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Parecer proferido no Pº
Div. 72/2009 SJC-CT
Sumário: Documento particular autenticado com depósito electrónico. Sua ulterior
“modificação” (rectificação, ratificação, alteração, aclaração, etc.).
1. O recurso à modalidade do documento particular autenticado submetido a
depósito electrónico como meio de formalização de factos jurídicos respeitantes a
imóveis1 – que o DL n.º 116/2008, de 4-7 (arts. 22.º e ss.), ao lado da escritura pública,
veio pôr à disposição dos interessados, nos termos que na Portaria n.º 1535/2008, de
30-122, se regularam – tem propiciado a emergência de dúvidas várias acerca dos mais
diversos aspectos do seu regime, as quais vêm sendo especialmente sentidas, e
oportunamente manifestadas, quer, como é natural, e mais agudamente, pelas próprias
entidades incumbidas da autenticação e depósito, quer pelas entidades – aqui com
destaque, não menos naturalmente, para os serviços de registo – perante as quais esses
títulos diariamente são apresentados e de quem se conta que neles dêem por válida e
plenamente produzidos os efeitos jurídicos a que foram destinados.
É dar resposta a um punhado de tais questões, concretamente reportadas por um
e outro tipo de agentes, que com elas em termos muito práticos se debateram, que, por
determinação superior, constitui a nossa presente tarefa,3 sendo que, como logo se verá,
sobressai, unindo-as, a característica comum de em todas se pressupor a existência de
um qualquer documento particular autenticado, submetido a depósito electrónico, em
relação ao qual ulteriormente se vem a revelar necessário, ou pelo menos conveniente,
introduzir uma qualquer “modificação” (dando à palavra um sentido muito abrangente,
para significar não só a alteração propriamente dita, mas também rectificação,
1
Sempre que, por comodidade, de ora em diante usarmos a expressão “documento particular
autenticado”, é unicamente desta específica modalidade a que nos estaremos referindo.
2
Doravante, “Portaria”.
3
Circunscreveremos
porém
a
nossa
pronúncia,
importa
advertir,
ao
esforço
de
procurar
estabelecer/definir as soluções que, no quadro do direito aplicável, se nos afigurem como as mais adequadas –
arredando portanto da abordagem o escopo de tomada de posição sobre o conteúdo da qualificação que haja
ou houvesse de recair sobre os individuais e concretos pedidos de registo em função dos quais algumas das
questões vieram suscitadas. A explicação é simples: bastará dizer que se não está, aqui, em fase de recurso
hierárquico, e que é ao conservador exponente que, em primeira linha, com total independência (e, também,
em pleno cumprimento do seu ofício), cabe decidir do pedido de registo.
2
ratificação, aditamento, revogação, etc.).
2. Enunciemos então, em jeito de quesitos, o elenco de questões formuladas:
I.
Tendo-se mencionado erradamente, no termo de autenticação, a data
respectiva (isto é, do termo, em si mesmo), como proceder para rectificar
a deficiência?4
II.
Pretendendo-se aclarar o conteúdo do negócio jurídico que se tenha
titulado por documento particular autenticado através do recurso à
elaboração de novo documento particular autenticado, é possível usar, no
depósito deste, do código de acesso do primeiro?5
III.
Pretendendo-se ratificar o conteúdo do negócio jurídico em que tenha
intervindo gestor de negócios ou procurador sem poderes suficientes, é
possível usar, no respectivo depósito (do documento particular autenticado
de ratificação), do código de acesso do depósito inicial?6
IV.
Omitindo-se, no termo de autenticação, a identificação de algum dos
outorgantes, que porém, não obstante, apôs a sua assinatura ao acto,
como proceder para sanar a deficiência?7
V.
Tendo-se indicado erradamente o valor do preço, em compra e venda de
imóvel titulada por documento particular, cujo valor correcto não obstante
figura nos documentos fiscais instrutórios (DUC’s do IMT e IS), como
proceder para sanar a deficiência?8
4
No caso concreto que serve de suporte ao quesito, a data que se referiu no termo de autenticação
(02/07/2009) é inexacta e diverge da data – que será a da autenticação e depósito – constante do documento
particular (02/10/2009).
