Direito e Desenvolvimento Mariana Prado e Joanna Noronha Pacote de Leituras para a Primeira Aula Questão: O direito é o melhor mecanismos para mudar comportamentos e garantir o sucesso de políticas públicas? Tópicos: Programa 100% Camisinha (Tailândia) e Cultura Cidadã (Bogotá, Colômbia) Prevenindo HIV/AIDS e Doenças Sexualmente Transmissíveis na Tailândia Tradução do original em inglês: Área Geográfica: Tailândia Condições de Sáude: Entre 1989 e 1990, o percentual de profissionais do sexo afiliadas a casas de prostituição infectadas com o virus HIV triplicou, indo de 3,1% para 9,3%, e um ano depois atingiu 15%. Durante o mesmo período, a proporção de ingressantes homens infectados com o virus HIV, testados no momento do seu ingresso no exército, aos 21 anos de idade, aumentou 6 vezes, indo de 0,5% em 1989 para 3% em 1991. Importância Mundial: HIV/AIDS é uma das maiores ameaças à saúde humana em todo o mundo, com uma estimativa de 37 millhões de pessoas infectadas com o vírus em 2004. A vasta maioria das pessoas com HIV encontram-se na África sub-saariana, onde a expectativa de vida hoje é de apenas 47 anos; sem AIDS, estima-se que a expectativa de vida seria 15 anos mais longa. O número de crianças que perderam seus pais para a AIDS é atualmente estimado em 20 milhões. Programa: Em 1991, o comitê Nacional de AIDS, liderado pelo primeiro ministro tailandês, implementou o “Programa 100% Camisinha”, no qual todas as profissionais do sexo em casas de prostituição foram obrigadas a usar camisinha com seus clientes. Profissionais da saúde distribuiram gratuitamente caixas de camisinhas e a polícia local fez reuniões com os donos das casas de prostituição e com as profissionais do sexo, apesar da prostituição ser ilegal no país. Homens procurando tratamento para doenças sexualmente transmissíveis (DST) eram convidados a indicar a casa de prostituição que haviam utilizado, e profissionais da saúde visitavam o local para oferecer mais informações. Custo e Custo-Efetividade: A despesa total do governo com o programa nacional de AIDS permaneceu estável em aproximadamente $375 milhões de 1998 a 2001, com a maioria dos gastos indo para tratamento e cuidados (65%); esse investimento representa 1,9% do orçamento nacional de saúde. Impacto: O uso de camisinha em casas de prostituição em todo o país aumentou de 14% no início de 1989 para mais de 90% em junho de 1992. Estima-se que 200.000 novas contaminações tenham sido evitadas entre 1993 e 2000. O número de novos casos de DST caiu de 200.000 em 1989 para 15.000 em 2001; o índice de novas infeções por HIV em 1993-5 era cinco vezes inferior ao de 1991. A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), causada pelo virus de imunodeficiência humana (HIV), é um das maiores ameaças à saúde no mundo. Em 2004, estima-se que 37 milhões de pessoas estavam vivendo com HIV. Só durante o ano de 2003, estima-se que 4.8 milhões de pessoas tenham sido infectadas (UNAIDS 2004). Ainda que a vasta maioria de pessoas com AIDS encontre-se na África Sub-Saariana, a epidemia está se tornando cada vez mais séria em países asiáticos. Estima-se que das 7.2 milhões de pessoas infectadas na Ásia, mais da metade esteja na Índia (UNAIDS 2002). Na China, se o ritmo atual de novas infeções não for rapidamente contido, um total de 10 milhões de pessoas deverão se tornar HIV positivas até o final da década. Aproximadamente 1 em cada 60 tailandeses estão infectados com HIV, o que significa 755.000 infeções em todo o país (CDC 2003). As consequências negativas do HIV/AIDS são profundas, tanto no plano social quanto no econômico. Na África, a expectativa média de vida no momento do nascimento é de 47 anos; sem AIDS, seria de 62 anos. A renda familiar em sociedades desprovidas de mecanismos de apoio está caindo drasticamente e o número de crianças órfãs por causa da AIDS é atualmente estimado em 20 milhões, com 75.000 destes órfãos morando na Tailândia (UNAIDS 2002, CDC 2003). Histórias bem documentadas e de sucesso, em larga escala, de prevenção do HIV são poucas e esparsas umas das outras, apesar de muitos programas de menor escala terem mostrado resultados efetivos em determinadas comunidades. Mudar o comportamento associado com o aumento do risco de contaminação por HIV, incluindo práticas sexuais e uso de drogas intro-venosas, tem se provado um grande desafio e os avanços tecnológicos como uma vacina contra HV ou microbicidas que possam matar o virus ainda demorarão alguns anos - e talvez décadas. Como mostra a experiência tailandesa, criar mais casos bem sucedidos de prevenção exige contínua liderança de alto escalão e o desenvolvimento de programas adaptados às circunstâncias locais. O despertar da Tailândia para o Problema do HIV e da AIDS Inicialmente, autoridades tailandesas reconheceram a gravidade da situação em 1988, quando a primeira onda de infeções por HIV se espalhou entre usuários de drogas injetáveis. Um comitê consultivo nacional sobre AIDS foi formado e desenvolveu um plano inicial que incluía o monitoramento de grupos de risco como, por exemplo, profissionais do sexo, homens com doenças sexualmente transmissíveis (DST) e doadores de sangue. Esse monitoramento revelou que o vírus estava se espalhando amplamente através do sexo. Entre 1989 e 1990, a proporção de profissionais do sexo que trabalhavam em casas de prostituição infectadas pelo virus triplicou, indo de 3.1% para 9.3%, e um ano depois atingiu 15%. No mesmo período, a proporção de soldados alistados infectados à época de seu ingresso no exército, aos 21 anos, sixtuplicou – foi de 0.5% in 1989 para 3% em 1991 (UNAIDS 2000). Pesquisadores descobriram que visitas a casas de prostituição eram comuns entre esses jovens (Rojanapithayakorn and Hanenberg 1996). Alguns profissionais da saúde já haviam começado a agir por contra própria. Dr. Wiwat Rojanapithayakorn, um epidemiologista e especialista em controle de DST, que era então o diretor da secretaria regional de controle de doenças contagiosas na província tailandesa de Ratchaburi, propôs uma abordagem pragmática. Como ele explica atualmente: “não é possível impedir que as pessoas transem com profissionais do sexo. Portanto, a coisa mais importante é garantir que o sexo seja seguro.” Entretanto, Rojanapithayakorn sabia que tal abordagem exigiria liderança política. A prostituição é ilegal na Tailândia e a intervenção do governo não poderia sugerir que tolerava ou até mesmo aceitava isso. Felizmente, o governador da província concordou que impedir a transmissão do virus HIV era a prioridade. Sem Camisinha, nada de Sexo: o Programa 100% Camisinha Em 1989, a província de Ratchaburi foi pioneira na criação de um programa cujo objetivo era reduzir a vulnerabilidade de profissionais do sexo individualmente, criando um “ambiente monopolista” entre todas as casas de protituição da província, com uma regra clara: “sem camisinha, nada de sexo”. Até a criação deste programa piloto, os donos das casas de prostituição e as profissionais do sexo não insistiam para que seus clientes usassem camisinha, porque a maioria dos clientes preferia sexo sem proteção e eles podiam simplesmente encontrá-lo em outro lugar. Em contraste, ao exigir o uso da camisinha em todas as casas de prostituição, o governo da província eliminou todos os incentivos competitivos para casas de prostutuição e seus profissionais do sexo. Profissionais da saúde reuniram-se com donos de casas de prostituição e profissionais do sexo, forneceram informações sobre HIV e uso apropriado de camisinha e os convenceram dos benefícios do programa. A polícia ajudou a organizar as reuniões iniciais e pressionou os donos de casas de prostituição a cooperar. Caixas de 100 camisinhas foram fornecidas, gratuitamente, diretamente para os profissionais do sexo nas suas