DISCURSO PRESIDENTE CESSANTE – RÚBEN ALVES Caros colegas e amigos, "Por que caminho devo seguir?" - foi esta a pergunta que a Alice fez ao gato no País das Maravilhas, na história de Lewis Carroll. A resposta dada parece ridícula de tão óbvia, mas demasiadas vezes tendemos a esquecer-nos dessa evidência. O gato respondeu-lhe: "Depende de onde queres chegar." 'Por que caminho devemos seguir' é uma questão que quotidianamente me interpelou nos últimos anos. Parece uma questão de somenos, mas não é. Não é sequer uma questão fácil. Porque depende de onde se quer chegar. Demasiadas vezes no exercício de mandatos ou cargos públicos o peso institucional, as expectativas de terceiros, a tradição dos antecessores, alguma rigidez de pensamento, os hábitos (e também os vícios) dos que nos rodeiam tendem a reduzir a nossa individualidade, a deixar pouca margem para fazer diferente e a deixar-nos pouco tempo para pensar estrategicamente o exercício das nossas responsabilidades e a coerência das nossas ideias, para a avaliar as nossas ações e reavaliar as nossas posições. O exercício de responsabilidades torna-se assim uma tarefa mais difícil do que à primeira vista pode ser visto a partir de fora, perante os resultados desse exercício. É que qualquer função de índole política ou associativa começa interiormente na procura das nossas convicções, a burilar os nossos ideais, a desenvolver as nossas capacidades de estar ao serviço dos outros e a aprender todos os dias coisas novas. É a partir daí que derivam todos os projetos, todos os programas e orçamentos, todos os discursos, todas as decisões. É aí que decidimos aquilo em que acreditamos e por que nos propomos lutar; é aí que decidimos onde queremos chegar, para podermos escolher por que caminho seguir. Mantermo-nos coerentes é talvez o supremo desafio: e os perigos são imensos. Há o perigo de nos equivocarmos com o que realmente se pode conseguir a partir do mandato que assumimos; há o perigo de tomar o cargo apenas como caminho para tomar as grandes decisões e realizar os projetos que se idealizaram, esquecendo que o dia-a-dia traz preocupações muito menos emocionantes, que ocupam muito tempo, e que, se deixarmos, o consomem na totalidade; há o perigo de chegarmos ao fim de um mandato, olharmos para trás e sentirmos que não conseguimos ainda começar a fazer aquilo que se queria, que de alguma forma se está ainda em adaptação a uma realidade nova; há o perigo de querermos agradar a todos; mas há também o perigo de ouvirmos só alguns, normalmente os que dizem as coisas que nos agradam. Evitados estes perigos, para exercermos fielmente as nossas responsabilidades, são precisas qualidades e forças pessoais: dedicação, paciência, muita paciência para ouvir os que concordam connosco e os que discordam de nós, e brio para encarar com o mesmo empenho tanto os sucessos na ribalta como as tarefas tão enfadonhas como pagar uma conta da luz ou atender o telemóvel de madrugada, ao fim de um dia extenuante, porque o alarme da sede tocou e afinal era só uma janela aberta... A verdade é que muitas pessoas percepcionam estes cargos pela ponta visível do icebergue, sem imaginar, estar preparado ou sequer compreender a imensidão de tarefas e trabalho que estão e ficarão submersas na discrição do dia-a-dia: não faz notícia de jornal uma gestão cuidadosa, não abre telejornais preferir uma reunião de trabalho a uma saída para a rua, não se tiram fotografias de horas de trabalho a ler relatórios, leis e propostas, de noites em claro a preparar posições, de dias ao telefone à procura de consensos com os nossos pares. As promessas que se fazem para se aceder aos cargos eletivos são muitas vezes como os anúncios televisivos de perfumes: enormes produções para nos levar a comprar algo sem que possamos ter a menor de ideia a que cheira de facto o produto que se quer vender - e muitas vezes escolhemos e somos escolhidos pela beleza do frasco, o glamour da marca, a beleza da imagem do anúncio, a fama dos atores que nele figuram, o ideário de um conceito que se quer associar ao líquido... mas poucas vezes se anuncia o perfume pelo perfume, se escolhem as pessoas pelo trabalho que elas propõem. Esta é uma terrível realidade em política: muitas vezes é irrelevante a qualidade do que queremos apresentar e dessa qualidade não depende sermos escolhidos ou não, sermos elogiados ou não, sermos ou não (pelo menos aparentemente) bem sucedidos. A responsabilidade de quem exerce tais cargos em nome de outros é ser o primeiro a preocupar-se com a qualidade do que se faz, a ter brio em cada tarefa que desempenha, a avaliar com espírito crítico o que se fez e o que não se fez, e