5
Os termos em que a situação concreta de base vem reportada não nos permitiram, confessamo-lo,
apreender os seus precisos contornos. Quedamo-nos pela parte final da consulta, cujos termos, esses sim, em
geral e em abstracto, se alcançam, e que se condensam no quesito.
6
Confessamos que, tal como vem exposta, não alcançamos melhor do que os da anterior os contornos
da concreta situação que está na origem da consulta (subscritas, aliás, uma e outra, bem como a que segue,
pelo mesmo punho). Cingimo-nos, aqui também, à formulação da sua parte final, expressa no quesito.
7
A questão concreta vem assim posta: “…por lapso da entidade autenticadora (…), no termo de
autenticação não foram identificados os segundos outorgantes, não obstante ter sido verificada a identidade
dos mesmos. Acresce que o referido termo foi assinado por todos os outorgantes do contrato de divisão de
coisa comum. Foi sugerido (…) a feitura de um aditamento ou rectificação do termo de autenticação, no sentido
de completar/rectificar aquele termo quanto à identificação do segundos outorgantes (…). A questão que se
suscita é se este novo termo de autenticação pode ser depositado na chave inicial (…).”
8
A questão é colocada pela entidade autenticadora/depositante nestes termos: “…posso por simples
3
3. A título de enquadramento e introdução ao tema, permita-se-nos que citemos o
que noutra ocasião tivemos ensejo de ponderar, em sustentação da deliberação adoptada
no processo RP 233/2009 DSJ-CT (nota 4).
Escrevemos na altura:
“Nos pareceres emitidos nos processos CP 81/2009 e RP 67/2009 já o Conselho
exaurientemente se ocupou da análise do regime do documento particular autenticado
que o art. 22.º do DL n.º 116/2008 veio consagrar como forma suficiente de titulação da
generalidade dos negócios sobre imóveis para os quais anteriormente a solenidade da
escritura pública se não dispensava (e a que passou a ser alternativa), aí ficando
cabalmente demonstrado que, por contraposição ao “tradicional” documento particular
autenticado, se está em presença de um quid diferente, que constituiria grave equívoco
reconduzir, sem mais, à categoria preexistente.
Avulta desde logo, vincando o contraste, a muito maior intensidade da intervenção
que se põe a cargo da entidade autenticadora, como ressalta da delicada tarefa que
sobre si impende de assegurar que o documento particular satisfaça “os requisitos legais
a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis” (art. 24.º/1, do DL n.º
116/2008).
Mas onde o especial envolvimento do autenticador notoriamente se manifesta é
no requisito de que o documento particular, juntamente com os documentos que o
instruam e que devam ficar arquivados por não constarem de arquivo público, se
submeta a depósito electrónico, depósito que, crucialmente, a lei erige em condição de
validade da autenticação (art. 24.º/2, do DL n.º 116/2008). A confirmação do conteúdo
do documento particular perante a entidade competente – confirmação que, vale lembrar,
tem que ser simultaneamente feita por todos os declarantes, sempre que a autenticação
constitua requisito de validade formal do negócio jurídico – é pois só uma fase intermédia
no processo de gestação do título, que como tal só nasce para o mundo jurídico por via e
ao cabo da sucessiva e bem sucedida operação de depósito, momento último este, o de
depósito, em que os declarantes já não têm participação de nenhuma espécie e que
exclusivamente se confia ao cuidado da entidade autenticadora.
Ora, uma vez feito o depósito na plataforma electrónica disponibilizada na
Internet no sítio com o endereço www.predialonline.mj.pt, a cuja regulamentação
provêem os arts. 4.º a 17.º da Portaria n.º 1535/2008, de 30-12, o documento particular
averbamento corrigir o valor do negócio? Ou terei que fazer um documento de rectificação de documento com
todos os intervenientes?” Compulsado o depósito, verifica-se ter sido declarado, no documento particular, um
preço de €42.500,00, constando dos documentos fiscais o preço de €25.000,00.
