ISSN 1415-0778
REVISTA da
Faculdade de direito
Milton campos
2010
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ISSN 1415-0778
Lucia Massara
Diretora
Carlos Alberto Rohrmann
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior
Editores
Revista da
Faculdade de direito
Milton campos
2010
Volume 21
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
V. 21
P. 1-304
2010
Belo Horizonte – 2010
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ISSN 1415-0778
REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
Fundada em junho de 1993
Rua Milton Campos, 202 – CEP 34000-000
Nova Lima
Minas Gerais
Brasil
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
ADMINISTRAÇÃO
Entidade Mantenedora
Centro Educacional de Formação Superior – CEFOS
Prof. José Barcelos de Souza – Presidente
Prof. Osmar Brina Corrêa Lima – Diretor Financeiro
Prof. Haroldo da Costa Andrade – Secretário geral
Faculdade de Direito Milton Campos
Prof.ª Lucia Massara – Diretora
Prof. Marcos Afonso de Souza – Vice-Diretor e Coordenador
Didático-Pedagógico
Mestrado em Direito Empresarial
Prof. Carlos Alberto Rohrmann – Coordenador Geral da Pós-graduação
Revista da Faculdade de Direito Milton Campos – Coordenação de Lucia Massara e Carlos Alberto Rohrmann.- v. 21(2010) – Belo Horizonte:
R454
Del Rey, 2010.
Semestral
Revista da Faculdade de Direito Milton Campos
Descrição baseada em: ano 1, n. 1, 1994
ISSN 1415-0778 CCN n. 092098-3
1. Direito – periódicos. I. Faculdade de Direito Milton Campos. II. Massara,
Lucia. III. Rohrmann, Carlos Alberto. IV. Título.
CDU: 34 (05)
34:378 (815.1)
Ficha elaborada por Bibliotecários da Faculdade de Direito Milton Campos
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Direção da Revista
Professora Lucia Massara
SECRETÁRIO
Professor Marcos Afonso de Souza
Editores
Carlos Alberto rohrmann
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior
CoNSELHO Editorial
Carlos Alberto Rohrmann (Brasil – FDMC)
Ji Lian Yap (China – University of HK)
Jorge Miranda (Portugal)
Laurent Mayali (EUA UC Berkeley)
Lucia Massara (Brasil – FDMC)
Marcelo Campos Galuppo (Brasil – PUC/MG)
Mario Losano (Itália)
Misabel de Abreu Machado Derzi (Brasil – UFMG)
Osmar Brina Corrêa-Lima (Brasil – UFMG)
Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza (Brasil/Portugal)
Rodolpho Barreto Sampaio Júnior (Brasil – FDMC)
Sacha Calmon Navarro Coelho (Brasil – UFRJ)
Sylvia Mercado Kierkegaard (Dinamarca – IAITL – University of
communications – Pequim – China)
CONSELHO CIENTÍFICO-ACADÊMICO
DE CONSULTORES
Humberto Theodoro Júnior (Brasil – UFMG)
Joaquim Carlos Salgado (Brasil – UFMG)
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (Brasil – PUC/MG)
Miriam de Abreu Machado e Campos (Brasil – FDMC)
Silma Mendes Berti (Brasil – UFMG)
Sonia Diniz Viana (Brasil – FDMC)
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BIBLIOTECÁRIA
Emilce Maria Diniz
ORGANIZAÇÃO DE MATERIAL PARA SELEÇÃO
Rosely Braga de Oliveira
Sonia Regina Nogueira
DISTRIBUIÇÃO DAS PUBLICAÇÕES
Felipe Julio Chamon
Tissiane Torres Vieira
REVISÃO ORTOGRÁFICA EM LÍNGUA INGLESA
Carlos Alberto Rohrmann
Maria Rita Barcelos de Souza Brandão
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A indicação do Editor, Comissão Editorial e Conselho CientíficoAcadêmico é feita pelo período de (três) anos, tendo início no 1º.
Semestre de 2010 e encerrando-se no 2º semestre de 2012.
Código no CCN (Catálogo Coletivo Nacional – 092098-3)
Toda correspondência deverá ser endereçada à: REVISTA DA
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS – Rua Milton
Campos, 202 – Bairro Vila da Serra. Nova Lima ou pelo endereço
eletrônico: [email protected]
WWW.REVISTA.MCAMPOS.BR
copyright © 2010 by REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO
MILTON CAMPOS
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais
forem os meios empregados, sem que se cite a fonte.
Impresso Brasil
Printed in Brazil
Tiragem: 600
Classificado no Qualis da CAPES, em 2009
“B4” em Direito
Base de Dados e Indexadores:
Bases de dados nacionais
Bases de dados internacionais
RVBI - (Periódicos) - Senado Federal (www.senado.gov.br/sicon)
Ulrich’ Periodicals Directory, Instituto Max Planck de Hamburgo,
University of California, Berkeley, Un. de Porto Rico, Library of
Congress, EUA, Melvyl – UC – UC, UCLA
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APRESENTAÇÃO
O presente volume da Revista da Faculdade de Direito Milton
Campos vem consolidar a internacionalização da publicação, que a
cada edição recebe novas contribuições de pesquisadores estrangeiros,
interessados em divulgar os resultados de seus estudos em publicações
de relevância no Brasil. A intensificação da procura por nossas páginas
significa, simultaneamente, reforço à nossa qualificação internacional
e aumento de nossa responsabilidade editorial, para garantir a excelência que a Revista vem oferecendo até agora aos seus leitores.
É em razão desse compromisso com a qualidade que todos os artigos enviados são submetidos a avaliação rigorosa por pares, no modelo
‘duplo cego’. Para este vigésimo primeiro volume, foram selecionados
doze artigos, oriundos de diversas universidades e centros de pesquisa
em Direito do Brasil e do exterior.
Dentre os trabalhos estrangeiros selecionados, destacamos o artigo
sobre responsabilidade civil no mundo eletrônico, com uma análise da
Corte de Justiça da União Europeia, procedente da Universidade de Southampton, Grã-Bretanha; o artigo sobre a proteção do conhecimento
tradicional em face dos novos modelos de direito autoral, de professor
doutor da Universidade da África do Sul; e o artigo de professora da
Malásia acerca dos modelos de proteção do conhecimento e a sua utilização em estabelecimentos de ensino.
A citação aos autores estrangeiros não significa, naturalmente, qualquer juízo de valor comparativo em relação aos autores nacionais, já
que todos os textos aqui reunidos mantêm altíssimo nível de qualidade, como o leitor poderá comprovar ao longo de sua leitura.
Lucia Massara
Diretora da Faculdade de Direito Milton Campos
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PRESENTATION
This volume of the Milton Campos Law Review consolidates the
internationalization of the periodical. Each edition receives new contributions from foreign researchers interested to disclose the results of
their studies in relevant publications in Brazil. The increased demand
for our pages means simultaneously strengthening our international
qualification and increased of our editorial responsibility to ensure the
excellence of the Law Review.
It is because of this commitment to quality that all texts submitted
are subject to double blind peer review. For this twenty-first volume,
twelve articles were selected, from different universities and research
law centers in Brazil and abroad.
Among the foreign works selected, one article about liability in the
electronic world, with an analysis of the Court of Justice of the European Union, submitted from the University of Southampton, UK;
a second article about the protection of traditional knowledge and
copyright, from a professor of the University of South Africa, UNISA, and a third article by a professor from Malaysia on the fairness of
knowledge “stealing” for education.
The citation to foreign authors does not mean, of course, any judgment of comparative value in relation to national authors, since all the
texts gathered here remain very high level of quality, as the reader can
verify throughout the reading
Lucia Massara
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MISSÃO
A Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, criada em
1994 por iniciativa do saudoso Professor Doutor Wille Duarte Costa,
tornou-se, desde o primeiro semestre de 2009, vinculada ao Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito – Mestrado em Direito
Empresarial oferecido pela Faculdade de Direito Milton Campos. Por
conseguinte, algumas alterações substanciais foram implementadas
sem, no entanto, desconsiderar-se a experiência adquirida em 17 anos
de existência e 20 volumes publicados e gratuitamente distribuídos
por inúmeras bibliotecas universitárias no Brasil, nos Estados Unidos,
na Europa e na Ásia.
Dentre essas alterações pode-se destacar, primeiramente, a indicação de dois professores do Programa de Pós-graduação stricto
sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial para ocuparem
a função de editores da Revista, além da revisão da linha editorial,
agora baseada nas linhas de pesquisa do Programa. Também se estabeleceu que os demais professores vinculados ao Programa serão
membros natos do Comitê de Avaliadores, competindo-lhes zelar pela
pertinência temática dos artigos submetidos à Revista às linhas de
pesquisa desenvolvidas no Programa de Pós-graduação stricto sensu
em Direito – Mestrado em Direito Empresarial. Ademais, a disponibilização do periódico na internet, com acesso pelo site da Faculdade
de Direito Milton Campos e pelo site do Programa de Pós-graduação
stricto sensu em Direito – Mestrado em Direito Empresarial, universaliza o acesso aos artigos selecionados e publicados, e a implementação da avaliação por pares pelo sistema double blind peer review
contribui decisivamente para a melhoria na qualidade dos artigos
selecionados.
Dessa forma, a Revista da Faculdade de Direito Milton Campos
pode atingir plenamente a sua missão de se manter como um periódixiii
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co científico que contribui para o desenvolvimento da pesquisa em
Direito Empresarial, em suas mais variadas inter-relações, mediante
a seleção baseada exclusivamente no mérito dos textos submetidos, e
pela divulgação gratuita, em versão impressa e em ambiente virtual,
dos volumes editados.
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MISSION
The Journal of Milton Campos School of Law, created in 1994
by the initiative of late professor Wille Duarte Costa, has become,
from the first semester of 2009 on, linked to the Post-graduate studies in
Law, Masters in Commercial Law, offered by Milton Campos School
of Law. Therefore, some substantial changes were implemented. Besides, we keep our 17 year experience and 20 numbers published and
freely distributed in many libraries in Brazil, USA, Europe and Asia.
We present some changes such as the indication of two professors from our Post-graduate studies in Law, Masters in Commercial
Law, to fill the role of editors of the Journal. Besides, our editorial
line is now based on our research lines to the Post-graduate studies in
Law. It was also decided that the other professors of the Post-graduate
studies in Law will become members of the Committee of Examiners,
in order to verify if the issues are according to the lines of research of
the Masters Program. Moreover, the Journal is also available online,
with full access to the issues through the website of Milton Campos
School of Law and also through the site of the Post-graduate studies
in Law. So, we universalize the access to the Journal of Milton Campos School of Law and we also make it sure that the issues selected
are double blind peer reviewed, what has enhanced the quality of our
selected issues for publication.
Thus, the Journal of Milton Campos School of Law is ready to
fulfill its mission to keep itself as a scientific journal that contributes
to the development of Commercial Law research, in its multiple inter-relations, through a selection of issues based only on merits and
through the free divulgation, both print and online.
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revista da faculdade de direito milton campos
fundada em junho de 1993
Rua Milton Campos, 202 – CEP 34000-000
Nova Lima
Normas Editoriais
1. A Revista da Faculdade de Direito Milton Campos divulga trabalhos na área
do Direito Empresarial. Também são divulgados trabalhos que versem sobre
a interrelação entre o Direito Empresarial e os demais ramos do Direito e das
áreas afins.
2. Serão publicadas colaborações inéditas, dentro da linha editorial da revista.
3.Os originais recebidos não serão devolvidos.
4. O recebimento do artigo enviado à Revista não implica a obrigatoriedade de sua
publicação.
5.O Editor da Revista poderá reapresentar os originais ao autor para que os adapte
às normas editoriais ou esclareça dúvidas porventura existentes.
6. O original deverá ser digitado no programa editor Microsoft Word, com espaço
1,5, Fonte Time News Roman, tamanho 12, parágrafo 1,25 e seqüenciais e enviado por e-mail como anexo, endereçado para [email protected]
7. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores e podem
não representar as idéias desta Instituição.
8. Os artigos da revista podem ser reproduzidos, desde que citada a fonte.
9.O artigo deverá conter título; autor; resumo e abstract, com no máximo 250
palavras, palavras chaves e keywords; sumário; texto dividido em seções; conclusão; notas de referência; notas explicativas e referências.
10.Citações de referência no corpo do texto e citações explicativas nas notas de
rodapé.
11. A bibliografia citada deverá obedecer às normas da ABNT, observando-se, para
as entradas, o critério (autor, ano, p.).
12. As informações sobre titulação, email, cidade e estado do autor devem ser completas.
13.Os artigos são selecionados por pareceristas anônimos, pelo sistema doubleblind peer review.
14. Ao submeter o artigo, o autor cede à Revista da Faculdade de Direito Milton
Campos, a título gratuito, os direitos autorais a ele referentes.
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SUMÁRIO
ARTIGOS
ENTRE A LIBERDADE E A COERÇÃO. UMA BREVE
ANÁLISE CRÍTICA DA “SOLIDARIEDADE SOCIAL” NO
DIREITO TRIBUTÁRIO
Cristiano Rosa de Carvalho.............................................................. 23
QUANTIFICAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES COM CARÁTER PUNITIVO E INCENTIVOS AO MAGISTRADO PARA
ADOÇÃO DE PROCEDIMENTOS PROBATÓRIOS
Fabiano Koff Coulon
Ely José de Mattos.......................................................................... 43
O DIREITO AO FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS E POLÍTICAS PÚBLICAS: TENSÕES ENTRE
O PODER EXECUTIVO E O PODER JUDICIÁRIO
Hector Cury Soares........................................................................... 81
PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
Henrique Viana Pereira
Rodrigo Almeida Magalhães........................................................... 109
ANOTAÇOES SOBRE PARTE NO PROCESSO CIVIL
Jason Soares de Albergaria Neto..................................................... 137
INQUIRIÇÃO DIRETA DE TESTEMUNHAS PELAS PARTES. AS PERGUNTAS DOS JURADOS. OPORTUNIDADE
DAS PERGUNTAS DO JUIZ. IDENTIDADE FÍSICA DO
JUIZ E A REFORMA PROCESSUAL PENAL DE 2008
José Barcelos de Souza................................................................... 179
xix
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O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APÓS A LEI N.
11.232, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005, AAÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
APÓS A LEI N. 11.382, DE 06 DE DEZEMBRO DE 2006,
AS EXECUÇÕES FISCAIS E CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA
Luiz Fernando da Silveira Gomes................................................... 197
“THE SLEEPING LION NEEDED PROTECTION” –
LESSONS FROM THE MBUBE (LION KING) DEBACLE
Matome Melford Ratiba.................................................................. 209
JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO DO NÚMERO DE ACORDOS JUDICIAIS? O CENÁRIO ENTRE 2004 E 2009
Rafael Bicca Machado.................................................................... 229
APONTAMENTOS ACERCA DA TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO E A IMPORTÂNCIA DE SUA UTILIZAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO
Rafael Diogo D. Lemos.................................................................. 247
THE FAIRNESS OF ‘STEALING’ KNOWLEDGE FOR
EDUCATION
Ratnaria Wahid................................................................................ 265
UNIFORMITY V. DIVERSITY OF INTERNET INTERMEDIARIES’ LIABILITY REGIME: WHERE DOES THE ECJ
STAND?
Sophie Stalla-bourdillon................................................................. 285
xx
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SUMMARY
ARTICLES
BETWEEN FREEDOM AND ENFORCEMENT. A BRIEF
CRITICAL ANALYSIS OF THE “SOCIAL SOLIDARITY”
IN TRIBUTARY LAW
Cristiano Rosa de Carvalho.............................................................. 23
FIXATION OF THE AMOUNT OF COMPENSATION WITH
PUNITIVE DAMAGES AND INCENTIVES TO JUDGES
TO GATHERING EVIDENCE
Fabiano Koff Coulon
Ely José de Mattos.......................................................................... 43
THE RIGHT TO RECEIVE FREE MEDICINES AND
PUBLIC POLICIES: TENSIONS BETWEEN EXECUTIVE
AND JUDICIARY BRANCHES
Hector Cury Soares........................................................................... 81
THE PRINCIPLES OF ECONOMIC ACTIVITIES IN THE
BRAZILIAN CONSTITUTION OF 1988
Henrique Viana Pereira
Rodrigo Almeida Magalhães........................................................... 109
CONSIDERATIONS ON PARTS IN CIVIL LAW SUITS
Jason Soares de Albergaria Neto..................................................... 137
DIRECT DEPOSITION OF WITNESSES TO THE PARTS.
THE QUESTIONS OF THE JURORS. MOMENT OF
THE QUESTIONS ASKED BY THE JUDGE. PHYSICAL
IDENTITY OF THE JUDGE AND THE PENAL PROCEDURE REFORM OF 2008
José Barcelos de Souza................................................................... 179
xxi
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THE ENFORCEMENT OF THE LEGAL DECISION AFTER FEDERAL STATUTE N. 11.232 OF DECEMBER 22,
2005, THE LAW SUIT OF THE EXECUTION OF
EXTRAJUDICIAL TITLES AFTER FEDERAL STATUTE
N. 11.232, FISCAL LAW SUITS AND EXECUTIONS
AGAINST THE GOVERNMENT
Luiz Fernando da Silveira Gomes................................................... 197
“O LEÃO ADORMECIDO PRECISAVA DE PROTEÇÃO”
– LIÇÕES DO DESASTRE DE MBUBE (REI LEÃO)
Matome Melford Ratiba.................................................................. 209
LEGAL INTERESTS AGAINST MARKET: A POSSIBLE
INCENTIVE TO THE RISING NUMBER OF JUDICIAL
TRANSACTIONS? THE SCENARIO FROM 2004 TO 2009
Rafael Bicca Machado.................................................................... 229
APOINTMENTS ABOUT THE LAW STRUCTURING
THEORY AND THE IMPORTANCE OF IT’S USE AT
THE BRAZILIAN LAW
Rafael Diogo D. Lemos.................................................................. 247
A RAZOABILIDADE DE SE “ROUBAR” CONHECIMENTO PARA A EDUCAÇÃO
Ratnaria Wahid................................................................................ 265
HOMOGENEIDADE V. DIVERSIDADE DO REGIME
DE RESPONSABILIDADE DOS INTERMEDIÁRIOS DA
INTERNET: ONDE O TJE SUBSISTE?
Sophie Stalla-bourdillon................................................................. 285
xxii
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ENTRE A LIBERDADE E A COERÇÃO. UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA...
1
ENTRE A LIBERDADE E A COERÇÃO. UMA BREVE
ANÁLISE CRÍTICA DA “SOLIDARIEDADE SOCIAL”
NO DIREITO TRIBUTÁRIO
Recebido em: 30/8/2010
Aprovado em: 03/10/2010
CRISTIANO ROSA DE CARVALHO*
São Paulo/SP
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. Alguns dos argumentos em prol da
solidariedade social. 3. Tributação e escolha racional. 4. Análise crítica dos argumentos pela solidariedade social. 5. Conclusão. Referências.
Resumo
A expressão “solidariedade social” não denota nada essencialmente novo, pelo contrário, expressões dessa natureza há muito são
invocadas para justificar uma série de políticas públicas intervencionistas. Este artigo demonstra que os autores da “solidariedade social”
baseiam as suas posições em solo movediço. Ademais, argumentos
em prol da tributação com base em expressões vagas como a “solidariedade
social” acabam sendo meramente formas de justificação de
intervencionismo na esfera privada.
Palavras-chave: Solidariedade social. Intervencionismo. Setor privado.
Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil).
Pós-Doutor em Direito e Economia pela U. C. Berkeley (EUA). Presidente da Academia
das Áméricas ATA.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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1
INTRODUÇÃO
Recentemente, alguns autores, nacionais e estrangeiros, vêm
defendendo o que chamam de “solidariedade social” aplicada ao Direito Tributário, o que significa, grosso modo, um conjunto de valores
que supera a clássica estrutura constitucional composta de direitos individuais contra o Estado fiscal. Portanto, a máxima da solidariedade
implica em uma justificação moral para a tributação, não mais apenas
considerada como o preço necessário a ser pago em prol do contrato
social, mas como o meio de implementar direitos sociais.
Na verdade, a expressão “solidariedade social” não denota nada
essencialmente novo, pelo contrário, expressões dessa natureza há
muito são invocadas para justificar uma série de políticas públicas
intervencionistas.
O que pretendo demonstrar com esse breve artigo é que, não
obstante as fundamentadas construções teóricas e mesmo as boas intenções desses autores, as suas posições se firmam em solo movediço.
De fato, argumentos em prol da tributação com base em expressões
vagas como a “solidariedade social” acabam sendo meramente formas de justificação de intervencionismo na esfera privada, potencialmente acarretando ineficiência econômica que, por sua vez, inviabiliza a própria consecução do Estado do bem-estar social, objetivo tão
almejado pelos solidaristas.
Dessa forma, primeiramente demonstrarei os argumentos básicos dos propugnadores do valor “solidariedade social” como justificador de tributação e de restrições a liberdade individual. A partir daí,
começaremos a analisar o sentido da expressão em tela e sua relação
com as liberdades negativas e positivas elencadas na Constituição
brasileira, bem como a sua relação com os princípios tributários, especialmente o princípio da capacidade contributiva.
2
ALGUNS DOS ARGUMENTOS EM PROL DA
SOLIDARIEDADE SOCIAL
Os argumentos levantados em prol de uma tributação com base
na “solidariedade social” se resumem basicamente a uma mudança
do paradigma liberal para um paradigma solidarista, o que significa
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ENTRE A LIBERDADE E A COERÇÃO. UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA...
que o individualismo teria sido superado pelo que alguns autores denominam de Comunitarismo, a doutrina ou conjunto de doutrinas que
buscam equilibrar a liberdade individual com os interesses da comunidade ou coletividade.
Nesse sentido, a tônica de sua filosofia política é uma primazia
da sociedade em relação ao indivíduo, uma vez que este só conseguirá
realizar o seu potencial como membro da comunidade e não de forma
isolada. Da mesma forma, o Comunitarismo advoga a instituição de
direitos de natureza positiva e suas garantias, i.e., seja por meio da
ação do Estado, seja por meio da ação de entidades não-governamentais, o chamado “terceiro setor”.
A intervenção estatal, todavia, sempre se faz presente. Se os direitos positivos (v.g., educação, saúde, moradia etc.) forem garantidos
pelo Estado, será necessária, obviamente, receita para tanto. Por outro
lado, se as entidades não-governamentais prestarem serviços que disponibilizem a fruição desses direitos aos hipossuficientes, isenções,
benefícios e subsídios possivelmente serão concedidos pelo Estado.
Seja como for, de uma forma ou outra a intervenção do Estado ocorre,
assim como a sua conseqüência, a (em maior ou menor grau) geração
de ruídos no sistema econômico.
É que, inevitavelmente, os direitos de natureza positiva acarretam custos. Considerando que em sistemas democráticos orientados
por Economia de Mercado o Estado não é empresário e nem detém os
meios de produção, a sua principal receita é oriunda dos tributos pagos pelos sujeitos de direito privado. E, quanto mais direitos positivos
Como exemplos de autores expoentes dessa linha, Alasdair MacIntyre 2001) e Michael
Sandel(1998).
Se considerarmos direitos negativos ou liberdades negativas como uma vedação constitucional a que o Estado interfira na esfera privada, ou seja, criando leis que tenham
efeito confiscatório na propriedade ou de censura na liberdade de expressão, o custo
desses direitos é nulo, pois requerem tão-somente a inação estatal. Se considerarmos,
por outro lado, que esses direitos, principalmente o de propriedade devem também ser
protegidos pelo Estado, não há como considerar que eles acarretam custos. No caso,
o custo da polícia, para proteção de esbulhadores internos, do exército, para proteção
de invasores estrangeiros e do Judiciário, para resolução de conflitos intersubjetivos.
Ainda assim, são custos consideravelmente menores que os gerados pelos direitos de
natureza positiva, que requerem intervenção e fornecimento de serviços públicos pelo
Estado.
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CRISTIANO ROSA DE CARVALHO
forem prestados pelo Estado, mais receita será necessária para tanto,
logo, mais tributação. A equação é tão simples quanto verdadeira.
Marco Aurélio Greco aponta a necessária relação lógica entre
direitos e deveres e os custos que estes acarretam, uma vez que prover
serviços públicos requer fundos para tanto.
Claudio Sacchetto (2006, p. 36), Catedrático da Universidade
de Turim, vai mais longe, sustentando a relação conversa entre tributação e propriedade: “e verdade que sem a Economia Privada e sem
os tributos, não podem existir nem mesmo os tributos, mas também é
verdade o contrário: os tributos são a condição da existência da propriedade, ou melhor, “sem tributos a propriedade não existe”.
Não há dúvida quanto ao exposto acima. De fato, a propriedade
não consiste numa relação naturalística do homem para com o objeto
que possui, mas sim numa relação de natureza institucional, que opera
não entre indivíduos e coisas, mas entre sujeitos num contexto social.
Nesse sentido, o direito de propriedade, assim como qualquer outro
direito, consiste num fato institucional, gerado pela intencionalidade
coletiva. Em outras palavras, é correto afirmar que direitos só exis“Não há como raciocinar sobre direitos fundamentais sem examinar os equivalentes deveres, dentre os quais, o dever de ratear o custo do Estado querido pela Sociedade. Com
efeito, na medida em que a sociedade quer um Estado que não seja proprietário e todos
os bens (de cuja exploração resultariam recursos suficientes para seu funcionamento)
e, mais, se ela pretende que esse Estado faça algo (p.ex, proveja à seguridade social), o
dinheiro de que necessita deverá vir de alguma outra origem que não seja a mera exploração de seu patrimônio. Vale dizer, virá da tributação. Daí falar-se em “Estado Fiscal”,
como aquele que, para subsistir, necessita de tributos” . (GRECO, 2006, p. 182)
Posição semelhante a de Liam Murphy e Thomas Nagel, em sua obra “The myth of
ownership.Taxes and Justice”. Oxford University, 2002.
Não confundir com coletivismo. A intencionalidade coletiva, no sentido de John Searle,
significa a projeção da consciência individual (não existe consciência coletiva, assim
como não existe mente coletiva), mas numa conjugação de primeira pessoa do plural
(nós) e não do singular (eu). “Nós” queremos, “nós” desejamos, “nós” pretendemos.
Ainda que em termos de ordenação de preferências isso seja impossível, em termos de
ontologia social é exatamente o que ocorre. As instituições só existem devido à intencionalidade coletiva dos indivíduos, que permite que essas instituições não sejam vistas
ou acreditadas de forma individual e, portanto, subjetiva, mas sim de forma coletiva e,
portanto, objetiva. Como ensina Searle, ainda que a epistemologia institucional possa ser
perfeitamente objetiva (posso enumerar objetivamente, i.e., independentemente das minhas preferências ou ideologia pessoais, as instituições que existem no Brasil), a ontologia institucional, o seu modo de ser, é essencialmente subjetivo: se um dia a humanidade
se for, também irão com ela todas as instituições sociais que possuímos.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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ENTRE A LIBERDADE E A COERÇÃO. UMA BREVE ANÁLISE CRÍTICA...
tem num contexto social, pois é justamente as intencionalidades individuais e coletivas que sustentam a rede de instituições, que por sua
vez projetam status deônticos entre os indivíduos: direitos e deveres.
Como garantir, entretanto, que direitos e deveres, que em última
instância nada mais são que instituições sociais (ou regras do jogo,
segundo Douglas North (1990, p. 3)) sejam respeitados? Para tanto,
é necessária a figura do Estado, enquanto detentor do monopólio da
violência. Ainda que muitos dos conflitos interpessoais prescindam
do Estado-árbitro, é certo que a sua existência e atuação garantem a
manutenção desses direitos em último caso.
É por essa toada que o jurista português José Casalta Nabais
sustenta a sua tese do “dever fundamental de pagar impostos”. Sem
tributos, não há Estado e, tampouco, as suas prestações e serviços.
Sendo assim, para os seus defensores, a solidariedade social é
o liame que une os interesses individuais em prol de um interesse
comum, uma vez que aqueles primeiros não são possíveis sem esses
últimos.
O fundamento jurídico da solidariedade social encontra-se, por
seu turno, nas constituições do Estado do bem-estar social (welfare
state), caracterizadas por uma profusão de direitos sociais. De fato,
tais constituições, comuns na Europa Continental e em muitos países
da América Latina, dentre eles o Brasil, são pródigas na enunciação
de direitos fundamentais de natureza positiva. E, uma vez que esses
direitos custam dinheiro e é do interesse de todos, nada mais lógico,
defendem os comunitaristas, que a sociedade arque com esse custo.
Sobre o tema ver: Intencionalidade (São Paulo: Martins Fontes, 2002) , The Construction
of Social Reality (,New York: The Free, 1995) ambos de John R. Searle. Sobre o tema
aplicado ao Direito, ver o nosso Ficções Jurídicas no Direito Tributário (São Paulo: Noeses, 2008).
Robinson Crusoé, enquanto estava sozinho em sua ilha, não necessitava de nenhuma norma
de conduta, nenhuma instituição social; no momento em que aparece o personagem SextaFeira, a situação muda e eles passam a necessitar de regras mútuas de convivência.
Salienta, contudo, que esse dever deve ser limitado constitucionalmente: “Uma
cidadania que, embora de um lado, implique que todos suportem o Estado, ou
seja, que todos tenham a qualidade de destinatários do dever fundamental de
pagar impostos na medida de sua capacidade contributiva, de outro, impõe que
tenhamos um Estado Fiscal suportável, isto é, um Estado cujo sistema fiscal se
encontre balizado por estritos limites jurídico-constitucionais.” “Solidariedade
Social, Cidadania e Direito Fiscal” (NABAIS, 2006, p. 134)
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Nesse diapasão, o princípio da capacidade contributiva, tradicional limitação ao poder de tributar instituída pela Constituição, passa
a ser não mais apenas um freio ao Estado Fiscal, porém também uma
manifestação do “dever fundamental de pagar impostos.” Segundo
Greco (2006, p. 179), o princípio da capacidade contributiva, visto à
luz do Estado Social, faz com não possamos “ver a tributação apenas
como técnica arrecadatória ou de proteção ao patrimônio; devemos
vê-la também da perspectiva da viabilização da dimensão social do
ser humano”.
Por fim, os comunistaristas também sustentam que a solidariedade social não necessariamente requer intervenção estatal, pois as
entidades não-governamentais podem, e muitas vezes são mais eficientes que o próprio Estado, em fornecer os direitos de natureza positiva aos cidadãos necessitados.
Em breve síntese, os argumentos comunitaristas podem ser assim elencados: 1) o indivíduo só se realiza plenamente enquanto membro de uma coletividade; logo, os valores da liberdade e da igualdade
devem ser sopesados, de forma a buscar um equilíbrio entre ambos.
Todavia, se o valor da liberdade individual e do bem coletivo conflitarem, deve prevalecer este último; 2) para que o bem-estar social
possa ser alcançado é mister a instituição de direitos constitucionais
de natureza positiva, tipicamente os do Estado do bem-estar social;
3) As constituições hodiernas instituíram o “Estado Democrático de
Direito”, que significa uma conciliação entre os direitos individuais
de natureza negativa e os direitos sociais de natureza positiva; 4) a
capacidade contributiva não é apenas uma limitação ao poder de triCf. Marco Aurélio Greco: “afirmar que a capacidade contributiva é fundamento dos
impostos significa dizer que onde ela não existir não haverá espaço para a tributação
e a eventual exigência feita sera inconstitucional. Dizer que ela é limite significa que a
exigência não poderá ultrapassar uma dimensão razoável à vista do pressuposto de fato,
o que põe em pauta, por exemplo, os temas da vedação ao confisco e da determinação da
dimensão da tributação que – se ultrapassada – faz com que a sociedade se torne refém
do Estado”. (2006, p. 180)
Cf, Cláudio Saccheto, “solidariedade nem sempre significa mais Estado, pois ela pode se
realizar com a chamada delegação de solidariedade, por meio de formas implementadas
pelos particulares, como entidades não-comerciais, ongs, etc, aos quais se pode dar benefícios fiscais, sem subestimar o papel das cooperativas e das fundações bancárias, entidades
às quais, racionalmente, se deve reconhecer um especial regime fiscal, na medida em que
desempenham um papel que seria exigido da entidade pública.” (2006, p. 34)
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butar, mas também o fundamento sobre o qual deve ser instituída a
tributação, de modo a alcançar a dignidade da pessoa humana; 5) solidariedade social não significa, necessariamente, a atuação do Estado
para sua consecução, pois a mesma pode ser alcançada pelas entidades não-governamentais.
3
TRIBUTAÇÃO E ESCOLHA RACIONAL
Ao tratar de individualismo, comunitarismo e tributação, estamos na verdade abordando algo muito mais essencial: a escolha humana.
A razão de existir dos tributos remonta a voluntária renúncia à
parte da liberdade individual de modo a preservas esta própria liberdade de ataques de terceiros. De modo que os indivíduos possam ser
livres, e mais importante, mantenham a sua liberdade, é necessário
viver em uma sociedade onde o dever de protegê-los seja transferido
à outra pessoa, via de regra, denominado de “Estado”.
Essa forma de organização social é o tema das chamadas teorias
do contrato social, cujos proponentes mais célebres são os ingleses
Thomas Hobbes (2008) e John Locke (1994) e o francês Jean Jacques
Rousseau (1999). Sem entrar nas diferenças teóricas entre as diversas
teorias contratualistas, o seu denominador comum é a escolha individual que implica na constituição de uma autoridade central, cuja
principal função é prover “bens públicos”.
Bens públicos, no sentido que emprego aqui, são aqueles que
os economistas consideram como uma das falhas de mercado, i.e.,
aqueles bens e serviços que o sistema econômico não tem incentivos
para fornecer aos cidadãos. Como esses bens são “não rivais”, pois o
seu uso por um indivíduo não o esgota, e “não-excludentes”, pois não
se pode impedir a sua fruição, logo não se pode cobrar por eles. Como
exemplos clássicos, a segurança pública interna e externa, a iluminação pública e a própria produção de regras de conduta pelo legislativo
(ex ante) e pelos tribunais (ex post).
A compulsoriedade dos tributos, com supedâneo em um “dever
fundamental” de arcar com os mesmos se deve justamente à mesma
característica da racionalidade humana que possibilitou o contrato social: o autointeresse que visa sempre à maximização do bem-estar.
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Ainda que seja bom para o conjunto dos indivíduos, i.e, para
a coletividade, que todos paguem tributos de modo a gerar recursos
para que então o Estado possa prover eficientemente os bens públicos,
sempre haverá a tentação individual de desertar de tal dever. Como
o indivíduo é maximizador de seu próprio bem-estar, pagar tributos
reduz imediatamente a sua utilidade (no sentido econômico), ainda
que mediatamente possa aumentá-la. A tentação em desertar dos tributos remete ao clássico “dilema do prisioneiro”, onde a racionalidade individual (nesse caso, não pagar o tributo) leva a um pay off mais
compensador do que o resultado que seria melhor para todos (pagar
tributo), justamente pela incerteza que todos cumpram com sua obrigação. Disso decorre o problema do “carona” (free rider) onde alguns
se aproveitam do dispêndio de outros para usufruir do mesmo bem,
daí a necessidade da obrigatoriedade em pagar tributos.
Destarte, qualquer teoria da tributação necessita levar em conta
estes postulados fundamentais da racionalidade humana, pois do contrário, qualquer tentativa de construção de um sistema baseado em
valores de difícil implementação será fadada ao fracasso.
4
ANÁLISE CRÍTICA DOS ARGUMENTOS PELA
SOLIDARIEDADE SOCIAL
Passarei a analisar criticamente cada um dos argumentos principais em prol da “solidariedade social” como máxima tributária. Vamos a eles então:
1) O indivíduo só se realiza plenamente enquanto membro de
uma coletividade; logo, os valores da liberdade e da solidariedade
devem ser sopesados, de forma a buscar um equilíbrio entre ambos.
Todavia, se o valor da liberdade individual e do bem coletivo conflitarem, deve então prevalecer este último.
Ora, é evidente que o indivíduo está sempre em interação com
os demais indivíduos. O fato de ser auto-interessado não significa
que não coopere com os demais, mesmo porque, salvo se ele for um
eremita, essa cooperação é fundamental para que ele realize os seus
objetivos. Ainda assim, a interação e a cooperação se dão entre indivíduos, não só no mercado propriamente dito, mas em qualquer outra
seara da ação humana. Uma vez que a ação humana sempre se dá a
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partir do ponto de vista do indivíduo, não há um agente “sociedade”
ou “coletivo” agindo, mas tão somente grupos de sujeitos racionais e
auto-interessados.
Mormente, ainda que a liberdade individual e a solidariedade
devam e, de fato muitas vezes são sopesadas, não há como obter um
equilíbrio entre esses valores, pois são antagônicos. Mesmo que ambos os valores sejam positivados na Constituição, a sua aplicação prática incorrerá, invariavelmente, num trade off. Deverá se abdicar de
um em prol de outro e vice-versa.
Todavia, o que é “solidariedade social” afinal? Pode ela ser imposta normativamente?
Poucos adjetivos têm sido mais vulgarizados do que “social” nas
últimas décadas. Expressões como “justiça social, “função social” e a
que dá tema a esse artigo, na melhor das hipóteses, são redundantes,
pois os objetos aos quais o vocábulo “social” adjetiva só ocorrem em
contextos sociais. A justiça, a propriedade e os contratos (aos quais se
aplicam a função social, consoante o artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal Brasileira, e o artigo 421 do Código Civil Brasileiro), e
quanto mais a solidariedade têm a sua significação dependente de um
contexto social, i.e., indivíduos em interação.10
O significado mais comum de solidariedade social, assim como
de qualquer outro nome ao qual se coloca o “social” como adjetivo é
ser uma contraposição à individual, no sentido político filosófico do
termo. Como exemplos, o socialismo como oposição ao liberalismo
clássico, o coletivismo como oposição ao individualismo e, de forma
mais contemporânea, o comunitarismo como oposição ao libertarianismo (ou, como denominam alguns, “neoliberalismo”).
Historicamente, a solidariedade social é um conceito criado
pelo sociólogo francês Émile Durkheim, de natureza holística, não
individualista. Trata-se de uma interdependência entre as pessoas
numa sociedade não no sentido de interesses individuais que se coadunam, gerando a cooperação, mas sim de interdependência num
sentido social, coletivo. Uma constante em sua obra, particularmente
10
É a posição de Friedrich Hayek, no segundo tomo de sua trilogia Law, Legislation and
Liberty, intitulado “The mirage of social justice”. University of Chicago, 1973.
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o seu maior clássico “A Divisão do Trabalho na Sociedade (1893)” é
a subordinação do interesse privado ao particular.11
Para Durkheim, a troca econômica entre os sujeitos, principalmente por meio do contrato, deve ser regulada socialmente, e uma sociedade onde os indivíduos são deixados livres para agirem como quiserem jamais funcionaria – uma sociedade será funcional apenas quando
o autointeresse individual é restringido e subordinado à coletividade.
Se a solidariedade social significa primazia do coletivo sobre o
particular, é porque requer restrição à liberdade do indivíduo. Como
vimos, não existe entidade “coletiva”, seja esta sociedade, Estado ou
raça. Existem apenas indivíduos, cada um deles dotado de racionalidade e vontade própria que busca sempre melhorar o próprio bem-estar. Nesse sentido, reagem individualmente a incentivos, entre estes,
aos gerados pelas normas jurídicas que lhes são dirigidas.
E, se os interesses de uma abstração forem colocados acima dos
interesses dos indivíduos, que não podem ser unificados em interesses
comuns,12 teremos coerção e não mais liberdade.
Aplicando um pouco de lógica à questão, facilmente verificamos a natureza político-filosófica da solidariedade social, conforme
o quadro abaixo.
Figura 1: Quadrado de oposição lógica
“The subordination of the particular to the general interest is the very well-spring of all
moral activity. The Division of Labour in Society, p. xilll.
12
Conforme comprovado por Keneth Arrow e seu Teorema Geral da Impossibilidade.
11
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Na figura 1 acima se pode ver o quadrado de oposição lógica,
que demonstra as relações sintático-semânticas entre situações existenciais (Lógica Clássica ou Alética). A relação entre contrários existe
quando ambas as situações não podem ser verdadeiras simultaneamente, mas podem ser falsas. No quadrado acima, as situações de liberdade e de servidão são contrárias, o que mostra que é impossível a
ambas coexistirem, mas é possível uma situação em que nenhuma delas se manifeste totalmente. É o que se acontece em grande parte dos
países cujo sistema político-econômico é a social-democracia, onde
existem graus variáveis de limitação de liberdade na esfera privada,
por meio de intervencionismo estatal.
As relações de subalternação, por sua vez, demonstram decorrências lógicas das situações de liberdade e servidão. A liberdade implica na possibilidade de escolha por parte do agente racional. Por
outro lado, a servidão implica na impossibilidade de escolha.
As relações de contradição ocorrem entre as negações de cada
situação. Se liberdade e servidão são contrárias justamente porque
é possível existir uma situação intermediária (intervencionismo estatal), a contradição da liberdade é a sua negação, que significa impossibilidade de escolha. Por outra sorte, a negação da servidão é a
possibilidade de escolha pelo agente racional.
Finalmente, a relação de subcontrariedade significa que é possível coexistirem as duas situações (poder escolher e não poder escolher), sendo que é impossível ambas serem falsas simultaneamente.
Ou eu posso escolher, ou não posso. Não há terceira possibilidade.
Explicado como funciona o quadrado de oposição lógica, cabe
perguntar: qual a sua relação com a solidariedade social? Na verdade,
é algo simples de depreender. Se considerarmos uma situação onde a
liberdade de agir sofre limitações, ou, em português mais claro, sofre
coerção por parte do Estado, estamos no caminho indicado pelas setas, da posição esquerda para a direita no quadrado.13
13
Não confundir essas posições topográficas no quadrado com inclinações político-ideológicas. A coerção ou servidão podem existir tanto num sistema de direita quando num
de esquerda. Todavia, num sistema liberal-democrático tais limitações à liberdade são
restringidas ao mínimo necessário para que o Estado e a sociedade possam coexistir de
forma eficiente.
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Em outras palavras, quanto mais coerção, mais próximo do vértice servidão estaremos. É justamente nesse percurso que se encontra
o intervencionismo estatal limitador da liberdade privada, o que em
nosso caso se dá pela tributação.
Cumpre ressaltar que o contrato social inviabiliza que haja sociedade localizada no vértice “liberdade”, pois essa, por rigor lógico,
é absoluta. A liberdade, em termos fáticos, encontra-se entre a liberdade total e a servidão absoluta, sendo uma questão de grau e não de
natureza. O grau, portanto, de liberdade (e, por conseguinte, de servidão) é que indicará se vivemos em um estado democrático ou em um
estado autoritário – a passagem de um para o outro costuma ser sutil
e quase sempre por via da tributação.
2) Para que o bem-estar social possa ser alcançado é mister a
instituição de direitos constitucionais de natureza positiva, tipicamente os do Estado do bem-estar social.
Qual a natureza do “bem-estar social”?
Alf Ross14 é enfático:
nos tempos modernos tornou-se hábito falar de bem-estar social,
das necessidades da comunidade, etc./ em lugar da soma total
do prazer dos indivíduos. A introdução do conceito de sociedade como um sujeito único cujo bem-estar deve ser promovido na
maior medida possível, permitiu contornar, mas não superar, os
dois defeitos fundamentais do utilitarismo: a incomensurabilidade
das necessidades15 e a desarmonia dos interesses.16 A idéia de que
a comunidade é uma entidade independente, com necessidades e
Direito e Justiça, p. 341.
Explicado pela Economia como a impossibilidade de comparações interpessoais de utilidade. Isso significa que posso ordenar as curvas de indiferença de um indivíduo racional
(i.e., as preferências do consumidor) em ordem de preferência, mas não posso determinar
em quanto o indivíduo prefere um bem em relação ao outro. Em Microeconomia se diz
que posso classificar as preferências do consumidor numa função de utilidade ordinal,
mas não cardinal, ou seja, posso dizer que João prefere filé mignon do que frango (classificação ordinal), mas não em quantas medidas (classificação cardinal) ele prefere filé do
que frango. Entre consumidores distintos a função opera da mesma forma, pois não posso
medir em quanto João aprecia filé mignon a mais do que eu aprecio. Cf. PINDYCK;
RUBINFIELD, 2002, p. 74.
16
Cf. o Teorema Geral da Impossibilidade, de Arrow, que prova matematicamente a impossibilidade de ordenar transitivamente as preferências de diversos agentes racionais,
o que se mostra principalmente em processos de escolha pública. Em outras palavras,
14
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interesses próprios, deve ser rejeitada como ilusória. Todas as necessidades humanas são experimentadas pelo indivíduo e o bemestar da comunidade é o mesmo que o de seus membros.
Destarte, deve-se abandonar a ideia (se é que ela deveria ter sido
adotada algum dia) de que a sociedade é um ente, dotado de racionalidade, intencionalidade, direitos e deveres. Se quisermos direitos
sociais e coletivos, que são dirigidos não a indivíduos como tal, mas
a determinadas classes de indivíduos, devemos ter em mente que são
indivíduos (como contraposição ao Estado, é bem dizer, entendendo-se “indivíduos” tanto pessoas físicas como pessoas jurídicas) que
arcarão com o custo desses direitos. Aí cabe indagar: queremos arcar
com esses custos?
3) Diversas constituições hodiernas instituíram o “Estado Democrático de Direito”, que significa uma conciliação entre os direitos individuais de natureza negativa e os direitos sociais de natureza
positiva.
O problema fundamental na asserção acima se encontra no conceito de “democracia”. Adotando um ponto de vista kelseniano, todo
sistema que se caracteriza como normativo, no sentido moderno de
Estado-nação, é um Estado de “Direito”, não importando a sua identidade político-filosófica. Em outras palavras, como Estado de Direito
entende-se o sistema social erigido em Estado-nação (portanto politicamente organizado) que possui órgãos com competência para criar
normas jurídicas. Destarte, por essa definição, tanto Cuba como os
Estados Unidos da América são “estados de direito”.
A vocação autoritária ou democrática desse sistema normativo
é que informará se o mesmo é um Estado Democrático de Direito ou
um Estado autoritário. E podemos verificar identidade democrática a
partir dos princípios fundamentais instituídos (e aplicados) que sustentam o sistema. Se forem princípios cujo objetivo fundamental seja
salvaguardar a liberdade do indivíduo, teremos um sistema democrático. Se forem princípios que restrinjam injustificadamente a liberdade, teremos um sistema autoritário ou até mesmo, a depender do
impossível a transição das preferências individuais para preferências sociais, a não ser
que estas últimas sejam outro nome para o governo despótico. (1994, p. 110)
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grau de coerção, totalitário. O conceito puro de democracia deve ser
compreendido, outrossim, como um conjunto de princípios e regras
formais que visam justamente a garantir as liberdades individuais, por
meio da autogovernança. Entre esses princípios e regras, encontramse a isonomia, o sufrágio direto, secreto, universal e periódico, o pluripartidarismo, e os próprios direitos individuais.
Se o sistema jurídico contiver, além desses princípios e regras
referidos acima, outros dispositivos que concedam a fruição de serviços públicos por parte dos cidadãos, aí teremos um Estado do bemestar social, ou, em terminologia mais jurídica, Estado Democrático
e Social de Direito.
Não há dúvida que a nossa Constituição pretendeu erigir um Estado Democrático e Social de Direito. Ainda assim, é inegável que os
chamados direitos sociais, basicamente os inseridos no artigo 6º da Constituição, não têm a mesma natureza que os direitos individuais do artigo
anterior. É que os direitos sociais são o que a doutrina denomina de normas programáticas, i.e., que instituem programas de políticas públicas a
serem cumpridas pelo Estado, ao passo que os direitos individuais são de
natureza negativa, conforme vimos. Não há como postular o cumprimento de um direito individual da mesma forma que o cumprimento de um
direito social, pois enquanto o primeiro requer a abstenção de conduta do
Estado (no sentido de não ferir o direito do indivíduo), o último requer a
prestação efetiva de um serviço público (educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância,
assistência aos desamparados), o que nem sempre é possível, haja vista a
escassez de recursos necessários para tanto. Por isso são, conforme dito,
normas programáticas, sem eficácia plena.
Não é coincidência que, mesmo ao pretender instituir um Estado
Democrático e Social de Direito, o legislador constituinte tenha colocado como cláusulas pétreas apenas os direitos e garantias individuais
(artigo 60, § 4º), deixando ao largo desse abrigo os direitos sociais.
Outra dificuldade é considerar que há uma conciliação entre liberdades negativas e liberdades positivas, o que não é possível, uma
vez que são conflitantes.
Ainda que o conflito não gere contradição jurídica, uma vez
que não se podem conceber antinomias em nível constitucional (sob
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pena de inviabilidade lógica do ordenamento jurídico) o conflito permanece e se manifesta o tempo todo, seja na promoção de políticas
públicas, seja na aplicação do direito aos casos concretos.
4) A capacidade contributiva não é apenas uma limitação ao poder
de tributar, mas também o fundamento sobre o qual deve ser instituída a
tributação, de modo a alcançar a dignidade da pessoa humana.
Talvez aqui se encontre um dos maiores equívocos dos solidaristas, no que se refere à natureza da capacidade contributiva. Mas o
que é o princípio da capacidade contributiva?
O princípio da capacidade contributiva é uma repetição ou redundância,17 para todos os efeitos, do princípio da isonomia e do direito de propriedade, ambos veiculados pelo artigo 5º da Constituição
Federal. O princípio da isonomia que determina que os iguais sejam
tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida
de sua desigualdade, quando aplicado à tributação, requer outras diretrizes para que possa ter eficácia. Uma delas é a capacidade contributiva, que por critérios de justiça fiscal, limita a atuação do legislador.
(MOSCHETTI et al, 1993, p. 48). Quando se excede a capacidade
contributiva do contribuinte, pode-se chegar ao confisco que é um
desvalor em relação ao direito de propriedade.18
Como redundância da isonomia e do direito de propriedade, a
capacidade contributiva é, portanto, uma legítima liberdade negativa,
i.e., uma limitação constitucional que visa a impedir tributação violadora da isonomia e do direito de propriedade. Não serve, portanto,
como expediente para promoção de políticas públicas redistributivas.
Por outro lado, pretender impor uma tributação pesada com o
pretexto de implementar direitos sociais é um empreendimento fútil.
A redundância é a repetição da informação transmitida pelo emissor, podendo ocorrer várias vezes dentro do processo comunicacional, através do envio de várias mensagens contendo a mesma informação, assim como também no contexto de uma só mensagem, cujo
conteúdo tenha considerável grau de repetição. A finalidade do emprego da redundância
é sempre o de evitar ou, ao menos, tentar reduzir ao máximo o grau de ruído existente na
comunicação. (CARVALHO, 2005, p. 90.
18
A progressividade, é bom dizer, não é inerente à capacidade contributiva, constituindo
numa técnica a mais, que visa, sim, a políticas redistributivas. A capacidade contributiva
satisfaz-se com a mera proporcionalidade da base de cálculo dos tributos, pois é através
desta que se manifesta, objetiva ou subjetivamente, a riqueza do contribuinte. Nesse sentido, ver HAYEK, 1997, p. 306-323.
17
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O princípio da capacidade contributiva não pode apoiar tal projeto,
pois à medida que a carga fiscal aumente, mais indivíduos buscarão
dela desertar. Tal deserção pode ser tanto lícita (planejamento tributário), quanto ilícita (evasão). Em último grau, a deserção pode ser inclusive física, o que ocorre quando passa a ser mais vantajoso mudar
para países com menor tributação.
Cabe também dizer que uma coisa é pagar tributos com o fim
de garantir a produção de bens públicos para todos. Ainda que mesmo
assim possa haver deserção, uma vez que o Estado se limite a tanto,
a própria carga fiscal será consideravelmente menor do que quando o
poder público busca prover bens privados. Bens privados são aqueles,
ao contrário dos públicos, de uso rival e exclusivo, o que os torna
escassos e, portanto, passíveis de preço no mercado. Obviamente este
é mais eficiente para provê-los, uma vez que o sistema de preços é
capaz de informar (desde que não sofra ruídos normativos do sistema
jurídico) os custos reais da produção de bens e serviços e a demanda
efetiva por eles, rumando ao equilíbrio necessário.
Se o Estado se põe a produzir bens e serviços privados, tais como
escolas, hospitais, bancos, combustíveis, dentre outros, certamente os
produzirá fora do equilíbrio do mercado, sendo ineficiente. Essa ineficiência não sai de graça e uma das formas principais de bancá-la é pela
receita arrecadada por tributos. A consequência é o aumento da tributação e o inevitável incentivo à deserção por parte dos contribuintes.19
Em síntese, não há valores morais elevados, sejam eles denominados de “solidadariedade social”, ou qualquer outra alcunha, que
impedirá os indivíduos de buscarem o seu próprio bem-estar. Aplicar
um princípio que funciona como anteparo entre Estado e contribuinte,
a capacidade contributiva, como forma de extrair o máximo possível
do particular, não só é ineficaz do ponto de vista prático, como errado
do ponto de vista teórico.
5) Solidariedade social não significa, necessariamente, a atuação do Estado para sua consecução, pois a mesma pode ser alcançada
pelas entidades não-governamentais.
19
O que é mostrado graficamente pela famosa “Curva de Laffer”, criação do economista
homônimo, onde a relação entre aumento dos impostos e arrecadação é inversa. Quanto
mais impostos, menor a arrecadação.
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De fato, as entidades do chamado terceiro setor mostram-se,
muitas vezes, mais eficientes do que o Estado na consecução de políticas públicas. Entretanto, é importante lembrar que os próprios subsídios e benefícios fiscais também são potencialmente perturbadores
do equilíbrio do sistema econômico. Não existe “almoço grátis”, e
sempre que uma benesse fiscal é concedida a alguns, muitos outros
não agraciados acabam arcando com o seu custo, ou seja, subsídios e
benefícios são sempre redistributivos também, só que nesses casos, o
que se redistribui é o ônus da tributação.
5
CONCLUSÃO
Pretendi, com esse breve ensaio, demonstrar que a maior parte
dos argumentos comunitaristas peca por uma série de equívocos, muitos deles provenientes de uma contumaz incompreensão de como se
opera a racionalidade humana.
Impor uma tributação pesada sob o pretexto de implementar direitos sociais mostra-se inviável, pois os indivíduos inevitavelmente
buscarão desertar de tal ônus.
A opção menos desvantajosa ou menos ineficiente é, por conseguinte, delegar a oferta de serviços públicos às entidades do terceiro
setor, ainda que para tanto sejam necessárias intervenções tais como
subsídios e benefícios fiscais.
Seja como for, a conclusão final que podemos extrair desse artigo é tão simples quanto verdadeira: os recursos escassos costumam
ser geridos mais eficientemente pela sociedade, não como um ente dotado de necessidades, mas enquanto complexo aglomerado de indivíduos em constante interação no espaço público que se convencionou
denominar mercado.
BETWEEN FREEDOM AND ENFORCEMENT. A BRIEF
CRITICAL ANALYSIS OF THE “SOCIAL SOLIDARITY”
IN TRIBUTARY LAW
Abstract
The term “social solidarity” does not propose anything new, at
contrary, terms such as that have been largely used to justify a list of
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interventionist public policies. This text demonstrates that the authors
of the “social solidarity” base their position upon weak basis. Moreover, arguments in favor of taxation based on vague expressions such
as “social solidarity” are, ultimately, ways to justify interventionism
in the private sector.
Keywords: Social solidarity. Interventionism. Private sector.
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QUANTIFICAÇÃO DAS INDENIZAÇÕES COM
CARÁTER PUNITIVO E INCENTIVOS AO MAGISTRADO
PARA ADOÇÃO DE PROCEDIMENTOS PROBATÓRIOS
Recebido: 30/8/2010
Aprovado: 03/10/2010
FABIANO KOFF COULON*
ELY JOSÉ DE MATTOS**
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. Critérios de quantificação de danos
extrapatrimoniais, indenizações com caráter punitivo e análise econômica do direito. 2.1 Critérios
judiciais de quantificação de danos extrapatrimoniais e função punitiva da responsabilidade civil.
2.2 Função punitiva e racionalidade econômica:
elementos do cálculo da indenização com caráter
dissuasório. 2.3 Caso especial: responsabilidade da
empresa e elasticidade-preço da demanda. 3. O juiz
como agente: análise dos incentivos à obtenção de
informações. 3.1 O problema do agente-principal: o
juiz como agente. 3.2 Estrutura de incentivos externos ao magistrado: critérios de avaliação quantitativa da atividade jurisdicional estadual. 4. Conclusão.
Referências.
Mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atual­
mente é professor do Centro Universitário Feevale. Atua também na advocacia, com ênfase no Direito Civil.
**
Doutorando em economia pela UFRG e Professor da PUC/RGS e da Fundação de Economia e Estatística do Brasil.
*
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Resumo
Os critérios de medida dos danos não patrimoniais são o objeto
deste artigo jurídico. O texto analisa as indenizações com a fixação de
danos com caráter punitivo em face da teoria da análise econômica
do direito. A primeira parte aplica a teoria da análise econômica do
direito ao assunto em pesquisa, ao passo que a segunda parte estuda a
atuação do juiz. Analisa-se o incentivo à obtenção de informações.
Palavras-chaves: Danos extrapatrimoniais. Indenização. Caráter punitivo. Análise econômica do direito.
1
INTRODUÇÃO
A quantificação das indenizações por danos extrapatrimoniais
entre nós reveste-se de uma característica peculiar, por conta de um
expediente bastante interessante utilizado pelos tribunais (com especial menção ao Superior Tribunal de Justiça): por considerar que a
indenizabilidade deste tipo de dano possui em si uma dupla função,
não apenas de proporcionar a devida reparação para o ofendido, mas
também de propiciar uma adequada punição ao ofensor, a jurisprudência, de forma geral, tem determinado que este, além de pagar uma
determinada quantia a título reparatório, também deva suportar um
montante indenizatório adequado a servir de estímulo para que procure evitar a ocorrência do mesmo evento no futuro.
Tal entendimento possui como substrato implícito uma noção
econômica bastante básica, qual seja: a de que as pessoas reagem a
incentivos. Uma vez tendo sofrido uma punição na forma de sanção
pecuniária, é de se supor, intuitivamente, que o ofensor, em uma próxima oportunidade, não voltará a praticar o ato que resultou em um
dano a outrem. Assim, a parcela “punitiva” da indenização adquiriria
um efeito dissuasório, por meio da imposição de um incentivo negativo (ou seja, para que deixe de praticar uma determinada conduta) ao
ofensor.
Ocorre que esta noção econômica básica, quando aplicada no
contexto da relação entre as partes que compõem os polos de uma
demanda indenizatória, precisa ser complementada com outros subsídios, sob pena de frustração de seu objetivo (qual seja, o de provocar
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um verdadeiro efeito desestimulador da conduta danosa). Imaginemos, por exemplo, uma demanda indenizatória contra uma empresa
transportadora por danos sofridos pela vítima de um atropelamento
causado por uma falha no sistema de freios do um dos caminhões de
propriedade desta empresa. Após comprovada a presença dos requisitos autorizadores da imposição do dever de indenizar, o magistrado
conclui por condenar a empresa no pagamento de uma quantia de
R$10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização com função punitiva, para que esta passe a adotar maiores cautelas em relação à revisão e manutenção de seus veículos. Ocorre que o gestor da empresa
em questão, alertado pelo quantum indenizatório que terá de pagar,
faz uma pesquisa junto aos seus fornecedores e descobre que, para
realizar revisões periódicas menos espaçadas no tempo e trocar mais
frequentemente as peças integrantes do sistema de freios de toda sua
frota, a empresa deverá incorrer em um custo anual adicional de cerca
de R$30.000,00 (trinta mil reais). Em 10 anos de atividade, esta é a
primeira vez que a empresa vem a se envolver em um acidente deste
tipo. A pergunta que se impõe é: o valor apontado na sentença a título
de incentivo para a adoção de maiores cuidados por parte do ofensordeverá surtir o efeito desejado? A resposta, depurada de qualquer
romantismo, é muito simples: não. Ou então, fazendo uma pequena
concessão aos ideais românticos: não em 99,9% das situações.
A razão para o insucesso da intenção de produzir um efeito desestimulador pela imposição de uma sanção pecuniária neste caso
passa pelo fato de que, no contexto das demandas indenizatórias,
existem informações ocultas ao magistrado e que normalmente não
fazem parte do conjunto probatório trazido aos autos pelas partes ou
por iniciativa judicial, mas cujo desconhecimento pode fazer desaparecer qualquer intento sincero de produzir uma mudança na conduta
do agente ofensor. O acesso a estes dados, portanto, demandaria uma
mudança na forma como ordinariamente as demandas indenizatórias
são instruídas, no sentido de aumentar as providências probatórias ou
torná-las mais complexas.
Surge, porém, outro problema, que constitui o cerne do presente
trabalho: o juiz também reage a incentivos, como qualquer pessoa.
Um incremento na complexidade da fase probatória acarreta um maior
consumo de recursos, um maior custo, não apenas para o Estado, mas
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para o próprio juiz. Assim, dada a estrutura de incentivos na qual está
inserido o magistrado, podemos considerar que ele seria encorajado a
incorrer em tais custos ou não?
O presente trabalho se constitui numa tentativa bastante
embrionária de tentar responder a essa última questão. Inicio, na
Parte I, com a colocação do problema relativo ao desconhecimento
das variáveis que compõem o cálculo dos agentes econômicos nas
demandas indenizatórias, sobretudo ressaltando a complexidade de
acesso a tais informações pelo exame de um caso especial, qual seja,
o da responsabilidade dos fornecedores pelos danos sofridos pelos
consumidores nas relações de consumo. Procuro ressaltar, desde o
item I.B., a necessidade da utilização dos aportes trazidos pela análise
econômica do direito, não apenas para o tratamento, mas para a própria
compreensão do cerne e da extensão do problema em si.
Na parte II, apresentamos de que forma pretendemos analisar
a questão relativa à estrutura de incentivos para o juiz, no contexto
de uma teoria definida como organizacional e utilizando um conceito
carreado da economia, o de relação de agência, e outras noções
derivadas, como o problema do agente-principal e os custos de
agência. Tentando adequar tais conhecimentos à atividade bastante
específica e peculiar da magistratura, terminamos examinando a
forma de avaliação quantitativa à qual estão sujeitos os magistrados
integrantes do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, qual
seja, o mapa estatístico mensal da Corregedoria-Geral de Justiça.
2
CRITÉRIOS DE QUANTIFICAÇÃO DE DANOS
EXTRAPATRIMONIAIS, INDENIZAÇÕES COM
CARÁTER PUNITIVO E ANÁLISE ECONÔMICA
DO DIREITO
Iniciamos com a colocação da questão relativa à fixação das
indenizações por danos extrapatrimoniais, evidenciando dificul
Tal expressão será doravante utilizada em preferência a – danos morais (consagrada pelo
uso), pelo caráter mais abrangente que atribui ao fenômeno, ressaltado, entre outros, por
SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 35-37, e
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das
obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 349, v. V, t. II.
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dades que, à luz da análise econômica do direito, podem surgir em
termos de averiguação dos corretos elementos a compor o cálculo do quantum indenizatório, dadas determinadas funções que o
instituto da responsabilidade civil é chamado a desempenhar na
atualidade.
2.1 Critérios judiciais de quantificação de danos extrapatrimoniais e
função punitiva da responsabilidade civil
A difícil tarefa de quantificação dos danos extrapatrimoniais no
direito brasileiro não restou isenta de seguidas tentativas de resolução por meio da fixação de critérios na própria legislação, os quais
podemos denominar de critérios legislativos para a fixação desta espécie de danos. Entre estes, podemos destacar a existência de alguns
padrões, ao longo de uma história legislativa que tem início com o
Código Civil de 1916:
a) para danos derivados de condutas que poderiam propiciar
a incidência de normas de natureza penal, em algumas hipóteses
utilizou-se o recurso à aplicação da multa criminal prevista no tipo
penal correspondente como forma de balizamento do quantum devido a título de dano extrapatrimonial, como, por exemplo, nos
arts. 1.538, 1.547, parágrafo único e 1.550 do Código Civil de
1916;
b) o estabelecimento de regimes de tarifamento legal, nos quais
a fixação da indenização em questão observaria limites mínimos e
máximos, bem como hipóteses que permitiriam uma elevação do valor na presença de situações agravantes, como no caso dos §§1º, 2º e
Ver PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da responsabilidade
civil e o art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/interna.aspx?PagId=JOJCRNOP&ID=102&IDCategory=2>. Acesso em: 7
set. 2007.
Para um tratamento mais extenso dos temas abordados neste item e no próximo, ver
COULON, Fabiano Koff. Critérios de quantificação dos danos extrapatrimoniais adotados pelos tribunais brasileiros e análise econômica do direito. In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito e economia. 2. ed. rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008, p. 175-191.
