Notícia de Nato n.º 1.12.000.000230/2014-14 RECOMENDAÇÃO N.º /2014-PR/AP O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio dos Procuradores da República signatários, no exercício das atribuições constitucionais e legais que lhe são conferidas pelos artigos 127, caput, e 129, incisos II, III e IX da Constituição da República; artigo 5º, incisos I, III, “b” e “e”, V, VI, e artigo 6º, incisos VII, XIV, “f” e XX, todos da Lei Complementar nº 75/93; artigo 4º, inciso IV, e artigo 23, ambos da Resolução 87/2010, do CSMPF, e demais dispositivos pertinentes à espécie. 1. CONSIDERANDO o teor do artigo 129, II, da Constituição, e do artigo 39, II, da Lei Complementar nº 75/93, que atribui a este Parquet exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito pelos órgãos da administração pública direta ou indireta; 2. CONSIDERANDO os fundamentos da República Federativa do Brasil, instituídas pelo art. 1º, nos incisos III e IV, respectivamente, a dignidade da pessoa humana, sendo este o valor maior de nossa Magna Carta; e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; 3. CONSIDERANDO que a Constituição Federal elegeu como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, “(...) sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (art. 3º, IV); 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 – Macapá/AP 1 4. CONSIDERANDO que o artigo 5º, X, da Constituição Federal estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” 5. CONSIDERANDO o teor da Portaria Interministerial nº 869, de 11 de agosto de 1992, firmada pelos Ministros de Estado da Saúde e do Trabalho e da Administração, que ao considerarem os arts. 13 e 14 da Lei nº 8.112/1990, que tratam sobre as exigências para posse em cargo público, proibiram, “no âmbito do Serviço Público Federal, a exigência de teste para detecção do vírus de imunodeficiência adquirida, tanto nos exames pré-admissionais quanto nos exames periódicos de saúde”; 6. CONSIDERANDO o artigo 1º da Lei nº 9.029/1995, que discorreu acerca da proibição de práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, “Art. 1º Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.”; 7. CONSIDERANDO que o Brasil ratificou a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, tendo entrado em vigor em relação ao Brasil, em 26 de novembro de 1966, a qual discorre sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, estabelecendo em seu art. 2º: “Qualquer Membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria”. 8. CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.665/2003, que dispõe 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 2 sobre a responsabilidade ética das instituições e profissionais médicos na prevenção , controle e tratamento dos pacientes portadores do vírus da SIDA (AIDS) e soropositivos, a qual propala o respeito ao art. 5º da Constituição Federal, do Código de Ética Médica, das normas emanadas pela Organização Mundial de Saúde, da necessidade do respeito dos direitos e da dignidade das pessoas portadoras de HIV/AIDS. Ainda, dispõe em seu art. 4º: “É vedada a realização compulsória de sorologia para HIV”; 9. CONSIDERANDO a Nota Técnica nº 158/2013/DDST-AIDS- AV/SVS/MS, que aponta diversas considerações contrárias à testagem obrigatória anti-HIV em admissões em cargos e empregos públicos, assim como na iniciativa privada, mas sim esclarece que a testagem deve ser sempre voluntária, confidencial e sigilosa. Além disso, expõe que o respeito à voluntariedade, confidencialidade e sigilosidade são imprescindíveis para o combate à exclusão do mercado de trabalho das pessoas que vivem com HIV/AIDS, bem como indispensáveis para combater a construção de estigmas e discriminação, in verbis: “2. Inicialmente cabe destacar que em relação à infecção pelo HIV não existem justificativas científicas que corroborem a necessidade de testagem para aferir aptidão de trabalho, tampouco argumentos que vinculem as habilidades suficientes para o exercício de determinada função com o resultado sorológico positivo. 3. Com base no conceito de capacidade laborativa, que destaca a importância de se avaliar as qualidades positivas do trabalhador, depreende-se que o que deve estar sob foco é a aptidão para exercer determinada função. A maioria das pessoas portadoras de HIV vivem muitos anos sem apresentar sintomas clínicos, sobretudo quando aderem ao tratamento adequado e precoce, mantendo intactas suas habilidades laborativas. 