1º Ciclo Enologia TRABALHO PRÁTICO Nº1 Química Orgânica I PONTOS DE FUSÃO INTRODUÇÃO O ponto de fusão é uma propriedade física característica de uma substância pura, tal como o ponto de ebulição, a densidade, a rotação óptica, as propriedades espectroscópicas no ultravioleta e no visível, no infravermelho, de ressonância magnética nuclear, etc. A identificação de uma substância pode frequentemente ser feita por comparação das suas propriedades físicas observadas experimentalmente com as descritas na literatura. A maioria dos compostos orgânicos possui pontos de fusão suficientemente baixos (50-300°C) para poderem ser determinados convenientemente com equipamentos simples. Os químicos orgânicos utilizam por isso os pontos de fusão, rotineiramente, para avaliarem a pureza de compostos cristalinos e para ajudar a identificar esses compostos. O ponto de fusão de um sólido define-se com sendo a temperatura à qual as fases sólida e líquida coexistem em equilíbrio a uma dada pressão, ou seja, a temperatura à qual as pressões de vapor das fases sólida e líquida são iguais. Embora a intersecção das curvas da pressão de vapor das fases sólida e líquida (num diagrama pressão de vapor versus temperatura) consista num único valor pontual de temperatura para a fusão de um sólido, numa determinação experimental comum isso raramente é observado devido ao próprio método experimental utilizado. Em geral, para determinar o ponto de fusão de uma substância, introduz-se uma pequena quantidade de cristais finamente pulverizados, por exemplo, num tubo capilar selado numa das extremidades que é inserido no aparelho de medição do ponto de fusão e aquecido a uma velocidade de cerca de 1-2°C/min.. Dado que é necessário um período de tempo finito para que ocorra a fusão completa da amostra, um intervalo finito de temperaturas será então percorrido durante o processo. Assim, é necessário registar um intervalo de temperaturas para a fusão de qualquer composto, designado por intervalo de fusão, cujos extremos são a temperatura correspondente ao início da liquefacção da substância e a temperatura à qual se encontra totalmente liquefeita. 1 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I Os livros de tabelas de pontos de fusão indicam usualmente para um dado composto, uma única temperatura de fusão, a qual é, em geral, a média de vários valores de temperaturas de fusão descritos. A temperatura e a extensão do intervalo de fusão são atributos importantes de uma dada substância e que reflectem a sua pureza. Os compostos cristalinos puros têm intervalos de fusão estreitos. A presença de impurezas numa amostra, mesmo em pequenas quantidades, baixa geralmente a temperatura de fusão e alarga o seu intervalo. Um intervalo de fusão grande (maior que 5°C) indica, normalmente, que a substância é impura. Um intervalo de fusão estreito (0,5-2,0°C) é, em geral, indicativo de um composto praticamente puro. Existem, no entanto, algumas excepções a estas generalizações. De facto, pequenas diferenças no ponto de fusão (na ordem de 2-3°C) podem também resultar do modo de cristalização do composto, da exactidão do termómetro do aparelho de medição do ponto de fusão e da experiência de quem faz a sua determinação. O comportamento do ponto de fusão de um composto impuro pode ser melhor entendido recorrendo a um diagrama de fases modificado de uma mistura binária de A e B (Figura 1). Este diagrama de fases representa o comportamento do ponto de fusão em função da composição da mistura. Definiu-se anteriormente o ponto de fusão de um composto puro como a temperatura à qual as pressões de vapor das fases sólida e líquida são iguais. Quando se trata de uma mistura a situação é diferente. Consideremos o caso de uma mistura constituída por 15% de A e 85% de B. A uma temperatura abaixo da temperatura eutética, teut, (mínima temperatura de fusão possível para uma mistura de A e B) a mistura é constituída