consultas médicas rotineiras em clínicas do governo e profissionais da saúde distribuíram caixas de camisinhas nas casas de prostituição. Rastreamento de contato sexual complementou essa estratégia. Homens procurando tratamento nas clínicas do governo para qualquer DST foram questionados sobre os estabelecimentos que eles tinham usado. A presença de infecção era considerada prova de não uso da camisinha. Da mesma forma, a infecção em uma profissional do sexo era tomada como prova de que ela fez sexo sem proteção. Profissionais de saúde da província visitavam então os estabelecimentos e forneciam mais informação e mais conselhos para os donos e para trabalhadores sobre o uso da camisinha. Em princípio, a polícia poderia fechar qualquer casa de prostituição que não seguisse o programa. Essa punição foi usada algumas vezes no início do programa, mas as autoridades policiais geralmente preferiam cooperar com as casas de prostituição ao invés de aliená-los do processo (UNAIDS 2000). Os resultados foram rápidos. A incidência de DSTs como gonorréia em profissionais do sexo e seus clientes em Ratchaburi caiu vertiginosamente em poucos meses (UNADS 2000). “Doenças sexualmente transmissíveis tornaramse raras em profissionais do sexo: isso foi muito persuasivo,” disse Rojanapithayakorn. Através de reuniões e palestras, os profissionais de saúde em Ratchaburi convenceram outras 13 províncias a adotar o programa em 19891990. Nacionalizando o Programa depois do sucesso inicial O governo tailandês primeiro implementou seu programa nacional de AIDS e o centro de prevenção e controle da AIDS em 1987, com o objetivo de aumentar a consciência dos perigos da doença, reduzir comportamentos de risco e fornecer tratamento às pessoas infectadas. A maior estratégia por trás da campanha era estimular homens a usarem camisinha com profissionais do sexo (Rojanapithayakorn e Hannenberg 1996). A estratégia do governo incluía propagandas na mídia e campanhas educacionais. Propagandas na televisão e no rádio se dirigiam a homens e os alertavam explicitamente para os perigos de não utilizar camisinha quando na companhia de uma profissional do sexo. Profissionais da saúde nas clínicas do governo e líderes comunitários de organizações não governamentais (ONGs) treinaram profissionais do sexo no uso adequado de camisinha e em negociar seu uso com os clientes (UNAIDS 2000). Em alguns casos, profissionais do sexo experientes foram treinadas para educar as iniciantes (Visrutaratna et al. 1995). Em Agosto de 1991, o Comitê Nacional da AIDS, liderado pelo primeiro ministro Anand Panyarachun, resolveu implementar o programa 100% camisinha como parte de uma campanha nacional (UNAIDS 2000). Profissionais da saúde inicialmente temeram que o comitê fosse rejeitar a idéia, mas após uma série de reuniões preparatórias com o governo da província e outros governos obteve-se o apoio necessário. A resolução dizia: “O governador, o chefe de polícia da província e o secretário de saúde de cada província trabalharão juntos para implementar a política somente-com-camisinha que exige que todas as profissionais do sexo usem camisinha com todos seus clientes. Todos os ministérios relevantes publicarão regulamentação em conformidade com essa política.” Em meados de 1992, todas as províncias tinha implementado o programa por causa da liderança decisiva do alto-escalão do governo. Por causa do crescente apoio obtido, o orçamento total para controle do HIV aumentou de $2,63 milhões em 1991 para $82 milhões em 1996, 96% dos quais foram financiados pelo governo tailandês (Ainsworth et al., 2003), e aproximadamente 60 milhões de camisinhas foram distribuídas anualmente (Chitwarakorn 2004). Os resultados impressionantes condições de saúde em mudanças comportamentais e O uso de camisinha nas casas de protituição em todo o país aumentou de 14% no início de 1989 para mais de 90% em junho de 1992 (Rojanapithayakorn e Hanenberg 1996). Esses dados são baseados em questionários respondidos por profissionais do sexo e homens jovens, conduzidos pela divisão de epidemiologia do Ministério da Saúde. De acordo com estimativas do grupo de trabalho tailandês para HIV/AIDS, preparadas para o Ministerrio da Saúde, o número de novos casos de HIV diminuiu em mais de 80% de 1991 a 2001 (Chitwarakorn 2004). A incidência de casos relatados de DST (gonorréia, sífilis, etc) caiu mais do que drasticamente. No total, para homens, o número anual de novos casos de DST caiu de quase 200.000 em 1989 para 27.597 em 1994 (Rojanapithayakorn e Hanenberg 1996). Até 2001, o número total de novos casos de DST tanto em homens quanto mulheres estava em torno de 15.000 (veja a figura 2.1). A diminuição de novos casos de DST está diretamente ligada ao aumento de casos relatados de uso de camisinha (UNAIDS 2000). Da mesma forma, o monitoramento de grupos de risco sofreu mudanças dramáticas. Em 1993, até 4% dos ingressantes no exército eram HIV-positivos. Em dezembro de 1994, o número tinha caído para 2,7% (Rojanapithayakorn e Hanenberg 1996), e em 2001 apenas 0,5% dos novos ingressantes estavam infectados. A prevalência de HIV em pessoas procurando clínicas de DST caiu pela metade entre meados dos anos 90 e 2002 (Chitwarakorn 2004). (Figura 2.2) Rigorosos estudos conduzidos na região norte do país, que é a região mais duramente afetada por HIV/AIDS, corroboram esses dados. Pesquisadores acompanharam sucessivos grupos de ingressantes no exército, num total de 4.000 homens, e avaliaram se haviam contaminação por HIV ou DST a cada 6 meses. O ínidice de novos casos de HIV em 1993-1995 era um quinto do indíce em 1991, enquanto o índice de novos casos de DSTs caiu dez vezes (Celentano et al. 1998). Avaliando o Programa: Lições, Perguntas, Respostas – e Mais Perguntas Os dados são tão impressionantes que especialistas poderiam questionar sua precisão ou indagar se a diminuição no número de pessoas infectadas ocorreu mesmo por causa do programa do governo. Estudos independentes, entretanto, sugerem que essa estratégia está sendo verdadeiramente efetiva – até agora. O Instituto para Pesquisa Social e da População na Universidade Mahidol na Tailândia, apoiada pelo programa de cooperação entre UNAIDS e o Ministério da Saúde da Tailândia, conduziu uma pesquisa para avaliar o sucesso do programa. O estudo concluiu que o programa 100% camisinha tinha contribuído significativamente para a reudção da transmissão do virus HIV em larga-escala no país (Chmratrithirong et al. 1999, UNAIDS 2000). Ao mesmo tempo, uma outra avaliação do Banco Mundial concluiu que o sucesso da Tailândia é “uma conquista que poucos outros países, se é que há algum, conseguiram alcançar.” A avaliação sugere que o programa preveniu 200.000 novas infeções por HIV durante os anos 90 (World Bank Thailand Office 2000). Dado que o programa foi implementado na vida real, e não em condições artificialmente controladas de experimentos laboratoriais, é difícil separar com precisão quais componentes do programa foram os mais efetivos: o programa 100% camisinha, o programa educacional que acompanhou o programa, as propagandas na mídia, ou outros fatores. Vale notar que as campanhas públicas de informação podem ter simplesmente amedrontado muitos homens, que simplesmente deixaram de frequentar casas de prostituição no início dos anos 90. A incidência de DSTs começou a cair rapidamente em 1990, antes de todas as províncias terem experimentado o programa 100% camisinha (Rojanapithayakorn e Hanenberg 1996). Entre 1990 e 1993, a proporção de homens visitando casas de prostituição caiu pela metade, indo de 22 para 10% (Phoolcharoen et al. 1998). Alguns pesquisadores acreditam, portanto, que campanhas públicas na mídia desempenharam um importante papel. Entretanto, como indica Rojanapithayakorn, países que