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3º do art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações e dos arts. 51
e 52 da Lei de Imprensa;
c) a referência a circunstâncias relativas ao fato ou aos agentes,
tais como: posição social ou política do ofendido, situação econômica
do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, gravidade e repercussão
da ofensa, intensidade do sofrimento do ofendido, retratação espontânea e cabal por parte do ofensor e a publicação ou transmissão de
resposta ou pedido de retificação;
d) a utilização de expressões de conteúdo semântico mais “aberto” ou flexível, demandando do aplicador uma atividade interpretativa de maior escopo, tal como a referência à “equidade” constante dos
arts. 944, parágrafo único, e 953, parágrafo único, do Código Civil
vigente.
Em que pese a presença, ao longo do tempo, destas tentativas
de estabelecimento de critérios legislativos para a fixação do dano
extrapatrimonial em nosso ordenamento, de fato a jurisprudência parece ter chamado para si a tarefa de compor o conjunto de balizas a
serem utilizadas, dada a escassa referência, nas decisões acerca do
estabelecimento da quantificação desta espécie de indenização, a critérios presentes na legislação. Não obstante, é interessante notar que
um dos conjuntos acima identificados parece corresponder à prática
consagrada pelos Tribunais: trata-se da referência às circunstâncias
relativas ao evento danoso ou aos agentes para fins de orientação na
fixação do quantum indenizatório.
Maria Celina Bodin de Moraes, em conclusão a levantamento efetivado junto à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
apontou os seguintes critérios como os mais utilizados:
Lei n. 4.117/62, cujos dispositivos acima relacionados encontram-se revogados pelo Decreto-Lei n. 236/67.
Lei n. 5.250/67, recentemente declarada totalmente incompatível com o atual ordenamento constitucional por meio do julgamento da ADPF n. 130 pelo STF (ADPF 130,
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2009).
Todas essas estão expressas no art. 84, caput, do Código Brasileiro de Telecomunicações.
Expressões constantes do art. 53 da Lei de Imprensa.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 295-296. Carlos Roberto
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a) grau de culpa do ofensor;
b) situação econômica do ofensor;
c) natureza, a gravidade e a repercussão da ofensa (amplitude
do dano);
d) condições pessoais da vítima (posição social e econômica);
e) intensidade do sofrimento da vítima.
Na análise de tais parâmetros, tendo em vista as funções atual­
mente assinaladas à responsabilidade civil, pode ser percebido, no
exame mais atento dos critérios número a) e b), que eles em muito se afastam de uma função meramente reparatória ou ressarcitória,
tradicionalmente assinalada ao instituto; na realidade, eles parecem
render homenagem à tendência de se reconhecer uma feição mais punitiva para as indenizações por danos extrapatrimoniais.
Em relação ao critério a), a atenção voltada para o grau de culpa do ofensor revela uma preocupação com o aspecto retributivo da
ideia de punição, uma vez que o mesmo não parece se coadunar adequadamente com a noção de simples correção do dano causado, para
a qual eventuais diferenças entre as modalidades e graus de culpa
do ofensor tradicionalmente não detinham um efeito diferenciador,
tanto para a finalidade de atribuição do dever de indenizar, quanto
para a própria quantificação do dano em si. Já em relação ao critério
b), uma face diversa da idéia de punição acaba adquirindo relevo,
qual seja, o aspecto dissuasório, no sentido de que a eventual indenização a ser paga pelo ofensor sirva de incentivo para que este (e
eventuais agentes em situação similar a ele) não venha(m) a repetir a
conduta considerada indesejada, em uma visão também prospectiva
da responsabilidade civil.
A ideia de atribuição de uma função dissuasória à quantificação do dano extrapatrimonial entre nós, em que pese não se embasar
em dispositivo legal que expressamente a autorize de forma genérica,
encontrou consagração na jurisprudência do STJ pelo entendimento
Gonçalves chega a resultados muito similares, em GONÇALVES, Carlos Roberto. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 367, v. 11.
Para uma defesa contemporânea da função reparatória da responsabilidade civil como
manifestação do ideal de justiça corretiva, ver WEINRIB, Ernest J. The idea of private
law. Cambridge: Harvard University 1995.
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segundo o qual ela seria “inerente”, “natural” a este tipo de indenização,10 bem como no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por
meio da consagração da expressão “caráter pedagógico” nas decisões
versando sobre danos extrapatrimoniais de forma geral.11
Um exemplo recente: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – RECURSO ESPECIAL
NÃO ACOLHIDO – ALEGADA OMISSÃO E OBSCURIDADE – RECONHECIMENTO – EFEITO INFRINGENTE AO JULGADO – ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE – CIVIL – ATO ILÍCITO PRATICADO POR AGENTE PÚBLICO – DANO
MORAL – PRETENDIDO AUMENTO DE VALOR DE INDENIZAÇÃO –
1. Visualizado que o recurso especial preenche os requisitos de admissibilidade, merecem ser acolhidos os embargos de declaração, com efeitos infringentes, para que seja
examinado o mérito da controvérsia. 2. O valor do dano moral tem sido enfrentado no
STJ com o escopo de atender a sua dupla função: reparar o dano buscando minimizar a
dor da vítima e punir o ofensor, para que não volte a reincidir. 3. Fixação de valor que
não observa regra fixa, oscilando de acordo com os contornos fáticos e circunstanciais.
4. Aumento do valor da indenização para 300 salários mínimos. 5. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para conhecer e dar provimento ao recurso
especial. (EDcl no REsp 845.001/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 24/09/2009).
11
Exemplos recentes podem ser referidos: (1) APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. UTILIZAÇÃO DE DOCUMENTOS DO AUTOR PARA EFETIVAÇÃO DE
CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE DA PRESTADORA DE SERVIÇOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO MANTIDO. I. Incumbe ao fornecedor de produtos e serviços pesquisar a veracidade dos dados
de clientes quando da formalização de contrato de financiamento bancário, de forma a
garantir sua segurança e a do consumidor. Inteligência do artigo 25, inciso §1º, do Código
de Defesa do Consumidor. II. Nos termos do artigo 333, inciso II, do Código de Processo
Civil, incumbia ao réu a prova da contratação. Ônus não atendido no caso concreto. III.
Pela contratação com terceiro falsário que usou indevidamente os documentos do autor,
responde o prestador de serviços pelo dano moral causado ao consumidor lesado. IV.
Mantido o valor fixado a título de indenização por danos morais, em atendimento ao
caráter punitivo e pedagógico da sanção. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº
70033608159, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege
Puricelli Pires, Julgado em 17/12/2009); (2) APELAÇÃO CIVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. GVT. TELEFONIA. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. DANOS MORAIS.
QUANTUM INDENIZATÓRIO. INCONFORMIDADE. MAJORAÇÃO. APELO
PROVIDO. Cumpre acolher pleito de majoração do montante condenatório por reconhecido dano moral causado ao apelante, diante do descaso e desorganização de empresa
de telefonia ao manter a cobrança, mesmo depois da substituição da linha telefônica,
culminando na negativação indevida. Conduta adotada que revela a desconsideração pela
dignidade da pessoa do contratante. Caráter pedagógico da indenização. Quantum majorado. Deram provimento ao apelo. Unânime. (Apelação Cível Nº 70026678573, Sexta
Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em
17/12/2009). Grifos meus.
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A análise de tais critérios, contudo, tem mais a revelar. Como já
tive a oportunidade de afirmar,12 o exame das condições econômicas
do agente para fins de dissuasão é compatível com a adoção de uma
lógica econômica na quantificação deste tipo de dano, no sentido de
uma teoria segundo a qual os agentes respondem a incentivos na adequação de suas condutas, sendo que o “incentivo” propriamente referido aqui seria a imposição de uma condenação a que o ofensor pague
à vítima uma quantia de dinheiro que colocasse aquele em uma situa­
ção inferior à que ele estaria na hipótese de inocorrência do evento
danoso, fornecendo uma motivação econômica para que ele não deixe
de tomar os cuidados razoáveis para evitar que tal evento retorne a
ocorrer no futuro.
Ocorre, porém, que a racionalidade econômica que subjaz ou,
pelo menos, mostra-se compatível com a lógica que se presume ter
permeado a adoção de tais critérios apresenta caracteres mais complexos do que os até agora tratados, razão pela qual se impõe sua maior
explicitação.
2.2 Função punitiva e racionalidade econômica: elementos do
cálculo da indenização com caráter dissuasório
Quais os caracteres que comporiam uma indenização efetivamente dissuasória, no sentido de servir como um incentivo econômico para que o agente não tornasse a incorrer na mesma conduta?
A resposta a essa pergunta passa necessariamente pela identificação
de três variáveis que, em conjunto, compõem a noção de custo social
total (SC):13
a) custos de precaução (wx): seria o custo de adoção de qualquer
medida que pudesse reduzir a probabilidade de ocorrência de eventos
danosos,14 assim como: colocação de um sistema de freios mais eficaz
Ver COULON, Fabiano Koff. Critérios de quantificação dos danos extrapatrimoniais
adotados pelos tribunais brasileiros e análise econômica do direito. In: TIMM, Luciano
Benetti (Org.). Direito e economia. 2. ed. rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 175-191.
13
Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and economics. 4 ed. S. l.: Pearson Addison
Wesley, 2004,p. 320-321.
14
Adoto aqui um sentido amplo do termo precaução, como encontrado em POLINSKY,
A. Mitchell; SHAVELL, Steven. Punitive damages: an economic analysis. Harvard Law
12
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na fabricação de automóveis, contratação de mais agentes de segurança por uma escola situada em região perigosa, efetivação de mais
testes antes da colocação de um novo medicamento no mercado;
b) probabilidade de ocorrência de danos (p): relaciona-se, até
certo ponto, de forma negativa com os custos de precaução, no sentido de que um maior dispêndio daqueles proporciona razões prima
facie para esperar um decréscimo nesta. Tal relação, contudo, pode
ser limitada;
c) valor dos danos (A): no caso da quantificação do dano extrapatrimonial, esta seria a variável a ser buscada para compor uma
indenização de caráter efetivamente dissuasório.
Assim, estas três variáveis (custos de precaução, probabilidade
de ocorrência de danos e valor dos danos) devem ser compostas de
forma a revelar o custo social total. Tal composição, para Cooter e
Ulen, teria a seguinte formulação: SC = wx + p(x)A, na qual SC corresponderia ao custo social total, wx seria a quantia total investida
em precauções, e p(x)A significaria a probabilidade de ocorrência de
danos multiplicada pelo valor dos danos.15
Para a estimação de uma indenização com efeito dissuasório,
Robert Cooter16 propõe seja utilizada uma variação da regra de Hand
(Hand Rule), denominada Hand Rule Damages. Em sua formulação
original, a regra de Hand trabalha com as variáveis em questão (investimento em precauções – wx), probabilidade de ocorrência dos
acidentes (p(x) e danos efetivos (A), para a finalidade de estabelecer
o standard de cuidado devido, no qual o causador do dano será responsabilizado toda a vez que wx < p(x)A.17 Ou seja, toda vez que o
nível de cuidado for menor do que a probabilidade de ocorrência dos
Review, v. 111, n. 4, , p. 879, fev. 1998: “Any action that reduces the risk or the level of
harm constitutes a precaution under our interpretation”.
15
Cf. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and economics. 4. ed. S. l.: Pearson Addison
Wesley, 2004, p. 320-321.
16
COOTER, Robert. Hand rule damages for incompensable losses. San Diego Law Review,
v. 40 (2003), 1097. Também em COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and economics.
4. ed. S. l.: Pearson Addison Wesley, 2004, p. 368-371.
17
A formulação original seria B < pL. No texto, mantivemos a notação utilizada por Cooter
e Ulen, em COOTER, Robert, ULEN, Thomas. Law and economics. 4. ed. S. l.: Pearson
Addison Wesley, 2004, p. 320-321.
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danos multiplicada pelos danos esperados, o ofensor arcaria com a
responsabilidade.18
Na variante sugerida por Cooter (Hand Rule Damages), a fórmula poderia servir para a avaliação da necessidade de imposição de
uma indenização de caráter dissuasório nos casos em que o investimento em precauções por parte do agente causador do dano afasta-se
em demasia do ponto considerável socialmente desejável (hipóteses
nas quais wx representaria um valor muito menor do que p(x)A ou
exageradamente maior); neste caso, a imposição de um valor indenizatório a título de desestímulo faria sentido na medida em que não
se tornaria compensador, para o ofensor, incorrer no custo da indenização, uma vez que este seria superior ao valor do investimento em
precauções dividido pela probabilidade de ocorrência dos acidentes
(A ≥ wx/p).19 Ocorre que, para este valor realmente refletir um elemento de desestímulo, estas variáveis têm de poder ser estimadas
pelo aplicador, o que demandaria, no mínimo, um investimento em
obtenção de informações que normalmente passa ao largo das demandas indenizatórias.
Assim, uma vez que os custos de precaução e a probabilidade
da ocorrência do dano em questão não entrem no cálculo do valor indenizatório, qualquer quantificação arrisca a ser, ou insuficiente20 ou
exagerada21 para a finalidade que se pretende alcançar.
Ambas as situações são indesejáveis. No primeiro caso, qual seja, da
assinalação de uma quantia insuficiente para a adoção de cautelas por
parte dospotenciais causadores de dano, os resultados socialmente
perniciosos parecem claros. Incentivos inadequados tendem a levar
os agentes a adotar um menor investimento em cautelas e, portanto, a
incrementar a probabilidade de ocorrência de eventos danosos.
Para uma boa explanação da regra de Hand, ver COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law
and economics. 4. ed. S. l.: Pearson Addison Wesley, 2004, p. 334.
19
Para a utilização da Hand rule para a quantificação das indenizações, ver COOTER, Robert. Hand rule damages for incompensable losses. San Diego Law Review, v. 40 (2003),
1097.
20
“Underdeterrence”, cf. POLINSKY, A. Mitchell;SHAVELL, Steven. Punitive damages:
an economic analysis. Harvard Law Review, v. 111, n. 4, p. 873, fev. 1998,.
21
“Overdeterrence”, cf. POLINSKY, A. Mitchell; SHAVELL, Steven. Punitive damages:
an economic analysis. Harvard Law Review, v. 111, n. 4, , p. 890, fev. 1998.
18
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Já na segunda situação, correspondente à imposição de incentivos para a adoção de um nível de precauções exagerado, também
podem ser produzidos resultados socialmente danosos. Inicialmente,
refira-se que tal situação leva a um estado de ineficiência econômica, ou seja, recursos que poderiam estar sendo investidos em outras
finalidades estariam provavelmente sendo desperdiçados (custos de
oportunidade).22
Ademais, o exagero na imposição do fator de desestímulo pode
fazer com que os agentes venham a se engajar com menos freqüência em condutas consideradas, em si, como desejáveis, bem como,
em casos extremos, a interromper a prática de suas atividades.23 Por
exemplo, uma empresa jornalística que, embora adote certas cautelas
no momento da publicação de determinadas notícias em seus veículos
(checagem de informações por parte dos jornalistas, cuidados no uso
da linguagem, objetividade na descrição dos fatos), pode ser levada,
pela imposição de uma indenização de caráter dissuasório em nível
excessivo, a não mais publicar os nomes ou fotografias de assaltantes perigosos, quando poderia ser desejável que assim o fizesse, para
maior informação dos indivíduos que compõem a sociedade, ou a diminuir o espaço das notícias naturalmente mais sensíveis (noticiário
político e policial, por exemplo).
Tal constatação pode causar estranheza, pois nosso senso comum demanda que façamos
todos os investimentos necessários para evitar a causação de eventos danosos. Calabresi,
no entanto, mostra que apesar de nossas intuições, é no mínimo altamente controverso
afirmar que nossa sociedade está disposta a evitar a causação de certos tipos de danos
a qualquer custo: “Our society is not commited to preserving life at any costs. In its
broadest sense, the rather unplesant notion that we are willing to destroy lives should be
obvious. Wars are fought. The University of Mississippi is integrated at the risk of losing
lives. But what is more pertinent to the study of accident law, though perhaps equally obvious, is that lives are spent not only when the quid pro quo is some great moral principle,
but also when it is a matter of convenience. Thus we build a tunnel under Mont Blanc
because it is essential to the Common Market and cuts down the traveling time from
Rome to Paris, though we know that about one man per kilometer of tunnel will die. We
take planes and cars rather than safer, slower means of travel. And perhaps more telling,
we use relatively safe equipment rather than the safest imaginable because – and it is not
a bad reason – the safest costs too much.”(CALABRESI, Guido. The costs of accidents:
a legal and economic analysis. New Haven: Yale University 1970, p. 17-18).
23
POLINSKY, A. Mitchell,SHAVELL, Steven. Punitive damages: an economic analysis.
Harvard Law Review, v. 111, n. 4, , p. 882, fev. 1998.
22
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Assim, um maior investimento em obtenção de informações
acerca de tais variáveis pelo magistrado, nas demandas indenizatórias nas quais se pretenda atribuir uma eficácia “pedagógica” ou
dissuasória, mostra-se fulcral para que efetivamente tal intento seja
alcançado.
2.3Caso especial: responsabilidade da empresa e elasticidade-preço
da demanda
Antes de adentrar no exame dos incentivos do magistrado para
a obtenção das informações acima mencionadas através da promoção
de procedimentos probatórios mais complexos, cumpre referir outra
situação na qual, para a efetivação de uma indenização com caráter
efetivamente dissuasório, seria fundamental o conhecimento de informações que normalmente não são buscadas no contexto das demandas judiciais.24
Nos casos de responsabilidade dos fornecedores por danos causados aos consumidores, a regra geral25 presente no Código de Defesa
do Consumidor (Lei 8.078/90) é objetiva,26 ou seja, afigurar-se-ia desnecessário, para a vítima do dano, alegar e provar a presença de culpa
por parte do fornecedor para que venha a fazer jus à indenização dos
danos sofridos no contexto de uma relação de consumo.
A responsabilização do fornecedor, na forma objetiva, é justificada, por parte da doutrina,27 como uma instanciação do ideal de
solidariedade social previsto no art. 3º, I, da Constituição Federal,
uma vez que proporcionaria à vítima do evento danoso, o consumidor,
um acesso menos tortuoso à reparação dos danos por ele sofridos,
O argumento desta seção está desenvolvido em COULON, Fabiano Koff; MATTOS, Ely
José de. O efeito distributivo da responsabilidade objetiva no código de defesa do consumidor brasileiro e as elasticidades da demanda: uma perspectiva de direito e economia.
UC Berkeley: Berkeley Program in Law and Economics. Disponível em: <http://escholarship.org/uc/item/0fg2801r>. Acesso em: 19 nov. 2009.
25
Existe uma exceção prevista no §4º do art. 14, que estabelece a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais.
26
Para uma visão discordante, ver DRESCH, Rafael de Freitas Valle. Fundamentos da responsabilidade civil pelo fato do produto e do serviço: um debate jurídico-filosófico entre o formalismo e o funcionalismo no direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
27
Exemplificando, ver VIEIRA, Patrícia Ribeiro Serra. A responsabilidade civil objetiva
no direito de danos. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 40-41.
24
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justamente pela dificuldade em constituir a prova da culpa do ofensor
em muitas situações que envolvem fato ou vício do produto ou do
serviço. Diz-se, também, que a regra em questão proporciona uma
melhor distribuição dos riscos28 ou dos custos inerentes à ocorrência
de eventos danosos, potencializados em uma sociedade de produção
e consumo de bens e serviços de forma massiva29 e que o Direito do
Consumidor, pela presença desta possibilidade, afigura-se como um
caso especial de justiça distributiva em nosso ordenamento.30
Tal argumento, que em outra oportunidade31 referi como “efeito
distributivo” da norma de responsabilidade objetiva nas relações de
consumo, baseia-se na afirmação de que uma das partes desta relação
jurídica, o fornecedor, estará em melhores condições de suportar o
custo dos eventos danosos do que o consumidor isoladamente, uma
vez que aquele poderá, através do aumento dos preços dos produtos ou serviços, distribuir este custo de forma diluída para os demais
consumidores, ou ainda, repassar a estes a quantia correspondente ao
valor do prêmio de um eventual seguro de responsabilidade civil,32 na
esteira do que propõe José Reinaldo de Lima Lopes:
CALVÃO DA SILVA, João. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina,
1999, p. 112.
29
CALVÃO DA SILVA, João. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina,
1999, p. 94; DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. XIII, p. 3-4.
30
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais como justiça distributiva: di28
reito do consumidor e reciprocidade. In: Direitos Sociais: teoria e prática. São
Paulo: Método, 2006, p. 141-162.
31
COULON, Fabiano Koff; MATTOS, Ely José de. O efeito distributivo da responsabilidade objetiva no código de defesa do consumidor brasileiro e as elasticidades da demanda: uma perspectiva de direito e economia. UC Berkeley:
Berkeley Program in Law and Economics. Disponível em: http://escholarship.
org/uc/item/0fg2801r. Acesso em: 19 nov. 2009.
32
Importante notar que tal argumento não constitui novidade para quem acompanha o desenvolvimento da moderna análise econômica do direito desde suas fundações, pois, em
seus trabalhos iniciais, Guido Calabresi já o expressava. Ver CALABRESI, Guido. The
costs of accidents: a legal and economic analysis. New Haven: Yale University, 1970.
p. 51, onde se lê: ―The second system involves placing losses on those who are in a
position to pass part of the loss on to purchasers of their products (including labor and
capital), in this way bringing about a fairly wide spreading of accident losses. This two
meanings of enterprise liability are related only in the sense that it is commonly believed
that those who are most able to pass accident costs on to purchasers or to factors of
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O caso mais exemplar de todos está no âmbito da responsabilidade civil por acidente de consumo ou por defeito de produtos e
serviços. Os arts. 12 e 14 do CDC redefinem as regras de responsabilidade assumindo explicitamente, creio eu, a perspectiva do
risco e do risco comum para atribuir aos fornecedores uma responsabilidade objetiva, sem culpa. O risco dos acidentes deve ser
internalizado pelos fornecedores. A moralidade que se adota não
é a da culpa, da psicologia subjetiva, que as unidades de produção
não têm. A moralidade que se aceita é a da solidariedade social. Ao
impor aos fornecedores uma responsabilidade mais estrita, o que
o Código de Defesa do Consumidor faz é obrigá-los a internalizar
os custos dos acidentes. Ao internalizá-los as unidades produtivas
são capazes de distribuí-los entre todos os seus consumidores. O
custo do acidente não será pago apenas pelo infeliz que sofreu o
acidente. Como ele será – deverá ser – totalmente indenizado pelo
fornecedor, o preço desta indenização será incorporado aos custos
da produção e, pelo preço de venda, será pago por todos os consumidores daquele produto. É certo, portanto, que há a possibilidade
– consciente – de ocorrer um acréscimo de preço. Mas este preço
mais elevado apenas demonstra e deixa claro que não será um só
dos consumidores daquele produto que vai arcar – infeliz e aleatoriamente – com um custo inevitável.33
Ocorre que, para este “efeito distributivo” possa ocorrer em sua
completude, é necessário que os fornecedores efetivamente possam
repassar o custo das indenizações que venham a ter de pagar a consumidores isolados para os demais integrantes do mercado de consumo
do produto ou serviço em questão. E esta possibilidade nem sempre
ocorre, como passo a explicar.
Na teoria microeconômica, existe um conceito básico relativo
à formação de preços no mercado denominado “elasticidade-preço
da demanda”. Esta consiste, nas palavras de N. Gregory Mankiw, em
“uma medida do quanto a quantidade demandada de um bem reage
production are also the most likely to insure of self-insure adequately”. Também CALABRESI, Guido. Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts (1961) 70 Yale
Law Journal 499.
33
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direitos sociais como justiça distributiva: direito do
consumidor e reciprocidade. In: Direitos Sociais: teoria e prática. São Paulo: Método,
2006, p. 141-162. Ver p. 151-152.
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a uma mudança no preço do bem em questão”.34 Assim, quando a
quantidade demandada de um bem se mostra sensível a uma modificação no preço, diz-se que a demanda é elástica; quando a resposta
a um aumento de preço não apresenta tal sensibilidade, a demanda é
referida como inelástica.35
O caráter da elasticidade-preço da demanda pode depender de
uma série de variáveis que guardam relação com a preferência dos
consumidores, tais como:
a) a possibilidade de contar com bens substitutos, ou seja, bens
que podem ser adquiridos no lugar daquele que obteve o incremento
de preço (por exemplo, manteiga e margarina);
b) o caráter do produto em questão, se supérfluo (quando a demanda tende a ser mais elástica) ou necessário (quando a demanda
tende a ser inelástica);
c) os limites do mercado em questão, em que mercados definidos mais restritivamente apresentam-se mais elásticos do que os que
se definem de forma mais abrangente;
d) os limites temporais da análise, ou seja, situações em que,
a longo prazo por exemplo, demandas que se apresentaram menos
elásticas em um primeiro momento de aumento de preço tendem a
tornar-se mais elásticas com a passagem do tempo.36
A questão que se impõe, em face da presença destas elasticidades, diz respeito à possibilidade do alegado efeito distributivo quando
o produto ou serviço oferecido pelo fornecedor possuir uma característica de grande elasticidade da demanda em relação ao preço. Neste
MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 90.
35
Essa medição da reação da demanda em razão do aumento do preço do produto pode ser
efetuada com um cálculo simples: trata-se da variação percentual da quantidade demandada dividida pela variação percentual do preço, sendo que a variação percentual de cada
uma destas variáveis corresponde às suas variações absolutas divididas por seus valores
adicionais. Expresso em linguagem matemática, temos a seguinte equação, em que Q
corresponde à quantidade, P ao preço e o delta representa a variação de cada variável: Ep
= (ΔQ/Q)/(ΔP/P).Ver PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 4.
ed. São Paulo: Makron, 1999. p. 32. Também VARIAN, Hal. Microeconomic analysis. 3
ed. New York: W.W. Norton, 1992.
36
Estes exemplos podem ser encontrados em MANKIW, N. Gregory. Princípios de microeconomia. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 90-91.
34
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caso, o fornecedor em questão pode vir a não repassar, ao menos total
e imediatamente, o custo das indenizações através de um aumento
no preço que pratica, por temor de, por exemplo, queda nas vendas,
perda de mercado e de clientes.
Nesse caso, o referido efeito distributivo poderia, em situaçõeslimite, até mesmo vir a:
a) não ocorrer;
b) ocorrer em menor escala, na qual menos de 100% dos custos
seriam distribuídos entre os consumidores;37
c) ocorrer de forma “perversa”, ou seja, de forma a onerar grupos de indivíduos diversos daqueles originalmente previstos como
destinatários da distribuição, tais como: trabalhadores atuais ou potenciais das empresas – os quais suportariam os ônus na forma de
redução de vantagens ou mesmo de postos de trabalho –, fornecedores
e trabalhadores terceirizados das mesmas – na forma de renegociação
de contratos – e acionistas;38
d) ocorrer apenas de forma protraída no tempo,39 hipótese que,
em tese, poderia dar margem a questões interessantes de direito entre
gerações40 de consumidores;
e) ocorrer entre grupos diversos de consumidores da mesma
empresa, os quais podem apresentar perfis semelhantes ou diferentes.
Tal situação poderia ocorrer na hipótese da empresa, sobre a qual re CRASWELL, Richard. ―Passing on the costs of legal rules: efficiency and distribution in
buyer-seller relationships. Stanford Law Review, v. 43, , p. 361-398, 1990-1991. Ver p. 367.
38
Segundo Calabresi: Decreased profits themselves, for instance, are often spread – through
decreased dividends – if the firm owners are at all numerous. But a special problem
would arise if the firm whose profits declined were singly owned or family owned. Would
we not have just taken from one guiltless party to give to another? CALABRESI, Guido.
Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts (1961) 70 Yale Law Journal
499. p. 526.
39
As hipóteses d) e e) podem ser tidas como variantes da “istribuição perversa” mencionada na hipótese c), sendo que na primeira, apenas leva-se em consideração a diferença entre grupos de consumidores situados em unidades de tempo distintas. Assim, os custos de
um acidente de consumo ocorrido em t1 seriam repassados para um grupo de consumidores situados em t2. Na medida em que o a distância temporal entre t1 e t2se prolongue,
provavelmente maiores serão as diferenças essenciais entre os grupos de consumidores
situados em cada um destes momentos.
40
Sobre justiça entre gerações, ver RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000,p. 314-324.
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cair a obrigação de indenizar pelos danos causados por um determinado produto, resolver operar a distribuição deste custo praticando uma
elevação no preço de outro produto, o qual possui como consumidores um grupo diverso daquele que normalmente consome o produto
que apresentou o defeito.
Desta forma, importa notar que a imposição de uma parcela
indenizatória a título dissuasório, além da quantificação do dano em
si, nas ações de responsabilidade civil por danos extrapatrimoniais
pode, em alguns casos, apenas agravar alguns dos problemas acima
indicados. Com efeito, se a demanda pelo produto ou serviço do
fornecedor sobre o qual recai o dever de indenizar, for inelástica,
a finalidade dissuasória da indenização tem grandes chances de ser
frustrada, pelo simples fato de que, neste caso, este simplesmente
repassaria tal valor adicional para seus demais consumidores, aumentando o preço. Neste caso, qualquer investimento em precauções adicionais provavelmente seria uma decisão antieconômica
para o fornecedor.
Já no caso de fornecedores de produtos ou serviços cuja demanda seja mais elástica, pela impossibilidade de repasse (pelo menos total e em um primeiro momento) do valor indenizatório através
de aumento no preço, o objetivo “pedagógico” poderá eventualmente
surtir efeito, se pelo menos uma parcela deste custo for internalizado
pelo ofensor. Porém, esta situação apenas vai se refletir em maior investimento em precauções se o fornecedor em questão também não
puder efetivar uma das formas da acima denominada “distribuição
perversa”, o que é muito difícil de prever no momento do estabelecimento do quantum indenizatório pelo juiz, pois demanda o acesso a
informações que normalmente não são alcançadas na fase probatória
dos processos judiciais.
Assim, ainda que provisoriamente, conclui-se que as indenizações com eficácia pedagógica ou dissuasória dependem, para real­
mente surtirem o efeito que se pretende (incentivar os potenciais
ofensores a investirem na tomada de maiores precauções), de que o
juiz possa ter acesso a informações que demandariam, pelo menos,
maiores providências probatórias e, consequentemente, um maior investimento na instrução das demandas.
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3
O JUIZ COMO AGENTE: ANÁLISE DOS INCENTIVOS
À OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES
Em ambas as situações acima descritas, o magistrado, para dar
conta da necessidade de atentar para os elementos que comporiam uma
quantificação efetivamente dissuasória, teria de buscar informações
que usualmente não estão exatamente à sua disposição, e que tampouco costumam surgir no curso regular da fase instrutória da ação.
Teria ele de lançar mão de procedimentos probatórios diferenciados
que, naturalmente, implica em incorrer em custos41 excepcionais em
sua atividade, o que lhe coloca em uma situação de ter de decidir se
assume ou não tais custos.
Tal decisão, por sua vez, está condicionada pela estrutura de
incentivos na qual o juiz está inserido: ele decidirá investir mais recursos na busca de informações para um melhor “ajuste” do valor
indenizatório com caráter punitivo se, e somente se, entender que o
resultado final compensa o investimento. Pretendo, assim, nas próximas páginas, iniciar um exame (posto que não exaustivo)42 de alguns
dos elementos que compõem o conjunto de incentivos (positivos e
negativos) a que o magistrado pode estar sujeito em sua atividade.43
3.1O problema do agente-principal: o juiz como agente
De início, cumpre identificar a forma pela qual pretendo abordar a questão dos incentivos para investimento em procedimentos
probatórios por parte dos magistrados. Richard Posner, em obra na
Com este termo pretendo referir não apenas os custos financeiros, mas todos aqueles
ônus que venham a recair sobre o decisor, como por exemplo, o maior tempo necessário
para a efetivação das providências probatórias, a possibilidade de vir a ter mais uma decisão reformada, etc.
42
Um tratamento completo do tema ficaria além dos limites do presente trabalho, o qual
não deixa, porém, de proporcionar uma estrutura para futuras investigações.
43
A importância de tal estrutura de incentivos é ressaltada por Richard Posner: ”Whether
judicially made doctrines and decisions are good or bad may depend therefore on the
judge’s incentives, which may in turn depend on the judge’s cognition and psychology,
on how persons are selected (including self-selected) to be judges, and on the terms
and conditions of judicial employment.” (POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008,. p. 5).
41
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qual pretende discutir justamente uma teoria da motivação judicial,44
identifica nada menos do que nove teorias positivas, ou seja, que pretendem descrever o comportamento dos juízes no processo de tomada
de decisão. Em apertada síntese, seriam elas:
a) teoria atitudinal (attitudinal theory): sustenta que as decisões judiciais são explicáveis pelas preferências políticas que cada
juiz carrega consigo.45 Por exemplo, no caso da nomeação de um
Ministro do Supremo Tribunal Federal que se identificasse mais claramente com uma determinada ideologia ou partido político, suas
decisões poderiam ser explicadas em função desta ideologia ou ideário do partido;46
b) teoria estratégica (strategic theory): descreve o processo de
tomada de decisão judicial como o resultado de uma interação estratégica entre o magistrado e os demais agentes que compõem o ambiente
judicial, como, por exemplo, seus companheiros de órgão colegiado,
colegas de profissão, o governo e até mesmo, em questões de maior
repercussão, o público.47 Assim, em suas decisões os juízes agiriam
de modo a adotar não aquela que acredita ser a melhor decisão em
termos ideais, mas aquela que seria a melhor dada a reação previsível
dos demais agentes afetados;
c) teoria sociológica (sociological theory): numa espécie de
combinação entre as duas primeiras, os proponentes desta teoria afirmam que, na análise da dinâmica de pequenos grupos de julgadores
(tais como as turmas ou câmaras de um tribunal), as características
dos membros que os compõem influenciariam em larga escala o sentido das decisões.48 Assim, um grupo composto de juízes que compartilham uma mesma preferência no espectro político decidiriam casos
politicamente sensíveis de forma diversa dos conjuntos de julgadores
cuja composição fosse mais heterogênea nesse particular;
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008. Cumpre
lembrar que Posner é juiz da United States Court of Appeals- 7th Circuit em Chicago, e
professor da University of Chicago Law School.
45
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008,. p. 19-20.
46
De fato, em virtude do sistema de nomeação dos juízes da Suprema Corte americana,
existe uma extensa literatura acadêmica nos EUA analisando as decisões dos mesmos
indagando sobre a influência desta “origem”.
47
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 29.
48
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 31.
44
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d) teoria psicológica (psychological theory): enfatiza a importância e as fontes das preconcepções dos juízes no processo de tomada
de decisão sob incerteza, a qual seria uma característica inerente à
função judicial;49
e) teoria econômica (economic theory): apresenta o juiz como
um maximizador de utilidade auto-interessado, ou seja, aplica um dos
pressupostos básicos da teoria econômica da escolha racional à análise do processo de tomada de decisão judicial, sendo que os elementos
que comporiam a função de utilidade do magistrado poderiam ser,
exemplificativamente: renda, lazer, poder, prestígio ou reputação,50 e
este previsivelmente iria agir de forma a procurar obter a maior quantidade possível de qualquer destes elementos que lhe seja mais caro;
f) teoria organizacional (organizational theory): sustenta-se sobre o insight básico que compõe a chamada (em economia) relação de
agência, ou problema do agente-principal:51 o juiz é visto como um
agente que tem interesses que podem divergir dos interesses do seu
principal,52 o qual então tentará moldar uma estrutura organizacional
que minimize esta divergência e seus custos;
g) teoria pragmatista (pragmatic theory): em oposto a uma teoria
formalista ou legalista, defende que o processo de tomada de decisão
judicial se caracteriza por uma postura consequencialista por parte do
julgador, na qual os efeitos das decisões são levados em consideração
na formulação das mesmas;53
h) teoria fenomenológica (phenomenological theory): em contraste com a teoria psicológica, a qual dá ênfase aos processos mentais
não-conscientes que subjazem a formação da convicção judicial, esta
teoria ressalta como a experiência de tomada de decisão se apresenta
para o consciente individual, ou seja, em termos de sensações conscientemente perceptíveis;54
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 35.
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 35-36.
51
Como esta teoria compõe a base do desenvolvimento posterior do presente trabalho, uma
explanação mais pormenorizada da relação de agência virá a seguir.
52
O problema da definição de quem seria o “principal” nesta relação será também objeto de
abordagem mais específica no decorrer do presente trabalho.
53
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 40.
54
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University 2008, p. 40.
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i) teoria legalista (legalist theory): na visão de seus proponentes,
as decisões judiciais seriam o produto da observância, por parte dos juí­
zes, do “Direito” ou da “Lei”, ou seja, de um corpo de normas estabelecidas em textos legais canônicos e mandatórios, ou deriváveis destes
por operações lógicas. Assim, uma sentença judicial corresponderia à
etapa conclusiva de uma operação silogística na qual uma norma legal
forneceria a premissa maior, e os fatos, a premissa menor.55
Cumpre ressaltar que as teorias acima não necessitam ser compreendidas unicamente de forma excludente entre si, podendo mesmo
apresentar-se como complementares umas em relação às outras, em
uma inter-relação que pode iluminar de forma mais completa o processo de tomada de decisão judicial.56 No entanto, desenvolvimentos
independentes de cada uma delas também podem se mostrar válidos
mesmo para subsidiar futuras simbioses.
Assim, o que doravante se pretende no presente trabalho é analisar alguns dos elementos que compõem a denominada “estrutura
de incentivos” judiciais à luz de uma das teorias acima identificadas,
mais particularmente a teoria organizacional. Para tanto, algumas noções específicas precisam ser mais bem elucidadas, especialmente no
que diz respeito à mencionada “relação de agência” ou ao “problema
do agente-principal”.
Embora com antecedentes que podem remontar a Adam Smith,57
Bearle e Means58 e Ronald Coase,59 a atual configuração da questão é
especialmente debitária da contribuição de Michael Jensen e William
Meckling,60 que identificaram e definiram alguns de seus principais
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008,p. 41.
O próprio Posner propõe que todas estas possam ser integradas através de sua concepção
do juiz como “participante de um mercado de trabalho” (participant in a labor market)
particular (POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University,
2008,p. 57).
57
SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Martins Fontes, 2003, v. I e II..
58
BEARLE, A. ; MEANS, G. The modern corporation and private property. New York:
Macmillan, 1932.
59
Ver os Capítulos 2 (intitulado The nature of the firm), publicado originalmente em 1937,
e 5 (The problem of social cost, em 1960) em COASE, Ronald H. The firm, the market
and the law. Chicago: University of Chicago, 1990.
60
JENSEN, M; MECKLING, W. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs
and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, p. 305-360, 1976.
Disponível em: http://ssrn.com/abstract=94043 or doi:10.2139/ssrn.94043, acesso em
55
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conceitos na análise dos diferentes papéis desempenhados pelos atores em uma empresa.
A relação de agência, conforme delineada por Jensen e Meckling, corresponde a “um contrato sob o qual uma ou mais pessoas
(o(s) principal(is) emprega uma outra pessoa (agente) para executar
em seu nome um serviço que implique a delegação de algum poder
de decisão ao agente”.61 Partindo-se do pressuposto de que ambos
os agentes possuem funções de utilidade diversas e agirão, quando
possível, no sentido de maximizá-las, o problema do agente-principal
ocorre quando aquele que foi contratado para atuar em nome e no
interesse do principal pratica atos incompatíveis com este objetivo,
dado o fato de que algum elemento que compõe sua utilidade restaria
sacrificado se cumprisse estritamente seu dever negocial.
Um bom exemplo para elucidação do problema em questão é
trazido por Eric Posner:
Suponha que você queira vender sua casa. Você não tem experiência na venda de casas e não possui os contatos certos, então você
contrata uma corretora de imóveis. Você quer que a corretora utilize tanto cuidado ou esforço quanto seja possível para vender sua
casa. Você quer que ela mostre a casa ao maior número possível
de potenciais compradores, louve-a bastante, induza os compradores a fazer ofertas generosas, ressalte suas qualidades enquanto
minimize seus defeitos. Mas você sabe que a corretora pode não
querer trabalhar tão arduamente quanto você gostaria. Ela pode
preferir trabalhar das 9h às 17h, quando de fato a melhor hora para
contactar potenciais compradores seria ao final da tarde, horário
em que as defesas destes estariam baixas. Mas a corretora está
cansada à tardinha, por isso preferiria brincar com seus filhos a
contactar compradores. Ela poderia querer tirar folgas frequentes
durante o horário de trabalho; ela poderia evitar sua casa porque
fica um pouco distante das outras casas que ela está vendendo; ela
poderia ser preguiçosa, até onde você sabe. Talvez ela tenha um
23/12/09. Versão em português: JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores, custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 87-125, abr/jun 2008.
61
JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores,
custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008.
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trabalho paralelo – uma pequena empresa na internet, sem dúvida
– no qual ela preferiria dispender seu tempo. Seu problema, então,
é descobrir uma maneira de fazer com que a corretora trabalhe
arduamente para você, ainda que ela prefira fazer outras coisas e
trabalhar para você apenas o mínimo necessário.62
Assim, a potencial resolução do problema do agente-principal
passa necessariamente pela configuração dos incentivos adequados
em relação ao agente, bem como demanda que o principal incorra
em custos de monitoramento visando minimizar o comportamento
desviante daquele.63 Porém, tal resolução não deverá ser alcançada
de forma plena, uma vez que, como afirmam Jensen e Meckling, “é
em geral impossível para o principal ou o agente manter a relação de
agência a um custo zero”.64 Assim, “em qualquer situação que envolva esforço cooperativo”65 as partes deverão incorrer em custos de
agência, estando nestes compreendidos:
“Suppose that you want to sell your house. You have no experience selling houses, and
you don’t have the right contacts, so you hire a real estate agent. You want the agent to
use as much care or effort as possible to sell your house. You want her to show the house
to as many potential buyers as possible, to lavish it with praise, to prod buyers to make
generous bids, to display its charms while minimizing its defects. But you know that the
agent might not want to work as hard as you want her to work. She might prefer working
9 to 5, when in fact the best time to contact potential buyers is in the evening when their
defenses are down. But the agent is tired in the evening, and would rather play with her
kids than call buyers. She might want to take frequent breaks during working hours; she
might avoid your house because it is a little farther away than the other houses that she
sells; she might be lazy, as far as you know. Maybe, she has a side business – an internet
startup, no doubt – on which she would rather spend her time. Your problem, then, is to
figure out a way to get the real estate agent to work hard for you, when she might prefer
to do other things, and do the bare minimum for you.” (POSNER, Eric A. Agency Models in Law and Economics. University of Chicago Law School, John M. Olin Law and
Economics Working Paper n. 92, 2000. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=204872.
Acesso em: 7 dez. 2007, p. 1).
63
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custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008.
64
JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores,
custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008.
65
JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores,
custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008.
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a) os custos para elaboração e efetivação do(s) contrato(s) entre
as partes;66
b) as despesas de monitoramento por parte do principal: por
exemplo, manutenção e controle de um sistema de cartão-ponto; telefonemas periódicos para averiguar se o agente se encontra desempenhando a tarefa; colocação de câmeras de segurança e sua manutenção;67
c) as despesas com a concessão de “garantias”68 contratuais por
parte do agente: imposição de multas ou outras penalidades contratuais ao agente por conduta desviante;
d) os gastos realizados pelo agente para “sinalizar” ao principal os
esforços empreendidos no sentido da adequada prestação contratual;69
e) o custo residual: representa a perda de bem-estar sofrida pelo
principal quando, ainda na presença das despesas referidas acima,
ocorre algum nível de divergência entre as decisões do agente e a
maximização da utilidade do principal.70
Assim, dada a natureza resiliente de tais custos e a ubiquidade
da relação de agência, a pesquisa da estrutura de incentivos presente
em cada caso no qual seja possível identificar ao menos uma versão
do problema aqui tratado passa a ser de interesse para a avaliação
dos processos de tomada de decisão nas mais diversas organizações,
SAITO, Richard, e SILVEIRA, Alexandre di Miceli da. Governança corporativa: custos
de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas
FGV-EASP, v. 48, n. 2, . p. 80,, abril/junho 2008, Disponível em: http://www16.fgv.br/
rae/artigos/5257.pdf. Acesso em: 19/11/09.
67
JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores,
custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89. Abr./jun. 2008.
68
Aqui, o termo, utilizado por Jensen e Meckling, não possui significado propriamente jurídico, não fazendo referência necessária às garantias reais ou fidejussórias que podem ser
contratualmente estipuladas. (JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores, custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista
de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008).
69
SAITO, Richard; SILVEIRA, Alexandre di Miceli da. Governança corporativa: custos
de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas
FGV-EASP, v. 48, n. 2, p. 80, abr./jun. 2008. Disponível em: http://www16.fgv.br/rae/artigos/5257.pdf, Acesso em: 19 nov. 2009.
70
JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores,
custos de agência e estrutura de propriedade. RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89, abr./jun. 2008.
66
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como ressaltam Jensen e Meckling, em passagem que merece reprodução:
O problema de induzir um “agente” a se comportar como se ele
estivesse maximizando o bem-estar do “principal” é relativamente
geral. Ele se faz presente em todas as organizações e em todos os
esforços cooperativos – em qualquer nível da administração das firmas, em universidades, em empresas mistas (de sociedade anônima
e cooperativa), em cooperativas, em órgãos públicos, em sindicatos
e em relações normalmente classificadas como relações de agência,
como nas artes cênicas e no mercado imobiliário. A elaboração de
teorias para explicar as formas que os custos de agência assumem
em cada uma dessas situações (nas quais as relações contratuais diferem significativamente) e como e por que eles são gerados levará
a uma importante teoria das organizações, hoje inexistente no estudo
da economia e das ciências sociais em geral.71
Transportada para o contexto da atividade judicial, a percepção da teoria organizacional sobre a estrutura de incentivos que pode
influenciar na tomada de decisão em investir em procedimentos probatórios por parte do juiz enfrenta uma dificuldade inicial: uma vez
visualizado o juiz como “agente”, resta uma difícil definição acerca
de quem razoavelmente deve ser indicado como o “principal” de forma a compor os pólos da relação.
71
A citação segue a tradução constante em: JENSEN, M; MECKLING, W. Teoria da firma: comportamento dos administradores, custos de agência e estrutura de propriedade.
RAE – Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 2, p. 89-90, abr./jun. 2008,.
No original: “The problem of inducing an “agent” to behave as if he were maximizing
the “principal’s” welfare is quite general. It exists in all organizations and in all cooperative efforts – at every level of management in firms,10 in universities, in mutual
companies, in cooperatives, in governmental authorities and bureaus, in unions, and in
relationships normally classified as agency relationships such as those common in the
performing arts and the market for real estate. The development of theories to explain
the form which agency costs take in each of these situations (where the contractual
relations differ significantly), and how and why they are born will lead to a rich theory
of organizations which is now lacking in economics and the social sciences generally.”
(JENSEN, M; MECKLING, W. Theory of the firm: managerial behavior, agency costs
and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, p. 305-360, 1976.
Disponível em: http://ssrn.com/abstract=94043 or doi:10.2139/ssrn.94043, Acesso em:
23 dez. 2009.
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Em uma observação inicial, podemos apontar alguns possíveis
“candidatos” e eventuais justificativas para considerá-los como “principais” em face do juiz, em relação que não se pretende exaustiva:
a) a sociedade civil: os magistrados são agentes da sociedade,
estão nela inseridos e deveriam assim estar comprometidos com o seu
bem-estar e com a proteção de certos “valores”;
b) o Estado: o Poder Judiciário é uma parte do aparato estatal,
possui autonomia orçamentária, mas não é autossuficiente em termos
de arrecadação e, portanto, responderia aos demais poderes;
c) o governo: como referido, e.g., nos casos de indicação de Ministros ou nomeação de Desembargadores, a chancela governamental
poderia criar esta vinculação com as diretrizes e políticas governamentais;
d) a Justiça: nesta visão, o magistrado estaria a “serviço” de um
conceito ou concepção de justiça para o qual entende deva prestar
contas em suas decisões;
e) empregados ou empregadores: a experiência (hoje extinta)
dos juízes vogais na Justiça do Trabalho parece indicar a possibilidade de uma magistratura comprometida com a visão de servir aos
interesses de uma classe específica.72
Além da dificuldade de caracterização da figura do principal
na relação na qual o juiz representaria o papel de agente, outra noção
que se torna mais dificultosa quando transposta para este contexto é
a de custos de agência. Embora existam, tais custos adquirem outra
conformação na atividade judicial.
As principais dificuldades na identificação dos custos de agência nessa situação surgem inicialmente porque alguns instrumentos de
monitoramento e de redução da atuação desviante por parte do agente,
presentes em outros contextos no mercado de trabalho, não se apre72
Esta lista poderia certamente ser estendida, nos moldes da colocação da questão por Richard Posner: ―A related question is who a federal judges’s principal is, or indeed whether there is one in a meaningful sense. Is it the judges of a higher court – but then who
are the principals of the judges of the highest court? If the principals are not other judges,
are they the members of Congress? The President who appointed the judges? The current President? The American people? The framers of the Constitution? The Constitution
itself, or statutes and precedents? But can documents be principals? ―The law”? (POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 126).
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sentam à atividade judicial.73 Um juiz não tem o e-mail ou navegação na internet monitorada por seu principal, por exemplo, para que
se possa avaliar de que forma está empregando esses instrumentos,
se para trabalhar ou se simplesmente está trocando horas de trabalho
por horas de lazer. Não há cartões-ponto ou câmeras nos gabinetes
judiciais para averiguação dos esforços empreendidos pelo agentejuiz. A própria avaliação do resultado do trabalho do magistrado
(como veremos a seguir), é complexa, uma vez que uma abordagem
simplesmente quantitativa de sua produção muitas vezes não revela
que este esteja efetivamente empreendendo esforços para dar conta
das tarefas que lhe cumprem. Um juiz exclusivamente preocupado
com a quantidade de decisões que é capaz de proferir pode estar
sacrificando a qualidade da prestação jurisdicional, o que pode ser
uma forma de comportamento desviante, se entendermos a sociedade (o conjunto dos indivíduos que a compõe) como o “principal”
desta relação.
A ausência de tais mecanismos pode ser interpretada como se
considerássemos o custo de monitoramento da atividade judicial muito alto, e, em certo sentido, é interessante notar que é efetivamente
assim que pensamos. Tal custo é alto uma vez que entendemos a independência judicial como um bem a ser, em grande medida (ainda que
não absolutamente), resguardado, algo que é socialmente valorizado
como um meio para que possamos alcançar um ideal de justiça no
qual os conflitos são decididos por um terceiro equidistante em relação aos contendores. Se assim não fosse, provavelmente a presença
de mecanismos mais rígidos de controle já se faria notar, como ocorre
em outras relações de trabalho.
O apreço pela independência judicial, portanto, aumenta os custos de agência, porém, como referido, ainda assim alguns mecanismos
de monitoramento ou contenção existem, que de certa forma restringem esta independência de forma a impedir que ela se torne absoluta,
o que poderia levar a uma situação também indesejada, qual seja, a
adoção de conduta idiossincrática por parte do magistrado,74 quando
suas decisões observariam critérios completamente desconexos dos
73
74
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 125.
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 126.
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considerados adequados, frustrando completamente os interesses do
“principal”.
Tais limites são identificados por Richard Posner como pertencentes a dois grupos:
(1) limites internos:75 corresponderiam à natural limitação que
os juízes possuem uma vez que consideram sua atividade como sujeita a um determinado método, o qual demanda que observem um
conjunto particular de normas em suas decisões que possuem a característica de serem normas “jurídicas”, ou seja, reconhecidas como
pertencente a um corpo de preceitos que, em conjunto, é chamado de
“Direito”. O reconhecimento da autoridade deste corpo de normas
seria assim um forte limitador da atividade meramente idiossincrática
dos magistrados em geral;
(2) limites externos:76 em sua atividade, os juízes estão sujeitos
a pressões advindas dos mais diversos campos, tais como: (a) podem
estar sujeitos a ter de satisfazer determinados requisitos caso queiram
obter promoção mais rápida na carreira; (b) podem ter sua produtividade examinada mediante mecanismos de avaliação quantitativa de
seu trabalho; (c) suas decisões estão, via de regra, sujeita a revisão
por seus pares, através do sistema processual recursal; (d) no início de
suas carreiras, são avaliados para fins de concessão da vitaliciedade;
(e) deparam-se com limitações de salário; (f) suas decisões podem
estar sujeitas ao crivo da crítica especializada, que pode ser exercida
através de meios de comunicação em massa ou, mais restritamente, no
ambiente acadêmico; (g) podem ter invocadas contra si, pelas partes
de um processo judicial, as regras relativas aos casos de impedimento,
suspeição ou incompetência.
Em todos esses casos, a esfera de discricionariedade do magistrado é pressionada de forma a fazer com que este mantenha certa linha de atuação com um grau apenas relativo de independência.
Assim, este conjunto de limitadores compõe a referida “estrutura de
incentivos” do agente-juiz em sua atuação como representante do
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008, p. 12 e
125. No Capítulo 7, esses limites são objeto de discussão mais aprofundada.
76
POSNER, Richard A. How judges think. Cambridge: Harvard University, 2008. Em especial, Capítulos 5 e 6.
75
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“principal”. Identificada, ao menos de forma inicial, esta estrutura,
passo ao exame do segundo limite externo acima mencionado (os mecanismos de avaliação quantitativa), na forma como eles se apresentam na carreira de um magistrado pertencente aos quadros do Poder
Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul.
3.2 Estrutura de incentivos externos ao magistrado: critérios de
avaliação quantitativa da atividade jurisdicional estadual
A Lei Complementar n. 35/79, conhecida como Lei Orgânica da
Magistratura Nacional ou LOMAN, prevê que o juiz deverá enviar à
Corregedoria-Geral da Justiça informações sobre os processos sob sua
custódia.77 Já a Consolidação Normativa Judicial, editada pela Corregedoria-Geral da Justiça gaúcha, cuida, em seus arts. 838 e seguintes,
dos “mapas estatísticos mensais” com os quais se pretende traçar uma
panorâmica da produtividade dos juízes estaduais gaúchos.
Na análise das mencionadas disposições, desde logo se salienta
o disposto nos arts. 842 e 844, abaixo reproduzidos para imediata
ilustração:
Art. 842 – No campo “A” – ANDAMENTO DOS PROCESSOS,
na coluna 1 – VINDOS, serão lançados os feitos originários do
bimestre anterior; na coluna 2, os iniciados no bimestre do levantamento estatístico; na coluna 3, os declarados extintos ou terminados; na coluna 4, serão registrados os processos em andamento
a passarem para o bimestre seguinte. Parágrafo único – Considera-se extinto o processo quando prolatada sentença ou outro julgamento terminativo.
Art. 844 – No campo “B” – JUDICÂNCIA, no item referente aos
processos conclusos “do mês”, consignará o Escrivão o número dos
conclusos há mais de 30 (trinta) dias para sentença ou despacho.
Percebe-se, do exame do art. 842 acima, o qual determina quais
os campos a serem preenchidos no mapa referente ao andamento dos
processos, a tônica parece ser a preocupação com o aspecto puramente
77
Art. 39 – Os juízes remeterão, até o dia dez de cada mês, ao órgão corregedor competente
de segunda instância, informação a respeito dos feitos em seu poder, cujos prazos para
despacho ou decisão hajam sido excedidos, bem como indicação do número de sentenças
proferidas no mês anterior.
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quantitativo. A informação passada ao leitor do referido instrumento
é, de início, referente apenas ao número de processos já existentes, aos
recentemente iniciados, aos extintos e, no final, aos que prosseguirão
no próximo bimestre, sendo que as demandas não são diferenciadas
entre si necessariamente pela complexidade, mas pelos ritos (ordinário, cautelar, execução) ou pela especificidade das matérias de forma
muito geral (alimentos, separação e divórcio litigiosos, embargos de
devedor, falências e concordatas). Também em relação aos processos
conclusos de que trata o art. 844, não há qualquer diferenciação em
razão da complexidade da demanda, conforme se percebe do modelo
de mapa constante da referida Consolidação.78
Já no modelo de mapa relativo à judicância,79 o único campo
destinado à avaliação da coleta da prova produzida contém referência
a apenas um tipo de prova, qual seja, a oral (item 1.8 – “Partes ou Testemunhas Ouvidas”), sem qualquer outro tipo de registro de demais
procedimentos probatórios como perícias, inspeções, determinação
de juntada de documentos, etc.
A grande generalidade dos modelos de mapas estatísticos da
área cível contrasta com a maior especificidade dos modelos de outras
áreas, em especial os relativos aos feitos de competência das Varas da
Infância e Juventude80 e dos Juizados Especiais Cíveis,81 pelo menos
no que diz respeito à distinção entre os tipos de ação. Da mesma forma, a inexistência de menção a mecanismos de avaliação qualitativa
contrasta fortemente com a forma de avaliação dos juízes vitaliciandos, prescrita nos arts. 32 a 34 da mesma Consolidação:
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Consolidação Normativa Judicial. Disponível em: <http://www2.tjrs.jus.br/legisla/CNJCGJ_dezembro_2009_Prov_48_2009.
pdf>. Acesso em: 9 jan. 2010, p. 207.
79
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Consolidação Normativa Judicial. Disponível em: <http://www2.tjrs.jus.br/legisla/CNJCGJ_dezembro_2009_Prov_48_2009.
pdf>. Acesso em: 9 jan. 2010. p. 208.
80
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Consolidação Normativa Judicial. Disponível em: <http://www2.tjrs.jus.br/legisla/CNJCGJ_dezembro_2009_Prov_48_2009.
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81
RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça. Consolidação Normativa Judicial. Disponível: <http://www2.tjrs.jus.br/legisla/CNJCGJ_dezembro_2009_Prov_48_2009.pdf>.
Acesso em: 9 jan. 2010. p. 214.
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Art. 32 – A avaliação do desempenho jurisdicional observará os
aspectos qualitativos e quantitativos do trabalho desenvolvido
pelo magistrado.
Art. 33 – A qualidade do trabalho será avaliada sob dois enfoques:
a) estrutura do ato sentencial e das decisões em geral;
b) presteza e segurança no exercício da função.
Art. 34 – A avaliação da qualidade das decisões terá como universo as cópias dos trabalhos remetidos, desde a investidura do cargo,
mensalmente, até o décimo dia do mês subseqüente ao vencido,
pelo magistrado, aí incluídas sentenças e outros atos que o Juiz
examinando selecionar.
§ 1º – No próprio interesse, também poderão ser encaminhadas
cópias de sentenças louvadas ou de trabalhos jurídicos aprovados
em congressos ou similares.
§ 2º – Ditos trabalhos serão avaliados pelo Juiz-Orientador que
preencherá, mensalmente, as planilhas correspondentes contendo
a precisa indicação do ato analisado e observações concretas sobre
o trabalho.
§ 3º – As planilhas antes referidas deverão ser remetidas, no mínimo, de forma trimestral, ao Juiz vitaliciando.
§ 4º – Sendo conveniente, o Corregedor-Geral poderá solicitar a
colaboração de magistrados do 2º Grau e Professores de Português
para o exame dos trabalhos.
Do exame de tal instrumento à luz da questão ora colocada,
qual seja, se há incentivos para o magistrado investir em providências
probatórias no curso de uma ação de indenização por dano extrapatrimonial com caráter dissuasório, parece que a conclusão se inclina
para uma resposta negativa. Na medida em que uma maior e mais
complexa dilação probatória inevitavelmente se traduz em um maior
consumo de tempo na duração do processo, assim como na impossibilidade de registro deste esforço por parte do juiz nos mapas estatísticos, qual seria o incentivo, no que diz respeito à sua avaliação pelos
instrumentos hoje existentes, para que assim proceda? Na realidade,
o instrumento em questão, por sua ênfase no tempo de duração das
demandas, parece pressionar contra a possibilidade de o juiz tentar
buscar as informações que lhe poderiam ajudar a compor uma quantificação efetivamente desestimuladora da indenização em tela.
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4. CONCLUSÃO
A tarefa de atribuir eficácia dissuasória às indenizações dos danos
extrapatrimoniais parece ter sido efetivamente adotada, via labor jurisprudencial, em nosso direito. A utilização de expressões como “função
punitiva” ou “pedagógica”, já incorporadas ao vocabulário de nossos
tribunais, indica estarmos mesmo distantes do momento histórico no
qual se considerou a simples reparação do dano sofrido como o objetivo
praticamente exclusivo do instituto da responsabilidade civil.
Contudo, uma efetiva realização de tal função não se completa
simplesmente com sua menção expressa no comando sentencial, dado o
fato de que o elemento dissuasório apenas surge em um contexto de interrelação com outras variáveis, entre elas os custos de precaução, o grau de
probabilidade de ocorrência dos eventos danosos, a real internalização da
indenização por parte do ofensor e os custos de agência. A aquisição do
conhecimento relativo a tais variáveis é custosa (e esse custo talvez seja,
por vezes, até proibitivo) e depende, no curso de uma demanda judicial,
dos esforços probatórios das partes e até do próprio magistrado.
Incorrer nesse custo, porém, é uma decisão que, em última medida,
cabe ao juiz, pois ele possui a palavra final sobre os meios de prova admissíveis no curso da demanda. Mas a estrutura de incentivos dentro dos
quais ele atua forneceria as condições necessárias para que ele assuma o
desafio de tornar efetivo o efeito dissuasório? A resposta a essa pergunta
depende da análise completa desta estrutura, de forma a identificar suas
vantagens e talvez suas debilidades. O presente trabalho, que buscou analisar apenas um elemento específico deste conjunto de incentivos, qual
seja, o instrumento de avaliação quantitativa da magistratura estadual
gaúcha, pretende ter sido um pequeno passo nessa direção.
FIXATION OF THE AMOUNT OF COMPENSATION WITH
PUNITIVE DAMAGES AND INCENTIVES TO JUDGES TO
GATHERING EVIDENCE
Abstract
The criteria for measurement of non material damages are the
subject of this legal article. The paper discusses the compensation by
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setting punitive damages under the theory of the economic analysis
of law. The first part applies the theory of economic analysis of law to
the issue under research, while the second part examines the role of
the judge. The text addresses incentives to obtain information.
Key words: Non material damages. Compensation. Punitive damages. Economic analysis of law.
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O DIREITO AO FORNECIMENTO GRATUITO DE
MEDICAMENTOS E POLÍTICAS PÚBLICAS: TENSÕES
ENTRE O PODER EXECUTIVO E O PODER JUDICIÁRIO
Recebido: 30/8/2010
Aprovado: 03/10/2010
HECTOR CURY SOARES
[email protected].
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. A racionalização de recursos voltados às políticas públicas de saúde e a tendência
de aumento de demandas individuais em países de
modernidade tardia. 3. A priorização de demandas
coletivas como forma de efetivação das políticas
públicas de saúde. 4. Da elaboração à execução de
políticas públicas de saúde no Brasil e os momentos
de intervenção na ótica do Estado Democrático de
Direito. 5. Considerações finais. Referências.
Resumo
O presente trabalho analisa a tensão entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, espe
cialmente, no tocante ao fornecimento gratuito de medicamentos.
Para tanto, intenta-se apresentar toda a complexidade que envol*
Mestrando em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS). Bolsista Prosup-Capes. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
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ve realizar políticas públicas em um país de modernidade tardia
como o Brasil, em que os recursos são escassos e o deferimento
de determinadas demandas pode representar a escolha entre a vida
de um sujeito e a vida da coletividade. Com base nisso, estudase a priorização de demandas coletivas como a melhor forma de
efetivação das políticas públicas de saúde, em especial, o fornecimento gratuito de medicamentos. Desta forma, intenta-se traçar
limites mínimos entre a intervenção do Poder Judiciário no Poder
Executivo, repensando as políticas públicas e suas implicações no
Estado Democrático de Direito.
Palavras-chaves: Controle judicial. Direito à saúde. Políticas públicas.
1
INTRODUÇÃO
O tema do controle judicial das políticas públicas, em especial,
das políticas de saúde é instigante e ao mesmo tempo crucial. Instigante, na medida em que visa romper com um espaço totêmico do
direito administrativo, qual seja a permissividade do controle judicial
das políticas públicas, bem como, o estabelecimento de critérios de
controle ao Poder Judiciário; e crucial devido o descaso dos agentes responsáveis pela formulação e execução das políticas públicas
de saúde, dentre elas, o fornecimentos de medicamentos. Assim, é
preeminente uma re-significação da produção de políticas públicas
na área da saúde, preconizando atender o posto pela Constituição da
República, de 1988.
