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III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TEXTO: José Agnaldo Barreto de Almeida
A participação popular e os Conselhos Municipais de Educação no contexto da
“reforma” do Estado Brasileiro: algumas considerações.
“Todos os homens do mundo, na
medida em que se unem entre si em
sociedade,trabalham,lutam e melhoram
a si mesmos”.
Antonio Gramsci
RESUMO: Em 1996 foi aprovada a Lei 9394/96(LDB) que trouxe significativas mudanças
para a educação; a Lei reafirmou o disposto na Constituição Federal de 1988: a
necessidade de participação da sociedade em espaços como os Conselhos de Escolas e os
Conselhos Municipais de Educação, para “garantir” uma maior democratização da gestão
educacional. Tal “garantia” significou avanços? Isso pode ser constatado a partir deste
artigo que visa apresentar algumas considerações sobre os Conselhos Municipais de
Educação, nesse contexto da “reforma” do Estado brasileiro e contribuir para o debate a
cerca da participação popular nesses espaços tão importantes para a melhoria da gestão
dos Sistemas de Ensino.
Palavras-Chave: Conselhos Municipais de Educação,
“Reforma” do Estado brasileiro, Estado neoliberal.
Democracia,
Participação,
ABSTRACT: In 1996 was adopted the Law 9394/96 (LDB) has brought significant
changes to education, the law reaffirmed the provisions in the Constitution of 1988: the
need for the participation of society in places like the School Councils and Municipal
Councils of Education to "ensure" a more democratic management educational. Such
"guarantee" meant advances? This can be seen from this article that aims to present
some considerations on the Municipal Councils of Education, in this context of "reform" of
the Brazilian state, and contribute to the debate about public participation in these
spaces as important for improving the management of systems Education.
Keywords: Municipal Councils of Education, Democracy, Participation, "Reform" of the
Brazilian state, neoliberal State.
Introdução: A sociedade brasileira tem sua formação histórica assentada em governos
autoritários, centralizadores e em uma política patrimonialista1 bastante clara. Em todos
os cantos do país, principalmente no período republicano, as escolhas daqueles que
exerciam as funções públicas baseavam-se na confiança pessoal que mereciam os
candidatos e quase nunca pelas capacidades próprias.
Vários estudos, a exemplo de Raízes do Brasil, Holanda (1995) e Os Donos do
Poder, Faoro (2004), apontam tal quadro e explicitam como ocorreram as influências do
pensamento político português no modo de ser do nosso povo.
1
Essa concepção situava o Estado como pertencente à autoridade e instituía uma burocracia
baseada na obediência à vontade superior. Pode-se dizer que não há distinções entre os limites do
público e os limites do privado.
2
Até o início da década de 1980 predominou em vários campos sociais a posição
centralizadora e patrimonialista, mas a promulgação de uma nova Constituição Federal,
que não extinguiu tais posições, inauguraria uma nova fase da história brasileira – a
possibilidade de redemocratização após um longo período autoritário. Nesse documento,
algumas reivindicações dos diversos movimentos e organizações se fizeram presentes,
por exemplo, a autonomia da esfera municipal aliada a um aumento de sua participação
na divisão dos tributos do país e, ao lado da descentralização e municipalização das
políticas públicas, a participação da população no controle e gestão dessas políticas.
No que se refere à educação, a Constituição Federal estabeleceu como princípios:
o “pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas” e a “Gestão Democrática do ensino
público” (art.206). Seguindo essa tendência da “Gestão democrática do ensino público”,
a Constituição de 1988, “pela primeira vez, sem falar de municipalização, dá autonomia
aos municípios para a criação de sistemas municipais, situando o município como espaço
real de poder. A partir de 1988, o município não seria mais tratado como mero executor
de decisões tomadas em outras instâncias de poder”. (GADOTTI; ROMÃO: 2002).
Anos após a promulgação da Constituição Federal, foi aprovada em dezembro de
1996 a lei 9394/96 (LDB) que reforçou os princípios da “Gestão Democrática”. A nova
LDB apresentou rupturas e continuidades na educação, até então vigente. Dentre as
principais rupturas, devemos destacar a idéia de que o poder não deveria ser mais
centralizado; deveriam ocorrer relações de poder que não fossem verticais, mas sim
compartilhadas. Para tanto, no Art. 8º, fica claro que “a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas
de ensino”. Ainda neste Artigo, no § 2º fica evidente que “os sistemas de ensino terão
liberdade de organização nos termos da Lei”.
