campo material – no que se refere à economia, à produção e aos recursos de toda a natureza – e no campo moral, sobretudo no que concerne à educação do povo e à formação de uma mentalidade que sobreponha a tudo os interesses da pátria. Tudo isso foi feito dentro de um programa de modernização do país, sendo que os estudiosos já trabalharam bem a parte relativa à intensiva participação das Forças Armadas na criação de uma base industrial que diminuísse a dependência do Brasil em relação às grandes potências. A epopéia da fundação da Companhia Siderúrgica Nacional e a relevância dos militares nessa proposta já são bem conhecidas, mas também poderíamos citar os esforços na construção de fábricas de aviões, de motores, munições, material béANO III / Nº 4 lico, etc. Naturalmente, tudo isso não se deu exclusivamente devido à ação militar, mas sim como um componente da política governamental do período, porém a relevância da ação das Forças Armadas não pode, e normalmente não é, desprezada pelos historiadores. Contudo, se há estudos alongados sobre a questão industrial, menos se conhece sobre o papel do Exército na solução da questão da integração nacional na década de 30, talvez porque a ação da Força não tenha sido tão direta como nos outros casos. Mas, como mencionamos acima, essa era uma questão bem visível e alertas já vinham sendo dados pela inteligência militar sobre o “perigo alemão” e outros semelhantes. De qualquer forma, é certo que o Governo tomou uma série de medidas visando a sanar os problemas que o descaso dos governos anteriores, desde o Império, tinha deixado de tratar. Medidas repressivas aos elementos exóticos foram tomadas através de decretos, regulando a legalização de estrangeiros para o funcionamento de firmas ou arquivo de contratos; proibindo práticas políticas por estrangeiros, ainda que só para “propaganda e difusão, entre seus compatriotas, de ideais, programas ou normas de ação de partidos políticos do país de origem” (uma clara alusão aos partidos Nazista alemão e Fascista italiano); regulando a expulsão de estrangeiros que comprometessem a segurança nacional; proibindo a formação de núcleos coloniais de imigrantes de uma só nacionalidade e regulando a entrada desses; definindo os crimes e penas referentes a atentados contra a soberania nacional; e, mais importante, determinando a nacionalização integral do ensino primário de todos os núcleos de população de origem estrangeira. O programa político do Governo não era só punitivo, também tinha um forte viés educativo. Era necessário criar um sistema de integração de 21 todos os brasileiros, não só os imigrantes e seus descendentes, mas também aqueles anteriormente “esquecidos” nos rincões do país, os sertanejos, que muitas vezes sequer tomavam conhecimento do que acontecia no Brasil maior, a não ser no momento da cobrança dos impostos. Para isso, o governo Vargas se aproveitou das possibilidades abertas pela Constituição de 1934 (que pela primeira vez determinou que os interesse sociais se sobrepusessem aos individuais), para dar um reforço a uma política de educação de massas. Também, pela primeira vez em nossa história, foi criada uma política cultural integrada em âmbito nacional. Assim, foram organizados: a Inspetoria dos Monumentos Nacionais (1934), o Instituto Nacional do Livro (1936), o Serviço de Radiodifusão Educativa, o Instituto Nacional do Cinema Educativo, o Serviço Nacional do Teatro (todos de 1937), o Conselho Nacional de Cultura (1938) e o Conselho Nacional dos Símbolos Nacionais (1939), órgãos sob a responsabilidade do então Ministério da Educação e Saúde. Com funções assemelhadas, foi criado também o Departamento Oficial de Publicidade (1931). Este, subordinado ao Ministério da Justiça, seria transformado em Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, em 1934, e depois seria substituído pelo infame Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), de 1939. A função desses órgãos era múltipla. Se por um lado era vital integrar o País, como exposto acima, por outro, era necessário motivar e dar ao povo orgulho de ser brasileiro, tal como tinha sido feito na Revolução Francesa, e isto com motivos semelhantes, pois só uma população motivada defenderia seus interesses de forma consistente. Uma das maneiras de se fazer isso era exatamente a que foi adotada na Revolução Francesa, ou seja, criar símbolos que servissem