INTRODUC A O
Resolver problemas em geometria e uma actividade fascinante. Nao sao precisos muitos conhecimentos
para ter acesso a problemas verdadeiramente desafiantes e que se revelam de uma grande simplicidade quando
os conseguimos resolver. Simultaneamente, as imagens que podemos associar a esses problemas sao tao fortes
que nos acompanham mesmo quando o problema jç estç resolvido. E isso e bom porque o nosso imaginçrio se
enriquece e nos vai permitindo fazer articulac o es que acabam por ser a ferramenta mais poderosa quando temos
de resolver um novo problema.
Esta e uma das razo es porque no ensino da geometria podemos ter uma espe cie de banco de bons
problemas que sao a base fundamental de toda a aprendizagem.
Estes problemas conduzem-nos muitas vezes ` formulac ao de novos problemas. E importante ter em
atenc ao que nao e possıvel, nem desejçvel, esgotar todas as questo es que se vao colocando. Nem sempre
podemos demonstrar todas as conjecturas que se vao fazendo, nao interessa cair em situac o es de cçlculos
complicados que nos fazem desviar dos aspectos mais importantes ou que implicam operacionalizac ao de tantos
conhecimentos que se tornam praticamente inacessıveis aos alunos. Cada professor, em func ao dos alunos que
tem, deve ponderar o aprofundamento a dar aos problemas e ` s extenso es que eles permitem. Por outro lado, e
interessante que os professores, entre si, resolvam e discutam problemas mesmo que estes nao sejam para
propor aos seus alunos. Para melhor conhecer os problemas e percebermos as suas potencialidades para a
aprendizagem podemos encarar cada um deles por um ponto de vista especialmente significativo, quer da sua
resoluc ao, quer dos conhecimentos geome tricos envolvidos.
PROBLEMAS DE REPRESENTAC
AO
Na geometria do espac o trabalhamos com objectos a trˆs dimenso es. Podemos ter acesso a modelos dos
objectos, mas tambe m precisamos de saber lidar com o modelo representado no papel. Hç vçrias formas de
representar um objecto do espac o no papel: em perspectiva, por vistas, em referencial, por coordenadas,
planificado.
Desenhar a planificac ao permite a visualizac ao ou o conhecimento de possibilidades que, no modelo ou na
representac ao em perspectiva, podem nao ser perceptıveis. Estes problemas permitem o recurso a diversas
planificac o es do mesmo modelo e a opc ao da planificac ao mais favorçvel.
Uma formiga esta no centro de uma face de um cubo que tem 10 cm de aresta. A certa altura decide mudarse para o centro de outra face, passando por todas as outras faces. Contudo, a formiga tem receio dos
ve rtices e por isso nunca passa a menos de um centımetro deles. Qual e o trajecto mais curto que a
formiga consegue fazer?
A maneira mais eficaz de responder ` questao e transformar o problema num problema do plano porque
sabemos que o caminho mais curto entre os dois pontos e um segmento de recta. Neste caso e interessante para
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os alunos planificar o cubo de maneiras diferentes e, em cada uma, representar possıveis caminhos da formiga e
comparar os comprimentos dos vçrios trajectos obtidos.
A planificac ao que nos dç a soluc ao âptima do problema e aquela em que podemos representar o trajecto
por um segmento de recta que passa por todas as faces.
Mas serç que esta soluc ao verifica a condic ao de passar a menos de 1 cm dos ve rtices? Identificando uma
simetria central (centro em C) no percurso obtido, basta-nos calcular a distúncia ao primeiro ve rtice,
VA . Por
semelhanc a de triúngulos chegamos ` conclusao que VA ≈ 1,3 cm.
Agora e interessante reconstituir o cubo para melhor visualizar o caminho da formiga. Esta visualizac ao
torna-se mais fçcil se for feita com o modelo.
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Uma sala tem a forma de um prisma quadrangular recto com as dimenso es, em metros, indicadas
na figura. A meio de uma das paredes menores e a 25 cm do châ o esta uma tomada de corrente (ponto A).
Na parede oposta, tambe m a meio, mas a 25 cm do tecto, esta uma lˆmpada (ponto B).
Dispomos de 10 m de fio para ligar a lˆmpada ` tomada e nâ o queremos que o fio fique suspenso.
Por onde devera passar o fio?
Este problema, embora sendo ançlogo ao anterior, vai trazer-nos outras dificuldades.
0,25 + 7,5 + 2,75 = 10,5 m
2
2
2
AB = 9,25 + 4,25
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AB ≈ 10,18
2
2
2
AB = 8 + 6
AB = 10
Como podemos verificar, sâ esta ultima planificac ao nos permitiu obter a soluc ao do problema. Vimos mais
uma vez que a escolha da planificac ao pode nao ser indiferente para resolver um problema.
Por incrıvel que parec a, o fio tem que passar pelo chao, pelo tecto e por 3 paredes para poder ser o mais
curto possıvel.