pelos seus componentes A e B sólidos qualquer que seja a sua proporção. À temperatura eutética (teut) o sólido começa a fundir, obtendo-se uma solução de A dissolvido em B líquido (líquido de composição eutética). A pressão de vapor da solução de A e B é inferior à pressão de vapor de B puro (aplicação da Lei de Raoult) e, por isso, a temperatura à qual B funde é menor quando se encontra misturado com A. No entanto, a quantidade de líquido será demasiado pequena para se conseguir observar distintamente fusão a esta temperatura. O ponto no qual uma fase líquida nitidamente formada pode esperar-se ser observada é representado pela curva mais fina. Assim, com a continuação do aquecimento da 2 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I amostra acima de teut, progressivamente mais B funde, resultando fusão observável à temperatura tinf, a qual constitui o extremo inferior registado para o intervalo de fusão. Continuando o aquecimento ir-se-á gerar mais líquido até à temperatura tsup, altura em que toda a fase sólida terá desaparecido. Esta será a temperatura do extremo superior do intervalo de fusão. Deste modo, a amostra terá um intervalo de fusão que é mais largo e mais baixo (ambos os valores de tinf e tsup são mais baixos) que o do composto B puro (tB). Se se tiver uma outra amostra contendo menor quantidade de A (B menos impuro), é de esperar que o intervalo de fusão (tsup-tinf) seja mais estreito com ambos os valores de tsup e tinf mais elevados. tB t sup t Liquido A + Líquido B A Sólido A + Líquido Sólido B + Líquido t inf t eut Sólido A + Sólido B 100% A 0% B 15% A 0% A 85% B 100% B Figura 1 - Diagrama de fases modificado de uma mistura binária de A e B. O único caso em que será de esperar que se observe fusão a temperaturas muito próximas da teut será para amostras com composições próximas da composição eutética (composição com o menor ponto de fusão de todas as proporções possíveis). No entanto, a probabilidade de, ocasionalmente, uma mistura possuir a composição eutética é, em geral, muito pequena. Depois do exposto torna-se evidente que uma impureza contaminante de um dado composto terá que ser solúvel no composto pois uma impureza insolúvel não provoca qualquer depressão no ponto de fusão. A impureza também não tem de ser necessariamente sólida. Pode tratar-se de um líquido como a água ou de resíduos do solvente usado na recristalização do composto. 3 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I O fenómeno da depressão do ponto de fusão de misturas relativamente aos pontos de fusão dos correspondentes componentes puros pode ser utilizada na identificação expedita de compostos desconhecidos. Suponhamos que um composto X tem um intervalo de fusão estreito e que suspeitamos que seja igual ao composto conhecido Y. Obviamente que, se se tratar do mesmo composto, então terão ambos o mesmo ponto de fusão. Assim, se o ponto de fusão de Y referido na literatura for significativamente diferente do ponto de fusão determinado para o composto X, poderemos afirmar com bastante certeza que este não tem a mesma estrutura do composto Y. Se, por outro lado, o ponto de fusão de Y referido na literatura for diferente apenas em alguns graus centígrados do ponto de fusão determinado para o composto X, então os dois compostos podem ser o mesmo (a pequena diferença encontrada pode ser devida a variações na técnica da recristalização ou à pureza dos compostos). Para podermos ter a certeza que os compostos X e Y são o mesmo composto, teremos que determinar o ponto de fusão misto, isto é, o ponto de fusão de uma mistura de X e de Y em quantidades iguais. Se X e Y forem o mesmo composto a mistura terá o mesmo ponto de fusão de X ou de Y. Se, por outro lado, X e Y não forem o mesmo composto (mesmo que quando separados tenham o mesmo ponto de fusão) então a mistura dos dois compostos apresentará, regra geral, um ponto de fusão mais baixo e um