Nesse sentido, a redemocratização representou uma profunda mudança do sistema jurídico brasileiro. A Constituição Federal
de 1988 promoveu uma revisão dos conceitos jurídicos em todos os
ramos do Direito. O fenômeno da constitucionalização do Direito é
percebido não somente nos debates doutrinários, mas, sobretudo, na
prática forense. De sorte que, a Constituição Federal de 1988 ao conferir constitucionalidade a diversos princípios inerentes ao Estado de
Democrático de Direito cria um programa salutar a ser seguido pelos
agentes públicos no desenvolvimento de políticas públicas à concretização do direito à saúde. O direito ao recebimento de medicamentos,
problema eminente e objeto freqüente de demandas judiciais individua­
lizadas; possui o status constitucional de direito social. Ocorre que, o
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dever de fornecimento de medicamento por parte do Poder Executivo
gerou uma judicialização excessiva, sendo necessária a elaboração de
critérios de controle judicial adequados, barrando o ativismo judicial
e permitindo ao poder público a elaboração de políticas públicas de
saúde voltadas à coletividade.
O presente trabalho visa apresentar a relação existente entre um
direito individual à saúde e o direito de uma coletividade à saúde, com
base na tensão entre Poder Executivo e Poder Judiciário e com vistas a estabelecer a medida para o controle judicial. Por conseguinte,
a pesquisa propõe-se a ser um instrumento capaz de contribuir para
estabelecer uma perspectiva hermenêutica que permita o acesso ao
fornecimento de medicamentos, em que pese se tratar de intervenção
do Poder Judiciário no Poder Executivo. No entanto, ao fixar parâmetros hermenêuticos adequados ao Poder Judiciário, limitará o controle
a determinadas circunstâncias, tendo em vista o custo do fornecimento dos medicamentos e a possibilidade de com uma política pública
voltada ao coletivo.
Para tanto, numa primeira etapa, analisar-se-á a relação entre
um não desenvolvimento efetivo de um Estado Social em países periféricos, como o Brasil e, por consequência, o incremento de demandas
judiciais individuais para fornecimento de medicamentos. Na segunda
etapa, caberá verificar se a priorização de instrumentos coletivos para
controle judicial de políticas públicas não seria o instrumento mais
adequado à efetivação de um direito social à saúde. Por fim, estabelecer-se-ão as distinções entre os diferentes momentos para intervenção
judicial, na elaboração e na execução, fixando-se um marco adequado
de forma a não suprimir a esfera de autonomia do Poder Executivo em
um Estado Democrático de Direito.
Portanto, é preciso impor limites constitucionalmente adequados para a intervenção judicial nas políticas públicas de saúde (fornecimento de medicamentos), principalmente, em se tratando de países
periféricos (de modernidade tardia), nos quais os recursos voltados
à saúde são cada vez mais escassos. Além da própria tensão entre o
Poder Executivo e o Poder Judiciário, há um conflito maior entre um
interesse (direito) individual à saúde – em última instância, à vida – e
um direito coletivo (da coletividade) à saúde.
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A RACIONALIZAÇÃO DE RECURSOS VOLTADOS ÀS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E A TENDÊNCIA DE
AUMENTO DE DEMANDAS INDIVIDUAIS EM PAÍSES
DE MODERNIDADE TARDIA
Neste ponto, a ideia central é investigar as principais causas do
aumento do número de demandas individuais voltadas ao fornecimento de medicamentos (política pública de saúde) e como racionalizar
os escassos recursos disponibilizados na peça orçamentária à saúde.
Esse é o contexto brasileiro! Junte, então, a esse breve panorama a
condição de país de modernidade tardia, predicado adquirido tendo
em vista a não realização do Estado social. O resultado de tudo isso
vem na contramão da história: mal fixado na Constituição Federal esse
modelo, houve (e ainda há) reações tendentes a reduzir a intervenção
estatal ao mínimo – diga-se: ao mínimo do mínimo. Ou seja, nada se
tinha, mas, mal se fixou um rol de direitos sociais na Constituição que
não foram concretizados, e já se pensa em excluí-los.
Em um contexto mundial, a crise do Estado Social e a derrota
dos socialismos reais foram pressupostos perfeitos à modernização
neoliberal. A política econômica do neoliberalismo tem como estratégia a privatização, desregulamentação, flexibilidade, dívida externa,
ajuste e, como finalidade essencial, a adjudicação de recursos da sociedade e do poder, favorecendo a transnacionalização da economia,
da política e da cultura.
A tese do Estado Mínimo confronta-se com as bases do Estado
Social (países centrais). Em países periféricos, como o Brasil, de curtos e incipientes lapsos de democracia do Estado Social, as diferenças
sociais crescem de forma progressiva, rumo ao mínimo do mínimo.
O discurso moderno do neoliberalismo é assentado sob a privatização, o confisco de direitos trabalhistas, a eliminação de estabilidade
de funcionários públicos, o ajuste fiscal para equilibrar as receitas e
as despesas, a privatização de serviços públicos e a dolarização da
economia.
“Os neoliberais sabem que a superação da ordem do capital, e a afirmação dos valores
democráticos os mais caros à tradição liberal, correm risco com a denúncia renovada
dos socialistas. Daí a deliberada ofensiva contra toda a proposta de superação vinda
daquele campo político, a começar pela despolitização das relações sociais, pressuposto
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No Brasil, intenta-se retornar a um Estado Mínimo, desregulamentado, privatizado, sem ter ao menos efetivado suas promessas
da modernidade. Dito de outra forma, não há o mínimo de cidadania
(direitos sociais) e vislumbra-se a redução do mínimo: nada mais adequado do que a expressão Estado Mínimo do Mínimo! Isso é reflexo
de pensamentos hegemônicos e, portanto, pequeno-burgueses de que
o Estado deve atender tão somente aos contribuintes. Desta forma,
há uma ampliação das funções do Estado (formalmente) e dos diretos
sociais, porém não se cumprem as chamadas promessas da modernidade. Em outras palavras, há um simulacro de modernidade, uma
modernidade tardia, na medida em que tão logo foram incorporados
esses direitos sociais, intentou-se uma redução desse Estado.
Assim, com a precarização dos direitos sociais e econômicos
passa a ter relevância a intervenção do Poder Judiciário, havendo um
deslocamento da legitimidade do Poder Executivo. Daí o crescente
basilar do projeto neoliberal. Qualquer regulação política do mercado, via Estado, via
instituições da sociedade civil é negada por princípio. A despolitização é um de seus
pressupostos, assim como... a vontade de quebrar a espinha dorsal dos sindicatos e dos
movimentos organizados da sociedade.” (V. ARRUDA JÚNIOR, 1997, p. 63).
Bem referiu Ricardo Antonio Lucas Camargo “Não é incomum, nos tempos que ora correm, a reclamação em torno de o Estado somente dever atender a quem é contribuinte
dos tributos que arrecada, sendo os demais verdadeiros vampiros sociais das forças vivas
que movem a nação, por traduzir, invariavelmente, a generosa opção pelos pobres um
cruel opção pela pobreza.” (V. CAMARGO, 2008. p. 16).
“Evidentemente, a minimização do Estado em países que passaram pela etapa do Estado
Providência ou welfare state tem conseqüências absolutamente diversas da minimização
do Estado em países como o Brasil, onde não houve o Estado Social”. (STRECK, ,
2008).
O Prof. Roberto Dromi apresenta interessante conjuntura da América Latina invadida
pelo (neo)liberalismo: “Antes bien, la disminuición del aparato estatal no se traslada a
sus responsabilidades, las que cada vez se dirigen más hacia la regulación y el control
de las conductas públicas. Este proceso aparece consolidado, no obstante la existencia
de algunas vocês que hablan de su agotamiento, al tiempo que afirman ver el retorno a
ciertas formas de estatismo, particularmente, en America Latina. La gestión estatal es
desepeñada cada vez más subsidiariamente, quedando reservado su ejercicio exclusivo
o preeminente a materias muy específicas (defensa, seguridad, justicia) y dejando las
restantes a entes privados y públicos no estatales, mientras las puedan desenvolver adecuadamente.” (2005. p. 10).
Resume o Prof. Boaventura: “Por estas razões – diferentes de país para país,
mas convergentes no seu sentido geral – temos mesmo vindo a assistir, em alguns países a um deslocamento da legitimidade do Estado: do poder executivo
e do poder legislativo para o poder judiciário.” (2007. p. 21).
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aumento de demandas judiciais visando a efetivação de direitos sociais em países periféricos como o Brasil.
Entretanto, os recursos da saúde são muito escassos, sendo
necessária a adoção de algumas prioridades pelo gestor público. Para
se ter dimensão, o aplicado em saúde hoje no Brasil, na esfera federal,
não representa 2% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme apresenta a tabela:
Gasto federal com saúde, como proporção do PIB, segundo item de gasto
Brasil, 1995-2006
Item de gasto 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Total
1,79 1,53 1,67 1,58 1,69 1,70 1,71 1,68 1,58 1,62 1,59
1,70
1,55 1,26 1,31 1,01 0,97 0,87 0,81 0,75 0,67 0,54 0,48
0,53
I. Gasto
direto com
saúde
0,35 0,28 0,25 0,22 0,22 0,21 0,19 0,19 0,21 0,20 0,18
0,21
a. Pessoal
1,16 0,96 1,04 0,77 0,72 0,62 0,59 0,54 0,44 0,31 0,28
0,29
b. Outras
despesas
correntes
0,04 0,02 0,03 0,02 0,02 0,04 0,03 0,02 0,02 0,03 0,03
0,03
c. Outros
gastos diretos
0,11 0,06 0,08 0,09 0,11 0,19 0,21 0,24 0,26 0,37 0,41
0,45
II.
Transferência
a estados e
DF
0,10 0,18 0,24 0,41 0,54 0,59 0,63 0,63 0,60 0,66 0,65
0,69
III.
Transferência
a municípios
0,04 0,03 0,04 0,07 0,07 0,05 0,06 0,06 0,05 0,05 0,05
0,04
IV. Outras
transferências
Fonte: IPEA/DISOC - estimativas anuais a partir dos dados do SIAFI/SIDOR e das Contas Nacionais
do IBGE
Como se pode observar, não há uma grande variação do total
do gasto federal com saúde, em relação ao PIB, entre 1995 e 2006. O
PIB, em 2007, representou cerca de 2,5 trilhões de reais, destes, cerca
de 1,7% é destinado a gastos federais com a saúde. É, nesse contexto,
que devem ser efetivados o direito à saúde, o que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos.
BRASIL. Ministério da Saúde. Indicadores e Dados Básicos do Brasil (1995-2006).
Disponível em: < http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2007/e07_2000.htm> Acesso em: 2
nov. 2008
BRASIL. Banco Central do Brasil. Indicadores Econômicos. Produto Interno Bruto. Disponível em: < http://www.bcb.gov.br/?INDECO> Acesso em: 2 nov. 2008..
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Observe-se que a tendência ao estabelecimento de uma linha de
tensão nas relações entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o
Legislativo, de outro, entre a filosofia política da Carta de 1988 e a
agenda neoliberal, deve ser equilibrada ao estado atual da economia
brasileira. Em contrapartida, o welfare state exigiria o acabamento do
Poder Judiciário, quando provocado pelas instituições e pela sociedade civil a estabelecer o sentido ou a completar o significado de uma
legislação que nasce com motivações distintas às da “certeza jurídica”. Assim, o Poder Judiciário seria investido, pelo próprio caráter da
lei no Estado Social, do papel de “legislador implícito”. (VIANNA et
al, 1999, p. 21)
No entanto, a falta de critérios do Poder Judiciário, aliada a poucos investimentos na saúde pública e a constante negativa por parte
do Poder Executivo em fornecer medicamentos, gera a proliferação
de decisões extravagantes ou até mesmo emocionais, que condenam
a Administração Pública ao custeio de tratamentos descabidos, ou
mesmo, ao fornecimento de medicamentos experimentais, de eficácia
duvidosa, associado a terapias alternativas.
O casuísmo das decisões judiciais brasileiras levará a não realização do previsto na Constituição Federal, impedindo com que políticas públicas coletivas sejam devidamente implementadas. A escassez
de recursos faz com que a Administração Pública estabeleça algumas
prioridades para a efetivação dos direitos sociais. Todavia, cumpre
salientar que não são apenas os direitos sociais que geram um custo ao
Estado, os chamados direitos de primeira geração (dimensão) também
geram custos à sua realização. Basta imaginar, por exemplo, no custo
da segurança pública, no custo da manutenção (pública) de um corpo
de bombeiros, tudo isso para a garantia de um direito de liberdade.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.
htm> Acesso em: 3 nov. 2008.
“Personal liberty, as Americans value and experience it, presupposes social cooperation
managed by government officials. The private realm we rightly prize is sustained, indeed
created, by public action. Not even the most self-reliant citizen asked to look after his or
her material welfare autonomously, without any support from fellow citizens or public officials. […] When structured constitutionally and made (relatively speaking) democratiREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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Coloca-se por terra a tese minimalista que somente os direitos sociais
geram custos ao Estado.
O último fator contribui ao aumento da complexidade da nossa
equação (fornecimento de medicamentos – direito à saúde – orçamento estatal – escassos recursos), sem esquecer-se das dificuldades
do Brasil ser um país periférico.10 Exatamente pela sua condição de
periférico o Poder Judiciário passa a intervir na realização de políticas
públicas, necessitando afirmar a sua legitimidade, pois não a obtém
por meio de processo eleitoral. A legitimidade do Poder Judiciário
reside exatamente na capacidade de proteger os direitos do cidadão,
resistindo à pressão política exercida pelo governo. (LOBATO, 2001,
p. 52).
Contudo, a intervenção, exatamente pela complexidade, não
pode ser desmedida, sem a utilização de critérios por parte do Poder
Judiciário. O fator econômico (escassez de recursos) não pode ser
o único pesado pelo Judiciário, no entanto não pode ser esquecido.
Ao desconsiderar o fator econômico, pressupõe-se que não há uma
organização e planejamento do Poder Executivo em propor políticas
públicas de saúde e, ademais, que não há uma lista de medicamentos
elaborada conforme estudos regionalizados do Ministério da Saúde.
cally responsive, government is an indispensable device for mobilizing and channeling
effectively the diffuse resources of the community, bringing them to bear on problems, in
pinpoint operations, whenever these unexpectedly flare up. […] To the obvious truth that
rights depend on government must be added a logical corollary, one rich with implications: rights cost money. […] Both the right of welfare and the right to private property
has public costs no less than the right to health care, the right to freedom of speech no
less than the right to decent housing. All rights make claims upon the public treasury.”
(HOLMES; SUNSTEIN, , 2000).
10
“Ao contrário do que se passa nos países centrais, não se trata de influências exercidas
sobre o Estado e sua ação mas da configuração interna do próprio poder do Estado. O
autoritarismo estatal, por ser relativamente ineficaz, é não só incompleto como contraditório, o que, por sua vez, contribui para a grande heterogeneidade e fragmentariedade
da actuação (sic) do Estado. Tal heterogeneidade assume várias formas, algumas das
quais já analisei em trabalhos anteriores. Menciono aqui uma raramente referida. Reside no modo como a actuação (sic) da burocracia do Estado oscila entre a extrema rigidez, distância e formalismo com que obriga o cidadão anónimo (sic) e sem referências
(a que chamo sociedade civil estranha) a cansar-se aos balcões de serviços inacessíveis,
a preencher formulários ininteligíveis, e a pagar impostos injustos e a extrema flexibilidade, intimidade e informalidade com que trata, para os mesmos efeitos, o cidadão
conhecido e com boas referências (a sociedade civil íntima)” (SANTOS, 2006. p. 131).
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O Poder Judiciário apresenta-se, então, como a tábua de salvação àqueles que tiveram o fornecimento de medicamento negado pelo
Poder Executivo. Na decisão fatores emocionais, ou mesmo um pseudo-ativismo judicial fazem com que todo o planejamento voltado à
garantia da saúde de uma coletividade seja comprometido em virtude
de uma pessoa necessitar o fornecimento de determinado medicamento. Ignora-se totalmente a apresentada complexidade da equação dos
gastos públicos e, ademais, o espaço discricionário – necessário – a
proposição de políticas públicas de saúde de determinado governo.
A própria ideia de separação dos poderes (funções) implica num
entrelaçamento harmônico entre Judiciário, Executivo e Legislativo,
contrariando ao que se observa em relação ao deferimento de demandas
individuais para o fornecimento gratuito de medicamento, na medida
em que a judicialização excessiva tem dado resultados práticos. Em
última instância, pode-se afirmar que o deferimento dessas demandas
seria contrário ao próprio projeto de Constituição Federal brasileira.
É evidente a necessidade da intervenção do Poder Judiciário na
implementação de políticas públicas, sendo uma imposição do atual,
entretanto, a matéria não pode ser tratada sem os cuidados pertinentes.
Como foi apresentado, a matéria envolve uma grande complexidade,
a qual não pode ser ignorada pelo Poder Judiciário ao exercer seu controle sobre as políticas públicas de fornecimento de medicamentos.
Portanto, observa-se o aumento progressivo (tendência) de demandas judiciais para a realização de políticas públicas. Contudo, a
intervenção do Poder Judiciário não pode ser uma intervenção sem
precaução, é uma imposição do atual estágio do Estado Democrático
de Direito. Impõe-se uma modificação na perspectiva de que o orçamento é uma peça de ficção ou meramente decorativa, devendo-se
admitir, dentro dos parâmetros definidos, o controle excepcional do
orçamento público.(BARROS, 2008, p. 94).
3
A PRIORIZAÇÃO DE DEMANDAS COLETIVAS COMO
FORMA DE EFETIVAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
DE SAÚDE
A questão tratada anteriormente da complexa equação dos direitos sociais e das políticas públicas para a sua realização, em face
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da crescente intervenção do Poder Judiciário tendente à implementação das políticas públicas de saúde, como o fornecimento gratuito de
medicamentos, coloca em xeque qual a forma adequada de efetivação
dessas políticas públicas. Isso porque observam-se duas formas de
intervenção do Poder Judiciário: a tutela coletiva (ação civil pública,
por exemplo) voltada à realização do previsto no orçamento ou da
lista de medicamentos adotada pelo ente federativo (o que, em alguns
casos, pode implicar em inserir um novo medicamento ou tratamento11 na lista); ou, por meio, de ação ordinária, usualmente chamada de
É o caso da cirurgia para a mudança de sexo “DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALISMO. INCLUSÃO NA TABELA SIH-SUS DE PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE TRANSGENITALIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PROIBIÇÃO
DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE SEXO. DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO
DE GÊNERO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE
HUMANA. DIREITO À SAÚDE. FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO. 1 – A
exclusão da lista de procedimentos médicos custeados pelo Sistema Único de Saúde das
cirurgias de transgenitalização e dos procedimentos complementares, em desfavor de transexuais, configura discriminação proibida constitucionalmente, além de ofender os direitos
fundamentais de liberdade, livre desenvolvimento da personalidade, privacidade, proteção
à dignidade humana e saúde. 2 – A proibição constitucional de discriminação por motivo
de sexo protege heterossexuais, homossexuais, transexuais e travestis, sempre que a sexualidade seja o fator decisivo para a imposição de tratamentos desfavoráveis. 3 – A proibição
de discriminação por motivo de sexo compreende, além da proteção contra tratamentos
desfavoráveis fundados na distinção biológica entre homens e mulheres, proteção diante
de tratamentos desfavoráveis decorrentes do gênero, relativos ao papel social, à imagem e
às percepções culturais que se referem à masculinidade e à feminilidade. 4 – O princípio
da igualdade impõe a adoção de mesmo tratamento aos destinatários das medidas estatais,
a menos que razões suficientes exijam diversidade de tratamento, recaindo o ônus argumentativo sobre o cabimento da diferenciação. Não há justificativa para tratamento desfavorável a transexuais quanto ao custeio pelo SUS das cirurgias de neocolpovulvoplastia
e neofaloplastia, pois (a) trata-se de prestações de saúde adequadas e necessárias para o
tratamento médico do transexualismo e (b) não se pode justificar uma discriminação sexual
(contra transexuais masculinos) com a invocação de outra discriminação sexual (contra
transexuais femininos). 5 – O direito fundamental de liberdade, diretamente relacionado
com os direitos fundamentais ao livre desenvolvimento da personalidade e de privacidade,
concebendo os indivíduos como sujeitos de direito ao invés de objetos de regulação alheia,
protege a sexualidade como esfera da vida individual livre da interferência de terceiros,
afastando imposições indevidas sobre transexuais, mulheres, homossexuais e travestis. 6
– A norma de direito fundamental que consagra a proteção à dignidade humana requer a
consideração do ser humano como um fim em si mesmo, ao invés de meio para a realização
de fins e de valores que lhe são externos e impostos por terceiros; são inconstitucionais,
portanto, visões de mundo heterônomas, que imponham aos transexuais limites e restrições
indevidas, com repercussão no acesso a procedimentos médicos. 7 – A força normativa da
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Constituição, enquanto princípio de interpretação, requer que a concretização dos direitos
fundamentais empreste a maior força normativa possível a todos os direitos simultaneamente, pelo que a compreensão do direito à saúde deve ser informada pelo conteúdo dos
diversos direitos fundamentais relevantes para o caso. 8 – O direito à saúde é direito fundamental, dotado de eficácia e aplicabilidade imediatas, apto a produzir direitos e deveres nas
relações dos poderes públicos entre si e diante dos cidadãos, superada a noção de norma
meramente programática, sob pena de esvaziamento do caráter normativo da Constituição.
9 – A doutrina e a jurisprudência constitucionais contemporâneas admitem a eficácia direta
da norma constitucional que assegura o direito à saúde, ao menos quando as prestações são
de grande importância para seus titulares e inexiste risco de dano financeiro grave, o que
inclui o direito à assistência médica vital, que prevalece, em princípio, inclusive quando
ponderado em face de outros princípios e bens jurídicos. 10 – A inclusão dos procedimentos médicos relativos ao transexualismo, dentre aqueles previstos na Tabela SIH-SUS,
configura correção judicial diante de discriminação lesiva aos direitos fundamentais de
transexuais, uma vez que tais prestações já estão contempladas pelo sistema público de
saúde. 11- Hipótese que configura proteção de direito fundamental à saúde derivado, uma
vez que a atuação judicial elimina discriminação indevida que impede o acesso igualitário
ao serviço público. 12 – As cirurgias de transgenitalização não configuram ilícito penal,
cuidando-se de típicas prestações de saúde, sem caráter mutilador. 13 – As cirurgias de
transgenitalização recomendadas para o tratamento do transexualismo não são procedimentos de caráter experimental, conforme atestam Comitês de Ética em Pesquisa Médica e
manifestam Resoluções do Conselho Federal de Medicina. 14 – A limitação da reserva do
possível não se aplica ao caso, tendo em vista a previsão destes procedimentos na Tabela
SIH-SUS vigente e o muito reduzido quantitativo de intervenções requeridas. 14 – Precedentes do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da Corte
Européia de Justiça, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, da Suprema Corte dos
Estados Unidos, da Suprema Corte do Canadá, do Tribunal Constitucional da Colômbia, do
Tribunal Constitucional Federal alemão e do Tribunal Constitucional de Portugal. DIREITO PROCESSUAL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ABRANGÊNCIA
NACIONAL DA DECISÃO. 15 – O Ministério Público Federal é parte legítima para a
propositura de ação civil pública, seja porque o pedido se fundamenta em direito transindividual (correção de discriminação em tabela de remuneração de procedimentos médicos
do Sistema Único de Saúde), seja porque os direitos dos membros do grupo beneficiário
têm relevância jurídica, social e institucional. 16 – Cabível a antecipação de tutela, no
julgamento do mérito de apelação cível, diante da fundamentação definitiva pela procedência do pedido e da presença do risco de dano irreparável ou de difícil reparação, dado o
grande e intenso sofrimento a que estão submetidos transexuais nos casos em que os procedimentos cirúrgicos são necessários, situação que conduz à auto-mutilação e ao suicídio.
Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. 17 – Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal
e deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, é possível a atribuição de eficácia nacional
à decisão proferida em ação civil pública, não se aplicando a limitação do artigo 16 da Lei
nº 7.347/85 (redação da Lei nº 9.494/97), em virtude da natureza do direito pleiteado e das
graves conseqüências da restrição espacial para outros bens jurídicos constitucionais. 18
– Apelo provido, com julgamento de procedência do pedido e imposição de multa diária,
acaso descumprido o provimento judicial pela Administração Pública.” Brasil. Tribunal
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ação de medicamentos, na qual uma pessoa recorre ao Poder Judiciá­
rio para conseguir o fornecimento de determinado medicamento, o
qual o fornecimento fora recusado por algum dos entes federativos.
No Brasil, proliferam-se ações buscando a tutela de um direito
individual ao fornecimento de medicamento. Em muitos desses casos
de tutela individual, trata-se de medicamento não previsto em lista
de medicamentos, gerando uma despesa excessiva ao Poder Executivo. Além de burlar o planejamento, colocando em risco uma política
pública que poderia ser voltada para a coletividade, em um país que,
como visto, possui escassos recursos para a saúde. O deferimento de
uma ação individual poderá significar o conflito entre a vida de um
indivíduo e a vida da coletividade.
Para se ter ideia, quando se faz uma análise sobre a evolução dos
gastos com medicamentos, observa-se que ao longo dos últimos anos
a sua participação tem aumentado em relação ao gasto total em saúde.
Os gastos do Ministério da Saúde com ações do orçamento voltadas ao financiamento da aquisição de medicamentos aumentaram em
123,9%. Esse percentual revela que, para garantir o financiamento da
aquisição dos medicamentos, o Ministério da Saúde teve que reduzir
o gasto em outras áreas de atuação. Esse comportamento exige que se
dedique atenção redobrada aos medicamentos.12
Além disso, em se tratando de ações judiciais, segundo levantamento do Ministério da Saúde, em três anos gastos com processos
para aquisição de remédios aumentou 1.920%. Somente de janeiro a
julho de 2008, o governo federal gastou diretamente R$ 48 milhões
com ações judiciais para aquisição de medicamentos. Esse valor cresce a cada ano. Em 2007, foram R$ 15 milhões, em 2006, R$ 7 milhões
e, em 2005, R$ 2,5 milhões. Neste período, a instituição foi citada
Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9. Rel. Juiz Federal
Roger Raupp Rios. DE 23.08.07. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/
visualizar_documento_gedpro.php?local=trf4&documento=1838268&hash=a3e1f66fbd7
cfb9f211d00cc73ba3912> Acesso em:4 nov. 2008.. Em 10 de dezembro de 2007 a Ministra
do STF Ellen Gracie, na Suspensão de Antecipação de Tutela nº 185-2, suspendeu a decisão
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
12
MENDES, Andréia Cristina Rosa; VIEIRA, Fabiola Sulpino. A evolução dos gastos com
medicamentos: o crescimento que preocupa. Disponível em: <http://www.abres.org.
br/18[1].pdf> Acesso em: 4 nov. 2008.
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como ré em 783 ações para aquisição de medicamentos no Brasil. Em
2007, foram 2.979 ações.13 Isso só para ficar na esfera federal!
Os recursos são finitos. Direitos custam, dependem de recursos
econômicos. Nesse sentido, invoca-se a expressão “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen), que tem origem na Alemanha
no início dos anos de 1970. A efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do
Estado, uma vez que dependem dos cofres públicos. A partir dessa
ideia, traduziu-se que os direitos sociais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares.14 Todavia, não se
mostra lícito ao Poder Público criar obstáculo frustrar ou inviabilizar
o estabelecimento e a preservação, em favor dos cidadãos condições
mínimas de existência, mediante manipulação de sua atividade financeira ou político-administrativa. Advirta-se que a “reserva do possível” não pode ser invocada pelo Estado, com o fim de exonerar-se do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, quando esta conduta governamental negativa puder resultar nulificação ou, até mesmo,
aniquilação dos direitos constitucionais.
Cumpre salientar que, os argumentos econômicos, notadamente no tocante ao fornecimento gratuito de medicamentos, não podem
ser utilizados para o Estado eximir-se de toda e qualquer prestação.
Como se pode observar, o sentido da chamada “reserva do possível”
é outro, tendo em vista que a prestação reclamada deve corresponder
àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Para
tanto, os indicadores econômicos apresentados anteriormente devem
No artigo, ainda há um comparativo de gastos oriundos de ações judiciais, nos últimos
quatro anos: “Gastos do ministério com ações judiciais para aquisição de medicamentos – em 2008 – R$ 48 milhões, em 2007 – R$ 15 milhões, em 2006 – R$ 7 milhões
e em 2005 – R$ 2,5 milhões; Ações Judiciais para aquisição de medicamentos no
Brasil – em 2008 – 783 (até julho), em 2007 – 2.979 ações, em 2006 – 2.625 e em 2005
– 387.” (BRASIL. Ministério da Saúde. Ações Judiciais Comprometem Política Pública
de Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_
detalhe.cfm?co_seq_noticia=53828> Acesso em: 4 nov. 2008.
14
“Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre
o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido que a prestação
reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade.” (SARLET, 2008, p. 186-187). Também SARLET, 2003. p. 274 e seguintes.
13
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ser considerados, porém não podem ser objetos de manobras tendentes a excluir o Poder Público do cumprimento do previsto na Constituição Federal de 1988.
O que se nota é a proliferação de decisões extravagantes ou
emocionais, que condenam a Administração Pública ao custeio de tratamentos irrazoáveis – destituídos de qualquer essencialidade – que
implicam em medicamentos experimentais ou de eficácia duvidosa,
além de terapias alternativas. Ao final, tudo isso representa gastos e
desfuncionalidade da prestação jurisdicional.
Isso não implica em dizer que o Judiciário deixaria de tutelar os
direitos fundamentais que deveriam ser abarcados com a sua atuação.
Ocorre que, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir à
promoção de políticas públicas voltadas à coletividade sejam devidamente implementadas. Ao agir decidir a partir de casuísmos, deferindo todo e qualquer pedido de medicamento em ações individuais, o
Poder Judiciário viola a universalidade da prestação e a isonomia no
atendimento aos cidadãos, uma vez que esses deferimentos comprometem a coletividade.
Não se pode ignorar, por exemplo, que há, no Brasil, uma Política Nacional de Medicamentos, facilitando aos mais carentes o acesso
aos medicamentos essenciais, além de proporcionar o uso racional de
medicamentos que sejam adequados para cada tratamento. A Portaria
n. 3916/98 estabelece a Política Nacional de Medicamentos, baseada
nas recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde). Visando configurar uma oferta de medicamentos ajustada às necessidades
do país, adotou-se a Relação de Medicamentos Essenciais (RENAME). Com base na situação epidemiológica, identificam-se os maiores problemas de saúde e os medicamentos indispensáveis para o seu
tratamento, que ficam permanentemente disponíveis à população que
deles necessita.
Além disso, a fim de garantir que a oferta de medicamentos seja
composta por medicamentos de eficácia comprovada, seguros e com
qualidade, o governo brasileiro deve exigir o cumprimento da regulação sanitária e reestruturar a Rede Brasileira de Laboratórios Analítico-Certificadores em Saúde (REBLAS) para verificar a conformidade
dos medicamentos com os padrões registrados. Por fim, há o estímulo
a produção local de medicamentos, assim, o Brasil deve estabelecer
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um incentivo à capacitação e o desenvolvimento tecnológico nacional
e incentivar a pesquisa visando o aproveitamento do potencial terapêutico da flora e fauna nacionais, além de estimular a produção de
laboratórios oficiais, cuja produção se destina ao Sistema Único de
Saúde (SUS). (DALLARI, 2006, p. 259-260)
A lista de medicamentos não fica, tampouco, estagnada. Na cidade do Rio de Janeiro, para avaliar a necessidade de atualização com
inclusão ou exclusão de medicamento, há uma comissão nomeada
(Resolução da Secretaria Municipal de Saúde n. 1139 de 2005). Como
se pode perceber, existem políticas públicas na área de saúde, especificamente, no tocante ao fornecimento gratuito de medicamentos, não
sendo correto afirmar que o Poder Executivo encontra-se inerte, tãosomente, preocupado em negar pedidos de medicamentos.
O Estado e o Direito encontram-se assentados em um paradigma liberal.15 O Poder Judiciário soluciona conflitos entre sujeitos individuais, sem qualquer perspectiva de alargamento da função jurisdicional do Estado, pois não caberia ao Estado mais do que proteger
a autonomia individual de cada sujeito. Não obstante o advento do
Estado Social, ainda assim, temos enquanto base uma trans-forma do
Estado Liberal. Ademais, os responsáveis (Poder Executivo, Poder
Judiciário, Poder Legislativo), por darem essa nova coloração ao Estado, a partir de objetivos sociais e políticas públicas encontram-se
vinculados à tradição liberal. Conforme visto, à efetivação dos objetivos e das políticas públicas, o Estado ordena a alocação de recursos
e a realização de ações.
15
Mesmo o Estado Social, tem como base o Estado Libera. Funda-se o Estado Social, que
não deixa de ser um Estado liberal – que é seu fundamento. O Estado Social é (historicamente) um intento de adaptação do Estado tradicional (Estado liberal burguês) às
condições sociais da civilização industrial e pós-industrial aos seus novos e complexos
problemas, mas também com suas grandes possibilidades técnicas, econômicas e organizativas para enfrentá-los. Daí se desenvolve, no primeiro terço do século XIX, as chamadas políticas sociais com o objetivo de remediar as péssimas condições dos extratos mais
desamparados da população (sem a intenção de transformar a estrutura social). A atual
política social transforma-se em política social generalizada. As condições históricas que
tornam possível essa nova função do Estado é uma nova etapa do neocapitalismo, ou
seja, a necessidade de resolver os problemas gerados pela estrutura do Estado liberal
e as possibilidades oferecidas pelo desenvolvimento cultural e tecnológico do período
industrial. (V. GARCÍA-PELAYO, 1996. Cap. I).
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Nessa medida, a tutela individual pode se tornar o antídoto para
um indivíduo e o veneno à coletividade. A ação coletiva é o modelo
mais adequado de intervenção do Judiciário na esfera da Administração Pública para a defesa de interesses dessa espécie. Principalmente,
para a inserção de medicamento ou tratamento na lista, tendo como
grande vantagem o benefício da coletividade, no caso de seu deferimento. A demanda de tipo individual fica sustentada nas opções de
compra do consumidor diretamente no mercado, porque independem
de qualquer organização coletiva.16 O Brasil, por se tratar um Estado
de modernidade tardia, essa situação agrava-se, pois não há uma tradição de Estado Social, logo proliferam ações individuais que, pouco
a pouco, comprometem (o seu deferimento) a aplicação de recursos
voltados à saúde.
No âmbito das ações individuais, a atuação do Judiciário deve
ser para deferir os medicamentos constantes nas listas elaboradas pelos entes federativos, efetivando as opções formuladas pela Administração Pública. Cumpre salientar, que a elaboração das listas não se dá
ao acaso, como visto, mas de acordo com as necessidades prioritárias
a serem supridas e os recursos disponíveis, na peça orçamentária, para
a saúde. Os recursos públicos são insuficientes para atender todas as
necessidades sociais, impõe-se ao Estado tapar-se com este cobertor
curto (investir em determinado setor implica deixar de investir em
outro).17
“A maior prova de que o temor, em muitos casos, é evidente – e de que na existe doutrina
sólida construída sobre o tema – decorre da constatação que as decisões mais aplaudidas, em maior freqüência, são tomadas em feitos individuais, como acontece na área
da saúde, o que pode se justificar pela proximidade do juiz com as partes, pela normalmente menor repercussão orçamentária das decisões pela maior capacidade de perceber
as conseqüências inapeláveis de uma ausência de postura jurisdicional. Além disso o
conflito é solucionado de imediato e não há que se fazer maiores incursões sobre a atividade administrativa. Poucos, contudo, se aventuram no efetivo controle da atividade
mais ampla, tendente à implementação de políticas públicas em geral, por intermédio
de ações coletivas. E isso é paradoxal, pois, como visto, o perfil das políticas públicas
mais se afina com a proteção coletiva do que com a tutela individual”(grifos nossos).
(BARROS, 2008, p. 169).
17
“A vinculação do administrador público à lei não lhe permite atender a uma necessidade
específica de um de seus cidadãos, sem que exista uma previsão específica em lei ou uma
política social já implementada pelo Estado. Da mesma forma o juiz não poderá atender
a uma necessidade individual (como a determinação da compra de um medicamento
especial não previsto em qualquer programa social, por exemplo), com base no dever de
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A alteração das listas poderá ser objeto de discussão no âmbito
de ações coletivas (seja ação civil pública, ação popular ou outros instrumentos). Primeiro, porque a discussão coletiva obrigará um exame
no contexto geral das políticas públicas de saúde e os legitimados
terão melhores condições de trazer elementos aos autos. Segundo,
porque, na litigação individual, o juiz perde de vista as necessidades
relevantes e as imposições orçamentárias (que serão examinadas na
esfera coletiva). Por fim, a decisão, na ação coletiva, produzirá efeitos
para todos.18
4
DA ELABORAÇÃO À EXECUÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL E OS MOMENTOS
DE INTERVENÇÃO NA ÓTICA DO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Com base nas premissas analisadas anteriormente, notou-se a
importância da intervenção do Poder Judiciário para a implementação
de políticas, porém a necessidade de uma intervenção responsável,
considerando as peculiaridades orçamentárias brasileiras e objetivando conferir sentido aos direito à saúde. Ademais, verificou-se a necessidade de valorizar as demandas coletivas como adequadas (não
únicas) para um maior equilíbrio na equação orçamento (gasto público com medicamentos) versus efetivação do direito ao fornecimento
proteção dos direitos fundamentais individuais – como direito à vida, por exemplo – sem
que exista um programa prévio de proteção social já implementado. Caso o programa
já esteja sendo executado, cumpre ao juiz assegurar o exercício do direito fundamental
em juízo. Caso assegure o exercício de um direito fundamental individual, através de
uma prestação social positiva ainda não implementada e que vise atender a toda a população, estará afrontando o princípio da isonomia entre cidadãos. Note-se, portanto,
que a aparente ofensa ao princípio da separação dos poderes não é a verdadeira tônica
deste debate, o qual deve ser procedido a partir da discussão acerca do papel do Estado
na distribuição dos recursos públicos entre os cidadãos. A decisão judicial deve servir
como instrumento de proteção da isonomia entre os cidadãos e não como fator de desequilíbrio das prestações sociais, impondo à Administração Pública a criação de um programa específico e exclusivo que venha a atender a uma situação individual.” (APPIO,
2005. p. 173).
18
BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à
saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Disponível em: <http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf> Acesso em: 8
nov. 2008.
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gratuito de medicamentos pelo Estado. Agora, cabe analisar qual o espaço de liberdade (discricionariedade) à Administração Pública para
a determinação de políticas públicas de saúde, sem intervenção do
Poder Judiciário e qual o espaço de intervenção do Poder Judiciário.
Para tanto, é preciso compreender o sentido de políticas públicas no
Estado (Social) Democrático de Direito.
Desta forma, as políticas públicas19 são definidas como um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso,
isto é, movimentar a máquina de governo, no sentido de realizar algum
objetivo de ordem pública, ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito constitucionalmente asseguradosBUCCI, 2006, p. 14). Desta forma, o governo deve traçar uma série de medidas voltadas à coletividade
(ordem pública) com o intuito de concretizar um direito e à jurisdição
constitucional caberá verificar a constitucionalidade das políticas públicas, interpretando-as conforme a constituição. Nesse sentido, os exemplos clássicos são o direito à saúde e o direito à educação.
Contextualizando historicamente, as políticas públicas surgem
no chamado Estado Social, que nada mais é (historicamente) que um
intento de adaptação do Estado tradicional (Estado liberal burguês) às
condições sociais da civilização industrial e pós-industrial aos seus
novos e complexos problemas, mas também com suas grandes possibilidades técnicas, econômicas e organizativas para enfrentá-los. Daí
se desenvolve, no primeiro terço do século XIX, as chamadas políticas
sociais com o objetivo de remediar as péssimas condições dos extratos mais desamparados da população (sem a intenção de transformar
a estrutura social). A atual política social transforma-se em política
social generalizada. Isso faz com que as constituições incorporem ao
19
O conceito de políticas públicas é oriundo da Ciência Política e das Ciências da Administração Pública, logo, o debate no campo jurídico implica em abertura à interdisciplinaridade. A figura das políticas públicas, no âmbito jurídico, surge como uma forma de
concretização dos chamados direitos sociais, fruto de transformação do Estado liberal
operada no século XX. “O paradigma dos direitos sociais, que reclama prestações positivas do Estado, corresponde, em termos da ordem jurídica, ao paradigma do Estado
intervencionista, de modo que o modelo teórico que se propõe para os direitos sociais é
o mesmo que se aplica às formas de intervenção do Estado na economia. Assim, não há
um modelo jurídico de políticas sociais distinto do modelo de políticas públicas econômicas.” (V.. BUCCI, 2006. p. 1 e 5).
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seu texto uma série de direitos sociais. As condições históricas que
tornam possível essa nova função do Estado é uma nova etapa do neocapitalismo, ou seja, a necessidade de resolver os problemas gerados
pela estrutura do Estado liberal e as possibilidades oferecidas pelo
desenvolvimento cultural e tecnológico do período industrial. (GARCÍA-PELAYO, 1996, p. 18-19).
No Brasil, isso ocorre no período pós-45, quando há uma forte aceleração na industrialização do país, obrigando-o à adoção dos
direitos sociais, que perduram na Constituição de 1988. Ocorre que,
em que pese à presença desses direitos na Constituição, eles restaram
não efetivados e, mais que isso, quando houve uma forte instrumentalização da jurisdição constitucional atenta à democracia, o projeto de
constituição confrontou-se com a agenda neoliberal. Tudo isso, leva a
se exigir do Poder Judiciário uma atuação mais comprometida com a
Constituição, acima de interesses de cunho meramente econômico.20
É nesse diapasão, que são elaboradas as políticas públicas de
saúde, como a de fornecimento de medicamentos. O Estado interventor, o Estado Social, já não interessa no contexto da sociedade globalizada. A nova tendência centrista é o neoliberalismo. Na América
Latina, o Judiciário não figurou como tema importante em matéria de
reforma, cabendo ao juiz a figura inanimada de aplicador da letra da
lei emprestada do modelo europeu. A intervenção do judiciário passa
a ter relevância com o fim dos regimes autoritários. Com o Estado Social, a legitimidade do Estado passa a fundar-se não na soberania popular, mas na realização das finalidades coletivas, a serem realizadas
programadamente, o critério classificatório das funções e, portanto,
dos Poderes estatais só pode ser o das políticas públicas ou programas
de ação governamental.
20
Diz Werneck Vianna: “Mudara, sobretudo, a circunstância, fruto de uma alteração na
rota do processo de transição à democracia, quando a sua direção escapou das mãos
de personalidades, partidos e grupos sociais comprometidos com os valores da tradição
republicana brasileira, passando ao controle de lideranças que, em nome de ajustar
o país às exigências da chamada globalização, entronizam o mercado como instância
determinante da vida social. A primeira e mais óbvia repercussão desse ajuste foi o desalinhamento do projeto e das ações governamentais em relação ao texto constitucional
recém-aprovado. Inevitável, portanto, a tendência ao estabelecimento de uma linha de
tensão nas relações entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro, entre a filosofia política da Carta de 1988 e a agenda neoliberal.” (1999, p. 9-10).
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No Estado Democrático de Direito, como se propõe a Constituição Federal de 1988, o controle judicial de políticas públicas de saúde
não pode traduzir-se em demandas individuais visando o acesso a medicamentos que não constam em listas fornecidas pelo Sistema Único
de Saúde. Deve-se atentar a possibilidade de controle que estabeleça
a efetivação de políticas públicas para a coletividade. É preciso uma
atuação comprometida da jurisdição constitucional, principalmente,
no controle de constitucionalidade das leis voltadas constituírem um
sentido ao direito à saúde, possibilitando a todos o acesso aos medicamentos. Na Suspensão de Segurança n. 3073, o Estado do Rio Grande
do Norte requer a suspensão da execução da liminar concedida pela
desembargadora relatora do Mandado de Segurança n. 2006.0067950, em trâmite no TJ/RN, que determinou ao ente federado o fornecimento de medicamentos alto custo e não constantes na lista de medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde. A Ministra Ellen
Gracie considerou que
[...] a norma do art. 196 da Constituição da República, que assegura o direito à saúde, refere-se, em princípio, à efetivação
de políticas públicas que alcancem a população como um todo,
assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não a situações
individualizadas. A responsabilidade do Estado em fornecer os
recursos necessários à reabilitação da saúde de seus cidadãos não
pode vir a inviabilizar o sistema público de saúde. No presente
caso, ao se deferir o custeio do medicamento em questão em
prol do impetrante, está-se diminuindo a possibilidade de serem
oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade.
Ademais, o medicamento solicitado pelo impetrante, além de ser
de custo elevado, não consta da lista do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional do Ministério da
Saúde, certo, ainda, que o mesmo se encontra em fase de estudos
e pesquisas.21
21
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Suspensão de Segurança n. 3073/RN. Min.
Ellen Gracie. Julgado em 09.02.07. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/portal/diarioJustica/verDiarioProcesso.asp?numDj=32&dataPublicacaoDj=14/02/
2007&numProcesso=3073&siglaClasse=SS&codRecurso=0&tipoJulgamento=M&cod
Capitulo=6&numMateria=10&codMateria=7> Acesso em: 30 out. 2008.
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A temática das políticas públicas, como processo de formação
do interesse público, está ligada à questão da discricionariedade do
administrador, na medida em que “o momento essencial da discricionariedade é aquele em que se individualizam e se confrontam os
vários interesses concorrentes”. E um interesse é reconhecível como
interesse público quando é assim qualificado pela lei ou pelo direito,
que é exatamente o que se faz no processo de formação da política
pública como dado de direito, ou seja, sancionar determinados fins e
objetivos, definindo-os legitimamente como a finalidade da atividade
administrativa.
As políticas públicas podem ser entendidas como forma de controle prévio da discricionariedade na medida em que exigem a apresentação dos pressupostos materiais que informam a decisão, em conseqüência da qual se desencadeia a ação administrativa. O processo
de elaboração da política seria propício a explicitar e documentar os
pressupostos da atividade administrativa e, dessa forma, tornar viável
o controle posterior dos motivos. (BUCCI, 2002, p. 265). Como visto, na elaboração da lista de medicamentos, uma série de fatores são
levados em conta à sua elaboração, motivando as escolhas realizadas
pelo agente público, as quais se pressupõem a conformidade com a
Constituição Federal.
Assim, o Judiciário não deve invadir a esfera de atuação a área
de atuação do Poder Executivo. Deve, por outro lado, corrigir inconstitucionalidades, ilegalidades, abusos ou desvios de poder, decisões
desproporcionais, como também promover ou corrigir ações afirmativas, compatibilizando as políticas públicas às diretrizes e metas constitucionais. (FIGUEIREDO, 2007, p. 65). Entretanto, podem-se observar, neste caso, dois momentos distintos de controle jurisdicional:
controle na elaboração e controle na execução da política pública de
fornecimento gratuito de medicamentos.
No tocante ao controle na elaboração, o controle deverá ser mais
restrito, por se tratar exatamente o espaço de discricionariedade da Administração Pública, para conformar políticas adequadas constitucionalmente, com base em toda a estruturação para a escolha de determinado medicamento ou tratamento. O controle na elaboração, pelo
seu caráter político, é um controle de exceção, só cabendo em caso de
inconstitucionalidade flagrante na elaboração das políticas públicas (o
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que inclui eventual desvio de poder). Cumpre salientar, que a ideia de
discricionariedade22 da Administração Pública não implica em ficar ao
bel- prazer do agente público – o que poderia ser chamado de arbitrariedade. Discricionariedade administrativa é sempre uma escolha adequada à Constituição, uma resposta constitucionalmente adequada.23
Diferentemente, no caso do controle na execução, pelo seu caráter jurídico é mais amplo. Destarte, caberá ao Poder Judiciário intervir
no caso de não cumprimento da lista de medicamentos (e tratamentos)
estipulados pelo Poder Público e de verificar-se um novo tratamento
(medicamento) comprovadamente mais eficiente, pela tutela coletiva
seria possível inseri-lo na lista. Enquanto aquele controle tem em vista acompanhar a elaboração conforme a Constituição, esse presume
a constitucionalidade e parte a exigir o estipulado pelo Executivo ou
mesmo acrescer àquilo que o Executivo definiu.
Portanto, o Brasil remanesce com a espinha de Estado (social)
Democrático de Direito, em que pese às reformas liberalizantes, não
podendo ser obscurecido o caráter compromissório da Constituição
de 1988. Desta forma, é essencial o controle pelo Poder Judiciário,
porém esse controle deve ter uma pauta como limites, sob pena de
violar a separação (harmônica) entre as diferentes funções (ao invés
de poderes), brotando com o Judiciário um verdadeiro Poder que se
sobrepõe aos outros. É preciso controle, mas com parâmetros!
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se pode observar, a equação – e não se quer com essa
expressão, simplesmente, tornar a realização de políticas públicas um
“Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo dos poderes populares, não há liberdade absoluta nesse domínio, quer do
legislador, quer do Executivo. Se tais poderes agirem de modo irrazoável ou procurarem
neutralizar direitos sociais, com inércia ou abusivamente, afetando a existência digna,
cumpre ao Judiciário corrigir tais condutas.” (FIGUEIREDO, 2007, p. 66).
23
“Uma interpretação é correta quando desaparece, ou seja, quando fica ‘objetivada’ através
dos ‘existenciais positivos’, em que não mais nos perguntamos sobre como compreendemos algo ou por que interpretamos dessa maneira e não de outra: simplesmente, o sentido
se deu (manifestou-se), do mesmo modo como nos movemos no mundo através de ‘nossos
acertos cotidianos’, conformados pelo nosso modo prático de ser no mundo. [...] A resposta correta à luz da hermenêutica (filosófica) será a ‘resposta hermeneuticamente correta’
para aquele caso, que exsurge na síntese da applicatio.” (STRECK, 2008. p. 106).
22
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mero cálculo – é mais complexa do que o simples deferimento pelo
Poder Judiciário de demandas, intentando o fornecimento gratuito de
medicamentos. Implementar políticas públicas de saúde em terra brasilis não é tão simples, os recurso são escassos e muitas vezes não
resta outra alternativa ao Administrador Público a não ser negar o
medicamento demandado.
O gasto com saúde pública no Brasil representa cerca de 1,7% do
Produto Interno Bruto, proporção irrisória dado os imensos problemas
que temos na saúde, como falta de leitos ou mesmo a disponibilização
de medicamentos por parte de todos os entes federados. Ao cidadão
resta buscar por meio do Judiciário o deferimento de um medicamento,
por sua vez, o Judiciário com base no artigo 196 da Constituição Federal de 1988 defere. Fazendo isso, o Judiciário atende uma tendência em
países de democracia incipiente – é imprópria a expressão redemocratização, pois, no Brasil, nunca tivemos democracia antes de 1988 – de
ser o responsável pela aplicação de direitos fundamentais, fruto de uma
Constituição dirigente. Porém, no tocante ao fornecimento de medicamentos a equação é mais complexa pois, como dito, os recursos para a
saúde são escassos e se nota um expressivo crescimento de demandas
individuais pedindo o fornecimento de medicamentos.
Para se ter uma ideia, nos últimos três anos, o gasto com fornecimento de medicamentos com base em demandas individuais cresceu 123%, o que representa um expressivo aumento no gasto da saúde
com medicamentos. Não se quer de forma alguma tolher o acesso a
medicamentos, pela via judicial, contudo, a Administração Pública
na elaboração da lista de medicamentos para fornecimento gratuito,
a faz de forma motivada. Isso significa dizer, que a lista não é feita
ao acaso, mas considerando as necessidades básicas (e excepcionais)
dos brasileiros, em todo o território. Ao deferir a demanda individual,
o Poder Judiciário, além de invadir a esfera do Poder Executivo, não
sabe se aquele medicamento (ou tratamento) é realmente efetivo para
aquele paciente ou se vai surtir o resultado esperado.
Daí que se entende pela priorização da tutela coletiva de direitos, no caso de um medicamento que esteja fora da lista ou de um
tratamento novo, ainda não presentes nas listas do poder público. A
discussão coletiva obrigará um exame no contexto geral das políticas
públicas de saúde e os legitimados terão melhores condições de trazer
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elementos aos autos. Também, na litigação individual, o Juiz perde de
vista as necessidades relevantes e as imposições orçamentárias (que
serão examinadas na esfera coletiva). Além, é claro, da decisão, na
ação coletiva, produzir efeitos para todos. A tutela individual resta
eficiente para aqueles casos em que o Poder Executivo negar o fornecimento gratuito de medicamento presente na lista.
Ao fim, estabeleceram-se os parâmetros de controle das políticas públicas de fornecimento de medicamento, a partir de uma constituição de sentido para políticas públicas no Estado Democrático de
Direito. Observou-se que, no tocante ao controle da elaboração de
políticas públicas, o âmbito de intervenção do judiciário é mais restrito (espaço de discricionariedade da Administração Pública), enquanto
que no controle de execução de políticas públicas seria mais amplo.
Portanto, em linhas gerais, intentou-se estabelecer parâmetros ao
controle judicial de políticas públicas, com a perspectiva de diminuir a
tensão existente entre o Poder Judiciário e Poder Executivo. Demonstrando a complexidade da elaboração de políticas públicas de fornecimento gratuito de medicamentos em países periféricos como o Brasil.
THE RIGHT TO RECEIVE FREE MEDICINES AND PUBLIC
POLICIES: TENSIONS BETWEEN EXECUTIVE AND
JUDICIARY BRANCHES
Abstract
The paper analyses the tension between Executive Power and Judicial Power in the case of the right to health, specially, the free supply
of medicine. Thus, it tries to present the complexity of achieve public
policies in countries not developed, as Brazil, which the financial sources
are scant and defer some judicial demands should represent the choice
between life of one and life of many people. Based in this facts, it studies
the priority of collective judicial actions as the better way of accomplish
public policies of health, in special, free supply of medicine. Therefore,
it creates limits at the intervention of Judicial Power in Executive Power,
rethinking public policies and its implications in Democratic State.
Key words: Judicial Control. Right to Health. Public Policies
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PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
4
PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE ECONÔMICA NA
CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
Recebido: 30/8/2010
Aprovado: 03/10/2010
HENRIQUE VIANA PEREIRA*
Belo Horizonte/MG
[email protected]
RODRIGO ALMEIDA MAGALHÃES**
Belo Horizonte/MG
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. Princípio da dignidade da pessoa
humana. 3. Princípio da livre iniciativa. 4. Princípio da valorização do trabalho humano. 5. Princípio
da soberania nacional econômica. 6. Princípio da
livre concorrência. 7. Princípio de defesa do consumidor. 8. Princípio de defesa do meio ambiente.
9. Princípio da redução das desigualdades regionais
e sociais. 10. Princípio da busca do pleno emprego.
11. Princípio do tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte. 12. Princípio da propriedade privada e da função social da
propriedade. 13. Conclusão. Referências
Mestre em Direito pela PUC/Minas, professor da Faculdade Novos Horizontes e Newton
Paiva, advogado.
**
Doutor e Mestre em Direito pela PUC/Minas, professor da PUC/Minas e a UFMG, advogado.
*
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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HENRIQUE VIANA PEREIRA / RODRIGO ALMEIDA MAGALHÃES
Resumo
O artigo analisa os princípios constitucionais inerentes à atividade empresarial na ordem econômica e social estabelecida pelo
Estado Democrático de Direito. Sendo certo que todos os princípios
são fundamentais para a correta interpretação do Direito.
Palavras-chaves: Atividade econômica. Constituição. Ordem econômica.
1
INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 prevê vários princípios. Esses fundamentos, que servem de base para todo o sistema jurídico, são como
um alicerce das normas jurídicas. São preceitos que permitem uma
ação ou exigem uma determinada conduta. E, ainda, conforme entende Paulo Luiz Netto Lôbo, “a doutrina passou a entender que os princípios constitucionais são auto-executáveis.” (LÔBO, 2003, p. 207).
Sobre a palavra princípio, pode-se afirmar que:
A palavra “princípio” pode ter muitos usos. Tem uma função evocativa dos valores fundantes de um ordenamento jurídico, também
alude ao início de algo, às noções básicas de uma ciência (princípios de ética ou de matemática), às características essenciais de
um ordenamento que representa seu “espírito”. Na jurisprudência
o princípio é concebido como uma regra geral e abstrata que se
obtém indutivamente, extraindo o essencial de normas particulares, ou como uma regra geral preexistente. Para alguns são normas
jurídicas, para outros regras de pensamento, para alguns são interiores ao ordenamento, enquanto para outros são anteriores ou
superiores ao sistema legal. (LORENZETTI, 1998, p. 312).
Eros Roberto Grau ressalta a importância dos princípios:
É que cada direito não é mero agregado de normas, porém um conjunto dotado de unidade e coerência – unidade e coerência que repousam precisamente sobre os seus (dele = de um determinado direito)
princípios. Daí a ênfase que imprimi à afirmação de que são normas
jurídicas os princípios, elementos internos ao sistema; isto é, estão
nele integrados e inseridos. Por isso a interpretação da Constituição é
dominada pela força dos princípios. (GRAU, 2008, p. 165).
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De acordo com José Afonso da Silva, “princípio exprime a noção de mandamento nuclear de um sistema” (SILVA, 2007, p. 91). E,
ainda, para esse autor,
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são (como observam Gomes Canotilho e Vital
Moreira) núcleos de condensações nos quais confluem valores e
bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores,
os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas,
podem estar positivamente incorporados, transformando-se em
normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização
constitucional. (SILVA, 2007, p. 92).
Ricardo Luis Lorenzetti entende que não há diferença entre
princípios e regras: “é importante esclarecer que tanto os princípios
como as regras se referem ao âmbito do dever-ser e, portanto, são normas.” (LORENZETTI, 1998, p. 286). No mesmo sentido, a respeito
da relação entre princípios e regras, Taísa Maria Macena de Lima
observa que:
Hoje, prevalece a concepção forte dos princípios jurídicos, desaparecendo a precedência hierárquica das regras sobre eles, e os juristas
se voltam para a construção de uma teoria jurídica na qual os princípios assumem relevância inequívoca. (LIMA, 2003, p. 242).
Do exposto, é vedada a interpretação isolada ou excludente de
algum princípio, eis que o sistema jurídico brasileiro exige a busca
pelo sentido harmônico de todas as normas, conforme registra Paulo
Luiz Netto Lôbo: “Veda-se a interpretação isolada de cada regra, ou a
hegemonia de uma sobre a outra, devendo-se encontrar o sentido harmônico de ambas, pois têm igual dignidade constitucional.” (LÔBO,
2003, p. 211).
O artigo 170, caput, da Constituição da República, ao iniciar o
capítulo I do Título VII, que trata sobre os princípios gerais da atividade econômica, determina as finalidades da ordem econômica:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valoração do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: (...).
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Dessa forma, pode-se afirmar que, na Constituição de 1988,
há uma junção entre os interesses capitalistas (valorização da livre
iniciativa) e interesses sociais (valorização do trabalho e garantia de
existência digna).
No Estado Democrático, o exercício da livre iniciativa está diretamente ligado à garantia que será proporcionada à valorização do
trabalho e a busca pela efetividade da existência digna ao ser humano.
Dessa forma, a liberdade econômica, conforme os fundamentos constitucionais, não é absoluta.
No mesmo sentido, verbi gratia, a Constituição assegura o direito de propriedade, desde que ela cumpra a sua função social. Então,
o Estado, ao mesmo tempo em que dá liberdade e garantias ao ente
particular – para usar, como bem entender, sua propriedade – impõe
limites, podendo interferir na esfera individual caso o indivíduo atue
em prejuízo da coletividade.
Sendo assim, resta claro que o direito à propriedade sucumbe
frente ao direito à existência digna e que a Constituição de 1988 coloca a busca do bem comum como uma responsabilidade coletiva.
Ressalte-se que os princípios jurídicos são autoaplicáveis e não
admitem exceções à sua execução, eis que não podem ser previamente
elencados todos os casos em que serão cabíveis suas aplicações. Sobre
a inadmissibilidade de normas e condutas incompatíveis com o artigo
170 da Constituição da República, explana Eros Roberto Grau:
A amplitude dos preceitos constitucionais abrange não apenas normas jurídicas, mas também condutas. Daí porque desejo afirmar,
vigorosamente, serem constitucionalmente inadmissíveis não somente normas com ele incompatíveis, mas ainda quaisquer condutas adversas ao disposto no art. 170 da Constituição. (GRAU,
2008, p. 196).
Nesse sentido, as observações de Ana Frazão de Azevedo Lopes:
Os princípios constitucionais, na verdade, são deontológicos e
obrigatórios, formando um sistema constitucional que precisa ser
coerente. Daí a importância da compreensão paradigmática do
Estado democrático de direito, pois, ao possibilitar a interpretação dos princípios constitucionais a partir de um fundamento coREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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mum, facilita a aplicação adequada de cada um deles, de forma a
se manter a integridade do sistema como um todo. (LOPES, 2006,
p. 224).
Posto isso, para a Constituição da República, um sistema econômico equilibrado – e válido – deve ter coerência entre os interesses
econômicos, jurídicos e sociais. Tudo isso para promover um desenvolvimento harmonioso e eficaz da coletividade, com coerência às
exigências de um Estado Democrático de Direito, especialmente visando efetivar a dignidade da pessoa humana.
2
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A palavra dignidade vem do latim dignitate e significa “respeitabilidade; autoridade moral” (BUENO, 1996, p. 213). Sobre a dignidade da pessoa humana, registra Nicola Abbagnano:
O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por isso não permite
nenhuma equivalência, tem dignidade. Substancialmente, a dignidade de um ser racional consiste no fato de ele não obedecer a
nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo. A moralidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto,
a condição da dignidade do homem, e moralidade e humanidade
são as únicas coisas que não têm preço. (ABBAGNANO, 1998,
p. 276/277).
Quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de
ser um dos fundamentos da organização de um Estado Democrático
de Direito, pode ser considerado um princípio do qual emanam os
outros direitos fundamentais, individuais e coletivos. Neste sentido:
O princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento da
República Federativa do Brasil, como raiz fundante dos demais
direitos fundamentais, possui essa precípua função hermenêutica
no sistema jurídico, ou seja, confere as balizas norteadoras tanto
da atividade interpretativa das normas jurídicas, quanto da própria
atividade legiferante infraconstitucional e mesmo do poder constituinte reformador. (LAMOUNIER, 2009, p. 145).
No mesmo sentido, assevera Luiz Antônio Ramalho Zanoti:
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Assim, o postulado da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da organização nacional, tendo passado a se constituir
no vértice para o qual convergem todos os direitos individuais (da
pessoa humana) e coletivos (dos sindicatos, das associações, das
entidades de classe, dentre outras), proclamados nas constituições
democráticas de uma sociedade cada vez mais pluralista. (ZANOTI, 2009, p. 122).
Para Eros Roberto Grau, a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil e, ainda, é uma diretriz
para as atividades econômicas:
A dignidade da pessoa humana é adotada pelo texto constitucional
concomitantemente como fundamento da República Federativa do
Brasil (art. 1º, III) e como fim da ordem econômica (mundo do ser)
(art. 170, caput – “a ordem econômica ... tem por fim assegurar a
todos existência digna”). Embora assuma concreção como direito individual, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio,
constitui, ao lado do direito à vida, o núcleo essencial dos direitos
humanos. (GRAU, 2008, p. 196).
Em obediência a esse princípio, a atividade empresarial, diante da
ordem econômica e social – conforme a Constituição de 1988 – deve
conferir a cada pessoa uma respeitabilidade, um direito a um respeito inerente à qualidade de ser humano. E, por consequência, deve buscar colocar o homem em condições idôneas para exercer suas aptidões pessoais,
assumindo posição relevante dentro da ordem econômica e social.
Dessa forma, seres humanos não podem ser tratados como objetos, como se pudesses ser trocados. São sujeitos de direito e estão no
centro do ordenamento jurídico. Ademais, o princípio da dignidade da
pessoa humana deve ser observado tanto pelo direito público, quanto
pelo direito privado. Sobre esse aspecto, esclarece Eros Roberto Grau:
A dignidade da pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica, em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade
econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da
existência digna, de que, repito, todos devem gozar. Daí porque se
encontram constitucionalmente empenhados na realização desse
programa – dessa política pública maior – tanto o setor público
quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da
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atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação do princípio duplamente contemplado na Constituição. (GRAU, 2008, p. 198).
Diante disso, “a Constituição estabelece a finalidade de toda a
atuação por meio de políticas econômicas, qual seja a de assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (FONSECA, 1996, p. 83). Então, é inaceitável que os empresários visem a
redução de custos em detrimento da dignidade da pessoa humana.
3
PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA
A livre iniciativa está presente na Constituição de 1988 em dois
dispositivos. No artigo 1º, inciso IV, ela consta como sendo um fundamento da República Federativa do Brasil. Já o artigo 170, caput,
prevê que a ordem econômica deve estar fundada na livre iniciativa.
Então, a livre iniciativa é um dos princípios constitucionais fundamentais da República Federativa do Brasil, e, também, um dos fundamentos da ordem econômica. Dessa forma, ela fundamenta toda a estrutura
dos ideais de liberalismo econômico, que circundam toda atividade empresarial e, ainda, possui relevante destaque econômico constitucional.