Escolhe tr“s referenciais diferentes para representar um cubo. Para cada um determina as coordenadas
dos ve rtices do cubo.
A escolha de um referencial exige alguns conhecimento das propriedades das figuras e permite aprofundçlos. Ale m disso, aos aspectos em jogo nessa escolha podem ser dados os carçcteres de desafio, utilidade, decisao
e argumentac ao. Descobrir todos os referenciais possıveis e escolher o mais vantajoso para resolver um problema
e uma proposta muito mais rica do que simplesmente receber o objecto jç colocado no referencial, e muitas vezes
duma forma que sâ complica a situac ao!
Numa proposta em que aluno tem que conhecer as propriedades da figura mas tambe m tem que tomar
uma decisao em func ao duma determinada utilidade e argumentar a sua escolha, sao operacionalizados e
desenvolvidos esquemas de raciocınio importantes. Tal nao acontece quando essa decisao nao estç em jogo.
O que interessa e escolher um referencial que aproveite as potencialidades da figura º posic o es relativas,
relac o es me tricas, simetrias º de modo a facilitar a determinac ao das coordenadas. Escolher um referencial e
tambe m escolher uma unidade de comprimento e esta escolha deve ser feita tendo em conta as caracterısticas da
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figura e a posic ao relativa do referencial: comprimento de um lado, de uma diagonal, de um raio, etc. Este tipo de
questo es deve comec ar no plano, escolher referenciais para polıgonos conhecidos, e sâ depois passar ao espac o,
visto que as escolhas no espac o acabam por se reduzir a escolhas no plano.
Neste caso, o referencial facilita porque podemos tomar como unidade a aresta do cubo e as coordenadas
decorrem imediatamente, sem necessidade de cçlculos.
(0, 0, 0)
(1, 0, 0)
(1, 1, 0)
(0, 1, 0)
(0, 0, 1)
(1, 0, 1)
(1, 1, 1)
(0, 1, 1)
Se compararmos estas com as coordenadas de um quadrado num referencial do plano, a vista de cima,
reparamos que elas foram obtidas mantendo a abcissa e a ordenada e acrescentando a cota 0 para os ve rtices da
face que fica no plano xOy e cota 1 para os ve rtices da face oposta.
Nesta escolha teve-se em conta que as faces do cubo sao quadrados e as suas posic o es relativas. Sâ se
utiliza um octante.
Neste caso, a determinac ao das coordenadas ficarç mais fçcil se tomarmos como unidade metade da
aresta do cubo. Novamente sem necessidade de cçlculos, e recorrendo ` s coordenadas do quadrado num
referencial do plano, as coordenadas sao:
(1, 1, 1)
(-1, 1, 1)
(-1, -1, 1)
(1, -1, 1)
(1, 1, -1)
(-1, 1, -1)
(-1, -1, -1)
(1, -1, -1)
Tambe m aqui recorre-se ao facto de o cubo ter trˆs planos de simetria, perpendiculares dois a dois, sendo
cada um deles paralelo a duas faces opostas. Uma das vantagens deste referencial e relacionar simetrias do cubo
com simetrias de coordenadas.
Precisa-se ainda de encontrar um terceiro referencial. Fazendo uma rotac ao de 45“ segundo o eixo Oz, do
ultimo referencial, obtemos uma outra posic ao favorçvel do cubo.
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Esta adaptac ao foi possıvel porque as diagonais do quadrado sao perpendiculares, e o facto de serem
tambe m eixos de simetria facilita a determinac ao das coordenadas. Neste caso, hç que decidir qual a unidade
mais conveniente: metade da aresta ou metade da diagonal facial.
O facto de se aproveitar as diagonais do quadrado para eixos do referencial no plano conduz ` questao:
haverç um referencial ortonormado cujos eixos sao diagonais espaciais do cubo?
Quaisquer duas diagonais espaciais do cubo sao concorrentes, e portanto complanares, mas nao sao
perpendiculares. Por isso nao existe um referencial ortonormado que contenha mais do que uma diagonal
espacial.
Escolhendo para eixo Oz uma diagonal espacial do cubo, e natural que a origem seja o centro do cubo.
Nesse caso, o plano xOy sâ poderç ser o plano mediador da diagonal, que intersecta o cubo segundo um
hexçgono regular cujos ve rtices sao pontos me dios de arestas. A determinac ao das coordenadas torna-se assim
um problema de cçlculo muito elaborado.
Nesta breve discussao estiveram em jogo as propriedades fundamentais de um quadrado e de um cubo,
que leva a concluir que de maneira nenhuma interessa colocç-lo num referencial nao ortonormado, nem noutras
posic o es que nao sejam deste tipo.
A discussao da escolha de um referencial para um paralelepıpedo qualquer e uma extensao deste
problema, em que surgem novas questo es: a escolha da unidade torna-se mais complexa e o facto das diagonais
do rectúngulo nao serem perpendiculares limita a escolha da posic ao do referencial.