utilizaram somente estratégias de educação sobre o uso de camisinha, sem insistir na política de uso de camisinha 100% do tempo na indústria do sexo, não foram tão bem sucedidos no combate ao HIV. Ele e outros argumentam que o programa 100% camisinha e as campanhas públicas deveriam ser vistos como elementos complementares dentro de uma única estrategia: nenhum deles teria sido efetivo sem o outro. Muitas perguntas têm sido feitas sobre essas conclusões. Primeiro, questiona-se se houve de fato uma queda na DSTs, ou se as pessoas simplesmente deixaram de utilizar postos de sáude do governo e procuraram clínicas privadas. Em entrevistas com profissionais do sexo, pesquisadores da Universidade de Mahidol descobriram que o número de pessoas recebendo tratamento em postos de saúde do governo não havia mudado desde a implementação do programa. Além disso, os pesquisadores entrevistaram farmacêuticos. Mais de 80% deles indicaram uma queda na venda de antibióticos utilizados para tratar de DSTs em um período de 5 anos. Isso mostra que há não há razão para acreditar que os pacientes tenham simplesmente mudado para o setor privado (UNAIDS 2000). Outra pergunta é se os relatos de casos de uso de camisinha não estão artificialmente inflacionados. Pesquisadores da Universidade de Mahidol entrevistaram mais de 2.000 profissionais do sexo e mais de 4.000 clientes. Havia alguma variação entre diferentes regiões do país, mas na média, os índices de uso de camisinha eram impresionantemente altos. Quando profissionais do sexo foram questionadas se fariam sexo sem camisinha por mais dinheiro, apenas 3,5% respondeu que elas fariam, ainda que quase três- quartos delas dissessem aos pesquisadores que os clientes repetidamente haviam feito tal solicitação (UNAIDS 2000). Entre profissionais do sexo, 97% relataram que elas sempre usavam camisinha com clientes ocasionais, e 93% relataram que elas também usavam com clientes regulares UNAIDS 2000). Existe também evidência de que a maioria das profissionais do sexo se tornou extremamente resistente a demandas por sexo sem proteção. Por exemplo, em pequenos estudos, voluntários se fingiram de clientes e perguntaram se profissionais do sexo fariam sexo sem proteção, para avaliar a efetividade do treinamento feito por colegas de trabalho (onde veteranas instruíam iniciantes em como insistir no uso de camisinha com clientes). Os voluntários solicitaram sexo sem camisinha e, caso houvesse recusa, ofereciam mais dinheiro. Em um pequeno estudo, 72 de 78 profissionais se recusaram a fazer sexo sem proteção mesmo quando receberam uma oferta três vezes mais alta do que o preço usualmente cobrado (Visrutaratna et al. 1995). Uma pergunta relacionada é quão efetivo foi o programa com profissionais “indiretas” do sexo, que são freqüentemente encontradas em bares e restaurantes. Esses estabelecimentos freqüentemente negam oferecer tais serviços e alguns se recusaram a cooperar com o programa ou a distribuir camisinhas para suas trabalhadoras. A relativa inacessibilidade desses estabelecimentos também dificultou seu estudo em avaliações independentes. Portanto, estimativas do sucesso do programa podem ser parciais caso esse grupo esteja subrepresentado nas estatísticas. Isso é importante, em especial porque alguns clientes parecem ter migrado das casas de prostituição para essas profissionais “indiretas” durante os anos 90 (Hanenberg e Rojanapithayakorn 1998). Entretanto, a maioria dos estudos até agora sugere que a maioria das profissionais “indiretas” do sexo, assim como suas colegas em casas de prostituição, insistem no uso de camisinha com seus clientes. O índice mais baixo de uso de camisinha relatado ocorreu em hotéis e ficou na faixa de 85%; em bares e restaurantes a proporção era de 90%, e em casas de massagem, de 98% (UNAIDS 2000). O Que o Programa Não Conseguiu Fazer O sucesso da estratégia de reduzir o ritmo de contaminação por HIV se deve, em parte, ao alto nível de organização da indústria do sexo na Tailândia e à popularidade do sexo comercial entre uma ampla camada de homens tailandeses nos primeiros anos da epidemia. Entretanto, os profissionais de saúde do governo tailandês reconheceram que o programa fez muito pouco para estimular homens e mulheres na Tailândia a usarem camisinha em sexo ocasional, mas não comercial (Chitwarakorn 2004). Entre a população em geral, sexo ocasional sem proteção é comum, particularmente entre pessoas mais jovens, que não se lembram do pico da crise no início dos anos 90 (World Bank Thailand Office 2000). Isso sugere que ainda existe um risco substancial de que o virus HIV continue a se espalhar por meio de sexo entre casais heterossexuais na Tailândia. Além disso, porque o programa se centrou principalmente na transmissão do virus HIV por meio de sexo, não se criou um programa nacional de intervenção para usuários de drogas injetáveis, como tratamento com metadona e programas de troca de agulhas e seringas, que são a rota mais comum de transmissão do virus. Nesse grupo, a prevalência do virus HIV continua a crescer e hoje chega a 50% (Chitwarakorn 2004). O que garantiu o sucesso do Programa? Muitos fatores importantes garantiram o sucesso do programa. Primeiro, a indústria do sexo é relativamente estruturada. Existem poucas profissionais “autônomas”; a maioria trabalha dentro de um estabelecimento comercial. Desde o final da década de 60, o governo tailandês tem mantido uma lista dos estabelecimentos “diretos” de sexo, o que permitiu que oficiais do governo procurassem seus donos e solicitassem a cooperação dos mesmos. Segundo, o país já possuía uma boa rede de assistência para DST, tanto para tratamento quando para monitoramento, dentro de um sistema de saúde bastante funcional. Além de fornecer tratamento essencial e conselho para profissionais do sexo e seus clientes, o sistema de saúde forneceu informações essenciais aos formuladores de políticas públicas tanto no momento de elaboração do programa quanto durante sua implementação. Isso não teria ocorrido sem um número adequado de profissionais de saúde treinados, epidemiologistas e estatísticos. Terceiro, diferentes setores – autoridades da área de saúde, governadores de províncias e a polícia – também colaboraram. Essa abordagem multisetorial adotada pelo governo federal aumentou a consciência da importância do problema do HIV/AIDS e envolveu diversos grupos de interesses e outros atores no diálogo para estabelecer as prioridades nacionais para formulação da política (Ainsworth, Beyrer, and Soucat 2003). Quarto, houve forte liderança do Primeiro Ministro, apoiada em recursos financeiros significativos, o que tornou possível uma resposta rápida. Estimando os custos Dado o amplo interesse no programa do governo tailandês, é surpreendente que não existam estimativas do custo-efetividade do programa 100% camisinha. Rojanapithayakorn indica que a maior parte dos custos do programa é com recursos humanos. O programa depende de profissionais treinados em clínicas de DST e epidemiologistas. Porque essa infraestrutura já existia, os custos de implementação do programa foram baixos. Os gastos com as camisinhas gira em torno de $1,2 milhões por ano e nunca foi mais alto que $ 2,2 milhões por ano (Chitwarakorn 2004). Além disso, o governo investiu em educação e campanhas públicas de informação. Entretanto, o setor privado ofereceu assistência financeira e em espécie, incluindo $ 48 milhões de tempo de comerciais na TV e radio para prograndas sobre HIV (Viravaidya et al. 1993). Os gastos totais do governo no programa nacional de HIV/AIDS permaneceram estáveis em torno de $375 milhões de 1998 a 2001, com a maior parte do dinheiro sendo gasto em tratamento (65%); esse investimento representou 1,9% de todo o orçamento governamental para a area de