A previsão constitucional da livre iniciativa determina que “a
eleição da atividade que será empreendida assim como o quantum a
ser produzido ou comercializado resultam de uma decisão livre dos
agentes econômicos” (MELLO, 2005, p. 732).
Sobre a liberdade de iniciativa econômica, José Afonso da Silva
ensina que:
A liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do art.
170, como um dos esteios da ordem econômica, assim como de seu
parágrafo único, que assegura a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo casos previstos em lei. (SILVA, 2007, p. 793).
A livre iniciativa garante ao ser humano o direito de atuar livremente no segmento econômico que preferir e, ainda, assegura ao proprietário a liberdade de dispor de seus bens, da maneira que melhor
lhe aprouver.
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Ressalte-se que a livre iniciativa somente é legítima quando, ao
perseguir o lucro, não perde de vista os ditames da justiça social. E,
consequentemente, será ilegítima quando for utilizada tão somente
para satisfazer os interesses egocêntricos do empresário. Pode-se dizer que a livre iniciativa está intimamente atrelada à função social da
empresa, tema este que será aprofundado mais adiante.
Outra limitação no que tange à livre iniciativa diz respeito ao
poder estatal de impedir concentrações capitalistas, as quais objetivem prejudicar a livre concorrência, dificultando pequenas iniciativas
econômicas.
Nesse sentido, apesar da livre iniciativa estar assegurada constitucionalmente, não se pode esquecer que a mesma esbarra em algumas limitações. Isso tendo em vista que inexiste princípio absoluto,
devendo todos os princípios coexistir num sistema coerente.
A ideia de que a livre iniciativa deve ser exercida no interesse
da justiça social é explorada por José Afonso da Silva:
Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada, num contexto
de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social
(o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo
poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades
e necessidade de submeter-se às limitações postas pelo mesmo.
É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será
ilegítima, quando exercida com objetivo de puro lucro e realização
pessoal do empresário. (SILVA, 2007, p. 794).
Ou seja, é garantido o direito do homem para, com o seu capital, explorar atividade econômica. Porém, ele deverá desempenhar
tal mister em busca do bem comum, conforme os ditames da justiça
social, e não somente com um egocentrismo exacerbado, sob a luz do
princípio da função social.
4
PRINCÍPIO DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO
HUMANO
O princípio da valorização do trabalho humano, da mesma forma que o da livre iniciativa, é um pilar fundamental do ordenamento
jurídico econômico.
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No artigo 1º, inciso IV, da Carta Magna de 1988, ele consta
como fundamento do Estado Democrático de Direito. Já no artigo
170, existe a previsão de que a ordem econômica deve ser fundada
na valorização do trabalho humano. Então, além de ser um princípio
constitucional, é um fundamento da ordem econômica.
O trabalho deve ser sempre valorizado, eis que consiste em fonte de sobrevivência do ser humano. Sendo assim, ao redor da valorização do trabalho circunda interesse social, bem como está intimamente
ligado à dignidade da pessoa humana.
José Afonso da Silva entende que a ordem econômica prioriza
os valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado:
A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na iniciativa privada. Que significa
isso? Em primeiro lugar quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista,
pois a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar significa que, embora capitalista, a ordem
econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre
todos os demais valores da economia de mercado. Conquanto se
trate de declaração de princípio, essa prioridade tem o sentido de
orientar a intervenção do Estado, na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho que, ao lado da iniciativa privada, constituem o fundamento não só da ordem econômica, mas
da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV). (SILVA,
2007, p. 788).
Sobre a relação entre empresa e trabalho, observa Luiz Antônio
Ramalho Zanoti que:
O trabalho existe antes da empresa, e esta foi criada para racionalizar a forma com que ele era até então realizado, de maneira
que ele tivesse o melhor resultado possível, mediante o emprego
da menor força física e do menor consumo de matérias-primas,
com menor custo final. Isso mostra, pois, que a empresa é uma
instituição nitidamente humana, profundamente humana, porque é
profundamente humano procurar a otimização. Contudo, esse processo de otimização deve privilegiar o desenvolvimento pessoal­
do homem, para que o trabalho seja realizado com prazer, e não
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como fonte geradora de recursos materiais para a satisfação das
necessidades pessoais do empregado e de sua família. (ZANOTI,
2009, p. 190).
Posto isso, pode-se afirmar que o exercício de qualquer atividade econômica incompatível com o princípio da valorização do trabalho humano estará na contramão da Constituição. Neste sentido:
O texto do art. 170 não afirma que a ordem econômica está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, senão que ela deve estar – vale dizer, tem de necessariamente estar – fundada na valorização do trabalho humano
e na livre iniciativa, e deve ter – vale dizer, tem de necessariamente ter – por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social. A perfeita compreensão dessa obviedade é essencial, na medida em que informará a plena compreensão
de que qualquer prática econômica (mundo do ser) incompatível
com a valorização do trabalho humano e com a livre iniciativa, ou
que conflite com a existência digna de todos, conforme os ditames
da justiça social, será adversa à ordem constitucional. Será, pois,
institucionalmente inconstitucional. Desde a compreensão desse
aspecto poderão ser construídos novos padrões não somente de
controle de constitucionalidade, mas, em especial, novos e mais
sólidos espaços de constitucionalidade. A amplitude dos preceitos
constitucionais abrange não apenas normas jurídicas, mas também condutas. Daí porque desejo afirmar serem constitucionalmente inadmissíveis não somente normas com ele incompatíveis,
mas ainda quaisquer condutas adversas ao disposto no art. 170 da
Constituição. (GRAU, 2008, p. 195-196).
Dessa forma, pode-se dizer que o aspecto patrimonial das relações de emprego possui significativa limitação com o princípio da valorização do trabalho humano. Além disso, diante desse princípio, o exercício de qualquer atividade econômica fica condicionado às exigências
de dignidade da pessoa humana e valorização social do trabalho.
5
PRINCÍPIO DA SOBERANIA NACIONAL ECONÔMICA
A soberania nacional é mencionada, no artigo 1º, inciso I, da
Constituição, como um dos fundamentos da República e, no artigo
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170, inciso I, como princípio da ordem econômica. Uma não se confunde com a outra. A prevista no artigo 1º é tida como soberania política e a do artigo 170 trata da soberania nacional econômica, sendo
que esta última é complemento da primeira.
O princípio da soberania nacional econômica, previsto expressamente no artigo 170, inciso I, da Constituição da República, garante
que o exercício de qualquer atividade econômica não entre em choque
com os interesses nacionais. Dessa forma, os interesses nacionais estão em um plano superior aos interesses do livre exercício da iniciativa privada.
Esse princípio proíbe que os interesses nacionais se submetam
aos objetivos unilaterais de entidades internacionais. Ressalte-se que
afirmar a soberania nacional econômica “não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia – e
da sociedade – e a ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas” (GRAU, 2008, p. 226).
Diante desse princípio, pode-se dizer que o constituinte de 1988
visou formar um capitalismo nacional autônomo, independente. Para
isso, foi necessária a criação de condições jurídicas indispensáveis
para um sistema econômico autocentrado e desenvolvido, sem que
isso signifique afastamento de outras economias e nem da dignidade
da pessoa humana. Neste sentido:
A Constituição criou as condições jurídicas fundamentais para a
adoção do desenvolvimento autocentrado, nacional e popular,
que, não sendo sinônimo de isolamento ou autarquização econômica, possibilita marchar para um sistema econômico desenvolvido, em que a burguesia local e seu Estado tenham o domínio da
reprodução da força de trabalho, da centralização do excedente
da produção, do mercado e a capacidade de competir no mercado
mundial, dos recursos naturais e, enfim, da tecnologia. É claro que
essa formação capitalista da Constituição de 1988 tem que levar
em conta a construção do Estado Democrático de Direito, em que,
como vimos, se envolvem direitos fundamentais do homem que
não aceitam a permanência de profundas desigualdades, antes,
pelo contrário, reclamam uma situação de convivência em que a
dignidade da pessoa humana seja o centro das considerações da
vida social. (SILVA, 2007, p. 793).
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Sobre o tema, esclarece Eros Roberto Grau:
Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para
a realização do fim de assegurar a todos existência digna e como
objetivo particular a ser alcançado é definir programa de políticas
públicas voltadas – repito – não ao isolamento econômico, mas a
viabilizar a participação da sociedade brasileira, em condições de
igualdade, no mercado internacional. (GRAU, 2008, p. 227).
Ademais, com a atual e constante globalização, ocorrem quebras
de barreiras geográficas, em prol do exercício de atividades econômicas, com circulação de capitais internacionais. A economia mundial,
atualmente, é interligada. Ocorrem criações de blocos econômicos,
celebração de tratados internacionais, mas, tudo isso, sem prejuízo da
soberania nacional econômica.
6
PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA
O princípio da livre concorrência está previsto no artigo 170,
inciso IV, da Constituição da República. Ele é um princípio que, ao
mesmo tempo em que decorre da livre iniciativa, atua como limite do
seu exercício. Dessa forma, visa prevenir abusos da livre iniciativa,
eis que assegura o direito de conquistar clientela, em igualdade de
condições.
Esse princípio proíbe a utilização incorreta da livre iniciativa
e do poder econômico. É fundamento para o disposto no artigo 173,
§4º, da Constituição de 1988: “A lei reprimirá o abuso do poder econômico, que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. A lei que esse dispositivo
se refere é a lei nº 8.884/1994, a qual dispõe sobre a prevenção e
repressão às infrações à ordem econômica.
O artigo 170, inciso IV, bem como o artigo 173, §4º, ambos da
Constituição da República, se complementam para atingir o mesmo
objetivo. Sobre esse objetivo comum desses dispositivos, esclarece
José Afonso da Silva:
Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a
livre concorrência, contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder
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econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado intervir para coibir o abuso. (SILVA,
2007, p. 795).
Então, a livre concorrência não é uma liberdade sem controle
algum. Muito pelo contrário. Trata-se de uma liberdade em prol da
coletividade. Nos dizeres de Eros Roberto Grau: “A livre concorrência é elevada à condição de princípio da ordem econômica, na Constituição de 1988, mitigadamente, não como liberdade anárquica, porém
social” (GRAU, 2008, p. 215).
A respeito da relação entre o princípio da livre concorrência
com o da livre iniciativa, vale citar a sintética observação de Sérgio
Botrel, segundo a qual “a livre concorrência consiste, ao mesmo tempo, na confirmação da livre iniciativa e em limitação ao seu exercício.” (BOTREL, 2009, p. 63).
Dessa forma, o princípio da livre concorrência visa proteger o
livre acesso ao mercado, aumentando o direito de escolha dos consumidores. E, ainda, é instrumento indispensável para o correto exercício da livre iniciativa.
7
PRINCÍPIO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
No artigo 170, inciso V, da Constituição da República, encontra-se previsto o princípio de defesa do consumidor. A proteção deste
também está positivada no artigo 5º, inciso XXXII.
A definição legal de consumidor encontra-se prevista no artigo
2º, caput, da Lei 8.078/1990: “Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário
final”. Sobre o conceito de consumidor, José Geraldo Brito Filomeno
assevera que
O conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tãosomente o personagem que no mercado de consumo adquire bens
ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final,
pressupondo-se assim que age com vistas ao atendimento de uma
necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra
atividade negocial. (FILOMENO, 2000, p. 26).
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Destarte, o consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica, é elemento central da ordem econômica constitucional, eis que afeta todo
o exercício de atividade econômica, razão pela qual mereceu tutela
constitucional, inclusive. O Estado Democrático de Direito preocupase em protegê-lo, tratando-o como hipossuficiente perante as relações
empresariais.
Sobre o princípio de defesa da parte vulnerável nas relações de
consumo, ensina Eros Roberto Grau:
A par de consubstanciar, a defesa do consumidor, um modismo
modernizante do capitalismo – a ideologia do consumo contemporizada (a regra “acumulai, acumulai” impõe o ditame “consumi,
consumi”, agora porém sob proteção jurídica de quem consome)
– afeta todo o exercício de atividade econômica, inclusive tomada
a expressão em sentido amplo. O caráter constitucional conformador da ordem econômica, deste como dos demais princípios de
que tenho cogitado, é inquestionável. (GRAU, 2008, p. 249).
Vislumbrando um mercado propício para um desenvolvimento
econômico, além de prever a livre iniciativa e a livre concorrência, a
Constituição resguardou o consumidor, parte vulnerável numa rede de
relações comerciais. Dessa forma, para incentivar o desenvolvimento das relações comerciais, bem como viabilizar o desenvolvimento
econômico e o bem-estar da coletividade, o Estado deve efetivar proteções à pessoa – física ou jurídica – que adquirir ou utilizar produto
ou serviço como destinatário final.
Então, pode-se afirmar que tanto a livre iniciativa quanto a livre concorrência devem ser observadas tendo como elemento central
– a ser tutelado – o consumidor, peça fundamental para a circulação
de bens numa economia de mercado, que não pode ser visto apenas
como instrumento para obtenção de lucro.
8
PRINCÍPIO DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE
Outro princípio da ordem econômica é o de defesa do meio ambiente, previsto no artigo 170, inciso VI, da Carta Magna de 1988.
Nesse dispositivo há previsão acerca de tratamento diferenciado conforme a violência ambiental causada pelos produtos e serviços, bem
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como de seus processos de elaboração e prestação, o que indica a
presença de proporcionalidade da defesa ambiental.
O Estado Democrático de Direito demonstrou relevante preocupação com essa proteção, numa evidente busca de um desenvolvimento econômico sustentável. Este, que pode ser definido conforme
as seguintes palavras:
O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras
de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório
de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e
cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos
da terra e preservando as espécies e os habitats naturais. (DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, 2009)
Nesse sentido, a observação de Ricardo Luis Lorenzetti, a
respeito do conceito de desenvolvimento sustentável: “trata-se de
preservar aquelas coisas nas quais se sustenta o desenvolvimento”
(LORENZETTI, 1998, p. 576).
Conforme dispõe o artigo 225, da Constituição de 1988, o meio
ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, bem como é
bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, razão pela
qual impõe-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defender
e preservar a natureza, visando o bem-estar atual e futuro.
Dessa forma, a ordem econômica resta diretamente influenciada
pelo dever de proteção ao meio ambiente, o que limita sua atuação,
em benefício da busca pela existência digna. Neste sentido, Eros Roberto Grau explica que:
O princípio da defesa do meio ambiente conforma a ordem econômica (mundo do ser) informando substancialmente os princípios da garantia do desenvolvimento e do pleno emprego. Além
de objetivo, em si, é instrumento necessário – e indispensável – à
realização do fim dessa ordem, o de assegurar a todos existência
digna. Nutre também, ademais, os ditames da justiça social. Todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo – diz o art. 225, caput. O desenvolvimento
nacional que cumpre realizar, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, e o pleno emprego que impende assegurar suREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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põem economia auto-sustentada, suficientemente equilibrada para
permitir ao homem reencontrar-se consigo próprio, como ser humano e não apenas como um dado ou índice econômico. (GRAU,
2008, p. 252).
Ressalte-se que a defesa do meio ambiente está intimamente
ligada ao direito – fundamental – à vida e, por isso, deve preponderar
sobre quaisquer considerações de desenvolvimento econômico desenfreado. Dessa forma, a tutela do meio ambiente serve como orientação para as atividades empresariais, para o exercício do direito de
propriedade, bem como para qualquer iniciativa privada. É o que se
extrai das ponderações de José Afonso da Silva, segundo as quais:
A qualidade do meio ambiente se transforma num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do Poder Público, para
assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu
desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida. As normas constitucionais assumiram a consciência
de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos
fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de
atuação no campo da tutela do meio ambiente. Compreendeu que
ele é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer
considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito
ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também
estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência,
não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em
jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente,
que é instrumento no sentido de que, através dessa tutela, o que se
protege é um valor maior: a qualidade da vida humana. (SILVA,
2007, p. 847/848).
Como sabido, é inerente ao desenvolvimento econômico a ocorrência de atos que prejudicam o meio ambiente, como, por exemplo,
o aumento da emissão de gases poluentes, geração e utilização de
produtos não biodegradáveis, dentre outros. A preponderância que a
Constituição determina para tutelar do meio ambiente diz respeito a
uma utilização racional, evitando danos desnecessários ou abusivos.
Diante disso, a atividade empresarial deve ser exercida por meio
de condutas ecologicamente corretas, em busca de um desenvolvimenREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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to econômico ecologicamente sustentável. E, assim, de acordo com as
diretrizes do Estado Democrático de Direito que dizem respeito à tutela ambiental, assegurando a todos existência digna. Trata-se, então,
de uma compatibilização da livre iniciativa, da livre concorrência, da
valorização do trabalho humano, com o respeito ao meio ambiente.
9
PRINCÍPIO DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES
REGIONAIS E SOCIAIS
No artigo 170, inciso VII, da Constituição da República, encontra-se previsto, dentre os princípios gerais da atividade econômica,
o da redução das desigualdades regionais e sociais. Diante disso, no
Estado Democrático de Direito, há determinação para que, simultaneamente ao crescimento econômico, ocorra a redução dessas desigualdades.
Esse princípio também se encontra inserido no artigo 3º, inciso
III, da Constituição de 1988, que prevê a erradicação da pobreza e
da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais
como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. É
neste sentido a observação de José Afonso da Silva, que sustenta o
seguinte:
A redução das desigualdades regionais e sociais é, também, um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
(art. 3º, III) e, já vimos, por um lado, que os direitos sociais e os
mecanismos da seguridade social são preordenados no sentido de
buscar um sistema que propicie maior igualização das condições
sociais, e, por outro lado, consignamos, alhures, a preocupação
constitucional com a solução das desigualdades regionais, prevendo mecanismos tributários (Fundo Especial) e orçamentários para
tanto (regionalização, arts. 43 e 165, §1º). (SILVA, 2007, p. 796).
A redução das desigualdades sociais e regionais (princípio da
ordem econômica) e a busca pela erradicação da pobreza e da marginalização (objetivo fundamental da República) estão intimamente
ligados, sendo que, para Eros Roberto Grau:
A erradicação da pobreza e da marginalização, bem assim redução
das desigualdades sociais e regionais, são objetivos afins e comREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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plementares daquele atinente à promoção (= garantir) do desenvolvimento econômico (GRAU, 2008, p. 219).
Dessa forma, o processo de desenvolvimento econômico, no
Estado Democrático de Direito brasileiro, não pode ser desenfreado,
devendo contribuir para o regular funcionamento das práticas mercantis. O princípio da redução das desigualdades regionais e sociais
está conectado à evolução da ordem econômica, ao contribuir para
o estável funcionamento dos mercados, possuindo evidente função
social.
10 PRINCÍPIO DA BUSCA DO PLENO EMPREGO
O princípio diretivo da busca do pleno emprego, previsto no
artigo 170, inciso VIII, da Constituição de 1988, se opõe às políticas
recessivas. Pode ser entendido como uma busca pela “expansão das
oportunidades de emprego produtivo” (GRAU, 2008, p. 253) e, também, como uma garantia para o trabalhador.
No mesmo sentido, José Afonso da Silva explica que:
Pleno emprego é expressão abrangente da utilização, ao máximo grau, de todos os recursos produtivos. Mas aparece, no art.
170, VIII, especialmente no sentido de propiciar trabalho a todos
quantos estejam em condições de exercer uma atividade produtiva. Trata-se do pleno emprego da força de trabalho capaz. Ele se
harmoniza, assim, com a regra de que a ordem econômica se funda
na valorização do trabalho humano. Isso impede que o princípio
seja considerado apenas como mera busca quantitativa, em que a
economia absorva a força de trabalho disponível, como o consumo
absorve mercadorias. Quer-se que o trabalho seja a base do sistema econômico, receba o tratamento de principal fator de produção
e participe do produto da riqueza e da renda em proporção de sua
posição na ordem econômica. (SILVA, 2007, p. 797).
Diante disso, a principal característica da busca do pleno emprego é servir de base para a ordem econômica. E, assim, para que
ocorra um desenvolvimento econômico eficaz, deve ser lastreado
no aumento de ofertas de empregos produtivos, fundamentais para
o crescimento da economia no Estado Democrático de Direito brasileiro.
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Conforme sustenta Ana Frazão de Azevedo Lopes,
O pleno emprego é determinado também pela soma do consumo e
dos investimentos, de forma que o Estado deveria intervir para estimular essas duas funções, seja diretamente, por meio de despesas
públicas, seja indiretamente, por meio da política fiscal. (LOPES,
2006, p. 155).
Além de sua evidente ligação com o princípio da valorização
do trabalho humano, conforme sustenta Eros Roberto Grau, a busca
do pleno emprego possui liame com o princípio da função social da
propriedade:
O princípio (da busca do pleno emprego) informa o conteúdo ativo
do princípio da função social da propriedade. A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou o titular do poder de
controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever),
até para que se esteja a realizar o pleno emprego. (GRAU, 2008,
p. 254).
O homem que vive sem possibilidades de emprego, em estado
de escassez econômica, está impossibilitado para desenvolver suas capacidades básicas, situação que ofende a dignidade da pessoa humana,
inclusive. Destarte, percebe-se que a dignidade do trabalhador deve
prevalecer frente ao aspecto patrimonial da relação de emprego.
11 PRINCÍPIO DO TRATAMENTO DIFERENCIADO PARA
AS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO
PORTE
O último dos princípios constantes do rol do artigo 170 da Constituição da República é o do tratamento favorecido para o microempresário e para o empresário de pequeno porte (inciso IX). Também
foi reproduzido no artigo 179, verbis:
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte,
assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando
a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação
ou redução destas por meio de lei.
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Importante mencionar a diferença entre esses dois pequenos
empresários, prevista na Lei Complementar n. 123/2006 (alterada
pela Lei Complementar n. 128/2008). Por esse diploma legal, microempresário é o que aufere receita bruta anual até R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais), e empresário de pequeno porte é o que
embolsa valor superior a esse, até o limite de R$ 2.400.000,00 (dois
milhões e quatrocentos mil reais).
Esse princípio, além de fundamentar a reivindicação de realização de políticas públicas, estabelece, conforme observa Eros Roberto Grau, proteção para empresas de pequeno porte, constituídas
sob as leis do Brasil e que tenham sua sede e administração no país,
“constituindo, em termos relativos, porém, cláusula transformadora”
(GRAU, 2008, p. 255).
O tratamento diferenciado previsto para as microempresas
e empresas de pequeno porte visa estimular o desenvolvimento
econômico dessas pessoas jurídicas, como esclarece Fábio Ulhoa
Coelho:
O microempresário e o empresário de pequeno porte, por sua vez,
têm constitucionalmente assegurado o direito a tratamento jurídico diferenciado, com o objetivo de estimular-lhes o crescimento
com a simplificação, redução ou eliminação de obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias (CF, art.179).
(COELHO, 2009, p.76).
No mesmo sentido, Maria Helena Diniz sugere que:
A vida empresarial, influenciada pelo Código Civil italiano,
inovou ao regulamentar a microempresa (ME) e a empresa de
pequeno porte (EPP) num movimento iniciado pelo Decreto-lei
n. 1.750/80, seguido da Lei n. 7.256/84, regulamentada pelo
Decreto n. 90.880/85, que disciplina a microempresa (ME), e
pela Carta Magna de 1988, que veio a tutelar não só a microempresa como também a empresa de pequeno porte (EPP), com
o escopo de facilitar-lhes a constituição e o funcionamento,
fortalecendo sua participação no processo de desenvolvimento econômico-social, inclusive como fonte de geração de empregos para pequenos empresários, membros de sua família e
terceiros, e, com isso, haverá estímulo para o seu crescimento.
(DINIZ, 2009, p. 39).
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Esse princípio visa facilitar as atividades das microempresas e
empresas de pequeno porte e, dessa forma, promove a efetivação da
livre iniciativa, bem como da livre concorrência. Diante disso, ocorre
ampla abertura para o livre exercício de atividade econômica, tornando mais simples a disputa saudável pelo mercado consumidor.
12 PRINCÍPIO DA PROPRIEDADE PRIVADA E DA
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
No artigo 170, incisos II e III, da Constituição da República, há
previsão da propriedade privada e sua função social, como princípios
da ordem econômica. O princípio da propriedade privada e o da função social serão tratados juntos, em face de sua inviolável ligação, na
busca constitucional de assegurar a todos existência digna.
Importante mencionar o artigo 5º, incisos XXII e XXIII, da
Constituição, sendo que a combinação destes dispositivos prevê que
é garantido o direito de propriedade, desde que esta atenda sua função social. Dessa forma, a propriedade não pode mais ser vista como
um direito individual intocável, nem como instituição unicamente de
Direito Privado.
A respeito da propriedade, Eros Roberto Grau comenta:
A propriedade sempre foi justificada como modo de proteger o
indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, ou seja,
como forma de prover à sua subsistência. Acontece que na civilização contemporânea, a propriedade privada deixa de ser o único, senão o melhor meio de garantia da subsistência individual
ou familiar. Em seu lugar aparecem, sempre mais, a garantia de
emprego e salário justo e as prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a prevalência contra os riscos sociais, a
educação e a formação profissional, a habitação, o transporte, e o
lazer. (GRAU, 2008, p. 235/236).
César Fiuza, ao definir propriedade, observa que:
Assim, dizer que propriedade é o direito de exercer com exclusividade o uso, a fruição, a disposição e a reivindicação de um bem,
é dizer muito pouco. É esquecer os deveres do dono e os direitos
da coletividade. Ao esquecer os direitos da coletividade, ou seja,
do outro, do próximo, estamos excluindo-o. É esquecer, ademais,
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o caráter dinâmico da propriedade, que consiste em relações que
se movimentam, que se transformam no tempo e no espaço. Sem
essa visão da propriedade como fenômeno dinâmico, é impossível
se falar em função social e, muito menos, em função econômica.
(FIUZA, 2007, p. 758).
Sobre a aplicabilidade do princípio da função social da propriedade, José Afonso da Silva esclarece:
A norma que contém o princípio da função social da propriedade
incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são
todos os princípios constitucionais. A própria jurisprudência já o
reconhece. Realmente, afirma-se a tese de que aquela norma tem
plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito da
propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime
jurídico desta, transformando-a numa instituição de Direito Público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência
tenham percebido o seu alcance, nem lhe dado aplicação adequada, como se nada tivesse mudado. (SILVA, 2007, p. 281).
Então, pode-se afirmar que a função social determina uma limitação interna, no sentido de que legítimo será o interesse individual
quando realizar o direito social, e, não apenas quando não o exercer
em prejuízo da coletividade. O princípio da função social, dessa forma, impõe ao proprietário (ou a quem for exercer o direito de usar,
gozar e dispor da propriedade) a prática de comportamentos em benefício da sociedade.
No mesmo sentido, esclarece Eros Roberto Grau:
O que mais releva enfatizar, entretanto, é o fato de que o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário
– ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de
exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem. Isso significa que a função social da
propriedade atua como fonte da imposição de comportamentos
positivos – prestação de fazer, portanto, e não, meramente, de
não fazer – ao detentor do poder de que deflui da propriedade.
(GRAU, 2008, p. 246).
Assim, salta aos olhos a ideia de que o direito fundamental da
propriedade tem que servir como instrumento para a efetivação de um
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desejo coletivo. Para o Estado Democrático de Direito brasileiro, interessa que o proprietário atue contribuindo para a dignidade de todos.
Conforme entende Pietro Perlingieri:
Também para o proprietário, a função social assume uma valência de princípio geral. A autonomia não é livre arbítrio: os atos e
atividades não somente não podem perseguir fins anti-sociais ou
não-sociais, mas, para terem reconhecimento jurídico, devem ser
avaliáveis como conformes à razão pela qual o direito de propriedade foi garantido e reconhecido. Assim, a atividade de gozo e de
disposição do proprietário não pode ser exercida em contraste com
a utilidade social ou de modo a provocar dano à segurança, à liberdade, à dignidade humana. (PERLINGIERI, 2007, p. 228).
Diante disso, o Estado, ao mesmo tempo em que garante ao proprietário a utilização da propriedade privada, exige que seja cumprida
a sua função social. Então, a legitimidade do uso da propriedade está
condicionada ao cumprimento de sua função social. Mais ainda, como
princípio da ordem econômica, tem como objetivo assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Sobre o sentido harmônico entre o direito da propriedade e o
princípio da função social, esclarece Paulo Luiz Netto Lôbo:
A função social é incompatível com a noção de direito absoluto,
oponível a todos, em que se admite apenas a limitação externa, negativa. A função social importa limitação interna, positiva, condicionando o exercício e o próprio direito. Lícito é o interesse individual
quando realiza, igualmente, o interesse social. O exercício do direito
individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade, não
somente para si, mas para todos. Daí ser incompatível com a inércia,
com a inutilidade, com a especulação. (LÔBO, 2003, p. 212)
Dissertando sobre o tema, Ana Frazão de Azevedo Lopes professa que “a função social estaria atendida quando o titular da propriedade cumprisse o seu dever de empregar produtivamente a sua riqueza de forma a manter e aumentar a interdependência social” (LOPES,
2006, p. 112). Ainda segundo essa autora, a função social ressalta “o
papel da propriedade como instrumento de assegurar a liberdade não
apenas do titular, mas de todos os membros da sociedade” (LOPES,
2006, p. 113).
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Ademais, a função social da propriedade, como princípio geral
da atividade econômica, determina que o proprietário (ou o titular do
poder de controle sobre a propriedade) tenha, ao mesmo tempo, um
direito e uma função (poder-dever), para buscar o bem da coletividade, como, por exemplo, o pleno emprego. Isto é o que se extrai das
ponderações de Eros Roberto Grau, verbis:
A propriedade dotada de função social obriga o proprietário ou
o titular do poder de controle sobre ela ao exercício desse direito-função (poder-dever), até para que se esteja a realizar o pleno
emprego. (GRAU, 2008, p. 254).
Nesse sentido, conclui Pietro Perlingieri que “a ausência de atua­
ção da função social, portanto, faz com que falte a razão da garantia e
do reconhecimento do direito de propriedade” (PERLINGIERI, 2007,
p. 229).
Sobre a relação entre a função social da propriedade e a função
social da empresa, Ana Frazão de Azevedo Lopes assevera:
O princípio da função social da propriedade, cuja decorrência necessária é a função social da empresa, pode ser considerado como
uma forma que a Constituição encontrou de condicionar o exercício da atividade empresarial à justiça social sem ter que recorrer a
nenhum compromisso previamente determinado. (LOPES, 2006,
p. 279).
Logo, a atividade empresarial, para ser legítima, também deve
cumprir relevante função social, tendo como pano de fundo a dignidade da pessoa humana.
13 CONCLUSÃO
O crescimento econômico deve sempre estar atrelado ao desenvolvimento social, para não deixar de lado o princípio da dignidade
humana. O ser humano não pode ser desvalorizado a ponto de se tornar insignificante perante os objetivos empresariais. Então, pretendeu
demonstrar que a atividade empresarial deve buscar o lucro e, de maneira harmônica, o bem comum, a fim de assegurar a todos existência
digna. Destarte, o exercício da função social, legitimador da atividade
econômica, vai muito além do mero exercício da empresa.
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O artigo analisou os princípios constitucionais inerentes à atividade empresarial na ordem econômica e social estabelecida pelo Estado
Democrático de Direito. Sendo certo que todos os princípios são fundamentais para a correta interpretação da função social da empresa.
Nessa concepção, o lucro não é mais o único objetivo da empresa, pois ela deve ter como meta também objetivos sociais atrelados à
exploração da atividade econômica.
THE PRINCIPLES OF ECONOMIC ACTIVITIES IN THE
BRAZILIAN CONSTITUTION OF 1988
Abstract
The paper analyzes the constitutional principles involved in business activities in economic and social order established by the Democratic State. Being sure that all principles are essential for correct
interpretation of the law.
Key words: Economic activities. Constitution. Economics
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HENRIQUE VIANA PEREIRA / RODRIGO ALMEIDA MAGALHÃES
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ANOTAÇOES SOBRE PARTE NO PROCESSO CIVIL
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ANOTAÇOES SOBRE PARTE NO PROCESSO CIVIL
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
JASON SOARES DE ALBERGARIA NETO*
Belo Horizonte/MG
[email protected]
Sumário
1. Considerações introdutórias. 2. Primeira posição.
3. A doutrina atual. 4. Conceito material de parte. 5.
Conceito processual de parte. 6. Outros conceitos e
denominações de parte. 6.1. Justa parte. 6.2. Parte
legítima. 6.3. Parte vencedora. 6.4. Partes litigantes.
6.5. Partes da lide. 6.6. Parte principal, parte acessória e parte secundária. 7. Nomenclatura de partes. 8.
Distinção de parte e terceiro. 9. Os critérios da conceituação de parte. 9.1. Parte pelo critério do pedido. 9.2. Parte pelo critério da cronologia e ingresso.
9.3. Parte pelo critério da participação no processo.
9.4. Parte pelo critério da sujeição à coisa julgada.
9.5. Parte pelo critério do provimento. 9.6. Outros
critérios. 10. Conclusão. Referências.
Resumo
O presente trabalho analisa os conceitos de parte no direito pro-*
cessual brasileiro, ou seja, de quem deve e pode participar e atuar no
*Professor de Direito Processual Civil na Faculdade Milton Campos e no Curso de Mestrado da Faculdade Milton Campos, Doutor em Direito pela UFMG, Advogado.
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processo. A parte no processo civil sempre teve um papel de fundamental importância e o seu estudo é de fundamental importância, pois
a doutrina nacional tendo a repetir o conceito de parte, sem justificar ou
aprofundar no estudo do mesmo. A evolução temporal do conceito de
parte faz com que o conceito predominante na doutrina brasileira, de
que parte é quem pede contra quem se pede, já restou ultrapassado pela
realidade nacional. Assim, se examina os critérios para conceituação de
parte, iniciando-se pelo critério do pedido, depois pelo critério daqueles
que participam do contraditório, como também do pelo critério da coisa
julgada e pelo critério do que sofrem os efeitos do julgamento, onde ser
percebe um desenvolvimento técnico e científico do conceito de partes.
Tal noção demonstra que o conceito de partes é autônomo em relação
às outras disciplinas, predominando a ideia de parte no sentido processual. Observa-se que os diversos critérios de conceituação de parte
vêm-se ampliando a noção de parte, eis se origina somente com o autor
e réu, e posteriormente, acrescenta-se o terceiro, que dá ênfase a quem
participa do contraditório perante o juiz, e por fim, inclui como parte
todo aquele que sofre os efeitos do provimento.
Palavras-chaves: Parte. Conceito de parte. Partes. Interveção de terceiro. Terceiro. Pedido. Contraditório. Efeitos do provimento.
1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O presente estudo visa trazer algumas anotações sobre o conceito de parte no processo, abordando a doutrina processual nacional.
Vislumbra-se que o instituto processual de parte no processo
civil, tem demonstrado uma evolução sobre o conceito sobre “parte”,
que neste sentido encontra-se visando um melhor exercício da jurisdição. É notório que a valia do processo jurisdicional é medida pela sua
capacidade de produzir os resultados prescritos no plano substancial
do ordenamento jurídico.
A abordagem se faz entre diversos autores nacionais em que
serão trazidas as posições existentes, e a nossa tarefa será construtiva,
a fim de expor e comparar as posições existentes.
Cabe ressaltar que a nossa doutrina, embora não uniforme, possui lições que inspiraram inclusive a doutrina estrangeira, que também constrói sistematicamente instituto semelhante.
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Inúmeros são os conceitos de parte na doutrina brasileira. Essa
variedade de concepções multiplica as nominações de parte, fazendo
surgir uma imprecisão conceitual do que é parte ou de quem é parte.
Nosso passado noticia intermináveis discussões originadas da
imprecisão e do desleixo da linguagem especializada. Nosso Código
caduco contribuiu muito para a proliferação dessa anomalia, conforme anota a Exposição de Motivos do vigente diploma legal.
Assim, ao vislumbrar o estudo de partes, deparamos com diversas expressões que nossos autores criam ou, outras vezes, repetem de
obras estrangeiras ou de outros autores nacionais, fazendo com que
o seu sentido, muitas vezes distancie-se do primitivo. É comum, por
exemplo, a denominação de “parte processual”, “parte material”, “justa parte”, “parte legítima”, “parte vencedora” ou “parte verdadeira”,
“parte litigante”, “parte lide”, ou “parte principal”, “parte acessória”,
“parte secundária acessória”, e outras afins, como parte na demanda,
parte no processo, parte na ação.
Essa diversidade de expressões faz com que parte seja “uma
locução vária e oscilante no uso”. Os autores divergem quanto ao
seu conteúdo, muitos inclusive dão à mesma expressão significados
diversos.
Entretanto, para evitar críticas injustas, definir o que seja parte
não constitui apenas uma necessidade de ordem doutrinária, revestese da maior importância teórica e prática fixar o conceito de partes,
pois dele decorrem consequências relevantes.
Acrescenta-se que é fundamental fixar tal conceito para o direito
processual civil, uma vez que no campo prático solucionará inúmeros
problemas de natureza processual, estabelecendo as consequências e
os limites à atividade processual.
Entretanto, a definição de parte é dogmática, não mais discutida, e dela não se podem tirar todas as conseqüências lógicas que daí
derivam.
Outros sustentam que não é fácil a determinação de um conceito
de parte com a desejável precisão e clareza, pois trata-se de conceito
ambíguo, sob o ponto de vista semântico, uma vez que pode significar, ao mesmo tempo, a porção, o quinhão integrante de um todo
maior, e bem assim aquele que participa e toma parte.
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Diante de toda esta amplitude do fenômeno parte, torna-se necessário apontar algumas premissas para enfrentar o tema. Inicialmente, abordaremos a nossa primeira doutrina pátria, decorrendo tal
conceito diante do Código de Processo Civil de 1939, que se deparava
com a recente teoria da autonomia da ação, dando a esta uma conotação publicista e confrontando-a com a noção privatista oriunda do
direito romano.
Em seguida, será confrontada a nossa atual doutrina com a legislação vigente, quanto à determinação dos conceitos de parte. Nesta seqüência, igualmente, vislumbrar-se-á como a doutrina se depara
com as principais denominações de parte e também, com a distinção
de parte e de terceiros.
É essencial, do ponto de vista da abordagem a ser realizada,
estabelecer que as normas jurídicas prescrevem uma conexão de condutas que regulam a ordem jurídica, e não mais um vínculo de direitos
e obrigações entre duas pessoas.
Neste objetivo, tem-se como ultrapassado que
... as normas jurídicas nada mais fazem que estabelecer vínculos
entre duas ou mais pessoas através de obrigações e deveres de uma
para outra, e, correlatamente direitos desta; ou, direitos e deveres
de uma parte em relação à outra, e, reciprocamente.
Não há, verdadeiramente, no processo relação entre sujeitos,
mas apenas relações entre normas e entre as condutas que são por elas
reguladas, formando seu conteúdo.
O direito que decorre da norma passou a ser visto como uma
“posição de vantagem de um sujeito em ‘relação a um bem’. Posição que não se funda em relação de vontades dominantes e vontades
subjugadas, mas na existência de uma situação jurídica, em que se
pode considerar a posição subjetiva, a posição do sujeito em relação à
norma que a disciplina.”
Logo, as partes, ao depararem, seja com as normas materiais ou
com as normas instrumentais, terão suas condutas previstas, garantindo uma posição de vantagem em relação a outrem. Desta forma,
provocado pela parte, o Estado presta tutela de direitos materiais, instrumentalizando-a com a tutela jurisdicional.
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A PRIMEIRA POSIÇÃO (DOUTRINA DO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL DE 1939)
Nossa primeira doutrina aqui considerada, a qual esteve sob
pálio de uma legislação nacional, ao deparar com o Código de Processo Civil de 1939, firmou conceito de parte, incorporando algumas
noções do direito estrangeiro, que eram recentíssimas e estavam em
voga naquela época.
O direito processual acabava de ganhar autonomia científica
dos demais ramos, rompendo com a concepção civilística romana de
parte. Demonstrada tal inovação por Adolf Wach, este fixou o conceito de ação, dando ao processo a devida autonomia em relação ao
direito material.
Neste trilho, Joaquim Ignácio Ramalho referindo-se a autor, diz
que é
aquelle que comparece em juizo pedindo que se declare um direito
contestado. Nos juizos reciprocos, assim como no da manutenção,
familia e erciscundae, de contas e outras, ambos os litigantes são
mutuamente autores e réus; e por isso aquelle que primeiro veiu a
juizo, não obstante conservar o nome de autor, póde ser condemnado independente de reconvenção.
Acrescenta, que
... podem ser autores todos aquelles que são capazes de direitos;
mas por impedimento natural ou legal nem todos os que teem direitos podem estar em juizo; dahi resulta a necessidade de serem
os impedidos representados por outrem ou de obterem prévia autorisação daquelles a quem estão sujeito.
Por outro lado, fixa que
réu é a pessoa contra quem propõe-se a acção em juizo. Podem ser
demandados na propria pessoa todos aqueles que teem livre administração de seus bens; e na de seus curadores e outras pessoas que
os representam, aquelles que por impedimento da natureza ou da
lei não podem estar em juizo por si.
João Bonumá tratava as partes como os figurantes na relação
processual, que traziam à consideração do juiz uma controvérsia ou
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um conflito de interesses jurídicos de que são titulares. Acrescenta
que o conceito de parte foi considerado como pertencendo tanto ao
direito substantivo como ao formal. Explica que esta confusão
remonta ao direito romano, pois a concepção civilística de parte,
herdada no direito romano, dominou o processo até o momento
que Adolf Wach, em análise profunda do conceito de ação justificou sua autonomia, fazendo com que o conceito de parte passasse
a ser meramente formal, e não mais derivado da procura no direito
substancial.
Ressalta o autor que a ideia de parte deriva da relação processual, fixando na demanda, no pedido, na resistência ou na oposição
a noção de parte, como também a determinação de quem deve ser
declarado parte ou terceiro. Tem importância para o fim de saber, em
cada hipótese particular, quem deve suportar os ônus ou os encargos
processuais.
Pontes de Miranda em abordagem mais profunda, fixava que
partes
são os pólos ativo e passivo da relação processual em ângulo, ou
da relação processual em linhas convergindo para o Estado, mas
ressaltando, igualmente, que tem-se que evitar qualquer confusão
entre o conceito de parte, figurante da relação jurídica processual,
e o de sujeito ativo e passivo, que são figurantes da relação jurídica
de direito material. A parte é o sujeito na relação jurídica autor e
Estado (juiz) e o sujeito na relação jurídica entre Estado (juiz) e
réu. Um demanda e outro é demandado. De qualquer modo quem
demanda ou quem é demandado já tinha frente ao Estado a pretensão à tutela jurídica, que o Estado, ao monopolizar a justiça, fez
nascer de pomessa sua, feita a qualquer ser humano.
Assim, parte são as pessoas para as quais e contra as quais é pedida a tutela jurídica. A parte é que pede, ou é contra ela que se pede.
Em regra, são as partes os sujeitos do direito e do dever, da pretensão,
da obrigação ou da exceção, que se discute. Acrescenta-se que inclusive o terceiro, que não é o sujeito ativo ou passivo da res deducta,
possa ser parte, isto é, ter a ação.
Conclui Pontes de Miranda que parte é conceito de direito formal. O titular do direito na relação jurídica controvertida pode ou não
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ser o sujeito da relação processual. Estreita-se o conceito de parte,
para quem ingressa como sujeito ativo ou passivo na relação processual. Parte é somente quem figura no processo, ocorrendo, inclusive,
a existência de parte que não é o sujeito da relação jurídica material
(objeto do litígio), mas partes no processo, como previsão legal da
substituição processual.
Outra análise realizada foi a de Jônatas Milhomens ao conceitar
parte utilizando o mesmo conceito e a conclusão de Pontes de Miranda. Acrescenta, entretanto, que naquela época, “modernamente”,
os autores, para identificar as partes, davam apreço à divisão binária:
capacidade de direito e capacidade de fato, fazendo a crítica: as
Obras de processo que circulam entre nós não têm tratado com a
devida clareza a distinção precisa entre a capacidade de que trata o
Código Civil (direito privado, substantivo, material) e a de que trata o Código de Processo Civil (direito público, adjetivo, formal).
O mesmo mestre, em sua obra, resume que a nossa lei processual da época, no plano processual, está livre de censura, tanto para
a capacidade de direito como para a capacidade de fato. Em juízo, a
representação dos absolutamente incapazes e a assistência aos relativamente incapazes caberão aos pais, tutores, ou curadores (art. 80 do
Código de Processo Civil de 1939).
Gabriel Rezende Filho, ao se referir às partes, sugere a necessidade prática da fixação do conceito, pois inúmeros são os reflexos
para identificar as ações, os efeitos da coisa julgada, para determinar a
existência de litisconsórcio, como também contra quem pode promover a execução da sentença, quem poderia reconvir e quais terceiros
poderiam intervir.
Explica o jurista que os autores, geralmente, preocupam-se apenas com o conceito material de parte litigante: autor é aquele que pede
em juízo a tutela jurídica, isto é, o reconhecimento de um direito seu
ameaçado ou violado pelo réu, e o réu é aquele contra quem se pede a
tutela jurídica. Todavia, esta noção de parte já está ultrapassada, uma
vez que este conceito civilista não explica a hipótese de substituição
processual das ações declaratórias negativas, das exceções de incompetência e de suspeição no concurso creditório, uma vez que em tais
temas existem partes, mas somente no âmbito puramente processual.
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Continua, à vista disso, completando que os autores modernos,
referindo-se a doutrina estrangeira, “procuram conceituar parte litigante somente de seu aspecto formal ou processual”, restringindo parte somente ao conceito de caráter formal, sendo que o autor define sua
posição na relação processual como quem faz o primeiro pedido em
juízo. E o réu em face de quem é movida a ação.
Encontram-se os autores, em sua maioria, sob um consenso sobre a noção de parte, mesmo diante de um Código de Processo (1939)
que possuía diversas inexatidões. Tal fato é explicado justamente
diante daquele momento em que a ciência processual experimentava
vigorosas inovações e crescentes progressos.
Desta forma, com a incorporação dessas inovações alienígenas,
a doutrina preocupou-se com um conceito mais abrangente, como figurante indispensável da relação jurídica processual.
Na fixação do conceito de parte, a principal semelhança se deu
pela ênfase ao seu caráter formal, vinculando as partes ao processo. A
noção de que autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão e de
que o réu é aquele em face de quem aquela pretensão é deduzida foi
que predominou nos autores da época.
Justifica-se tal posição doutrinária pelas obras de autores alemães que inovaram, em razão da autonomia que a ação passou a ter,
rompendo com o conceito privado de processo e ação, e dando a este
uma conotação pública.
Outro aspecto que vale também ser ressaltado, segundo o qual
a doutrina da época aponta grande ceticismo, era com o delineamento entre parte e terceiro. A doutrina demonstrou que as modalidades
trazidas pelo legislador do Código de Processo de 1939 são confusas
entre si, não trazendo a homogeneidade devida para medir conscientemente as conseqüências imediatas do terceiro no processo.
Assim, a doutrina, ao estabelecer partes, referia-se a terceiro como parte no processo. Também, inúmeras vezes, referia-se ao
terceiro como “não parte”. Postava-se diante desta divergência, tendo como origem a própria localização de cada instituto ligado às
partes (litisconsórcio, chamamento à autoria, nomeação à autoria,
oposição e assistência) e outros instituto afins, como a substituição
processual.
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Grande celeuma decorreu da colocação da assistência no capítulo de litisconsórcio. Confusão que também existiu foi a sistematização da intervenção de terceiros. Por ausência de exata definição legal,
a doutrina identificou o terceiro como uma pessoa estranha à relação
processual já constituída e que pode, em decorrência do vínculo de
direito material que o prende aos litigantes, ingressar em juízo, com o
intuito de defender seu interesse próprio.
Todavia, este “terceiro” somente poderia intervir diante da permissão do texto legal, que relaciona as hipóteses autorizativas da intervenção no processo judicial em andamento. Tal sistema, com certeza, não conseguiu enumerar taxativamente todas as situações de fato
possíveis, fazendo com que a doutrina não se posicionasse controversamente diante de situações fáticas díspares.
Ressalta-se que outros autores que comentaram a legislação anterior atualizaram seus conceitos para a atual legislação serão adiante
examinados.
3
A DOUTRINA ATUAL (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
DE 1973)
A doutrina é unânime em afirmar que o nosso ordenamento jurídico processual em vigor constituiu um inegável avanço em relação
à legislação anterior, o que, de outro modo, serviu para um aprimoramento da própria doutrina diante dos “principais sujeitos parciais do
processo”.
Neste sentido, sabe-se que o conceito de partes é fundamental
para o direito processual civil, uma vez que é através dele que se estabelecem as conseqüências e os limites à atividade processual. Fixamse essas conseqüências e esses limites à coisa julgada, configurando
os casos de litispendência, atribuindo aos respectivos sujeitos os ônus
e custos processuais, definindo, enfim, aqueles que, não sendo partes,
podem ingressar na relação processual na condição de terceiros.
Sabendo dessas conseqüências fundamentais ao processo, alguns autores apresentam várias nomenclaturas e conceitos de parte.
Outros estabelecem critérios para conceituar partes como as hipóteses
de ingresso no processo, a cronologia de ingresso, sua participação no
processo, que sofreria os efeitos da coisa julgada, etc.
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Muitos, entretanto, mesmo sendo o tema de grande relevância,
simplesmente lançam o conceito de parte – sem explicar, fundamentar
ou justificar o critério escolhido – de forma superficial e a científica.
Evidencia-se, neste sentido, que se encontram em obras atuais,
sobre o conceito de parte, noções imprecisas oriundas da antigüidade e que já foram reformadas, como: “Sendo o processo o meio que
propicia a composição do litígio, nele devem figurar, como seus sujeitos, na qualidade de partes, os sujeitos da relação jurídica litigiosa
deduzida em juízo. Essa a regra a fazer coincidir os sujeitos da lide e
os sujeitos do processo”.
Outra tentativa de conceituar perifericamente parte consiste em
simplesmente afirmar que partes são “as pessoas que ajuízam a ação e
em face das quais é requerida a solução do conflito de interesses pelo
Estado”. Ou “são as pessoas que pedem (autores) e contra as quais se
pede (réus), em nome próprio, a tutela jurisdicional.
Simetricamente, com a mesma superficialidade, fixa-se que
partes são aquelas pessoas que se arrogam a titularidade dos direitos ou interesses em conflito. Elas devem estar nos pólos ativo
e passivo da relação jurídica de direito material. Ou, pelo menos,
devem invocar esse direito. As partes (personae) são os elementos
subjetivos da lide.
Semelhante situação acontece ao repetir-se unicamente o notório em relação às partes que “é indispensável a existência de autor e
réu – sujeitos parciais do processo –, sem os quais não se completa
a relação jurídica; autor é aquele que deduz em juízo uma pretensão
(Qui res in iudicium deducit); e réu, aquele em face de quem aquela
pretensão é deduzida (is contra quem res in iudicium deducitur)”.
Talvez partilhem da opinião de Lopes da Costa, em uma de suas
obras, revisada e atualizada, que encerra a discussão sobre partes afirmando que “hoje, é uma definição dogmática, não mais discutida, a
que deu Chiovenda: Parte é a pessoa cujo nome se pede uma atuação
da lei e aquela contra ou em face da qual esse pedido se faz. A primeira é o autor; a segunda é o réu”.
Todavia, não é o que parece, pois outros autores, em estudos
mais profundos, voltam a uma antiga discussão, não se contentando
somente com os conceitos diminutos e incompletos ora lançados.
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Muitos são os pontos de controvérsia, como a verificação de que
parte é um conceito que se origina no direito material ou se estabelece
pelo direito processual; ou de que o conceito pertence tanto do direito
material como ao direito processual; ou de que existe um “conceito
uno”, não havendo parte material e parte formal.
Hoje, são vários os autores que conceituam “parte” tanto como
“parte da lide” (direito material) como “parte no processo” (direito
formal), passando este vocábulo parte a ser usado para designar realidades diferentes, embora relacionadas entre si.
Ronaldo Cunha Campos introduz o conceito de parte como um
gênero que comporta diversas espécies. Assim,
são os sujeitos da lide, titulares dos interesses conflitantes, parte em sentido material (uma espécie do gênero parte). Dissemos
parte em sentido material, porque os titulares do direito de ação
são partes em sentido formal ou processual, e não necessariamente partes em sentido material, os sujeitos da lide. Apesar de, em
regra, os sujeitos da lide, titulares do interesse, serem também os
sujeitos da ação, esta coincidência não é necessária.
A parte passa a ter “denominações” de que, além de sujeito da
lide ou do negócio jurídico material deduzido em juízo, é também
sujeito do processo, “no sentido de que é uma das pessoas que fazem
o processo”, seja no sentido ativo, seja no passivo. Pode-se, portanto,
distinguir dois conceitos de parte: como sujeito da lide, tem-se a parte
em sentido material; como sujeito do processo, tem-se parte em sentido processual.
Ressalta-se que tal distinção é útil, como lembrado por Ernane
Fidélis dos Santos, porque pode estabelecer conseqüências diversas,
em razão das posições dos sujeitos da lide e do processo. Partes, no
sentido processual, serão sempre autor e réu; partes, no sentido material, os sujeitos da lide, isto é, aqueles cujos interesses se conflitam,
com pretensão de um e resistência de outro.
Todavia, mesmo restando inequívoco que as duas concepções do termo parte não se confundem, tal distinção é improfícua,
segundo Vicente Greco Filho, uma vez que inapta a resolver os
problemas mais sérios do processo, como o fenômeno da substituição processual.
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Observa-se que todas estas variações do conceito de parte se
prendem ao critério do pedido, que teve como inspiração a doutrina estrangeira – mais especificamente, Chiovenda e autores alemães
mais recentes –, segundo a qual partes são as pessoas que pedem ou
em relação às quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional.
Neste sentido, “partes são as pessoas que pedem e contra as quais
se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional. Aquele que pede tem o
nome de autor; e de réu, aquele contra quem essa tutela é pedida”.
Outros, tendentes a justificar o conceito puramente processual,
partem da premissa de que partes são todos quanto participem do processo; são todas as pessoas que nele intervêm por terem interesses a
defender ou por terem direitos a proteger.
Recente doutrina diz que o processo é uma atividade de sujeitos
em cooperação, e a cooperação que cada uma das partes vem aportar
com o objetivo de induzir o juiz a lhe dar solução favorável. Assim, as
partes são aqueles que participam do contraditório instituído perante
o juiz. Deve-se registrar que a ideia fundamental de “participação”,
que a recente doutrina se intitula a autora (participação no processo),
já fora concebida anteriormente por De Plácido e Silva.
Entretanto, outros autores, em relação ao conceito de parte, que
era unicamente constituído pelos que pediam a tutela jurisdicional e
participavam do contraditório perante o juiz, posteriormente, sustentam que partes serão sempre os destinatários dos efeitos do provimento. Tem-se, assim, como critério para o conceito de partes, o provimento, e não somente o pedido.
É necessário compreender que parte será aquele que suportar ou
se beneficiar com os efeitos do provimento em mundo jurídico. Neste
sentido, ser parte é considerar os elementos logicamente encadeados,
o pedido requerido e os sujeitos que participarão do contraditório e
serão alcançados pela medida jurisdicional pleiteada, seus efeitos.
Outros autores, citando doutrina alienígena, fixam que o exame
das partes deverá ser realizado sob três perspectivas: a) como sujeito
dos atos processuais; b) como sujeito dos efeitos processuais; e c)
como sujeito da relação processual deduzida em juízo.
Assim, evolui-se o conceito de partes. Por questão de ordem,
serão tratadas a seguir as concepções mais utilizadas pela doutrina naREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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cional – parte processual e parte material – e, posteriormente o estudo
detido das concepções mais recentes.
Igualmente, também serão examinados os critérios para sistematizar e conceituar partes.
4
CONCEITO MATERIAL DE PARTE
Originariamente, o conceito de parte apareceu no direito civil,
enquanto se supôs que a ação era o próprio direito substantivo ferido,
violado, insatisfeito, ou, mesmo, outro direito subjetivo, mas nascido
da lesão do primeiro.
Durante muito tempo o conceito de parte resultou do conceito romano de ação, noção que os processualistas denominavam de
corrente civilista, pois as partes eram os sujeitos da relação jurídica
material deduzida em juízo.
Tal noção é denominada pela doutrina por diversas expressões,
como parte da lide, parte legítima, parte vencedora e parte material,
entre outras.
Moacyr Amaral dos Santos adotou o conceito tradicional de
parte, pois na relação processual estão presentes os sujeitos ativos e
passivos da relação de direito substancial que nela se controverte, o
que fazia coincidir na ação o próprio direito material a reagir contra
a sua ameaça ou violação. Por autor se entendia aquele que pedia o
reconhecimento do seu direito, isto é, o credor (em sentido geral);
como réu, aquele contra quem se pedia esse reconhecimento, isto é,
o obrigado.
Neste mesmo sentido concordam os autores precursores do processo civil, como Paula Batista e João Monteiro.
É notório que a doutrina consagrou o conceito de parte como
sujeitos parciais no processo, dada a autonomia do processo em face
da relação de direito material controvertida, adotando-se um conceito
tipicamente processual. Outros advertem que o conceito de parte não
poderá ser puramente formal.
Atualmente, inclusive, existem autores que sustentam entendimento de que parte é um conceito de direito material, como Djanira
Maria Radamés de Sá Ribeiro, conceituando parte como “os sujeitos
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da relação jurídica litigiosa deduzida em juízo. Essa a regra para fazer
coincidir os sujeitos da lide e os sujeitos do processo”.
Igualmente, entende José Roberto dos Santos Bedaque ao defender que para ter legitimidade o sujeito ativo ou passivo precisa
integrar a relação substancial afirmada na inicial, a qual depende diretamente da situação legitimante – situação do direito material.
Rogério Lauria Tucci opina que parte é uma noção comum ao
direito material e ao direito processual, enquandrando-se, portanto, na
teoria geral do direito.
Outrossim, Vicente Greco Filho em sua obra especializada, referindo-se ao presente tema, noticia também que para esta corrente
parte é aquele que, estando legitimado para dizer e contradizer, postula em nome próprio a realização de uma relação jurídica em que
afirma ser titular do bem daquela relação.
Acrescenta, em outro sentido, que a ação é uma postulação da
concretização do ordenamento jurídico, uma vez que o ordenamento
jurídico, sendo um complexo de normas que regulam a vida em sociedade, esta juricidade somente pode ser realizada via ação. Desta
forma, a parte e a ação estariam aderidas, pois o interesse da parte é o
reconhecimento que se postula. Assim, a parte nada mais seria do que
a subjetivação do interesse, o qual estabelece a relação entre a parte e
o ordenamento. Daí, a parte do processo estaria indissociável da relação de direito material, pois seu resultado concretizaria o interesse da
parte presente no ordenamento jurídico.
Seria a adoção da teoria unitária do ordenamento jurídico, segundo a qual o direito material e o processo constituem o iter criativo
para solução dos conflitos.
Desta forma, o direito somente se concretiza com a ação individualizadora da sentença, dependendo sua própria existência da
atividade do juiz. Tal concepção unitária do direito teve origem na
posição de Windscheid e outros, que entendem que a sentença judicial
estabelece a ponte entre a generalidade da norma e a particularidade
do caso concreto controvertido.
É desta forma que alguns autores, ao explicarem um dos conceitos derivados de parte, como parte legítima, afirmam que parte é todo
aquele que pode movimentar a tutela jurisdicional. Parte legítima será
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o sujeito processual que também for titular de um dos interesses da
lide. É aquele que tem direito a uma decisão sobre o mérito da causa.
Estes figuram no processo como partes e se inserem na lide a ser resolvida como titulares dos interesses em conflito. A legitimidade da
parte indica a posição desta no tocante à lide ou pretensão.
Assim, parte legítima é quem figura na relação processual como
titular da relação de direito material nela deduzida.
A princípio, tal noção faz crer que a parte legítima seria aquela
que teria a legitimação para a causa, também denominada pela doutrina de legitimação ad causam.
Para Athos Gusmão Carneiro, a legitimação para a causa é um
dos pontos de conexão entre o direito material e o direito processual,
pois reconhece-se no processo a legitimação ad causam àqueles que
em tese possam ser titulares da relação material deduzida.
Trata-se de uma das condições da ação impostas às partes, tanto
ao autor como ao réu, que devem ser titulares do direito: o autor, titular do direito que pleiteia; o réu, titular do direito que lhe é pleiteado.
É um pressuposto essencial para que haja uma decisão de mérito.
Tal conceituação tem variações entre os autores. Sergio Bermudes explica que a legitimidade para a causa resulta da coincidência
entre o esquema apresentado pelo autor na inicial e o esquema de
proteção traçado na norma legal, acrescentando que a lei, na maioria
das vezes, identifica a pessoa que pode deduzir o pedido. Por exemplo: somente o cônjuge pode postular a separação, só o proprietário
pode reivindicar. Desta coincidência entre a parte que pede, ou contra
quem se pede, é que se reconhece o elemento subjetivo indicado no
esquema legal de tutela.
Galeno Lacerda ressalta que existe uma diversidade de causas
entre a relação de direito processual e a relação de direito material.
A causa da relação material será o fato jurídico, o contrato ou o ato
ilícito; a causa da relação da relação jurídica processual é o conflito
de interesses, a lide, que faz surgir o direito processual de ação para
ambas as partes. Serão partes legítimas para o processo que visa compor a lide os sujeitos da mesma lide.
Ronaldo Cunha Campos, em interposição semelhante, explica
que partes, no sentido material, são os sujeitos da lide. Os sujeitos
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da lide são os titulares do interesse e também serão os sujeitos da ação.
Acrescenta que é necessário que exista uma relação entre o sujeito da
ação, parte em sentido processual, e a lide, relação que se traduz em um
interesse na solução da lide que lhe permita prestar a colaboração esperada pelo Poder Judiciário como próprio da parte de um interessado. Assim,
a lide não é só conflito de interesse, mas pretensão, que é ato de vontade.
A legitimidadade ad causam será perquirida no processo para verificar,
na situação concreta, se o sujeito da lide, ou o titular de um interesse, tem
a posição definida em lei, de sua posição relativamente à lide.
Desta forma, a legitimidade não pode ser aferida em abstrato,
mas única e exclusivamente em função de um contexto: a relação de
um sujeito e um objeto, ou seja, a uma relação jurídica. Assim, deve o
juiz examinar em cada caso a simetria que deve haver entre os titulares da relação jurídica de direito material subjacente à demanda e da
relação jurídica de direito processual.
Em sentido esclarecedor, Arruda Alvim leciona que, regra geral,
a legitimidade processual e a legitimidade ad causam se sobrepõem,
mas podem estar dissociadas. Haverá legitimidade ad causam se se
apresentar como o possível titular do direito, em relação a uma situação a esse e ao legitimado passivo referente, salvo as hipóteses da
chamada legitimação ad causam extraordinária ou anômala.
Estando o conceito de parte material atrelado à parte legítima,
o direito de agir fica adstrito ao exercício pelo titular do interesse em
conflito e contra o titular do interesse que se objetiva.
Atrelada à ideia de parte legítima está a noção de parte vencedora, pois se parte legítima é quem tem direito à tutela jurisdicional,
parte vencedora é a parte que obteve resultado favorável no processo,
como titultar do interesse em conflito.
Para estes, parte, por ter a exigência processual de somente permitir o julgamento de mérito, é aquele que, ao postular em juízo, deve
ser o titular do interesse previsto nas normas de direito material, estando para tanto legitimado para a causa.
5
CONCEITO PROCESSUAL DE PARTE
O conceito de parte no sentido formal surge com argumentos
vigorosos para censurar o conceito de parte em sentido material.
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Igualmente denominada de parte da demanda ou parte na ação,
a parte processual, para esta corrente da doutrina, é um conceito estritamente formal, pelo que não se relaciona com o direito substantivo”.
Sendo um conceito eminentemente processual, estuda-se
parte como uma “simples afirmação da ação” ou como um “elemento da ação”.
Neste sentido, a propositura da ação é que será o fato relevante
para a averiguação de quem são as partes, ou melhor, quem pediu a
tutela jurídica no processo e contra quem essa tutela é pedida.
Quando restou demonstrado que o conceito de ação desvinculou-se do direito material, a noção de parte também seguiu o mesmo
caminho.
Alguns exemplos facilitam a compreensão desta teoria, sendo
os mais comuns a ação declaratória negativa, em que se pretende deduzir em juízo, exatamente, a declaração de inexistência de relação
de direito material entre as partes, ou seja, uma tutela jurisdicional
dirigida para afirmar que uma das partes não é titular de algum direito
material. Igualmente, quando na hipótese de ser declarado a alguma
das partes o reconhecimento de ilegitimidade. Neste sentido, a parte
ilegítima terá participado do processo, aduzindo inclusive que não é
titular do direito material que lhe é postulado, fato este que levará o
processo à extinção sem julgamento de mérito.
Observar-se-á que a parte que ingressou no processo esteve presente, inclusive alegando a sua ilegitimidade.