Escolhe um referencial para representar um octaedro. Determina as coordenadas dos ve rtices do octaedro
no referencial escolhido.
Para um tetraedro poderia, com algumas vantagens evidentes, escolher-se um referencial nao ortogonal.
Mas isso torna mais complicado o cçlculo de distúncias e tambe m sâ estç previsto no programa a utilizac ao de
referenciais ortonormados.
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Um referencial ortonormado e uma malha cubica, por isso a relac ao que jç se estabeleceu atrçs entre o
cubo e o tetraedro e os referenciais que escolhidos para o cubo conduz imediatamente ` s soluc o es do problema.
O que se sabe de um octaedro que possa ajudar aqui? Nao interessa assentar uma face num dos planos
coordenados porque nao hç faces perpendiculares, embora as faces sejam paralelas duas a duas. Hç arestas
perpendiculares, que apontam para a utilizac ao de um plano que as contenha como plano coordenado.
Fazendo um corte no octaedro segundo um plano que contenha duas arestas perpendiculares, obte m-se
um quadrado.
O problema passa agora por um subproblema no plano, jç abordado anteriormente.
A escolha do referencial mais favorçvel para o octaedro vai depender da posic ao dos outros dois ve rtices.
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Sâ no terceiro caso nao e preciso fazer cçlculos para determinar as coordenadas dos ve rtices. Se escolher
para unidade a distúncia de um ve rtice ao centro do octaedro, as coordenadas vao ser
(1, 0, 0)
(-1, 0, 0)
(0, 0, 1)
(0, 1, 0)
(0, -1, 0)
(0, 0, -1)
Utiliza-se aqui a propriedade de num sâlido regular todos os ve rtices estam ` mesma distúncia do centro.
Pode-se apreciar a simetria da soluc ao encontrada que e consistente com a regularidade do sâlido.
Se partirmos de uma circunfer“ncia com centro na origem de um referencial, e a ”esticarmosç na direccâ o
do eixo Ox, obtemos uma elipse.
Referencial Oxy
Referencial OXY
A partir da equacâ o da circunfer“ncia da figura, obte m uma equacâ o para a elipse.
A elipse e um lugar geome trico bastante acessıvel de visualizar, basta pensar na construc ao de uma elipse
pelo me todo do jardineiro. No entanto, a deduc ao da sua equac ao, baseada numa soma de distúncias constante e
extremamente pesada do ponto de vista de cçlculo. O programa de Matemçtica, e bem explıcito na forma de obter
equac o es para uma elipse, ”facilmente, a partir da circunfere ncia, por meio de uma mudanca afim de uma das
coordenadas . Este problema deve ser tratado numericamente, com casos particulares, e sâ com alunos
especialmente interessados, deduzir a equac ao no caso geral.
Sabemos que a equac ao da circunferˆncia e
circunferˆncia traduz-se por Y
x=
x 2 + y 2 = r 2 . A transformac ao afim das abcissas dos pontos da
= y e X = kx . Resolvendo estas equac o es em ordem a x e y , obtemos y = Y e
X
, substituindo x e y na equac ao da circunferˆncia, obtemos uma equac ao para a elipse:
k
2
 X
  + Y 2 = r 2 , esta equac ao pode ser transformada noutras equivalentes,
Y
X2
2
2
2 + Y = r
k
ou
X 2 + k 2 Y 2 = r 2 , precisa-se aqui de utilizar X e Y para se poder fazer a substituic ao sem haver perigo de
confusao, mas representando as duas figuras no mesmo referencial, tem-se
x 2 + k 2 y 2 = r 2 para a elipse.
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x 2 + y 2 = r 2 para a circunferˆncia e
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Uma elipse tanto pode ser feita pelo ”alongamento da circunferˆncia cujo raio coincide com o semi-eixo
menor, como pelo ”achatamento da circunferˆncia cujo raio coincide com o semi-eixo maior.
A partir da equacâ o de uma circunfer“ncia conveniente, escreve uma equacâ o para a elipse da figura.
Hç duas circunferˆncias, com centro na origem, que permitem obter a equac ao da elipse
”Alongamento da circunferˆncia menor:
”Achatamento da circunferˆncia maior:
- circunferˆncia:
2
2
x +y =9
- circunferˆncia:
- transformac ao:
- transformac ao:
2
X=3x
e
3
x = 2 Xe
x2 + y2 = 4
Y=y
y=Y
- substituic ao:
e
Y =2 y
x=X
e
y=3Y
- substituic ao:
2
2
3 
 X + Y 2 = 9
2 
2 
X 2 +  Y = 4
3 
9 X 2 + 4Y 2 = 36
9 X 2 + 4Y 2 = 36
Como se esperava, obtive-se a mesma equac ao pelos dois processos.
9
3
X=x
2
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