saúde. Em contrapartida, evitou-se a contaminação por HIV de cerca de 200.000 indivíduos enre 1993 e 2000, permitindo que os mesmos se tornassem membros produtivos da sociedade. Riscos O custo do tratamento de AIDS com medicamentos antiretrovirais – e com medicamentos mais baratos para infeções oportunistas – trouxe um grande desafio para a Tailândia nos ultimos anos. Alguns estão preocupados que esses custos podem ameaçar as atividades de prevenção de HIV. Entre 1997 e 2004, o orçamento para a prevenção da AIDS caiu em dois terços (UNAIDS 2004). Apesar do uso de camisinha continuar alto entre profissionais do sexo, existe uma preocupação com novas profissionais, traficadas para a Tailândia de países vizinhos. Para essas mulheres, acesso ao sistema de saúde, informação, treinamento e até acesso a camisinhas podem ser extremamente limitados. O impressionante sucesso da Tailândia em reduzir a epidemia de HIV/AIDS até hoje continuará a exigir esforços significativos. A experiência tailandesa em prevenir o aumento da contaminação por HIV não fornece um modelo para outros países, em especial para aqueles onde as condições iniciais são diferentes. Mas isso não sugere que mudanças significativas em comportamentos fortemente internalizados na população não podem ser implementadas através de estratégias específicas e enfatiza a importância de líderanças políticas que assumem riscos para melhorar a saúde pública. *** A Cultura Cidadã de Antanas Mockus: Atos Teatrais e Mudança Cultural em Bogotá, Colombia Notas de rodapé foram omitidas da presente tradução. Para consultá-las, veja o original em inglês: O prefeito de Bogotá Mockus teorizou e ajudou a operacionalizar medidas que desenvolveram a sociedade civil, enquanto sua equipe criou inspiradoras e produtivas práticas culturais… Dois aspetos desse projeto merecem particular atenção: 1) os programas são primordialmente culturais, em uma sociedade impregnada de violência e pobreza… 2) os planejadores e implementadores destes programas são professores e acadêmicos que se tornaram ativistas e servidores públicos em altos postos no governo. (Agentes Culturais no Centro Rockfeller de Estudos Latino-Americanos) No início dos anos 90, Bogotá, na Colômbia, era uma cidade infestada por anos de corrupção e violência, altos índices de criminalidade, poluição ambiental e condições de tráfico inaceitáveis. A vida urbana em Bogotá era moldada por uma guerrilha contínua na Colômbia e problemas com os poderosos cartéis de drogas. Existiam também altos níveis de impunidade e de corrupção policial. Tanto a vida pública quanto a vida privada eram extremamente inseguras. No plano internacional, visitantes eram alertados a ficarem longe de Bogotá, onde havia dez vezes mais chances de serem mortos do que nos EUA. A percepção global era que Bogotá era uma cidade enfrentando um declínio urbano, sob o cerro de violência, corrupção e décadas de guerra civil. Entretanto, ao final dos anos 90 o destino de Bogotá se transformou e a cidade é hoje descrita por alguns como uma “modelo progressista de desenvolvimento”. Hoje ela é percebida como uma metrópole onde alguém pode desejar morar. Esse espaço urbano, que durante décadas esteve associado à decadência e à incerteza, tornou-se um ambiente onde a cultura cívica prevalece e a população desenvolveu um senso de orgulho e propriedade sobre a paisagem na qual vive e trabalha. Antanas Mockus, o prefeito de Bogotá durante os anos de 1995-1998 e 20012004, foi em grande parte responsável por essa transformação. Como Mockus, um acadêmico, sem qualquer experiência política anterior, transformou de maneira tão significativa as atividades de toda uma sociedade? Muitas outras campanhas de aprimoramento social foram criadas anteriormente tanto em Bogotá como em outras cidades colombianas. Entretanto, tais programas eram imediatamente abandonados, assim que mudava o governo eleito. O que mais impressiona sobre o programa de Mockus é que ele foi capaz de comunicar-se com a população da cidade como um todo, mas também de achar ferramentas para estabelecer um diálogo entre instituições formais e a comunidade, o que por sua vez permitiu o desenvolvimento de uma cultura cívica com poder para promover mudanças no longo prazo. Em 1994, durante sua campanha para prefeito de Bogotá, Mockus criou e promoveu o conceito de Cultura Cidadã. Cultura Cidadã pode ser definida como um conjunto de hábitos compartilhados, ações e regras que geram uma sensação de pertencimento à comunidade, facilitando a coexistência urbana e que leva as pessoas a respeitarem o patrimônio coletivo e a reconhecer os direitos e deveres dos cidadãos. A Cultura Cidadã de Mockus procurou mudar o contexto cultural de forma a permitir que as pessoas passassem para um estado de direito como uma forma de autogoverno; para permitir que uma porção significativa dos cidadãos tivessem mais capacidade para fazer com que outros cumprissem a lei de maneira pacífica; para aprimorar a habilidade para negociar acordos e resolver conflitos entre cidadãos; e desenvolver a habilidade dos cidadãos de se comunicar através de atividades artísticas e culturais. No cerne da Cultura Cidadã está a idéia do diálogo com a comunidade. Para iniciar este diálogo, Mockus usou atos teatrais como um modo de facilitar a mudança social. Esses atos teatrais eram eventos públicos, usados para encorajar mudança tanto individual quanto social e incluíam desde pequenas encenações de rua até atos teatrais para grandes platéias. Mockus concebeu atos teatrais que se relacionavam com preocupações da vida na cidade, trazendo à tona uma análise prática e explícita de problemas relacionados com atitudes comportamentais e culturais. É importante enfatizar que os atos teatrais eram eventos em locais específicos, ao mesmo tempo reais e artificiais, combinando a vida cotidiana com situações criadas por atores no espaço público. Essa mistura de ação verdadeira e fictícia, onde os cidadãos eram ao mesmo tempo espectadores e atores -- e mais do que isso, onde cidadãos eram legisladores, fazendo novas leis e as implementando – está diretamente associada ao trabalho de Augusto Boal, teorizado no seu importante livro Teatro dos Oprimidos (1979) e depois reelaborado em Teatro Legislativo (1998). A ligação com as práticas de Boal são importantes para entender os modos através dos quais Mockus foi capaz de agitar a cidade para implementar políticas com uma ambiciosa agenda de mudança social. Esse artigo analisa os métodos através dos quais a Cultura Cidadã de Antanas Mockus promoveu mudança cultural e fez a cidade de Bogotá passar de um local de decadência urbana e desintegração para uma cidade que cria uma consciência social individual em seus cidadãos. O artigo explora o uso de atos teatrais por Mockus dentro da tradição do teatro social, como uma ferramenta política para alcançar a mudança cultural que era necessária antes que as leis e regulações pudessem dar margem a qualquer resultado real, positivo e significativo. O artigo explora como as estratégias não tradicionais de administração pública de Mockus podem ser vistas como atos teatrais de mudança cultural. Ao combinar eventos públicos com teatro para mudança social, Mockus procurou criar um novo entendimento cultural para vivência urbana e integração social que tem amplas conseqüências educacionais, que incluem nada menos que a revitalização urbana de Bogotá. A História de Mockus e suas Teatralidades Antanas Mockus nasceu em Bogotá em 1952, filho único de pais da Lituânia. Seu pai, um arquiteto, e sua mãe, uma escultora, se conheceram na Alemanha enquanto escapavam da invasão russa da Lituânia, na Segunda Guerra Mundial e imigraram para a Colômbia após o fim de Guerra. Mockus estudou na escola privada de maior prestígio da Colômbia, o