Outra situação muito comum ocorre na exceção de incompetência do Juízo, na qual existe um processo em que existem partes,
mas não há uma relação jurídica material, pois o que se discute é uma
relação puramente processual.
Igualmente, reafirma-se o conceito de parte ligado somente à
sistemática processual, pertencendo à relação jurídica de direito processual, a qual é complemente distinta da relação jurídica de direito
substancial, pois é possível haver processo em que não há lide, mas há
um processo necessário, como a ação em que o ex-marido e a ex-mulher, juntos, propõem a conversão da separação judicial em divórcio.
Assim, conclui Lopes da Costa: “Se parte do processo somente
pudesse ser a parte da relação material, não haveria partes no procesREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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so anulado, nem naquele em que o autor fosse carecedor da ação. O
conceito de parte é um conceito formal”.
Vale lembrar que a relação processual não se identifica com nenhuma outra relação. O que geralmente acontece é que parte no sentido material vem a ser também no sentido processual, como acontece
com o credor que é parte na relação de crédito e vem a juízo como autor cobrar a dívida de seu devedor, que também é parte na relação de
direito material. Em tais situações, trata-se de “pura coincidência”.
Observa-se que esta falta de coincidência acontece inúmeras
vezes por previsão legal. Neste sentido, o titular do direito material
pode não figurar na relação jurídica processual, como o marido que
em seu próprio nome defende os bens dotais da mulher. Igualmente,
o Ministério Público pode, em seu próprio nome, ingressar em juízo
para obter indenização para vítima pobre ou sua família, desde que
solicitado pelos interessados.
Ponto culminante é a autonomia da relação processual que se
observa na perspectiva de que é a norma processual que define quem
pode ser parte, ou melhor, quem está apto a figurar no processo como
autor e ou como réu. Existem situações em que determinados entes
são expressamente reconhecidos como parte no processo, como a
massa falida, a herança jacente, o espólio, as sociedades irregulares e
o condomínio, mas, em contrapartida, a norma de direito material não
lhes atribui existência, pois “não são pessoas, não têm personalidade,
não são sujeitos de direito e obrigações”.
Assim, é indiferente que as partes, no sentido processual, também o sejam no sentido material, embora possa haver coincidência,
pois não é essencial que a parte seja o titular da relação jurídica controvertida.
Uma questão para a qual ainda não se tem atentado, diz respeito à diferença que existe entre as partes no sentido material, em que
estas estão sempre em um conflito de interesses, em sentido antagônico, porque desejam o mesmo bem da vida. Já as partes no sentido
processual entram no processo buscando o mesmo fim: a prestação
jurisdicional. Na relação processual, as partes não estão em sentido
antagônico, mas convergente, por buscarem com a sua atuação a solução da lide. É mister ressaltar que ambos postulam o provimento
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jurisdicional, independentemente do conteúdo existente neles, pois na
relação processual não há conflito de interesses.
Informa-se que, em sentido diametralmente oposto e apoiando-se em boa doutrina, as partes no processo assumem uma noção
guerreira, na qual aparecem como protagonistas contrapostos de uma
verdadeira contenda ou de um duelo.
Em sentido processual, algum reparo deve ser feito, pois o processo não é mais um conflito entre as partes. O processo existe para
findar um conflito de interesses. E existe no processo um interesse em
comum de ambas as partes, que buscam obter uma sentença favorável.
Assim, a parte, para ocupar seu papel processual, deve preencher requisitos fundamentais e próprios da parte como pressuposto de
constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, na
forma do art. 267, item IV, do Código de Processo Civil.
A lei processual, na realidade, preocupa-se com a capacidade da
parte no exercício dos atos jurídicos processuais. Trata-se da capacidade de estar em juízo, eis que muitas das pessoas previstas pelo direito material como titulares de direitos e obrigações, mesmo detendo
a personalidade, não possuem exercício pleno da sua capacidade. Esta
restrição faz com que possuam o requisito de terem capacidade de ser
parte, mas não capacidade processual.
Pessoas maiores e capazes, bem como as pessoas jurídicas, dispõem, em princípio, de capacidade processual plena, pois são aptas a
exercer por si mesmas, por obra de sua própria vontade e entendimento, a participação em um processo.
O simples fato de uma pessoa ser sujeito de direito não lhe atribui capacidade para estar em juízo. Como também o absolutamente
incapaz não exerce pessoalmente os atos da vida civil, sendo representado, o mesmo ocorrendo com o relativamente incapaz, que é assistido no processo. O fenômeno é o mesmo.
Neste aspecto, tais capacidades das pessoas serão regidas de
acordo com o que dispuser a lei, ressaltando-se que mesmo alguns não
possuindo personalidade jurídica possuem capacidade processual­, na
forma do art. 12 do Código de Processo Civil.
Neste sentido, parte da doutrina faz confusão entre os termos
capacidade e legitimidade. A posição correta é falar-se em capacidade
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processual como conceito diferente de legitimidade processual. A capacidade processual é uma qualidade da pessoa, de caráter eminentemente subjetivo, à medida que é um atributo de alguém, de índole não
transitiva. Já a legitimação é de natureza transitiva e recíproca, pois
se alguém é parte legítima, é em relação a outrem, determinado ou
determinável, e vice-versa.
6
OUTROS CONCEITOS E DENOMINAÇÕES DE PARTE
Alguns autores chegaram à conclusão de que o que interessa no
processo é apurar quem são as partes e a quem a sentença vai atingir
ao passar em julgado. Quem vai a juízo para, em nome próprio, pedir
ao juiz prestação jurisdicional é o autor e quem está sujeito ao juiz e
deve, eventualmente, suportar uma decisão.
Os conceitos que gravitam em torno do vocábulo parte mais
usualmente utilizados são: “parte processual” e “parte material”,
como acima já tratado.
Equivalem ao termo de “parte processual” as denominações de
“parte no processo”, “parte na demanda” e “parte na ação”.
Igualmente, tem o mesmo sentido de “parte material” a expressão “parte na lide”.
6.1 Justa parte
É comum entre alguns autores a denominação “justa parte” no
sentido muitas vezes utilizado pelas normas legais para explicar que o
conceito de parte é impossível de ser dissociado do conceito de ação.
A palavra parte vincula-se, em um primeiro momento, ao simples fato de alguém ingressar no processo, noção esta completamente
desvinculada de qualquer relação material. Em um segundo momento,
vincula-se ao exercício da ação e envolve a legitimidade para agir.
Assim, “justa parte” pode ser examinada na hipótese de uma
sentença que extingue o processo por ilegitimidade de partes. Neste caso, não se pode negar que houve processo e que houve partes.
Entretanto, aquela não é “justa” parte para sofrer a sentença de mérito, mas será parte para suportar os encargos decorrentes do processo,
como a sucumbência e as custas.
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Conclui-se que “justa parte” é alguém que figurou como parte
no processo e possuía a legitimidade para a agir – condição essencial
da ação –, podendo assim receber uma sentença de mérito, pouco importando se procedente ou improcedente. O contrário verifica-se na
sentença final que decreta a carência de ação por ilegitimidade, pois
trata-se de uma prestação jurisdicional consubstanciada na declaração
negativa de sua legitimidade para ação, na qual quem participou não
era a “justa” parte.
6.2Parte legítima
Para a expressão “parte legítima” existe uma variedade de conceitos. Assim, parte legítima é a que tem direito a tutela jurisdicional,
um conceito situado entre o de parte no sentido processual e o de
parte no sentido material, inserido também no de parte vencedora, ou
parte que obteve resultado favorável no processo. Ela se insere como
parte no processo e no litígio a ser composto, como titular de um dos
interesses em conflito.
Outros distinguem o conceito de parte e de parte legítima, afirmando que os mesmos podem ser diferentes, uma vez que é admissível que alguém mesmo sendo parte no processo, não venha a ser
considerado como parte legítima. Esta caracterização considera como
legítima aquela que se insere no quadro das condições da ação.
Existe quem diferencie parte legítima para o processo de parte
legítima para a causa. Parte legítima ad processum é quem figura no
pólo ativo ou no pólo passivo com plena capacidade de agir, quer por
capacidade própria, quer por capacidade suprida mediante a representação, a assistência ou a autorização de outrem; parte legítima ad
causam é quem figura na relação processual como titular, em tese, da
relação de direito material nela deduzida. Quando integrados os pressupostos processuais e correndo a demanda entre as partes legítimas
ad processum e ad causam, impende ao magistrado apreciar o conflito
de interesses e julgar procedente ou improcedente o pedido formulado
pelo demandante.
Diferenciando em outro sentido a classificação da legitimidade,
outros autores fixam que parte legítima ativa é aquela a quem a lei
atribui a titularidade do direito de ação. Do ponto de vista passivo,
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será aquela que, em regra, sendo julgada procedente a ação, deverá ser
afetada pela eficácia sentencial a ela contrária; ou, julgada improcedente, deverá ser “absolvida” do pedido, beneficiando-se, igualmente,
da eficácia da sentença que lhe será então favorável. Assim, para a
parte ser legítima, há de estar íntegra a legitimação para o processo,
como há também de estar presente a legitimação para a causa.
Todavia, quando o conceito de “parte legítima” contém alguma
conotação material, tal corrente vem sendo repudiada, principalmente quando impregnada de conteúdo jurídico-substancial. De algum
modo, sempre conduz a uma aproximação da figura de parte processual à de parte legítima.
Diante de tantas classificações, o presente tema será tratado detalhadamente no capítulo seguinte.
6.3Parte vencedora
O conceito de “parte vencedora” vem em seguida ao de parte e de
parte legítima. Tendo sua pretensão julgada procedente, o demandante
terá sido parte, parte legítima, e igualmente, parte vencedora. O réu será
parte, parte legítima, mas parte vencida. Assim, aquele que aparece como
sujeito processual com direito a um pronunciamento qualquer obtém decisão definitiva (id est sobre o mérito) favorável a seus interesses.
6.4Partes litigantes
A expressão “parte litigante” é utilizada para quem ingressa em
juízo buscando a prestação jurisdicional e para quem é pedida a prestação jurisdicional. Autor e réu são sujeitos ativos da relação jurídicoprocessual, relação esta que só se completa com os sujeitos da lide.”
Observa-se que não há grande diferença na conceituação de parte
propriamente dita, inexistindo por parte desses autores qualquer intenção
de inovar ou particularizar a referida noção, tanto que no foro, conforme a
ação ou o processo, podem variar as denominações das “partes litigantes”.
6.5 Partes da lide
A expressão “parte da lide”, que se reserva também às “partes
verdadeiras”, surge a partir das referências na literatura processual
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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citadas pelo Prof. Ovídio Batista, que busca designar por “verdadeiras
partes” “as que de tal modo figurariam no processo e no litígio que o processo contém”. Acrescenta que tais designações podem ser usadas sem
inconveniência, desde que não extrapolem para além da relação processual, uma vez que “a pessoa que não participe da causa nunca poderá
ser considerada parte, nem do processo e nem da lide, que o conflito de
interesses descrito na petição inicial e tratado pela sentença”.
Em sentido semelhante, referindo-se a sujeito da lide, alguns
autores afirmam que a parte – sujeito da lide – converte-se também
em sujeito do processo, no sentido de que é uma das pessoas que fazem o processo, e junto ao conceito passivo se apresenta o ativo.
Simetricamente, Humberto Theodoro Júnior utiliza a expressão
“sujeito da lide” ou sujeito do negócio jurídico material deduzido em
juízo. Desta forma, “parte da lide”, ou “sujeito da lide”, também é
sujeito do processo, no sentido de que é uma das pessoas que fazem
o processo, seja no sentido ativo, seja no passivo. Alerta, inclusive,
que, muitas vezes, nem sempre o sujeito da lide se identifica com
aquele que promove o processo, como se dá, por exemplo, nos casos
de substituição processual.
Neste mesmo sentido, sendo as partes os sujeitos da lide, ou
do negócio, como tais estão sujeitas ao processo – não são sujeitos
do processo –, restando, para evitar dúvidas, que o sujeito da lide é a
parte em sentido material e sujeito do processo é a parte em sentido
processual.
6.6Parte principal, parte acessória e parte secundária
Alguns autores referem-se a “parte principal”, a “parte acessória”, e a “parte secundária”. Entretanto, ao se manifestarem sobre tais
noções, fazem incidir sobre o conteúdo delas diferentes significados.
Atribuímos a designação “partes principais” às verdadeiras partes, e “partes secundárias”, às partes no sentido formal, aos terceiros
intervenientes.
Também denominam-se “partes principais” as posições de autor
e réu, e “parte secundária” as posições de assistente, que por muitos
não é considerado como parte, embora por muitos a sua autuação no
processo se iguale à da parte.
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Ephraim Campos Júnior, no tocante ao substituto processual,
afirma que o legitimado ordinário é a “parte principal”, contrapondose à figura do legitimado extraordinariamente. Trata-se de legitimação
ordinária quando a lei faz coincidir, na mesma pessoa, o titular da
relação jurídica controvertida e o legitimado para deduzi-la em juízo.
Diferente da legitimação extraordinária, quando não existe essa coincidência. Assim, o legitimado ordinário assume a condição de parte
principal, passando ao legitimado extraordinário a faculdade residual
de prosseguir no processo no caso de desistência da parte principal.
7
DA NOMENCLATURA DE PARTES
De acordo com o tipo de ação escolhido pelos demandantes, dependendo do procedimento, ato processual ou fase procedimental, as
denominações variam de acordo com o legislador ou a praxe forense.
Desta forma, nos processos de conhecimento em geral, autor
e réu são as denominações mais comuns, podendo, de acordo com
o ato processual ou a fase procedimental, encontrar-se nas exceções
(de incompetência, suspeição ou impedimento): excipiente e exceto; na reconvenção: reconvinte e reconvindo; nos recursos em geral:
recorrente e recorrido; na apelação: apelante e apelado; no agravo:
agravante e agravado; nos embargos (de terceiro, do devedor, à arrematação, à adjudicação): embargante e embargado; nas intervenções
de terceiro: denunciante e denunciado, chamante e chamado, opoente
e oposto, nomeante e nomeado.
Nos processos de execução, as partes são o credor e o devedor,
encontrando-se também exeqüente e executado.
No processo cautelar, as partes são tratadas pelo Código como
requerente e requerido.
E, por fim, nos procedimentos de jurisdição voluntária, uma vez
que não há partes, utiliza-se o vocábulo “interessados”.
8
DISTINÇÃO ENTRE PARTE E TERCEIRO
É necessário, primeiro, ressaltar a variedade de conceitos que a
doutrina produz em relação à parte e a terceiro. Muitas vezes, o conceito se sobrepõe; outras, difere por completo.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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ANOTAÇOES SOBRE PARTE NO PROCESSO CIVIL
Para identificar partes, é necessário delimitar quem é terceiro,
pois “o sentido desses dois termos – parte e terceiro – e os limites que
separam as duas ideias são mais que distintos são antagônicos”.
Em sentido oposto, muitos optaram simplesmente por dizer que
basta que o terceiro ingresse na relação processual para que seja parte,
enquanto participe da causa.
Assim, “pela intervenção, o terceiro torna-se parte (ou coadjuvante da parte) no processo pendente”. Todavia, para que este terceiro
venha a se tornar parte, a sua intervenção deve ocorrer sob determinados pressupostos. É um determinante o terceiro ser juridicamente
interessado no processo pendente.
Nesta concepção, o conceito de terceiro será encontrado por negação; ou seja, todos que não forem partes no processo pendente e
não participarem no feito, seja como partes principais ou coadjuvantes da parte, serão considerados terceiros.
Ressalta-se que, neste caso, algumas figuras não podem ser confundidas com terceiro, como o litisconsorte necessário que venha a integrar a lide sem que estivesse indicado na petição inicial. Igualmente,
encontra-se o sucessor da parte originária e do substituto processual.
Todas estas são partes, nunca se confundindo com terceiros, que
podem intervir e integrar a relação processual.
Nesta perspectiva, o terceiro, ao participar do processo, deixa
de ser chamado de terceiro para ser designado como parte. A este terceiro interveniente que venha a integrar ao processo posteriormente a
sua instauração a doutrina também denomina de parte secundária.
Entretanto, sendo, na essência, o terceiro todo aquele que participa do processo, alguns acrescentam que o ingresso no processo
deve ser com a participação no contraditório. Terceiro é aquele que
não ingressou no contraditório, deixando de ser terceiro para ser parte
no processo e ter participação no contraditório.
Outros preferem fixar a distinção entre parte e terceiro, não reconhecendo se há ou não participação da relação processual ou intervenção na causa, mas utilizando como critério a coisa julgada. Assim,
somente as partes é que serão atingidas pela coisa julgada, nunca os
terceiros. Este alcance da coisa julgada será fundamental para que
se saiba quais partes naquela relação processual serão decididas pela
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sentença, quais são as verdadeiras partes e quais são, apesar de presentes na causa como intervenientes.
Conclui-se, nesta corrente, que se a coisa julgada não atingir o
terceiro que tenha participado do processo, este não será parte e continuará como terceiro. Tal conceito fixa que serão considerados parte
aquele que pede e aquele contra quem se pede. Logo, a coisa julgada
somente poderá atingir estas verdadeiras partes. Mesmo que outras
pessoas venham a estar presentes no processo como intervenientes,
não serão as verdadeiras partes, sendo designados como terceiros.
Neste sentido, em sua obra específica sobre o assunto, Vicente
Greco Filho explica que o terceiro pode ser classificado em quatro
categorias: terceiros não sujeitos à eficácia direta da sentença (como
revelia por defeito de representação, etc); terceiros sujeitos à eficácia
direta da sentença (como o legitimado extraordinariamente que não se
exigia sua presença no processo); terceiros sujeitos à eficácia reflexa
da sentença (como o sublocatário em relação a demanda entre locador
e o locatário); e terceiro não sujeitos à eficácia reflexa da sentença
(pessoa destituída de qualquer relação ao objeto da sentença).
Alguns autores prevêem que a intervenção deve-se realizar antes do ato decisório, designando terceiro como aquele que não interveio até a prolação do ato decisório, deixando para fazê-lo por meio
da irresignação quanto àquele.
Observa-se que tal conceituação de terceiro volta-se exclusivamente a uma noção negativa, no sentido de o terceiro ser quem “não é
parte”, ressalvando que o seria apenas como parte acessória.
Terceiro seria uma pessoa que tem a legitimação para intervir,
decorrente de previsão de lei, diferentemente da legitimação para agir,
que é própria da parte legítima.
Assim, deparamos com alguns conceitos semelhantes, como: “terceiro é o legitimado para intervir que ingressa em processo pendente entre outras partes, sem exercitar direito de ação próprio ou de outrem”.
Diante deste conceito, observa-se que algumas lacunas podem
sobrevir, pois no instituto da oposição o terceiro exercita ação própria,
como intervenção de terceiro.
Outro conceito fixa que “terceiros são pessoas estranhas à relação de direito material deduzida em juízo e estranhas à relação proREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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cessual já constituída, mas que, sujeitos de uma relação de direito
material, que àquela se liga intimamente, intervêm no processo sobre
a mesma relação, a fim de defender interesse próprio”. No mesmo
sentido, “terceiros são pessoas estranhas à relação processual já constituída, mas que, sujeitos de uma relação de direito material que àquele se liga intimamente, intervêm no processo sobre a mesma relação,
a fim de defender interesse próprio”.
Diante desses conceitos verifica-se que o “chamado ao processo” (terceiro) não é estranho à relação de direito material, figurando
como litisconsorte da parte principal. Simetricamente, na nomeação
à autoria, o nomeante estranho à relação de direito material deduzida
em juízo será parte e o nomeado é que será o terceiro.
Todavia, constata-se que os conceitos acima lançados se equivalem, no tocante ao aspecto do exercício pelo interveniente de um
direito de ação, o que eliminaria sua qualidade de terceiro. Mas Moacyr
Amaral dos Santos acrescenta que a razão da intervenção é a ligação
entre as relações de direito material e qualificação do interesse próprio do interveniente.
Tal entendimento explica-se: da mesma forma que ocorrem com
o direito de ação, o direito à intervenção depende de legitimação – enquadramento em previsão legal para o ingresso em processo alheio.
Esta legitimação para intervir depende da presença do legitimado ordinário para exercer o seu direito de ação, e sua qualidade de terceiro
será aferida em função do ingresso em processo alheio.
A legitimação para intervir não deve provocar a proposição de
nova ação ou a ampliação da demanda originária, pois perderia a qualidade de terceiro, devendo sempre seu interesse afastar os efeitos que
a sentença sobre o objeto que de que não é titular poderá lhe causar na
relação jurídica a que pertence.
Desta forma, parte da doutrina entende que é razoável dividir
terceiros em duas grandes categorias: os legitimados para intervir e os
terceiros legitimados para agir e para intervir.
A legitimação para agir e para intervir se dá tendo em vista a
existência de uma relação controvertida. Mas diferencia-se a legitimação para agir, pois esta transforma o interveniente em parte vinculada ao direito de ação (demanda principal) e adquire a condição
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de parte somente em sentido processual, porque não exerce ação em
nome próprio ou de outrem.
Já a legitimação para intervir, o terceiro não é sujeito da relação
substancial já deduzida em juízo, mas de uma relação conexa àquela,
de modo que sua legitimação não lhe permite obter, em próprio nome,
a mesma atuação da vontade concreta da lei pedida pela parte ao lado
da qual intervém.
Entre esses conceitos citados, Dinamarco contorna tais dificuldades dizendo que o conceito de terceiro é simples e puramente
processual, afastando por completo a posição jurídico-substancial do
terceiro e remetendo à outra sede o exame da legitimidade ad interveniendum.
Acrescenta que terceiros são todas as pessoas que não sejam
parte de determinado processo concretamente considerado; ou seja,
todos aqueles que não são partes consideram-se, em relação àquele
processo, terceiros. O conceito é contraposto ao de parte, no sentido
de que se consideram terceiros no processo todos os que não são autores da demanda deduzida, não foram citados, não intervieram voluntariamente e não sucederam a alguma das partes originárias. Todo
sujeito permanece terceiro em relação a dado processo enquanto não
ocorrer, com relação a ele, um dos modos pelos quais se adquire a
qualidade de parte.
Desta forma, o terceiro é toda pessoa que não seja parte do processo, enquanto não for. Consequentemente, enquanto terceiro, não
está sob os efeitos dos atos do processo, sob o poder do juiz e, especialmente, sob os efeitos da coisa julgada.
O terceiro, ao participar, passa a ser parte, figurando como titular das diversas situações jurídicas ativas ou passivas inseridas na
relação jurídico-processual (poderes, faculdades, ônus, deveres e sujeição).
Desta forma, a intervenção de terceiros passa a ser um fato, ou
um ato de ingresso em processo alheio, com o objetivo de se tornar o
terceiro, parte.
A própria doutrina tem separado os institutos de intervenção de
terceiros em dois grandes grupos: aquele que a lei denomina de espécie do gênero intervenção de terceiros (oposição, nomeação à autoria,
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denunciação da lide e chamamento ao processo) e aquele no qual a
doutrina vê genuína intervenção de terceiros (assistência simples e
litisconsorcial).
Conclui-se, assim, que o conceito de terceiro na doutrina não
apresenta consenso, embora predomine a tendência de que haja distinção entre partes e terceiros. A despeito das imperfeições existentes,
a sistematização do nosso direito positivo é mais clara, em comparação com a dos principais sistemas alienígenas.
Todavia, deve-se considerar que no ordenamento nacional somente se permite a intervenção de terceiros em processo pendente,
nas hipóteses expressas previstas em lei, uma vez que é indubitável
que, constitucionalmente, prevê-se o princípio da singularidade do
processo e da jurisdição.
Assim, dependendo do critério que o autor escolher para definir
parte, o terceiro poderá ser parte. Observa-se que se o terceiro nada
pede ou contra ele nada é pedido, resta incontroverso que este não
poderá ser partes.
Entretanto, quando participa em contraditório no processo, esta
corrente tem entendido que o terceiro será parte.
Igualmente, o terceiro, sofrendo os efeitos do provimento, também será considerado parte.
Desta forma, para esclarecer tais critérios de conceituação de
partes, passamos a analisar os vários critérios eleitos pela doutrina.
9
CRITÉRIOS DE CONCEITUAÇÃO DE PARTE
9.1Parte pelo critério do pedido
Em razão de forte influência externa, a doutrina nacional acanhou-se e acomodou-se em relação ao conceito de parte, não aprofundando mais sobre “partes”.
Nota-se claramente que a doutrina brasileira sofreu influência
italiana, mais especificamente do jurista Chiovenda, que trata parte
como “aquele que demanda em seu próprio nome (ou em cujo nome é
demandado) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem
essa atuação é demandada...”. Assim, a maioria da doutrina, aceitou a
noção de Chiovenda e vem repetindo-a.
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Todavia, observa-se que todas as variações desses conceitos de
parte prendem-se ao critério do pedido, segundo o qual partes são as
pessoas que pedem ou em relação às quais se pede, em nome próprio,
a tutela jurisdicional.
Neste sentido, “partes são as pessoas que pedem e contra as
quais se pede, em nome próprio, a tutela jurisdicional. Aquele que
pede tem o nome de autor; e de réu, aquele contra quem essa tutela é
pedida”.
9.2Parte pelo critério da cronologia e ingresso
Utilizando o critério do momento de ingresso no processo, a
doutrina ainda refere-se à ideia ideia de parte explicando-a com base
na simples circunstância temporal. Partes seriam aquelas pessoas presentes no momento da propositura da demanda, ou no momento em
que integram a lide, por meio da citação pedida desde logo pelo autor.
A petição inicial fixaria as partes. Outros que interferissem no processo seriam terceiros.
Tal critério não tem utilidade científica, porque existem inúmeras exceções que lhe retiram a validade; por exemplo: a hipótese do litisconsórcio ulterior, a assistência, a sucessão processual ou, mesmo,
o chamamento à autoria.
O aspecto temporal de ingresso no processo é insuficiente para
trazer o real conceito de parte. Se o autor omite um dos litisconsortes
necessários na sua inicial, este, ao integrar a lide, na verdade seria parte, mas para esta corrente seria terceiro interveniente. Já o assistente
que pode estar presente desde a propositura da demanda, sendo na
verdade um terceiro, seria para esta teoria parte.
Assim, tal critério veio a ser criticado, tendo a doutrina minimizado sua aplicação, em razão de sua superficialidade.
9.3Parte pelo critério da participação no processo
Utilizando outro critério, a doutrina, ainda ao se referir-se à
ideia de parte, explica que parte no processo são todos que dele participem e que nele intervêm por terem interesses a defender ou por
terem direitos a proteger.
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Tal conceituação tem enfâse em Enrico Tulio Liebman, que, ao
notar que o princípio processual do contraditório era de fundamental
importância, acresceu o conceito de parte.
Para determinar a parte no processo, esta deve participar, em
contraditório, da formação do provimento, através da participação no
iter procedimental, devendo considerar-se, além do autor e do réu, a
participação do litisconsortes e dos intervenientes.
O contraditório é, portanto, inerente ao conceito de processo,
entendendo-se como imposição do Estado democrático a participação de cada um na formação dos provimentos. A base do contraditório está no princípio da dualidade de partes, à luz da qual
se constrói o conceito de parte apto a possibilitar distinções entre
pessoas que podem e pessoas que não podem ser atingidas pelos
efeitos do processo.
Dando à denominação de parte um conceito estritamente formal, Flavio Luiz Yarshell restringe partes àqueles que ostentam esta
qualidade em contraditório, perante o juiz.
Trata-se de conceito que surgiu para justificar a intervenção de
terceiros, em que o terceiro muitas vezes não pleiteava e nem a ele
se pleiteava, mas estava inserido no processo, com o intuito de obter
uma sentença de mérito.
9.4Parte pelo critério da sujeição à coisa julgada
Corrente tradicional da doutrina traz, veiculando autores estrangeiros, que parte será também designada por quem sofre os efeitos da
coisa julgada, uma vez que a coisa julgada não tem valor absoluto,
restringindo-se sua eficácia tão somente às partes.
Neste sentido, observa-se que a sentença é um ato judicial que
vale em face de todos, sem impedir que terceiros sejam indiretamente
afetados por ela.
Todavia, a doutrina lembra um dispositivo do Código de Processo Civil, segundo a qual jamais alguém que não fora parte no processo receberia o vínculo da autoridade da coisa julgada.
A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando nem prejudicando terceiros.
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Todavia, não se pode esquecer a teoria de Liebman, que distingue a eficácia da sentença da autoridade da coisa julgada, só ficando
submetidas a esta as partes, pois os efeitos da sentença atingem partes
e terceiros indiferentemente. A coisa julgada, que consiste na imutabilidade dos efeitos da sentença, só diz respeito às partes.
9.5Parte pelo critério do provimento
Outra corrente da doutrina também inova ao introduzir um outro critério para conceituar partes, quando sustenta, obedecendo à teoria das situações processuais, que as partes serão sempre destinatárias
dos efeitos do provimento, tendo como aspecto do conceito de parte
o provimento, e não somente o pedido. É necessário que se considere
que aquele que suportar ou se beneficiar dos efeitos do provimento em
seu universum ius estará legitimado para ser parte.
Neste sentido, para determinar a situação de ser parte, deve-se
observar o pedido requerido e os sujeitos que serão alcançados pela
medida jurisdicional pleiteada e que sofrerão seus efeitos.
A defesa de interesses perante o Juízo faz com que, após a tutela jurisdicional, os efeitos do julgamento atinjam sempre as partes
no sentido processual quanto material e, muitas vezes, outras pessoas
que não eram partes no processo, mas eram na relação material.
Tal concepção justificaria o ingresso do terceiro no processo,
previsto no capítulo da “intervenção de terceiro”, fazendo dele também parte. Explicar-se-ia que, muitas vezes, a sentença gera efeitos
diretos somente entre as partes que estavam inseridas no processo,
mas também atinge, direta e indiretamente, a terceiros que não participaram do processo.
9.6Outros critérios
Neste interesse de apurar quem seja parte, outros autores afirmam que o estudo de parte comporta três perspectivas de exame:
partes como sujeitos dos atos processuais; partes como sujeitos dos
efeitos processuais; e partes como sujeitos da relação processual deduzida em juízo. Tais perspectivas podem unir funcionalmente de
modo harmonioso, porque a garantia constitucional do contraditório
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só legitima que seja sujeito dos efeitos processuais aquele que haja
sido sujeito da relação processual.
Assim, no estudo sobre a natureza jurídica da parte se seguirá
adiante, aprofundar-se-á nos principais critérios que elucidarão quem
participará da relação processual, influindo no contraditório em relação a seus interesses, defendendo sua pretensão e sua existência, tanto
no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, para sofrer os efeitos
deste provimento.
Desta forma, reservamos o capítulo seguinte para sistematizar
a natureza jurídica das partes, na qual abordaremos os critérios para a
fixação deste conceito.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O legislador tratou do tema partes de modo indireto, deixando
ao intérprete o espaço para a construção de seu o conceito. Em sua
maioria, a doutrina brasileira não sistematizou o referido instituto, o
que denota uma multiplicidade de expressões e uma falta uniformização de critério para conceituar a parte.
Por ser um instituto universal, a doutrina brasileira incorporou
as noções de autores estrangeiros, mais especificamente de autores italianos. Entretanto, ao fazê-lo, simplesmente traduziram e repetiram a
noção de parte sem, contudo, explicá-la, justificá-la e fundamentá-la.
Assim, diversos autores não indicam o critério adotado para
conceituar parte e sequer falam sobre a existência de outros critérios,
fazendo surgir uma diversidade de denominações de parte. Mesmo
em obras especializadas, observa-se que existe uma clara ausência
de critérios e, às vezes, a enumeração incompleta de alguns critérios,
mas que não chegam a justificar um conceito de parte.
Do que já foi exposto, podemos vislumbrar do papel doutrinário, três conclusões: 1) o conceito de parte é puramente formal; 2) o
critério mais admitido pela doutrina para conceituar parte faz-se pelo
pedido; 3) o conceito que utiliza unicamente o critério do pedido é
deficiente e limitado.
1) Observa-se nos autores uma multiplicidade de denominações
agregadas ao conceito de parte. Na norma processual, encontram-se,
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igualmente, inúmeras expressões que se referem a partes como autor,
réu, terceiro, requerente, recorrente, dentre outras. Tais denominações
induzem a confusões sobre o tema.
Deve-se, em profunda reflexão, verificar um grande processo de
amadurecimento na doutrina brasileira, eis que durante muito tempo
o conceito de parte resultava no conceito romano de ação; ou seja,
somente eram partes os sujeitos da relação jurídica material deduzida
em juízo.
Vê-se com clareza esta constatação quando se encontram as
denominações de parte material, parte da lide, parte legítima, parte
vencedora, parte verdadeira. Grande avanço teórico-científico depreendeu a doutrina no caminho de abandonar a teoria civilista de parte,
que se orientava pela dependência do processo à relação de direito
material.
Demonstrada a autonomia do processo em face da relação de
direito material controvertida, a doutrina brasileira, na maioria, optou por um conceito de parte puramente processual. E, assim, partes
seguiu o mesmo caminho da teoria da ação, desvencilhando-se do
direito material.
No processo civil, não existe conceito de parte no sentido material, mas tão somente – parte – única e exclusiva acepção do que a
doutrina denomina parte processual.
São duas as diferenças notadas, a saber: enquanto os titulares
do direito material estão em posição antagônica, em contenda e em
duelo, as partes presentes no processo encontram-se em posição convergente, em participação em igualdade de condições para obtenção
de uma sentença; e enquanto os titulares do direito material desejam
o mesmo bem da vida, as partes presentes no processo buscam um
provimento favorável.
Desta forma, é inequívoco que parte é um conceito processual
e que o Código de Processo Civil é que definirá quem está apto para
figurar como autor, réu e/ou terceiro. O conceito de parte é puramente
formal.
2) Tal conceito tem restado estagnado e tem merecido pouca
atenção da doutrina processual. Recente doutrina tem propalado os
escopos metajurídicos do processo para justificar uma efetividade do
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processo jurisdicional, esquecendo-se do processo como fator de efetividade de todo o sistema jurídico.
Observa-se que grande parte da doutrina nacional sequer justifica o critério lançado na conceituação de partes, faltando, com toda
certeza, a discussão de qual seria o critério mais adequado para conceituar um intuito tão importante no processo civil.
A maioria maciça dos autores nacionais simplesmente repete o
conceito chiovendiano, com uma diminuta variação. Poucos autores
partilharam a noção de Liebman que dá ênfase à participação em contraditório perante o juiz.
Raros são os autores que se posicionam que o conceito encontrase intimamente ligado a provimento, ou seja, partes são aqueles que
irão sofrer os efeitos da “tutela” de direitos regulados pela sentença.
Desta forma, a doutrina não faz o conceito de parte ser uniforme, mas nota-se, claramente, que a doutrina brasileira sofreu grande
influência da doutrina italiana. E segue o Código de Processo Civil
que não define parte, mas, dentro de sua sistemática, extrai-se que
parte será aquele que pede e contra quem se pede a tutela jurisdicional, conceito chiovendiano que situa a parte no sentido processual.
O critério mais admitido pela doutrina para conceituar parte,
faz-se pelo pedido.
3) Por fim, na perspectiva do direito processual, verifica-se que
as partes processuais devem estar aptas a dar adequada resposta às necessidades emergentes, uma vez que a valia do processo jurisdicional
mede-se pela sua capacidade de produzir os resultados prescritos no
plano substancial do ordenamento societário.
Desnudam-se críticas à corrente majoritária, uma vez que o réu,
com a defesa, manifesta também pedido de tutela jurisdicional ou o
“direito de ação” contra o autor.
Assim, imprópria é a conceituação de autor como aquele que
pede e réu como aquele contra quem se pede a tutela jurisdicional,
pois ambos pedem a tutela.
Igualmente, é importante ressaltar que parte da doutrina estabelece as posições dos sujeitos do processo, fazendo bipolarizar o conceito de parte – parte ativa e parte passiva. No sentido processual,
serão sempre autor e réu atuando ativamente, o que afasta a bipolarização do conceito de partes.
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Da mesma forma, limitar o conceito de partes - a quem pede e
contra quem se pede - vem afastar qualquer vínculo com a intervenção de terceiros, em que os terceiros muitas vezes não pleiteavam e
nem a ele se pleiteava, mas estava inserido no processo com o intuito
de obter uma sentença de mérito, sendo que a sentença proferida naqueles autos vem lhe causar consequências.
Neste sentido, para determinar a situação de ser parte deve-se
levar em consideração os elementos logicamente encadeados, e não
somente o pedido requerido, o que se dessume: - o conceito que utiliza unicamente o critério do pedido é deficiente e limitado.
CONSIDERATIONS ON PARTS IN CIVIL LAW SUITS
Abstract
Notes on the concept of PARTS in the brazilian procedural low
civil. This paper analyzes the concepts of PARTS the Brazilian procedural law, or who should and can participate and act in the process. A
PART to civil proceedings has always had a fundamental role and its
study is of fundamental importance for the national doctrine tend to
repeat the concept of part, without warrant or extend the study of it.
The temporal evolution of the concept makes the concept prevalent in
the Brazilian doctrine, that is the one who asks whom was asked, already overwhelmed by the reality remains national. Thus, we examine
the criteria for the conceptualization, starting at the discretion of the
request, then the criterion of those participates of the contradictory,
but also by the criterion of res judicata and the criteria of suffering
the effects of the trial, which is realize a technical and scientific development of the concept of shares. This concept demonstrates that
the concept of shares is autonomous in relation to other disciplines,
predominantly in the idea of procedural meaning. It is observed that
different criteria have the concept of widening the notion of part, here
arises only with the author and the defendant, and subsequently added
to the third, giving emphasis to those who participate in adversarial
proceedings before the judge, and finally, as part includes all those
who suffer the effects of the trial.
Key words: Parts. Party. Concept of part. Parties. Request. Contradictory. The effects of the trial.
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6
INQUIRIÇÃO DIRETA DE TESTEMUNHAS PELAS
PARTES. AS PERGUNTAS DOS JURADOS.
OPORTUNIDADE DAS PERGUNTAS DO JUIZ.
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ E A REFORMA
PROCESSUAL PENAL DE 2008
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
JOSÉ BARCELOS DE SOUZA*
Belo Horizonte/MG
[email protected]
Sumário
1. Os sistemas de inquirição originariamente abraçados pelo Código de Processo Penal. 2. O entendimento da jurisprudência e da doutrina sobre a
inquirição direta em plenário do júri, e o que se praticava. 3. As novas leis processuais de 2008 sobre a
matéria, crítica e diferenciação do cross-examination. 4. Tradicionalidade e vantagens da inquirição
direta e importância de um juiz bom condutor de
audiências e de partes que saibam bem inquirir. 5. A
nulidade por cerceamento dos direitos do acusador
e do defensor e uma boa decisão do STJ. 6. Um outro motivo de nulidade que poderá prosperar. 7. O
novo sistema, criticável, de inquirição na instrução
criminal. 8. A reforma processual e o princípio da
identidade física do juiz. Referências.
*
*Professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
aposentado, e das Faculdades Milton Campos. Livre-docente pela UFMG. Subprocurador-geral da República aposentado. Diretor do Departamento de Direito Processual Penal
do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.
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Resumo
Segundo o autor o sistema de inquirição de testemunhas na fase
da instrução criminal, dito sistema presidencial, não era de aplicar-se
no Tribunal de Júri, não obstante uma prevalente prática em contrário,
com o apoio de decisões judiciais. A inquirição direta de testemunhas
pelas partes, que não é exatamente o chamado cross-examination,
do procedimento americano, foi consagrado em lei com a reforma
processual penal de 2008. Um interessante aspecto de perguntas pelo
juiz ante a nova lei foi examinado pelo autor, cujo entendimento foi
acolhido por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Para o autor é
ilegal a prática adotada em recente julgamento de larga repercussão,
quanto a perguntas de jurados. Para o autor, à vista de antiga prática
no processo civil, não andou bem o legislador ao estender à instrução
criminal a regra da inquirição direta. Por fim, é analisada a questão da
identidade física do juiz na referida reforma processual.
Palavras-chaves: Testemunhas. Inquirições. Reforma processual
penal.
1
OS SISTEMAS DE INQUIRIÇÃO ORIGINARIAMENTE
ABRAÇADOS PELO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Embora o Código de Processo Penal tivesse adotado, no art.
212, o sistema de inquirição chamado presidencial, em face do qual
caberia privativamente ao juiz que presidisse à formação da culpa fazer perguntas diretas às testemunhas, sendo que as perguntas das partes seriam feitas por intermédio do juiz, a cuja censura ficarão sujeitas
(Exposição de Motivos ministerial, n. X), dispôs, ao traçar normas
para o julgamento pelo júri (fase posterior à inquirição das testemunhas arroladas para a instrução criminal), que as partes podiam, ainda,
com o libelo ou a respectiva contrariedade, arrolar testemunhas para
depor em plenário, tendo adotado, porém, sistema diferente para a
realização do ato. Assim é que estatuiu:
Terminado o relatório, o juiz, o acusador, o assistente e o advogado do réu e, por fim, os jurados que quiserem inquirirão sucessivamente as testemunhas da acusação” (art. 467). E, “Ouvidas as
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testemunhas de acusação, o juiz, o advogado do réu, o acusador
particular, o promotor, o assistente e os jurados que o quiserem
inquirirão sucessivamente as testemunhas de defesa. (art.468).
Destacamos, nas transcrições acima, o verbo para mostrar que
esta lex specialis se opunha, claramente, à lex generalis do art. 212.
De acordo com a disposição especial para a produção da prova testemunhal em plenário, não só o juiz, mas também as partes inquiriam.
Ao passo que, nos casos em que era de se aplicar a regra geral, somente o juiz inquiria.
Assim, de acordo com as citadas disposições especiais para a
produção da prova testemunhal em plenário, não só o juiz, mas também as partes poderiam inquirir, ao passo que, nos casos em que era
de se aplicar a regra geral, somente o juiz inquiria, podendo as partes
requerer perguntas.
Tanto assim é que os arts. 467 e 468, acima transcritos, regulavam a ordem em que se sucederiam os diversos inquiridores, enquanto, para as inquirições na conformidade da regra geral do Código, a lei
não estabelecia a ordem em que as partes inquirissem, uma vez que só
ao juiz seria dado inquirir. Nem mesmo uma ordem fora estabelecida
para a apresentação, pelas partes, de suas perguntas. É que, sendo a
inquirição tarefa do juiz, as perguntas, via de regra esclarecedoras ou
supletivas, poderiam ser solicitadas quando oportuno e se conveniente. A praxe adotou a disciplina de fazerem-se os requerimentos em
ordem semelhante à recomendada nos artigos citados, depois que o
juiz tivesse esgotado suas próprias perguntas.
Nestas condições, permitir às partes, no júri, simplesmente o
requerimento de perguntas, seria denegar a elas o direito, legitimo, de
examinar as testemunhas.
A inquirição das testemunhas pelas próprias partes é, aliás, da
tradição de nosso direito, no que diz respeito ao júri, como se verá.
2
O ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA E DA
DOUTRINA SOBRE A INQUIRIÇÃO DIRETA EM
PLENÁRIO DO JÚRI, E O QUE SE PRATICAVA
A respeito do assunto, não era farta a manifestação jurisprudencial. Além de alguns julgados para os quais a falta da inquirição direta
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não configurava nulidade, porque não cominada, outro, do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, embora admitindo a possibilidade de
perguntas diretas, entendeu também não caracterizar cerceamento de
defesa o sistema oposto (ap. crim. n. 11679. Revista dos Tribunais, v.
446, p. 463). Um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
porém, dera com a nulidade. Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
repelindo alegação de nulidade, entendeu que as testemunhas devem
ser inquiridas é mesmo por intermédio do juiz (ac. de 15-6-61, da 3ª
Câm. Crim., Jurisp. Mineira, v. 32, p. 685).
Bons autores esclareceram o entendimento correto.
Era expresso sobre o assunto Leão Starling: “A inquirição é confiada às próprias partes, diferentemente do que se dá no sumário” (1950,
p. 168). Magalhães Noronha igualmente apontava a diferença, dizendo
que no júri as partes inquirem diretamente as testemunhas (1950, p. 363).
Também Espínola Filho, em mais de uma passagem, demonstrava-se de
entendimento semelhante, dizendo, numa delas, que o jurado poderá fazer perguntas diretamente à testemunha (1955, p. 433 e segs.).
Outros comentadores do vigente estatuto processual penal não
emitiram opinião em contrário, conquanto nada dissessem a respeito
da aludida diferença entre as inquirições da instrução criminal e do
plenário. De seus comentários, todavia, se infere que entendiam poder
as partes questionar diretamente as testemunhas.
É pena que alguns juízes, seja pelo hábito ao sistema da instrução criminal, quer pelo desconhecimento de uma orientação doutrinária em outro sentido, aliado à observação da prática mais freqüente
em julgamentos pelo júri, quer pelo receio da maior dificuldade em
controlar possíveis abusos, quer por ver na inquirição direta uma capitis diminutio à função do presidente, admitiam perguntas apenas
por seu intermédio. Certo receio de que advogados se portariam abusiva e inconvenientemente na maneira de inquirir, ou de o precedente
carrear dificuldades futuras nos trabalhos do júri, também poderiam
concorrer para o entendimento predominante entre os juízes.
Vi isso muitas vezes, pois vinha de há muito tentando, em julgamentos em que atuei, não seguir a praxe geralmente aceita, tendo até
em modesta obra, Teoria e Prática da Ação Penal (1979), dedicado
um estudo sobre a matéria, até então pouco estudada.
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E certa feita, um juiz, posto inteligente, culto e já experiente
na presidência de júri, virou-se para mim com ar de ofendido e, sem
deferir ou indeferir meu pedido de inquirir a testemunha diretamente
em plenário de um júri, ou sem perguntar os fundamentos do requerimento, me indagou se “não confiava no juiz”.
A aplicação, frequente na prática, do sistema presidencial também no júri provém da falsa idéia de que a regra geral, adotada na
instrução criminal, é poderem as partes também inquirir, mas por intermédio do juiz, e, assim, estaria subentendido que é por intermédio
do juiz que farão a inquirição no júri. Mas, no sumário, as partes não
inquirem. Nem diretamente, nem pela boca do juiz. Somente esse inquire. As partes apenas, mediante requerimentos, fazem com que o
único inquiridor não deixe de tocar nos pontos de seu interesse. No
plenário, perante o júri, têm um direito que lhes é negado na instrução: o de inquirir. E inquirir significa fazer perguntas, diretamente.
Inquirir por intermédio do magistrado é instituto de que não cogita
o Código. Há, pois, norma específica para a tomada de depoimentos
no julgamento pelo júri, em choque com a regra geral, que deixa de
prevalecer, porque lex specialis derrogat legem generalem.
Assim, era duvidoso para muitos o direito de as partes, no Tribunal do Júri, examinar diretamente as testemunhas.
3
AS NOVAS LEIS PROCESSUAIS DE 2008 SOBRE A
MATÉRIA, CRÍTICA E DIFERENCIAÇÃO DO CROSSEXAMINATION
Agora não mais, vez que, a dissipar dúvidas, legem habemus.
E certamente terão um sabor de novidade as disposições que sobre a
matéria trouxeram as novas leis da reforma processual penal de 2008,
tanto mais quanto uma delas muda na instrução criminal o sistema
presidencial para o de inquirição direta.
Boa novidade no que diz respeito à inquirição no Tribunal do
Júri. Mas, a nosso cuidar, nem tanto no que se refere à instrução criminal. Teria sido bem melhor, neste particular, deixar como estava,
como se deduzirá da exposição adiante.
Vejamos em primeiro lugar, como ficou disciplinada a matéria
na Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, (com entrada em vigor 60
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(sessenta) dias após a data de sua publicação), que alterou dispositivos do Código de Processo Penal relativos ao Tribunal do Júri.
Cumpre, porém, de início, registrar que projeto anterior ao que
se converteu na lei citada já dispunha expressamente no sentido da
inquirição direta, no que foi seguido pela nova lei, exceto quanto à
inquirição pelos jurados, a qual a lei em questão dispõe que se fará
por intermédio do juiz, e não também diretamente, como fazia aquele.
Trata-se do projeto de Lei n. 4.900, de 1995, que resultou de anteprojeto elaborado por comissão nomeada pelo Ministro da Justiça, da
qual tivemos a honra de fazer parte.
Segundo dispõe o novo art. 473, o juiz-presidente, o Ministério
Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado inquirirão,
sucessiva e diretamente, as testemunhas arroladas pela acusação; já
para a inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do
acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos no artigo;
e os jurados poderão formular perguntas por intermédio do juiz presidente (de maneira semelhante se tomam as declarações do ofendido, se
possível, na ordem indicada para a testemunha de acusação).
Teria sido melhor que o juiz não inquirisse inicialmente, mas
apenas se reservasse para, a exemplo do que a Lei n. 11.690, também
do mesmo dia 9 de junho de 2008 – lei que altera dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova –, dispõe no parágrafo único
do art. 212, usar da faculdade de complementar a inquirição sobre os
pontos não esclarecidos.
Lá, na instrução criminal, é que deveria o juiz perguntar, e isto
logo de início, visto que a ele caberá proferir a sentença e em geral já
tem a orientá-lo depoimentos das testemunhas no inquérito policial.
Em plenário do júri é que não deveria inquirir – e caso contrário por certo só o faria raramente, como na prática ainda acontecia
– senão para algum esclarecimento complementar. Mesmo porque, já
existirá nos autos a decisão de pronúncia, pelo que com certeza não
mais teria, senão excepcionalmente, motivo para perguntar.
É por essa particularidade que nosso sistema de inquirição no
júri difere do cross-examination norte-americano, com o qual tem em
comum, todavia, um exame direto, mais a participação da parte conREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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trária, o que muito o assemelha ao referido sistema do “exame cruzado”, ao qual, entretanto, não corresponde exatamente, uma vez que,
neste, a inquirição das testemunhas é tarefa exclusiva das partes, não
a fazendo também os jurados nem o juiz, que se limita a presidir ao
ato. O advogado da parte que apresenta a testemunha faz, em primeiro
lugar, o chamado “exame direto”, facultando-se à parte contrária, a
seguir, sua inquirição, então chamada “exame cruzado”.
Nosso sistema, entretanto, atende melhor ao principio da verdade real, ao permitir que não só o presidente, mas também os jurados,
perguntem à testemunha, mas ficaria bem melhor se o presidente ficasse para inquirir ao fim, se entendesse conveniente alguma complementação, agindo, assim, com moderação.
4
TRADICIONALIDADE E VANTAGENS DA
INQUIRIÇÃO DIRETA E IMPORTÂNCIA DE UM JUIZ
BOM CONDUTOR DE AUDIÊNCIAS E DE PARTES QUE
SAIBAM BEM INQUIRIR
A inquirição das testemunhas pelas próprias partes é, aliás, da
tradição de nosso direito, no que diz respeito ao júri.
Antigamente, era ato das partes, incluído o próprio réu (BUENO, 1857, n. 241, p. 148; SIQUEIRA, 1917, n. 288, p. 216; ALMEIDA JÚNIOR, 1920, v. 2, p. 415-6), tendo a regra legal recebido encômios do Marquês de São Vicente, o provecto Pimenta Bueno. Ao
juiz era lícito fazer perguntas, mas João Mendes aconselhava certo
comedimento.
Tendo o juiz passado a também inquirir, embora sem exclusividade, com o advento do Decreto-lei n. 167, de 5 de janeiro de 1938,
que federalizou o processo do júri, critério esse seguido pelo Código
vigente, o encargo de inquirir, atribuído ao presidente, incidiu na crítica de Magarinos Torres (1939, n. 117, p. 432), que presidiu por muitos
anos o Tribunal do Júri do Distrito Federal. É que das minúcias só
conhecem bem as próprias partes; sabem elas melhor para que fim
foram produzidas as testemunhas, podendo ir diretamente aos pontos
de interesse para a causa, pelo que as perguntas do juiz seriam desnecessárias.
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De qualquer modo, o que muito importa é que, tendo uma das
partes inquirido a testemunha, e tendo a outra o direito de contra-inquirila, uma e outra diretamente, podemos repetir o que Francis L.
Wellman, no livro The Art of Cross-Examination (1937, p. 7), disse
a respeito do cross-examination: ainda não se achou substituto para
ele “as a means of separating truth from falsehood, and of reducing
exaggerated statements to their true dimensions” (“como meio de
separar a verdade da falsidade, e de reduzir afirmações exageradas a
seu verdadeiro tamanho”).
Com efeito, certas limitações que se encontravam e foram, posto mais adequadas ao sistema presidencial de inquirição, mantidas
no art. 212, como a inadmissibilidade de perguntas que não tiverem
relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida, não podem ser levadas para a inquirição em plenário do júri. Não
constam da disciplina da inquirição no Tribunal do Júri, e a repetição
de perguntas é uma técnica de inquirição para a obtenção da verdade
que os próprios juízes por vezes usam quando inquirem. Igualmente,
perguntas que aparentemente possam parecer estranhas ao processo,
podem ser apenas pouco objetivas, mas são por vezes usadas no início
do exame direto sem outro objetivo que o de deixar mais relaxada ou
descontraída uma testemunha nervosa ou ansiosa. Assim, indagações
cordiais sobre onde mora a testemunha, alguma opção de lazer, essas
coisas. O presidente não pode impedir isso.
É muito importante, aliás, que o juiz seja um bom condutor de
audiências e sessões. Sereno, seguro, sem empáfia e autoritarismo,
com a capacidade de bem perceber o alcance das perguntas formuladas. Assim foi a excelente impressão que me deixou o culto e bom
juiz Lafayete Dutra Atheniense, na vez primeira em que pude fazer
uma inquirição direta (eis aí uma primeira vez de que não me esqueço), além da lição, numa época em que não se falava muito em contraditório, ao proclamar que antes de decidir gostaria de ouvir os doutos
advogados da defesa, feito o que decidiu com sabedoria.
Uma vantagem da inquirição direta pelas partes é a de não serem as respostas dadas ao juiz presidente, como se interessassem só
a ele. Em alguns lugares a testemunha senta-se de frente para o juiz,
enquanto os jurados se acham mais distantes, atrás ou ao lado. Certa
feita coloquei-me junto aos jurados, e comecei a perguntar em voz
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baixa. A testemunha foi se virando até ficar de costas para a mesa
do juiz e de frente para os jurados, que prestaram muita atenção nas
perguntas e respostas.
Bem andou o legislador em deixar bem claro que a inquirição
será direta, pois nos julgamentos da competência do júri a prova da
autoria, das causas de exclusão da ilicitude e de muitas circunstâncias
que podem influir na decisão dos chamados juizes de consciência, entre
as quais a vida pregressa, os hábitos e o caráter do réu, é, quase sempre,
exclusivamente testemunhal, devendo, assim, ser mais amplamente investigada, e mais eficientemente pesquisados os exageros e propositais
equívocos de certas testemunhas. O sistema presidencial, para esse efeito, não satisfaz. A retransmissão de perguntas pelo juiz as torna menos
objetivas, menos seguras, e, por vezes, fica desfigurado seu sentido.
Vai aqui uma útil advertência. Não se sinta o advogado senhor
da situação para maltratar a testemunha. Afinal, está numa sessão de
julgamento criminal e não em uma comissão parlamentar de inquérito. E pode ser surpreendido com uma resposta que o deixe desconfortável. O citado Wellman deu alguns exemplos. Mas vou ficar com a
orientação de nosso velho e estimado processualista Eliézer Rosa, que
por muitos anos exerceu a judicatura no Rio de Janeiro.
Após criticar o advogado que espicaça a testemunha, que a irrita, que discute com ela, que a provoca enquanto pergunta, diz o seguinte:
Vi causas ruírem pela impertinência do advogado, vi causas, aparentemente perdidas, irem-se erguendo, construindo, embelezando, ganhando formas empolgantes, a cada pergunta feita e a cada
resposta dada. A prova é o campo de eleição do advogado. Um
grande advogado é um grande artista da prova, é na prova que
se prova o advogado (Dicionário de Processo Penal, Editora Rio,
1975, verbete “Ampla defesa”).
Ia me esquecendo de dizer que, como dispõe agora o art. 475,
“o registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios
ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica
similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da
prova”. “A transcrição do registro, após feita a degravação, constará
dos autos”, determina o parágrafo único.
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5
A NULIDADE POR CERCEAMENTO DOS DIREITOS
DO ACUSADOR E DO DEFENSOR E UMA BOA
DECISÃO DO STJ
Espera-se que, diante da lei expressa, não ocorra mais cerceamento dos direitos do acusador e do defensor. De outro modo, poderá
configurar-se nulidade, nos termos do inc. IV do art. 564.
A esse respeito, assim escrevemos em uma de nossas primeiras
razões de apelação, aliás não provida (Minas Forense, n. 21, p. 8-11):
Verdade que, na sistemática do Código, não é decretável nulidade
sem prejuízo para a acusação ou para a defesa. Exigir-se, porém,
no caso, uma prova real de prejuízo, seria exigir-se uma diabolica
probatio. Se a testemunha não foi perguntada pela acusação, por
arbitrária proibição pelo digno presidente do tribunal, se a parte não se conformou com a resolução do magistrado, não tendo
querido, por lhe parecer prejudicial a seus interesses, simplesmente requerer perguntas, que, se deferidas, seriam retransmitidas ao
depoente pelo juiz, é de presumir-se o prejuízo da acusação. Se o
júri, juiz de consciência, não tem que fundamentar suas decisões,
seria afirmação diabólica dizer que o depoimento então prestado
não tivera influência na decisão.
Essa questão da nulidade foi, aliás, muito bem posta pelo Ministro Jorge Mussi, em esclarecedor acórdão do Superior Tribunal de
Justiça, 5ª Turma , no HC 121.216, DJ de 01.06.2009, sobre “a prova
oral após a reforma processual penal (l. 11.690/2008). inversão na
formulação das perguntas (art. 212, cpp). Nulidade”, do qual se transcrevem os seguintes tópicos:
Trata-se de habeas-corpus, com pedido de liminar, impetrado
pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, em favor de R. S. S., contra acórdão proferido pela 2ª Turma Criminal
do Tribunal de Justiça daquele Distrito, que negou provimento à
Reclamação nº 20080020117923 ajuizada nos autos do ProcessoCrime nº 2007.03.1.006253-0, da Primeira Vara Criminal da Circunscrição Judiciária de Ceilândia/DF, em que restou condenado o
paciente à pena de 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 20 (vinte) dias
de reclusão, em regime fechado, pela prática do delito disposto no
art. 157, caput, do Código Penal.[...]
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Narrou o impetrante que, designada audiência de instrução e julgamento, esta se realizou em desacordo com as normas contidas no
art. 212 do Estatuto Processual Penal, com a nova redação que lhe
foi dada pela Lei nº 11.690/2008, pois houve inversão na ordem
de formulação das perguntas. Entendeu que referido procedimento
violou o citado dispositivo, assim como o sistema acusatório (art.
129, I, da CF), o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF) e o
princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), causando nulidade absoluta do feito, que prescinde da demonstração
do efetivo prejuízo e de dilação probatória ao seu reconhecimento.
[...].
A douta Subprocuradora-Geral da República opinou pela concessão da ordem.
É o relatório.”
“Voto
O senhor ministro Jorge Mussi (relator): [...]
A Corte Originária, no entanto, mesmo reconhecendo que no Juízo Singular incorreu-se “em erro de procedimento”, negou provimento à reclamação, ao argumento de que, in casu, não restou
comprovado o necessário prejuízo para nulificar o ato, sendo que
da audiência o Ministério Público participou, sem que se observasse qualquer comportamento irregular por parte do Magistrado
(fls. 53 a 61). [...]
Não obstante haja resistência às mudanças procedidas na legislação processual penal, consoante salientado por ocasião do deferimento da pretensão sumária, é certo que com a nova redação dada
ao aludido dispositivo, “o juiz simplesmente poderá complementar
a inquirição sobre os pontos não esclarecidos, cabendo-lhe ainda
não admitir as perguntas que não tiverem relação com a causa ou
importarem na repetição de outra já feita” (SOUZA, José Barcelos
de. In: Boletim IBCCRIM. “Novas leis de processo: inquirição
direta de testemunhas. Identidade física do juiz”. ano 16, n° 188,
p. 15, julho de 2008).
Constata-se, então, que no caso vertente restou violado due process
of law constitucionalmente normatizado, pois o art. 5º, inciso LIV,
da Carta Política Federal, preceitua que “ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”; e na espécie o ato reclamado não seguiu o rito estabelecido na legislação
processual penal, acarretando a nulidade do feito, porquanto, a teor
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do art. 212 do Código Instrumental, a oitiva das testemunhas deve ser
procedida com perguntas feitas direta e primeiramente pelo Ministério Público e depois pela defesa, sendo que na hipótese, o Magistrado não se restringiu a colher, ao final, os esclarecimentos que elegeu
necessários, mas realizou o ato no antigo modo, ou seja, efetuou a
inquirição das vítimas, olvidando-se da alteração legal, mesmo diante
do alerta ministerial no sentido de que a audiência fosse concretizada
nos moldes da vigência da Lei nº. 11.690/2008. [...]
Então, além de a parte ter direito à estrita observância do procedimento estabelecido na lei, conforme assegurado pelo princípio do
devido processo legal, sendo importante relembrar que na espécie
o paciente teve proferido julgamento em seu desfavor, certo é que,
diante do novo método utilizado para a inquirição de testemunhas,
a colheita da referida prova de forma diversa, ou seja, pelo sistema presidencial, indubitavelmente acarretou-lhe evidente prejuízo.
Nesse passo, em que pese os judiciosos fundamentos expostos no
aresto hostilizado, o qual mesmo admitindo que houve a inversão
apontada pelo Ministério Público, não anulou a audiência procedida
em desacordo com o art. 212 do Diploma Processual Repressivo,
resta suficientemente demonstrada a nulidade decorrente do ato
em apreço, em razão de evidente ofensa ao devido processo legal,
sendo mister reiterar que contra o paciente foi proferida sentença
condenatória, édito repressivo que encontra suporte nas declarações
colhidas em desacordo com a legislação em vigor, bem demonstrando que, a despeito de tratar-se ou não de nulidade absoluta, houve
efetivo prejuízo, quer dizer, é o que basta para se declarar nulo o
ato reclamado, assim como os demais subsequentes, e determinar-se
que outro seja realizado dentro dos ditames legais.
Diante do exposto, confirmando-se a medida liminar deferida,
concede-se a ordem para anular a audiência realizada em desconformidade com o contido no art. 212 do Código de Processo Penal
e os atos subsequentes, determinando-se que outra seja procedida,
nos moldes do referido dispositivo.
É o voto”. (Boletim Ibccrim, ano 17, n. 200, p. 1274, jul. 2009).
6
UM OUTRO MOTIVO DE NULIDADE QUE PODERÁ
PROSPERAR
Um outro motivo de nulidade poderá alastrar-se, por ter ficado
muito divulgado em recente julgamento pelo júri em São Paulo, com
duração de alguns dias e ampla cobertura pela televisão.
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Com efeito, foi muito divulgado que os jurados também poderiam fazer perguntas às testemunhas, mas – e aqui a equivocada
informação – formuladas por escritos que seriam levados ao juiz presidente.
E isso, simplesmente, porque a nova lei, ao preceituar que as
partes poderão perguntar diretamente às testemunhas, determinou que
os jurados perguntariam por intermédio do juiz.
Ora, os jurados sempre fizeram isso oralmente, tal como a acusação e a defesa, quando se entendia que não podiam perguntar diretamente. Não tem sentido a invencionice de bilhetes, se a lei não cuida
disso.
7
O NOVO SISTEMA, CRITICÁVEL, DE INQUIRIÇÃO NA
INSTRUÇÃO CRIMINAL
Cumpre assinalar que também já de há muito, sob o regime do
Código de Processo Criminal, havia regra diferente para o sumário,
pois, aí, o juiz inquiria.
Ocorre que, como já foi dito, a recente Lei n. 11.690, também
de 9 junho de 2008, relativa à prova, rompeu com o chamado sistema
presidencial, adotando, também para a instrução criminal, a inquirição
direta pelas partes. É o que agora dispõe o novo art. 212 do Código.
Retornamos, assim, ao que se praticava antes também no processo civil, ao tempo da legislação anterior ao Código de 1939, quando os advogados inquiriam.
Todavia, aconteceu que o sistema anarquizou-se. Havia a presença de um juiz inerte “a quem os advogados tentavam negar, por
vezes, qualquer intervenção moralizadora”, como informou Pontes
de Miranda (v. 2, p. 242); ou, como lembrou Costa Carvalho (p. 187),
fazia-se a inquirição, de regra e contra a lei, sem a presença do juiz,
pelos advogados das partes que tivessem oferecido as testemunhas.