Muitos outros artigos da LDB falam sobre Sistema de Ensino que para Saviani
(1999, p.120) “é uma ordenação articulada dos vários elementos necessários à
consecução dos objetivos educacionais preconizados para a população à qual se destina”;
apesar da garantia em lei da criação desses Sistemas Municipais de Ensino, eles por si só
não poderiam dar conta de uma descentralização que levasse à “Gestão democrática”.
Para tanto, foi também reafirmada a necessidade da participação da sociedade em
espaços como Conselhos de Escolas e os Conselhos Municipais de Educação, órgãos
estes, dinâmicos, ativos, que fossem representativos dos segmentos escolares e da
comunidade educacional em geral. Contudo, anos após a promulgação da C.F e da Lei
9394/96, as discussões em torno dos conselhos e da criação dos sistemas são
controversas, e esta situação, aliada à desmobilização da Sociedade Civil brasileira pode
estar dificultando a formulação de sistemas de controle eficientes sobre a implementação
de políticas públicas de educação.
As questões vistas anteriormente sobre a institucionalização da possibilidade de
participação da Sociedade Civil e a criação de canais de participação como os Conselhos
Municipais de Educação parecem simples, e muitas pessoas acabam reproduzindo os
discursos apresentados no atual cenário político, sem sequer lê-los nas entrelinhas.
Portanto, é necessário analisar as idéias de criação dos CMEs e dos Sistemas
Municipais de Ensino em um contexto maior, a saber, os anos de 1990. Neste momento
histórico, nota-se a intensificação da política de “reordenação” da gestão educacional sob
o prisma do pensamento neoliberal que chegava ao país e se apropriava daquilo que lhe
convinha, inclusive dos discursos dos movimentos sociais que valorizavam a idéia de
“descentralização”, “participação cidadã” e “as parcerias entre Estado e Sociedade Civil”,
as quais passaram a servir como propostas de desresponsabilização do Estado com as
políticas sociais. O que poderia ser uma possibilidade de emancipação passou a servir
como mecanismo de “conciliação” e reprodução dos interesses do capital.
3
Desta forma, este artigo visa apresentar algumas considerações sobre os
Conselhos Municipais de Educação, nesse contexto da “reforma” do Estado brasileiro,
sabendo que não irá esgotar as questões, mas poderá contribuir para o debate a cerca
da participação, avaliar o funcionamento e pensar alternativas que possam superar o
caráter formal, burocrático e de ineficiência que caracterizam muitas dessas instituições.
Ineficientes se pensadas no sentido de democracia radical2 e controle social sobre o
Estado.
1-Sociedades antigas e seus exemplos de participação
Os Conselhos, de uma forma geral, têm uma ligação íntima com a democracia, a
participação, e apesar das discussões envolvendo os termos terem se acirrado na
contemporaneidade, é certo que suas origens remontam a um tempo histórico bastante
longínquo; tanto os registros, quanto os historiadores apontam a existência, há quase
três milênios, no povo hebreu, nos clãs visigodos e nas cidades-Estado do mundo grecoromano, conselhos como formas embrionárias de gestão dos grupos sociais. É ainda
válido salientar que “a Bíblia registra que a prudência aconselhara Moisés a reunir 70
“anciãos” para ajudá-lo no governo do seu povo, dando origem ao Sinédrio, o “conselho
de Anciãos” do povo hebreu” (MEC, 2006, p.13).
Citado o exemplo hebreu, não se pode perder de vista que, em se tratando da
formação do mundo ocidental há uma contribuição muito grande dos valores éticos,
morais e políticos da também, já citada, sociedade greco-romana e principalmente da
Grécia. As cidades-estado desta região do mundo antigo eram bem desenvolvidas,
contudo, a que mais se destacou em ideário político foi Atenas e lá, em especial, entre os
séculos VIII e V a.C., desenvolveram-se esforços para a construção de uma sociedade
justa, o que resultou na Democracia.