4. A Constituição Federal estabelece como princípios republicanos nucleares do Estado Democrático de Direito a igualdade, a dignidade humana, o valor social do trabalho e, ainda, a inviolabilidade à intimidade e à vida privada, previstos nos artigos 1º, III e IV; 5º, caput, inciso X e XII,d a Constituição Federal. Determinações como a exigência de teste compulsório ferem diretamente tais princípios, os quais proíbem qualquer discriminação que não guarde pertinência com o 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 3 intendo constitucional. 5. Imperioso registrar que a privacidade e a intimidade são direitos constitucionais fundamentais do indivíduo, bens jurídicos que devem ser protegidos pelo Estado. Exigir de um candidato a cargo público ou privado a realização de exames sorológicos para considerá-lo apto ou inapto para o exercício de atividade laboral, implica em violação à garantia constitucional. 6. é cediço que inexiste risco adicional, pessoal ou para a sociedade no que se refere à coexistência com o portador do HIV em ambientes de trabalho, tendo em vista as já conhecidas formas de transmissão, prevenção e tratamento. Não é válido qualquer argumento que sustente a necessidade do exame compulsório em benefício da incolumidade pública, pois não há risco de infecção, senão por contato com os fluidos corpóreos (sangue, esperma ou secreção vaginal) do soropositivo. 7. Não é demais lembrar que a testagem obrigatória é vedada através de dispositivos infraconstitucionais, trabalhistas, administrativos e ético-profissionais, além de instrumentos internacionais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como é o exemplo da Recomendação nº 200 da OIT – Recomendação sobre o HIV e a Aids e o mundo do trabalho, (…) 11. Nesse sentido, o Parecer nº 01/2013/CFM, que trata da exigência de teste anti_HIV para concursados à polícia militar, em relevante trecho, consigna: ‘O sigilo e a confidencialidade são imprescindíveis em relação a qualquer afecção, infecção ou doença. Em relação ao HIV, a quebra do sigilo é especialmente deletéria, pelo grande potencial de discriminação que pode estigmatizar seriamente o indivíduo. O estigma e a discriminação aumentam a vulnerabilidade social’. 12. o referido documento conclui que a exigência da sorologia é antiética e contrária à documentação nacional e internacional da qual o Brasil é signatário. 13. na mesma seara, a Portaria Interministerial nº 869, de 11 de agosto de 1992, dos Ministérios da Saúde e do Trabalho e Administração – que dispõe sobre a proibição, no âmbito do Serviço Público Federal, da exigência de teste para detecção do vírus, tanto em exames préadmissionais quanto nos exames periódicos de saúde (…) 14. Tamanha é a importância do assunto que, em 28 de maio de 2010, o Ministério do Trabalho e Emprego 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 4 publicou a Portaria nº 1.246, a qual consignou a proibição da testagem do HIV para o trabalhador nos exames médicos por ocasião de admissão, seja de forma direta ou indireta. 15. O teste anti-HIV é forma de diagnóstico e não de prevenção. A testagem obrigatória reforça o preconceito e a discriminação. (…) 17. Ante todo o exposto, e (…) este Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, se manifesta contrário à exigência de testagem compulsória para HIV DST e Hepatites Virais e, via de consequência, de exclusão das pessoas portadores desses agravos.” 10. CONSIDERANDO as reclamações feitas nesta Procuradoria da República, contidas no bojo da Notícia de Fato nº 1.12.000.000230/2014-14 as quais relatam: Manifestação nº 36108: “(...) a Universidade Federal do Amapá, que através de seu concurso público (Processo Seletivo regido pelo Edital nº 015/2013 cujo resultado final foi homologado através do Edital nº 04/2013, publicado no DOU nº 50, Seção 3, páginas 37 a 43 de 14/03/2013.), está chamando os aprovados para se apresentarem com suas documentações e exames laboratoriais, onde solicitam o exame: TESTAGEM PARA HIV, (folha 07 do Aviso de Convocação (…)). A apresentação dos servidores irá começar a partir de 31 de março próximo, e temos alguns aprovados que são portadores do HIV, e que não querem expor sua patologia como medo preconceito e o indeferimento de suas nomeações, onde já pensam até em desistir do acesso constitucional ao emprego por temerem o preconceito que a sociedade ainda impõe a essas pessoas.”