Potência, uma coisa mais que complicada - Parte III
Autor: Fernando Antonio Bersan Pinheiro
Parte III - Potência e Alto-Falantes
Pelos primeiros dois artigos desta série, já descobrimos como a potência de um amplificador é calculada.
Mas o amplificador é apenas um dos vários equipamentos de um sistema de sonorização, e a potência
produzida por eles tem que ser "descarregada" em algum lugar - nas caixas de som e nos alto-falantes.
São eles que vão receber de alguns poucos a centenas ou mesmo milhares de Watts (energia elétrica) e
os transformar no som que ouvimos (energia sonora).
Aliás, está tecnicamente errado (mas todo mundo fala assim mesmo) dizer que um alto-falante tem X ou Y
Watts de Potência. Falantes não produzem nada, somente recebem potência. Alguns falantes vão
"agüentar" receber 100W de potência, enquanto outros vão "agüentar" receber 1.200 Watts de potência.
Na verdade, quando falamos em potência de alto-falantes, o termo correto é POTÊNCIA MÁXIMA
ADMISSÍVEL, ou seja, o máximo de potência que o falante admite receber sem sofrer danos.
Também já vimos os vários tipos de especificações de potência que podem aparecer na especificação de
um amplificador (RMS, Musical, IHF, PMPO, etc) e as normas que são utilizadas nessas medições (IEC,
EIA, etc). Tudo isso se aplica aos alto-falantes. Mas há algumas particularidades que convém conhecer.
Só para relembrar, amplificadores são submetidos a um sinal senoidal simples (uma única freqüência, em
geral 1KHz), por um determinado tempo (segundo algumas normas, 5 minutos). Através de alguns
cálculos, chega-se à potência dos aparelhos.
Alto-falantes também são submetidos a testes, só que bem mais complicados. Eles não são testados com
um sinal senoidal simples, mas sim com um ruído muito complexo, formado por sons de todas as
freqüências audíveis pelo homem - 20Hz a 20KHz. Esse é o Ruído Rosa (Pink noise, em inglês).
O ruído rosa é um sinal que produz a mesma energia em todo a faixa audível. A figura acima mostra
como o ruído rosa é visto em um analisador de espectros.
Além do sinal de teste ser diferente, também é diferente o Fator de Crista do sinal. O sinal senoidal
simples tem uma dinâmica de 3dB (o "volume" do sinal varia em 3dB), o que corresponde ao dobro da
potência. Ou seja, se o sinal senoidal tiver uma potência contínua de 100W, pode haver picos de +3dB
(200W) por um tempo curto. Um amplificador precisa ser construído para suportar essa variação.
Já o ruído rosa também tem uma dinâmica, mas esta é de +6dB, o que corresponde ao quádruplo (4x) da
potência contínua. Ou seja, um falante que é construído para suportar 100W precisa suportar picos de até
400W.
Há diferença também na duração dos testes. Se um amplificador sofre testes por 5 minutos a algumas
horas, os alto-falantes precisam reproduzir o ruído rosa por um tempo entre 2 horas a até 100 horas!
Note que o teste ao qual um alto-falante é submetido é muito mais "duro" que o teste feito em um
amplificador. É um teste com um sinal mais "complicado", por muito mais tempo e com uma dinâmica
maior! Porque essa diferença de metodologia?
Um amplificador é formado por componente eletrônicos, que são sensíveis ao calor, possuem uma
resistência térmica. Ao submeter os componentes a um sinal simples, eles são "forçados" ao máximo de
calor que podem agüentar sem sofrer danos e sem produzir distorção além de limites pré-estabelecidos
(em geral 1 a 2%).
Por outro lado, um alto-falante é formado por peças que tem que suportar altas temperaturas (a bobina) e
também esforço mecânico - o movimento da bobina, do cone, da aranha, etc. E as normas especificam
que eles precisam suportar até 5% de distorção. Assim, esse maior rigor é a forma de assegurar que eles
realmente irão agüentar o tranco!
Assim, vamos ver os diversos tipos de potência e as metodologias utilizadas para a medição de potência
de falantes:
TIPOS DE POTÊNCIA
Potência RMS (ou Potência Contínua ou Potência Nominal)
É definida como a potência que o falante pode fornecer continuamente por um tempo de algumas horas
(a quantidade depende da norma adotada), a partir de um sinal de ruído rosa, sem o falante sofra danos.