4
autenticado passa a residir num verdadeiro arquivo público conservado em suporte
informático, e é este documento electrónico em sentido estrito (art. 2.º/, al. a, do DL n.º
290-D/99, de 2-8; sobre o tema dos documentos electrónicos, cfr. o parecer emitido no
processo RP 159/2007, bem como a doutrina nele citada), obtido por digitalização do
original em suporte de papel (que à entidade autenticadora igualmente cumpre arquivar
– cfr. art. 8.º da citada Portaria), que a bem dizer consubstancia o título para registo.”
4. A que forma e a que procedimento deve então obedecer a elaboração dos actos
posteriores, destinados a “modificar” alguma coisa do conteúdo apreensível do
documento particular autenticado depositado?
4.1. No que se refere ao negócio jurídico propriamente dito, que no títulodocumento se contém no documento particular autonomamente elaborado pelas partes,
estamos em crer que qualquer intervenção de que careça demandará que se outorgue
novo documento particular com o conteúdo ajustado ao fim pretendido, tendo neste
segundo momento que se repetir o faseado percurso feito aquando da titulação
originária, ora objecto de intervenção: autenticação, a seguir à outorga do documento
particular, e, por fim, depósito electrónico, como condição de validade do acto
“modificativo”.
Entendemos, na verdade, que a via de titulação de actos respeitantes a imóveis
que o art. 22.º do DL n.º 116/2008 consagrou corresponde a uma formalização especial,
para a qual regerá idêntico princípio ao que no art. 80.º/2/b do CN se formula para os
actos submetidos a escritura pública, nos termos do qual deverão revestir esta mesma
solenidade “Os actos que importem revogação, rectificação ou alteração de negócios que,
por força da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública,
sem prejuízo do disposto nos artigos 221.º e 22.º do Código Civil”.
Cabe às partes escolher, para a celebração dos actos elencados no referido art.
22.º, uma de duas formas legais possíveis: e, eleita uma, eleito ficará igualmente o
formalismo duma qualquer futura “modificação” – a alternativa, nesta perspectiva,
oferece-se no momento fundador ou genético duma dada relação negocial, e a
preferência que por uma das vias se faça preclude o posterior recurso à outra.
4.2. Existe porém outro tipo de actos subsequentes que, interferindo com a
regulação negocial constante do documento primitivo, contudo não o modificam (seja em
sentido próprio, no que deverá incluir-se a hipótese de aditamento, seja a título
rectificativo), nem o revogam, mas antes, e em diferentes dimensões, o completam.
Pensamos, em particular, nos actos de aceitação (maxime, como não é raro, no contrato
5
de doação) e de ratificação da intervenção do gestor de negócios ou do “falsus
procurator” (cfr. CCivil, arts. 268.º e 471.º).
4.2.1. No que toca ao acto pelo qual se formaliza a aceitação, consubstanciando
ela a declaração de vontade da contraparte, sem a qual não chega a nascer o negócio
jurídico a cuja formação a proposta formalizada no primitivo documento particular
autenticado depositado deu o primeiro impulso, parece-nos não poder ele revestir forma
diferente, e designadamente a de escritura pública. O negócio, mau grado a bipartição da
emissão das manifestações de vontade em momentos sucessivos de proposta e
aceitação,
é
unitário,
e
a
esta
unidade
substantiva,
segundo
cremos,
deverá
corresponder uma forma também una. Continuará portanto a valer o princípio que
enunciámos no ponto anterior: a válida titulação da aceitação depende da integral
reedição do processo que abre com a elaboração do documento particular e encerra com
o depósito electrónico, com a autenticação de permeio.
4.2.2. Em matéria de ratificação do acto formalizado em documento particular
autenticado em que tenha intervindo procurador sem poderes (por não os ter de todo, ou
por não tê-los em medida bastante) ou gestor de negócios representativo, porém, já não
vemos razão para deixar de aplicar o normal regime que resulta da conjugação do
disposto nos arts. 268.º/2 e 262.º/2, do CCivil, e 116.º/1, do CN. Aqui, com efeito, já
não se trata de modificar o que quer que seja do conteúdo do negócio, e muito menos de
fazê-lo nascer. Através da ratificação, uma das partes, que no negócio já celebrado foi
“representada” por outrem, assume-o finalmente para si. O que, sendo um momento
decisivo na economia da negociação, não postulará, do ponto de vista que consideramos,
a necessidade de introduzir verdadeiro desvio às regras comuns. Não será portanto a
circunstância de para a titulação do acto se haver optado pelo documento particular
autenticado electronicamente depositado que impedirá que a ratificação se faça – e
coetaneamente plenamente opere – por instrumento público, por documento escrito e
assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por
documento autenticado “tradicional”.