intervalo de fusão maior do que cada substância tem em separado, uma vez que cada substância actua como impureza na outra. De referir ainda que o intervalo de fusão observado pode ser influenciado, não apenas pela pureza do produto, mas também pelo tamanho dos cristais, pela quantidade de amostra utilizada, pela densidade do seu empacotamento no tubo capilar e pela velocidade de aquecimento. Quando o aquecimento é demasiado rápido, por exemplo, a temperatura do aparelho aumenta vários graus centígrados durante o tempo necessário para ocorrer a transferência de calor do aparelho, através das paredes do capilar e através da massa de amostra, para que a fusão ocorra e, por conseguinte, o intervalo de fusão observado será mais alto que o verdadeiro. Assim, quando a temperatura do aparelho se aproxima do ponto de fusão do composto é essencial que a temperatura aumente lentamente e a uma velocidade constante (cerca de 1-2°C/min.) para se obterem resultados fiáveis. Do mesmo modo, a quantidade de amostra deve ser pequena, finamente pulverizada (tornada 4 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I em pó) e compactada ligeiramente num tubo capilar de paredes finas, devendo a coluna de sólido ter uma altura suficiente (cerca de 1-2 mm) para ser observada claramente durante a fusão. Deve-se também observar e registar sempre cuidadosamente o comportamento da amostra durante a fusão. Pode escrever-se, por exemplo: "funde com um intervalo de fusão estreito a 89,0-89,5°C"; "p.f. 131-133°C com decomposição" ou "descora a 60°C"; "funde lentamente no intervalo 67-69°C", etc. Neste trabalho ir-se-á determinar os pontos de fusão de dois sólidos puros e de duas misturas desses sólidos em diferentes proporções de modo a verificar o efeito da existência de impurezas no ponto de fusão de um composto. Proceder-se-á igualmente à identificação de um composto desconhecido a partir do seu ponto de fusão e do ponto de fusão misto com uma amostra autêntica. MATERIAL NECESSÁRIO • Espátula • Bico de Bunsen • Cristalizador de vidro • Aparelho medidor de pontos de fusão • Capilares de ponto de fusão • Tubo de vidro REAGENTES • Acetanilida • Ureia • Ácido salicílico • Ácido benzóico • Ácido trans-cinâmico • Mistura acetanilida/ác. salicílico 95/5 • Colesterol • Mistura acetanilida/ác. salicílico 85/15 • Ácido trans-3-metoxicinâmico • Amostra desconhecida • Benzoína 5 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I PROCEDIMENTO I – Determinação de pontos de fusão de substâncias conhecidas ► Coloque 20-30 mg de acetanilida num pequeno cristalizador de vidro e triture os cristais com a ajuda de uma espátula até obter um pó fino. ► Introduza uma pequena quantidade de acetanilida num tubo capilar para pontos de fusão, após ter fechado previamente uma das extremidades por aquecimento num bico de Bunsen, Extremidade aberta do tubo Cristais Cristais introduzidos no tubo capilar calcando a extremidade aberta do tubo no seio do pó várias vezes. ► Para fazer depositar o sólido na extre- Inserção de cristais no tubo capilar midade do tubo capilar bata ao de leve a extremidade fechada do tudo na superfície da bancada ou deixe cair o tudo capilar, várias vezes, através de um tubo de vidro. Repita o procedimento anterior de enchimento do tubo até este conter uma coluna de sólido compacta com cerca de 2 mm de altura. ► Insira o tubo capilar no aparelho de pontos de fusão e inicie o aquecimento. A temperatura pode ser deixada subir de forma relativamente rápida até cerca de 15-20°C abaixo do ponto de fusão esperado para o composto. Diminua então a velocidade de aquecimento do aparelho de modo a que, durante a determinação do intervalo de fusão, a temperatura não aumente mais que 1-2°C/min.. Registe o intervalo de fusão medido. ► Determine o ponto de fusão de ácido salicílico pelo mesmo processo e registe o seu valor. ► Para demonstrar o efeito da presença de impurezas no ponto de fusão