Potência Musical (ou Potência em Regime Musical ou Potência de Programa Musical)
Qualquer música tem uma alternância entre momentos de volume mais alto e outros de volume mais
baixo. Como em geral a média de volume das músicas é de 50%, o valor da Potência Musical costuma
ser definida como o dobro do valor da Potência RMS.
Potência de Pico
Aqui temos a grande diferença entre os tipos de potência dos amplificadores e dos alto-falantes. Potência
de Pico é sempre considerada em relação ao fator de crista do sinal. Para amplificadores, onde o fator de
crista é de 3dB, a Potência de Pico se confunde com a Potência Musical, e equivale ao dobro da Potência
RMS.
Entretanto, para alto-falantes, a potência de pico é diferente, pois o fator de crista do ruído rosa é de 6dB
(4x mais potência) que a potência RMS. Logo, este valor costuma ser 4x maior que a potência nominal do
falante.
Assim, uma especificação de potência que podemos encontrar em um falante é a seguinte:
Potência
RMS
Musical
Pico
Potência PMPO
Exemplo
100 W
200 W
400 W
A onda de "falsificação" de potências não se restringiu apenas aos amplificadores. Os fabricantes de
falantes também colocaram valores irreais nos seus produtos. Tudo o que se aplica aos amplificadores,
sobre esta "Potência para Otários", já citado no primeiro artigo da série, se aplica aqui também.
NORMAS DE MEDIÇÃO
Da mesma forma que alguns organismos internacionais determinaram normas para o processo de
medição de potência em amplificadores, o mesmo foi feito para alto-falantes. Se nas normas para
amplificadores a diferença de metodologias reside principalmente sobre o tempo e o tipo de sinal, tal
situação não é diferente nas normas de falantes. As principais diferenças também residem no tempo de
teste e no tipo de filtragem do ruído rosa.
O ruído rosa na verdade raramente é empregado em toda a sua extensão: 20Hz a 20KHz. Na verdade, é
aplicado aos falantes apenas uma "parte" desse espectro. Como colocar 20KHz para um woofer de 18"
que mal responde a 2KHz? Como colocar 20Hz em um tweeter que só começa a "falar" a partir de 5KHz?
Assim, as normas mandam "filtrar" o ruído rosa, atenuando (diminuindo) alguns sinais. Veremos isso
melhor mais adiante.
As normas são:
EIA RS-426-A, (1980)
Norma da Electronic Industries Alliance, pede uma prova com duração de 8 horas, com ruído rosa. Só
que o ruído rosa da norma EIA tem um forte componente de graves e médio-graves, mas o conteúdo de
médio-agudos e agudos é atenuado.
AES2-1984
O ruído rosa filtrado empregado na norma EIA é interessante para o teste de subwoofers e woofers, mas
o fato do conteúdo de médios e agudos ser bastante atenuado traz resultados irreais quando aplicados a
um driver ou tweeter. Como resolver esse problema?
Pensando nisso, a AES - Sociedade dos Engenheiros de Áudio - criou sua própria norma. Ela foi criada
pensando nas várias vias de um sistema profissional - graves, médio-graves, médio-agudos e agudos - e
nos seus respectivos falantes. Exatamente como os profissionais fazem em um show.
Assim, eles criaram uma "variação" do ruído rosa, onde o falante é submetido a apenas uma "década de
freqüências". "Década de freqüências" é um grupo de freqüências em que a freqüência final é 10 vezes
(daí o nome, década) que a freqüência inicial. Por exemplo, temos*:
20 a 200Hz (200 = 20 x 10) - bom para testar subgraves
60 a 600Hz - bom para testar graves
100 a 1000Hz - bom para testar médio-graves
1.000 a 10.000 - bom para testar médio
2.000 a 20.000 - bom para testar tweeters.
* Os valores colocados acima são apenas para exemplificar. O fabricante pode estabelecer o valor de
década que melhor corresponder à resposta de freqüência do falante.
E, dentro dessa década, as freqüências têm a mesma energia, ou seja, não são atenuadas.
Norma inteligentíssima, pois só manda para o falante o que ele realmente pode "falar". Coisa de
engenheiro, só podia ser. Muitos fabricantes têm adotado essa norma, especificando seus produtos como
Potência AES (Potência RMS com Norma AES).