4.3. Tratámos, até aqui, da intervenção sobre a parte do título-documento
respeitante ao negócio jurídico.
Quid iuris, porém, quando a parte do título-documento carecida de intervenção
não reside no documento particular propriamente dito mas sim na parte dele constituída
pelo acto notarial ou para-notarial de autenticação?
4.3.1. Claro que poderá recorrer-se, para sanar o elemento deficiente,9 à
9
No que toca ao acto de autenticação, isoladamente, temos muita dificuldade em imaginar, para ele,
6
elaboração de novo termo de autenticação10, com tudo o que nisso se implica, e
designadamente
quanto
à
necessidade
de
comparência
simultânea
perante
o
autenticador de todos os outorgantes do documento particular e subsequente repetição
do depósito electrónico.
4.3.2.
Não
cremos,
no
entanto,
que
seja
necessário,
para
obter
a
rectificação/sanação do acto de autenticação (e dele apenas), o recurso à reiteração dos
segundo e terceiro momentos do procedimento legal de titulação em apreço.
Como se sabe, no que toca aos actos lavrados em livros de notas, admite o art.
132.º do CN a sanação de omissões e inexactidões por meio de averbamento, contanto
que o erro se comprove documentalmente e da rectificação não resulte dúvida sobre o
objecto a que o acto se reporta ou sobre a identidade dos intervenientes. O ponto está
justamente em saber se deste regime simplificado, restritivamente pensado e disposto
para os actos lavrados em livros de notas (escrituras públicas e testamentos), poderá
aproveitar a rectificação do acto de autenticação.
Que pode, já na deliberação aprovada no P. RP 259/2009 SJC-CT (conclusão 4.ª) o
afirmámos.
A favor da sua aplicabilidade muito vigorosamente joga a ideia de unidade e
coerência do sistema jurídico: faria muito pouco sentido, estamos em crer, que a uma
modalidade de titulação que se instituiu para ser prática e acessível alternativa à
solenidade da escritura pública se recusasse uma via expedita de sanação de que a
tradicional forma desde há muito dispõe; ir por aí claramente significaria criar um muito
objectivo desincentivo ao recurso à nova modalidade de titular, do qual os operadores –
comuns cidadãos e profissionais do direito – não tardariam a tomar consciência.
No mesmo sentido depõe ainda a circunstância de, semelhantemente à escritura
pública, também o documento particular autenticado, pelo depósito, e inerente formação
do documento electrónico, passar a fazer parte de arquivo público com carácter de
permanência – um arquivo que não é fisicamente feito de livros, nem das prateleiras em
que se arrumam, como sucede nos actos em livros de notas, mas que nem por isso deixa
de ser arquivo verdadeiro, com garantias de segurança e de preservação reforçadas.
Seguro, porém, é que não será com base na literal interpretação do art. 132.º que
se fará lícita a transposição, para o domínio da titulação por documento particular
actos de verdadeira alteração (ou de aditamento, ou de revogação). Os problemas que neste contexto a seu
propósito se levantam invariavelmente relevam, segundo nos parece, de alguma deficiência ou inexactidão em
que na sua feitura a entidade autenticadora haja incorrido.
10
De cujo conteúdo inequivocamente deverá resultar o propósito sanador ou regularizador do primeiro
termo, como é evidente.
7
autenticado, das soluções que consagra. A redacção da norma, para além de dizer o que
diz, diz exactamente o que quis dizer, quando delimita a sua genérica fattispecie aos
actos em livros de notas. Ela faz parte do sub-sistema do direito notarial, e é nesse
limitado contexto que devidamente se compreende – o seu horizonte de referência nunca
foi outro.