Liceu Francês em Bogotá. Durante seus estudos no Liceu Francês, Mockus mostrou muito interesse por teatro, escrevendo e dirigindo peças inspiradas pelo Nadaísmo e pelo trabalho de Jean Paul Sartre. Em 1969, Mockus escreveu e atuou em um poema-protesto contra seus colegas que tinha desrespeitado a bandeira colombiana. O ato teatral tinha três partes: na primeira ele insultava a bandeira, na segunda ele ficava em silêncio em frente da bandeira e na terceira ele insultava os estudantes. Essa série de ações ameaçou sua permanência na escola, onde a expulsão teria sido considerada a resposta normal para tal atitude. Mas a intenção por trás dos atos foi valorizada pela instituição que queria incentivar adolescentes a respeitar a bandeira. Em 1982, depois de estudar matemática no México e na França, ele tornou-se professor assistente na Universidade Nacional, sendo promovido até tornar-se reitor da Universidade em 1990. Mockus ganhou notoriedade nacional quando, como reitor de uma instituição com um corpo estudantil politicamente volátil, ele baixou suas calças e exibiu as nádegas para chamar a atenção de um grupo de alunos indisciplinados. Posteriormente, ele descreveu sua ação como um dos recursos que artistas podem utilizar. Como conseqüência desta improvisação, Mockus foi obrigado a renunciar ao cargo de reitor, mas sua abordagem não tradicional ganhou o apoio de uma sociedade desesperada por mudanças e com poucas esperanças nas estruturas políticas e sociais existentes à época. Mockus usou o teatro como forma de comunicação para facilitar o início de um diálogo sobre mudança cultural. Enquanto seus atos culturais são similares àqueles teorizados e praticados por Augusto Boal no Teatro dos Oprimidos, Mockus não teve conhecimento dos métodos de Boal até 1995, quando o Instituto de Cultura e Turismo de Bogotá convidou o grupo de teatro francês Théâtre de Verité para conduzir uma série de workshops intensivos. Essa companhia de teatro se especializou em usar drama e teatro para promover mudança social e cultural dentro de comunidades. O que a Cultura Cidadã de Mockus e as técnicas de Boal têm em comum é a influência da filosofia educacional de Paulo Freire, explicada na Pedagogia do Oprimido. Tanto Boal quanto Mockus baseiam-se na premissa básica de Freire de que através da experiência pessoal de ação, diálogo e envolvimento com a comunidade, indivíduos pode instigar uma nova consciência e promover, portanto, mudança cultural. Boal conheceu Freire nos anos 60 durante um tour do Teatro Arena no Norte do Brasil. Freire tinha uma influência forte e duradoura na sua prática teatral. Na verdade, Boal fornece uma interpretação teatral de filosofia educacional de Freire. O método de Freire é baseado na criação de consciência em um nível em que os estudantes assumiriam a propriedade do conhecimento que se relaciona com sua experiência de vida. Freire rejeitava o paternalismo oficial e a hierarquia elitista da educação centrada na instituição, argumentando que “eles falam do povo, mas não confiam nele; e confiar no povo é uma condição indispensável para a mudança revolucionária”. Os princípios pedagógicos que baseiam a Cultura Cidadã de Mockus aceitam a idéia de Freire de que o aprendizado deve ser ligado à experiência do dia-a-dia, “porque nós aprendemos ao fazer coisas que são importantes para nós”. Utilizando todas as ferramentas e criatividade de um educador que queria ir além da ortodoxia tradicional para ganhar a atenção do público, Mockus se candidatou a prefeito de Bogotá em 1995 com uma agenda política específica: “limpar” uma cidade infestada de violência, corrupção e desrespeito às regras. A meta que Mockus estabeleceu para si mesmo e sua equipe era usar a arena política como um espaço para reeducar, e seu poder político seria usado para propósitos pedagógicos de instigar e apoiar transformações culturais. Em outras palavras, Mockus viu que mudança social e cultural de verdade tinha que acontecer de baixo para cima, na mente das pessoas, nas suas casas, nas ruas e nas escolas. Por que Transformação Cultural? Orlando Fals Borda argumenta que a maior parte da mudança na estruturas sociais e instituições conservadoras da sociedade colombiana tem sido superficial e que tem apenas servido para reforçar o natural tradicionalismo dessas estruturas obsoletas. Ele conclui que ação política seria mais bem sucedida se reconhecesse a cultural local e se adaptasse a ela. Mockus reconheceu a necessidade de mudança destas estruturas tradicionais e obsoletas e acreditou que a solução para muitos dos problemas de Bogotá estavam em seus habitantes. Entretanto, a dinâmica cultural da cidade não facilitava o tipo de transformação que ele queria promover. Além disso, uma inclinação religiosa a aceitar sofrimento nessa vida enquanto se espera compensação na vida além da morte levou vários grupos a se resignarem e aceitarem violência, abusos e condições de vida miseráveis como parte de seus destinos. Além disso, a falta de afeição dos cidadãos e a degradação urbana têm sido agravadas pelo rápido crescimento da população. Bogotá é uma cidade feita de muitas comunidades que, por causa da sua rápida expansão e explosão populacional, nunca criaram sua própria identidade e senso de pertencimento. Migrações em massa de cidades no interior do país começaram na década de 30. A migração aumentou na década de 50, mas pessoas também vieram para Bogotá de todas as partes do país. Como conseqüência, Bogotá passou a ser percebida como uma cidade de ninguém e ficou sujeita a abusos que frequentemente acompanham esse sentimento de habitante provisório e de falta de propriedade sobre a cidade. Considerando isso, as campanhas de Mockus procuraram modificar hábitos, valores e crenças através da educação. Como um professor universitário que se transformou em um político, Mockus é parte de uma nova tendência na política colombiana e latino-americana, que tem visto pessoas sem uma história política prévia serem eleitas. Isso reflete um sentimento generalizado de que o sistema político oficial não é efetivo e que pessoas que representam o status quo não são tidas como capazes, seja ética ou economicamente, de conquistar aquilo que é exigido para promover mudança social e política. De acordo com Mockus, um estado democrático normalmente tem algumas regras “universais” que são seguidas por todos os cidadãos a despeito de suas atitudes morais ou formação cultural. Na verdade, um dos papéis do Estado na sociedade moderna é de aplicar o sistema jurídico para permitir a coexistência de diferentes atitudes morais e tradições. Mockus enfatiza três tipos de regras que governam comportamentos individuais e coletivos: regras jurídicas, que são explícitas, regras morais, que são baseadas na formação pessoal, e normas culturais, que são incorporadas em nossas atitudes como parte do comportamento em grupo. Em uma sociedade ideal, cultura, moral e direito estão “casados” e reforçam uns aos outros. Entretanto, no caso da Colômbia, esses elementos estão “divorciados”. Isso significa que comportamentos ilegais, como corrupção e violência podem ser culturalmente aceitos e até moralmente justificados. A idéia de Mockus corresponde à crença de Douglas North de que tentar mudar estruturas formais da sociedade (regulamentos, leis e constituições) sem modificar as estruturas informais (regras de comportamento, convenções sociais e cultura) provavelmente não gerará o resultado esperado. Como Geert Hofstede argumentou, as pessoas carregam “programas mentais” que são desenvolvidos em casa, na escola e depois, no ambiente de trabalho. “Programas mentais” incorporam elementos da cultura nacional que são difíceis de modificar a não ser que elementos de todo o contexto cultural sejam também transformados e haja mudança