O modelo grego, principalmente o da Democracia ateniense foi o resultado de
sucessivas lutas: primeiro, ricos e comerciantes sem acesso ao poder contra a
aristocracia hereditária que o monopolizava; em seguida, as duas camadas acima que já
compartilhavam o poder contra as classes mais pobres. Foi um modelo político que
representou um frágil e tenso equilíbrio entre as várias camadas sociais que, apesar das
divergências que as separavam, adquiriram os direitos requeridos de participação
política; um modelo em que, à lei tornou-se “impessoal”, como uma obra coletiva,
resultado de uma decisão tomada por todos, reunidos em assembléia pública. Mas, bem
entendido: todos menos mulheres, crianças, estrangeiros e escravos - a quem era
negada a condição de cidadãos. Apesar de ser um modelo “excludente”, pode ser visto
como o princípio mais forte da Democracia tão propalada na atualidade.
Vários pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles pensaram sobre a
Democracia, a participação e muitos autores atuais explicam tal situação, a exemplo de
Chauí (2005) que afirma:
Quando a democracia foi inventada pelos atenienses, criou-se a
tradição democrática como instituição de três direitos
fundamentais que definiram o cidadão: igualdade, liberdade e
participação no poder (...). Por esse motivo, Aristóteles afirmava
2
A democracia radical está ligada à participação dos cidadãos como estratégia mais promissora
para desafiar as desigualdades que surgem da concentração assimétrica de interesses e das
hierarquias sociais e políticas tradicionais. Para chegar a ela, Mészáros (2006) afirma: “O único
caminho, entretanto, no qual o momento histórico da política radical pode ser prolongado e
estendido é fundir o poder de tomada de decisão política com a base social da qual ele foi alienado
durante todo tempo, criando, por esse meio, um novo modo de ação política e uma nova estrutura
- determinada genuinamente pela massa - de intercâmbios socioeconômicos e políticos”.
(MÉSZÁROS, 2009, p.90)
4
que a primeira tarefa da justiça era igualar os desiguais, seja pela
redistribuição da riqueza social, seja pela garantia de participação
no governo. (CHAUÍ, 2005, p.225)
Séculos e séculos se passaram e tais discussões em torno da participação só
foram retomadas de forma efetiva, no século XVIII, na época da Revolução Francesa,
quando da tomada do Estado pela burguesia comercial e incipiente burguesia industrial.
Os conselhos de anciãos das comunidades antigas, que se fundavam no princípio
da sabedoria e do respeito advindos da virtude, foram sendo gradativamente
substituídos, nos Estados-nacionais, por conselhos de “beneméritos” ou “notáveis”,
assumindo caráter tecnocrático de assessoria especializada no núcleo de poder dos
governos. O critério de escolha – dos mais “sábios”, dos “melhores” dos “homens-bons”
que fluía do respeito, da liderança na comunidade local, passa gradativamente a ser
substituído pelo poder de influência, seja intelectual, econômico ou militar. Ao longo do
tempo, o critério dos “mais sábios” é paulatinamente contaminado pelo interesses
privados das elites, constituindo os conselhos de “notáveis” das cortes e dos Estados
modernos.
2- Rupturas e continuidades nas construções dos Conselhos no Brasil
Em se tratando da situação brasileira, em relação à Democracia e organização de
conselhos, vê-se que foi na verdade a continuidade da política desenvolvida pelos países
ibéricos. Tanto Espanha, quanto Portugal tiveram uma peculiaridade dentro da Europa:
eram países - mesmo na Idade Média, onde o poder dos reis era descentralizado centralizado e praticamente absoluto. Diante deste quadro, observa-se que o Brasil foi,
desde a colônia, governado por uma comunidade que tendeu à burocracia e ao
patrimonialismo.
No final do século XIX, essa tendência centralizadora brasileira foi questionada e
isso de forma ampla. Faoro (2004) analisando os escritos de Rui Barbosa neste período,
aponta que ele escreveu entre outras coisas o seguinte: “Há entre nós, um monarca: o
imperador; mas só há um soberano; o povo. Aquele cede a este, ou muda de terra. Pode
ser Pedro I; mas não esqueça a porta por onde este saiu”. (FAORO, 2004, p.463). Ele
ainda mostra com isso que a centralização imperial não era mais possível; defendia a
República, que em tese era o governo da coisa pública; coisa que não aconteceu, pois o
regime foi mudado, mas permaneceu a mentalidade conservadora, onde só participava
das decisões os “homens bons”, ou seja, aqueles que tinham posses. Isso também é
mostrado por José Murilo de Carvalho em sua obra Os Bestializados: o Rio de Janeiro e
a República que não foi; ele aponta que o povo de nada participou e assistiu a tudo
bestializado, como mera platéia de um enorme espetáculo.
