O P ORT U NIDADE Negócios na lata do lixo Projetos de reciclagem desenvolvidos em incubadoras de todo o país vão além da preservação do meio ambiente e revelam um mercado em pleno crescimento cena pode parecer familiar a qualquer brasileiro: um casal vai à porta da residência, coloca uma sacola plástica cheia de resíduos na lixeira e retorna. Em meio ao material eliminado, contas antigas, recibos de pagamento e documentos com informações sigilosas. O catador de lixo, sem a devida instrução, não sabe como dar um destino correto aos papéis e os abandona a poucos metros dali, em um terreno baldio. Resultado: senhas de contas bancárias e cartões de crédito – além de dados como RG e CPF – são eliminados sem qualquer medida de segurança. A situação descrita no parágrafo acima é verdadeira e ocorreu no município de Bebedouro (SP), no início de 2006. Mas a experiência serviu de alerta para o dono da casa – o empreendedor Adílson Coelho Júnior – e trouxe uma idéia de negócio. Hoje ele é proprietário da Invert Recicláveis. A empresa fragmenta arquivos e documentos com informações confidenciais de cartórios, agências bancárias e escritórios de Bebedouro e de mais três cidades vizinhas. Por mês, 40 toneladas de papel são recicladas. Ao invés de ser queimado, o material ganha novo destino. Após ser fragmentado, é vendido para indústrias – o quilo sai, em média, a R$ 0,35. “Emitimos um laudo aos clientes garantindo o serviço. Além da segurança, eles têm a certeza de que estão ajudando o meio ambiente por meio da reciclagem”, conta Adílson. Assim como ele, centenas de micro e pequenos empresários estão investindo na reciclagem de resíduos, um setor que não pára de crescer, gerar renda e empregos. Especialistas confirmam a tendência. “Muitas empresas e indústrias têm adotado uma postura ecologicamente correta para ir ao encontro das exigências dos consumidores e dos órgãos de fiscalização”, afirma o diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ciro Alberto de Oliveira Ribeiro. Apesar da taxa de reciclagem crescer, em média, 30% ao ano no país, dados do Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos, realizado em 2006 pelo Sistema Nacional de Informação sobre Sane- R osalvo S treit J unior SHUTERSTOCK A Locus • Outubro 2008 19 fotos: divulgação O P ORT U NIDADE Invert: documentos fragmentados geram 40 toneladas de papel reciclado por mês amento (SNIS), revelam que os números poderiam ser bem maiores. O Brasil, que produz aproximadamente 150 mil toneladas de lixo por dia – sem incluir indústrias, serviços de saúde e a construção civil –, só recicla 10% dessa quantidade. Com isso, estima-se que cerca de R$ 10 bilhões são desperdiçados todos os anos, na lata do lixo. Abrigando soluções Algumas incubadoras de negócios perceberam o potencial da reciclagem e apostam no desenvolvimento de um novo nicho de mercado. “A incubadora é nosso alicerce, onde identificamos problemas e buscamos soluções criativas para resolvê-los’’, afirma Adílson, da Invert, elogiando o apoio da Agência de Desenvolvimento Econômico de Bebedouro e região, a Adebe. Assim como na incubadora do interior, a iniciativa vem tomando conta da capital paulista. O Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), de São Paulo, criou há três anos um núcleo específico para resíduos e reciclagem. Atualmente, nove empresas contam com o apoio do Cietec para planejamento de ações em conjunto. “O setor está impulsionado pela importância do conceito de sustentabilidade e a preocupação com o meio ambiente. As oportunidades de negócios não param de aumentar”, afirma o coordenador de marketing do Cietec, Eduardo Giacomazzi. Das nove empresas incubadas, algumas já receberam prêmios pela excelência dos Idéia luminosa Dados de 2007 da Associação Brasileira de Iluminação (Abilux) revelam que 50 milhões de lâmpadas fluorescentes são produzidas no