Naquelas circunstâncias, uma reforma se impunha, e o Código
de Processo Civil trouxe a inovação de transferir para o juiz a inquirição das testemunhas, o que também veio a fazer o legislador processual penal, sem se afastar, quanto ao júri, de normas consagradas
pela tradição de nosso direito processual. Todavia, como observou em
substancioso estudo, o juiz Martinho Garcês Neto (Revista Forense,
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114/322), proibiu demais, com o que se revoltaram os advogados,
pois se devia permitir-lhes uma reinquirição direta. E declarou permitir aos advogados fazer a reinquirição direta e o ditado das respostas.
Tivesse agora assim disposto o legislador, ficando nesse meio termo,
teria sido melhor.
Com essa nova redação do art. 212, o juiz simplesmente poderá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos,
cabendo-lhe ainda não admitir as perguntas que não tiverem relação
com a causa ou importarem na repetição de outra já feita, como já
fazia antes, recusando perguntas semelhantes, acrescendo a lei agora que o juiz não admitirá aquelas perguntas que puderem induzir a
resposta.
Ora, ficava muito mais fácil seu trabalho recusando aquelas
perguntas e, por isso mesmo, não as formulando quando requeridas, do que tendo de ficar fiscalizando para cortar perguntas daquela
natureza. Os atritos ficarão favorecidos. Estando o juiz presidindo
à sessão, impediria os abusos porventura manifestados, tais como
perguntas visando à manifestação das apreciações pessoais da testemunha, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato, perguntas
ambíguas, ou flagrantemente insinuadoras da resposta desejada, ou
do exercício de certa coação sobre a testemunha, para arrancar uma
determinada resposta.
Melhor seria continuar o juiz inquirindo, como sempre fez, à
vista dos termos da denúncia ou queixa, do que constar do inquérito
policial, se houver, e agora, também da resposta do réu, e deixar para
as partes a complementação. Aí, até, vá lá, reinquirindo diretamente.
Isso lhe seria muito útil para a sentença, tanto mais agora que a
recentíssima Lei n. 11.719, de 20 de junho de 2008 prestigia o princípio da identidade física do juiz.
É claro que diante de tudo isso, não deverá, nem as partes deverão aceitar, a delegação da presidência da instrução para escrevente,
assessor e muito menos o estagiário. Foi principalmente o receio de
prosperar uma balbúrdia pior que o tumulto a que se referiram os autores acima citados, na época em que as partes inquiriam diretamente
no processo civil, que nos levou a posicionarmos contrariamente à
inquirição direta na fase da instrução criminal.
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A REFORMA PROCESSUAL E O PRINCÍPIO DA
IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
Por falar em princípio da identidade física, que o Código de Processo Penal não esposava, a recente Lei n. 11.719, de 20/08/2008, acaba
de adotá-lo, com as alterações que introduziu no mesmo Código.
E lá está no art. 399, § 2°, em nova redação: “O juiz que presidiu
a instrução deverá proferir a sentença.”
Mas, e se isso não for possível?
É desnecessário dizer que, enquanto não entrar em vigor a nova
lei, não se inclui entre os princípios informativos do processo penal o
da identidade física do juiz. Além da falta de texto expresso a impô-lo,
a regra oposta, da não identidade, decorreria, durante o prazo de vacância da nova lei, do parágrafo único do art. 502, verbis: “O juiz poderá
determinar que se proceda, novamente, a interrogatório do réu ou a inquirição de testemunha e do ofendido, se não houver presidido a esses
atos na instrução criminal”, dispositivo que a lei citada expressamente
revogou, mas cuja diretriz ainda poderá ser de utilidade, mesmo depois
de entrar em vigor a mencionada lei, que não esclareceu o que fazer na
impossibilidade de seu cumprimento, impossibilidade que poderá regularmente ocorrer, como adiante se dirá. Nada impede que o juiz faça
isso, se entender útil para um julgamento correto.
Dificilmente ocorrerá a oportunidade de aplicar aquela diretriz
da renovação dos debates, já que haverá, com a nova legislação, mais
segurança na fidelidade e conservação da prova. Entretanto, em lugar
em que não se dispuser de meios para conservação dos debates orais,
e não houver memoriais ou resumo consignado no termo de audiên­
cia, nada impede que novo juiz que vier a sentenciar determine a renovação dos debates e das alegações finais.
Quanto à falada impossibilidade, não rara, de o juiz que tiver presidido a instrução proferir a sentença — casos de aposentadoria, remoção ou promoção, enquanto se aguardava a apresentação de memoriais
—, a solução será proferi-la outro juiz, sucessor ou substituto.
Como explicou Orlando de Souza (1987, p. 91, 136-138), quanto à hipótese de aposentadoria “não se duvida de que o juiz aposentado
não mais exerce a função jurisdicional e, por isso mesmo, não poderá
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proferir a sentença”. Já quanto aos casos de remoção e promoção,
referiu-se o citado autor, na área cível, a divergências que ocorreram
e a “alguns julgados apegados ao princípio da identidade física, com
que rompeu o Código, que argumentam com a facilidade de poder o
juiz, já em outra comarca, mandar a sentença pelo correio”. E explicava: Também não pode proferir a sentença o juiz “removido ou promovido, depois da assunção do exercício em outra vara ou comarca.
A sentença seria nula (Cód. Proc. Penal, art. 564, I)”. Por motivo de
incompetência, observou.
DIRECT DEPOSITION OF WITNESSES TO THE PARTS.
THE QUESTIONS OF THE JURORS. MOMENT OF THE
QUESTIONS ASKED BY THE JUDGE. PHYSICAL
IDENTITY OF THE JUDGE AND THE PENAL
PROCEDURE REFORM OF 2008
Abstract
According to the author the system of investigation of witnesses
during the prosecution, known as presidential system, was not to apply
to the Court of Jury, despite a prevalent practice to the contrary, with
the support of judicial decisions. The direct inquiry of witnesses by
the parties, which is not the so-called cross-examination, in the U.S.
procedure, has been enshrined in law with the reform of criminal procedure in 2008. An interesting aspect of questions by the judge before
the new law was examinated by the author, whose view was upheld
by a decision of the Superior Court of Justice. To the author it is illegal the practice adopted in recent trial of large impact, concerning to
questions of jurors. To the author, the sight of ancient practice in civil
proceedings, the legistator did not go well to extend to prosecution the
rule of direct inquiry. Finally, the author analyses the question of the
physical identity of the judge in that procedural reform.
Key words: Witnesses. Examination. Penal procedure reform.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: St. Ives, 1920. v. 2.
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BOLETIM do IBCCRIM, ano 17, n. 200, p. 1.274, jul. 2009.
BUENO, José Antonio Pimenta. Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro. 2. ed. São Paulo: Tipografia de Costa Silveira, 1857,
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COSTA CARVALHO, Luiz Antonio da. O espírito do Código de Processo Civil. Goiás: Labor Editora Gráfica, 1941
AMPLA DEFESA. In: DICIONÁRIO de Processo Penal. Editora
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MINAS GERAIS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Apelação civil n. 14.883 - MG. Apelante: A Justiça
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Paoliello. Belo Horizonte, 15 de junho de 1961. JURISPRUDÊNCIA
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MAGALHÃES NORONHA. Curso de direito processual penal. São
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WELLMAN, Francis L. The Art of Cross-Examination. 4. ed., Nova
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7
O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APÓS A LEI
N. 11.232, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005, A AÇÃO DE
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL
APÓS A LEI N. 11.382, DE 06 DE DEZEMBRO DE 2006,
AS EXECUÇÕES FISCAIS E CONTRA
A FAZENDA PÚBLICA
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
LUIZ FERNANDO DA SILVEIRA GOMES*
Belo Horizonte/MG
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. As novas regras para o cumprimento de sentença, de acordo com os artigos 461 e
461-A. 3. A execução de sentença segundo os artigos 475-I e 475, letras J a R, do CPC. 4. A ação de
execução com base em título executivo extrajudicial, regulamentada no Livro II do Código de Processo Civil. 5. A Execução de sentença contra a Fazenda Pública e a ação de execução fiscal, prevista
na Lei n. 6.830 de 1980 e de prestação alimentícia.
6. Conclusão. Referências.
Resumo
*
O presente estudo pretende ser uma continuação daquele publicado no volume 12, ano 2005, desta Revista, que focalizou a evolução
* Professor da Graduação e Pós-graduação Stricto Sensu, Mestrado em Direito da
Faculdade de Direito Milton Campos.
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da execução de sentença desde a conhecida “Actio Iudicati” Romana
até os tempos atuais. Na época do Direito Romano conheciam-se tão
somente as execuções de sentenças e somente a partir da Idade Média é que começaram a surgir os hoje chamados títulos executivos
extrajudiciais, como se explicou naquele trabalho. Neste, serão examinadas tanto as execuções de títulos extrajudiciais como as efetivações ou cumprimento de sentenças, já após a publicação de todas as
leis que alteraram toda a sistemática da execução, desde a de número
8.952 de 13.12.1994 até a 11.382 de 06.12.2006.
Palavras-chave: Reforma CPC. Cumprimento de sentenca. Ação sincrética.
1
INTRODUÇÃO
A grande reforma da execução teve início em 1994, com a
edição da Lei n. 8.952, de 13.12.94, que alterou a redação do artigo
461 do Código de Processo Civil, transformando as ações relativas
às obrigações de fazer ou não fazer em ações sincréticas (com as
fases de conhecimento e de execução correndo em um só processo)
ou de rito executivo “lato sensu” e ainda criando a chamada execução específica de tais modalidades de obrigação. Após esta modificação, veio a Lei 10.444, de 07.05.2002, e criou o artigo 461-A,
incluindo as ações relativas às obrigações de entrega de coisa no
rol das ações de rito executivo “lato sensu”. O mesmo ocorreu
com as execuções das sentenças condenatórias em obrigações de
pagar quantia certa, as quais também sofreram alterações pela Lei
11.232, de 22.12.05 (a partir do artigo 475-J), que transformou tais
ações e respectivas execuções no rito executivo “lato sensu”, ou
seja, passaram a ser também ações sincréticas, dispensando novo
processo de execução.
Observa-se, pois, que, após a citada Lei 11.232/05, as execuções de sentenças relativas às três modalidades de obrigações são
agora efetivadas ou cumpridas sem a necessidade da instauração de
um novo processo de execução como ocorria antes. As sentenças têm
agora força para serem executadas ou cumpridas mediante a prática de
atos executivos independentemente de um novo processo. O chamado
processo sincrético é constituído de duas fases: a de conhecimento e
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a de execução e, por isso, dispensa um outro processo para se obter a
efetivação ou cumprimento da sentença.
O trabalho analisará também a Ação de Execução Fiscal, regulada pela Lei 6.830/80, para mostrar que tal ação não sofreu alteração pelas reformas empreendidas pelo legislador, o mesmo ocorrendo com a execução contra a Fazenda Pública, objeto dos artigos
730 e 731 do CPC. Embora não estudada, de forma mais ampla,
pelo presente estudo é oportuno mencionar que a Ação de execução
por quantia certa contra devedor insolvente (insolvência civil), regulamentada pelos artigos 748 e seguintes do CPC, também não foi
alterada pela reforma, mesmo quando o título que será executado
for judicial.
2
AS NOVAS REGRAS PARA O CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA DE ACORDO COM O DISPOSTO NOS
ARTIGOS 461 E 461-A , DO CPC.
No que se refere ao artigo 461, com a nova redação dada pela
Lei 8.952/94, duas importantes modificações foram introduzidas na
legislação processual civil no que diz respeito ao cumprimento das
obrigações de fazer ou não fazer: a) tais ações passaram a ter curso
no chamado rito executivo “lato sensu”, no qual passa a existir um
processo sincrético (mistura de fases), com as duas ditas fases se desenvolvendo em um só conjunto, isto é, a fase de conhecimento corre
juntamente com a de execução, de forma que, como já foi dito, a
própria sentença tem força executiva, sem necessidade da propositura
de novo processo de execução; b) houve ainda a adoção da chamada
execução específica da obrigação de fazer ou não fazer, por meio da
qual o juiz passou a ter poderes de obrigar o devedor de tal obrigação
a cumpri-la do mesmo modo que contratou ou que a lei o obrigou.
Essa execução específica é o oposto da genérica, na qual, em vez de o
juiz determinar atos que obriguem o devedor a cumprir a obrigação de
forma específica, como está expresso no § 5º. do artigo 461 do CPC,
o magistrado, substitutivamente, condenará o devedor inadimplente a
pagar perdas e danos, como reparação à inexecução ocorrida, como
sempre acontecia antes da nova redação do artigo 461, a partir de
1994. A explicação para a reforma havida é que, antes da sistemática
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e dos poderes do juiz constantes do § 5º. do artigo 461 (execução específica), entendia-se que o magistrado não podia adentrar na vontade
individual da pessoa devedora da obrigação de fazer ou não fazer, mas
tão somente podia-se cobrar do inadimplente uma indenização por
perdas e danos(execução genérica).
Observe-se que o artigo 461 dispõe tanto sobre a ação de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer como a forma de cumprimento da sentença (§ 5º.), exatamente porque as duas fases andam juntas: cognição e execução. Deve-se notar, ainda, que a ação de
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, como o legislador
a designou é, na verdade, uma ação de preceito cominatório, também
regulada no artigo 287 do CPC de 1973, que tem como principal característica a cominação de multa pecuniária periódica (astreintes), e
que era tratada no anterior CPC de 1939 como ação cominatória, nos
artigos 302 e seguintes.
Em 2002, como já se disse, foi publicada a Lei n. 10.444, que
acrescentou ao CPC o artigo 461-A e estendeu a mesma sistemática
do artigo 461 às obrigações de entrega de coisa (obrigações de dar),
ou seja, passaram as respectivas ações ao rito executivo “lato sensu”,
ou ações sincréticas e também passaram tais ações a ter suas execuções na forma específica, pois o art. 461-A remeteu o operador do direito ao art. 461. Oportuno observar que a execução de uma sentença
proferida em ação reivindicatória, julgada procedente e determinando
a entrega de um imóvel ao autor, mesmo antes do artigo 461-A, já era
executada mediante a expedição de um mandado de imissão de posse
não havendo grande dificuldade que justificasse a alteração havida,
eis que o autor vencedor era imitido na posse do imóvel encerrando,
assim, a execução, à semelhança do cumprimento de um mandado de
despejo compulsório. Aliás, parte da doutrina já considerava a dita
ação reivindicatória, mesmo antes da reforma, como de rito executivo
“lato sensu,” conforme Ovídio A. Baptista da Silva (1998, v. II, p.
228).A mudança legislativa permitindo, entre outras providências, a
cominação de multa pecuniária periódica, isto é, as astreintes, é realmente útil quando o bem objeto da reivindicação é coisa móvel, com
o propósito de compelir o executado, por coação psicológica e evitar
o desaparecimento do bem, sendo levado pelo réu para outro longínquo lugar, impossibilitando a execução.
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O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA APÓS A LEI N. 11.232...
Houve, pois, a transformação de todas as ações relativas à obtenção do cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer e de
entrega de coisa certa em ações de rito executivo “lato sensu” ou sincréticas e, com isso, não há mais espaço para a oposição de Embargos
à Execução ou do Devedor, justamente por não haver mais a necessidade de um novo processo de execução, após o trânsito em julgado da
sentença condenatória.
Não há mais, pois, um processo autônomo de execução a ser
objeto de ataque por Embargos do Devedor. As matérias de defesa,
em ações de rito executivo “lato sensu”, sempre foram objeto de alegação na contestação, na fase de conhecimento, como já ocorria nas
ações de despejo e nas possessórias, que já tinham o rito executivo
“lato sensu.”
Agora, somente no caso do artigo 475-L e M é que o legislador
concedeu ao executado a oportunidade de oferecer Impugnação para
discutir as matérias relacionadas no citado artigo 475, letra M e seus
incisos, certamente por ser a execução de sentença condenatória em
quantia certa bem mais complexa que as dos artigos 461 e 461-A.
Entretanto, vêm-se observando que alguns Tribunais Estaduais
têm, nos casos desses dois últimos artigos (461 e 461-A), recebido
petições dos executados, como impugnações e julgado tais formas de
defesa, mesmo sem expressa previsão legal, em face da necessidade de
corrigir irregularidades que, posteriormente, possam eventualmente
gerar novas e desnecessárias ações. Em alguns desses acórdãos costuma-se ver como fundamentação para o recebimento, como Impugnação, de petição denominada de Embargos à Execução, a observância
dos princípios da economia processual e da ampla defesa, sobretudo
em casos de erros graves de cálculos e outras matérias de grande relevância e de surgimento posterior à sentença.
3
A EXECUÇÃO DE SENTENÇA SEGUNDO O ARTIGO
475-I e 475, LETRAS J a R DO CPC
Finalmente, na terceira e última fase da grande reforma da execução, a Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, incluiu no rol das
ações de rito executivo “lato sensu”, ou sincréticas, aquelas destinadas à condenação ao pagamento de quantia certa, suprimindo-lhes
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também a necessidade da propositura de ação autônoma de execução. Assim, transitada em julgado a sentença que condenou o devedor a pagar uma quantia líquida, ou já acertada em procedimento de
liquidação de sentença (artigo 475-A a H), este deve pagá-la no prazo
de até 15 dias, sob pena da incidência de multa de 10 % sobre o valor
da condenação atualizado. Essa multa não deve ser confundida com
as “astreintes”, que são devidas por tempo de atraso no cumprimento
da obrigação. O pagamento da dívida já apurada ou liquidadadeve ser
feito independentemente de citação do devedor justamente porque
não há mais uma nova ação de execução de sentença. O processo é
sincrético, como já foi explicado. Os juízes de primeiro grau têm,
na prática, determinado a intimação do devedor para o pagamento
da dívida atualizada, no prazo legal de 15 dias, embora o STJ tenha
decidido, em um caso isolado, que o prazo legal para o pagamento da
dívida começa a correr a partir da data em que ocorre o trânsito em
julgado da última decisão, tudo levando a crer que independentemente de qualquer intimação. Aliás, o artigo 475-J é omisso quanto a essa
questão do início do prazo para o pagamento da dívida apurada. E daí
as divergências, como sempre ocorre com as leis não muito claras. O
ideal seria que tal prazo tivesse início a partir da data da publicação da
vista às partes sobre a descida dos autos, ou seja, a partir do momento
em que houvesse condições para que o devedor tivesse acesso aos
aludidos autos, para a feitura do cálculo definitivo para o pagamento
da dívida devidamente apurada.
A impugnação, remédio destinado a ser utilizado pelo executado, para se defender, alegando uma ou mais das matérias relacionadas
nos seis incisos do artigo 475-L do CPC, tem natureza de incidente
processual e é tida pela doutrina majoritária como defesa que pode ser
utilizada pelo executado, desde que alegue apenas as matérias previstas no citado artigo 475-L, que se referem a fatos e questões ocorridos
ou detectados após a sentença proferida na fase de conhecimento do
processo sincrético.
O § 1º. do artigo 475-J dispõe que o prazo para a apresentação da impugnação é de 15 dias contados da intimação da penhora e
avaliação, na forma dos artigos 236 e 237 do CPC. O recurso cabível
da decisão que julga a Impugnação é o Agravo de Instrumento, pois
neste caso tal decisão será interlocutória e quando puser termo ao proREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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cesso, cabível será a Apelação, eis que será extinta a execução, tudo
conforme o artigo 475-M, § 3º., do CPC. A Impugnação terá curso
em autos apartados caso não tenha efeito suspensivo, para possibilitar
o prosseguimento da execução. Se for deferido dito efeito, correrá
nos mesmos autos da execução, nos termos do § 2º., do citado artigo
475-M, prosseguindo a execução somente após o julgamento da Impugnação.
Como se trata de cumprimento de sentença ou execução, nos
termos do artigo 475-I (é preciso ficar atento ao fato de que, aqui, o
citado art. 475-I, denomina-se de execução de sentença, porém tratase de execução sem processo autônomo), por se cuidar de obrigação
de pagar quantia certa, é preciso notar que o artigo 475-L relaciona as
matérias que podem ser alegadas na Impugnação, exatamente por se
tratar de execução de sentença, ou seja, as questões de mérito já foram
todas decididas na fase de conhecimento e a execução será tão somente de uma sentença já transitada em julgado, não mais podendo haver
qualquer modificação. Assim, a Impugnação somente pode tratar de
matérias supervenientes à sentença, ou que foram detectadas depois
dela. O que não pode haver, repita-se, é a alteração de sua substância.
Convém, ainda, lembrar que a letra R do art. 475 do CPC dispõe que
os procedimentos da fase de execução de sentença, após o julgamento
da Impugnação e, no que couber, seguirão as normas das execuções
dos títulos executivos extrajudiciais.
Importante notar, também, que a relação taxativa dos títulos
executivos judiciais, que figurava no artigo 741 do CPC, passou agora
para o artigo 475-N, com algumas alterações, sendo uma das mais importantes aquela prevista no número I, que ampliou a força executiva
das sentenças, permitindo também a execução daquelas de natureza
apenas declaratória, o que não ocorria antes. O Prof. Humberto Theo­
doro Jr. (2006, v. II, p. 70) observa que esta modificação veio para o
CPC após os comentários da doutrina e decisões do STJ a este respeito, esclarecendo que dito inciso I dispõe que é exequível a “sentença
proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação
de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia.” Assim, além
das sentenças condenatórias também as meramente declaratórias são
exequíveis.
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Antes de passar para o exame da execução dos títulos executivos extrajudiciais é importante tratar a questão da execução provisória da sentença que, após a Lei 11.232/05, acha-se regulada pelo
artigo 475-O do CPC que aboliu a Carta de Sentença, mas manteve a
execução provisória por meio de simples petição à qual deverão ser
anexadas as cópias das peças do processo cuja sentença se pretende
executar, conforme o § 3º. do citado artigo 475-0.
4
A AÇÃO DE EXECUÇÃO COM BASE EM TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL REGULAMENTADA
NO LIVRO II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Vimos acima como ocorre, em linhas gerais, o cumprimento de
sentenças proferidas nas ações regulamentadas pelos artigos 461 e
461-A, bem como nas que se acham regradas pelo artigo 475 da letra
J a R, as quais o art. 475-I diz que são feitas por execução, como já se
explicou. Neste tópico, serão analisados os principais aspetos da Ação
de Execução com base em título executivo extrajudicial. Aqui, o processo é, evidentemente, autônomo, pois o título executivo a ser objeto
da ação de execução não é uma sentença e sim um dos documentos ou
escritos formais previstos no artigo 585 do CPC e que são equiparados às sentenças para fins de execução. A Ação de Execução de Título
Executivo Extrajudicial que contenha uma obrigação de fazer ou não
fazer, uma obrigação de entrega de coisa certa ou uma obrigação de
pagar quantia certa constitui-se em uma relação processual autônoma,
que tem início por meio de petição inicial, que deve ser levada à distribuição por dependência, e nesta petição o exequente deve requerer
a citação do devedor inadimplente para o cumprimento da obrigação
no prazo legal ou naquele que o juiz fixar, conforme o caso.
Tal Ação de Execução figura, no Código de Processo Civil, no
Livro II e é considerada o segundo gênero da jurisdição e, evidentemente, não sofreu a incidência da reforma da Lei 11.232/05, mas foi
atingida pela Lei 11.382 de 2006, que a simplificou em vários pontos.
Aqui, a forma de defesa do executado é uma ação, por este proposta,
que corre em apenso aos autos da execução, que são os chamados
Embargos à Execução, previstos nos artigos 736 e seguintes do CPC.
Essa ação de Embargos visa a desconstituir o título executivo cobrado
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e termina por uma sentença. Este título tanto pode se referir a uma
obrigação de fazer ou não fazer, de entrega de coisa ou de pagar quantia certa.
Na hipótese da Execução de obrigação de entrega de coisa certa com base em título extrajudicial o procedimento segue as normas
dos artigos 621 e seguintes do CPC. Quanto se tratar de execução de
obrigação de fazer ou não fazer as regras serão as dos artigos 632 e
seguintes, do mesmo Código. Já quando o título extrajudicial contiver
uma obrigação de pagar quantia certa, a ação de execução seguirá o
rito dos artigos 652 e seguintes, já agora com as alterações trazidas
pela citada Lei 11.382 de 06.12.2006, que promoveu simplificações
em diversos institutos do processo de execução de título extrajudicial,
como, por exemplo, criando a alienação por iniciativa particular, ou
então permitindo a adjudicação do bem penhorado sem a necessidade
de ser realizada a arrematação e não ter havido licitantes, como era
antes. Alterou também a redação do artigo 652 passando o prazo para
3 dias para o pagamento da dívida e não mais 24 horas como anteriormente.
Essas execuções correm sob três fases: a de afetação pela penhora de bens, a de expropriação pela venda dos bens penhorados e
a de satisfação pelo pagamento ao credor, conforme a lição do prof.
Humberto Theodoro Jr., na obra já citada.
5
A EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA, A AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL
REGULADA PELA Lei 6.830 DE 1980 E OUTRAS
A Execução de sentença proferida contra a Fazenda Pública,
uma vez transitada em julgado, deve ser iniciada com base nos artigos
730 e 731 do CPC, que traçaram um procedimento bem diverso daqueles analisados acima. Condenada a Fazenda a pagar determinada
quantia deverá ela ser citada para, no prazo de 30 dias (anteriormente
à Lei 9.494/97, art. 1º.-B, este prazo era de 10 dias, embora haja quem
entenda que o prazo de 30 dias só tenha aplicação nas ações contra
o INSS, em face da Lei 9.528/97) oferecer Embargos nos termos do
artigo 730 do CPC, e, se não houver a oposição de ditos Embargos ou
não forem acolhidos, o juiz deverá determinar a requisição do pagaREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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mento da quantia objeto da condenação, por intermédio do Presidente
do Tribunal competente, isto é, do Tribunal de Justiça do respectivo estado, fazendo-se o pagamento na ordem de apresentação do precatório
e à conta do respectivo crédito: incisos I e II do citado artigo 730.
Anualmente, o Tribunal remete ao Tesouro da Fazenda Pública executada uma relação dos Precatórios protocolizados, na ordem
cronológica, para que, nesta ordem, sejam feitos os pagamentos aos
exequentes.
Observe-se que no dispositivo comentado permaneceu a necessidade de citação da Fazenda Pública para a oposição dos Embargos,
o que revela que nesta forma de execução não houve a incidência das
Leis 11.232/05, nem da de n. 11.382/06. E a razão, é óbvio, é que,
como os bens públicos são impenhoráveis não pode ser utilizado o
mesmo procedimento para a execução da sentença que é usado quando a responsabilidade pelo pagamento pode incidir sobre o patrimônio do devedor, pessoa física ou jurídica de direito privado, cujos bens
são penhoráveis.
O artigo 741, em nova redação, dispõe sobre as matérias que
podem ser alegadas nos Embargos à Execução contra a Fazenda Pública, em seus sete incisos. O artigo 100 da Constituição da República
de 1988 dispõe sobre o cumprimento dos precatórios judiciais, quanto
à ordem cronológica de pagamentos e esclarecendo quais são os débitos de natureza alimentícia, que gozam de preferência no que se refere
à ordem de pagamento.
Sem ter sido alterada pelas leis da reforma da execução, comentadas acima, a Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980, continua a
regulamentar a cobrança judicial executiva da dívida ativa da Fazenda
Pública Federal, Estadual, Municipal e das respectivas autarquias.
O artigo 8º. da referida lei fala em citação do devedor para pagar
a dívida no prazo de 5 dias, com os acréscimos legais. Isto significa que,
não tendo sido alterada, continua tendo curso por meio de um processo
autônomo de execução, ou seja, por meio de uma relação processual
autônoma, com citação, defesa do devedor, instrução, sentença, recursos e todas as demais fases normais de uma ação de execução.
Do mesmo modo, continuaram sem alterações as execuções de
prestação alimentícia dos artigos 732, 733 e 734 do CPC. Finalmente,
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esclareça-se que a Ação de Execução por Quantia Certa contra devedor insolvente (artigos 748 e seguintes do CPC), também não sofreu
qualquer modificação pelas leis da reforma.
6 CONCLUSÃO
Em conclusão pode-se dizer que as alterações ocorridas de 1994
até 2006, na execução, foram, em linhas gerais, úteis ao melhor andamento dos processos, eliminando a necessidade de instauração de um
novo processo de execução para se executar as sentenças, evitando a
feitura de uma nova petição inicial, além daquela necessária à propositura da ação de conhecimento e bem assim não é mais necessária
nova citação, eis que, uma vez citado o réu na fase de conhecimento
já estará citado para a fase de execução.
Quanto à ação de execução com base em título executivo extrajudicial, regulamentada no Livro II do CPC, também foi objeto de
simplificação, por meio da Lei 11.382/06, que, como foi analisado
acima, promoveu importantes melhoramentos em seu procedimento
retirando diversas exigências que não mais faziam sentido, como, por
exemplo, permitindo agora a adjudicação do bem penhorado, sem ter
de passar pela arrematação e ainda exigindo não ter havido licitantes.
Foi útil, outrossim, a alteração da sistemática da arrematação, permitindo a alienação do bem por iniciativa particular do próprio credor.
Outra grande inovação foi ter possibilitado a oposição dos Embargos
à Execução, independentemente da realização prévia da penhora, o
que provocou a desnecessidade da exceção de pré-executividade.
THE ENFORCEMENT OF THE LEGAL DECISION AFTER
FEDERAL STATUTE N. 11.232 OF DECEMBER 22,
2005, THE LAW SUIT OF THE EXECUTION OF
EXTRAJUDICIAL TITLES AFTER FEDERAL STATUTE
N. 11.232, FISCAL LAW SUITS AND EXECUTIONS
AGAINST THE GOVERNMENT
Abstract
This study is a continuation of that published in Volume 12,
year 2005, of this law review, which treated of the evolution of judiREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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cial decisions enforcements since the “actio iudicati” in Roman Law
until now. During the period of Roman Law only decisions enforcements were known and after the middle ages some kind of documents
were also recognized as able to be object of judicial action or court
proceedings, in a specific judicial enforcement way. In this work, will
be analyzed, either, the judicial enforcements methods or procedures
of the mentioned specific documents and judicial decisions after the
issue of all the statutes which changed the Civil Procedure Law in
Brazil, since 1994.
Key words: Changes in civil procedure law. Judicial decisions enforcements.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual da eecução. 11. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2007.
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 3.
GAIO JÚNIOR, Antônio Pereira. Direito processual civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, v 2.
NEGRÃO, Theotônio; GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 39. ed. São Paulo: Saraiva,
2007.
SANTOS, Moacyr Amaral. Ações cominatórias no direito brasileiro.
3. ed. São Paulo: Max Limonad, 1962. t. 2..
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 3. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998v. 2.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil.
39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução. 14. ed.
São Paulo: Leud, 1990.
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8
“THE SLEEPING LION NEEDED PROTECTION” –
LESSONS FROM THE MBUBE* (LION KING)
DEBACLE**
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
MATOME MELFORD RATIBA***
University of South Africa
[email protected]
Summary
1. Introduction. 2. The story of Solomon Linda and
Mbube. 2.1. The song. 2.2. The song successes and
the ensuing copyright dispute. 3. Protective initiatives: territorial and international. 3.1. Intangible cultural expression (music) in the context of intellectual property and copyright regimes. 3.2. Possible
ways to revive or enhance the efficacy of copyright
and intellectual property regimes. 3.2.1. Judicial
discretion. 3.2.2. The use of joint authorship, transfer of rights and the work made for hire concepts
to individualise collective rights. 3.2.3. Looking
beyond Copyright and Intellectual property law regimes. 3.3. Initiatives at international law level. 3.4.
Cultural music in the context of indigenous knowledge system. 4. Protection of cultural property in
*
Zulu word for lion.
This article is dedicated to the memory of my mother, Moloko Agnes Ratiba, (1930–
2003) whose parental guidance, wisdom, and generosity are sorely missed. I would also
like to thank Zingisile Ntozintle Jobodwana and Susan Scott for helpful comments and
suggestions.
***
Senior Lecturer, College of Law. University of South Africa (UNISA)
*
**
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South Africa. 5. Challenges facing South Africa. 6.
Conclusion. References.
Abstract
In 1939 a young musician from the Zulu cultural group in South
Africa, penned down what came to be the most popular albeit controversial and internationally acclaimed song of the times. Popular
because the song somehow found its way into international households via the renowned Disney‘s Lion King. Controversial because the
popularity passage of the song was tainted with illicit and grossly
unfair dealings tantamount to theft and dishonest misappropriation of
traditional intellectual property, giving rise to a lawsuit that ultimately
culminated in the out of court settlement of the case. The lessons to
be gained by the world and emanating from this dramatics, all pointed
out to the dire need for a reconsideration of measures to be urgently
put in place for the safeguarding of cultural intellectual relic such as
music and dance. In this exposition various ways of protecting cultural music and/or dance within the broad category of folklore, as well
as ways of preventing the illicit dealing thereof are investigated.
Key words: Copyright. Traditional knowledge. Cultural music.
1
INTRODUCTION
“Music has been, and continues to be, important to all people
around the world. Music is part of a group’s cultural identity; it reflects their past and separates them from surrounding people. Music
is rooted in the culture of a society in the same ways that food, dress
and language are”. Looked at from this perspective, music therefore
constitute an integral part of cultural property that inarguably requires
concerted and decisive efforts towards preservation and protection of
same from unjust exploitation and prevalent illicit transfer of same.
The duty to do so becomes even more necessary and critical in coun
See the Minnesota State University Mankato website at http://www.mnsu.edu/emuseum/
cultural/music/. Retrieved April 1,2009
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tries such as South Africa and a majority of other first and third world
countries sharing the common characteristic of being multi-cultured.
In 1939 a young musician from the Zulu cultural group in South
Africa, penned down what came to be the most popular albeit controversial and internationally acclaimed song of the times. Popular
because the song somehow found its way into international households
via the renowned Disney‘s Lion King. Controversial because the popularity passage of the song was tainted with illicit and grossly unfair
dealings tantamount to theft and dishonest misappropriation of traditional intellectual property, giving rise to a lawsuit that ultimately
culminated in the out of court settlement of the case. The lessons to
be gained by the world and emanating from this dramatics, all pointed
out to the dire need for a reconsideration of measures to be urgently
put in place for the safeguarding of cultural intellectual relic such as
music and dance.
In this exposition various ways of protecting cultural music
and/or dance within the broad category of folklore, as well as ways of
preventing the illicit dealing thereof are investigated. This is done by
firstly presenting a brief outline of the Solomon Linda story accompanied by the shortcomings and/or dramatics relating thereto. This
is followed secondly by a discussion of various initiatives, (be they
suggested, proposed or otherwise) taken both territorially and in the
international arena, and also geared towards preserving and protecting cultural property. In this feat, the paper will touch on and address
where possible, both the following aspects, which are :(a) Intangible
cultural expression (music) in the context of intellectual property and
copyright regimes; (b) Intangible cultural expression (music) in the
context of indigenous traditional knowledge systems. Lastly a review
of the progress regarding endeavours (if any) made by South Africa and
pertaining to the preservation and protection of cultural music in the
aftermaths of the Solomon Linda debacle, will be succinctly set out.
2
THE STORY OF SOLOMON LINDA AND MBUBE
Solomon Popoli Linda was born near Pomeroy, in the impoverished Msinga rural area of Zululand. In 1931, he like many others his
age trekked to Johannesburg in search of work. In 1933 he formed a
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music group called the Evening Birds and continued to serenade crowds with Zulu choral music until his demise in 1962.
2.1 The song
The song “Mbube” was first recorded back in 1939 by Solomon
Linda who sang it with his aforementioned backing group. It ought to
be emphasized at this point and strictly for the purpose of this exposition, that Linda’s writing was not per se the origination of the song
under discussion, but that it simply ‘was Linda’s inspired cross-over
rendering of a wedding song composed by young girls from Msinga
to commemorate the killing of a lion cub, called “Imbube” (Lion)’,
and should rather more aptly be described as Linda’s commoditization
of pre existing cultural material and also keeping in mind that ‘many
musicians from traditional cultures are partaking of the fruits of a
burgeoning music industry that considers traditional forms of music
marketable commodities on the “World Music” scene.
The commoditized song was then appropriated by Gallo Record
Company which at the time is believed to have paid Linda a single
fee estimated in the region of ten shillings for the recording and no
royalties whatsoever. Becoming an instant hit throughout the country
(i.e. South Africa), the song managed to reach a record sale of about
100,000 copies during the 1940s.
In 1950 an original recording of the song somehow found its
way into the hands of an American musicologist by the name of Alan
Lomax, who almost instantaneously passed the recording to his friend
who was none other than Peter Seeger of the folk group referred to
as The Weavers. In November 1951, after much public rendition of
the original song at various concerts, The Weavers and copying from
the original recording, released their version which was then titled
See Liz Gunner ‘Zulu Choral Music—Performing Identities in a New State’, Research in
African literatures, Vol. 37 ( No. 2 - Summer 2006), 83 - 97 on page 86.
See Anthony McCann, ‘Traditional Music and Copyright - the issues’. A paper presented
at “Crossing Boundaries, “the seventh annual conference of the International Association
for the Study of Common Property, Vancouver, British Columbia, Canada, June 10-14,
1998, at 2.
Riaan Malan., Where does the lion sleep tonight? Retrieved April 7, 2009 from http://
www.3rdearmusic.com/forum/mbube2.html.
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“Wimoweh”. Except for the obvious mispronunciation of the phrase
‘uyimbube’ (meaning “you’re a lion”) and some few additions, the
bulk of the recording and melody was taken as is from the original
song. As if that was not enough, the song was then credited exclusively to Paul Campbell, a fictitious entity used by a certain Mr. Richmond to copyright material in the public domain.
2.2 The song successes and the ensuing copyright dispute
In 1952 The Weavers recorded another version which then went
on to become a top-twenty hit in the United States, followed by their
live 1957 recording which further turned it into a major song. The
same version was covered in 1959 by Dave Guard, Bob Shane and
Nick Reynolds who performed as The Kingston Trio.
New lyrics based very loosely upon the meaning of the original
song continued to be written and added to the song. In 1961 a cover of a version written by George Davis Weiss, Luigi Creatore, and
Hugo Perreti and performed by the Tokens, rose to number one on the
Billboard Hot 100. In the United Kingdom, an up-tempo, yodel-dominated rendering was a top-ten hit for Karl Denver and his Trio. In
1971, Robert John also recorded this version, and it reached number 3
on the Billboard Hot 100 in 1972. Since then, “Wimoweh / The Lion
Sleeps Tonight” has remained popular and frequently covered. However, since Solomon Linda’s 1939 rendition, the song “Mbube” was
apparently not under any copyright protection. TRO (short for The
Richmond Organization) founder Richmond had himself claimed authorship to “Wimoweh” using a pseudonym, in this case “Paul Campbell”. By so claiming authorship, TRO thus secured for itself a nice
chunk of the songwriters’ half as well as the publishers’ entire share
of the song’s earnings.
In 2000, a South African journalist wrote a feature article for
Rolling stone magazine, highlighting Linda’s story and estimating
that the song had earned U.S. $15 million for its use in the movie “The
Lion King” alone. This prompted the South African documentary “A
Lion’s Trail” which was screened in 2006 and which fully documented the song’s history. In July 2004, the song became the subject of
a lawsuit between the family of its writer (i.e. Solomon Linda) and
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Disney. The family claimed that Disney owed in the region of $1.6
million in royalties for the use of “The Lion Sleeps Tonight” both in
the film and stage production of The Lion King.
In February 2006, Solomon Linda’s heirs reached a legal out of
court settlement for an undisclosed amount with Abilene Music, who
by then were the holders of the worldwide rights and had licensed the
song to Disney. This settlement has applied to worldwide rights, not
just South Africa, since 1987.
3
PROTECTIVE INITIATIVES: TERRITORIAL AND
INTERNATIONAL
The entire drama surrounding the unlawful dealings of the Mbube song pointed out to an increasingly manifest and internationally
widespread commercial appropriation of a variety of indigenous artefacts such as, but not limited to images, patterns, designs, symbols,
music and many others. This endemic problem has been largely exacerbated by globalisation and the information technology revolution
which for the most part assisted in increasing the demand for adequate
and proper protection of cultural property across the territories of sovereign states. The demand becomes even more evident in countries
that experienced colonial history or rather put differently, some form
of colonisation of the indigenous populations at some point in their
history. It is in this context that the exposition now turns to look at
and compare various initiatives in the form of national laws of several
such countries, primarily focussing on countries such as United States, Canada, Australia and also looking into international reactions to
the problem at hand. This exercise will be performed within the following two parameters, which are: (a) Cultural music in the context of
intellectual property and copyright regimes and (b) Cultural music in
the context of indigenous traditional knowledge systems.
3.1 Intangible cultural expression (music) in the context of
intellectual property and copyright regimes
Like a majority of other countries, each of the abovementioned
countries have in place copyright legislation obviously geared towards
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territorial protection of intellectual property. The Acts in question
share the following common aspects normally encountered in the
protection of intangibles property, and which are considered relevant
to the current discussion. In the first instance all pieces of legislation
lay emphasis on the originality of the work as a requirement for eligibility for protection. In other words there should be a fair amount
of originality of authorship. Secondly, there are limitations regarding
the duration of protection. In the United States the duration is ‘for a
term consisting of the life of the author and 70 years after the author’s
death’, whereas in Canada the term is ‘the life of the author, the remainder of the calendar year in which the author dies, and a period
of fifty years following the end of that calendar year’, Australia is
similar to the United States with a term of ‘until the end of 70 years
after the end of the calendar year in which the author of the work
died’. In the third instance, the United States copyright legislation
and in section 102 thereof, expressly require that the subject matter
of the copyright be concretized in some tangible format. Although
not expressly mentioned in the other copyright legislation, the requirement can however be implied from case law in the case of Canada
and the statutory terms10 in the case of Australia. Fourthly, properly
construed, the copyright regimes of the countries under discussion
seem to lay much emphasis on the singularity or rather individuality
of rights to be protected.11 Lastly the copyright regimes under discusS.102 of the United States Copyright Act of 1976 provides thus: “(a) Copyright protection subsists, in accordance with this title, in original works of authorship (my emphasis) fixed in any tangible medium of expression…”.S.5 of the Canadian Copyright
Act ( R.S., 1985, c. C-42 ) provides that : “Subject to this Act, copyright shall subsist in
Canada, for the term hereinafter mentioned, in every original literary, dramatic, musical and artistic work (my emphasis)…”, while S.32 of the Canadian Copyright Act of
1968 similarly states that : “Subject to this Act, copyright subsists in an original literary,
dramatic, musical or artistic work (my emphasis)that is unpublished…”.
S.302 of the United State Copyright Act.
S.6 of the Canadian Copyright Act.
S.33 of the Australian Copyright Act of 1968.
See Canadian Admiral Corporation v Rediffusion Inc. [1954] Ex. C.R 382 (Can)
10
See S32 (1) read with S22(1) of the Australian Copyright Act of 1968.
11
In the definition section of the United States Copyright Act, “Copyright owner”, with
respect to any one of the exclusive rights comprised in a copyright, is said to refer to the
owner of that particular right, whereas S.13 of the Canadian Copyright Act dealing with
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sion make thorough provision for remedies in the case of copyright
infringements. The remedies in question range from interdicts, action
for damages, to confiscation and in some cases even destruction of the
infringing copies.12
Although the copyright initiatives as examined above have been
put in place in the countries under discussion, the initiatives as discussed though commendable, nevertheless also enjoy their fair shares of shortcomings. Much has been written in the literatures about
the suitability of copyright legislation for the protection of cultural
property (cultural music included). The general wave of sentiment
amongst writers of indigenous scholarly work is that many copyright
and intellectual property regimes are not suitable for the protection of
cultural property mainly because in one respect or the other, cultural
property will not meet with the prescribed pre requisites of those systems. First and as indicated above, fixation is required by copyright
regimes which is a concept that is not available in cultural works.
‘Song and dance, for instance, may be passed down from generation
to generation through memorization but may never be recorded in any
tangible form’.13 Secondly protection under copyright law is usually
for a period of time while cultural works is timeless. Again even, the
limited term of protection is bound to work to the disadvantage of
many indigenous groups since practically it will mean that cultural
creations dating back thousand years will already be in the public
domain and may therefore be used without authorization. Thirdly, as
explained above, copyright law requires that a work be original to be
eligible for protection. This creates problems for cultural work since
such work is by definition ancient, with many of the art forms having
been developed many generations ago. Fourthly, copyright regimes
protect only the rights of individuals and do not as a result recognise
collective rights. This obviously does not go well with indigenous
creations since in most cases cultural relic is viewed as something
ownership of copyright refers to the author of the work as being the first owner of the
copyright therein.
12
See SS.34,39 of the Canadian Copyright Act , SS.502,503 of the United States Copyright
Act and SS.115,116 of the Australian Copyright Act.
13
See Christine Haight Farley, ‘Protecting Folklore: Is Intellectual Property the Answer?’,
Connecticut Law Review, Vol. 30, 1997, at 28.
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belonging to the community, created and produced for the benefit of
the community, to be used, owned and controlled by the community.
In the fifth instance, copyright regimes have been found to be wanting when it came to the availing of remedies, such as damages to
aggrieved parties in the context of cultural property. This is mainly
so because some copyright systems limit damages to ‘actual damages
for economic loss suffered as a result of the infringement’.14 It follows
therefore that in cases of culturally offensive use of traditional artistry
as in the matters of the Pitjantjatjara people15 and Milpurrurru,16 the
true harm done to the aggrieved groupings, that is, the vilification and
untimely release of sacred texts and artefacts would not be amenable
to compensation or punishment as the case may be. Lastly the fact
that the term “folklore” mostly used in academic writings to describe
cultural creations, has not had consistent definition,17 makes it increasingly difficult to extend copyright protection to cultural property,
since ‘we cannot protect what we cannot identify’.18 The above observations relating to the inadequacy of copyright regimes for cultural
property protection can be summed up as follows:
However, traditional culture, and traditional music and song in
particular, come into conflict with this conceptual framework (copyright) in two fundamental ways:
a) In the everyday practice of these cultural expressions tunes or
songs are conceived of as the consensus of practices, with the emphasis on process, variation, and individual contributions over time, alongside the recognition of the contribution of creative individuals in adding to a corpus of communally practiced
and disseminated repertoire.
See for example S.504 of the United States Copyright Act, and S.115(2) of the Australian
Copyright Act of 1968.
15
See Foster v Mountford (1976) 14 Australian Law Reports 71.
16
See Milpurrurru v Indofurn Pty. Ltd. (1994) 54 F.C.R 240 (Austl).
17
See the disagreements about the definition of the tern as succinctly described by Michael
Blakeney in ‘Intellectual Property in the Dreamtime. Protecting the Cultural Creativity of Indigenous Peoples.’ Oxford Intellectual Property Research Centre, Research Seminar. ( 1999.)
Retrieved April 7,2009 from http://www.oiprc.ox.ac.uk/pastserminars1999-2000.html
18
See Lucy M Moran, ‘Folklife Expressions- will remedies become available to cultural
authors andcommunities’, University of Baltimore Intellectual Property Law Journal,
Spring 1998, at 2.
14
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b) The key to understanding transmission in traditional musical
expression, the perpetuation of these forms at amateur and community level, is the concept of Community Economy, a system of
reciprocal exchange which privileges participation, the „doing of
the doing”, and generosity of distribution; none of which conform
readily to the concepts of Market Economy, private property, commodification, and copyright.19
3.2 Possible ways to revive or enhance the efficacy of copyright
and intellectual property regimes
Having delved into the subject matter of the territorial initiatives
and also having acknowledged the shortcomings thereof, the enquiry
whether (if at all) there can be possible ways of overcoming such
short comings is clearly inescapable. The discussion will therefore at
this point turn to focus at some of the various suggestions that have
been put forward in literature with the intention of closing the gap between what the intellectual property and copyright regime is offering
as protection to cultural property and what is actually required as the
ideal scenario for the protection of such property.
3.2.1 Judicial discretion
In terms hereof, the creativity of the judiciary is resorted to in
order to bring the various issues of illicit dealing of cultural property within the ambit of the protection of copyright regime. The courts
will approach each case by looking at the factual matrix of same
and making a value judgement .This entails determining whether on
the facts thereof, there is justification and/or compelling reasons for
extending the protection afforded by the copyright regimes to the prevailing situation of cultural property infringement. A classic example of
how this can take place in practice is the famous by now Australian
case of Milpurrurru.20 In that matter the court laid down a good foundation by dedicating half of its judgement to explaining the importance of the traditional images in question and the repugnant nature of
See Anthony McCann, “ Traditional music and copyright - the issues” Irish World Music
Centre, University of Limerick, Ireland at 2.
20
See Milpurrurru v Indofurn Pty. Ltd above and a host of other cases in other jurisdictions.
19
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the offence caused by their production, and decided on that basis to
afford copyright protection (even though prima facie appearing not
to be possible)21 to Aborigine artists. The obvious problem with this
approach is that it appears to be a part solution in the sense that it
functions well in localities where cultural activism and the spirit
of public litigation or class actions is widespread and established. In
other words, the courts will have to wait until some conscious community members decide to bring a lawsuit, before the court can exercise it powers in this regard.
3.2.2 The use of joint authorship, transfer of rights and the work made
for hire concepts to individualise collective rights22
Reference to the concept of joint authorship is found in the copyright legislation of the three countries under discussion.23 This concept allows multiple owners of a work to become co-owners of the
copyright in the work. However, according to Haight, 24 several problems accompany the applicability of the concept to cultural property.
First, since it is practically unthinkable for the whole community to
be involved in the creation of a work all at the same time, the concept
will vest the rights only in the persons who at the time are seen to actually make the work to the exclusion of the rest of the community. In
See Michael Blakeney,‘Milpurrurru and Ors v Indofurn Pty. Ltd and Ors - Protecting
expressions of aboriginal folklore under copyright law’, E LAW | Murdoch University
Electronic Journal of Law, volume 2 (Issue no 2) 1995, retrieved on April 15,2009 from
http://www.murdoch.edu.au/elaw/issues/v2n1/blakeney21.html
22
For a detailed account of this approach, reference is herein made to Christine Haight Farley, ‘Protecting Folklore: Is Intellectual Property the Answer?’, Connecticut Law Review,
Vol. 30, 1997.
23
S.1 of the Australian Copyright Act dealing with definitions provides: ‘“work of joint
authorship” means a work that has been produced by the collaboration of two or more
authors and in which the contribution of each author is not separate from the contribution of the other author or the contributions of the other authors’.S.10(1) of the Canadian
Copyright Act dealing also with definitions provides: ‘“collective work” means (c) any
work written in distinct parts by different authors, or in which works or parts of works
of different authors are incorporated’.S.201(a) of the United States Copyright Act states
that: ‘(a) Initial Ownership.— Copyright in a work protected under this title vests initially in the author or authors of the work. The authors of a joint work are co owners of
copyright in the work’.
24
Ibid at 33.
21
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my opinion this will also indirectly lead to the unwarranted situation
similar to that of the Mbube song especially keeping in mind that a
term is attached to a copyright protection. Secondly a person who dictates a song, dream or vision to a scribe will not qualify to be a joint
author since having a dream or vision is not copyrightable as required
by the copyright regime.
The transferring of rights which entails the passing or flow of
rights from the person involved in the creation of a cultural work at
the time, to the elder, chief or a corporate entity,25 is also found to
be laden with difficulties, as generally clans may not like the idea of
someone exercising this authority over them,26 or artists may not after
all transfer the rights to the clan and thereby altering the relationship
between the artist and the clan or community.
The work made for hire concept, contained in all copyright regimes27 involves characterization of the community/clan elders (often
the dictators of the work) as the employer and the particular creator
of the work as the employee to enable the former to claim authorship
rights in their capacities as employers. The problem herewith is that
under normal circumstances artist are not strictly seen as employees
of the clan or elders, except in most sophisticated of the cultural communities, a fact that is not after all an everyday occurrence.
3.2.3Looking beyond Copyright and Intellectual property law regimes
This entails coupling existing copyright regimes (without reformulation thereof) with other possibilities such as moral rights, public domain statutes and Domaine Public Payant and other laws such
as competition laws (i.e. Patents and Trademarks), and Trade secrets
laws.28 However a number of writers have posed questions as to the
To possibly hold the rights in trust and for the benefit of the clan or community.
Although in countries such as Australia and a majority of African countries, it is common
to come across individuals and families designated as elders and accepted as such. See
in this regard Kimberley Christen, ‘Changing the Default: Taking Aboriginal Systems of
Accountability Seriously,’ World Anthropologies Network 2 (2006): 115-126.
27
S.201 (b) of the United States Copyright Act, S.13 (3) of the Canadian Copyright Act and
S.35 (6) of the Australian Copyright Act.
28
See Christine Haight Farley, ‘Protecting Folklore: Is Intellectual Property the Answer?’,
Connecticut Law Review, Vol. 30, 1997 at 47-54.
25
26
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relevance and amenability of private law remedies to issues falling within the traditional domain. In this regard Blakeney 29 mentions that: ‘For
example, Rosemary Coombe questions the applicability of private law
concepts to cultural expressions. Puri, questions whether property concepts are cognizable under customary Aboriginal law. Daes explains,
…indigenous peoples do not view their heritage as property at allthat is something which has an owner and is used for the purpose
of extracting economic benefits- but in terms of community and
individual responsibility. Possessing a song, story or medicinal
knowledge carries with it certain responsibilities to show respect
to and maintain a reciprocal relationship with the human beings,
animals, plants and places which the song, story or medicine is
connected. For indigenous peoples, heritage is a bundle of relationships rather than a bundle of economic rights.
Nevertheless, Haight30 maintains that the above remedies go
some distance in alleviating the sometimes problematic application of
Copyright and Intellectual Property regimes to folklore situations.
3.3 Initiatives at international law level
The starting point at the international law level was the Berne
convention, shortly followed by the Tunis Model Law on Copyright
(1976).Though representing the initial attempts at providing responses at international law level geared towards resolution of the problems posed by folklore protection, the two documents have however
been found by a large number of commentators31 to be fundamentally
deficient when it came to the envisaged protection of cultural relics.
Michael Blakeney, ‘Intellectual Property in the Dreamtime. Protecting the Cultural Creativity of Indigenous Peoples,’ Oxford Intellectual Property Research Centre, Research
Seminar,(1999) at page 10 and the following authors quoted therein : R. Coombe, ‘The
Cultural Life of Intellectual Properties: Authorship, Appropriation and the Law’, (Duke
UP, 1998) and R Coombe, ‘Critical Cultural Legal Studies’, (1998) 10 Yale Jnl of Law
& the Humanities 463, Puri, ‘Cultural Ownership and Intellectual Property Rights Post
Mabo: Putting Ideas into Action’ (1995) 9 IPJ 293., Daes, ‘Rights of Indigenous Peoples’, paper presented at Pacific Workshop on the United Nations Draft Declaration on
the Rights of Indigenous Peoples, Suva, Fiji, September, 1996,
30
Haight, note 28 supra at page 47.
31
Ibid at page 42-44, and the notes referred to therein.
29
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In 1982 UNESCO and WIPO made further efforts to put in place a set of norms to protect folklore against exploitative activities.
This took the form of the Model Provisions for National Laws on the
Protection of Expressions of Folklore against Illicit Exploitation and
Other Prejudicial Actions (1982).According to Adewopo32 this provision created a course of action based on the following five acts or
activities: (1) Utilization of folklore for gain outside its traditional
or customary context and without proper authorisation,(2)Utilisation
of such without acknowledging the source,(3) Failing to acquire the
necessary authorisation,(4)passing off an expression as derived from
a community when it is not, and (5) distortion of an expression in any
manner (direct or indirect) prejudicial to the cultural interest of the
community concerned. This document has unfortunately never been
adopted by the United Nations (UN) or any nation and has no legal
force whatsoever.
In June 1993, The Mataatua Declaration on Cultural and Intellectual Property Rights of Indigenous Peoples was passed in New
Zealand at the first conference bearing a similar name. This declaration acknowledged in the main the various and major inadequacies of
the intellectual property regimes to the needs of folklore and called
for the creation of a subject specific intellectual property initiatives
addressing the shortcomings previously enumerated. According to
Haight, ‘because it is more a call to action than a proposal, it offers
little guidance at how to achieve reconciliation. Unfortunately, no action has been taken in response to this declaration thus far’.33
3.4Cultural music in the context of indigenous knowledge system
It is worth mentioning at this point that for a while and until of
late, all the artistic creations and expression of traditional communities were classified together as “folklore”. However with the passing
of time, the rubric of folklore was for various reasons such as objections to the use thereof, gradually replaced by “indigenous knowled See Adebambo Anthony Adewopo, ‘Protection and Administration of Folklore in Nigeria’, Script-ed, volume 3 (Issue no 1) 2006, retrieved on April 15,2009 from papers.ssrn.
com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1127645
33
Haight, note 28 supra at page 47.
32
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ge”. The author opines that there is not much real term differences
between the two phrases except that using the latter sometimes lead to
a change in discourse since traditional knowledge is broad enough to
include the traditional knowledge of plants and animals as medicines
and food. In this type of scenario therefore the discourse will shift
from copyright protection to patents law34 and biodiversity rights35
protection. It follows therefore that for the purposes of this discussion
as well as for the purpose of coming up with realistic and possible
foolproof protection of music as cultural property, it is worthwhile
referring to music more in the category of folklore (and therefore
amenable to sui generis copyright protection) rather than as part of
Indigenous knowledge systems.
4
PROTECTION OF CULTURAL PROPERTY IN SOUTH
AFRICA
For quite sometime, the intellectual property regimes of South
Africa did not have nor make any specific reference to the protection
and handling of traditional and/or cultural properties, meaning effectively that it was lagging behind in the feat for preservation and protection of cultural property. This was so even despite that the country
had in recent times ratified or about to ratify and became signatory
to a relatively significant number of international treaties having a
bearing on the topic under discussion.36 Often times the fact that the
country was itself a new democracy was given as a reason for the
hold-up.37
More recently however, developments in this regard took the
form of a bill recently tabled before parliament. The bill in question is
See Michael Blakeney, ‘Bio prospecting and the Protection of Traditional Medical
Knowledge of Indigenous Peoples: An Australian Perspective’ [1997] 6 EIPR 298.
35
See Michael Blakeney, ‘Biodiversity Rights and Traditional Resource Rights of Indigenous Peoples’ [1998] 2 Bio-Science Law Review 52.
36
See South Africa Yearbook 2007/08 , at 83,91, retrieved on April 15,2009 from http://
www.gcis.gov.za/docs/publications/yearbook/
37
See the Education and Recreation Select Committee meeting dated 27 February 2001
and titled , Conventions dealing with cultural property, retrieved on April 15,2009 from
http://www.pmg.org.za/minutes/20010226-conventions-cultural-property retrieved on
15/04/2009.
34
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the Intellectual Property Laws Amendment Bill of 2007.The bill currently at its public commentary stage, seeks to deal with traditional or
cultural property rights in the manner described hereinafter.
First, the Bill seeks to amend the Performers’ Protection Act,
1967, by amending certain definitions and inserting new definitions.
It also provides for the recognition and protection of traditional performances having an indigenous origin and a traditional character as
well as providing for the payment of royalty in respect of such performances and for the recordal of traditional performances.38
Secondly, it amends the Copyright Act, 1978, by also amending
certain definitions and inserting new definitions. It similarly provides
for the recognition and protection of copyright works of a traditional
character and for the establishment of a National Council in respect of
traditional intellectual property. It furthermore provides for a national
database for the recordal of traditional intellectual property as well as
for the establishment of a national trust and a trust fund in respect of
traditional intellectual property.39
Thirdly, certain definitions in the Trade Marks Act, 1993, are
amended and new definitions are inserted. It provides for further protection of geographical indications and for the recognition of terms
and expressions of indigenous origin, the registration of such terms
and expressions as trademarks, and the recordal of traditional terms
and expressions.40
Finally, it amends the Designs Act, 1993, through amendment of
certain definitions and insertion of new definitions. It further provides
for the recognition and registration of traditional designs of indigenous origin and to create for this purpose a further part of the designs
register. The recordal of traditional designs is also provided for.41
Needless to mention, this bill will if passed into law obviously
bring the country at par with the jurisdictions previously discussed.
What is even more interesting to note for our purposes is the undeniable fact that the bill in its current state , does nothing but insert
40
41
38
39
SS 1-4 of the Intellectual Property Laws Amendment Bill of 2007.
Ibid SS 5-16.
Ibid SS 17-26.
Ibid SS 27-36.
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words having traditional undertones into the existing laws, without
making any attempt whatsoever to devise and/or come up with legal
provisions sui generis the traditional property context .In this sense
therefore, one need not be a scary judge of character to come to the
realisation that the same practical problems as previously discussed
and which confronted the intellectual property regimes of the abovementioned jurisdictions, are by and large bound to rear their ugly
heads even in the case of South Africa. It therefore remains to be seen
whether measures such as judicial innovation or discretion will succeed in making sense of the suitability or applicability of the newly
enunciated rules to the cultural domain and thereby allowing for some
meaningful protection of cultural property.
5
CHALLENGES FACING SOUTH AFRICA
Like many of its African counterparts, South Africa faces many
challenges in the battle for cultural property protection and preservation and the battle against illicit transfer of same. Apart from the normal problems encountered and indicated above, there also is the issue
of resources required for the enforcement of current legislation in the
face of strong international demand for African artistic expressions,
a problem that seem to have been compounded by the information
technology revolution currently hitting the global arena. Then there
is the problem of lack of localised expertise in heritage protection as
well as the overall lack of ‘adequate training in heritage education’.42
Another problem relates to the difficulty in most cases of determining
(a) community/ (ies) who is/are the creators and as such owners of a
particular expression of traditional artistry. Similar songs are for instance sung by different communities across the traditional spectrum.
It is accordingly suggested that the following measures, though not
representing an exhaustive list in this regard, be urgently implemented:
Avail resources for enforcement of laws designed to optimise protection of cultural relic
See Misiwe Madikane, ‘Politics of display: Digging deep on exhibiting the indigenous
collections at the University of Fort Hare’s National Heritage and Cultural Studies Centre’, paper presented at the Historical legacies and New Challenges Conference : 27 – 30
August 2003.
42
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Encourage academic and scholarly discussion on the subject
Encouraging participation and consultation of the owners of the
heritage
Intensifying training at tertiary on the importance of preserving
and protecting cultural property
Increasing level of awareness among various communities
Mobilisation of the Judiciary regarding problems posed by the illicit dealings of cultural property
6
CONCLUSION
As the information technology revolution gradually sweeps
across the world, cultural property is rapidly being exposed to increased incidences of exploitation and illicit dealings across the territorial
divide. For South Africa and other countries sharing a history of colonisation, the sad tale of the classic song “The Lion sleeps tonight” or
“Mbube” as should more correctly be known, spelled an urgent need
for relevant measures to be put in place in order that the scourge be
prevented. This newly magnified challenge does of necessity entail
revisiting and reviewing previously suggested (national and international) ways of containing the rapidly evolving problem, not with the
intention of copying same voetstoots, but with the more realistic aim
of rectifying, revamping and reformulating same. A possible ultimate
result hereof may be that new sui generis modalities for dealing with
protection of cultural property (in whatever form) from illicit transfer
thereof come into existence. While the process is still in its infancy in
South Africa, it is nevertheless very clear that more localised and/or
territory specific ways of speeding up the process should be investigated as a matter of extreme urgency and implemented hand in hand
with the measures already in existence.
“O LEÃO ADORMECIDO PRECISAVA DE PROTEÇÃO”
- LIÇÕES DO DESASTRE[*] DE MBUBE[**] (REI LEÃO)
Resumo
Em 1939 um jovem músico do grupo cultural Zulu na África do
Sul, escreveram o que veio a ser a mais popular, embora controversa
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“THE SLEEPING LION NEEDED PROTECTION” – LESSONS FROM THE MBUBE...
e intercionalmente aclamada, canção do momento. Popular porque
a canção de alguma forma encontrou seu caminho para as famílias
internacionais pelas vias do renomado filme da Disney “Rei Leão”.
Controversa porque a passagem de popularidade da canção foi contaminada com negócios ilícitos e injustos equivalente a roubo e apropriação indevida e desonesta de tradicional propriedade intelectual,
dando origem a um processo judicial que culminou com um acordo
fora dos tribunais. As lições a serem adquiridas pelo mundo e que
emanam desse teatro, todas apontadas para a necessidade premente
de uma reconsideração das medidas a serem postas em prática com
urgência para a salvaguarda de relíquia cultural, intelectual tal como
a música e a dança. Nesta exposição várias maneiras de proteger a
música cultural e/ou a dança dentro da vasta categoria do folclore,
assim como maneiras de prevenir o comércio ilícito das mesmas são
investigados.
Palavras-chave: Direito autoral. Conhecimento tradicional. Música
cultural.
[*] Este artigo é dedicado em memória da minha mãe, Moloko Agnes
Ratiba, (1930–2003) cuja orientação materna, sabedoria, e generosidade são saudosas. Eu gostaria também de agradecer Zingisile Ntozintle Jobodwana e Susan Scott pelos comentários e sugestões.