Neste processo, a situação brasileira continuou fortemente marcada por uma
concepção patrimonialista de Estado. O Mec (2006) aponta que:
Essa concepção, que situava o Estado como pertencente à
autoridade e instituía uma burocracia baseada na obediência á
vontade superior, levou à adoção de conselhos instituídos por
“notáveis”, pessoas dotadas de saber erudito, letrados. Conselhos
de governo, uma vez que serviam aos governantes. O saber
popular não oferecia utilidade à gestão da “coisa pública”,uma vez
que esta pertencia aos “donos do poder”,que se serviam dos
“donos do saber” para administrá-la em proveito de ambas as
categorias. (MEC, 2006, p.16)
Tal concepção de conselhos dos notáveis predominou, segundo vários teóricos,
até a década de 1980, e a partir de então tem se assistido ao crescimento das discussões
5
em torno da palavra, apesar de que em todo período da Ditadura Militar muitos setores
da sociedade sempre questionaram a situação e reivindicavam a democracia, a
participação.
Ainda na década de 1980, mais precisamente em 1988, assistiu-se, depois de um
largo processo de lutas sociais, à legitimação da possibilidade de redemocratização com a
mais nova Constituição. Muitos acreditavam que a partir da promulgação da Carta Magna
adviriam muitas conquistas. Como forma de pontuar isso, o Deputado Ulysses
Guimarães, Presidente da Assembléia Constituinte, afirmou:
Não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira,
desbravadora. Será luz, ainda que de lamparina, na noite dos
desgraçados. É caminhando que se abre os caminhos. Ela vai
caminhar e abri-los.Será redentor o caminho que penetrar nos
bolsões sujos, escuros e ignorados da miséria.(...) A nação quer
mudar.A nação deve mudar . A nação vai mudar. A Constituição
deve ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à
mudança. (PEIXOTO, 2006, p.59)
Além das conquistas sociais que melhorariam as desigualdades sociais, a nova
Carta Magna do país gerou expectativas, trouxe novas esperanças. Acreditava-se
também que a participação que ajudou a formular o documento iria fomentar mais
participação, visualizada como um elemento fundamental para o desenvolvimento dos
indivíduos e para a tomada de consciência dos seus interesses. Mas tais avanços
andaram na contramão do que ocorria no cenário internacional e Raichelis (2000) retrata
bem tal cenário:
Enquanto no Brasil estávamos aprovando uma Constituição que
incorpora mecanismos democratizadores e descentralizadores das
políticas sociais, que amplia os direitos sociais, fortalecendo a
responsabilidade social do Estado, os modelos de Estado Social
entram em crise no plano internacional, tanto os Estados de Bem
Estar Social quanto o Estado Socialista. E deste processo emerge
uma crise mais ampla, que desemboca no chamado projeto
neoliberal e nas propostas de redução do Estado e do seu papel
social. Isto vai ter um impacto muito grande na nossa experiência
de democratização das políticas sociais. (RAICHELIS, 2000, p.41)
O impacto pode ser notado a partir do aprofundamento das desigualdades sociais
e do impedimento das classes populares participarem, de fato, da construção de uma
nova sociedade pautada na igualdade de direitos e na justiça social. Para compreender
tais aspectos é necessário entender como essa política neoliberal ganhou espaço e
conseguiu se apropriar dos avanços obtidos e já garantidos na Constituição Federal de
1988.
3- A “reforma” do Estado brasileiro e o impacto sobre a Sociedade Civil (Des)
Organizada.