Mas também não cremos, por outro lado, que a aplicação daquela norma fora do
campo estritamente notarial apenas possa ter lugar no quadro da integração da lei, em
preenchimento duma “lacuna teleológica” que se descobrisse “em face do escopo visado
pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a
um complexo normativo”,11 caminho esse, de resto, que sempre nos obrigaria a
enfrentar, e superar, o bem delicado problema de saber do carácter excepcional do
referido procedimento rectificativo (cfr. CCivil, arts. 10.º e 11.º).
A nosso ver, a chave que nos habilitará a trazer aquela modalidade de rectificação
simplificada para o espaço dos documentos previstos no art. 22.º do DL n.º 116/2008 énos dada pelo n.º 1 do art. 24.º do mesmo diploma – por via duma sua interpretação
que teleologicamente permita obter um sentido normativo mais amplo do que aquele,
rente à semântica, que imediatamente resulta duma sua leitura puramente literal. Manda
com
efeito
esta
norma
que
ao
documento
particular
autenticado
se
aplique
subsidiariamente o Código do Notariado no que se refere aos requisitos legais a que se
encontram sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis. A ampliação teleológica,
sustentada na valoração justificativa de aplicabilidade que começámos por expor,
consistirá em impregnar a remissão para o CN duma dimensão não só prescritiva como
também
permissiva,
dando
assim
à
relação
de
subsidiariedade
expressamente
estabelecida o alcance global de autorizar a aplicação, a tais documentos, e com as
adaptações necessárias, das soluções que no CN em particular se pensaram para os
instrumentos lavrados nas notas.
Defendemos por isso, e em conformidade, a possibilidade de por averbamento,
nos termos e nas condições previstas no art. 132.º do CN, se proceder à rectificação do
documento particular autenticado, na parte respeitante ao acto de autenticação.
5. Ocupámo-nos da questão de saber em que termos será possível intervir sobre
o conteúdo ou sobre os efeitos de um documento particular autenticado depositado,
tanto no que se refere à regulação negocial constante do documento particular como no
que respeita ao acto de autenticação a se.
O tema, porém, suscita duas sub-questões: uma primeira, que é a de apurar da
11
Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1994, p. 196.
8
competência para autenticar e depositar os actos ulteriores, e que basicamente se
reconduz a perguntar se deve ou não essa competência restringir-se à entidade que
tenha procedido à autenticação e depósito iniciais; e uma segunda, que é a de saber em
que termos se assegura a indispensável relacionação entre o primeiro documento
particular autenticado depositado e o documento posterior que o afecta.
5.1. Acerca da competência, também aqui será decisivo saber com que
componente do documento particular autenticado primitivo se contende.
5.1.1. Com efeito, se é do negócio jurídico e do documento particular
propriamente dito que curamos, a competência será a mais extensa possível: para o acto
de autenticação e depósito do acto “modificativo” (que altere, que adite, que rectifique,
que revogue), ela deverá reconhecer-se, julgamos nós, a qualquer uma das entidades a
quem a lei, no n.º 1 do art. 38.º do DL n.º 76-A/2006, de 29-3, em abstracto a atribui. A
inicial intervenção de uma determinada entidade não lhe reserva uma competência
exclusiva
para
o
futuro:
autenticadora/depositante
que
as
partes
lhes
são
aprouver,
livres
quando
de
escolher
sentirem
a
entidade
necessidade
de
reconfigurar num certo sentido a regulação negocial que entre si estabeleceram.
5.1.2. Porém, se é sobre o acto de autenticação inicial, a se, que se quer intervir,
por enfermar de uma qualquer omissão ou inexactidão (cuja gravidade todavia não seja
de molde a tornar o título inválido, mas apenas irregular), uma tal competência sanadora
já nos parece que deve ser reservada, se não necessariamente à inicial entidade
autenticadora (concretamente responsável pela deficiência), pelo menos à entidade que
no momento da realização da sanação tenha a seu cargo o arquivo do documento
original (cfr. art. 8.º/1 e 2, da Portaria).