de ícones para toda a nação tal como o Exército vinha fazendo 22 em âmbito interno, com os seus patronos. Um dos órgãos criados para gerenciar esse projeto, em 1936, foi o Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Este tinha uma proposta bem distinta da aplicada na defesa da cultura até a Revolução de 1930; sua ação não se restringiria à capital ou às grandes cidades. Voltava-se para todo o país, visando preservar prédios, monumentos, sítios arqueológicos, documentos e paisagens que fossem considerados como importantes para a criação de um sentimento de orgulho nacional, pela beleza ou relevância do nosso passado ou da produção cultural. Assim, nos seus primeiros cinco anos de ação efetiva (1938 a 1942), o IPHAN “tombou” (protegeu como patrimônio histórico nacional) 356 bens em todo o país, que passaram a servir de símbolos da nacionalidade. Uma casa antiga deixava de ser um “troço velho” que deveria “ser demolida para modernizar a vizinhança”, e passava a ser um monumento representativo de nossa história. Vários são os exemplos que podem ser citados dessa ação inicial, como foi o caso das casas natais do General Osório e do Barão do Rio Branco, mas cremos que o caso mais importante, para mostrar a ligação entre o Exército e a idéia de proteção ao patrimônio, é o das vinte e cinco fortificações tombadas nesse período. A maior parte delas era de construções coloniais, algumas abrigavam instalações militares ativas e que teriam importância na defesa do país durante a Segunda Guerra Mundial. Em pelo menos uma delas, a Fortaleza de Santa Cruz no Rio de Janeiro, a construção tombada era uma fortificação ativa, de importância para a defesa da capital federal. Nesses casos, as Forças Armadas aceitaram o pequeno desconforto que a supervisão do IPHAN geraria com o tombamento, pois havia uma compreensão da importância da criação de símbolos nacionais, tal como tinha ocorrido durante a Revolução Francesa. ANO III / Nº 4 trimônio histórico não é uma coisa que possa ser tratada como um problema a ser solucionado e esquecido, é uma preocupação constante, que se renova, pois a produção cultural do país é sempre crescente e mutável. Infelizmente, muitas pessoas têm uma visão restrita, não entendendo o porquê da proteção ao patrimônio e desprezando a atividade. Contudo, esse não é o caso do Exército Brasileiro, que possui um órgão específico para a difusão cultural: a Diretoria de Assuntos Culturais. Ainda que enfrenForte de Coimbra, no Mato Grosso do Sul, tombado enquanto ainda era empregado na defesa do território. Um dos símbolos, tem dificuldades no seu tanto da nova política de proteção ao patrimônio quanto da penetração e ação das Forças Armadas nos sertões do Brasil dia-a-dia, até as unidades operacionais atuam de forma constante nessa área, Pode-se dizer que todo o programa cultural mesmo não sendo preparadas para tal. do governo Vargas foi bem sucedido. Movimentos Assim, o Exército, hoje, ainda é um importerroristas como Shindo Remei, de imigrantes intante aliado na preservação do patrimônio, pois conformados com a derrota do Japão na Segunda compreende que a valorização cultural de um país Guerra Mundial, são inimagináveis no Brasil dos não pode ser restrita a aspectos menores ou simúltimos 40 anos. Do ponto de vista da integração plesmente turísticos. Atualmente, não há aquela nacional, o perigo de comunidades não assimilaforte pressão nacionalista da primeira metade do das foi afastado. Hoje em dia, os costumes de desséculo XX, mas só um tolo descartaria a necessidacendentes de imigrantes (e de outros grupos) são de constante de se proteger e valorizar aquilo que vistos como folclore e motivo de orgulho em nosnos torna únicos nesse mundo globalizado. sa diversidade cultural e não mais como um perigo em potencial. Isso talvez seja o motivo por que o governo não dá, atualmente, muita atenção à Adler Homero Fonseca de Castro, natural da cidade do Rio de Janeiro, questão cultural. Muitos dos órgãos e mecanismos é mestre em História. Pesquisador do IPHAN, vem realizando, há vinte anos, pesquisa sobre a história das armas e fortificações. criados na década de 1930 não mais existem, por Atualmente é membro do Conselho de Curadores do Museu Militar Conde terem perdido as suas funções, mas um dos que se de Linhares e do Museu das Armas Ferreira da Cunha. mantiveram foi o IPHAN, pois a proteção ao paANO III / Nº 4 23