de uma substância, determine os intervalos de fusão de duas misturas de acetanilida/ácido salicílico nas 6 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I proporções 85/15 e 95/5 procedendo como anteriormente. Registe os intervalos de fusão observados. II – Identificação de uma substância desconhecida ► Determine rigorosamente o ponto de fusão da amostra desconhecida, tendo o cuidado de utilizar um aquecimento lento (1-2°C/min.) acima dos 85°C. Registe o valor obtido. ► Usando os dados de pontos de fusão da Tabela 1 identifique preliminarmente o composto desconhecido. ► Confirme a identidade do composto desconhecido pela técnica do ponto de fusão misto. Para tal misture cerca de 20 mg deste composto com igual quantidade da substância que suspeita ser e determine o intervalo de fusão da mistura. Registe os valores observados. Tabela 1 - Pontos de fusão de alguns compostos orgânicos Composto P.f. (°C) Acetanilida 113-114 Ácido trans-3-metoxicinâmico 118-120 Ácido benzóico 121-122 Ácido trans-cinâmico 132-133 Benzoína 132-133 Ureia 132-133 Colesterol 148-150 Ácido salicílico 156-158 QUESTIONÁRIO 1. Descreva o objectivo deste trabalho. 2. Escreva as fórmulas de estrutura dos compostos orgânicos referidos na Tabela 1 e relacioneas, em termos das forças intermoleculares, com os respectivos pontos de fusão. 7 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I 3. Suponha que um composto orgânico está contaminado com areia. Diga, justificando a sua resposta, se a presença desta última influencia o intervalo de fusão do composto. 4. Numa experiência um aluno obteve um composto cristalino após ter sido recristalizado de água. Nessa aula a estufa estava avariada e, por isso, não foi possível deixar os cristais a secar. Diga, justificando a sua resposta, se o intervalo de fusão dos cristais obtidos vai ser afectado pelo facto de não terem sidos secos. Qual teria sido o procedimento correcto do aluno nesta situação? 5. Um estudante recristalizou 0,50 g de ácido acetilsalicílico (aspirina) com clorofórmio e obteve 0,15 g de cristais que apresentavam ponto de fusão 128-135°C. Especule sobre a pureza dos cristais obtidos pelo estudante. 6. Três frascos rotulados de A, B e C contêm substâncias sólidas com aproximadamente os mesmos pontos de fusão. Diga como pode provar que os três frascos contêm três compostos químicos diferentes. 7. Suponha que acaba de sintetizar um composto que possui ponto de fusão 90-93°C. Será este composto, o composto A referido na literatura cujo ponto de fusão é 95,5-96°C ou será, o composto B referido na literatura com ponto de fusão 90,5-91°C? Justifique convenientemente a sua resposta. 8. Um aluno arranjou trabalho nas férias de Verão numa empresa farmacêutica tendo como primeira tarefa limpar a bancada de laboratório. Enquanto fazia isso, as etiquetas de dois frascos que continham cada um 1kg de um sólido cristalino branco descolaram-se e caíram. Uma etiqueta tinha escrito "4-acetamidofenol" e a outra "X2T53" - um maravilhoso novo fármaco desta empresa que vale 100cts/g. Na tentativa de colocar as etiquetas sem causar um grande alvoroço (com eventual perda do emprego), o aluno determinou o ponto de fusão de cada sólido: tinham ambos o mesmo ponto de fusão 170-172°C não podendo, por isso, distinguir os dois sólidos. Na bancada estava outro frasco de 4-acetamidofenol. Diga, justificando convenientemente a sua resposta, que experiências baseadas na técnica do 8 1º Ciclo Enologia Química Orgânica I ponto de fusão o aluno teria que fazer para repor correctamente as etiquetas nos respectivos frascos. BIBLIOGRAFIA Ault, A. "Techniques and Experiments for Organic Chemistry", 6ª Ed., University Science Books, Califórnia, 1998. Williamson, K. L. "Macroscale and Microscale Organic Experiments", 3ª Ed., Houghton Mifflin Company, Boston, 1999. Moseley, C. G. J. Chem. Educ., 1989, 66, 1063. Harding, K. E. J. Chem. Educ., 1999, 76, 224-225. 9