No caso da sanação que possa fazer-se ao abrigo e nos termos do art. 132.º do
CN, essa limitação é antes de tudo facticamente imposta: só a entidade a cuja guarda se
encontre o original em papel (que as mais das vezes, pelo menos por certo período, será
a mesma que “imperfeitamente” autenticou) é que estará em condições empíricas de
nele poder exarar o averbamento, como é óbvio.
Mas mesmo na hipótese de à sanação da irregularidade12 se querer obviar
mediante recurso a nova autenticação, sendo o objectivo único desta o de providenciar
pelo aperfeiçoamento da primitiva, cremos que por isso plenamente se justificará que se
entenda que também tenha que ser a entidade detentora (em arquivo) do documento
particular autenticado original a única a poder efectuá-la, mais não seja porque o original
12
Repisamos que a nossa hipótese não é a de a deficiência constituir causa de invalidade do título.
9
da segunda autenticação deve ele próprio ficar arquivado contiguamente ao do da
primeira.
5.2. No que toca à relacionação entre o documento particular autenticado
depositado inicial e o ulterior acto que o afecte, ela far-se-á nos termos do disposto no
n.º 2 do art. 11.º da Portaria.
Aí se dispõe, com efeito, que “Nas situações de aceitação, ratificação, rectificação,
alteração ou revogação de acto titulado em documento previamente depositado, a
plataforma electrónica assegura aos utilizadores a possibilidade de associar, durante o
processo de carregamento, os documentos a submeter aos já depositados através da
utilização do respectivo código de identificação do documento.”
Importa interpretar adequadamente esta disposição, particularmente o trecho em
que se diz que “a plataforma electrónica assegura aos utilizadores a possibilidade de
associar” os novos documentos aos que já se encontrem depositados.
Se bem interpretamos a norma, na verdade, o vocábulo “possibilidade” refere-se
tão somente à virtualidade técnica de associação entre o novo e o primitivo depósito, que
a plataforma deve garantir aos interessados; não quer significar – não pode querer
significar – que os autenticadores/depositantes tenham a possibilidade, que utilizarão
conforme lhes aprouver, de fazer a dita associação. A plataforma assegura a possibilidade
técnica de associação, e as entidades que tenham autenticado os documentos de
aceitação, rectificação, alteração ou revogação, ou que tenham intervindo na ratificação
nos termos do art. 116.º/1 do CN, estão obrigados a fazê-la.
5.2.1. Relativamente aos documentos particulares autenticados previstos no art.
22.º do DL n.º 116/2008, pode dizer-se que o procedimento previsto no art. 11.º/2 da
Portaria desempenha o papel que no art. 131.º do CN se adscreve à figura do
averbamento (maxime do que se destine a fazer reflectir num determinado instrumento
a ulterior prática dos actos previstos na al. g) do seu n.º 1). E daí que, analogamente ao
que se passa no plano dos tradicionais instrumentos notariais, em que, sempre que o
averbamento se deva fazer oficiosamente em cartório diferente daquele onde foi lavrado
o acto a averbar, deve o notário que o tenha lavrado comunicar ao cartório competente
os elementos necessários à feitura do averbamento (cfr. CN, art. 134.º), também a
entidade que procedeu ao ulterior depósito associativo, não sendo a mesma a cuja
guarda se encontre o arquivo do documento particular autenticado original, a esta deverá
comunicar a realização do acto posterior. E nem nos parece excessivo defender, ou pelo
menos recomendar, que a entidade receptora duma tal comunicação averbe no próprio
papel do primitivo documento particular autenticado o acto efectuado (depois de se
10
assegurar que efectivamente o foi, mediante consulta electrónica na plataforma
electrónica), segundo as regras indicadas no art. 133.º do CN.
5.2.2. Pode suceder que na realização do depósito “modificativo” por qualquer
razão se omita a invocação do código de identificação do depósito anterior, levando a que
os documentos respectivos fiquem alojados na plataforma electrónica sob código
privativo, incomunicável com o primeiro depósito, e no “lugar” deste por conseguinte não
acessíveis (não “consultáveis”).