Já no início da década de 1990, o projeto neoliberal ganha corpo e ai o Estado é
identificado como ineficaz e parasitário. Tudo aquilo previsto na Constituição de 1988 foi
visto como elevadores dos custos para o setor público (aumento de despesas com saúde,
educação, previdência social e assistência social) e era necessário buscar mecanismos
para desmobilizar, sem precisar revogar o já estabelecido na lei. Sobre este contexto,
autores como Silva (2006) afirma que:
Segundo os partidários dessa política - a neoliberal – na
Constituição Federal de 1988 há excesso de direitos, de
6
participação, de descentralização, dificultando o processo
decisório, onerando o Estado e saturando a agenda pública com o
aumento da demanda por gastos sociais. O aumento das
demandas provocadas pelo alargamento da participação política,
combinado com a incapacidade do governo em dar respostas às
pressões
da
sociedade
provocou
uma
situação
de
ingovernabilidade.
Como
solução
é
proposto
se
“desconstitucionalizar” e se despolitizar as matérias sociais,
transferindo-as para as leis ordinárias. (SILVA, 2006, p.41)
O projeto neoliberal avançou sem maiores contestações e com isso houve uma
apropriação do discurso da descentralização e da participação, usados na década de 1980
pelos movimentos populares e pelos sindicatos dos profissionais da educação para
protestar e exigir mudanças nos sistemas burocráticos e centralizadores. Houve também
uma apropriação dos termos como “Conselhos”, “Gestão Democrática”, “esfera pública”,
“democracia participativa”, “controle social sobre o Estado”, “realização de parcerias
entre Estado e Sociedade civil”, por não falar do conceito de Cidadania, que passou a ser
usado em diferentes situações, levando à sua perda real de sentido e conseqüente
distorção.
Ainda sobre a apropriação dos termos pela política neoliberal, Duriguetto (2007)
afirma que:
Também a democracia está sendo amplamente enaltecida, sendo
considerada como único sistema legítimo de governo. No entanto,
seu significado e seus aspectos constitutivos encontram-se
esvaziados de conteúdos que a projetem para além de seus
procedimentos normativos. Particularmente, o trajeto da reflexão
democrática do campo progressista brasileiro produzido A partir
do processo histórico iniciado com a transição democrática
apresenta, nos dias atuais, uma rigorosa inflexão. Se no início
desse processo existiam concepções nas quis a democracia era
entendida como um momento ineliminável da luta pelo socialismo
e de sua construção e organização, mais recentemente o que
temos (...) é o abandono do socialismo enquanto meta estratégica
do processo de democratização, resignado a propostas de
compatibilizar
o
mercado
com
a
justiça
social.(DURIGUETTO,2007,p.17)
Para atender a esta concepção de democracia neoliberal foi pensado um “cidadão”
e uma “Sociedade Civil” que apenas legitimam as ações do Estado; participam, mas não
para discutir ou discordar, mas para valorizar a ótica de equilíbrio e não de mudança, “o
que torna a participação um instrumento que visa à eficiência e a eficácia da gestão do
Estado, esvaziando-se de seu conteúdo político”. (FERREIRA, 2006, p.2).
Neste momento histórico da década de 1990, permeado por disputas ideológicas e
enormes paradoxos é gestada a Lei 9394/96(LDB). Nela foram impressos os “antigos
sonhos” dos movimentos populares brasileiros que foram apropriados pela burguesia
neoliberal que “garantiu” a Gestão Democrática das escolas (Art.3º, inciso VIII), a
participação da comunidade escolar e local em Conselhos Escolares (Art.14, inciso II), a
possibilidade dos municípios em regime de colaboração com a União, os Estados e o
Distrito Federal, criar os seus Sistemas de Ensino (Art.8º) e tudo isso como forma de
acenar para uma progressiva conquista de autonomia pedagógica e administrativa das
unidades escolares (Art.15). A Lei “garantiu” a descentralização do ensino e a
necessidade dos conselhos de educação, contudo cabe perguntar: que conselhos são
estes? Quais os seus papéis?
7
De acordo com Tatagiba e Teixeira (2007):
Os
conselhos
gestores
são
instituições
participativas
permanentes, definidas legalmente como parte da estrutura do
Estado, cuja função é incidir sobre as políticas públicas em áreas
específicas, produzindo decisões (que algumas vezes podem
assumir a forma de norma estatal), e que contam em sua
composição com a participação de representantes do Estado e da
sociedade na condição de membros com igual direito à voz e voto.