a assumir sempre a responsabilidade por ambas as atitudes. Gostamos de dizer amiúde que o associativismo estudantil é uma escola de cidadania e de responsabilidade. Esquecemo-nos porém muitas vezes que é menos escola do que é laboratório: primeiro porque requer labor - trabalho, muito trabalho para transformar os reagentes que nos são dados em qualquer coisa de melhor -, e também porque traduz um facto para mim indesmentível: no laboratório se pode purificar a qualidade dos produtos que lá chegam, mas não se pode falsificar a qualidade que não exista a priori. De facto, acho que ninguém aprende no associativismo a ser responsável, ou dedicado, ou sério: acho que o associativismo nos pode fazer mais responsáveis, mais dedicados ou a mostrar a seriedade de carácter que temos. Mas tais qualidade tem de vir já connosco. É por isso que as pessoas mais responsáveis pelo que pude de bom dar à FAP e a quem mais tenho de agradecer aqui hoje são o Sr. António e a Dona Fernanda Alves, o meu pai e a minha mãe. Sem desconsiderar qualquer outro presente, são para mim, juntamente com a minha irmã Vânia, as pessoas mais importantes nesta sala, não apenas pela educação que me deram e que fez de mim o que eu sou hoje mas porque deram muito para além das suas possibilidades para que me fosse possível exercer as minhas funções na FAP durante três para eles intermináveis anos, porque confiaram nas minhas opções mesmo quando não percebiam totalmente as motivações que estiveram na sua origem. Uma palavra de profunda gratidão quero também aqui deixar a todos os que aceitaram o desafio de comigo sermos equipa e de levarmos a cabo a responsabilidade de gerir uma federação como a FAP e de representar os estudantes de uma academia como a Academia do Porto: palavra especial para o João, o Paulo Neto, a Marta, a Margarida, o Nuno, o Paulo Malta, a Sara, o Hugo, o Ricardo, a Joana e o Daniel. De vocês todos jamais esquecerei todos os momentos - os felizes, de riso e de orgulho, os tristes, os de pânico, indecisão e confusão: partilhamos todas essas coisas e seremos sempre parte importante das vidas uns dos outros. Ao Daniel e à Joana, que se propuseram e a quem foi confiada um novo ano de mandato, queria dizer também que eu sei da qualidade do perfume que os vossos frascos contém. Gostava de deixar também uma palavra de apreço às colaboradoras da FAP, que todos os anos se adaptam a novos patrões e, cada uma na sua medida, foi importante em momentos-chaves dos meus mandatos. Reconhecimento ainda por todas as instituições com que a FAP se relaciona e sem as quais o seu trabalho não seria possível ou seria muito mais difícil, muitas delas aqui hoje representadas. Quero sinalizar também um conjunto de pessoas que foram essenciais para mim, sobretudo nos momentos de maior dificuldade: a minha namorada e os amigos que tantas vezes suportaram ausências, aturaram desabafos e me aconselharam para que eu pudesse ser o melhor de mim e tomar as melhores decisões possíveis. Finalmente, termino com uma palavra de grande esperança no Daniel e na sua direção que hoje toma aqui posse. Muitas vezes vais encontrar no teu percurso obstáculos com que não contavas, perigos que a função traz e problemas que não previas: nesses momentos lembra-te de um jantar que tivemos no qual discutíamos um enorme problema que tínhamos em mãos, relacionado com as barraquinhas; menos de uma hora depois aconteceu o impensável e o que parecia um enorme problema mostrou-se de facto algo menor. Lembra-te por isso sempre de relativizar a importância dos problemas: confio que estarás sempre à altura dos soluções. Não te esqueças, sobretudo quando estiveres mais indeciso, que qualquer idiota pode criticar e que a maioria deles não deixa de o fazer... Um discurso mais tradicional faria a revista dos sucessos do mandato. Optei por não o fazer não por os resultados do nosso trabalho não nos orgulhar - bem pelo contrário! - mas por entender que quem não se apercebeu percebeu ou não se convenceu com o que foi feito, não seria com umas palavras de fim de mandato que passaria a conhecer a implementação que a FAP tem na cidade e no ensino superior, e como todos os dias procura fazer a diferença para melhor aos estudantes que representa e às pessoas a quem se dedica. Entregamos uma FAP mais forte do que aquela que recebemos e, prestadas contas das responsabilidades que assumimos, mostramos uma estrutura robusta, cuidadosamente gerida e responsavelmente interventiva. A responsabilidade, a partir daqui, é vossa. Sempre em prol dos estudantes e, como não poderia deixar de ser, por uma prioridade na educação. Viva a FAP! Viva a Academia do Porto! Rúben Alves