A norma especifica ainda que o teste seja feito por 2 horas, "apenas".
IEC268-1 (1985)
Norma da International Electrotechnical Commission. Especifica um sinal de ruído rosa com uma variação
para aproximá-lo do conteúdo de uma música real. Ou seja, tem atenuação nos agudos e nos graves
abaixo de 100Hz. Já é uma evolução em relação à norma EIA, já que a ênfase é nos sons entre 100Hz e
10KHz, pois poucos sistemas eram feitos para reproduzir sons fora destes limites (isso é válido para a
época, década de 1980).
A duração do teste é de incríveis 100 horas.
O gráfico acima demonstra as variações de "ruído rosa" de acordo com as diversas normas. Veja que a
norma AES é apresentada na forma de duas décadas.
NBR 10.303
A ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas também estabeleceu sua norma, que usa o ruído
rosa com filtragem própria, conforme figura abaixo (é semelhante à filtragem da norma IEC), com testes
realizados por 2 horas.
Por exigência do INMETRO, os fabricantes de alto-falantes brasileiros precisam fazer constar que a
potência especificada é segundo a norma NBR 10.303. Os fabricantes sérios fazem, os outros....
Como todas as normas especificam formas de cálculo baseados em potência RMS, muitos fabricantes
especificam a potência diretamente quanto à norma. Assim, podemos encontrar: Potência AES, Potência
EIA, Potência IEC. No Brasil, por força de regulamento local, o mais comum mesmo é encontrar "Potência
NBR 10.303". Em todos estes casos, seria a mesma coisa que falar:
"Potência RMS máxima admissível, segundo norma EIA RS-462-A"
É importante saber a norma para comparar produtos que foram testados da mesma forma. Mesmo com a
potência especificada em Watts RMS, saber como foi feita a filtragem do ruído rosa também é importante.
É difícil comparar um tweeter com 100 Watts EIA com outro com 100 Watts AES.
FILTRAGEM DE RUÍDO ROSA E POTÊNCIA DE FALANTES DE MÉDIOS E AGUDOS
O conceito de "filtragem de ruído rosa" pode trazer algumas dúvidas, por isso uma melhor explicação é
interessante.
Na verdade, não há problema algum em um woofer receber sinais agudos (por exemplo, 5KHz a 20KHz).
O woofer, devido ao grande tamanho e massa, não consegue reproduzi-los, e a energia elétrica será
convertida apenas em energia térmica. Mas esse calor a mais faz pouca diferença, devido à grande
massa do falante. Então, não há problema em enviar um sinal de ruído rosa puro (20Hz a 20KHz) para se
testar um woofer.
Mas há de se notar que, se o woofer receber apenas sinais que consegue reproduzir, menos energia
elétrica será transformada em calor e mais energia será transformada em som. Na prática, se mandarmos
ruído rosa para um woofer, a sua potência total será uma. Mas se filtrarmos o ruído de forma que seus
componentes sejam apenas sons que ele consegue responder, sua potência será outra, maior. A
diferença será pouca, mas existirá.
Por outro lado, falantes de médios e agudos (drivers, mid-ranges, tweeters e supertweeters) não
reproduzem sons graves, e a energia desses sons será transformada em calor. Mas devido ao seu pouco
peso, existe um grande risco de sons nessas freqüências esquentarem demais a bobina do falante, que
se romperá. Por isso, sempre os falantes de médios e agudos serão protegidos por filtros, como indutores
e capacitores, de forma que não recebam sons desses tipos.
Por exemplo, veja o exemplo da especificação de um alto-falante do tipo driver:
Driver Hinor HMH200 - DRIVER MID HIGH
Potência RMS : 40 Watts (com crossover 2000Hz/ 12dB/ Oitava)
Potência RMS : 75 Watts (com crossover 4000Hz/ 12dB/ Oitava)
Repare que, quando o driver recebe sons a partir de 2KHz, ele agüenta receber um certo valor de
potência. Nessa faixa, mais energia será transformada em calor e menos em som. Já quando o driver
recebe apenas sons a partir de 4KHz, mais energia será transformada em som e menos em calor, por
isso a potência recebida pode ser maior.