5.2.2.1. Quando o novo depósito se reporte a novo documento particular
autenticado (com os documentos que o instruam), ou a documento de ratificação,
entendemos que não será a circunstância de haver falhado originariamente a associação
que deve prejudicar de forma irremediável a operatividade do acto. Sendo no entanto
crucial e indispensável assegurar – dentro da própria lógica interna do sistema de
depósito electrónico instituído – que a ligação entre os dois actos (o modificado e o
modificativo) na plataforma electrónica se estabeleça, o remédio que figuramos consistirá
em a entidade que no primeiro momento tenha omitido a união dos dois depósitos sob o
mesmo código proceder à elaboração de documento avulso explicativo do sucedido, onde
mencione o código de acesso do segundo depósito, que depois depositará no “lugar” do
primeiro, através do respectivo código de acesso.
5.2.2.2. No caso de o documento sucessivamente depositado “fora” do código de
identificação correspondente ao depósito primitivo ser o mesmo documento particular
original, com o averbamento que nele – rectius, na parte atinente ao acto notarial ou
para-notarial de autenticação – se tenha aposto nos termos do art. 132.º do CN, parecenos que a melhor solução será a de repetir o depósito, desta vez com invocação do
código preexistente.
6. Aqui chegados, julgamos estar em condições de responder directamente, e de
forma breve, às questões postas.
Assim:
I.
O erro quanto à data do termo, nas concretas circunstâncias equacionadas,
poderá sanar-se por averbamento ao acto de autenticação (art. 132.º/7,
do CN), a que se deverá seguir o procedimento previsto no art. 11.º/2 da
Portaria.
II.
O depósito do documento particular autenticado de aclaração do conteúdo
do negócio jurídico titulado por documento particular autenticado faz-se
nos termos do art. 11.º/2 da Portaria.
III.
O documento de ratificação da intervenção do procurador sem poderes ou
11
do gestor de negócios deve revestir uma das formas previstas no art.
116.º/1 do CN, a que se deverá seguir o procedimento previsto no art.
11.º/2 da Portaria.
IV.
A omissão da identificação, no termo, da identificação de algum dos
outorgantes, nas concretas circunstâncias equacionadas, poderá sanar-se
por averbamento ao acto de autenticação (art. 132.º/1 e 2/e, do CN), a
que se deverá seguir o procedimento previsto no art. 11.º/2 da Portaria.
V.
A rectificação do valor do preço demandará a elaboração de documento
particular autenticado rectificativo, a cujo depósito electrónico se deverá
proceder nos termos do art. 11.º/2 da Portaria.
******
Esforçámo-nos por esclarecer, de forma bastante, as dúvidas que motivaram a
presente consulta.
Nem da nossa parte, no entanto, deverá querer ver-se no que aqui defendemos a
palavra final e definitiva sobre a matéria, mas tão só o estado de certeza que, por ora, e
sobre os concretos problemas suscitados, fomos capazes de formar.
Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 23 de Setembro de 2010.
António Manuel Fernandes Lopes, relator, João Guimarães Gomes de Bastos, Maria
Eugénia Cruz Pires dos Reis Moreira, Luís Manuel Nunes Martins, Maria Madalena
Rodrigues Teixeira, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, José Ascenso Nunes da Maia.
Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente em 15.06.2011.
12
Processo Div. 72/2010 SJC-CT
Súmula das questões tratadas
•
Documento particular autenticado previsto no art. 22.º do DL n.º 116/2008, de 47:
o
Intervenção de que ulteriormente careça, seja ao nível do conteúdo do
negócio jurídico, seja ao nível do acto de autenticação
ƒ
“Modificação”
da
parte
atinente
às
declarações
de
vontade
unicamente por via de novo documento particular autenticado
electronicamente depositado.
•
ƒ
“Modificação” da parte atinente ao acto de autenticação.
•
ƒ
Alusão particular ás hipóteses de aceitação e de ratificação.
Susceptibilidade de aplicação do art. 132.º do CN.
Entidades competentes para os actos “modificativos”.
•
Distinção consoante esteja em causa a “modificação” das
declarações negociais ou a “modificação” da autenticação.
ƒ
Relacionação
entre
o
documento
particular
autenticado
primitivamente depositado e os ulteriores actos “modificativos”: o
procedimento do art. 11.º/2 da Portaria n.º 1535/2008, de 30-12.
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