(TATAGIBA; TEIXEIRA, 2007, p.62 e 63).
Apesar de a situação ideal ser esta pensada pelos autores supracitados, o estudo
de Salomão e Almeida (2007) aponta, entre outras coisas que:
A nossa sociedade não tem vivência empírica no controle social. A
par de toda dificuldade cultural na construção de espaços públicos
democráticos onde possa acontecer o controle social, e mesmo
em decorrência desta própria dificuldade, a sociedade brasileira
sempre esteve alijada dos centros de poder do Estado em todas
as esferas. (SALOMÃO; ALMEIDA, 2007, p.6737)
Além das idéias vistas anteriormente, pode-se observar no estudo de Ferreira
(2006):
Como foi constatado na literatura que trata o tema participação, a
experiência conselhista foi uma demanda básica na maioria dos
movimentos sociais brasileiros nos anos de 1980. (...) Nos anos
de 1990, esta demanda foi absorvida como estratégia política pela
maioria dos projetos governamentais, para viabilizar a questão da
participação da população nos órgãos e políticas estatais.
(FERREIRA, 2006.p.5)
Conforme esta observação apontada acima, os CMEs apresentados e defendidos
pelos governos são aqueles que exercem o papel de articulador e mediador das questões
da educação no âmbito do município. Deve ser um órgão de “ampla representatividade”’,
com atribuições normativas, consultivas, mobilizadoras e fiscalizadoras; que devem
ocupar posição indispensável na efetivação da Gestão Democrática do Sistema de Ensino,
bem como na consolidação da autonomia dos municípios no gerenciamento de suas
políticas educacionais, devendo, para tanto, estabelecer diálogo contínuo com a
Secretaria de Educação; são elos de interlocução entre a sociedade e o poder público,
participando da formulação, implantação, supervisão e avaliação das políticas
educacionais.
Nessa lógica, “a relação entre Estado e Sociedade é concebida a partir de uma
ótica de equilíbrio e não de mudança, o que torna a participação um instrumento que
visa à eficiência e à eficácia da gestão do Estado, esvaziando-se de seu conteúdo
político”. (FERREIRA, 2006, p.2). Essa “participação” prevista pelo governo leva ao
enfraquecimento de mecanismos que apontam para uma ação coletiva e organizada das
camadas populares e para a participação no processo decisório da política do próprio
Estado.
Com isso não se quer dizer que o papel do Conselho Municipal de Educação não
seja importante, pelo contrário, é um mecanismo que se bem conduzido, pode contribuir
no processo de melhoria da qualidade da educação brasileira e, consequentemente, no
fortalecimento da Democracia do país, sendo esta última, pensada de uma forma ampla
8
e promotora de uma igualdade substantiva. Para reforçar tais colocações, podemos citar,
mais uma vez, Ferreira (idem 2006) que a partir de estudiosos do tema, como, Behring
(2001); Gohn (2000); Nogueira (2004); Raichelis (1998); Silva (2005), lembra:
Os conselhos não podem ser vistos como substitutos da
democracia representativa nem como braços auxiliares do
executivo ou, ainda, como substitutos da participação popular em
geral. Eles são apenas um espaço possível. Apesar de todas as
críticas feitas a seu formato, ainda consideramos que seja
importante a participação nesses espaços, como forma de luta
pela conquista dos direitos sociais e também de transformação
social. (FERREIRA, 2006, p.5)
As questões apresentadas apontam uma democracia bastante frágil e restrita; por
conta desta fragilidade, os conselhos não conseguiram ainda, na maior parte do país,
uma mobilização que leve à participação em nível de engajamento, que gere a
construção de um novo projeto societário que privilegie a emancipação do ser humano,
superando a hegemonia do capital. Tal constatação serve de norte para que se
intensifiquem os estudos em torno desses conselhos, a fim de que haja a superação de
expressões fragmentadas, despolitizadas e consequentemente, “as classes subalternas
presentes no campo da Sociedade Civil tenham, para além da luta pela hegemonia, a
luta para fazer avançar as conquistas democrático-populares pela defesa e ampliação dos
direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados ou a serem conquistados”.
(DURIGUETTO, 2007, p.226).
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