(fl. 3) Ofício nº 009/2014 – RPN + AP: “(...) Destarte, viemos através deste, DENUNCIAR o Edital de Convocação do Concurso Público para provimento de Cargos da Carreira de TécnicoAdministrativo em Educação da Universidade Federal do Amapá, referente ao Processo Seletivo regido pelo Edital nº 15/2013, cujo resultado final foi homologado, haja vista que o mesmo contraria dispositivos legais, quando exige na Relação de Exames de Aptidão Física e Mental, 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 5 que o candidato apresente exame de HIV, o que veemente proibido pela Lei nº 9.029 de 13 de abril de 1995, pela Portaria Interministerial nº 869, de 11 de agosto de 1992 e pela Resolução do CFM nº 1.665/2003 (docs. Anexo). Portanto, diante de tal ameaça às legislações vigentes e a discriminação a pessoa que vive com hiv/aids, é que requeremos por parte deste Douto Parquet Federal, que tome as providências legais cabíveis, no sentido de coibir tal afronta legal aos dispositivos acima referidos, bem como, a discriminação as pessoas que vivem com hiv/aids. (...)” 11. CONSIDERANDO o teor do Aviso de Convocação, expedido pela Universidade Federal do Amapá, Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, Departamento de Administração de Pessoal, Divisão de Cadastro, juntado nos autos da Notícia de Fato nº 1.12.000.000230/2014-14, o qual determina que os aprovados, cujos nomes constam em lista, para provimento de CARGOS DA CARREIRA TÉCNICOADMINISTRATIVA EM EDUCAÇÃO, devem comparecer ao Departamento de Administração de Pessoal, no período de 31/03 a 11/04/2014, para apresentarem a documentação descriminada no item “01- DOCUMENTOS PARA NOMEAÇÃO”, e no item “02-RELAÇÃO DE EXAMES DE APTIDÃO FÍSICA E MENTAL”, consta como exame obrigatório a ser feito pelo nomeado: “1. Sangue: Hemograma, Glicemia, VDRL, Colesterol (HDL/LDL), Triglicerídeos, Tipagem Sanguínea e HIV. (...)” 12. CONSIDERANDO que a observação do item 02, acima mencionado, determina que o candidato de posse dos exames descriminados, entre eles o de testagem compulsória de HIV, devem se apresentar ao Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor-SIASS, “(…) PARA FINS DE PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA FEDERAL PARA FINS DE EMISSÃO DO ATESTADO DE SAÚDE OCUPACIONAL-ASO, ATESTANDO APTIDÃO FÍSICA E MENTAL PARA INVESTIDURA NO CARGO”; O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio da PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO, nos termos do artigo 6º, inciso XX, da LC nº 75/93, resolve RECOMENDAR à Universidade Federal do 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 6 Amapá, através da Secretaria de Estado da Saúde que adote as seguintes medidas: I- IMEDIATAMENTE, ante a urgência que o caso requer: a) Adeque o Aviso de Convocação relativo ao Concurso Público para provimento de Cargos da Carreira Técnico-Administrativo em Educação, da Universidade Federal do Amapá-Unifap, Processo Seletivo regido pelo Edital nº 015/2013, cujo resultado final foi homologado por meio do Edital nº 04/2013, publicado no DOU nº 50, Seção 3, páginas 37 a 43 de 14/03/2013, RETIRANDO A EXIGÊNCIA COMPULSÓRIA DE TESTAGEM DE HIV, DA RELAÇÃO DE EXAMES DE APTIDÃO FÍSICA E MENTAL, LISTADOS NO ITEM 02, SUBITEM 1, DO AVISO DE CONVOCAÇÃO; b) Publique na página eletrônica da Unifap, em destaque, assim como nos demais meios de comunicação que veicularam o Aviso de Convocação acima mencionado, a MODIFICAÇÃO ACIMA DETERMINADA, OU SEJA, A RETIRADA DO SUBITEM 1 DO ITEM 02, DO EXAME COMPULSÓRIO DE TESTAGEM DE HIV. II – Nos demais concursos públicos promovidos pela Universidade Federal do Amapá, bem como avisos de convocação a eles relacionados, A INEXISTÊNCIA DE SOLICITAÇÃO DE EXAME OBRIGATÓRIO DE SOROLOGIA DE HIV, SEJA EM EXAMES PRÉ-ADMISSIONAIS OU PERIÓDICOS DE SAÚDE, RESPEITANDO-SE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS E AS NORMAS INTERNACIONAIS, QUE OBJETIVAM AFASTAR DO CONVÍVIO SOCIAL O PRECONCEITO E A DISCRIMINAÇÃO NO QUE SE REFERE AO DIREITO DE ACESSO A UM TRABALHO DIGNO. ADVIRTA-SE que a presente RECOMENDAÇÃO deve ser cumprida imediatamente, a partir de seu recebimento, destacando-se que seu descumprimento poderá caracterizar a inobservância de norma de ordem pública, incumbindo ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL propor as ações judiciais cabíveis, visando à defesa da ordem jurídica e de interesses sociais e individuais 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 7 indisponíveis, bem como à reparação de danos genéricos causados pelas condutas ilícitas, sem prejuízo da apuração da responsabilidade civil e criminal individual de agentes públicos. PUBLIQUE-SE, via Sistema Único, o presente documento e ENCAMINHE-SE à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. PUBLIQUE-SE a presente recomendação no portal eletrônico do MPF/PRAP, nos termos do art. 23 da Resolução 87 do CSMPF. Macapá/AP, 31 de março de 2014. Cinara Bueno Santos Pricladnitzky Procuradora da República Marcel Brugnera Mesquita Procurador da República Miguel de Almeida Lima Procurador da República 96 3213 7800 - www.prap.mpf.gov.br Rua Jovino Dinoá, 468, Jesus de Nazaré – CEP 68908-121 - Macapá/AP 8