[**] Palavra Zulu para leão
REFERENCES
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Ors – Protecting expressions of aboriginal folklore under copyright
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BLAKENEY, Michael. Bio prospecting and the Protection of Traditional Medical Knowledge of Indigenous Peoples: An Australian Perspective, EIPR, v. 6, n. 298, 1997.
BLAKENEY, Michael. Biodiversity Rights and Traditional Resource
Rights of Indigenous Peoples, Bio-Science Law Review, v. 2, p. 52,
1998.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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MATOME MELFORD RATIBA
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State, Research in African literatures, v. 37, n. 2, Summer, p. 83-97,
2006.
MADIKANE, Misiwe. Politics of display: Digging deep on exhibiting
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McCANN, Anthony. ‘Traditional Music and Copyright - the issues’.
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MORAN, Lucy M. Folklife Expressions- will remedies become available
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL
INCENTIVO AO AUMENTO DO NÚMERO
DE ACORDOS JUDICIAIS? O CENÁRIO
ENTRE 2004 E 2009
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
RAFAEL BICCA MACHADO*
UFRGS
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. O desejável aumento no número
de acordos judiciais. 3. Como aumentar o número de acordos? 4. O impacto dos juros legais e da
correção monetária no direito brasileiro. 5. A rentabilidade média dos investimentos e das empresas
brasileiras. 6. Ainda vale a pena dever em juízo?
7. Conclusão. Referências.
Resumo
O presente artigo é a continuação de uma pesquisa realizada pelos autores em 2008, cujo resultado foi publicado no livro organizado
pelo Prof. Luciano Timm, Direito & Economia, editado pela Livraria
do Advogado, no qual se alcançaram resultados que demonstravam,
resumidamente, que de 2002 a 2007 apenas a aplicação em fundo de
ações e a rentabilidade mediana das empresas de mineração superou*
* Graduado em Direito pela PUCRS (1997) e Mestre em Ciências Sociais na PUCRS.
Doutorando em Ciências Sociais na PUCRS. Professor do curso de especialização
em Direito e Economia da UFRGS. Presidente do Instituto de Direito e Economia
do RS. Diretor da Associação Brasileira de Direito e Economia.
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os índices de correção das dívidas judiciais. Neste artigo estende-se a
pesquisa para os anos 2008 e 2009.
Palavras-chaves: Juros legais. Dívidas judiciais. Comparação.
1
INTRODUÇÃO
O presente artigo é a continuação de uma pesquisa realizada pelos autores em 2008, cujo resultado foi publicado no livro organizado
pelo Prof. Luciano Timm, Direito & Economia, editado pela Livraria
do Advogado.
Naquele paper, foram utilizados dados de 01/01/2002 a
31/12/2007, tendo-se chegado a resultados que demonstravam, resumidamente, que em tal período apenas a aplicação em fundo de ações
e a rentabilidade mediana das empresas de mineração superou os índices de correção das dívidas judiciais.
O objetivo central deste artigo, agora, é conferir como se portaram os dados nestes últimos dois anos, verificando se 2008 e 2009
trouxeram alguma mudança substancial nas conclusões antes feitas,
ou eventualmente acabaram por reforçar as impressões deixadas pela
primeira pesquisa.
2
O DESEJÁVEL AUMENTO NO NÚMERO DE ACORDOS
JUDICIAIS
Um dos projetos com maior visibilidade do Conselho Nacional
de Justiça (CNJ) é a chamada “Semana Nacional da Conciliação”,
uma espécie de mutirão que vem sendo feito por diversos tribunais da
federação, com a finalidade de realizar o maior número possível de
acordo nas demandas em curso.
Esta atividade faz parte do projeto “Movimento pela Concilia
ção”, criado pelo CNJ em 2006, que tem por finalidade:
A estratégia visa a diminuir substancialmente o tempo de duração
da lide, viabilizar a solução delas e de conflitos por intermédio
de procedimentos simplificados e informais, reduzir o número de
Disponível em: http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/conciliarConteudoTextual/anexo/ProjetoConciliar.doc, Acesso em: 2 mar. 2008.
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processos que se avolumam no Judiciário, alcançando, portanto,
as ações em trâmite nos foros e as ocorrências que possam vir a se
transformar em futuras demandas judiciais, concebidas como um
mecanismo acessível a todo cidadão, enfrentando o gravíssimo
fato da litigiosidade contida, por meios não adversariais de resolução de conflitos, da justiça participativa e coexistencial, levando-se,
enfim, instrumentos da jurisdição às comunidades.
O movimento justifica-se na medida em que se sabe que é bastante baixo o número de acordos realizados na Justiça Brasileira, em
comparação com outros países. Segundo dados do próprio CNJ, a
taxa média de processos judiciais que se encerram por acordo está ao
redor de 20%, quando em outros países este índice é bastante mais
elevado.
Como lembra Barbosa Moreira, a demora nos processos judiciais não é exclusiva do Brasil. Tanto aqui quanto em outros países, um
processo judicial, do início ao seu fim, consome vários anos.(Revista
de Processo, n. 99, p. 142) Um dos problemas, entretanto, parece ser
que, ao contrário do que ocorre em outros países, é relativamente baixo no Brasil o número de casos que são findos por acordo entre as
partes. Em suma, quando se traz à mesa o tema da demora dos processos judiciais, uma das grandes diferenças está em que no Brasil existe
um baixo número de acordos judiciais, ao contrário do que ocorre em
outros países.
É verdade que não é nova esta tentativa de se incrementar o
número de acordos em nosso sistema. Vale recordar que já em 1994 o
Código de Processo Civil chegou a ser reformado para se inserir no
artigo 331 o que se chamou de “audiência de conciliação”, cujo objetivo principal era criar um momento específico para que o magistrado
tentasse a conciliação entre as partes. (WAMBIER, 2004, p. 137)
A alteração, entretanto, parece não ter surgido maior efeito,
segundo se tem notícia. Tanto o é que, em 2002, foi reformulado o
Segundo Robert G. Bone, professor da Boston University School of Law, ao tratar sobre
o processo civil norte-americano: “Almost all cases settle. The best statistics we have
indicate that about 70% of the civil cases filed in federal courts end in settlement and
only six percent actually reach trial (the rest are terminated by pre-trial dismissal, default
judgment, summary judgment, and the like)”.
Pela Lei 8.952, de 13/12/1994.
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artigo 331 do CPC, sendo exemplar que esta própria audiência tenha
tido seu “nome” modificado, deixando de ser chamada de audiência
de conciliação, para chamar-se apenas audiência preliminar, como se
mantém até hoje.
3
COMO AUMENTAR O NÚMERO DE ACORDOS?
Parece bastante provável que o baixo grau de resolução de litígios judiciais por meio de acordo em nosso país não deva ter uma única causa. Com razoável certeza pode-se afirmar que esta característica
brasileira deve ter uma série de origens, de diferentes naturezas.
Não é objetivo deste artigo o estudo da origem deste fenômeno, até
pelo grau de profundidade que exigiria. Entretanto, de forma propositadamente simplista, podemos afirmar que, se as pessoas não fazem mais
acordos é porque, na média, a elas o acordo não se mostra uma hipótese
atraente, na esteira das lições de Shavell (2004, p. 401) e Cooter (1996,
p. 355). Caso o acordo fosse mais atraente às pessoas envolvidas, parece
inegável que automaticamente seria maior o número de acordos feitos.
Em suma, cremos que, se queremos aumentar o número de acordos, devemos aumentar os incentivos existentes para a realização dos
acordos, como, aliás, já referiam Cappelletti e Garth (2008, p. 87) É
que, adotando o pressuposto de que os indivíduos são racionais e maximizadores de seus interesses, no sentido dado por Gary Becker, só
irão estes firmar um acordo quando este lhes parecer mais vantajoso
do que seguir com o processo judicial.
Utilizou-se acima a expressão incentivo, porque nos parece que
o movimento “Direito e Economia” – ou análise econômica do direito, segundo alguns – que felizmente começa a se consolidar em nosso
país, pode trazer algumas luzes para tentar ajudar a compreender este
fenômeno.
O que, por óbvio, não eliminou a recomendação ao magistrado, usualmente seguida na
prática forense, de que, quando perceber a possibilidade de acordo, tentar sua efetivação
pelas partes.
Disponível em: http://nobelprize.org/nobel_prizes/economics/laureates/1992/becker-lecture.pdf, Acesso em: 30 mar. 2008.
Para um estudo sobre a importância do estudo conjunto do Direito e da Economia, ver-se
a obra de Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, “Direito, Economia e Mercados”.
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A aproximação da Economia com o Direito parece apta a
auxiliar na compreensão de alguns fenômenos usualmente qualificados como jurídicos, mas que em verdade fazem parte de um
conjunto mais amplo de fatos e/ou eventos que são objetos de estudo comuns das Ciências Sociais Aplicadas, como aponta Rachel
Sztajn (2005, p. 74).
4
O IMPACTO DOS JUROS LEGAIS E DA CORREÇÃO
MONETÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO
Em que pese possa ser alvo de controvérsias, pode-se afirmar
que, no direito brasileiro, na esfera do direito privado, a taxa de juros
legais é de 1% ao mês ou 12% ao ano, segundo artigos 406 e 407 do
Código Civil.
Isto significa, por exemplo, que caso uma empresa fique em situação de inadimplência para com um de seus fornecedores, e venha
a ser por este demandada em juízo com uma ação de cobrança, sendo
derrotada terá de, ao término do processo, pagar o valor da dívida
principal acrescido de juros de 12% ao ano.
Além dos juros legais acima referidos, o valor será também
atua­lizado monetariamente, sendo que um dos índices mais utilizados
nos tribunais brasileiros é o IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio
Vargas. Veja-se a Tabela 1, a seguir, para verificarmos como se comportou este índice nos últimos anos:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa
estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa
que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que
se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez
que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo
entre as partes.
Isso tudo sem falar, ainda, nos honorários advocatícios que a parte perdedora tem
de pagar aos advogados do vencedor, fixado no mínimo de 10% e no máximo de
20% do valor total, atualizado, da dívida, conforme artigo 20 do Código de Processo Civil.
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Tabela 1 - Índice Geral de Preços – Mercado (% ao ano)
Ano
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
IGP-M (var % a.a.)
9,95
10,38
25,31
8,71
12,41
1,21
3,83
7,75
9,81
-1,72
Fonte: Fundação Getúlio Vargas/ Conj. Econômica
Adotando estas premissas, pensemos num exemplo.
Imaginemos que uma empresa “A” tenha ficado inadimplente
para com a empresa “B” em 01/01/04, no valor de R$ 100.000,00 (cem
mil reais). A empresa “B” ingressou em juízo e, depois de 06 (seis) anos
de tramitação, o processo chegou ao fim, em 31/12/09, condenando “A”
ao pagamento da dívida. Qual será, depois de todo este tempo, o valor
devido por “A” a “B”? Vejamos a Tabela 2 e Gráfico 1.
Tabela 2 – Atualização do valor devido por A para B (em R$)*
Acréscimo judicial (12%)
2004
12.000,00
2005
2006
2007
2008
2009
TOTAL
14.929,20
16.901,35
19.576,83
23.443,25
28.556,23
115.406,86
IGP-M do ano
Saldo
12.410,00
124.410,00
1.505,36
5.394,35
12.643,37
19.164,86
-4.093,06
47.024,88 140.844,56
163.140,26
195.360,46
237.968,57
262.431,74
Fonte: Cálculo desenvolvido pelos autores.
*Cálculo de juros compostos/capitalização acumulada
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
Gráfico 1 – Acréscimos, IGP-M e saldo
final da dívida (em R$ por ano)
Fonte: Cálculo desenvolvido pelos autores.
Neste exemplo, a dívida de “A” para com “B”, inicialmente em R$
100.000,00 (cem mil reais), depois de 6 (seis) anos de tramitação do processo chegou à quantia de R$ 262.431,74 (duzentos e sessenta e dois mil
e quatrocentos e trinta e um reais e setenta e quatro centavos), apenas com
aplicação dos juros legais de 12% ao ano e da correção pelo IGP-M.
Ou seja, dever em juízo custou à “A”, ao longo dos seis anos
de processo judicial, no mínimo o valor adicional de R$ 115.406,86
(cento e quinze mil, quatrocentos e seis reais e oitenta e seis centavos), mais a inflação medida pelo IGP-M, que somou R$ 47.024,88
(quarenta e sete mil e vinte e quatro reais e oitenta e oito centavos).
Diante destes números, a questão que imediatamente surge, e
que em verdade é a resposta buscada neste artigo, é: valeu a pena
para “A” dever em juízo ou, tendo ele condições para tanto, deveria
ter efetuado o pagamento ao “B” dos R$ 100.000,00 (cem mil reais)
inicialmente devidos?
Não se está aqui trabalhando com uma hipótese, efetivamente possível, que é a de que
“A” realmente não tivesse condição alguma de efetuar o pagamento dos cem mil reais
ao “B”, na data acordada. A premissa aqui adotada é diferente, qual seja, de que “A” não
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A RENTABILIDADE MÉDIA DOS INVESTIMENTOS E
DAS EMPRESAS BRASILEIRAS
Para que se possa responder à pergunta acima, e em suma responder
se para “A” dever em juízo foi ou não um “bom negócio”, deve-se tentar
imaginar como poderia ter ele aplicado aqueles R$ 100.000,00 (cem mil
reais) nestes 6 (seis) anos de transcurso do processo judicial.
Trabalhamos com duas hipóteses: (a) a primeira, em que “A”
teria aplicado seus recursos no “mercado financeiro”, (b) e a segunda,
em que “A” optou por investir aqueles recursos na sua própria atividade empresarial.
Para tal, primeiramente observemos a Tabela 3 abaixo, onde
constam os rendimentos médios de algumas aplicações disponíveis
no mercado financeiro brasileiro:
Tabela 3 – Rendimento de aplicações (% acum. ano)
2004
8,12
-2,85
Fundo de
ações***
17,20
2005
9,17
2,93
16,81
19,00
2006
2007
2008
2009
Desvio
Padrão
8,32
7,71
7,90
6,93
12,69
11,27
32,13
-7,27a
36,12
53,01
-31,37
33,82 a
15,03
11,82
12,38
8,37 a
0,74
14,08
28,95
3,73
Poupança* Ouro**
CDI****
16,17
Fontes: Banco Central do Brasil e Andima(obtido através do IPEADATA).
* Refere-se ao rendimento do primeiro dia útil do mês. Cálculo acumulado a partir de informações de rendimento mensal.
** Variação em final de período.
***É um dos fundos mútuos de investimento. Rentabilidade média estimada com base nas
informações fornecidas pelas instituições financeiras.
**** Taxas de juros. Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Refere-se à média do mês.
O CDI serve de referência aos fundos de investimentos DI.
a
Refere-se ao rendimento acumulado até 10/2009.
pagou ao “B” porque preferiu não fazê-lo, na crença – muitas vezes constatada na prática
– de que seria mais benéfico para si utilizar esta quantia em outras atividades pretensamente com maior retorno econômico.
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
Seguindo em nosso exemplo, os rendimentos que “A” teria obtido caso aplicasse seus R$ 100.000,00 (cem mil reais) nas modalidades acima referidas estão listados na Tabela 4, a seguir:
Tabela 4 – Saldos, por ano, de diferentes
aplicações (R$ nominais)
Poupança
Ouro
Fundo de ações
CDI
2004
2005
108.120,00
118.034,60
97.150,00
99.996,50
117.200,00
136.901,32
116.170,00
138.242,30
2006
127.855,08
112.686,05
186.350,08
159.020,12
2007
2008
137.712,71
148.592,01
125.385,77
165.672,22
285.134,25
195.687,64
177.816,30
199.829,95
2009
158.889,44
153.627,85
261.869,20
216.555,72
Fontes: Cálculos desenvolvidos pelos autores.
Inicialmente, recordemos que ao final do processo a dívida de
“A” para com “B” chegou em R$ 262.431,74 (duzentos e sessenta e
dois mil, quatrocentos e trinta e um reais e setenta e quatro centavos),
sem incluir nesse valor os honorários de sucumbência. Analisando
a Tabela 4 constata-se que, das 4 (quatro) aplicações analisadas, em
nenhuma o saldo do valor investido seria superior ao valor da dívida
ao final do processo judicial.
Caso “A” tivesse aplicado aqueles R$ 100.000,00 (cem mil reais) na caderneta de poupança em 01/01/04, em 31/12/09 teria ele a
quantia de R$ 158.889,44 (cento e cinquenta e oito mil, oitocentos e
oitenta e nove reais e quarenta e quatro centavos), que é inferior em
R$ 103.542,30 (cento e três mil, quinhentos e quarenta e dois reais
e trinta centavos) à quantia que seria obrigado a pagar por conta da
perda do processo judicial.
No caso da aplicação em ouro, o saldo de “A” seria de R$
153.627,85 (cento e cinquenta e três mil, seiscentos e vinte e sete
reais e oitenta e cinco centavos), inferior em R$ 108.803,89 (cento
e oito mil, oitocentos e três reais e oitenta e nove centavos) ao total
devido para “B” no processo judicial. Já no CDI, o saldo de “A” seria
de R$ 216.555,72 (duzentos e dezesseis mil, quinhentos e cinquenta e
cinco reais e setenta e dois centavos), sendo inferior em R$ 48.876,02
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RAFAEL BICCA MACHADO
(quarenta e oito mil, oitocentos e setenta e seis reais e dois centavos)
à sua dívida judicial para com “B”.
Por fim, no caso do fundo de ações o resultado para “A” seria
de R$ 261.869,20 (duzentos e sessenta e um mil, oitocentos e sessenta
e nove reais e vinte centavos), inferior em R$ 562,64 (quinhentos e
sessenta e dois reais e sessenta e quatro centavos).
Isso fica claro no Gráfico 2, abaixo, em que consta a evolução
anual do saldo para cada aplicação financeira, e também o saldo da
dívida.
Gráfico 2 – Saldos, por ano, de diferentes
aplicações e da dívida (R$)*
Fontes: Cálculos desenvolvidos pelos autores.
* Rendimentos nominais das principais aplicações financeiras. O saldo anual da dívida
inclui a correção pelo IGP-M.
Como já referido, todos os exemplos anteriores levam em consideração os rendimentos médios das aplicações financeiras, simulando uma hipótese em que “A” teria preferido deixar seus recursos
aplicados no mercado financeiro em vez de pagar o que era devido ao
seu fornecedor “B”.10
10
Uma nota se faz especialmente importante aqui, com relação ao CDI e ao fundo de ações.
Ambos são médias de aplicações. O CDI está relacionado aos fundos DI, que são conREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
Em todos os casos, o saldo da dívida após o final do processo
judicial se mostrou superior ao saldo das aplicações financeiras.
Em suma – exceto no caso da aplicação em fundo de ações, em
que a diferença foi pequena – não fazer o acordo com “B” representou à “A” um custo adicional bastante elevado, que está descrito na
Tabela 5, a seguir:
Tabela 5 – Perda adicional por aplicação selecionada (R$)*
Perda adicional
103.542,30
108.803,89
562,54
45.876,02
Poupança
Ouro
Fundo de ações
CDI
Fontes: Cálculos desenvolvidos pelos autores.
* Saldo da dívida menos o saldo da aplicação no final do período.
Imaginemos agora a segunda hipótese, qual seja, de que “A”
não pagou “B” na crença de que lhe era mais rentável investir seus
recursos em sua própria atividade empresarial – raciocínio este que
em certa medida é (ou foi) bastante presente nos meios empresariais
brasileiros.
A Tabela 6 mostra a rentabilidade mediana das empresas por setor de atividade nos anos de 2003 a 2006, demonstrando que existem
variações de acordo os setores de atividade.
Tabela 6 – Rentabilidade média anual do patrimônio
por setor de atividade (%a.a.)
Atacado
Auto-indústria
Bens de capital
Bens de consumo
Eletroeletrônicos
Energia
2003
13,8
10,6
12,1
10,9
1,9
9,8
2004
10,9
19,5
10,8
12,3
1,7
13,4
2005
2006
18,1
13,2
14,2
12,5
4,7
10,3
2007
13,9
16,5
14,8
9,2
12,9
13,1
2008
9,8
17,1
13,9
7,5
15,2
13,6
11,0
11,4
11,5
3,6
0,8
13,1
servadores. Já o fundo de ações é estimação de rendimento médio a partir de instituições
financeiras, ou seja, pode haver variação.
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V. 21
P. 239 - 246
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Farmacêutico
Indústria da
construção
Indústria digital
Mineração
Papel e celulose
Química e
petroquímica
Serviços
Siderurgia e
metalurgia
Telecomunicações
Têxtil
Transporte
Varejo
2003
2004
2005
2006
2007
2008
9,7
13,4
16,2
18,9
10,0
9,1
9,5
8,1
6,5
6,0
8,9
9,7
6,1
25,6
15,2
9,7
26,5
17,8
8,5
25,7
5,6
10,6
31,6
7,5
8,4
25,9
5,6
4,6
32,5
-2,5
15,2
22,2
11,0
7,7
12,3
4,3
9,2
12,7
10,5
14,2
11,6
12,2
16,9
23,5
14,7
17,1
14,6
10,5
7,1
1,4
8,3
6,7
5,4
21,4
7,9
8,4
19,2
0,8
9,3
16,4
8,3
6,3
14,4
8,0
8,8
7,2
7,6
7,3
8,3
4,7
7,0
7,7
Fontes: Revista Exame, Maiores e Melhores, vários anos.
Voltemos, agora, ao nosso exemplo do devedor “A”.
Na medida em que os dados de rentabilidade das empresas referem-se ao período de 2003 a 200811, é necessário ajustar o valor da dívida ao final do processo judicial para este período, de modo a permitir uma comparação. Logo, imaginemos, agora, para efeito de cálculo,
que o processo iniciou-se em 01/01/2003 e finalizou em 31/12/2008.
Nesse caso, os R$ 100.000,00 (cem mil reais) iniciais teriam, ao
término do processo, alcançado a quantia de R$ 287.251,86 (duzentos
e oitenta e sete mil, duzentos e cinquenta e um reais e oitenta e seis
centavos), com a aplicação da taxa de juros de 12% (doze por cento)
ao ano e do IGP-M do período.
Contudo, qual o retorno obtido por “A” caso tivesse ele utilizado aqueles mesmos R$ 100.000,00 (cem mil reais) em sua atividade
empresarial?
Salienta-se que não foram inseridos dados de 2009 porque a Revista Exame, Maiores e Melhores, que conterá estes dados, será publicado apenas ao final de julho do corrente ano.
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Livro 1.indb 240
NOVA LIMA
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P. 240 - 246
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
No Gráfico 4, abaixo, temos a resposta de que, dos 18 (dezoito)
setores analisados, apenas em 01 (um) deles, no de mineração, teria a
empresa “A” obtido uma rentabilidade que superasse o valor devido
em juízo12.
Gráfico 4 – Rentabilidade média anual do patrimônio das 500
empresas classificadas pela Revista Exame (%a.a.)
Fontes: Cálculos desenvolvidos pelos autores. Dados de rentabilidade: Revista Exame
Maiores e Melhores, vários anos.
Ou seja, excetuando-se a hipótese de ser “A” uma empresa
de mineração, em todos os demais casos, na média, investir os R$
100.000,00 (cem mil reais) em sua atividade empresarial teria dado
É importante ressaltar que em 2003 e 2004 o IGP-M apresentou uma variação
mais acentuada (8,89 e 12,42%, respectivamente). Isso “empurrou” o saldo da
dívida no início do período. Por outro lado, a rentabilidade média dos setores
tendeu a aumentar nos últimos dois anos do período.
12
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
Livro 1.indb 241
NOVA LIMA
V. 21
P. 241 - 246
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RAFAEL BICCA MACHADO
um retorno inferior ao saldo do total da dívida por conta do processo
judicial movido por “B” 13.
Veja-se na Tabela 7 quanto custaria à “A” sua decisão de investir seus recursos na empresa em contrapartida ao valor da dívida
judicial:
Tabela 7 – Perda adicional por setor selecionado (R$)
Perda adicional
Atacado
Auto-indústria
Bens de capital
Bens de consumo
Eletroeletrônicos
Energia
Farmacêutico
Indústria da construção
Indústria digital
Mineração
Papel e celulose
Química e petroquímica
Serviços
Siderurgia e metalurgia
Telecomunicações
Têxtil
Transporte
Varejo
80.346,02
59.879,61
80.451,18
116.857,71
145.003,01
87.682,23
80.987,07
127.616,25
128.883,71
(151.190,94)
128.638,90
90.133,79
92.791,10
41.696,92
141.877,41
140.801,59
63.535,79
136.387,52
Fontes: Cálculos desenvolvidos pelos autores.
* Saldo da dívida menos o saldo da aplicação no final do período.
Veja-se, portanto, que dependendo dos setores, a decisão pelo
investir em seu próprio negócio, quando comparado com o saldo
É importante que fique claro que estamos apresentando as medianas de rentabilidade por setor. No caso do setor de atacado, por exemplo, as empresas com maior rentabilidade passaram
de 26%; no setor de bens de consumo, as três primeiras em rentabilidade passaram de 30%.
Entretanto, dado que este estudo intenta fazer um estudo comparado médio, as medianas de
rentabilidade por setor são bastante razoáveis de serem utilizadas como exemplo.
13
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Livro 1.indb 242
NOVA LIMA
V. 21
P. 242 - 246
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
da dívida em juízo, representa um custo para “A” que varia de R$
41.696,92 (quarenta e um mil, seiscentos e noventa e seus reais e noventa e dois centavos) a R$ 145.003,01 (cento e quarenta e cinco mil,
três reais e um centavo), de acordo do seu setor de atividade.
6
AINDA VALE A PENA DEVER EM JUÍZO?
Os exemplos e dados acima referidos, ao mesmo tempo em que
estão longe de serem definitivos acerca da enorme complexidade das
situações presentes em cada um dos milhares de processos judiciais
em curso, parecem aptos a chamar a atenção para uma realidade que,
s.m.j., vem sendo pouco destacada.
Se em outras épocas postergar ao máximo o pagamento das dívidas em juízo poderia ser, como regra, uma atitude economicamente
racional por parte dos brasileiros, nos dias de hoje a situação parece
ser, na média, diferente.
Pelos dados observados, o nosso devedor “A” somente teria feito
uma escolha correta caso tivesse optado por não pagar a dívida ao “B”
se fosse uma empresa de mineração e decidisse investir em sua própria atividade empresarial.14 Em todos os demais exemplos testados, a
melhor opção para “A”, em termos econômicos (e na média) teria sido
pagar imediatamente a dívida ao “B”, evitando com isso a instalação do
processo judicial ou pondo fim a este de forma mais breve possível.
Isso mesmo sem ter-se levado em conta dois fatores adicionais
que poderiam ser considerados: (a) que no caso da dívida em juízo
ainda haveria o acréscimo dos honorários de sucumbência, de regra
entre 10% a 20% do total da dívida, que não foram computados nos
cálculos apresentados e (b) que é possível cogitar, pela praxe forense,
que “B” estaria disposto a aceitar menos do que os R$ 100.000,00
(cem mil reais) em caso de acordo, dando com isso um desconto no
pagamento a ser efetuado pelo “A”.
Vale referir, por fim, comparando estes dados com os da pesquisa anterior de 2008, que resumidamente foram confirmados os dados
Mais uma vez, é importante manter em mente que o argumento aqui é “médio”, ou seja,
existem empresas que oferecem, efetivamente, rendimentos superiores aos encargos judiciais, conforme referido anteriormente.
14
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Livro 1.indb 243
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V. 21
P. 243 - 246
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RAFAEL BICCA MACHADO
anteriores, no sentido de que, salvo raras situações, não se mostra
economicamente benéfica a decisão de postergar a dívida em juízo,
quando em comparação com as aplicações no “mercado financeiro”
ou dada a rentabilidade mediana das empresas brasileiras.
Chama atenção, ainda, que no atual levantamento sequer a
aplicação em fundo de ações supera a evolução da dívida em juízo,
ao contrário do que ocorria na pesquisa anterior. Por outro lado, confirma-se que, no caso das empresas do setor de mineração, respeitadas
as premissas aqui adotadas, persiste a vantagem no caso de postergação da dívida judicial.
7
CONCLUSÃO
Logo, diante destes dados nos parece que se reforça a hipótese
de que a maneira pela qual as dívidas em juízo são atualizadas no Brasil, no nosso exemplo 12% ao ano mais IGP-M, se devidamente percebida pelos envolvidos, pode15 ser um fator de incentivo a que, em
determinados casos, indivíduos e/ou organizações, agindo em busca
da maior satisfação de seus interesses, pensem de forma mais detalhada da conveniência ou não de se postergar dívidas em juízo.
LEGAL INTERESTS AGAINST MARKET: A POSSIBLE
INCENTIVE TO THE RISING NUMBER OF JUDICIAL
TRANSACTIONS? THE SCENARIO FROM 2004 TO 2009
Abstract
This article is an extension of a previous research published in
2008, when the results of the research were published in the book
organized by Professor Luciano Timm, Direito & Economia, edited
by Livraria do Advogado. In that research, we reached results that demonstrated, briefly, that from 2002 to 2007 only investments in equity
funds and the average of mining companies profits were higher than
Evidentemente que este raciocínio também se aplica ao contrário, isto é, em benefício
do “B” do nosso exemplo, o que, também em alguns casos, poderá atuar como um fator
de incentivo contra os acordos. É que, se para “A” dever em juízo é, na média, um mau
negócio, ter créditos em juízo, para “B”, automaticamente passa a ser, na média, um bom
negócio.
15
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
Livro 1.indb 244
NOVA LIMA
V. 21
P. 244 - 246
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JUROS LEGAIS X MERCADO: UM POSSÍVEL INCENTIVO AO AUMENTO...
the legal interests applied in the indexation of judicial debts. This article goes beyond and researches interests applied for legal debts taking
into account years 2008 and 2009.
Key words: Legal interests. Judicial debts. Comparison.
REFERÊNCIAS
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BONE, Robert G. Civil procedure: the economics of civil procedure.
New York: Foundation Press, 2003.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.
COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and economics. AddisonWesley Educational Publisher Inc., 1996.
MACHADO, Bicca Rafael; MATTOS, Ely José. Juros legais x Mercado: um possível incentivo ao aumento do número de acordos judiciais? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da justiça: alguns mitos.
Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 99, ano 25, 2000.
PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, Economia e
Mercados. Rio de Janeiro: Campus Elsevier, 2005.
SHAVELL, Steven. Foundation of economic analysis of law. Cambridge: Harvard University, 2004.
SZTAJN, Rachel; ZYLBERSZTAJN, Decio. Direito e Economia:
análise econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro:
Campus Elsevier, 2005.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. A audiência preliminar como fator de
otimização do processo. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 118,
2004.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
Livro 1.indb 245
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
10
Apontamentos acerca da TEORIA
estruturante DO DIREITO e A IMPORTÂNCIA
DE sua utilização no direito brasileiro
Recebido: 30/6/2010
Aprovado: 30/7/2010
RAFAEL DIOGO D. LEMOS*
Rio Grande do Norte
[email protected]
Sumário
1. Introdução. 2. A Teoria estruturante de Friedrich
Müller: Histórico e objetivos. 2.1. Críticas à teoria
de Robert Alexy. 2.2. Da importância da metódica
estruturante. 3. A Concretização do Direito. 3.1.
Programa da Norma. 3.2. Âmbito da norma. 3.3.
Norma. 3.4. Hierarquia dos elementos de concretização. 4. A aplicação da metódica estruturante no
Brasil e suas críticas. 5. Conclusões. Referências.
Resumo
A teoria estruturante do Direito é um complexo edifício onde,
unindo elementos dogmáticos e sociais, busca-se resolver a antinomia
entre ser e dever-ser. Uma vez que consiste de uma teoria realizada*
sob a ótica do direito alemão, visa o presente trabalho a analisar a possibilidade de sua utilização no âmbito jurídico brasileiro bem como
*
Advogado. Pós-graduado lato sensu em Direito Processual Civil. Pós-graduando stricto
sensu (Mestrado) em Direito Constitucional na UFRN. Bolsista do Instituto Brasileiro de
Petróleo(IBP).
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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V. 21
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RAFAEL DIOGO D. LEMOS
demonstrar sua importância para o fortalecimento do Estado de Direito e a solidificação da legitimidade do Poder Judiciário.
Palavras-chave: Teoria estruturante. Estado de Direito. Pós-positivismo.
1
INTRODUÇÃO
Cresce, cada dia mais, o interesse da doutrina brasileira pelo estudo e compreensão da Teoria Estruturante do Direito, elaborada pelo
professor alemão Friedrich Müller. Esta constitui em uma elaborada e
complexa teoria de concretização do direito, que reúne elementos dogmáticos e sociais superando o positivismo e sistematizando o ingresso
de fatos e valores no mundo do Direito. Para o autor, não há norma que
não seja a individual, mas, tão somente, texto normativo que balizará as
possibilidades de aplicação da norma correta ao caso concreto.
A importância de seu estudo no cenário pátrio cresce à medida
que se solidifica a Constituição Federal, que já conta com 20 anos,
sendo mister sua atualização diária por meio de sua aplicação. A teoria estruturante permite esta atualização, sem a modificação do texto
normativo, atribuindo à Carta Constitucional maior legitimidade ao
passo que se tenta a decisão mais correta para cada caso.
Apesar de sua importância, a teoria de Müller ainda é pouco
estudada no Brasil, havendo um maior interesse a partir de suas primeiras visitas a este país, na década de 1990. Ademais, o estudo de
sua teoria permite contrapor teorias mais difundidas no cenário nacional que, apesar de seu amplo conhecimento, ainda são alvos de várias
críticas, especialmente no tocante à irracionalidade da decisão, imiscuindo-a de valorações e subjetivismos sem a imprescindível comprovação e fundamentação pelo aplicador da lei.
Desta feita, este estudo visa a apresentar, criticamente, a Teoria Estruturante do Direito, elaborada por Friedrich Müller para, ao final, discutir a importância de sua aplicabilidade no cenário jurídico nacional.
2
A TEORIA ESTRUTURANTE DE FRIEDRICH
MÜLLER: HISTÓRICO E OBJETIVOS
Analisando a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal
da República Federal da Alemanha, F. Müller passou a observar que
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
não existia uma sistematização na interpretação da Constituição, adotando os magistrados daquela Corte critérios os mais diferenciados
em suas decisões.
Em sua análise inicial, o autor deparou-se insistentemente com
a utilização do clássico método silogístico, em que a lei (ou a Constituição) consistia na premissa maior, o fato na premissa menor, sendo
a decisão sua conclusão. Toda decisão, adotando este método, está
potencialmente contida na norma, sendo a interpretação apenas um
ato de aplicação da norma ao caso concreto. A despeito de o autor não
rechaçar por completo este método – ele admite, em alguns casos,
inclusive uma axiomatizabilidade na aplicação de algumas normas
– resta impossível sua utilização no âmbito do Direito Constitucional,
sendo a Constituição norma por demais complexa, aberta às mudanças sociais e valorativas da sociedade, sendo permeada de conceitos
amplos que impedem se use o método silogístico.
Posteriormente, o Tribunal se polariza na utilização da teoria
objetiva ou teria subjetiva. Enquanto esta prega que, na interpretação
da norma, deve-se buscar a mens legislatoris, ou seja, a vontade do
legislador à época da criação da lei, aquela prega que se deve perquirir
a mens legis, a vontade mesma da lei. Tais critérios são por demais
subjetivistas, visto não haver como se auferir quer a vontade da lei,
quer a vontade do legislador. São critérios utilizados sem fundamentação, rechaçados por Müller.
Outra teoria bastante utilizada à época, pelo Tribunal Constitucional Alemão, era a teoria de Savigny, utilizando as interpretações
gramatical, sistemática, genética, histórica e teleológica. Os métodos
savignyanos, entretanto, não foram criados objetivando uma interpretação constitucional, advindo de uma época de preponderância civilista,
focando, por isso, uma aplicação ao Código Civil. Entretanto, inegavelmente tais critérios interpretativos possuem relevância na interpretação
do texto da norma. Nas palavras do autor (MÜLLER, 2005, p. 28):
As regras exegéticas de Savigny evidenciam ser, não em último
lugar quando aplicadas ao direito constitucional, aspectos que não
representam ‘métodos’ universalmente válidos, mas pontos de vista auxiliares de fecundidade variável conforme a peculiaridade das
normas jurídicas concretizandas.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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RAFAEL DIOGO D. LEMOS
Tais métodos ainda limitam o estudo do Direito à exegese normativa, olvidando seu aspecto viéssociocultural. Embora Müller enfatize a importância do texto normativo, em prol da segurança jurídica,
só se compreende um enunciado quando analisada a situação efetiva
no qual é aplicado. Alerta Vladimir da Rocha França que (FRANÇA,
2002, p. 191) “a recusa em se empregar a metodologia das ciências
filosófica e sociológica no direito pode induzir o jurista ao equívoco, a produzir enunciados descritivos de uma realidade que somente
existe na letra fria dos textos legais, distante da sociedade e de seus
problemas”.
Ademais destes, critérios como a tópica, utilizando-se de diversos topoi – pontos de vista argumentativo – desvirtuando o sistema de
direito positivo, utilizando normas (infraconstitucionais e constitucionais) como meros pontos de vista que poderão ou não ser utilizados
pelo intérprete, bem como a teoria científico-espiritual, de Smend,
que tratava a Constituição como elemento de integração do jurídico
com o social, criando, assim, um sistema valorativo, sem que estes
valores sejam explicitados, são apenas alguns métodos utilizados pelo
Tribunal Constitucional Alemão.
2.1Críticas à teoria de Robert Alexy
A teoria da solução de conflito entre princípios, proposta por
Robert Alexy, ponderando-os por meio da proporcionalidade vem ganhando força nos últimos tempos, sendo já bastante difundida no âmbito jurídico nacional, utilizada por muitos como uma tábua de salvação, apelando à proporcionalidade (confundida, por muitos, com a
razoabilidade) em quaisquer casos.
Na teoria de Alexy, o conflito entre dois princípios é comum,
dada a larga dimensão de seus âmbitos de proteção. Ao contrário do
conflito de regras, em que se aplica tão somente uma, no confronto
entre princípios – que constituem mandamentos de otimização – não
há que se falar em uma invalidade de um deles ou mesmo na introdução de uma cláusula de exceção.
Para saber qual princípio preponderará no caso concreto, o intérprete deverá sopesar os princípios em conflito, lançando mão da
máxima da proporcionalidade, composta dos elementos da adequaREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
ção, necessidade e da proporcionalidade stricto sensu, chegando, assim, à decisão mais correta no caso analisado.
Para Müller, o sopesamento é um método irracional, sendo sujeito a diversas valorações, consistindo mais em uma pré-compreensão do que, de fato, em uma decisão fundamentada. A possibilidade
de decisões distintas em casos similares, quando ora um princípio irá
prevalecer, ora outro é a comprovação da impossibilidade da utilização deste método, em um Estado que pretenda ser Estado de Direito.
Robert Alexy rebate a tese de Müller afirmando que este amplia
inaceitavelmente o conceito de norma, abrangendo conceitos que extrapolam o direito posto. Concordam, entretanto, na necessidade de
uma fundamentação sólida e coerente na decisão judicial (ALEXY,
2008, p. 83-84):
A possibilidade de uma fundamentação correta para a atribuição a uma
disposição de direito fundamental é um critério para identificar a norma
em questão como uma norma de direito fundamental. [...] No final das
contas, as normas atribuídas fazem com que fique claro o papel decisivo
da argumentação referida a direitos fundamentais na resposta à questão
acerca daquilo que é válido no âmbito dos direitos fundamentais. Nesse
ponto é necessário concordar com Müller já que sua teoria da norma
salienta essa importância.
2.2Da importância da metódica estruturante
A constatação básica de Muller foi que o Tribunal utilizava-se
de diversos critérios, impossibilitando uma certa previsibilidade nos
julgados além de suas escolhas interpretativas e mesmo suas decisões
carecerem de uma maior fundamentação, sobretudo jurídico-positiva, pois, quando o faziam, apelavam a valores ou sentimentos sociais
que careciam de uma comprovação empírica, o que afetava a segurança jurídica daquele Estado bem como a crença e o fortalecimento
nas instituições judiciais. Temia que a ciência jurídica se destruiria se
continuasse a utilizar interpretações distintas em casos semelhantes,
não possuindo quaisquer parâmetros hermenêuticos. Ademais, a aplicação assistemática de valores nas decisões tornaria os juízes verdadeiros constituintes, substituindo o Estado de Direito por um Estado
Judiciário.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
Livro 1.indb 251
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RAFAEL DIOGO D. LEMOS
Desta feita, a teoria construída pelo professor alemão prega uma
maior transparência nos julgados, obtida por uma sólida fundamentação no que ele denomina programa da norma, bem como um auxílio
no âmbito da norma, consistindo, aí, o grande avanço de sua teoria
sobre a teoria positivista clássica. Configura a superação da antinomia
do ser e do dever-ser, próprio de Hans Kelsen, criando uma teoria
pós-positivista de hermenêutica constitucional. O principal objetivo
de Muller é conferir maior segurança jurídica – ponto forte da teoria positivista – sem se descuidar de uma análise social e política
da sociedade, trazendo esta influência para o interior da norma, fundamentando sua utilização nos julgados, conferindo ao Direito uma
atualidade social.
Ademais, fixando uma metódica jurídica, pretende o professor
alemão fortalecer a ciência jurídica, aliando aspectos dogmáticos, sociais e políticos, sem enfraquecer a cientificidade do Direito, tratandoo como uma ideologia.
3
A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO
A teoria de Müller não prevê uma interpretação ou aplicação da
norma, visto ela não ser um dado pronto e acabado esperando tão somente sua adequação ao caso concreto. Müller elabora um complexo
processo de concretização da norma, construindo-a a partir de elementos como o âmbito normativo e o programa normativo chegando
à norma de decisão, que será a única norma possível de acordo com
aquela situação.
A elaboração metódica da norma vai além da efetivação judicial, consistindo em um processo fundamentado que legitima a norma, constituindo-se de importante fator constitutivo do ordenamento
global.
3.1Programa da norma
Tanto o programa normativo como o âmbito normativo não são
elementos para se encontrar o significado ôntico de uma norma. São
elementos de um processo metodológico necessariamente fundamentado para se encontrar a norma a ser aplicada a determinado caso.
REV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
Livro 1.indb 252
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
Têm a função “de uma instância que seleciona os fatos, engloba o relativamente autônomo ‘sentido’ a ser concretizado, o teor de validade
do programa normativo relativo ao âmbito normativo”. (MULLER,
2008, p. 244).
O programa normativo constitui todos aqueles elementos que
gravitam ao redor do texto normativo, como os cânones de interpretação gramatical, sistemático, histórico, genético e teleológico.
A análise do programa normativo não poderá ocorrer sem a análise do âmbito da norma, do qual é inseparável, e tem a função de não
apenas modificá-lo bem como é modificado por este. A concretização
da norma parte do conceito da espiral de pré-compreensão, sendo o
texto normativo tão somente balizas para a concretização normativa.
Os programas normativos também não poderão ser analisados
de maneira isolada, devendo-se levar em consideração outros programas normativos, especialmente do texto constitucional e de leis infraconstitucionais pertinentes à matéria concretizanda.
Além dos elementos clássicos de interpretação, entram também
no programa normativo métodos de interpretação constitucional tais
como o princípio da unidade da constituição, da concordância prática,
entre outros.
O principal objetivo do programa da norma é esgotar seus significados, compatibilizando-os com o âmbito da norma, bem como
compatibilizando estes com aqueles. No entanto, o texto normativo
não deverá ser colocado de lado e qualquer interpretação que vá além
ou contra o significado do texto normativo deverá ser rejeitado, sob
pena de o magistrado imiscuir-se da função de legislador.
3.2 Âmbito da norma
O grande avanço da teoria de F. Müller sobre os positivistas é
constituir o âmbito normativo como elemento da norma, apontando
que o Direito não é apenas um complexo de proposições lógicas, mas,
ainda mais importante, um sistema normativo que visa a direcionar a
sociedade sendo, também, moldado por esta.
O âmbito da norma não é apenas um recorte dos fatos sociais ou
a tentativa de impor a força normativa dos fatos. Assim, constituem
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o âmbito normativo tão só aqueles elementos político-sociais que terão influência ou serão influenciados pelo programa normativo. Por
vezes, estes elementos sociais não são destacados ou previstos pelo
texto legal – a maioria das disposições constitucionais, em especial
aquelas que instituem os direitos fundamentais estão nesta categoria
– enquanto alguns textos normativos os destacam, tais quais as regras
processuais que, por isso, demandam um processo de concretização
um pouco mais simplificado. Leciona Müller (2008, p. 249) que:
Enquanto na esfera do fático, elementos bem embasados, metodicamente comprovados e colocados em prática desenvolvem legitimamente poder normativo, eles só são capazes disso na medida
em que tiverem se mostrado racionalmente como integrantes da
normatividade jurídica, na concretização da norma; ou seja, na
medida em que não são mais permeados pelos ‘fatos’, mas pela
formação normativa e pela reflexão jurídica, tornando os fatores
internos do direito fatores concretos dele.
Deduz-se claramente desta assertiva do autor alemão que os
elementos do âmbito normativo, embora não façam parte do texto
normativo, são constituintes da norma e, por conseguinte do Direito.
Com isso, Müller fecha as portas para subjetivismos e juízos valorativos, aceitando fatos “extra-normas” desde que precedido de um processo fundamentado de concretização, passando, depois disso, a ser
norma com o mesmo status do programa normativo. Posição semelhante possui Lourival Vilanova, ao destacar a importância de alguns
valores no mundo jurídico (VILANOVA, 2005, p. 146): “A verdade
entra, sim, em boa parte, no mundo jurídico, mas entra mediante norma, através da valoração que a norma toma como seu fundamento
axiológico”
Assim, são considerados como partes integrantes do âmbito
normativo não apenas o recorte político-social da norma, bem como
elementos de teoria, dogmáticos e jurisprudenciais relativos ao caso.
A utilização do âmbito normativo como elemento da norma torna bem claro que o professor alemão não trata a norma como um juízo
hipotético, ou mesmo um enunciado lógico, mas uma consequência
da própria ordem social a ser regulada. Bonavides (2002, p. 463) leciona que
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
Em suma, o Direito e a realidade não são esferas incomunicáveis
nem categorias autônomas subsistentes por si mesmas. O âmbito
da norma é fator que fundamenta a normatividade. Não é simples
soma de fatos, mas conjunto de elementos estruturais retirados da
realidade social.
3.3Norma
Friedrich Müller entende a norma como um processo estruturado – e fundamentado, ressaltamos – da integração do programa normativa com o âmbito normativo com o fito de concretizar a norma.
A norma só existe em referência ao caso concreto, e nunca abstratamente, em que há tão somente textos normativos que, embora tenha
importância primordial – sendo suas principais características a segurança jurídica, publicidade e presumida legitimidade – servem tão
somente de balizas que não permitem que a norma admita contornos
muito distintos do previsto pelo texto normativo.
A idéia de normatividade pressupõe a do âmbito normativo.
Exemplificando, F. Müller cita o Código de Hamurabi: este é um texto normativo perfeito, ainda existente. Todavia, seu âmbito normativo
não é mais válido, tendo, então, este texto valor meramente histórico,
cultural ou social, mas não normativo. Isso porque há uma interatividade necessária entre o texto normativo, estático e frio, e a realidade
social, dinâmica e arraigada de valores. Desta tensão, surge a normatividade, sendo o texto normativo condicionante da realidade social e
condicionado por este. Esta dialeticidade é explicada por outro concretista, Konrad Hesse (1991, p. 15) que leciona:
A Constituição não configura, portanto, apenas expressão de um
ser, mas também de um dever-ser; [...] Graças à pretensão de eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e conformação à rea­
lidade política e social. Determinada pela realidade social e, ao
mesmo tempo, determinante em relação a ela, não se pode definir
como fundamental nem a pura normatividade, nem a simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas.
A norma não é um dado abstrato, como os positivistas a consideravam, mas algo concreto, fruto de um amplo processo de densificação do texto normativo, classificando e fundamentando os elemenREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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tos textuais, sociológicos e políticos utilizados para se alcançar este
resultado. Com isso, desloca-se o foco da atenção, que sai do puro
dever-ser, da hipótese normativa, para a união do aspecto normativo
e o aspecto social, ambos com semelhante importância para a construção da norma de decisão.
A norma, na teoria estruturante de Müller tem o importante
aspecto de constituir o âmbito normativo do ordenamento que será
aceito, mais ainda que seu próprio texto normativo.
Ademais, vem a teoria esboçada pelo professor alemão a fortalecer aspectos democráticos, como alguns recortes sociais e políticos,
exaltando a força do cidadão na participação da construção da norma.
Esta participação popular não é o que pretendia Peter Häberle, senão
recortes sociais fundamentadamente escolhidos e aplicados pelo intérprete. A teoria de Müller é, claramente, voltada para uma sociedade
democrática, em que o povo não é tratado como “ícone”, ou como
mera “instância global de atribuição de legitimidade”, mas, verdadeiramente, como “povo ativo” (Müller, 2003).
O texto normativo, embora não seja considerado como norma,
possui a importante função de balizar as interpretações, devendo ser descartada aquela que contrariá-lo. Ademais, figura como um instrumento
legítimo, proveniente do órgão estatal correspondente, que não pode ser
olvidada se pretende-se, de fato, fortalecer o Estado de Direito.
Isso permite que as normas de decisão não sejam conflitantes
ou muito distantes uma da outra, atribuindo maior previsibilidade e
uma maior legitimação às decisões judiciais. A norma de decisão não
poderá ser um sopesamento irracional de valores, um instrumento
cambiável de acordo com o caso concreto, mas deverá ser a solução
adequada do problema apresentado.
Mister faz-se ressaltar – uma vez mais – que a teoria estruturante
do Direito não prevê uma interpretação do direito, mas sua concretização,
embora não exclua a possibilidade da interpretação em casos muito específicos e cuja concretização aproxima-se com uma aplicação, consistindo, basicamente, em uma interpretação filológica do texto normativo.
3.4 Hierarquia dos elementos de concretização
Inicialmente, para Müller, os elementos concretizadores da norma não têm diferença hierárquica, sendo todos de crucial importância
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em seu processo estruturante. Todavia, prevê o professor alemão alguns
casos em que estes cânones poderão entrar em conflito, estabelecendo,
assim, alguns critérios que estabelecem uma hierarquia entre estes.
A ideia principal nessa construção escalonada de elementos da
norma é a prevalência do texto normativo e elementos que gravitam
ao seu redor sobre outros elementos, como os políticos e sociais, por
exemplo, dada a presunção de legitimidade e aceitação global do
direito posto. Esta idéia, que mereceu críticas de Paulo Bonavides
(2002, p. 465), é o sustentáculo positivista de sua teoria, sem a qual
poderia descambar para aplicações casuísticas do Direito, em dissonância com o texto normativo.
Assim, em casos de elementos não diretamente referidos a normas e elementos diretamente referidos a normas, estes prevalecerão sobre aqueles, constituindo-se em uma regra de preferência normativa.
No conflito entre elementos não diretamente referidos a normas,
não existem primados ou regras de preferência, por constituírem recursos metódicos auxiliares, não sendo obrigável juridicamente. Este
é um dos casos em que o autor aceita uma clara e expressa valoração
por parte do magistrado, sendo o caráter subjetivo da decisão não apenas imprescindível bem como incentivado. Assim como em qualquer
outra decisão, a tomada de posição por parte do aplicador da norma
não pode-se dar de forma velada, escusa, implícita. Ela deve vir expressa bem como amplamente fundamentada, na decisão.
Por derradeiro, naqueles casos em que ocorrem conflitos entre elementos da concretização diretamente referidos às normas, uma vez mais
o autor prefere aquele que mais se aproxima do caráter filológico da norma, i.e., o texto da norma. Em suas palavras (Müller, 2005, p. 95)
Em caso de conflito, o texto da norma é o ponto de referência
hierarquicamente precedente da concretização, enquanto determinação do limite das possibilidades decisórias admissíveis. O teor
literal não é a lei, mas a forma da lei. É, contudo, o teor literal que
formula – em que pese qualquer inconclusidade da implementação
lingüística – o programa da norma vinculante como diretriz material bem como limite normativo.
Resta clara, mais uma vez, a coerência de sua teoria, que, mesmo adotando caracteres pós-positivistas, não deixa que este escape
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para subjetivismos e sopesamentos irracionais entre valores não expressos. Toda sua teoria é construída sobre as sólidas bases do positivismo, do culto à lei – que ele trata somente como o texto normativo
– adotando, ademais, elementos sociais e políticos que não apenas
atualizam a norma como a tornam a mais legítima e correta para o
caso concreto aplicado, legitimando não apenas a decisão bem como
o ordenamento jurídico globalmente referido. O que seria o flanco
aberto, a que Paulo Bonavides se refere em sua obra (2002, p. 463),
como aquele local por onde os críticos destruirão a teoria estruturante
é, em verdade, o ponto nodal distintivo de outras teorias ditas pós-positivistas que pregam uma aplicação do Direito baseado em valores,
os mais variados, amplos e subjetivos possíveis, o que acaba pondo
em xeque a segurança jurídica, previsibilidade dos julgamentos, e, em
última instância, o próprio Estado de Direito.
4
A APLICAÇÃO DA METÓDICA ESTRUTURANTE NO
DIREITO BRASILEIRO E SUAS CRÍTICAS
Apesar de ser uma teoria que já se encontra há um tempo relativamente longo no cenário jurídico – os primeiros escritos, ainda em
alemão, foram lançados ainda no início da década de 1970 – apenas
recentemente os brasileiros se interessaram pelo seu estudo e, em especial, após as constantes vindas do professor Friedrich Müller ao
Brasil na década de 1990 e, posteriormente, sendo professor convidado e palestrante em diversas cidades nacionais.
Desta forma, são raros aqueles que se utilizam da teoria proposta pelo professor alemão, ou mesmo aqueles que comentam com
maior profundidade, apontando críticas ou tecendo comentários. Uma
das críticas realizadas à metódica estruturante é realizada pelo professor cearense Paulo Bonavides, que afirma que a colocação do texto da
norma em posição superior aos demais elementos de concretização,
mormente quando em conflito estes elementos, constitui (BONAVIDES, 2002, p. 465) “o ponto vulnerável de sua metodologia, o flanco
que ele deixou desguarnecido e por onde a crítica poderá ingressa
para demolir todo o edifício engenhosamente erguido”.
Eros Roberto Grau demonstra utilizar uma teoria bastante similar à do professor alemão, com uma distinção, que mostra sua inegáREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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vel veia kelseniana: após a edificação da norma, com elementos do
programa normativo e do âmbito normativo, aquela será um quadro,
com duas ou mais possibilidades, igualmente corretas, de aplicação
ao caso concreto. A norma positivada será a norma de decisão, enquanto que a norma quadro será denominada tão somente norma por
Eros Grau.
Isto porque, para o Ministro do STF, a interpretação (para Eros
Grau interpretação é igual a aplicação) do Direito não é elemento da
ciência do Direito, mas de uma política jurídica, ingressando valores do intérprete, sendo um ato de vontade do magistrado. Isto porque, após realizado todo o processo de estruturação da norma, esta se
apresenta tal qual um quadro com várias interpretações possíveis: só
uma delas será válida, não porque será a única verdadeira, ou a mais
justa, mas porque o magistrado assim o decidiu. Em curtas palavras,
para Eros Grau a interpretação é uma prudência e não uma ciência.
Citando autores como Comparato, Larenz e Heller, Eros Grau (2006,
p.105-106) leciona que
O intérprete, então, atua segundo a lógica da preferência, e não
conforme a lógica da conseqüência: a lógica jurídica é a da escolha entre várias possibilidades corretas. Interpretar um texto
normativo significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo que a escolha seja apresentada como adequada.
A norma não é objeto de demonstração, mas de justificação. Por
isso, a alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito: no direito
há apenas o aceitável (justificável). O sentido do justo comporta
sempre mais de uma solução.
Assim, defende Eros Grau, em tese já esposada por Kelsen,
que enunciados prescritivos não são passíveis de serem considerados
verdadeiros/não-verdadeiros, mas válidos/não-válidos. São planos lógicos distintos, aqueles referentes a enunciados descritivos, estes, a
enunciados prescritivos (dos quais as normas são um exemplo). Isto
não quer dizer que as decisões jurídicas são de todo imprevisíveis;
embora a norma contenha várias normas de decisão possíveis, é necessário um processo estruturado e fundamentado para se chegar a
esta norma, dando aí uma certa previsibilidade à interpretação. Assim,
a interpretação é uma prudência com um mínimo de previsibilidade,
seguindo algumas regras impostas pelo próprio ordenamento.
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Há uma certa semelhança nos meios utilizados para atingir o
fim (decisão) na teoria esposada pelo Ministro do Supremo Tribunal
Federal e pelo professor alemão F. Müller; o último passo da estrutura
formulada por Eros Roberto Grau deixa várias opções de aplicação
para o magistrado, sendo totalmente oposta à ideia de Müller da única
decisão correta para o caso concreto. É de afirmar, portanto, que, embora relativamente similares, atingem fins diametralmente opostos.
Por outro lado, não é de se negar a possibilidade – e a importância – da utilização da teoria de Müller no Direito Brasileiro. Embora
tenha sido construída após observações e críticas à jurisprudência dos
tribunais alemães, a Teoria Estruturante do Direito é, antes de mais
nada, uma teoria para um país democrático, fortalecendo este aspecto, dando mais previsibilidade às decisões judiciais e com suporte no
direito posto. Em entrevista concedida a Martônio Mon’t Alverne e
Gilberto Bercovici, F. Müller afirma que (LIMA, 2006, p. 30)
Por um lado, a teoria estruturante da norma jurídica, enquanto parte integrante da TED exige que se valorize adequadamente a “realidade sócio-cultural do país”, enquanto esta realidade é tocada
pelo direito, em todos os processos de decisões práticas, isto é, no
trabalho do direito cotidiano. Isto é verdadeiro para a Alemanha
como igualmente para o Brasil. A TED criou noções operacionais,
instrumentos analíticos e metodológicos que podem servir independentemente de cada Estado-nação, sua cultura social e sua cultura jurídica particulares.
Termina sua entrevista afirmando que, especialmente no caso
do Brasil, que luta contra aspectos do passado – como a ditadura
– sua aplicação terá valia e será (LIMA, 2006, p. 31) “muito judiciosa e útil”.
5
CONCLUSÕES
A teoria estruturante de Friedrich Müller constitui em um elaborado e complexo arcabouço de elementos que compõem a norma,
partindo de uma interpretação do texto normativo, trazendo, ao final,
elementos sociais e políticos para compor a norma de decisão, que
será aquela mais correta para o caso concreto. Partindo de um cenário
em que os tribunais alemães aplicavam teorias de interpretação sem
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nenhum critério, apelando, muitas vezes, para valores sociais ou outras expressões amplas, sem fundamentá-las, pondo em risco o Estado
de Direito. A segurança jurídica estava ameaçada, a previsibilidade
dos julgados e mesmo a imparcialidade dos magistrados, ante o fato
de ser incontrolável uma decisão sem fundamentação ou sem uma
densa motivação.
Assim, o autor alemão construiu sua norma, partindo de elementos dogmáticos e sociais, superando a antinomia clássica do ser
e do dever-ser, fundando uma teoria verdadeiramente pós-positivista,
no sentido de não olvidar aspectos axiológicos ou sociais, mas com o
devido respeito e atenção aos limites impostos pelo texto normativo.
Estes balizarão todas as interpretações que poderão receber o texto da
norma, sob pena de desconfigurar o Estado de Direito, subvertendo a
clássica repartição de poderes e colocando em xeque todas as inegáveis qualidades inerentes ao texto legal.
A importância do estudo da Teoria Estruturante do Direito
ganha ainda mais importância quando avistamos uma utilização
inadequada e irracional da máxima da proporcionalidade, proposta por R. Alexy. O sopesamento está sendo usado, muitas vezes,
como solução para todo e qualquer caso, sendo aplicável a toda decisão, muitas vezes chegando a resultados diametralmente opostos
em situações semelhantes. Inegavelmente, parte do descrédito do
Judiciário perante a população deriva da imprevisibilidade de seus
julgados, não podendo o cidadão confiar em um órgão que subverte
o texto normativo, aplicando valores, muitas vezes de maneira escusa e infundada.
Desta feita, Müller propõe uma teoria com menores possibilidades de divagações, mais fundamentada e transparente, unindo não
apenas a espécie normativa bem como aspectos culturais e sociológicos da população; esta convergência de elementos, desde que realizada de maneira densa e motivada, é um passo para uma atuação mais
sólida e legítima do Poder Judiciário.
Faz-se mister mais estudos acerca do tema, fomentando debates
e discussões, enriquecendo não apenas a cultura jurídica bem como,
ainda mais importante, solidificando o Judiciário e fortalecendo o Estado de Direito, objetivo maior da teoria de Friedrich Müller.
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APOINTMENTS ABOUT THE LAW STRUCTURING
THEORY AND THE IMPORTANCE OF IT’S USE AT
THE BRAZILIAN LAW
Abstract
The law structuring theory is a complex structure that, by uniting dogmatic elements and social elements, try to solve the antinomy
between is and ought to be. Since that the theory was made about the
german law, the present paperwork intents to review the possibility of
it’s use at the brazilian law as well as to show it’s importance to the
strenghten of the State of law and the solidification of the brazilian
Judiciary.
Key words: Structuring theory. State of Law. Post-positivism.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio
Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12 ed. São
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FRANÇA, Vladimir da Rocha. O problema da delimitação do objeto
da ciência do direito. Revista da FARN. Natal, v. 1, n. 2, p.173-194,:
2002.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar
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KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes: 2006.
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Entrevista com Friedrich Müller. Revista Jurídica da Presidência da
República,. v. 8, ago-set. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/revista/Rev_80/pareceres/Martonio_EntrevistaFreREV. FAC. DIR. MILTON CAMPOS
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Apontamentos acerca da TEORIA estruturante DO DIREITO...
derichMuller.pdf?tid=8&idioma=esp&pid=332&cid=234>. Acesso
em: 25 out. 2008.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19.
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Müller, Friedrich. Métodos de trabalho de direito constitucional.
Trad. Peter Naumann. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
_______. Teoria estruturante do direito. Trad. Peter Naumann e Eurides Avance de Souza. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
_______. Quem é o Povo? A questão fundamental da democracia. 3.
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VILANOVA, Lourival. Estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005.
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THE FAIRNESS OF ‘STEALING’ KNOWLEDGE FOR EDUCATION
11
THE FAIRNESS OF ‘STEALING’ KNOWLEDGE
FOR EDUCATION
Recebido: 30/8/2010
Aprovado: 03/10/2010
RATNARIA WAHID
School of Law, University of East Anglia, Grã-Bretanha
[email protected]
Summary
1. Introduction. 2. Uncertainties and lack of awareness in copyright law. 3. Copyright exception relating to education in international treaties. 4. Copyright exceptions relating to education in national
laws. 5. Fair Dealing. 6. Fair Dealing and digital
online materials. 7. Conclusion. References.
Abstract
Despite the success of technology in terms of making it much
more convenient to gain education, copyright law seems to hamper
the strength and opportunity of information technology in relation
to providing access to knowledge and education. With this in mind,
this paper examines the application of copyright law in the context
of education in both traditional and modern methods of teaching. It
discusses the problem associated with the uncertainties and lack of
awareness amongst copyright users, as well as the controlling behaviours of copyright owners. This paper further relates the problem
of uncertainties to broad provisions of exceptions in international
copyright instruments, and further narrows down the interpretation
of ‘fair’ dealing in the context of domestic laws. This paper argues
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that a liberal approach to copyright is fundamental when providing
discretion for countries to interpret and implement their international
copyright obligations, which are considered suitable to their different needs. As such, private international litigation can contribute to
adopting a more balanced and more respectful approach to national
differences and national norms.
Key words: Education. Copyright law. Exceptions. Fair. Use
1
INTRODUCTION
Education systems are regarded as contributing to international
knowledge public goods. As a public good, education is characterised
as being non-excludable, meaning that, once it has been provided, nobody can be excluded from enjoying its benefits. Education as a public
good must therefore be considered non-rival in terms of consumption,
i.e. one person benefits from the public good without reducing the
amount available to others (Dirk Willem te Velde, 2005). Since education is considered to be a public good, various efforts have therefore
been taken so as to provide education to the public.
Recent developments in relation to information technology have
invariably shifted traditional methods of knowledge delivery from
verbal communication and chalkboards to a more visually enhanced
experience. More advanced classroom activities today rely upon a variety of both basic and advanced telecommunications technologies,
such as one-way and two-way open or scrambled broadcasts, cable
and satellite delivery, fibre optics and microwave links, CD-ROMS,
and the Internet.
Higher educational institutions are increasingly implementing
the use of information communication technology in teaching activities. This is owing to the fact that it is convenient, self-paced, individualised, interactive, faster, cheaper, and has the ability to provide learning everywhere and at any time, overcoming geographical barriers
(UNESCO, 2009).