Ao se projetar uma caixa de som, o projetista precisa levar em conta vários fatores:
- o tipo de divisor de freqüência que será utilizado (um capacitor filtra 6dB/oitava, um capacitor com
indutor filtra 12 dB/oitava, existem filtros mais complexos com 18db/oitava e até mesmo 24dB/oitava),
- a resposta de freqüência a qual o falante será submetido
- a atenuação de sensibilidade que será necessária.
Assim, a potência máxima que os falantes de médios e agudos suportarão não dependerá apenas da
potência do próprio falante, mas de todo um conjunto de fatores. Muita gente acaba danificando seus
drivers e tweeters por causa da não observância desses fatores. Impõe-se aos alto-falantes um regime de
trabalho para o qual eles não são preparados e, com isso, podem vir a queimar.
POTÊNCIA DOS FALANTES X POTÊNCIA DOS AMPLIFICADORES
Um dos assuntos que mais levanta dúvidas para quem trabalha com sonorização é uma frase comentada
por todos os profissionais:
"A potência do amplificador precisa ser duas vezes maior que a potência dos falantes"
Vejam um exemplo disso: http://www.studior.com.br/especial.htm
Por que isso? Por causa da diferença de formas de medição - sinal senoidal simples para amplificadores
e ruído rosa para falantes - e também por causa do fator de crista desses sinais (+3dB e + 6dB.
Entenda que, quando o amplificador é levado ao seu limite, ele começa a distorcer - é o terrível Clipping.
Todo amplificador profissional tem luzes indicativas de Clipping. Quando o amplificador trabalha abaixo do
limite, a distorção é mínima (abaixo de 1%) e os falantes trabalham "folgados". Mas quando o amplificador
trabalha acima desse limite, a distorção sobe muito e ultrapassa os limites suportados pelos falantes.
Quando acontece distorção, a onda de sinal se afasta muito do seu formato original (senóide) e forma
uma onda quadrada. Ondas quadradas são fatais para os falantes, que não conseguem reproduzi-las,
transformando tudo em calor e com isso ultrapassando o limite térmico da bobina, que se rompe, entre
outros problemas.
Assim, o grande problema não é evitar que o falante receba mais potência do que a admissível. Eles são
feitos para agüentar até 4x mais potência que o normal (fator de crista = +6dB). O grande problema é
receber ondas quadradas. Nesses casos, mesmo com potências abaixo da máxima admissível, o falante
pode sofrer danos. Aliás, os profissionais dizem que é mais comum ver falantes danificados por causa
de baixa potência e alta distorção do que por causa de alta potência e nenhuma distorção
(lembrando que existem outros motivos também para queima de falantes).
Por causa disso, muitos amplificadores (os melhores) são construídos com circuitos limitadores, de forma
que o sinal é constantemente monitorado e - ao menor sinal de clipping - o nível do sinal é diminuído, de
forma a não formar ondas quadradas. Quem não tem amplificador com limitadores deve proteger seus
sistemas com compressores/limitadores.
Assim, por regra, se os amplificadores tiverem o dobro da potência máxima admissível pelas caixas (por
exemplo: 2 caixas de 300W - total 600W - exigem um amplificador de 1.200 W), os limites de potência
sem distorção das caixas acústicas e do amplificador serão idênticos, minimizando os riscos de queima
de falantes.
Mas....será que é todo mundo que precisa disso? Amplificador é tão caro...
Não, nem todos precisam de amplificadores com mais potência que os falantes. Eu mesmo tenho mais
que o dobro de potência de caixas em relação ao amplificador com o qual trabalho, e nunca tive nenhum
problema de queima de falantes. Quase todo mundo que trabalha com igrejas também é assim, tem mais
potência de caixas que potência de amplificador. Aliás, isso porque amplificadores são realmente caros!
O segredo não é a relação entre potências, mas sim o fato de não haver clipping. O segredo é vigiar a luz
indicativa de clipping constantemente. Ela não está lá no amplificador à toa (apesar da maioria dos
operadores não fazer idéia da sua função).
Os textos com a opinião dos fabricantes refletem uma situação do mercado profissional, gente que ´"tira o
máximo" do equipamento, como um DJ tocando em uma festa, um trio elétrico, um show. Para quem leva
o equipamento ao limite, é melhor mesmo que o limite do amplificador seja o mesmo que o limite das
caixas. Mas em igrejas, onde temos crianças, idosos, vizinhos e o Disque-Silêncio, é comum estarmos
longe do alcançar esses limites.
Download

Potência, uma coisa mais que complicada