de crenças e comportamento. Na verdade, Hofstede define cultura como uma “programação coletiva da mente”. Mesmo quando as instituições e suas estruturas formais mudam, sua exposição constante a valores compartilhados de uma dada sociedade influencia a instituição até que ela termina por se adaptar à “velha” cultura. Isso sugere que, para manter qualquer mudança institucional real e duradoura, Mockus teve que modificar a cultura coletiva de Bogotá. Entretanto, “o maior problema não é a mudança de caráter, valores ou atitudes, mas a mudança daqueles aspectos selecionados do ambiente social humano que são relevantes para o aprendizado de novos padrões de comportamento.” Portanto, a mudança no ambiente social ou no contexto cultural teve que ser precedido por mudanças individuais. Atos Teatrais para Transformação Cultural No contexto cultural da América Latina, e particularmente da Colômbia, usar atividades teatrais para quebrar a hierarquia socialmente imposta, a grande narrativa e o texto social existente que mantêm populações marginalizadas dentro de um elaborado sistema de opressão exige uma ação política sensível. Reeducação envolve encorajar indivíduos as ver coisas de uma forma diferente. Transformar uma megalópole urbana com diferentes grupos sociais em um espaço mais integrado e unificado através de uma série de atos políticos teatrais foi o cerne da missão da Cultura Cidadã de Mockus. Os workshops baseados no trabalho de Boal com o Théâtre de Verité deu a Mockus ferramentas para iniciar um diálogo com a comunidade. O Teatro do Oprimido de Boal (1978) criticava tradições teatrais européias onde a função política do teatro, de Aristóteles a Bretch, se resumia a atuar em palco, mas não envolvia qualquer ação que poderia inspiram pessoas a promover transformação cultural ou política. Boal sugere que o modelo no qual o teatro é politicamente efetivo tem que quebrar com a distinção entre espectador e ator criando atoresespectadores que transportam o ato teatral da atuação em palco para o terreno da interação política e da ação educacional. O contexto político e social no qual Mockus estava operando em Bogotá era similar àquele que Boal encontrou no Rio na década de 70. Tanto Boal quanto Mockus responderam a narrativas sociais que não apenas compartilhavam do mesmo conteúdo, mas que também tinham em comum estruturas através das quais elas eram disseminadas. Tanto a mídia quanto tradições orais menos formais e mais localizadas, interagiam com um mundo no qual seqüestros, tráfico de drogas, o exército atuando como polícia, guerrilha e pobreza extrema convivendo com abundante riqueza, violência e luta de classes fazem parte do cotidiano. Isso compõe o tecido social do dia-a-dia colombiano e brasileiro com o qual o teatro para transformação cultural teve que interagir. Boal acertadamente indicou que o teatro é uma arma de libertação. Mas, para tanto, é preciso criar as formas teatrais apropriadas. Boal vê a função do teatro como um meio através do qual a comunidade reifica as formas de opressão, funcionando como um processo através do qual os obstáculos individuais e coletivos podem ser superados. Para Boal, “o teatro nasce quando o ser humano descobre que ele pode se observar”. Esse processo de auto-observação leva ao auto-descobrimento e à auto-educação. Definir um programa de auto-ajuda em encontrar maneiras de criar um processo político que leve à mudança social exige um conhecimento detalhado da sociedade e das suas estruturas sociais e culturais, e particularmente de suas normas, crenças e valores morais. Isso não é uma tarefa fácil. Teatro político tem que ser concebido de dentro da comunidade para ter valor e apoio dentro da comunidade. Somente com isso se pode atingir a função educacional e social de mudar um conjunto de valores e fazem com que as pessoas subscrevam aos objetivos da campanha. Adotar uma postura paternalista com relação àqueles que estão desprovidos de poder é um risco real uma vez que educadores, intelectuais e políticos assumam a responsabilidade de promover mudanças. Nada é mais ineficaz do que alienar as pessoas porque aqueles que estão promovendo mudanças são os mesmos que controlam os mecanismos de poder e, portanto, por definição, são parte da mesma estrutura que cria as condições opressoras. É um erro do neoliberalismo e do socialismo romântico acreditar que alguém pode ao mesmo tempo ter poder para dizer aos outros o que fazer sem ter o poder de ser um deles e parte da comunidade em uma missão de autoajuda. O Teatro do Oprimido sugere técnicas que usam situações cotidianas para dar poder àqueles que estavam previamente desprovidos de poder, para que eles lidem com suas vidas privadas e públicas. Nos atos teatrais de Mockus, tanto os espaços públicos e privados são arenas para atuação teatral e todos os membros da comunidade podem ser tornar um espectador-ator. Ao se tornar espectador-ator, os membros da comunidade se envolvem ativamente no processo de reescrever e re-organizar a narrativa social. Atos privados: Cidadãos como Legisladores Os atos teatrais de Mockus, utilizados para chocar e chamar a atenção de alunos indisciplinados na Universidade Nacional, foram utilizados novamente durante sua administração como prefeito de Bogotá. Mockus conquistou notoriedade através de sua Cultura Cidadã, uma série de eventos públicos e privados que procuravam dar poder a membros da sociedade para assumir responsabilidade e interferir na vida da cidade através de legislação coletiva, i.e. estabelecendo regras sobre o que é certo e o que é errado. Em 1996, para estabelecer um exemplo de “boa prática”, Mockus-o-prefeito tornou-se Mockus-o-ator. Em uma campanha para reduzir o consumo de água, o prefeito apareceu tomando banho nu em um comercial de TV, desligando a torneira enquanto se ensaboava. Ele conscientemente criou contradições – o prefeito nu, o prefeito sendo destituído de poder ao executar uma ação mundana como tomar um banho, expondo seu corpo nu. Ao mesmo tempo, Mockus inventou um personagem alter-ego, chamado o super-cidadão que chamou a atenção do habitantes de Bogotá através das suas diversas “boas ações”. Como o Super-Homem, um ícone cultural, o super-cidadão de Mockus se vestia com uma sunga vermelha e um macacão de lycra azul. Ele era altruísta e dedicado a melhorar as condições domésticas e sociais de outros. Diferentemente do personagem Super-Homem, o super-cidadão atuava ao vivo, localizando-se no espaço público junto com os beneficiários de suas boas ações. O super-cidadão modificava o texto social, que deixava de tratar de violência e ignorância para tratar de cuidado e ajuda ao próximo. O único poder que ele necessitava era sua vontade, fazendo coisas que qualquer cidadão poderia fazer, se quisesse. A identidade de Mockus não era disfarçada – ele não se tornava uma outra pessoa - , ao contrario sua identidade era bastante visível: era o prefeito fazendo “boas ações” como o super-cidadão. De forma bastante similar ao coringa de Boal, ele mostraria a opressão da qual sofria sua comunidade ao expor ao ridículo e envergonhar publicamente aqueles que estivessem em desacordo com as novas regras de comportamento que valorizavam orgulho, civilidade, preocupações compartilhadas. Ele também elogiava aqueles que aderiam a essas regras. O ato teatral coletivo mais popular de Mockus envolvia o uso de mímicos que desempenhavam a mesma função do coringa de Boal no Teatro Fórum (Imagem 1). A idéia era usar o teatro como espaço para mostrar a opressão mascarada e torná-la visível, indicando publicamente o que havia de errado ou inapropriado com o comportamento de um determinado indivíduo. Por exemplo, um mímico podia imitar um motorista que tinha parado sobre a faixa de pedestres, obstruindo a passagem, e incitar o