Conformable to education, the encouragement of learning is
also the aim for the first establishment of Copyright law under the Statute of Anne in 1710. A similar purpose of establishment of Copyright
law in the United States was also expressed in Article 1(8) (8) of its
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THE FAIRNESS OF ‘STEALING’ KNOWLEDGE FOR EDUCATION
Constitution, which is to ‘promote the progress of science and useful
Arts’. Simply said, copyright law is also created to promote and encourage learning, thereby acting for public good. By granting copyright
protection for a limited time by providing authors with incentives, more
learning materials could be created for the benefit of the community.
Logically, one would expect that education, copyright law and
information technology would be an ideal combination that works
well together in order to disseminate knowledge and information for
the benefit of the society. Sadly, however, whilst the development of
ICT brings conveniences for flexible learning and distance education,
this situation also increases a number of opportunities to infringe copyright law. Students, for example, are considered to be more prone
to commit plagiarism, as they feel that no one is watching them due to
being away from campus. Lecturers may also find themselves plagiarising fellow faculty members’ work from a different campus (Nemire, 2007). As a result, illegal downloading – which includes literature
piracy, the unauthorised re-use and distribution of works, plagiarism
and associated infringements – is commonly practiced more than one
is aware of. Notably, a research carried out on academic and literature
industry in 2009 reported that illegal downloading has been considered as a behavioural and attitudinal problem of young people – especially students (Wallace, 2004).
Encountering this problem, copyright owners use technology to
control their copyright works. Nowadays, controlling access to materials online can be regulated in many ways. Common methods include
the use of passwords, firewalls, screening for IP addresses or domain
names, hardware connections, encryption, or using CD-ROMS as a
delivery vehicle (Longdin, 2005). All of these methods could be used
either separately or in combination.
Notably, these various technological protection measures and
contracts often leave users with less advantage owing to restrictive
and unfair terms of licensing agreements, favourable to foreign database producers, imposing high fees, despite the fact that usage may
fall within copyright restrictions (Azmi & Abdulrahman, 2008).
In certain circumstances, the aforementioned technological protection somehow prohibits legitimate users from using the exemptions
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and limitations provided by copyright law in education, particularly
the fair dealing provision.
2
UNCERTAINTIES AND LACK OF AWARENESS IN
COPYRIGHT LAW
To begin with, the problem of illegal copying, downloading
and plagiarism could potentially result from uncertainties or a lack
of awareness of the users. In normal traditional classroom settings,
for instance, educators heavily rely upon copyrighted books, newspapers, magazines, and sometimes photographs, videos, slides, musical
works, and sound recordings in the course of teaching the students.
These resources are sometimes integrated with the educators’ own
original works in a meaningful way, providing compact educational
tools which allow great flexibility in both teaching and learning.
Notably, much of the materials used in educational programmes
are protected under copyright law. Copyright law requires that anyone
who wants to use the work in question must get the permission from the
copyright owners or pay royalties unless such works fall under the exceptions of copyright, which allows fair dealing with a work for educational purposes. ‘Fair dealing’ is formulated out of the British common
law copyright system, which permits reasonable access to copyright
works without the need for permission or payment for the purpose of
public interest, such as research or private study (Tawfik, 2005a). This
rule and restrictions apply to various traditional, paper-based materials,
as well as to online materials. The concept of fair dealing is, however,
narrower than the concept of ‘fair use’, which is applied in America.
Traditionally, the law provides a relatively simple and broad
provision allowing ‘performances’ and ‘displays’ in the face-to-face
classroom setting. Although fair dealing is constantly applied in traditional methods of teaching, there are nevertheless still some uncertainties and difficulties in regard to applying the exception to education. For instance, studies state that such exceptions and limitations
only apply to a narrow range of copyright subject matter, i.e. literary,
dramatic, musical and artistic works, and the typographical arrangements of published editions; therefore, it not applicable to computer
programs (Burrell & Coleman, 2005) and non-authorial works.
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Studies also state that the research and private study exception suffers from a number of serious defects. In particular, it fails to distinguish
between different stages of research, and provides no clear guidance concerning the quantity of material that can be copied in relation to such
an exception (Burrell & Coleman, 2005). Thus, although the law allows
copyright works to be used without the copyright owner’s permission or
without paying royalties in the traditional method of teaching, the law is
limited, restricted and ambiguous, thereby causing those within the education sector to be uncertain and open to copyright infringement action.
As a result, this causes a number of different uncertainties and difficulties
for students, researchers and institutional users alike.
The degree of uncertainty and difficulties in terms of applying
the copyright exceptions and limitations in education are even greater
in the current modern method of teaching. Despite Virtual Learning
Environments being one of the fastest-growing areas of education,
little is so far known concerning how the exceptions and limitations to
copyright law apply to this area of educational delivery. Studies show
that, in terms of delivery of learning, training or educational programmes by electronic means, there is a significant lack of awareness or
knowledge in this arena of copyright law and its application (Waelde
& MacQueen, 2004). The uncertainties are more magnified in crossborder educational institutions (Longdin, 2005) and projects, especially concerning the use of third-party materials (Scodigor, 2004).
Furthermore, there are also numerous groups of people who often believe that, if information is transferred to the World Wide Web
and made available over the internet, its use thereafter must be free
and unrestricted. This is a wrongly held belief, and despite this popular ignorance of the law, users who are found to infringe copyright law
in this way (or any other way) are vulnerable to legal suit. Whether
one is truly ignorant of the law or simply chooses to ignore the law,
the law is clear that ignorance offers no defence.
3
COPYRIGHT EXCEPTION RELATING TO EDUCATION
IN INTERNATIONAL TREATIES
When analysing the reasons for the lack of awareness or uncertainties of users concerning the application of copyright law in an
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educational context, it is pertinent to consider the relevant international provisions relating to copyright exceptions. Whilst calling for the minimum standards of protection of copyright works, the 1886 Berne Convention for the Protection of Literary and Artistic Works (Berne Convention) also provides for exceptions and limitations to the exclusive right given to copyright owners
(Ricketson, 2003). This insertion is important when seeking to balance
the rights of the owners and users so that the community is also able to
benefit from copyright law. Numa Droz stresses in the first diplomatic
conference through draft Berne Convention (1884) that ‘limitations
on absolute protection are dictated, rightly in my opinion, by the public interest’, and any set of property rights – even those of the author
– must always be subject to such limitations (Ricketson, 1999b, p.94).
She further advances that the ‘ever-growing need for mass instruction
could never be met if there were reservation of certain reproduction
facilities, which at the same time should not generate into abuses’
(Ricketson, 1999a, p.61).
Despite the acknowledgement concerning the importance of
exceptions and limitations in terms of balancing the conflicting interests and ensuring access to mass instruction and education, there
is, however, no universal all-encompassing exception for education.
Available provisions relating to education only exist in Article 10(2)
of the Berne Convention, providing for specific teaching exceptions,
and Article 9(2) which provides guidelines for exceptions and limitations in general.
Article 10(2) of the Berne Convention provides quite an open,
flexible and technology-neutral specific teaching exception to copyright protection. Under Article 10(2), copyright work can be utilised for
the purpose of teaching on the condition that it is ‘justified by the purpose’ and if it is ‘compatible with fair practice’. Ultimately, the word
‘utilisation’ is neutral enough to cover not only reproduction but also
communication to the public (and the making available to the public).
However, the words of ‘by way of illustration’ seem to impose some
degree of limitation concerning the size of the ‘borrowing’; it was
interpreted as not to exclude the use of the whole of a work in appropriate circumstances (Guibalt, 2003, p.15). These words also (which
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in fact has found its way into national laws) was never intended to further restrict the scope of the educational purposes (Xalabarder, 2007).
By limiting its use to only two grounds, this provision is considered to
be both open and flexible for teaching purposes, since it never limits
copying to any specific quantitative (i.e. how much can be used and
how many copies can be made) or qualitative (what kind of works)
restrictions on exempted uses (Xalabarder, 2007).
The Berne Convention revisions also shows that, ‘by way of
illustration in publications, broadcasts or sound or visual recordings
for teaching’ does not constitutes an exhaustive list, but the language
itself results from a specific wish to accommodate new technology.
The reason behind such wording was to enable educators ‘to take full
advantage of the new means of dissemination provided by modern
technology’ (Ricketson & Ginsburg, 2006), and it has since been well
accepted that digital technologies are also covered under the exception (Xalabarder, 2007).
Nevertheless, the teaching exceptions in Article 10(2) of Berne
Convention have always been interpreted so as to apply only to courses
which have led to an ‘official’ degree, covering both elementary and
university teaching in both private and public institutions, as well as
in the case of distance teaching (Ricketson & Ginsburg, 2006). This
means that it applies to teaching at all levels, whether dispensed in educational institutions and universities, municipal, state and private schools; however, this does not apply to teaching dispensed outside of such
institutions, i.e. the general public and adult education facilities.
The analysis concerning the specific teaching exception provision in Berne Convention reveals that it is quite an open, flexible
and technology-neutral exception which ultimately leaves its member
countries with the flexibility and opportunity to consider what is regarded as ‘fair practice’ and ‘justified by the underlying purpose’.
Notably, Article 10(2) of Berne Convention is not a mandatory
exception, but rather simply sets the limits within which an exception
for teaching purposes may be carried out by national laws (Ricketson
& Ginsburg, 2006). Thus, the broad and flexible provisions of the
Berne Convention exception for teaching purposes remain subject to
national laws.
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In the same way, Article 9(2) of the Berne Convention also permits the reproduction of copyright works subject to the fulfilment of
the ‘three step test’, namely that a) it is in certain special cases; b)
such a reproduction does not conflict with the normal exploitation
of the work; and c) it does not unreasonably prejudice the legitimate
interests of the author. It is upon fulfilling these three criteria that national legislators must ensure compliance when drafting, legislating
and justifying their exceptions and limitations (Senftleben, 2004).
Notably, the wordings were almost precisely followed by Article
13 of the TRIPS Agreement, Article 10 of the WIPO Copyright Treaty,
and Article 16 of the WIPO Performances and Phonograms Treaty.
Appreciating technological development, the WIPO Copyright Treaty
Agreed Statement concerning Article 10 Limitations and Exceptions
also permits member countries to ‘devise new exceptions and limitations that are appropriate in the digital network environment’.
This general exception ultimately leaves discretion for national
legislators to fashion exceptions and limitations to their national copyright law, with specific reference to their own economic, social and
cultural circumstances (Ricketson & Ginsburg, 2006).
4
COPYRIGHT EXCEPTIONS RELATING TO
EDUCATION IN NATIONAL LAWS
Since the broad provisions in international copyright treaties
allow certain flexibilities in terms of drafting and applying exceptions
and limitations to copyright law, national legislatures ultimately retain a great measure of discretion in the way in which they interpret
and subsequently implement their international copyright obligations
(Tawfik, 2005b). Essentially, the assessment carried out by national
legislators in terms of the extent of limitations adopted for the benefit
of educational and research institutions significantly vary from one
country to the next (Crews & Ramos, 2004; Guibalt, 2003). These
variations are understandable, recognised and even encouraged by the
provisions of the international and regional instruments, thereby allowing countries to make their own decisions within certain parameters
concerning the restrictions to be imposed. This is purposely intended to be left to the national legislators’ discretion so as to suit the
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individual countries’ diverse political, economic, social and cultural
interests and needs.
The most common limitations to be found in national legislation includes the right to make compilations of short works or passages for purposes of teaching, the right to reproduce parts of works in
publications for use as illustrations for teaching or for the purposes
of scientific, literary or artistic criticism, research and private study;
the right to quotation; the right to communicate to the public parts
of works by broadcasting a radio or television programme made to
serve as an illustration for teaching purposes or for scientific research
purposes; the right to perform and display a work in the course of
teaching activities; and the right to reproduce a work for the purpose
of examination (Guibalt, 2003). Often these uses of copyright works
are allowed provided that they occur in conformity with fair dealing
or fair practice, and mention is made on the source and of the name of
the author which appears on the work used.
The EU Copyright Directives, for example, provides a list of
possible exemptions for its member states to choose from with the
exception of Article 5(1) providing (mandatory) temporary copying
exemption. In Scandinavian countries, for instance, there is a long
tradition of collective license agreement.
Moreover, Malaysia, for example, under Section 13(2)(a) Copyright Act 1987, allows the use of copyright works for the purpose
of non-profit research or private study, provided that such are accompanied by acknowledgement of the title and its authorship and can be
regarded as fair dealing. This particular exception in terms of research and private study is considered to be useful for those academics
who copy works in order to further their research, and also for those
students who collect materials to prepare for an essay or sit an exam.
Unlike the teaching exception, the research and private study exception is not a specific exception standing on its own, but is one that falls
under the general exceptions provided in Article 9(2) of the Berne
Convention concerning reproduction rights.
Similarly, in the UK, Section 29(1) of the Copyright Design and
Patent Act 1988 provides that any copying or dealing with a literary,
dramatic, musical or artistic work for the purposes of research does
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not infringe any copyright if it is regarded as fair dealing, done for a
non-commercial purpose, and accompanied by sufficient acknowledgement.
Now, however, the important issue remains: what can be considered as fair dealing? There is no well-defined international standard
for fair dealing provided in the multilateral treaties, which subsequently causes a further lack of uniformity amongst different countries.
5
FAIR DEALING
In determining the concept of fair dealing, courts have to consider various factors in order to establish the right balance between the
copyright owners and users’ interests. Lord Denning in Hubbard v.
Vosper [1972] 2 QB 84, 94 identifies three factors that will ordinarily
be relevant in determining whether a particular use is to be considered
fair. He said:
You must consider first the number and extent of the quotations
and extracts. Are they altogether too many and too long to be fair?
Then you must consider the use made of them. If they are used as
a basis for comment, criticism or review, that may be fair dealing.
If they are used to convey the same information as the author, for
a rival purpose, that may be unfair. Next, you must consider the
proportions. To take long extracts and attach short comments may
be unfair. But short extracts and long comments may be fair.
However, all of the abovementioned factors should be flexibly
applied depending on the type of work, as well as the manner, of reproduction. In certain circumstances, it might be permissible to reproduce the whole work, particularly when the work is short, as indicated
by Megaw in the same case.
In the case of University of London Press Limited v. University Tutorial
Press Limited [1916] 2 Ch 601, the exception in research and private study seems to be strictly applied. It was held that republication of a copyright work
was not a ‘fair dealing’, merely because it was asserted to be intended
for purposes of private study, nor if a book of questions which include
its answers is reproduced for the use of students. Neither case is considered to fall within the description of ‘fair dealing’. Since mere assertion that the work is for the purpose of private study or student use
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is considered insufficient, and so it remains uncertain what would be
considered enough to grant an exemption from copyright protection.
Another alternative in determining whether or not the taking
was fair is to consider whether the user’s purpose could have been
achieved by any other means, as viewed in Associated Newspapers
Group v. News Group Newspapers [1986] RPC 515, 519. Here, some
commentators caution concerning the danger that the court might take
a restrictive view for this point without taking into account the related
commercial factors (Bently & Sherman, 2004).
In CCH Canadian v. Law Society of Upper Canada [2004]
SCC 13, the judge determined whether a dealing was considered to
be fair by taking into account how much was copied, the effects associated with the dealing on the market for the work, whether the
defendant’s purpose could have been achieved by other means, and
the nature of the work copied. The Supreme Court also indicated, however, that, in relation to the research and private study exceptions,
a further relevant factor is what happens to a copy after it has been
made. In particular, if the copy is subsequently destroyed, this will aid
a finding that the taking was fair. To this extent, it seems incongruous
that, if we apply this to an educational context where lecturers should
destroy the sources of research materials, this could then be regarded
as fair. Nevertheless, the CCH case does take an open view where it
emphasises that it is important that the purpose of the dealing is not
restrictively interpreted but rather may constitute as one of the factors
to be taken into account when determining whether or not the dealing
is considered fair. A permitted purpose does not ipso facto validate
the infringing act; rather, the dealing with respect to the copyright
work must still be fair. As observed by the Supreme Court of Canada
in CCH case at page 663: “… Some dealings, even if for allowable
purpose, may be more or less fair than others; research done for commercial purposes may not be as fair as research done for charitable
purpose.”
Another interesting dilemma relating to education is regarding
research and private study exceptions. Whilst it is agreed that the defence may only be claimed by the person actually engaged in the study
or research, it is not entirely clear whether or not it is available at the
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instance of a person conducting the infringing activity on the person’s
behalf or at his request. For instance, a librarian or a shop offering
photocopying facilities may make a copy of a work or parts thereof at
the request of a researcher or student. There does not appear to be any
sound reason why the defence may not be available in such instances if
indeed it could be shown that the requester’s use was for private study
or non-profit research. The rationale for restricting the defence to the
actual user of the work must surely be for the purpose of ensuring that
only single copies are made, and that it is not used to justify making
multiple copies for circulation to more than one person – allegedly
for any of the prescribed purposes. The rationale is not undermined
merely owing to the copying or the infringing activity conducted by
the actual user but by someone on his behalf (Tee, 2008).
The Supreme Court of Canada in Law Society of Upper Canada v. CCH Canadian Ltd held that the defence of fair dealing may
be available for third-party acting on behalf of a person undertaking
the private study or research by proving that the latter’s dealing with
the copyright work fell within the exception, or by otherwise relying
upon its own practices or policies, if any, as evidence that its dealing,
though undertaken for the latter, were within the prescribed purposes. The Supreme Court held that the word ‘dealing’ connoted not
individual acts but rather a practice or overall system. Accordingly, it
was sufficient for persons or individuals relying upon the fair dealing
exception to prove that their own practices and policies were research-based and fair, or by showing that all individual dealings with the
materials were, in fact, research-based and fair. For this purpose, the
appellant was entitled to rely upon its access policy which, together
with other factors, were considered to be sufficient to prove that its
dealings with the respondents’ works were research-based and fair.
In sum, the test of fairness fails to provide students, researchers
or users with any degree of certainty concerning the amount entitled
to be copied when relying upon the fair dealing exception. In the case
of Moorhouse, an Australian University was held liable for copyright
infringement, despite copyright warning notices being posted next to
the photocopier. Although the Canadian Supreme Court in the CCH
Canadian v. Law Society of Upper Canada [2004] SCC 13 viewed
that the Canadian and British approach is likely to be inconsistent
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with such decisions, this creates an insecure environment – particularly for those in charge. In the absence of clear authority, institutions are
therefore more likely to continue to be cautious in controlling what
researchers and students copy; in some cases, excessively so (Burrell
& Coleman, 2005).
6
FAIR DEALING AND DIGITAL ONLINE MATERIALS
Another dilemma facing the issue of fair dealing is whether or
not it has any place in relation to digital materials online. Compared
to the traditional (pre-digital) teaching materials, copyright in the particular form of expression of ideas during the course of teaching and
written course material does not normally involve a huge investment
of either time or money; rather, it is cheaply replaced and has no significant sale value. Here, copyright can be said as practically being a
non-issue.
Comparably, most teaching materials developed for the virtual­
learning environment programmes are complex and expensive to create.
Much greater efforts and investment are therefore required in order to
produce taught materials and lectures. Notably, the provision of expensive infrastructure for production and dissemination, in the form
of equipment and facilities, grants, time release from teaching, preexisting intellectual property and technical staff, are commonly required (Monotti, 2002). For these obvious reasons, it is understandable
that copyright owners would expect much more protection for their
copyright works. Nevertheless, it is important for the law to protect
not only the rights and interests of the copyright owners but, at the
same time, to also have to take into account the best interest of users
to access the copyright works.
Exceptions to copyright rules which university tutors and lecturers enjoy whilst teaching face-to-face in a lecture theatre or seminar
room currently do not apply when they are teaching online (McCracken, 2001). For example, in order to show a recent clip from the
videos or TV, the lecturer needs to write to a publisher or broadcaster,
asking about the rights to use the material, which subsequently takes
approximately five weeks to ascertain. As cumbersome as it is, a person who teaches online will not have the time to gain permission to
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include current events. In this regard, the defences used to allow for
classroom use are also not generally available to online or distance
education. It has long been ‘clear that systematic single copying (for
instance, all the members of a class requesting the same material at
once) is not within the exception’ (Cornish, 2001); thus, it follows that
simultaneous online requests for material are not exempt under the
Act (Wallace, 2006).
Some private interest groups somehow expect the higher education sector to lobby the government to promote the extension – or
at least the preservation – of educational provisions in the UK implementation of the EU Directive on the harmonisation of certain aspects
of copyright and related rights in the information society. The Directive allows exceptions to be made by Member States for the benefit
of certain non-profit-making establishments, such as public libraries,
museums and archives. This exception, however, only applies to the
reproduction right. The online delivery of copyrighted information is
not included within the exemption; the introduction of favourable licensing schemes cover works which fall outside the exception, and is
encouraged (Wallace, 2006). For example, under a revised Section 32
of the CDPA 1988, it was provided that exemptions (i.e. actions taken
for the purpose of instruction or examination) cannot be invoked for
online teaching provision except in the one specific area of examinations. The setting of examination questions, communicating these
and/or providing answers is permitted as an exception to copyright.
All other attempts at using this exemption online are now classified as
dealing in infringing copies (Wallace, 2006).
7
CONCLUSION
Education, ICT and copyright law have great potential in encouraging learning and promoting research and development for the
benefit of the community at large. The increasing use of technology
in educational systems should be supported by copyright law and not
hampered by it.
Uncertainties and a lack of awareness in terms of infringing the
use of copyright works in education do not only exist in digital teaching methods; notably, ambiguities have even occurred in traditional
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methods of teaching. However, in the traditional method of teaching,
copyright is not much of an issue, as it does not have much commercial potential. Many exceptions and limitations available for education have been suggested as being narrow, limited and suffering a
number of serious defects. These uncertainties only loom larger when
education is delivered via electronic means.
It would appear that many uncertainties with respect to exceptions and limitations relating to education result from the broad and
flexible provisions of international copyright treaties. Nevertheless,
such is desirable so that a great measure of discretion is available for
individual countries to interpret and implement their international copyright obligations, suitable to their unique and different social, cultural and developmental needs. In other words, it is up to the individual
countries to interpret according to their needs and circumstances.
Often, cases which deal with the exceptions and limitations of
copyright law – particularly in determining what is fair – seem to take a
restrictive and narrow interpretation. Generally, Courts tend to consider
the type, nature and amount of the work used, the quantity of copies
made, the effect of dealing on the market, whether the defendant’s purpose could have been achieved by other means, and even what happens
to a copy after it has been made. These factors of consideration must be
carefully referred to or otherwise applied with caution, especially when
considering the application in relation to different countries with vast
difference in economic, social and cultural circumstances. This is especially crucial since, in most cases, Courts choose to read the fair dealing
exception as a series of fixed and narrow rules (Sims, 2010).
Ultimately, careful consideration needs to be ensured when applying case law to national circumstances. One needs to first consider
what may be reasonably accepted in accordance with social custom
so that it will conform to the notion of cultural diversity that underlies
both domestic and international principles (Dinwoodie, 2001). This
is important owing to the fact that international community responds
to, and ultimately resolves around, the question of the legitimacy of
‘fair dealing’ and other permitted uses of copyright works, which will
fundamentally determine the shape of international copyright law for
the coming decades (Tawfik, 2005a).
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Essentially, support should be given to the creation and development of new knowledge and literature industries. Being the owners
and users of copyright works, higher educational institutions need
to consider the best policy regarding copyright infringement; this is
owing to the fact that it may have interests in terms of the faculty’s
copyright works. However, consideration must also be given to the
best interests of students and staff when accessing copyright works.
Beneficial contribution can be made by private international litigation to adopt a more balanced and more respectful approach to
national differences and norms. In this context, broad interpretation
should be applied in copyright cases relating to exceptions applying
to education, particularly when involving legal materials. The law
should be applied to suit our culture, values and beliefs so that it
would be voluntarily abided by and not manipulated.
It is commendable for the current international copyright law
institutions to react, expand and move towards the demands of constant
change in the midst of technological development in order to establish
law-making mechanisms which are dynamic in nature. However, this
area of online educational provision is currently in its infancy, and
justifiably could be said to provide enormous scope for growth and
engagement. In most cases, the traditional benefits of exemptions for
fair dealing fail to apply to non-commercial and non-profit-making
organisations within the new medium. It is therefore important that
this matter is not left open and accordingly vulnerable to commercial
exploitation.
A RAZOABILIDADE DE SE “ROUBAR”
CONHECIMENTO PARA A EDUCAÇÃO
Resumo
Apesar do sucesso da tecnologia em termos de se fazer dela muito mais conveniente no ganho para a educação, a lei do direito autoral
parece dificultar a força e oportunidade da tecnologia de informação
em relação a fornecer acesso ao conhecimento e à educação. Com isto
em mente, este artigo examina a aplicação da lei do direito autoral no
contexto nos métodos de ensino tradicional e moderno. Ele discute o
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problema associado às incertezas e falta de acautelamento entre os usuá­
rios de direitos autorais, assim como o comportamento de controle dos
donos do direito autoral. Este artigo relata, posteriormente, o problema
das incertezas das disposições gerais das exceções nos instrumentos de
direito autoral internacional e, adiante, afunila a interpretação de negociação “justa” no contexto das leis domésticas. Este artigo argumenta
que a abordagem liberal é fundamental quando fornece discricionariedade aos países para interpretar e implementar suas obrigações internacionais de direitos autorais, os quais são considerados apropriados para
suas diferentes necessidades. Como tal, o contencioso internacional
privado pode contribuir para adotar uma abordagem mais equilibrada e
mais respeitosa para as diferenças nacionais e normas nacionais.
Palavras-chave: Educação. Lei de direitos autorais. Exceções. Uso
justo.
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UNIFORMITY V. DIVERSITY OF INTERNET INTERMEDIARIES’ LIABILITY...
12
UNIFORMITY V. DIVERSITY OF INTERNET
INTERMEDIARIES’ LIABILITY REGIME: WHERE
DOES THE ECJ STAND?
Recebido: 30/8/2010
Aprovado: 03/10/2010
SOPHIE STALLA-BOURDILLON*
França
[email protected]
Summary
1. Introduction. 2. Aiming at uniformity: referencing service providers are not trade mark infringers.
2.1. The means: the restrictive interpretation of the
notion of use in the course of trade. 2.2. The justification: the rigidity of trade mark law in Europe. 3.
Re-introducing diversity: referencing service providers can be wrongdoers on the ground of general
rules of civil liability. 3.1. The means: the refusal
to hold that paid referencing service providers are
neutral intermediaries. 3.2. The justification: the
malleability of tort laws in Europe. 4. Conclusion.
References.
*
*
Graduated from Panthéon-Assas University (Paris II) in 2001. She holds a Master degree
in English and North-American Business Law from Panthéon-Sorbonne University (Paris
I) and a LLM degree from Cornell law School, NY, USA. She qualified as a lawyer, at
the New-York bar in 2003. She taught contracts and securities at Panthéon-Sorbonne
University from 2003 to 2005. From 2005 to 2010, she carried out a Ph.D at the Law Department of the European University Institute on the liability of Internet service providers
comparing US, EU and French laws.
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SOPHIE STALLA-BOURDILLON
Abstract
This paper seeks to determine the scope of the ECJ’s decision
of 23 March 2010 and its impact upon the laws of Member state.
Thereby it attempts to stress the different sources of conflicts that
can arise when national judges have to deal with the tricky issue of
Internet intermediaries’ liability. At the same time this paper tries to
give a sense of what is the institutional function of European private
law in a multilevel system of governance. Whereas the first begins
with examining the means used by the Court to bring national laws
closer trough a uniform interpretation of key European provisions,
the second part highlights the significant regulatory leeway granted
to Member states. This leeway explains why horizontal and diagonal conflicts are likely to persist until a constructive inter-normative
dialogue between national courts takes place, following in step with
traditional top down method of harmonisation.
Key words: Cyberlaw. Internet intermediaries. Liability.
1
INTRODUCTION
Formalism is sometimes seen as a way to enhance the legitimacy of a decision-making process. But within a legal order that is
sectorial and multi-level, formalism can blur the message of the decision-maker, in particular when the balance of the interests at stake is
difficult to strike. In cyberspace, the quid pro quo between freedom
of expression, freedom of commerce, and intellectual property rights
is still hotly debated. Despite the recent intervention of the European
court of justice (ECJ) in the joint cases C-236/08, C-237/08 and C238/08, it is not sure that national judges have been offered clear
guidelines as regards the manner of comprehending the conduct of
Internet intermediaries.
Christian Joerges, The challenges of Europeanization in the realm of private law:
a plea for a new legal discipline, 14 Duke Journal of Comparative & International Law
149, at 172 (2004).
ECJ, 23 March 2010, joined cases Case C-236/08, Google France SARL, Google Inc.
v. Louis Vuitton Malletier SA; Case C-237/08, Google France SARL v. Viaticum SA,
Luteciel SARL ; Case C-238/08, Google France SARL v. Centre national de recherche
en relations humaines (CNRRH) SARL, P.-A. Thonet, B. Raboin
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Truly, it is vain, positively and normatively, to wait for uniformization of law through the process of harmonisation. “European
law is legitimated to instigate innovation and change, to organize diversity, and to ensure the compatibility of diversity with Community
concerns—its vocation is not to produce uniformity”. Still European
law should aim at solving horizontal conflicts be it through vertical
pre-emptive effects or horizontal allocation of Member states competences as well as vertical and “diagonal conflicts”. Yet, one could
argue that the Directive 2000/31/EC on electronic commerce has not
provided for a successful conflict methodology since a recent trend
towards greater liability among Member states have been observed.
The Directive on e-commerce has been presented as a partial
instrument harmonizing a few essential components of intermediaries’
liability regimes in order to render more “attractive the exercise of
the freedom of establishment and the freedom to provide services”.
While being partial, this attempt to harmonise special rules of civil
liability has been conceived as setting a floor that the Member states
cannot pull down, although they remain competent to extend the domain of these rules of exemptions in favour of the services providers
that are established on their territory.
Joerges, at 195.
Pre-emption “à l’européenne” is more flexible than classical pre-emption. S. R. Weatherill, Pre-emption, harmonisation and the distribution of competence to regulate the
internal market, in The law of the single European market, unpacking the premises, (C.
Barnard & J. Scott eds., 2002), at 41 ff; Simon Deakin, Legal diversity and regulatory
competition: which model for Europe?, 12 European Law Journal 440, at 452 (2006). See
also Robert Schütze, Supremacy without pre-emption? The very slowly emergent
doctrine of community pre-emption, 43 Common Market Law Review 1023 (2006).
In the words of C. Joerges, “It is typical in the European Union that the European level
is competent – sometimes even exclusively – to regulate one aspect of a problem, whereas
Member States remain competent to regulate another. As a result, the term “diagonal
conflict” is useful to distinguish such constellations from “vertical” conflict resolutions
where Community law trumps national law on the one hand, and from “horizontal” conflicts which arise from differences among the legal systems of Member States and belong
to the realm of private international law on the other”. Joerges, at 183. In the field of
tort law such as product liability “diagonal conflicts” have sometimes been ignored.
Patrick Van Eecke & Maarten Truyens, Recent events in EU Internet law,
14 Journal of Internet Law 20 (2010); Patrick Van Eecke & Barbara Ooms,
ISP liability and the e-commerce directive: a growing trend toward greater responsibility
for ISPs, 11 Journal of Internet Law 3 (2007).
Directive on e-commerce, Recital (5).
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Even if the intent of the European legislator could seem
straightforward, in particular in the light of the state of digital technology in 2000, intermediary providers are now offering a complex
set of services which cannot easily be labelled using the terminology
of the drafters of the Directive on e-commerce. This is true in particular for search engines, which offer paid referencing services through
which they sell to their clients-advertisers the right to link advertising
to keywords entered by Internet users during their search. Search engines store at the request of its clients the keywords selected by the
latter, the advertising links and the accompanying commercial messages, as well as the address of their clients’ websites. In some cases
these keywords reproduce protected trademarks and most of the time,
no authorization is asked to trademark holders when the right to link
is sold.
More precisely, both the construction of the domain of Articles
12, 13, 14, and 15 and the implementation of the test exempting intermediaries from liability raise questions. Consequently, there is room
for horizontal as well as diagonal conflicts.
This paper thus seeks to determine the scope of the decision
of 23 March 2010 and its impact upon the national laws of Member
state, and thereby, stress the different sources of conflict. At the same
time it tries to give a sense of what is the institutional function of European private law in a multilevel system of governance. Whereas the
first part of the paper begins with examining the means used to try to
bring national laws closer trough a uniform interpretation of key European provisions, the second part highlights the significant regulatory
leeway granted to Member states. This leeway explains why horizontal and diagonal conflicts are likely to persist until a constructive inter-normative dialogue between national courts takes place, following
in step with traditional top down method of harmonisation.
2
AIMING AT UNIFORMITY: REFERENCING SERVICE
PROVIDERS ARE NOT TRADE MARK INFRINGERS
The rigidity of trade mark law in Europe in view of the decentralized nature of Internet (B) explains why the ECJ has felt it necessary to provide for a uniform interpretation of the notion of use in the
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course of trade and thereby refuse to consider paid referencing service
providers as trade mark infringers (A).
2.1 The means: the restrictive interpretation of the notion of use in
the course of trade
One the most significant contributions of the decision of 23
March 2010 on the topic of intermediaries’ liability is certainly its refusal to consider that selling the right to link advertising to trademarks
of third party holders is a use in the course of trade in pursuance of
Article 5, paragraph 1, a) and paragraph 2 of the Directive 89/104, or
when a European trade mark is involved, in pursuance of Article 9,
paragraph 1, a) and c) of Regulation 40/94. In the words of the court:
“An internet referencing service provider which stores, as a keyword,
a sign identical with a trade mark and organises the display of advertisements on the basis of that keyword does not use that sign within
the meaning of Article 5(1) and (2) of Directive 89/104 or of Article
9(1) of Regulation No 40/94”.
Even if a paid referencing service provider offers a service
against payment and has obviously designed the architecture of its
service, when storing the keywords selected by its clients it does
not use the protected signs within the terms of Article 5 of Directive
89/104 and Article 9 of Regulation 40/94. Indeed, a paid referencing
service provider does not “use the sign[s] in its own commercial communication” unlike its clients-advertisers.10
§121. The preliminary question raised by the Cour de cassation is the following: “Must
Article 5(1)(a) and (b) of [Directive 89/104] be interpreted as meaning that a provider
of a paid referencing service who makes available to advertisers keywords reproducing
or imitating registered trademarks and arranges by the referencing agreement to create
and favourably display, on the basis of those keywords, advertising links to sites offering
goods identical or similar to those covered by the trade mark registration is using those
trade marks in a manner which their proprietor is entitled to prevent?”.
ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, §57.
10
ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, §56. The use of the advertiser is clearly
part of his advertising strategy. The explanation given by the ECJ is the following: “From
the advertiser’s point of view, the selection of a keyword identical with a trade mark has
the object and effect of displaying an advertising link to the site on which he offers his
goods or services for sale. Since the sign selected as a keyword is the means used to
trigger that ad display, it cannot be disputed that the advertiser indeed uses it in the con
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Although the foregoing makes sense, one could be critical of
the criterion introduced by the court. Indeed it narrows down the traditional approach of the court usually content with the fact that the
use “takes place in the context of commercial activity with a view to
economic advantage and not as a private matter”.11 While a paid refe­
rencing service provider does not use protected signs in commercial
communication to directly attract consumers, it uses them to attract
advertisers and indirectly render its service valuable for consumers.
As the Advocate general observed, “allowing advertisers to select in
AdWords keywords which correspond to trade marks, so that ads for
their sites are presented as results for searches involving those keywords”12 is a commercial activity made in the course of trade. What
poses a problem though is that this use is not made in relation to goods
text of commercial activity and not as a private matter”. See also ECJ, 25 March 2010,
Case C-278/08, Die BergSpechte Outdor Reisen un Alpinschule Edi Koblmüller GmbH
v. Günter Guni, trekking.at Reinsen GmbH §41: “article 5(1) of Directive 89/104 must
be interpreted as meaning that the proprietor of a trade mark is entitled to prohibit an
advertiser from advertising, on the basis of a keyword identical with or similar to that
trade mark which that advertiser has, without the consent of the proprietor, selected in
connection with an internet referencing service, goods or services identical with those
for which that mark is registered, in the case where that ad does not enable an average
internet user, or enables that user only with difficulty, to ascertain whether the goods or
services referred to therein originate from the proprietor of the trade mark or an undertaking economically connected to it or, on the contrary, originate from a third party”.
11
See e.g. Case C-206/01, Arsenal Football Club Plc v. Reed, [2002] E.C.R. I-10273, §40.
To be sure, a use in the course of trade under EU Law implies that it “affects or is liable
to affect the functions of the trade mark, in particular its essential function of guaranteeing to consumers the origin of the goods”. §51. Therefore, “The proprietor may not
prohibit the use of a sign identical to the trade mark for goods identical to those for
which the mark is registered if that use cannot affect his own interests as proprietor of the
mark, having regard to its functions. Thus certain uses for purely descriptive purposes
are excluded from the scope of Article 5(1) of the Directive because they do not affect any
of the interests which that provision aims to protect, and do not therefore fall within the
concept of use within the meaning of that provision (see, with respect to a use for purely
descriptive purposes relating to the characteristics of the product offered”. §55. See also
Case C-2/00 Hölterhoff [2002] ECR I-4187, §16.
12
Opinion of advocate general P. Maduro delivered on 22 September 2009 in the joined
cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, §50+. The advocate general distinguished two
different uses, the second being the more problematic in terms of liability: “In reality, not
one but two uses are involved: (a) when Google allows advertisers to select the keywords
(this use being somewhat internal to the operation of AdWords), so that ads for their sites
are presented as results for searches involving those keywords; and (b) when Google displays such ads, alongside the natural results displayed in response to those keywords”.
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or services,13 which are identical or similar to those covered by the
trade marks.
This being said, the court gives a clear answer to the debated
threshold question of whether the activity of selling the right to link
advertising to trademarks of third party holders is not a use14 that the
former are entitled to prevent. It provides for a uniform interpretation
of Directive 89/104 and Regulation 40/94. This is in line with the
court’s understanding of EU trade mark law. As it held in previous
cases:
Article 5(1) of the Directive carries out a complete harmonisation and defines the exclusive rights of trade mark proprietors in
the Community”.15 Therefore “ In order to prevent the protection
afforded to the proprietor varying from one State to another, the
Court must […] give a uniform interpretation to Article 5(1) of the
Directive, in particular the term ‘use’ which is the subject of the
questions referred for a preliminary ruling in the present case.16
The scope of its decision is even broader in terms of regulated
activities. Generally speaking, the doctrine of the use in the course
of trade is interpreted in such a way as to reject claims implicitly targeting
secondary infringers.17 This is true, be the act of selling the right to
link advertising at issue or the act of displaying these advertising.
Besides, it is a means to make sure that free referencing service pro For an interpretation of this requirement see Case C‑17/06 Céline [2007] ECR I‑7041.
In the United States a parallel debate has also emerged. Compare Mark A. Lemley &
Stacey L. Dogan, Grounding trademark law through trademark use, 92 Iowa Law
Review 1669 (2007) with Graeme B. Dinwoodie & Mark D. Janis, Confusion
over use: contextualism in trademark law, 92 Iowa Law Review 1597 (2007). See the
appendix “On the Meaning of “Use in Commerce” in Sections 32 and 43 of the Lanham
Act” to the decision Rescuecom Corp. v. Google, Inc. 562 F.3d 123, 129 (2nd Cir. 2009)
and also Playboy Enterprises, Inc. v. Netscape Communications Corp., 354 F.3d 1020 (9th
Cir.2004); Government Employees Ins. Co. v. Google, Inc., 330 F. Supp. 2d 700 (E.D. Va.
2004); Google, Inc. v. American Blind and Wallpaper 2005 WL 832398 (N.D.Cal. 2005).
15
Case C-206/01, Arsenal Football Club Plc v. Reed, [2002] E.C.R. I-10273, §43. See also
Joined Cases C-414/99 to C-416/99 Zino Davidoff and Levi Strauss [2001] ECR I-8691,
§39; Case C-355/96 Silhouette International Schmied [1998] ECR I-4799, §25 and 29.
16
Case C-206/01, Arsenal Football Club Plc v. Reed, [2002] E.C.R. I-10273, §45. See also
about the concept of “consent”, joined cases C-414/99 to C-416/99 Zino Davidoff and
Levi Strauss [2001] ECR I-8691, §42-43.
17
Compare with the position of Lemley & Dogan.
13
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viders will not be considered as trademark infringers in the future,
something that the Advocate general had expressly feared.18 When
running its paid referencing service and its free referencing service a
service provider does not use protected trade marks in the context of
its own commercial communication.
The justification given for such a ruling is to be found in the
opinion of the Advocate general who compares the appropriateness of trade mark laws in Europe with general rules of civil liability in order to comprehend the behaviour of referencing service
providers.
2.2 The justification: the rigidity of trade mark law in Europe
It is the rigidity of trade mark laws in Europe of which test is
not adapted to the nature of the role played by referencing service
providers in cyberspace which explains the preference given to general rules of civil liability. As a result, resorting to trade mark laws
would be likely to extend too much the relative monopoly of trade
mark holders to the detriment of the free flow of information. On
the contrary,
Liability rules are more appropriate, since they do not fundamentally change the decentralised nature of the internet by giving trade mark proprietors general – and virtually absolute
– control over the use in cyberspace of keywords which correspond to their trade marks. Instead of being able to prevent,
through trade mark protection, any possible use – including, as
has been observed, many lawful and even desirable uses – trade mark proprietors would have to point to specific instances
giving rise to Google’s liability in the context of illegal damage
to their trademarks.19
According to the Advocate general the rigidity of trade mark
laws in Europe comes from the absence of any theory of secondary
liability:
18
19
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, §72+.
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, §123.
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The goal of trade mark proprietors is to extend the scope of trade
mark protection to cover actions by a party that may contribute to
a trade mark infringement by a third party. This is usually known
in the United States as ‘contributory infringement’, but to my knowledge such an approach is foreign to trade mark protection in Europe, where the matter is normally addressed through the laws on
liability”.20 Yet, “The trade mark proprietors are urging the Court
to go even further: to rule, in effect, that the mere possibility that
a system – in the present cases, AdWords – may be used by a third
party to infringe a trade mark means that such a system is, itself,
in infringement.21
The Advocate general thus implies that the theory of contributory infringement is the natural ground for comprehending the behaviour of paid referencing service provides. Such an approach, thought,
has not prevailed yet among US courts.22
Even if it is more likely that a defendant be considered as an infringer when the European requirement of “use in the course of trade”
is met than when the US requirement of “use as a trademark” is met,23
the rigidity of trade mark laws in Europe should have been nuanced
by two considerations, one coming from the analysis of European law,
one from the analysis of national laws.
First, it seems to be assumed by the ECJ, that if selling the right
to link advertising to trademarks of third party holders were characterized as a use in the course of trade, the liability of paid referencing
service providers would follow in many instances. Yet, it remains for
trademarks holders to demonstrate at a minimum that the contentious
uses affect or are liable to affect the essential function of the trade
mark – which is to guarantee to consumers the origin of the goods or
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08,
§48.
21
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08,
§49.
22
See Sophie Stalla-Bourdillon, Should search engines begin to worry?, Journal of Internet Law, fothcoming, (2010).
23
Noam Shemtov, Mission impossible? Search engines’ ongoing search for a viable
global keyword policy, 13 see id. 3 (2009).
20
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services.24 It is true that in some cases national courts25 have easily
accepted the existence of a likelihood of confusion.26
Moreover, surprisingly enough, the scope of Article 14 of
the Directive on e-commerce, which lays down a horizontal liability
regime, has been construed restrictively. Nothing states in the Directive
on e-commerce that Articles 12, 13, 14, 15 are not applicable when
trade mark infringements are at issue. However, this is what the
Cour de cassation and the ECJ seem to assume given the way the
preliminary questions are drafted and the way they are dealt with.27
Second, while theories of secondary infringement are traditionally
foreign to trade mark laws in Europe, national laws are always evolving under the influence of the judicial law-making process. To take the
example of French law, while it is true that in several instances paid
referencing service providers have been held liable for trademark infringement, judges have most of the time used a subjective approach
to comprehend the behaviour of the defendants and have thereby tried
to characterize the wrong committed by the latter: either they knew of
the infringing activity or they had the technical capacity to reduce the
risks of trade mark infringement.28
The proof of likelihood of confusion will not be necessary if both the signs and the products or services are identical under Article 5(1) of the Directive 89/104. Four requirements are generally necessary to make a trade mark infringement case. Case C-533/06
O2 Holdings and O2(UK), [2008] ECR I-04231, §57; Case C‑206/01 ArsenalFootball
Club [2002] ECR I‑10273; Case C‑245/02 Anheuser‑Busch [2004] ECR I‑10989; Case
C‑120/04 Medion [2005] ECR I‑8551; Case C‑48/05 Adam Opel [2007] ECR I‑1017;
and Case C‑17/06 Céline [2007] ECR I‑7041.
25
Compare CA Versailles, 23 March 2006, Société Google France v. S.A.R.L. CNRRH,
www.gazettedunet.fr with Wilson v. Yahoo !UK Ltd & Anor [2008] EWHC 361 (Ch).
26
Yet, as the Advocate general shows it when examining the use consisting of displaying
“ads, alongside the natural results displayed in response to those keywords”, the risk of
confusion only lies in the ad and the advertised website. Opinion of advocate general in
the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, §89+. It must be noted that the sole
use of “allowing advertisers to select in AdWords keywords which correspond to trade
marks, so that ads for their sites are presented as results for searches involving those
keywords” is at issue. See also ECJ, Case C-278/08.
27
The Advocate general himself does not put into question this interpretation of the scope of Article
14. Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, § 52.
28
See e. g. CA Paris, 4e ch., A, 28 June 2006, Google France v. Louis Vuitton Malletier,
www.legalis.net and CA Versailles, 23 March 2006, Société Google France v. S.A.R.L.
CNRRH, www.gazettedunet.fr.
24
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This being said, probably wary of the tendency of national judges
to favour the interests of trade mark holders, the ECJ has opted for a
radical strategy: excluding the activity of referencing service providers
from the domain of trade mark law at the European level.29 Nonetheless this has been searched for without prohibiting the recourse to other
national provisions such as general rules of civil liability. While the first
prong of the strategy definitely aims at promoting uniformity of trade
mark law in Europe, the second is likely to maintain diversity alive.
3
RE-INTRODUCING DIVERSITY: REFERENCING
SERVICE PROVIDERS CAN BE WRONGDOERS
ON THE GROUND OF GENERAL RULES OF CIVIL
LIABILITY
The refusal to hold that paid referencing service providers are
neutral intermediaries (A) amounts to resorting to national laws to set
the conditions of liability of hosting providers within the relatively
light framework set by the Directive on e-commerce (B).
3.1 The means: the refusal to hold that paid referencing service
providers are neutral intermediaries
In 2000, when the European legislator adopted the Directive on
e-commerce it was to react against:30 “Both existing and emerging disparities in Member States’ legislation and case-law concerning liability
of service providers acting as intermediaries”, which “prevent[ed] the
smooth functioning of the internal market, in particular by impairing
the development of cross-border services and producing distortions of
competition”. The European legislator thus laid down three special liability regimes governing the activities of “mere conduit”, caching and
hosting. Although the Directive on e-commerce is clearly a response
to the adoption of the Digital Millennium Copyright Act of 199831 by
There was an argument to state that paid referencing service providers can behave as
trade mark infringers when they display the ad of their clients if the essential function of
the trade mark is deemed altered. This is so in particular if the activity of the referencing
service providers is not clearly distinguished from that of the advertisers.
30
Recital 40.
31
15 U.S.C § 512.
29
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the American federal legislator, its drafters decided not to expressly address the question of the requirements for the exoneration of providers
of hyperlinks and information location tools. In this line, Article 21 of
the Directive provides that: “In examining the need for an adaptation of
this Directive, the report shall in particular analyse the need for proposals
concerning the liability of providers of hyperlinks and location tool services”. Therefore, one could have legitimately thought that providers of
hyperlinks and location tool services had been excluded from the domain
of the Directive on e-commerce. This was all the more warranted that
given the state of technology at the time of the adoption of the Directive,
the term “hosting” was construed restrictively.
However, this is not the position taken by both the Advocate
general and the ECJ who have opted for a broad interpretation of
“hosting”, which includes Internet referencing services.32 In addition,
the court has not drawn any distinction between paid referencing service providers and free referencing service providers.
This said, the court did not hold that paid referencing service
providers shall always benefit from the special liability regime set
in Article 14. Besides, it refused to follow the path of the Advocate
general and to hold that paid referencing service providers are excluded from the domain of Article 14.33 In the words of the court:
“the rule laid down therein [Article 14 of Directive 2000/31] applies
to an internet referencing service provider in the case where that service provider has not played an active role of such a kind as to give
it knowledge of, or control over, the data stored”.34 The ECJ has thus
granted substantial leeway to national judges.
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, §
133. Internet referencing providers have been easily considered as information society
services. ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, § 110.
33
“The provider of the paid referencing service cannot be regarded as providing an information society service consisting in the storage of information provided by the recipient
of the service within the meaning of Article 14 of Directive 2000/31/EC of the European
Parliament and of the Council of 8 June 2000 on certain legal aspects of information
society services, in particular electronic commerce, in the internal market (‘Directive
on electronic commerce’)”. Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08,
C‑237/08 and C‑238/08, § 155.
34
ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, § 121.
32
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On the one hand, paid referencing service providers cannot be
considered as using trade marks in the course of trade when they sell
the right to link advertising to keywords corresponding to third parties’ trademarks. But on the other hand they can be held liable on the
ground of national general rules of civil liability when in particular
they wrongly cause damages to trademark holders.35 There is thus
room for diagonal conflicts between European law and Member state
law, especially if the framework within which the conditions of liability
of hosting providers are set is not very demanding.
While the decision of the 23 March 2010 marks a step further in
the sense that it is now clear that the category of hosting providers is
largely open, it does not add much to the letter of Article 14.36 Indeed
the criteria of knowledge and control come directly from Article 14,
which provides that a hosting provider is exonerated from liability if
it does not have knowledge of the unlawful activity on its system, or
if upon getting that knowledge it has promptly reacted, and does not
control the activity of the recipient.
Given the way Article 14 has been drafted, its construction is
not straightforward. In particular, it is unclear which degree of certainty is required.37 Does the receipt of a notification suffice to charac­
See e. g. TGI Paris, 3e ch., 2e, 8 December 2005, Kertel v. Google, Cartephone, www.legalis.net infirmed by CA Paris, 4e ch., B, 1 February 2008, Gifam et a. v. Google France,
www.legalis.net.; TGI Paris, 3e ch., 2e section, 27 April 2006, AUTO IES v. Google et
autres, www.legalis.net; TGI Paris, 3e ch., 2e section, 9 March 2006, Promovacances,
Karavel v. Google France, www.legalis.net; TGI Paris, 3e ch., 3e section, 7 January 2009,
Voyageurs du Monde, Terres d’Aventure v. Google et autres, www.legalis.net.
36
“1. Where an information society service is provided that consists of the storage of information provided by a recipient of the service, Member States shall ensure that the service
provider is not liable for the information stored at the request of a recipient of the service,
on condition that:
(a) the provider does not have actual knowledge of illegal activity or information and, as
regards claims for damages, is not aware of facts or circumstances from which the illegal
activity or information is apparent; or
(b) the provider, upon obtaining such knowledge or awareness, acts expeditiously to remove or to disable access to the information.
2. Paragraph 1 shall not apply when the recipient of the service is acting under the authority or the control of the provider.”
37
See Montero Etienne Montero, La responsabilité des prestataires intermédiaires sur
les réseaux, in Le commerce électronique sur les rails? Analyse et proposition de mise en
oeuvre de la directive sur le commerce électronique, (Etienne Montero ed., 2001), at 287.
35
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terize the knowledge of the unlawful content or is it necessary that the
content be also manifestly unlawful? If the first interpretation is the
good one then it amounts to making the intermediary decide upon the
lawfulness of the content and in the case of a paid referencing service
provider to making it decide upon the lawfulness of the use of keywords by its clients-advertisers.
As regards the criterion of control, the Directive does not say
much either. Does it mean that the service provider shall not be at the
origin of the decision to store the content, and in the context of
keying, that the service provider shall not be at the origin of the decision to select and store the keyword that will trigger the sponsored
link? Because the criteria of knowledge and control seem to be alternative, this interpretation seems too narrow, even if it encompasses
the act of inducing advertisers to select keywords in such a way as to
infringe upon third parties’ trademarks. To follow the logic of alternative criteria, there should be a case in which the service provider does
not have knowledge of the unlawful content but still control the data
stored. In other words, control of stored data could be characterized
in cases in which it does not lead to constructive or actual knowledge
of the stored data. This thus means that the notion of control could be
understood quite loosely. Is it then sufficient to suggest keywords to
advertisers to characterize the control of the service provider upon its
clients’ activity?
Truly, the ECJ has brought important precisions. It is not enough
to note that the Internet referencing service providers offer a service
subject to payment and that the keyword sold corresponds to search
terms entered by Internet users. More than the intervention of the service provider at the stage of the selection of the appropriate keywords,
it is its intervention at the stage of drafting the advertisement that
seems to critical for the characterization of the control exercised over
the data stored. The ECJ explained that “in the context of the examination referred to in paragraph 114 of the present judgment, the role
played by Google in the drafting of the commercial message which
accompanies the advertising link or in the establishment or selection
of keywords is relevant”.38 Indeed,
ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, §118.
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[w]ith regard to the referencing service at issue in the cases in the
main proceedings, it is apparent from the files and from the description in paragraph 23 et seq. of the present judgment that, with
the help of software which it has developed, Google processes
the data entered by advertisers and the resulting display of the ads
is made under conditions which Google controls. Thus, Google
determines the order of display according to, inter alia, the remuneration paid by the advertisers.39
These precisions are certainly useful given the solutions adopted
in some Member states. This is true in particular in France where the
fact that the hosting service was offered against payment has been
considered as conclusive for the exclusion of the application of Article 14 as transposed by Statute n°2004-575.40
Still, it is not sure that the French solutions are condemned since
even when judges have grounded their decisions upon trademark infringement they have tried to characterize the knowledge and/or the
control exercised by the service provider over the data stored.41 Besides,
the criterion of control seems to be understood broadly. The implementation of filtering measures to prevent the choice of other keywords,42
or the running of a program to ease contacts between advertisers and
Internet users, and in particular a program to suggest keywords to ad ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, §115. (Words underlined by the author).
See for example CA Versailles, 23 March 2006, Société Google France v. S.A.R.L.
CNRRH, www.gazettedunet.fr. Compare with CA Paris, 4e ch., A, 28 June 2006, Google
France v. Louis Vuitton Malletier, www.legalis.net.
41
See for example CA Paris, 4e ch., A, 28 June 2006, Google France v. Louis Vuitton
Malletier, www.legalis.net and CA Versailles, 23 March 2006, Société Google France
v. S.A.R.L. CNRRH, www.gazettedunet.fr grounded on trademark infringement. See also
on the ground of negligence TGI Paris, 3e ch., 2e, 8 December 2005, Kertel v. Google,
Cartephone, www.legalis.net infirmed by CA Paris, 4e ch., B, 1 February 2008, Gifam
et a. v. Google France, www.legalis.net.; TGI Paris, 3e ch., 2e section, 27 April 2006,
AUTO IES v. Google et autres, www.legalis.net; TGI Paris, 3e ch., 2e section, 9 March
2006, Promovacances, Karavel v. Google France, www.legalis.net; TGI Paris, 3e ch.,
3e section, 7 January 2009, Voyageurs du Monde, Terres d’Aventure v. Google et autres,
www.legalis.net. Few courts have held that the provider of sponsored links at issue could
not be held liable on the ground of negligence. See for example TGI Strasbourg, 1re ch.
civ., 20 July 2007, Atrya v. Google France et autres, RLDI 2007/30, nº 996, comm. E.
Tardieu-Guigues, www.legalis.net; TGI Nice, 3e ch., 7 February 2006, TWD Industries v.
Google France, Google Inc., www.legalis.net.
42
TGI Paris, 3e section, 12 July 2006, Gifam et a. v. Google France, www.legalis.net.
39
40
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vertisers43 have sufficed to discover a duty to prevent infringements or
to take precautionary measures not to facilitate infringements.
Given the relatively narrow scope of the pre-emptive effect of the
provisions of the Directive on e-commerce, one could put into the question the strategy of harmonisation. This however would be a restrictive
understanding of the institutional function of European private Law.44
3.2 The justification: the malleability of tort laws in Europe
The Directive on e-commerce is neither a measure of minimum
harmonisation nor a measure of complete harmonisation as these notions are traditionally understood.45 Indeed with regard to the provisions
dealing with the liability of intermediary providers, it was the intent of
the EU legislator to set the minimum conditions under which intermediary providers can be immune from liability. Therefore, Member states
can in theory go further and set less stringent conditions of exoneration,
as long as they regulate service providers established on their territory,
in pursuance of the country of origin principle.46 Furthermore, they are
competent to set the conditions of liability of local intermediary providers
when these conditions of exoneration are not met.
If Member states are given a significant leeway as regards the
content of the conditions of liability, the definition of the domain of
TGI Paris, 3e ch., 3e section, 7 January 2009, Voyageurs du Monde, Terres d’Aventure v.
Google et autres, www.legalis.net. See also TGI Paris, 3e section, 12 July 2006, Gifam et
a. v. Google France, www.legalis.net.
44
“Harmonisation may mean less than it first appears to mean, in the sense that it cannot
mean precise uniformity, but it may simultaneously mean more than it seems to mean,
insofar as its impact may spill over, beyond the formal reach of the harmonised regime”.
S. R. Weatherill, Can there be common interpretation of European private law?, 31
Georgia Journal of International and Comparative law 139, at164 (2002).
45
See the presentation of E. Crabit who while using the term full harmonisation recognises
that as regards the provisions dealing with intermediary providers’ liability the intent of
the EU legislator was to set the lowest common denominator. E. Crabit, La directive sur
le commerce électronique, 4 Revue du Droit de l’Union Européenne, 749(2000).
46
Indeed these conditions would belong to the coordinated field and not to the harmonised
field anymore. To recall, the coordinated field is defined very broadly. See Article 2 of
the Directive on e-commerce, which speaks about “requirements laid down in Member
States’ legal systems applicable to information society service providers or information
society services, regardless of whether they are of a general nature or specifically designed for them”.
43
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these regimes, that is to say the definition of the activities regulated
remains of the competence of the EU legislator. What about the conditions of exoneration?
The peculiarities of the Internet as a permanently evolving architecture making it vain to provide for general definitions of Internet
actors maybe more than the allocation of competence between the
EU legislator and Member states underlining the Directive on e-commerce, explain the ECJ’s refusal to give a clear-cut solution. Given the
characteristics of the Internet, relying on the mechanisms of evolution
of national private laws could reveal to be more satisfying than setting once and for all the matter at the European level. National judges
can more easily adapt the wording of the law to the complexity of the
environment within which private actors operate. This is all the more
true that an “inter-normative” dialogue47 between national courts has
initiated.48 The foregoing does not mean that national judges do not
need guidelines in their work, in particular when these guidelines aim
at creating a common framework facilitating comparison between national solutions. These guidelines should nonetheless render the nature of the regulatory strategy pursued at the EU level clear in order
to avoid horizontal and diagonal conflicts. This certainly requires less
formalism in the way the decisions of the ECJ are drafted and in particular identifying the fundamental interests at stake.
Yet, the regulatory strategy pursued by the drafters of the Directive on e-commerce is not easily identifiable. Truly, this piece of
legislation seems designed to offer guarantees to neutral intermediaries,
which are said to actively contribute to the promotion of freedom
of speech in cyberspace and thereby in real space. As a result, the
conduct of hosting providers (as well as mere conduits and caching
providers) is understood to be “merely technical, automatic and passive”.49 However, these “neutral” intermediary providers have still at
least potentially the means to break their neutrality as the third para Which is not to be confused with regulatory competition on the ground of the country
of origin principle. Besides, Article 14 is clearly within the harmonised field where the
country of origin principle should not apply.
48
See in particular the well-informed decision of the English High Court L’Oreal SA v eBay
International AG, [2009] EWHC 1094 (Ch).
49
ECJ joined cases C-236/08, C-237/08, C-238/08, §114.
47
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graphs of Article 12, and 14 and the second paragraph of Article 13
imply it, since these provisions allow Member states to organise procedures aiming at enjoining service providers to terminate or prevent
unlawful content.50
Besides, it is not sure that the conduct of Internet referencing
service providers is always neutral, even if they offer services of natural
search. The unilateral decision taken by certain search engines such
as Google to delist some of their clients casts doubts on their claimed
neutrality.51 Truly, the Advocate general offers a more optimistic
description of the situation:
(…) Google’s search engine, (…) is neutral as regards the information it carries. Its natural results are a product of automatic
algorithms that apply objective criteria in order to generate sites
likely to be of interest to the internet user. The presentation of
those sites and the order in which they are ranked depends on their
relevance to the keywords entered, and not on Google’s interest in
or relationship with any particular site. Admittedly, Google has an
interest – even a pecuniary interest – in displaying the more relevant sites to the internet user; however, it does not have an interest
in bringing any specific site to the internet user’s attention.52
Going further, offering guarantees to neutral intermediaries
should imply that giving incentives to intermediaries not to engage
into private regulation of content transmitted on their systems or networks. However, it does not seem that the drafters of the Directive on
e-commerce have completely excluded the strategy of private regulation, as the recitals show it.53
In the field of intellectual property, this is more than a mere possibility offer to Member
states. See Articles 9, 11 of Directive 2004/48/EC on enforcement of intellectual property
rights.
51
See e. g. in the United States Langdon v. Google, 474 F.Supp.2d 622 (D.Del. 2007)
but also King, Inc. v. Google Technology, Inc., 2003 WL 21464568 (W.D.Okla 2003);
Kinderstart.com, LLC v. Google, Inc., 2007 WL 831806 (N.D.Cal. 2007). See in France
Decision n° 10-MC-01 30 June 2010 relative à la demande de mesures conservatoires
présentée par la société Navx.
52
Opinion of advocate general in the joined cases C‑236/08, C‑237/08 and C‑238/08, § 144.
53
Recital 40: “this Directive should constitute the appropriate basis for the development
of rapid and reliable procedures for removing and disabling access to illegal information; such mechanisms could be developed on the basis of voluntary agreements between
50
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4
CONCLUSION
It may be too optimistic to state that the decision of the ECJ
marks a clear turn towards the exemption of paid referencing services.54 Assuming the national transpositions of Article 12, 13, 14 and
15 of the Directive on e-commerce do not clearly conflict with these
provisions, there remain some sources of horizontal conflicts at the
Member state level as well as diagonal conflicts between the European level and the Member states level.
Although the ECJ, interpreting European trade mark law, has
opted for a radical strategy excluding the activity of paid referencing
service provider from the scope of the latter, it has maintained diversity
alive. The content of Internet intermediaries’ liability regimes will thus
be determined at the national level. While this could seem at first glance
a failure of the harmonisation undertaken at the European level, it may
well be that on the long run it will feed a process of legal innovation at
the initiative of Member states. This said, this will hold true only to the
extent the regulatory strategy set at the European level has been clearly
understood by Member states, something which remains to be seen.
HOMOGENEIDADE V. DIVERSIDADE DO REGIME DE
RESPONSABILIDADE DOS INTERMEDIÁRIOS DA
INTERNET: ONDE O TJE SUBSISTE?
Resumo
Este artigo procura determinar o escopo da decisão do TJE de
23 de março de 2010 e seu impacto sobre as leis do Estado-Membro.
Assim ele procura destacar as diferentes fontes de conflitos que podem
surgir quando os juízes nacionais têm que lidar com a complicada questão da responsabilidade dos intermediários da internet. Ao mesmo temall parties concerned and should be encouraged by Member States; it is in the interest of
all parties involved in the provision of information society services to adopt and implement
such procedures; the provisions of this Directive relating to liability should not preclude the
development and effective operation, by the different interested parties, of technical systems
of protection and identification and of technical surveillance instruments made possible by
digital technology within the limits laid down by Directives 95/46/EC and 97/66/EC”.
54
See however David Franklyn, The European Court of Justice rules on keywords
ads and trademark rights, 14 Intellectual Property Law Bulletin 89, (2010).
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po este artigo tenta dar uma noção de qual é a função do direito privado
europeu em um sistema de governo de níveis múltiplos. Considerando
que a primeira começa com a análise dos meios utilizados pelo Tribunal
para adequar as leis, mais vale uma interpretação uniforme das principais disposições européias, a segunda parte destaca a significativa margem de manobra regulamentar concedida aos Estados-Membros. Esta
margem de manobra explica porque os conflitos horizontais e diagonais
tendem a persistir até que um diálogo construtivo internormativo entre
os tribunais têm lugar, na etapa seguinte, com o tradicional método de
harmonização de cima para baixo.
Palavras-chave: Cyberlaw. Intermediários de internet. Responsabilidade.
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