Brasil anualmente. Apesar de serem mais econômicas, elas têm na composição um elemento químico prejudicial à saúde, o mercúrio. Atualmente, a maior parte dessas lâmpadas é descartada de forma incorreta, normalmente jogada em lixões, contaminando o meio ambiente. Atentos ao potencial desse mercado, sócios da Tramppo, incubada no Cietec/SP, resolveram investir na reciclagem de lâmpadas. Por meio de uma tecnologia desenvolvida há seis anos, os clientes da empresa podem dar destino correto às lâmpadas inutilizadas. Com um sistema a vácuo, elas são quebradas a seco e todos os componentes (mercúrio, vidro, alumínio e pó fosfórico) são reaproveitados. “Podemos vender esse material a diversos tipos de indústrias. O melhor de tudo é não contaminar o meio ambiente com metais pesados como o mercúrio”, comemora a sóciadiretora da empresa, Elaine Menegon. Ela, assim como outros empresários do ramo de reciclagem no país, está otimista. “Esse mercado está em crescimento porque as pessoas estão se conscientizando da importância da reciclagem”, afirma. Os planos da Tramppo confirmam a expansão do mercado: mais seis unidades da empresa devem ser implantadas até 2011. 20 Locus • Outubro 2008 são um produto com alto valor agregado. Precisamos de um parceiro, público ou privado, para continuar com o projeto”, destaca Fabio Ladeira Barcia, pesquisador e um dos sócios da Polinova. A lucratividade do negócio, segundo Barcia, está garantida. Com um quilo do material (cerca de 30 garrafas PET de dois litros) é possível produzir um quilo da resina de poliéster. A matéria-prima, comprada a R$ 1,5 por quilo, se transforma em produto final vendido a R$ 6,7. “Além de ser ecologicamente correta, a resina é 40% mais barata que a convencional”, afirma o pesquisador. Ele explica que o investimento previsto na construção da fábrica é de R$ 1 milhão. Mas quando funcionar, o local vai ter capacidade para produzir três toneladas de resina por dia, o equivalente a R$ 20,1 mil. É dinheiro achado no lixo. Garrafas PET são transformadas em resina plástica pela Polinova Shutterstock serviços prestados. É o caso da Tramppo Recicla Lâmpadas, ganhadora em 2005 do prêmio New Venture Brasil, na categoria Modelo de Negócio em Desenvolvimento Sustentável, concedido pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Desde 2002, a empresa trabalha com uma tecnologia capaz de reaproveitar 100% dos componentes de lâmpadas fluorescentes, que contêm compostos prejudiciais ao meio ambiente e à saúde humana (veja box). Em Santa Rita do Sapucaí (MG), a Amma Home Care, empresa residente na Incubadora do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), desenvolveu um equipamento para facilitar o descarte correto de seringas em laboratórios, hospitais e clínicas. O aparelho, chamado de NEX, tem a função de reciclar a agulha e o plástico, que, após o uso da seringa, são depositados em compartimentos diferentes e aquecidos a 1.680 graus. Esse processo derrete e estereliza por completo os resíduos da seringa, que podem ser transformados em blocos, para venda e reciclagem. Segundo os sócios da empresa, Amine Youssef e Marcelo Bitencourt, o NEX tem capacidade para incinerar até 40 seringas por hora, evitando acidentes de trabalho e descarte indevido de lixo hospitalar. Procuram-se parceiros No Rio de Janeiro, a Polinova, empresa graduada na Incubadora da Coppe/UFRJ, tem um de seus projetos mais inovadores em fase piloto, à espera de parceiros que viabilizem a implantação de uma unidade de produção. A partir da transformação de garrafas PET, a Polinova – em parceria com a empresa Ambio Engenharia – desenvolveu uma resina de poliéster que pode ser usada na fabricação de piscinas, embarcações, telhas e estações de tratamento de esgoto. Tudo isso com tecnologia 100% nacional. “O mercado de reciclagem está aquecido e as garrafas PET Locus • Outubro 2008 21