público a gozar dele (imagem 2). Indivíduos jogando lixo na rua seriam identificados por mímicos que o seguiriam e o ridicularizariam. Da mesma forma, quando uma boa ação fosse identificada, por exemplo um pedestre ajudando uma pessoa de idade a cruzar a rua, o mímico iria imitar a pessoa e estimular o público a aplaudir a ação. Devido ao sucesso da campanha inicial em 1997, o número de mímicos nas ruas aumentou em 2001 de 20 para 400. Esses atos teatrais tornaram-se uma forma bastante popular de entretenimento de rua. Filmados e expostos na TV em rede nacional eles também se tornaram assunto do país todo. Dessa forma, os atos públicos passaram a ser mediados e expostos a pessoas que não estavam presentes no momento do ato, mas ainda assim estariam expostas ao impacto da ação através da televisão. Para promover um comportamento positivo e mudar o antagonismo que existia com relação a motoristas de táxi, no início de 2000 Mockus promoveu um jogo para premiar boas ações – chamado os Cavaleiros da Faixa de Pedestre. O jogo procurava questionar e criticar a percepção pública de que motoristas de táxi eram criminosos (que poderiam roubar ou estuprar seus passageiros). As pessoas foram incitadas a ligar para o gabinete do prefeito caso encontrassem um motorista que tivessem tratado bem o passageiro e tivesse sido educado. Posteriormente, a prefeitura organizou um reunião com um grupo daqueles identificados como “motoristas bem educados” e eles formaram uma sociedade chamada os Cavaleiros da Faixa de Pedestre. Cada Cavaleiro tinha uma fantasia que os tornavam visíveis para os cidadãos-espectadores. O objetivo era que as “boa práticas” se disseminassem para seus colegas de profissão. Eles se tornaram legisladores em uma nova estrutura, usando seu papel como “Cavaleiros” para promover valores, instigar boas práticas, e policiar seus colegas. Mais importante que isso, nessa nova estrutura, tanto os motoristas de táxi quando o público percebia o Cavaleiro como uma figura positiva. Mockus acredita que representações simbólicas de violência diminuem violência física. Essa abordagem perpassa todo seu trabalho como educador e como político. Ele argumenta que “pessoas tem o direito de lutar pelos seus interesses, mas elas deveriam fazê-lo de forma produtiva e não destrutiva”. Os atos teatrais de Mockus usaram objetos da mesma forma que uma performance teatral usaria – para fornecer uma representação metafórica relevante para o evento criado. A Carta foi um evento teatral que centrava-se em um objeto simples que simbolizava a aprovação ou desaprovação dos cidadãos legisladores das ações de outro cidadão. Assim como no Teatro Fórum, os atores-espectadores são convidados a indicar a forma certa de se livrar de uma forma específica de opressão. Em 2001, 350.000 Cartas foram distribuídas para cidadãos da cidade. Um lado da Carta era branco e tinha um sinal de positivo, enquanto o outro lado era vermelho e tinha um sinal de negativo. A idéia era que as pessoas deveria ou aprovar ou criticar o comportamento bom ou mal de outros cidadãos. Assim, por exemplo, se alguém era visto estacionando em local apropriado eles ganhariam o sinal de positivo. Porém, se alguém fosse visto jogando lixo na rua eles ganhariam o sinal negativo. Essas cartas permitiram que cidadãos regulassem e controlassem o comportamento de outros cidadãos. Em uma cultura fortemente coletivista como a colombiana, ao ridicularizar publicamente os indivíduos que desobedeceram as regras e ao expor isso ao grupo, Mockus degradou a posição social dos mesmos. É interessante notar que, de acordo com um levantamento feito pelo gabinete do prefeito, o lado vermelho era mais usado que o branco. Outro objeto simbólico era usado no evento teatral “vacina contra a violência”. De acordo com a idéia de Mockus de que violência simbólica substitui violência física, as pessoas foram convidadas a encher um balão de ar e desenhar nele o rosto de alguém que os agrediu no passado. As pessoas então estouravam o balão como um símbolo de perdão. Atos Públicos: O Novo Ser Social Ao estabelecer atos públicos em torno de esquemas específicos de opressão que afetavam toda a comunidade, Mockus iniciou um processo de modificação do comportamento através da transformação cultural. Como um resultado do diálogo entre o indivíduo e o grupo, novas estruturas foram estabelecidas, nas quais o indivíduo que quebra com as regras recentemente estabelecidas pelo grupo é execrado publicamente. Vergonha é usada como uma ferramenta educacional com o propósito de promover mudança cultural, ao ridicularizar aqueles que estão fora da ação do grupo. Em estruturas sociais onde o sistema formal não funciona porque existe uma ausência de valores ligados ao sistema jurídico, é importante criar uma estrutura informal onde o grupo pode expor, através de uma série de eventos teatrais, indivíduos que não aceitam as novas normas culturais de comportamento. Durante o mandato de Mockus como prefeito, seus atos teatrais tinham um efeito cicatrizador sobre indivíduos que recebiam um substituto simbólico para sua própria raiva e inclinação à violência. Estrelas brancas também foram usadas como objetos simbólicos. Em 1995, elas foram pintadas na cidade, nos locais onde pessoas tinha sido mortas ou tinha morrido em acidentes de carro. Desta forma, o espaço da cidade ficou visivelmente marcado com uma indicação dos locais onde um ato violento tinha ocorrido. Isso tornava esses locais uma realidade física que era relevante para os cidadãos que moravam naquela cidade. Ao visitar locais onde atos violentos tinha sido cometidos, Mockus estava não somente alterando a percepção pública daquele local, mas estava também mudando o comportamento do grupo – ele estava mudando a crença de que algo negativo iria necessariamente ocorrer naquele local. Estrelas brancas tornaram-se um componente importante em um ato de adquirir o poder e relembrar o passado. As estrelas ajudaram as pessoas a apropriar o passado de uma forma positiva. A agenda que levou Mockus a planejar intervenções nos espaços públicos tinha por objetivo afetar diretamente o entendimento do ser social. Mockus utilizou o ambiente teatral, concebendo festivais e celebrações públicas para canalizar a energia coletiva, transformando a agressão em criação e em cerimônias. Ele estabelecia um tópico que fazia as pessoas se reunirem em um espaço determinado, que foi anteriormente um local de violência ou violação da lei – como concertos públicos em praças que costumavam servir de locais para reuniões de gangues. Para reduzir a violência ligada ao álcool, a “Lei Cenoura” foi estabelecida em Bogotá em 1995. Para encorajar um estilo de vida mais saudável, Mockus promulgou uma lei que determinava o fechamento de bares e clubes noturnos a 1 hora da manhã. A cenoura era utilizada como símbolo em contraste com estilos de vida pouco saudáveis, e era promovida através de campanhas de TV e radio. No discurso coloquial colombiano, a palavra cenoura é usada para se referir a alguém que tem um estilo de vida saudável. Mas na cultura popular a palavra tinha uma conotação negativa, indicar que alguém é um cenoura significa que aquela pessoal não é legal, ou seja é um “nerd” ou um “geek”. Durante um show de Carlos Vives em Bogotá em 1995, cenouras foram distribuídas em uma bandeja para o público, de forma que cada pessoa devesse pegar apenas uma cenoura e não mais que uma. Suco de cenoura foi oferecido, ao invés de bebidas alcoólicas, para promover uma existência saudável. Ao fazer isso no show de um dos cantores mais populares da Colômbia, ele reverteu as associações existentes com a “pessoa cenoura”, tornando legal ter um estilo de vida “cenoura”. Entre 1995 e 1997, uma série de eventos culturais tipo carnaval ocuparam espaços públicos como uma forma de comemoração, e serviram para retomar espaços públicos na cidade, em especial no centro, que era famosos por crimes e violência. Esses eventos foram chamados de “Rock para o Parque”, “Jazz para o Parque”, e “Rap para a praça”. Artistas foram selecionados através de concursos públicos. Além disso, durante o Natal as “Noites de Paz” e o “Rap e and Roll” foram organizados. Uma “Noite só para as Mulheres” também foi organizada em 1996. Durante esta noite, os homens foram obrigados a ficar em casa e tomar conta das crianças, enquanto uma multidão de aproximadamente 700.000 mulheres invadiu as ruas e bares, e foi a shows ao ar livre organizados especialmente para essa noite. Dado que o toque de recolher para os homens era voluntário, aqueles que não conseguiram se conter receberam passes que aos autorizavam a sair naquela noite. Todavia, a maioria dos homens concordou amigavelmente a participar ficando em casa. Com isso, Mockus redirecionou a dinâmica estabelecida pela masculinidade dos habitantes de Bogotá, encorajando o reconhecimento de uma dimensão feminina e reconhecendo a importância do trabalho doméstico feito pelas mulheres. Nessa troca de papéis, os homens se tornaram aqueles cujos movimentos eram restritos e de quem se exigia um passe especial para poder participar ativamente da vida social. Isso criou consciência da falta de poder e promoveu uma reflexão sobre a experiência das mulheres em um ambiente controlado pelos homens (imagem 4). O objetivo do ato teatral usado pela Cultura Cidadã se baseava na mudança do comportamento cultural e coletivo. Cultura Cidadã confirmou que a combinação de transformação cultural (informal) com estratégias legais (formais) pode contribuir para gerar novos modelos de auto-regulação e negociação. Uma entrega voluntária de armas foi realizada em 1996 e novamente em 2003. Em 1996, 2.538 armas foram entregues. Ainda que isso represente menos de 1 por cento do número estimado de armas na cidade, a campanha recebeu um alto nível de atenção da mídia, e teve um impacto psicológico significativo. O percentual de pessoas que acreditavam que armas eram necessárias para autodefesa caiu de 24.8% em 2001 para 10.4% em 2003. Como um ato simbólico, o metal destas armas foi fundido e usado para fazer colheres para alimentar crianças, com a inscrição “eu era uma arma”. Nesse ato teatral, um instrumento de destruição tornou-se um instrumento de alimentação. Olhando para o futuro Mockus acredita que política deveria ser utilizada para propósitos pedagógicos e argumenta que Cultura Cidadã pode e deve ser expandida para todo o país. Com isso na agenda, ele decidiu se candidatar para Presidente da Colômbia nas eleições de maio de 2006. Mockus mal obteve 1% dos votos, perdendo as eleições para Álvaro Uribe Vélez, o atual presidente, que foi re-eleito para um segundo mandato com mais de 60% dos votos. A critica geralmente feita a Mockus durante a campanha presidencial é que ele negligenciou programas sociais (em prol da cultural cívica) durante seu mandato como prefeito de Bogotá. Mockus, entretanto, reconhece que ele tem um preconceito contra o atual sistema político e as estruturas tradicionais de governo. Ele concebe engajamento político a partir de uma perspectiva completamente diferente. Ele acredita que os cidadãos são sujeitos pedagógicos, cujas vidas podem ser aprimoradas através da re-educação. A Cultura Cidadã de Mockus reflete sua crença em que a educação é promovida quando conectada com a experiência individual e com questões que importam para a comunidade. As ações de Mockus como prefeito elevaram o nível de consciência e mudaram as circunstâncias então existentes. Na tentativa de questionar valores e crenças existentes, seus atos teatrais – trazendo atos privados para o domínio público – encontraram resistência que teve que ser superada. Era apenas a conciliação entre valores morais, cultura e direito, conquistada através do uso de eventos teatrais, que permitiu o sucesso das políticas de Mockus em Bogotá. Ainda que Mockus não tenha se referido às teorias de Douglas North sobre estruturas formais e informais quando criou sua Cultura Cidadã e quando escreveu seu artigo “Cultura Cidadã, Programa contra a Violência em Santa Fé de Bogotá”, as teorias de North se tornaram, nas palavras de Mockus, uma validação apostólica de suas próprias ações. As ações de Mockus se focaram em mudar as estruturas informais como um primeiro passo para obter resultados positivos na modificação de estruturas legislativas formais. Na verdade, através de reeducação, Mockus demonstrou que ele poderia alterar a “programação mental” das pessoas. A questão mais interessante é quão longe esse modelo, de reprogramar a autopercepção de todo um grupo, pode ir no contexto colombiano. Talvez Cultura Colombiana seja a resposta para os problemas apresentados pela guerrilha e tráfico de drogas, como um modelo que não lida com resultados, mas com causas, mudando atitudes e comportamentos, e re-endereçando a autopercepção que leva ao crime e à violência. Também é possível que a Cultura Cidadã de Mockus possa ter uma implicação mais ampla que poderia ser relevante para a posição global de integração e de propriedade de espaços públicos pelo cidadão nas grandes metrópoles. O problema com a integração urbana e a identidade é grave em cidades européias contemporâneas. Promover mudança cultural que aprimore a co-existência entre cidadãos em metrópoles é uma tarefa difícil, a exemplo dos protestos de diversas nacionalidades em Paris em em outros centros urbanos no final de 2005. O fato de que era a primeira geração de cidadãos franceses com pais imigrantes que protestou contra seu isolamento e exclusão social indica a necessidade de uma nova concepção que transcenda o conhecimento tradicional segundo o qual, por exemplo, centros de esporte e acomodação subsidiada para locais distantes de centros culturais e sociais oferecem a solução necessária para o isolamento e descontentamento urbano. Encontrar o equilíbrio entre diferentes grupos sociais e culturas dentro da matriz de um ambiente urbano poderia ao final levar a um aprimoramento da economia urbana e culturas urbanas. Os atos teatrais de Mockus mostram o potencial de um modelo que alterou as condições sociais e circunstâncias através de transformação cultural que desenvolveu novas formas de comportamento social, crenças éticas e valores morais. Essas atividades tinham como cerne a intenção de dar poder aos cidadãos, e dar a eles uma sensação de relevância e controle sobre suas próprias vidas. Entretanto, a principal resistência a Mockus veio da concepção de que num país onde mais da metade da população vive abaixo da linha de pobreza e onde ainda existe uma grande distância entre ricos e pobres, deveria se dar prioridade a programas sociais. Além disso, Uribe Vélez, que representa a solução linha dura para os problemas sociais e políticos da Colômbia através do uso do exército e da força policial, enfatiza a necessidade que colombianos têm de achar a solução mais imediata ou “direta” para os problemas de segurança no país. A manutenção de uma forte presença militar e policial em todo o pais cria custos econômicos altos que podem ser difíceis de sustentar no longo prazo, e que podem apenas oferecer uma ilusão de estabilidade. Essas soluções impostas não podem criar uma mudança permanente em um contexto cultural baseado na violência. Jane Mansbridge chama atenção para a importância dos incentivos de Mockus quando ela argumenta que “[nós] focamos no tradicional sistema de incentivos materiais para reduzir a corrupção. Ele [Mockus] focou em mudar corações e mentes – não através de pregação, mas através de estratégias criativas que usaram o poder da reprovação individual e comunitária.” ***